entre o livro e o youtube hÁ um filme: uma experiência...
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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI FULVIA ZONARO CRESTANI
ENTRE O LIVRO E O YOUTUBE HÁ UM FILME: Uma experiência transmidiática de consumo
por alunos em sua formação leitora
SÃO PAULO 2016
C941e Crestani, Fulvia Zonaro Entre o livro e o youtube há um filme: uma
experiência transmidiática de consumo por alunos em sua formação leitora / Fulvia Zonaro Crestani . – 2016.
120f. : il. ; 30 cm. Orientador: Maria Ignês Carlos Magno. Dissertação (Mestrado em Comunicação). –
Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2016. Bibliografia: f. 102-108.
1. Comunicação social. 2. Cultura audiovisual. 3. Literatura infanto-juvenil. 4. Redes sociais. I. Título.
CDD 302.2
FULVIA ZONARO CRESTANI
ENTRE O LIVRO E O YOUTUBE HÁ UM FILME: Uma experiência transmidiática de consumo
por alunos em sua formação leitora
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Co- municação Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno.
SÃO PAULO 2016
FULVIA ZONARO CRESTANI
ENTRE O LIVRO E O YOUTUBE HÁ UM FILME: Uma experiência transmidiática de consumo
por alunos em sua formação leitora
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Co- municação Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno.
Aprovado em ____ / ____ / ____
_______________________________________________ Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno /
Universidade Anhembi Morumbi
_______________________________________________ Prof. Dr. Vicente Gosciola /
Universidade Anhembi Morumbi
_______________________________________________ Profa. Dra.Tânia Calegaro/
Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. FESPSP
À minha mãe
Pela presença, pela força, pelo exemplo.
Pelo apoio para com seus netos, suas filhas e seus genros.
AGRADECIMENTOS Um trabalho como esse é tecido na memória, na lembrança, nas leituras, nas análises e nas
contribuições de cada um que nos rodeia, portanto, agradeço a todos que de alguma forma
contribuíram para este trabalho.
Agradeço imensamente à Universidade Anhembi Morumbi, a Secretaria Municipal da Educação de
São Paulo, em parceria com a Clinton Global Initiative – Riley Scholars e a Laureate International
Universities pela oportunidade e pela bolsa que proporcionaram este estudo.
Agradeço a todos os meus professores, em especial à profa. Marieta que, lá na
5ª série, mostrou a leitura com tanto amor.
Às profas. da graduação Fátima Andreoli, Maria de Lourdes e Silva Pereira e Any Marise Ortega;
e da pós-graduação, em especial à Olgair Gomes Garcia e Ruy Cesar do Espírito Santo, da Uni-FIG.
À Ivete Costa, por me mostrar caminhos na vida onde muitas vezes eu vi paredes...
À minha orientadora, profa. Maria Ignês Carlos Magno, pelos muitos ensinamentos, mas,
principalmente, pela humildade e grandeza que tem dentro de si. O sol brilha por si só,
não precisa de holofotes.
A Rosana Soares Godinho, a quem sou extremamente grata pela generosidade e apaixonamento
pelo mundo literário, que me apresentou a magia das possibilidades da sala de leitura nas escolas
municipais.
Aos meus amigos e colegas de profissão do CEU EMEF Água Azul, especialmente a Junia Helena
Renato de Moraes: a humanidade e o comprometimento de vocês foram fundamentais no meu
percurso.
Aos meus filhos, Murilo e Heitor, pela paciência, compreensão e amor. Luto para que o mundo de
vocês seja cada vez melhor!
Ao meu eterno namorado, marido, amigo, conselheiro. “Sem você, eu nada seria!”
Agradeço, acima de tudo, aos meus alunos: por vocês eu sempre acreditarei e trabalharei na
esperança de um futuro mais humano, mais ético, mais responsável para com as pessoas
e com o planeta!
E, à luz que me ilumina... Òké Aro!!! Adociara!!!
RESUMO
Trata-se do estudo bibliográfico da experiência de consumo de produtos audiovisuais
e de novas narrativas por meio das redes sociais para incentivar a formação e a
identidade leitora em alunos de uma escola de Ensino Fundamental 2 na periferia de
São Paulo. Essa experiência se dá em um Clube de Leitura e das motivações dos
alunos para frequentá-lo em horário extraescolar, fundamentando a relação entre
mídias e literatura, principalmente no que tangencia a obra A culpa é das estrelas, do
estadunidense John Green, grande campeão de vendas e público em 2014. Objetiva-
se observar como as novas narrativas e a cultura participativa afetam e transformam
a identidade cultural e leitora destes alunos, para investigar a cultura audiovisual, o
consumo, as novas narrativas e a experiência transmidiática. A cultura de participação
e engajamento elevou o status do pré-adolescente (entre 10 e 15 anos) à categoria
de autor/consumidor. Ele cria, copia, interage, responde, compartilha, edita, produz
paródias, enfim, não há mais passividade e “simples” receptividade nos diferentes
níveis de consumo. A empatia é um dos ingredientes disparadores destas ações –
empatia esta pelo autor, pelo produto ou mesmo interesses em comum do grupo –,
vivemos um paradigma de retroalimentação eterno, como salienta Vilém Flusser
(2008). O objeto-livro, com isso, ganhou referência de pertencimento e é
compartilhado na configuração identitária do jovem e no consumo de novas narrativas.
Conclui-se que, o jovem hoje vê e lê, seleciona o que ver e o que ler, é atuante nesta
decisão, e parte dos seus interesses e gostos, além das suas relações sociais, para
explorar o mundo e a literatura, conectando-os e ampliando-os para além do simples
consumo e das relações com as mídias.
PALAVRAS-CHAVE
Cultura audiovisual. Novas narrativas. Experiência transmidiática. Redes sociais.
Literatura infantojuvenil.
ABSTRACT
This is a bibliographic study of consumer audio-visual products of experience and new
narratives through social networks to encourage the formation and reader identity in
students of elementary school students, in the periphery of São Paulo. This study starts
by the experience of a Reading Club and the motivation of students to attend it in period
after school, basing the relationship between media and literature, especially that
touches the book “The Fault in our Stars” of John Green, bestsellers author, in 2014.
The objective is to study and analyze how new narratives and participatory culture
affect and transform the cultural identity and reading habits of these students, as
tangency mainly to player behavior. The culture of participation and engagement
raised the status of pre-adolescent (10 to 15 years) to the category of author /
consumer. It creates, copies, interact, respond, share, edit, produce parodies, finally,
no more passivity and "simple" receptivity in different levels of consumption. Empathy
is one of the triggers of the following ingredients - empathy this author, product or even
common interests of the group – we live a paradigm of eternal feedback loop, as
highlighted Flusser. The object-book, he gained membership of reference and is
shared in the identity configuration young and consumption of new narratives. It is
concluded that the young today sees and reads, selects what to see and what to read,
is active in this decision, and part of their interests and tastes, in addition to their social
relations, to explore the world and literature, by connecting them and expanding them
beyond simple consumption and relations with the media.
KEY WORDS
Audiovisual culture. New narratives. Transmedia experiences. Social networks.
