entrevista a albano homem de melo

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O agregador do marketing. 6 Março de 2011 www.briefing.pt Fátima de Sousa jornalista fs@briefing.pt Assina a nova imagem da ERA, a imobiliária que anda de nave espacial e factura cada vez mais, apesar da crise. Ou, quem sabe, devido à crise. Albano Homem de Melo, 43 anos, desistiu de uma carreira na publicidade mas não da criatividade. Nem do sucesso: os seus hambúrgueres H3 estão nas bocas do mundo Ramon de Melo Casa própria é originalidade portuguesa Albano Homem de Melo, consultor da ERA Imobiliária Briefing | A ERA tem vindo a cres- cer apesar da crise. Como explica esta aparente contradição? Albano Homem de Melo | As crises servem muitas vezes para separar o trigo do joio e penso que foi o que aconteceu. A ERA vai sair da crise com maior quota, em parte porque muitas pequenas imobiliárias de- sapareceram. Por outro lado, pode dizer-se que a ERA se preparou para a crise, mesmo antes de se saber que ia haver crise. Em Portugal, a crise chegou através dos mercados financeiros. E a ERA, como é uma empresa altamente profissional e profissionalizada, que funciona bem e tem tido uma política consistente, estava muito bem preparada. E por isso tem vindo a ganhar quota de mercado. Briefing | A crise acabou por ser favorável para o negócio… AHM | No que respeita ao cresci - mento da quota de mercado, sim. Mas a crise traz outras questões, como a retracção da banca. Por ve- zes, há um trabalho inglório de anga- riar casas mas as vendas depois não se fazem por falta de financiamento bancário. Além disso, a curva de preços mostra pouca elasticidade no início, com uma tendência para baixar pouco o preço, à espera que o mercado recupere. Mas depois acabam por ceder e isso contribui para aumentar as vendas. A crise nunca é boa para o imobiliá- rio. Sobretudo em Portugal, onde as pessoas estão muito endividadas: uma parte grande dos ordenados é Entrevista para pagar as casas. Não há uma crise imobiliária como em Espanha, mas também não é uma chuva de oportunidades. Briefing | Sente que as pessoas re- correm mais à intermediação? AHM | Mesmo antes da crise, já existia um aumento dos negócios intermediados na venda de casas, porque o mercado se sofisticou. As imobiliárias têm o conhecimento do mercado, prestam todo um serviço de valor acrescentado. Ora, numa

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Entrevista a Albano Homem de Melo

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Page 1: Entrevista a Albano Homem de Melo

O agregador do marketing.6 Março de 2011

www.briefing.pt

Fátima de Sousajornalista

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Assina a nova imagem da ERA, a imobiliária que anda de nave espacial e factura cada vez mais, apesar da crise. Ou, quem sabe, devido à crise. Albano Homem de Melo, 43 anos, desistiu de uma carreira na publicidade mas não da criatividade. Nem do sucesso: os seus hambúrgueres H3 estão nas bocas do mundo

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Casa própria é originalidade portuguesa

Albano Homem de Melo, consultor da ERA Imobiliária

Briefing | A ERA tem vindo a cres-cer apesar da crise. Como explica esta aparente contradição?Albano Homem de Melo | As crises servem muitas vezes para separar o trigo do joio e penso que foi o que aconteceu. A ERA vai sair da crise com maior quota, em parte porque muitas pequenas imobiliárias de-sapareceram. Por outro lado, pode dizer-se que a ERA se preparou para a crise, mesmo antes de se saber que ia haver crise. Em Portugal, a crise chegou através dos mercados

financeiros. E a ERA, como é uma empresa altamente profissional e profissionalizada, que funciona bem e tem tido uma política consistente, estava muito bem preparada. E por isso tem vindo a ganhar quota de mercado.

Briefing | A crise acabou por ser favorável para o negócio…AHM | No que respeita ao cresci-mento da quota de mercado, sim. Mas a crise traz outras questões, como a retracção da banca. Por ve-

zes, há um trabalho inglório de anga-riar casas mas as vendas depois não se fazem por falta de financiamento bancário. Além disso, a curva de preços mostra pouca elasticidade no início, com uma tendência para baixar pouco o preço, à espera que o mercado recupere. Mas depois acabam por ceder e isso contribui para aumentar as vendas. A crise nunca é boa para o imobiliá-rio. Sobretudo em Portugal, onde as pessoas estão muito endividadas: uma parte grande dos ordenados é

Entrevista

para pagar as casas. Não há uma crise imobiliária como em Espanha, mas também não é uma chuva de oportunidades.

Briefing | Sente que as pessoas re-correm mais à intermediação?AHM | Mesmo antes da crise, já existia um aumento dos negócios intermediados na venda de casas, porque o mercado se sofisticou. As imobiliárias têm o conhecimento do mercado, prestam todo um serviço de valor acrescentado. Ora, numa

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“A crise nunca é boa para o imobiliário.

Sobretudo em Portugal, onde as

pessoas estão muito endividadas: uma parte grande dos ordenados é para pagar as casas.