Children and youth literature.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Logotipo e capas da Coleção de histórias e discos “Taba”. ................... 17
Figura 2 Carteirinha do Clube de Leitura Universo Paralelo – UP ....................... 20
Figura 3 Mapa de localização da Cidade Tiradentes/SP ..................................... 22
Figura 4 Exposição “O que é ser jovem”. Resultado do primeiro ano
do Clube de Leitura Universo Paralelo – UP ......................................... 27
Figura 5 Declaração da aluna sobre o “poder” de criticar a adaptação
do filme ................................................................................................. 34
Figura 6 Hazel lê “Uma aflição imperial”, livro fictício. E outras capas
do livro que circulam pela internet, produzida por fãs anônimos
de ACEDE. ............................................................................................ 57
Figura 7 O livro “real” “Uma flição imperial”, produzido por uma fã com a
repetição das únicas seis páginas escritas por John Green para
o filme ................................................................................................... 57
Figura 8 John Green fala do livro “Uma estrela que nunca vai se apagar”,
inspiração para ACEDE ........................................................................ 58
Figura 9 Campanha “O poder dos livros” da rede McDonald´s ............................ 60
Figura 10 Campanha “Leia para uma criança” do Banco Itaú ............................... 61
Figura 11 Vídeo de lançamento do livro de RezendeEvil ...................................... 64
Figura 12 Canal VlogBrothers dos irmãos John e Hank Green no YouTube ......... 72
Figura 13 Hank Green fala sobre Legislação americana e casamento gay ........... 74
Figura 14 John Green usa de metáforas e comparações para justificar o
incentivo à leitura .................................................................................. 75
Figura 15 Comparação entre a capa do livro e a capa da Revista Veja ................ 85
Figura 16 Canal Minha Estante com a tag literária sobre livros opostos ................ 89
Figura 17 Frase postada no Facebook Rubem Alves Oficial ............................... 101
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 A Cidade Tiradentes em números ......................................................... 21
Tabela 2 Alunos participantes do Clube de Leitura Universo Paralelo – UP......... 24
LISTA DE ABREVIAÇÕES
ACEDE A culpa é das estrelas
CEU Centro de Educação Unificado
Diped Departamento Pedagógico
EMEF Escola Municipal de Ensino Fundamental
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
PMSP Prefeitura do Município de São Paulo
POSL Professora Orientadora de Sala de Leitura
SME Secretaria Municipal de Educação
UP Clube de Leitura Universo Paralelo
SUMÁRIO
1 INTRODUZINDO A HISTÓRIA DE UMA PROFESSORA.
BREVE MEMORIAL E “CAMINHOS PARA A AUTORIA” DOS ALUNOS .......... 14
1.1 Introdução ................................................................................................. 14
1.2 Uma jornada: de produtora editorial à professora de leitura ...................... 16
1.2.1 Docência e a literatura: desafios pedagógicos .............................. 17
1.2.2 Uma experiência docente em sala de leitura na escola
pública: início do Clube de Leitura Universo Paralelo – UP........... 19
1.3 Cidade Tiradentes: seu universo, seus números ....................................... 21
1.4 Ser professora de leitura na PMSP: um caso de amor .............................. 23
1.5 Trajetória de pesquisa: de 2013 até A culpa é das estrelas e para
além dela ................................................................................................... 26
1.6 “Diálogos Interdisciplinares”: mais que um projeto, um sentido novo
para a educação ........................................................................................ 27
2 IDENTIDADES E CULTURAS DOS NATIVOS DIGITAIS ................................ 30
2.1 A “recente viagem para o país dos nossos filhos e netos” ....................... 36
2.2 “Tudo é cultura e nada é cultura” ............................................................. 37
2.3 As identidades surgidas entre os fãs e seus compartilhamentos ............. 40
2.4 Consumo para os nativos digitais ............................................................ 43
3 O STATUS DO OBJETO-LIVRO E DA LEITURA NOS PRODUTOS
AUDIOVISUAIS ............................................................................................... 48
3.1 Por que (ainda!) ler literatura? ................................................................. 48
3.2 A arte narrativa como reflexo de nós mesmos, como direito
inalienável ............................................................................................... 50
3.3 Objeto-livro como referencial de status no audiovisual ............................ 53
3.3.1 Representação do objeto-livro em ACEDE ................................... 55
3.3.2 Representação do objeto-livro em outros produtos audiovisuais .. 59
3.4 Pedagogia midiática: a interdisciplinaridade em sala de aula .................. 65
4 JOHN GREEN E A CULPA É DE QUEM MESMO? ........................................... 68
4.1 Até as “estrelas” e para além delas: buscando onde está
o interesse do aluno ................................................................................ 69
4.2 John Green: prazer em conhecê-lo (pelo YouTube!) ............................... 72
4.2.1 Hã? Mas o livro veio antes do YouTube?! .................................... 77
4.3 “Estou apaixonado pelo humanismo desta obra”, diz youtuber............... 79
5 OS SUPERPODERES DAS NARRATIVAS ..................................................... 84
5.1 Livro, filme, vlog... As narrativas de John Green...................................... 84
5.2 Do Youtube viemos e às redes sociais voltaremos .................................. 87
5.3 Com vocês, as novas narrativas! ............................................................. 91
5.4 Cultura participativa no “lugar encantado” .............................................. 94
5.5 Pequeno ensaio sobre cultura participativa e educação ......................... 96
6 CONCLUSÃO: A EXPERIÊNCIA TRANSMIDIÁTICA DE CONSUMO DOS
NATIVOS DIGITAIS ........................................................................................... 98
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 102
8 ANEXO: FOTOS DAS ATIVIDADES DO CLUBE DE LEITURA
UNIVERSO PARALELO .................................................................................. 109
14
1. INTRODUZINDO A HISTÓRIA DE UMA PROFESSORA. BREVE MEMORIAL E “CAMINHOS PARA A AUTORIA” DOS ALUNOS
Como a chuva não a deixava dormir, ela se sentou, esfregou os olhos e pegou o livro. As páginas farfalharam cheias de promessas quando
ela o abriu. Meggie achava que esses primeiros sussurros soavam de maneira diferente em cada livro, conforme ela soubesse
ou não o que ele lhe contaria.
Cornelia Funke, Coração de Tinta
1.1 Introdução
Vivemos na era da cultura midiática, pautada na troca e na cooperação em
redes telemáticas, sociabilidades on-line e compartilhamento de imagens, arquivos,
músicas, fotos, filmes, textos que é, “ao mesmo tempo, forma e conteúdo cultural,
modulador de novas identidades e formas culturais” (LEMOS, 2004, p. 3-6)
Esta perspectiva de mundo alimenta esta dissertação, que busca trazer luz ao
fenômeno ocorrido durante o ano de 2014 com o filme/livro “A culpa é das estrelas” –
ACEDE, do estadunidense John Green1 e outros produtos deste universo, como as
postagens no Facebook, Tumblr e outras redes sociais; os vídeos do canal
VlogBrothers, dos irmãos John e Hank Green; as milhares de tags literárias publicadas
no YouTube. Visa-se discutir como as relações entre fãs, autor, mídias sociais e
indústrias de entretenimento e informação se dão no processo de identidade juvenil e
na cultura midiática em que estamos inseridos, no consumo dos diversos produtos e,
principalmente, no que tangencia a criação da identidade leitora (mas também
cultural) em alunos no Ensino Fundamental 2, na rede pública, no CEU EMEF Água
Azul – prof. Paulo Renata Costa Souza (uma escola do extremo leste paulistano –
Cidade Tiradentes).
1 John Green (1977) é um romancista e vlogger norte-americano, autor de livros para adolescentes, entre eles,
“A Culpa é das Estrelas” (ACEDE). Ao lado do irmão Hank, eles têm um selo de música e um site voltado para temas ambientais e tecnológicos; o escritor mantém um canal no YouTube, o VlogBrothers, onde os irmãos apresentam temas contemporâneos, com quase 3 milhões de seguidores em todo o mundo (em julho/2016). John Green passou cinco meses trabalhando em um hospital infantil, o que lhe inspirou mais tarde a escrever “A Culpa é das Estrelas”; foi onde conheceu Esther Grace Earl, garota com câncer que inspirou a história. Morou em Chicago, onde foi assistente editorial do jornal Booklist. Em Nova York, foi crítico literário no The New York Times Book Review. É uma estrela do segmento chamado Young adult – a literatura para adolescentes e jovens. É autor dos livros “Quem é Você Alasca?” (2005), O “Teorema Katherine” (2006), “Deixe a Neve Cair” (2008), “Cidades de Papel” (2008), “Will e Will, Um Nome, Um Destino” (2010) e “A Culpa é das Estrelas” (2012). A literatura de John Green é realista e firmemente ancorada nos dias de hoje. Os seguidores do VlogBrothers compartilham uma certa identidade de grupo e se definem como Nerdfighters: o nerd que celebra a sua nerdidade, define Green. Pela internet, os irmãos também levantam dinheiro para causas de caridade.
15
Os números de espectadores da obra cinematográfica ACEDE não são
discretos: o filme fechou o ano de 2014 no topo da lista das produções mais assistidas
no País. São mais de 6,1 milhões de espectadores, ficando à frente de “Malévola”, “X-
Men” e “Frozen”.2 Mesmo sendo uma narrativa “simples”, sem grandes efeitos
especiais, sofreu um processo de aceitação significativo por parte dos jovens e pré-
-adolescentes que, de forma “aparentemente” autônoma, compartilharam, criaram,
interagiram e se apropriaram da obra literária e audiovisual, num processo de
experiência transmidiática de consumo.
É na web que a divulgação midiática massiva cultural se propaga com maior
força entre os pré-adolescentes urbanos (LÉVY, 2011, p.125). Como todos podem
emitir, ser autor ou coautor, interferir e interagir uns com os outros e com a obra, “e é
essa liberação que, em nossa hipótese, vai marcar a cultura da rede contemporânea
em suas mais diversas manifestações”: mensagens instantâneas, jogos on-line,
blogs, vlogs, Wikipédia, troca de músicas, filmes, fotos, textos... Henry Jenkins marca
a convergência dos fluxos de conteúdos, integrações e suportes ao comportamento
do público, à cultura de cooperação, “que vão a quase qualquer parte em busca das
experiências de entretenimento que desejam” (2009, p. 29). A convergência
“representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são incentivados
a procurar novas informações e fazer conexões em meios a conteúdos de mídia
dispersos” (p. 29-30). Isso é a base da cultura participativa, em que os engajamentos
dos fãs não só promovem, como divulgam, interferem e geram conteúdos para muito
além dos controles das corporações. O que chamaremos neste trabalho de
experiência transmidiática de consumo. “Participantes interagindo de acordo com um
novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo”. Mas não para
por aí! A “convergência ocorre dentro dos cérebros dos consumidores”, cada um
construindo a sua “própria mitologia pessoal”. “O consumo tornou-se um processo
coletivo” (JENKINS, 2009, p. 30).
A realidade escolar hoje, principalmente nas escolas públicas periféricas, no
que concerne às práticas leitoras, são bastante precárias. O acesso à diversidade
tanto de livros quanto de temáticas são soterradas pelas inúmeras demandas sociais
as quais a unidade educacional precisa responder.
2 ANCINE – Agência Nacional do Cinema. Informe de Acompanhamento do Mercado. Disponível em:
<http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/Informes/2014/ Informe_anual_preliminar_2014_ ArquivodePublicacao.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2015.
16
O presente trabalho justifica-se no estudo das relações entre audiovisual, livro,
filmes, redes telemáticas, experiência transmidiática de consumo e alunos do Ensino
Fundamental 2, ampliando o interesse pela leitura da letra por meio da leitura do
mundo e da imagem, que precedem à leitura da palavra, assim como apregoa Paulo
Freire em diversos textos, especificamente, no Congresso Brasileiro de Leitura
(FREIRE, 1981).
1.2 Uma jornada: de produtora editorial à professora de leitura
Este estudo parte da minha experiência profissional docente (egohistória) como
objeto de análise e como norteador das reflexões entrecruzadas com a bibliografia,
conforme expõe Ivani Fazenda, em sua tese de livre docência. Portanto, parto da
minha vivência e da minha história de vida, para embasar a trajetória desta
dissertação, a partir do meu olhar de pesquisadora (FAZENDA, 1997, p. 99-115).
Por 20 anos vivi profissionalmente no meio dos livros, provas, textos, autores,
revisões, capas, como produtora editorial. Antes disso, já vivia entre eles também.
Filha de professores, não poderia ser diferente. Didáticos, paradidáticos, contos de
fada, enciclopédias. Ainda me lembro da coleção de livro de capa dura de contos de
fadas que minha mãe comprou, em vez de comprar um compêndio de Direito que ela
precisava para a faculdade. Entre um e outro, mamãe ficou com a magia...
A mesma magia que tinham os livros e discos da coleção “Taba”, lançado pela
Editora Abril nos anos 1980, um dos meus primeiros prazeres literários, uma
experiência de junção do áudio com o visual da época.3 Ouvia as narrações das
histórias nos discos, acompanhava no livrinho a história e as ilustrações, imitava a
entonação das personagens e do narrador, repetindo as falas de forma teatralizada.
3 A Coleção TABA foi uma publicação brasileira, lançada em 1982, pela Editora Abril Cultural. Ela trazia um
livrinho ilustrado com histórias escritas especialmente por autores brasileiros, além de dramatizar o texto em disco musical. Entre diversos autores: Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Silvia Orthof.
17
Figura 1 – Logotipo e capas da Coleção de histórias e discos “Taba”.
Fonte: Editora Abril.
No ensino médio, formei-me Técnica em Desenho de Comunicação, pela ETEC
Carlos de Campos, no Brás/SP. Uma escola em que o gosto pela arte, pela estética,
pela criatividade, imperava. Foi nesta época que conheci diversas graphic novels
como “V de Vingança” e “Sandman”, que me deram bases para minha atuação
profissional atual.
Entre o desenho e as artes visuais, fiquei com o mundo das letras. Após algumas
poucas investidas no mercado publicitário, me direcionei para o mercado editorial por
quase 20 anos como produtora editorial em editoras de médio e grande porte de São
Paulo.