Não há uma crise imobiliária como em

Espanha, mas também não é uma chuva de

oportunidades”

crise, em que as oportunidades de venda se reduzem e há retracção do financiamento, é mais necessário do que nunca que alguém faça esse trabalho de promoção e qualificação do imóvel. Como é mais difícil vender, têm de ser profissionais a fazê-lo. Os proprietários perceberam que a sua profissão não é vender casas. E, aí sim, há uma oportunidade para as imobiliárias.

Briefing | O menor acesso ao finan-ciamento deu um novo alento ao arrendamento, ou nem por isso?AHM | À partida, como há menos financiamento bancário para adqui-rir casa própria, poderia haver mais procura de arrendamento, mas a verdade é que não há oferta. Devia haver mais proprietários interessados em arrendar mas não o fazem por in-segurança jurídica. Um imóvel é um activo caríssimo para se correr o ris-co do incumprimento no pagamento de rendas. Um proprietário com pro-blemas com o inquilino tem grande dificuldade em resolvê-los, o que é péssimo para o negócio. Na minha opinião, o mercado do arrendamento não cresce enquanto a justiça não for mais rápida. Legislação não falta, fal-ta é razoabilidade. Ao mesmo tempo há também a questão da mentalida-de: em Portugal, toda a gente quer ter casa própria, é uma originalida-de. Lá fora só as classes mais altas têm casa própria, além de que há maior mobilidade social. Aqui muda-se pouco de cidade. E durante anos fizeram-se bons negócios, trocava-se de casa com mais facilidade. Hoje não é assim.

Briefing | A que se deve essa origi-nalidade portuguesa?AHM | Parece-me que é uma aspi-ração de sempre. Ter casa própria simboliza o aumento da qualidade de vida, do estatuto social. E tem tam-bém a ver com um factor de protec-ção, uma reminiscência da caverna. Basta ver como as pessoas tratam melhor o lado de dentro da casa do que o exterior. Há aqui um sentido de não partilha pública de um bem.

Briefing | Disse que a ERA se preparou melhor para a crise. Como?

AHM | A ERA tem um sistema de formação do seu franchisado como deve haver poucos em Portugal. Pen-sa no franchisado como um homem de negócios, a que é preciso dar for-mação: não basta acreditar nas ca-racterísticas inatas, é preciso dotá-lo de ferramentas, ao nível do acom-panhamento dos comerciais, da promoção do imóvel por exemplo. É um sistema praticamente infalível e a casa mãe tem muito a aprender com a ERA Portugal. Mas não é só a formação. A ERA trata as lojas como se fossem suas. Há uma irmandade entre o franchi-sador e o franchisado e essa uni-dade faz com que a empresa seja muito forte. O franchisador não é alguém que está de fora, a ver se o negócio corre bem ou mal e que, se correr mal, fecha a porta ao franchisado: é alguém que toma as dores de cada um dos franchisados.

“Na minha opinião, o mercado do

arrendamento não cresce enquanto a

justiça não for mais rápida. Legislação não falta, falta é razoabilidade”

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Uma empresa feliz. É assim que Albano Homem de Melo define a H3, empresa na qual teve o privilégio – as palavras são do próprio – de poder pensar durante um ano, juntamente com os amigos An-tónio Cunha Araújo e Miguel van Uden. Desse brainstorming a três nasceu um conceito revolucionário para o menos óbvio dos produ-tos de restauração – o hambúrguer. De carne fresca, servido com batatas fritas às rodelas, arroz thai, esparregado, limonada caseira… “As boas ideias são assim”, resume. Hoje são 35 lojas, incluindo a primeira de rua inaugurada em Fevereiro. A not so fast food já che-gou à Polónia e está a caminho de Espanha e do Brasil.Albano já era um apreciador de hambúrgueres. Fez até uma viagem a Nova Iorque em busca dos melhores. Viajar para comer é uma ideia que lhe é cara. Cozinhar também. De tal modo que está já na calha um livro de receitas. Descomplicado. Diz-se um publicitário no negócio da restauração, mas poderá vir a ser um publicitário que escreve livros ou faz cinema. “Geneticamen-te, sou um publicitário”. Academicamente, um licenciado em Direito. Por influência da mãe, em tempos em que não sabia o que queria fazer. Não culpa a mãe e até fez o estágio, só não entregou os “pa-péis”. E não se arrepende: foi lá que conheceu a mulher, de quem tem três filhos.Em 43 anos de vida, apenas há dois vive em casa própria. E só porque surgiu a oportunidade de adquirir a casa da avó. Negócios de imobiliário com a ERA não fez, mas garante que a aconselha aos amigos.

H3, a fórmula do not so fast foodPERFIL

Briefing | Essa postura é boa para o negócio?AHM | No negócio do franchising, po-de-se ganhar dinheiro através dos di-reitos de ingresso ou dos royalties e a ERA optou por esta segunda via. Po-dia ir renovando direitos de ingresso, mas prefere apostar na estabilidade, numa relação longa com o franchisa-do, sempre com o limite do profissio-nalismo. Não é líquido que o sistema gera mais dinheiro, mas a ERA tem-se dado bem com esta opção mais humanista.