Mas algo faltava, além, claro, das dificuldades de ser prestadora de serviços
editoriais no Brasil. Faltava o contato humano, o fazer a diferença, o mudar a
“realidade pessimista” que permeia a sociedade. E a docência pareceu algo possível,
pela primeira vez, em minha mente. Talvez, até já estivesse lá, escondida, como uma
ideia que precisava de tempo para germinar.
1.2.1 Docência e a literatura: desafios pedagógicos
Graduada em Letras, iniciei minha carreira docente em uma pequena escola
particular, em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo. E neste primeiro contato
com a sala de aula, solicitaram que eu fizesse a indicação de leitura anual para os
alunos do 7º e o 8º ano. Quanta responsabilidade.... Precisava indicar um livro,
18
solicitado anualmente pela escola, que deveria despertar em cerca de 50 crianças
(entre 12 e 13 anos) o amor pela leitura. Com apenas um livro? Um único livro, em um
ano todo, para duas classes? A ideia me pareceu estapafúrdia, obsoleta; mas talvez
tenha sido a semente deste estudo.
Passei a tarde de um domingo dentro de uma grande livraria em um dos maiores
shoppings centers de São Paulo. À exceção de Harry Potter,4 conhecia pouco do
mercado atual de literatura infantojuvenil.
E qual foi a minha surpresa em ver obras que eu havia lido no Ensino
Fundamental (há 30 anos!) reeditadas, com capas atraentes, modernas, como “Droga
da obediência” e “Droga do amor”, de Pedro Bandeira, “A ilha perdida”, de Maria José
Dupré, entre outros. E tantos outros livros, com diversos temas, tantas opções. E uma
efervescência de pré-adolescentes folheando, lendo, discutindo, pedindo para que os
acompanhantes adquirissem as obras.
E era isso que eu queria despertar em meus alunos. Aquela efervescência,
aquele interesse, aquela vontade de ler por prazer, de forma autônoma.
Não foi fácil convencer a direção e a coordenação da escola das minhas ideias:
em vez de um livro para todos, pediria quatro títulos diferentes distribuídos pelas salas.
E faríamos rodízio dos livros pelos bimestres, garantindo que todos lessem as quatro
obras ao longo do ano.
Os alunos também não gostaram muito da ideia... Estavam acostumados a ler
apenas um livro por ano, fazer uma única prova “mecânica” de interpretação de texto
e fim da história. Precisei de todo um exercício de convencimento, propor que faríamos
debates em vez de prova, que leríamos trechos juntos, na tentativa de tornar a
atividade de leitura significativa.
Os pais também não apoiaram porque não conseguiam trabalhar o desapego de
ter que emprestar o livro comprado para outro aluno das salas. “E se não cuidarem?”,
“E se perderem o livro?”, eram suas principais angústias.
Foi ousado, difícil, trabalhoso, mas acredito ter plantado algumas sementinhas
de alunos-leitores. Longe ainda de dar autonomia, de desenvolver identidade leitora,
longe ainda do percurso que os próximos anos como docente trariam.
4 Coleção de 7 livros com a história criada pela britânica J. K. Rowling e sucesso em todo mundo.
19
1.2.2 Uma experiência docente em sala de leitura na escola pública:
início do Clube de Leitura Universo Paralelo – UP
No ano seguinte, assumi o cargo de docente em Língua Portuguesa na Prefeitura
de São Paulo, em uma escola no extremo leste paulistano, CEU EMEF Água Azul –
Prof. Paulo Renato Costa Souza, na Cidade Tiradentes.
As mesmas inquietações sobre leitura e literatura que tinha na escola particular,
se ampliaram na escola pública: não poderia pedir a compra de livros por ser proibido
na LDB/96.5
Embora estivesse dentro de um CEU (Centro Unificado de Educação), que conta
com a sala de leitura dentro da EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) e
outra biblioteca no complexo, aberta à população, pouquíssimos alunos têm o hábito
de ler.
O livro é visto por muitos como chato, desinteressante e cansativo. Tive algumas
tentativas em fazer leituras compartilhadas em aula de contos, crônicas, entre outros.
Mas nada que pudesse despertar o prazer em ler.
Cheguei a comentar a minha inquietação sobre a leitura com outros professores
e levei algumas dificuldades à direção da escola, na tentativa de encontrar uma
estratégia, uma forma pedagógica de despertar o interesse pelo mundo literário, talvez
com a compra de vários volumes do mesmo livro para se fizesse uma leitura
compartilhada de obras mais extensas, além de contos e fábulas.
No ano seguinte, talvez pelas minhas inquietações com a literatura, fui convidada
a apresentar um projeto para assumir a Sala de Leitura da Unidade, exercendo o cargo
de POSL (Professora Orientadora de Sala de Leitura). Passei algumas tardes com a
professora Junia Helena Renato de Moraes, que amorosamente me apresentou a
magia daquele pequeno paraíso na escola. Um acervo pequeno, de quase cinco mil
livros, mas capaz de criar um ambiente diferente na escola, onde a liberdade de
escolha do educando prevalece e a didática empregada valoriza a autonomia, além
de buscar desenvolver a identidade leitura dos alunos.
5 A LDB, Lei de Diretrizes e Bases, que dita as normas da Educação Brasileira, em seu artigo 4º, item VIII,
aponta que: "O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde". Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em 29 jun. 2016.
20
Uma vez aprovada pelo Conselho de Escola, assumi as aulas de leitura no início
de 2013, nos períodos matutino e vespertino, com 22 turmas do Ensino Fundamental
1 e 2, cerca de 750 alunos, entre 7 e 14 anos.
E já na primeira formação via Diped (Departamento Pedagógico – departamento
ligado à Secretaria Municipal de Educação), conheci uma professora-mentora
extraordinária, com um conhecimento amplo e profundo, com uma bondade e
abnegação ímpares: Rosana Soares Godinho, a quem sou extremamente grata pela
generosidade e apaixonamento pelo mundo literário, que me apresentou a magia das
possibilidades da sala de leitura nas escolas municipais.
Neste mesmo ano nasceu a semente desta dissertação: o Clube de Leitura
Universo Paralelo – UP. Partindo do interesse e da procura dos alunos nas aulas pelas
literaturas ligadas ao cinema, obras que viraram séries e livros famosos nas mídias
sociais, enxerguei neste interesse, um novo caminho para despertar o prazer e o
hábito da leitura.
Figura 2 – Carteirinha do Clube de Leitura Universo Paralelo – UP.
Fonte: foto da autora.
Como será bastante discutido neste texto, o jovem, hoje, vê e lê, até porque
vivemos em um mundo cercado de texto; ele seleciona o que ver e o que ler, tem certa
autonomia nesta escolha, tem interesse pela literatura, consome a leitura nas diversas
mídias a que tem acesso e produz muita informação escrita. E foi deste impulso que
assumi o papel de formar um “mundinho paralelo” em que ler literatura e falar sobre
elas nas diversas mídias se tornaria realidade.
21
1.3 Cidade Tiradentes: seu universo, seus números
A escola CEU EMEF Água Azul – Prof. Paulo Renato Costa Souza, situa-se na
Cidade Tiradentes, extremo leste da capital de São Paulo, a 35 km no marco zero
(Praça da Sé, Centro/SP), aproximadamente, 1h50 de trajeto até o Centro por
transporte público. Em 2016, a EMEF possui quarenta e duas turmas, com cerca de
1.400 alunos matriculados, distribuídos em três períodos: matutino, vespertino e
noturno.6
Tabela 1 – A Cidade Tiradentes em números
Área 15 km²
População (11° lugar) 219.868 habitantes
Densidade 146,58 hab./há
Renda média R$ 864,00
Fonte: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/cidade_tiradentes>. Acesso em: 10 de out. 2015
A construção do bairro cidade-dormitório teve início na década 1970, com a
criação de centenas de Conjuntos Habitacionais (Cohab), financiados pelos governos
e grandes empreiteiras. Aos arredores dos grandes conjuntos e nos limites de bairros
há grande concentração de terrenos invadidos e construções clandestinas e
irregulares, constituindo dois bairros, um oficial e outro não-oficial.
A população local conta com um grande hospital, Hospital Municipal Cidade
Tiradentes, dois CEUs, duas ETECs e sistema viário de intenso fluxo, com ligação
para dois Terminais de Ônibus e cerca de 25 linhas de transporte público. Os
principais equipamentos públicos concentram-se na Avenida dos Metalúrgicos, onde
localiza-se, também, o CEU Água Azul. Conta com cinco grandes eixos viários que
ligam o bairro a outros distritos da capital, como São Mateus, Guaianases, Itaquera.7
Embora abrigue 2% da população da cidade, encontra-se na Cidade Tiradentes
somente 0,1% dos empregos.8
6 Segundo Projeto Político-Pedagógico da Unidade Educacional, versão 2014-2016.
7 Fonte: < http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/cidade_tiradentes/historico /index.php?p=94 >. Acesso em: 1º out. 2015.
8 Folha de S.Paulo. Edição de 14/06/2015. Caderno Cotidiano.
22
Figura 3 – Mapa de localização da Cidade Tiradentes/SP.
Fonte: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/cidade_tiradentes>.
Acesso em: 6 de out. 2015
23
A renda per capita de uma parcela grande dos moradores figura com 1/8 do
Salário Mínimo, configurando Extrema Pobreza e Alta Vulnerabilidade Social. Em julho
de 2014, segundo o CADÚnico,9 a Cidade Tiradentes10 conta com cerca de 35 escolas
no bairro, sendo 25 delas municipais.
No senso de 2000, a Cidade Tiradentes está no topo da lista dos bairros com
mais de 40% da população declarada negra.11
Os jovens entre 10 e 14 anos somam mais de 22 mil pessoas no bairro, figurando
entre as 10 maiores densidades demográficas do Município,12 público este focado
nesta dissertação: estudantes do ensino fundamental II (entre o 6º e 9º anos).
1.4 Ser professora de leitura na PMSP: um caso de amor
Como POSL, atuo em todos os anos do Ensino Fundamental 1 e 2 (do 1º ao 9º
ano), nos períodos manhã e tarde, em 22 salas regulares com média de 33 alunos em
cada. Cada turma tem apenas 1 aula de leitura na semana, com 45 minutos de
duração.
No contraturno, entre outras atividades, a escola oferece duas turmas do Clube
de Leitura Universo Paralelo – UP (do qual sou coordenadora, foco deste estudo), que
atende cerca de 50 alunos do Fundamental II (em 2016), sendo a maioria (cerca de
30 alunos) pertencente ao 9º ano (por volta de 14 anos de idade). O restante pertence
ao 6º e 7º ano (com idade entre 11 e 12 anos). Os encontros acontecem duas vezes
na semana, cada encontro com 1h30 de duração. Nestes, lemos obras escolhidas
pelo grupo,13 debatemos livros, filmes, sites, notícias ou qualquer outro assunto que
9 Cadastro Único de Programas Sociais.
10 Fonte: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/assistencia_social/arquivos/ Atlas_leste.pdf>. Acesso em: 3 out. 2015.
11 Disponível em: <http://produtos.seade.gov.br/produtos/idr/download/populacao.pdf>. Acesso em: 1º out. 2015.
12 Infocid@ade 2014. Prefeitura de São Paulo. Disponível em: < http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br/htmls/
7_populacao_residente_ por_grupos_de_idade__2014_595.html>. Acesso em: 03 jun 2015.
13 Um comentário se faz necessário. O interesse dos alunos pelas narrativas livro-filme se dá, em partes, pelos grandes blockbusters e os inúmeros comentários destes nas redes sociais. Este estudo foca “A culpa é das estrelas” por ter sido meu primeiro projeto nesta área de estudo e por ter características agregadas com o canal “Vlogbrothers” dos irmãos Green, além de números significativos e expressivos, em 2014. Mas, poderia focar em “Jogos Vorazes”, “Divergente”, “A seleção”, série de livros do game “Minecraft” entre outras obras destinadas ao público infantojuvenil em que se percebe em sala de aula fenômenos semelhantes aos descritos neste trabalho.
24
esteja em pauta na escola (como “Charlie”14 e outros jogos como “Brincadeira do
copo”, sexualidade, espiritualidade, bullying, fatos ocorridos na sociedade...).
Tabela 2 – Alunos participantes do Clube de Leitura Universo Paralelo - UP
2013 20 alunos
2014 25 alunos
2015 40 alunos
2016 50 alunos
Fonte: dados da autora.
Embora atue de forma mais enfática no Clube de Leitura (em função do tempo,
do interesse, do grupo mais homogêneo e reduzido, entre outros), as estratégias
utilizadas no incentivo e na construção do aluno-leitor neste pequeno grupo são
expandidas para as aulas regulares na medida do possível, constituindo um grande
coletivo em volta do objeto-livro na comunidade escolar, atingindo mais de 800 alunos.
Uma distinção faz-se necessária: não sou professora de literatura. Como
Professora Orientadora de Sala de Leitura, meu objetivo é promover o comportamento
e a identidade leitora, ampliar o repertório do aluno e despertar o prazer da leitura (dos
diversos tipos de narrativas) nos educandos. É uma atividade em que a leitura é
mediada pelo professor, com temáticas que circundam todas as disciplinas, o Projeto
Político-Pedagógico da escola e que se constituem como ambiente propício para o
desenvolvimento de temáticas transversais, como salienta o “I Seminário
Internacional: Quem lê sabe porquê”, com curadoria do Prof. Dr. Edmir Perrotti
(2014):15
O desafio é implantar um programa de incentivo à leitura que leve em
conta a diversidade cultural brasileira e que se preocupe em fidelizar
os leitores, evitando o envolvimento deles apenas em atividades
pontuais. É somente por meio da leitura que algumas operações
mentais acontecem: emoções, sensações e o encadeamento de
ideias. Quem não lê não consegue passar por essas experiências
(PERROTTI, 2014 – grifo meu).
14 “Brincadeira” que se tornou febre nas escolas, durante o mês de maio/junho de 2015, em que um suposto
espírito era invocado para responder sim/não às perguntas. Mais tarde se descobriu que era uma ação de marketing viral para lançamento de um filme de terror.
15 PREFEITURA DE SÃO PAULO. Educação. Disponível em: <http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/ anonimosistema/ detalhe.aspx?List=Lists/Home&IDMateria=1497>. Acesso em: 15 fev. 2015.