Briefing | A empresa sofreu recen-temente uma mudança de ima-gem, com a sua assinatura. Porquê mudar?AHM | Havia claramente um desfa-samento entre a imagem da empre-sa e o seu desempenho. A empresa cresceu muito depressa e deu ênfase a outras ferramentas, descurando um pouco a imagem externa. Havia uma

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“A ERA sabe que é líder, tem os

seus números, faz extrapolações de

mercado, mas não tem como provar.

Pode é comunicar o seu valor. E esse valor

tem também a ver com a confiança”

maneira de estar muito low profile. Não é que o marketing não estivesse presente – uma empresa que vende casas tem de ter um marketing bem desenvolvido senão não vende, mas a imagem da empresa, das lojas, das peças de comunicação não estava muito trabalhada. Era preciso dar-lhe uma nova pertinência. Fizemos um estudo de mercado e concluímos que as pessoas privilegiam imobiliá-rias grandes e multinacionais. O es-tudo apontava para a importância de sermos grandes, pelo que começá-mos paulatinamente a comunicar os números – de lojas, de colaborado-res, de casas vendidas. Além disso, havia necessidade de combater os números que o principal concorrente divulgava alegremente, são números

não consentâneos com a realidade. Não há números oficiais. A ERA sabe que é líder, tem os seus núme-ros, faz extrapolações de mercado, mas não tem como provar. Pode é comunicar o seu valor. E esse valor tem também a ver com a confiança. Tínhamos indicações de que a ERA, apesar de ser low profile, tinha uma imagem mais confiável. Foi a partir destas duas ideias que desenvol-vemos a nova assinatura – “ERA, a imobiliária em que mais portugueses confiam”. Foi um casamento entre confiança e quantidade.

Briefing | E como é que chegou à nave espacial e ao claim “A imo-biliária que anda mais depressa”?AHM | Tem novamente a ver com a

grandeza e com a confiança. É a imo-biliária que anda mais depressa por-que vende mais casas, vende mais rapidamente, e quem vende mais e mais rapidamente tem a escolha, a confiança do cliente. Tratava-se de mostrar esse lado da performance de uma imobiliária que tinha uma imagem pouco comunicante por oposição a um concorrente bastante activo e bastante palavroso.Quanto à nave espacial, é uma pe-quena provocação subliminar com o concorrente principal que se desloca de balão… Se calhar esta provoca-ção funciona menos para o público externo e mais para o interno, que é preciso manter motivado. Toda a co-municação que os colaboradores re-cebem é no sentido de acreditarem

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Edição vídeo desta entrevista

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que são apoiados por uma empresa que tem força. Mas pode também ficar no incons-ciente dos clientes: “Eles andam de balão, nós de nave, escolha-nos a nós!”. Internamente essa analogia foi feita, externamente também po-derá ser.

Briefing | Abdicou de uma carreira na publicidade mas mantém esta consultoria. Porquê?AHM | Por amizade. Conhecia a em-presa, sabia que existia um desfasa-mento entre a qualidade da empre-sa e a sua imagem e acreditei que podia prestar um bom serviço. Mas só aceitei com uma condição; disse-lhes que sou um criativo estragado que já não consegue ouvir muitas

dimentos… Mas ao fim de dois, três anos, os números já estavam bons e eu achei que o meu contributo esta-va dado. Não me deslumbrava gerir aquela parte do negócio, gostava era de fazer anúncios. Entretanto, tive um convite irresistível da BBDO. Aceitei. Na Young era difícil continuar a ser director criativo sendo ex-pre-sidente e na BBDO ia trabalhar com uma equipa do melhor que havia em Portugal. Entrei a pensar que ia continuar com a mesma paixão, mas descobri que estava na altura de mu-dar de vida. Não acordava com um entusiasmo por aí além… Foi um dilema, mas ao fim de cinco meses tomei uma decisão irrevogável. E foi um alívio. Apetecia-me um mergulho no abismo. Precisava do risco.

Entrevista

“Por vezes, há um trabalho inglório de angariar casas mas as vendas

depois não se fazem por falta de financiamento bancário”

opiniões e pedi-lhes apenas que me avisassem com dois minutos de an-tecedência quando quisessem pôr fim a esta parceria.

Briefing | A propósito de pôr fim, porque deixou a publicidade?AHM | Sempre trabalhei apaixona-damente a pensar que um anúncio era a coisa mais importante do mun-do. Se calhar era uma importância desmesurada, mas era uma paixão. Até que a certa altura, na Y&R, acu-mulei a presidência com a direc-ção criativa. Foi quando os aviões chocaram nas torres gémeas e co-meçou a maior crise de sempre na publicidade. Foram tempos muito di-fíceis, mas não menos entusiasman-tes. Foi preciso fazer cortes, despe-