25
Minha atuação é regida pela Portaria nº 7.655, de 17 de dezembro de 201516 e,
atesta, entre outros pontos, como função do POSL:
Art. 2º - As salas e espaços de leitura terão como diretrizes para a sua
ação pedagógica:
I - o currículo na perspectiva emancipatória e integradora, tendo a
dialogicidade como norteadora do trabalho pedagógico e, a leitura,
como um processo de compreensão mais abrangente da realidade;
II - a leitura do mundo precedente à leitura da palavra, entendendo que
a leitura começa antes do contato com o texto e vai para além dele;
III - a garantia da bibliodiversidade de forma a atender toda a
comunidade educativa, tornando propício o trabalho com a leitura que
o leitor pode fazer de si, do outro e do mundo;
IV - a literatura enquanto direito inalienável do ser humano e como
fonte das várias leituras da realidade e do próprio desenvolvimento da
história e das culturas. (DIÁRIO OFICIAL, São Paulo, SP, 18 dez.
2015. Ano 60, n. 235, p. 14, grifo meu)
A leitura é vista pela PMSP como um “direito inalienável do ser humano e como
fonte das várias leituras da realidade” (DIÁRIO OFICIAL, 2015). E, ser professora é,
em grande parte, procurar conciliar o conhecimento com o interesse dos alunos,
buscar formas significativas de instigar a sua curiosidade, o seu pensamento crítico,
que faça pensar e analisar criticamente o mundo à nossa volta, fazendo perguntas
sobre a realidade, ou seja, uma escola de sentidos como trata Yves de La Taille (1995,
p. 110-7).
Ricardo Azevedo (2004, conteúdo on-line), destaca que a formação do leitor (e
acredito que todo o conteúdo escolar, também) tem que passar por uma “espécie de
comunhão baseada no prazer, na identificação, no interesse e na liberdade de
interpretação”. Para que o esforço em prol da leitura (e do estudo) ocorra, se justifique
e se legitime pelo leitor, a comunhão tem que ter se estabelecida de alguma forma.
16 PREFEITURA DE SÃO PAULO. Educação. Disponível em: < http://www.imprensaoficial.com.br /PortalIO/
Certificacao/GatewayCertificaPDF.aspx?notarizacaoID=299ad747-ef9b-4717-b51c-8a2e84922092>. Acesso em: 07 jan. 2016.
26
1.5 Trajetória de pesquisa: de 2013 até A culpa é das estrelas e
para além dela
O objetivo do Clube de Leitura Universo Paralelo – UP é unir à literatura, a arte
e a cultura. Não vejo como dissociar estes conhecimentos. Durante o primeiro ano de
funcionamento, seguiu-se a estrutura considerada convencional para clubes de
leituras: debates acerca das temáticas e dos textos lidos. A maioria das leituras
acabava sendo realizadas em sala de aula, uma vez que poucos continuavam a
prática em casa, muito pelo fato de não ter o livro/texto disponível a todos. Portanto,
cada vez mais as leituras se concentravam durante os encontros. Logicamente que
isso é um resultado positivo, pois quanto maior a exposição à leitura proficiente e
analisada, maior é a habilidade que está sendo desenvolvida. Mas ainda era pouco.
No curso de 2013, objetivou-se discutir quem era o adolescente atual, como
pensava, se portava, o que queria ler, sobre o que queria conversar. Estas discussões
levaram a uma exposição na escola, distribuindo um pouco dos conhecimentos
desenvolvidos para toda a comunidade escolar.
“O que é ser jovem” foi fruto dos pensamentos, das análises e das leituras
realizadas durante o ano. Os próprios alunos desenvolveram as mais de 20 frases,
fotografaram uns aos outros de forma a ilustrar a exposição que depois foi montada
nos corredores da escola.
Para 2014, foram traçadas duas metas: investir em um acervo próprio para o
Clube de Leitura (onde tivesse os livros que o grupo procurasse) e embasar a minha
prática em referências teóricas tanto para formular como para ampliar e justificar a
minhas práxis.
Portanto, este trabalho é fruto das observações realizadas nos encontros do
Clube de Leitura especificamente, e nas aulas de leitura da escola CEU EMEF Água
Azul, de forma geral. Fruto dos estudos, análises e observações desenvolvidas
durante o mestrado e nas formações da própria rede municipal de educação, em
especial, o curso “Diálogos Interdisciplinares: a caminho da autoria”, do qual trato a
seguir.
27
Figura 4 – Exposição “O que é ser jovem”. Resultado do primeiro ano
do Clube de Leitura Universo Paralelo – UP.
Fonte: foto da autora – outubro de 2013.
1.6 “Diálogos Interdisciplinares”: mais que um projeto, um sentido novo para
a educação
Dentre as tantas leituras e tantas formações, autores, discussões e debates, uma
questão me inquietava: a escola hoje está distante do mundo real e imensamente
separada do mundo virtual no qual os alunos estão plenamente inseridos, em sua
maioria.17 Os temas transversais acabam por abarcar uma quantidade quase infinita
de questões humanas e sociais, como se este conhecimento fosse possível de ser
separado ou fragmentado nas disciplinas. De forma generalizada, obviamente, a
escola, as disciplinas, matérias, notas e fragmentação do conteúdo, acabam por
provocar desinteresse pela escola e torna-se o grande entrave no entusiasmo pela
leitura e pelo conhecimento, como defende Prof. Dr. José Nicolau Gregorin Filho
17 Muitos teóricos apontam este deslocamento, como La Taille, Roseli Sayão, Ricardo Azevedo, Edgar Morin,
tratados nos próximos capítulos.
28
(2015), entre muitos outros, nas formações do programa “Diálogos interdisciplinares:
à caminho da autoria”,18 explicitado alguns parágrafos à frente. Sou formadora-
parceira da Prefeitura de São Paulo neste programa que visa ampliar as discussões
sobre a interdisciplinaridade e levar formação para os professores por área de
conhecimento (no caso, Língua Portuguesa).
O Programa de Reorganização Curricular e Administrativa, Ampliação e
Fortalecimento da Rede Municipal – Mais Educação São Paulo –, propôs uma
reformulação da educação paulistana. As divisões das turmas passaram a ser por
ciclos. Cada ciclo conta com uma especificidade e um objetivo geral. No Ciclo de
Alfabetização, que inclui do 1º ao 3º ano, objetiva-se construir e consolidar os
conhecimentos de línguas, humanos, científicos e matemáticos dando base
fundamental para o prosseguimento nos estudos. O Ciclo Interdisciplinar (do 4º ao 6º
ano) visa a ampliar a percepção de mundo do aluno, permitindo a interação entre
conteúdos, professores, conhecimentos e habilidades, levando as crianças a terem
posicionamento crítico e atuação cidadã na sociedade, em busca de uma educação
emancipatória. O último ciclo, o Autoral, (do 7º ao 9º ano) espera-se que os alunos
sejam capazes de intervir na sociedade e produzir conhecimento, além de terem
autonomia para gerir a si mesmo e ao seu grupo.
Uma parte importante desta reformulação é a construção do documento
“Diálogos interdisciplinares a caminho da autoria”. Este documento está sendo
construído coletivamente entre os anos de 2014 e 2016, por meio de encontros,
debates e diálogos entre os diversos membros hierárquicos e agentes da educação,
buscando
eixos e princípios fundamentais à formação de todas as áreas do
conhecimento e à construção dos direitos de aprendizagem do Ciclo
Interdisciplinar e, posteriormente, do Ciclo Autoral (...). O propósito é
fomentar e embasar uma construção curricular qualificada sobre as
temáticas importantes e que marcam a Educação Básica.
(PREFEITURA, 2014, p. 8-9 – Versão Preliminar)
O que tangencia a este documento fundamenta-se na interdisciplinaridade que
a comunhão livro-filme pode gerar em busca de um currículo crítico e emancipatório.
18 PREFEITURA DE SÃO PAULO. Educação. Disponível em: < http://portal.sme.prefeitura.sp. gov.br/
Portals/1/Files/16592.pdf >. Acesso em: 07 dez. 2015.
29
Partindo-se do conhecimento prévio e das experiências de mundo dos alunos,
das relações com o mundo e, principalmente, das relações nas redes sociais, a
construção do conhecimento e a expansão destes é o que se prioriza nos Diálogos
Interdisciplinares e que se apresenta neste trabalho. Essa noção de currículo baseia-
-se em diversas concepções, desde infâncias até culturas, “para a formação humana
parte do cotidiano do educando, mas não se esgota em si mesmo, pois também
considera a ampliação do acesso aos bens culturais e ao conhecimento, para todas
as pessoas a serviço da diversidade” (PREFEITURA, 2014, p. 37-9).
Quando esses conflitos são problematizados por meio de intervenções
pedagógicas emancipatórias, podem gerar conhecimentos
significativos e contextualizados para a construção do currículo. É a
partir dessa riqueza que se constroem os conhecimentos necessários
para a humanização. (PREFEITURA, 2014, p. 39 – Versão Preliminar)
E será com base neste memorial, nestes pressupostos de educação
emancipatória e com vistas à constante midiatização das relações sociais que este
trabalho se desenvolverá, buscando clarificar as novas relações e identidades dos
alunos enquanto leitores, consumidores e produtores de comunicação audiovisual,
culturas, livros, redes sociais e membros ativos da sociedade.
30
2. IDENTIDADES E CULTURAS DOS NATIVOS DIGITAIS
Meggie passou a mão na capa, como sempre fazia antes de abrir um livro. (...) Desde que se entendia por gente, ela se lembrava desse
movimento: como ele pegava um livro, passava a mão pela capa quase carinhosamente e então o abria, como se fosse uma caixa
repleta de preciosidades nunca antes vista.
Cornelia Funke, Coração de Tinta
As conexões entre professor, aluno, mídias e conhecimento estão em profunda
transformação. O próprio saber hoje é representado por inúmeras possibilidades de
conexões individualizadas pelos caminhos decididos pelo usuário, seja ele aluno ou
qualquer outro tipo de consumidor (JENKINS, 2003 – on-line). Da mesma forma como
as conexões são múltiplas, as tentativas de teorizar nosso momento histórico também
o são. É árduo o trabalho de definir e nomear os agentes desta geração nascida no
século XXI: geração C, Y, Z, Alpha, millennials, e muitos outros, utilizados em estudos
de sociologia, marketing/publicidade, consumo, educação, psicologia...
Mark Prensky (2010) em seu livro Não me atrapalhe, mãe – Eu estou
aprendendo! Como os videogames estão preparando nossos filhos para o sucesso no
século XXI, Prensky nos mostra como o desinteresse das crianças pela escola, por
tarefas lentas e enfadonhas, sem nenhum mecanismo de recompensa,19 é oposto
quando estão conectadas aos jogos e às redes, os “universos de aprendizado tão
irresistíveis que elas deixarão de lado todo o resto para estar dentro” deles (2010,
p. 30). E vai além, para este autor, os altos índices de déficit de atenção tão discutido
por pais e professores dão sinais de que esse “déficit de atenção” ocorre nas “formas
antigas de ensino”, uma vez que muitos games são muito mais difíceis de serem
jogados do que o que lhes é ensinado nos bancos escolares. Esse “déficit” representa
o que simplesmente elas “escolheram não fazer” ou “não gostar”, como determinadas
atividades ou quer dizer que as “crianças apenas não estão ouvindo!”, o que está
sendo dito e que contraria sua necessidade de diversão e aprendizagem (p. 30-1).
Na dificuldade de nomear esta geração e este momento histórico, nos
deparamos com estudos que se utilizam de uma mera redução comum dada apenas
pelo ano de nascimento do indivíduo. Não é apenas uma questão de data, mas de
identidade, de facilidade e imersão nas tecnologias e telas que nos cercam. “Ao propor
19 Acredita-se que aqui a chave sejam os mecanismos de recompensa, uma vez que em muitos jogos, on-line ou
não, algumas vezes, as tarefas duram dias sem grandes alterações ou mesmo a quantidade de repetição de fases para se conseguir evoluir ou passar de nível. O que se pretende mostrar, neste caso, é que o aluno não vê esse mesmo mecanismo nos conteúdos escolares.
31
tal nomenclatura [nativo digital], o autor [Marc Prensky] abordou o comportamento dos
Nativos Digitais, no caso os alunos, e como eles se adaptam (ou não) às metodologias
tradicionais que ainda são utilizadas em muitas escolas” (SOUZA, 2013, p. 18). E,
variando o autor e a área de estudo, variam também as definições, as características
e a imersão maior ou menor no mundo digital/virtual. Portanto, para este estudo, ficarei
com o termo utilizado por Mark Prensky: nativos digitais.20 “Os estudantes de hoje
não são mais as pessoas para as quais nosso sistema educacional foi desenvolvido”
(PRENSKY, 2010 p. 60).
Os nativos digitais estão acostumados a selecionar diversos estímulos, focando
no que lhes é interessante ou necessário naquele momento; são capazes de deduzir
regras, comportamentos e padrões a partir de fragmentos e da observação de ação e
reação; são capazes de operar máquinas semelhantes aos games, como
equipamento de cirurgia por videolaparoscopia, por exemplo; aprendem pensamentos
científicos de tentativa e erro, manipulando sistemas altamente intrincados; são
capazes de assumirem riscos calculados de forma natural; e, são
especialistas em multitarefas e em processamento paralelo, isto é,
conseguem fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo e com
competência. E cada vez mais jogadores [mas não apenas] aprendem
a colaborar entre si, por meio das diversas redes (PRENSKY, 2010,
p. 34-6).
Hoje, uma criança que chega ao 1º ano do Ensino Fundamental 1, com 6 anos,
é capaz de realizar diversas funções complexas de raciocínio em seus games, tablets,
celulares. E, na escola, ela precisa se desligar deste mundo e destes conhecimentos.
Atualmente, a maioria dos professores sabe pouco ou nada sobre o
mundo digital de seus alunos – desde os jogos on-line até seus
recursos de troca, compartilhamento, agrupamento, avaliação,
coordenação, programação, busca, personalização e socialização. Em
consequência, apesar de seus grandes esforços, é quase impossível,
para esses adultos, planejar um aprendizado nos moldes que seus
alunos precisam e apreciam (PRENSKY, 2010, p. 38 – grifo meu).
“Nossos filhos não são como nós: eles são Nativos, nós somos Imigrantes”, é
como define Prensky a diferença entre nós, adultos, que imigramos para o digital, para
20 The global future education foundation and institute. Disponível em: <http://global-future-
education.org/?page_id=215>. Acesso em 27 jul. 2016.
32
o virtual, enquanto as crianças que hoje têm 10 anos nasceram inseridos nesta
realidade (p. 58). E piora, “a maioria dos pais não acreditam que as crianças possam
aprender enquanto assistem à TV ou ouvem música, só porque eles (os Imigrantes)
não conseguem”... (p. 59-60). Prensky argumenta que, logicamente, quando nós, os
imigrantes digitais, estávamos nos desenvolvendo “praticar a multitarefa não era uma
opção”. Portanto, fica claro pelos argumentos e dados apresentados por Prensky que
os cérebros dos nativos digitais funcionam de outras formas, preferindo a imagem ao
texto, o dinâmico ao estático, pesquisam de forma aleatória a partir de seus próprios
meios e não valorizam ordens estáticas de capítulos, por exemplo (2010, p. 60-1).
E, se o cérebro, as expectativas, as vivências, interesses e capacidades são
tão distintos entre os nativos e os imigrantes, uma análise da sociedade deixa claro
todas essas dicotomias entre o novo e o velho que vivemos, entre as diferentes
culturas e identidades que permeiam a todos. Percebemos a convivência com
realidades e conhecimentos diferentes, múltiplos e complexos em nossas sociedades
atuais. São diversas identidades e culturas presentes neste momento histórico, que
se entrelaçam e se complementam, como mostra Lúcia Santaella,
vivemos uma verdadeira confraternização geral de todas as formas de
comunicação e de cultura, em um caldeamento denso e híbrido: a
comunicação oral que ainda persiste com força, a escrita, no design,
por exemplo, a cultura de massas que também tem seus pontos
positivos, a cultura das mídias, que é uma cultura do disponível, e a
cibercultura, a cultura do acesso. Mas é a convergência das mídias, na
coexistência com a cultura de massas (...) que tem sido responsável
pelo nível de exacerbação que a produção e circulação da informação
atingiu nos nossos dias e que é uma das marcas registradas da cultura
digital. (SANTAELLA, 2003, p. 28-9, grifo meu)
André Lemos, no Fórum Cultural Mundial e no Simpósio Emoção Art.Ficial, em
São Paulo (julho/2004), explana sobre a cibercultura: ao instaurar “uma cultura
planetária de troca e da cooperação, estaria resgatando o que há de mais rico na
dinâmica de qualquer cultura” (p. 3). “Por cibercultura podemos compreender a cultura
contemporânea, marcada basicamente pelas redes telemáticas, pela sociabilidade
on-line, pela navegação planetária pela informação” (p. 5). “Uma das principais
características dessa cibercultura planetária é o compartilhamento de arquivos,
músicas, fotos, filmes etc., construindo processos coletivos” (p. 4). “O ciberespaço é,
33
ao mesmo tempo, forma e conteúdo cultural, modulador de novas identidades e
formas culturais” (LEMOS, 2004, p. 6).
Passaram-se mais de dez anos desde a palestra de André Lemos. Nesta
década, percebemos imediatamente muitas alterações substanciais, tanto
tecnológicas como de comportamento, nas teorias apresentadas por ele. Em seu
texto, Lemos fala de Orkut, extinto oficialmente em 2014. Hoje, o Facebook concorre
com Tumblr, Pinterest, Instagram... Lemos fala em “napsterização”, fenômeno de
troca de arquivos entre os usuários ponto a ponto (peer to peer), referendando um
software pago de troca de músicas. Hoje, músicas, filmes, fotos, textos podem ser
“baixados” em centenas de sites (legalmente ou não) ou mesmo enviadas do meu
celular para o seu computador ou, ainda, ouvidas diretamente do YouTube ou no
Spotify numa seleção criada especialmente para a festa da semana da criança na
escola.
Obviamente, como alerta Pierre Lévy, nenhuma obra ou análise poderia dar
conta de toda a diversidade e possibilidades de navegação na internet ou redes
sociais deste momento. Podemos encontrar “praticamente tudo e qualquer coisa na
internet (ou, senão tudo de fato, com certeza as referências para tudo)”, assim,
qualquer estudo ou análise que tenha por base a internet “será parcial e nenhum
poderá dar a ideia da infinidade de navegações possíveis” (LÉVY, 2011,
p. 88). Faremos um recorte aqui como exemplo para esta análise, mas sabendo que
este sempre será parcial, uma forte característica cultural deste tempo híbrido em que
o acesso ao conhecimento é muito fragmentado e disperso, principalmente, no que
diz respeito aos consumidores mais jovens que
tornaram-se caçadores e coletores de informação, possuem prazer em
rastrear as origens das personagens e pontos da trama e fazer
conexões entre textos diferentes dentro da mesma franquia. E, além
disso, todas as evidências sugerem que os computadores não anulam
outros meios de comunicação, em vez disso, os proprietários de
computador consomem, em média, significativamente mais televisão,
filmes, CDs, e mídia relacionadas do que a população em geral.
(JENKINS, 2003 – on-line).
A partir deste trecho, podemos perceber que o acesso às redes sociais e as
mídias de forma ampla, de alguma forma, contribuem para este consumo de bens
culturais (PAGLIOTO; MACHADO, 2012, p.702-5), como é demonstrado na fala de
uma aluna de 13 anos, na escola CEU EMEF Água Azul, em junho de 2015: “Estava
34
todo mundo falando do livro no Facebook e no Tumblr. Mas eu quis primeiro ler o livro,
porque queria poder criticar”. Esta frase demonstra o “poder” que os consumidores
estão apropriando nas redes sociais e as mudanças em sua identidade permeada pela
sua experiência transmidiática de consumo.
Figura 5 – Declaração da aluna sobre o “poder” de criticar a adaptação do filme
Fonte: vídeo da autora – Reunião do Clube de Leitura UP (junho de 2015).
Existe um movimento de convergência das diversas plataformas para a web,
como ressalta Néstor García Canclini (2008). Os bens culturais e o acesso à
informação, diversão e conhecimento estão convertidos e sintetizados nas múltiplas
telas a que todos temos acesso, embora, sejam os nativos digitais que parecem fazer
uso cada vez mais intenso destas:
Trata-se, já sabemos, de um processo de recomposição em escala
mundial. (...). Agora, a convergência digital está articulando uma
integração multimídia que permite ver e ouvir, no celular [e em outras
telas], áudio, imagens, textos escritos e transmissão de dados, tirar
fotos e fazer vídeos, guardá-los, comunicar-se com outras pessoas e
receber as novidades em um instante. Nem os hábitos atuais dos
leitores-espectadores-internautas, nem a fusão de empresas que antes
produziam em separado cada tipo de mensagem, permitem agora
conceber como ilhas isoladas os textos, as imagens e sua digitalização
(2008, p.33-4, grifo meu).
35
Logicamente, a cultura digital em que estamos inseridos é fruto da soma de
diversas culturas, meios e produções que se fizeram ao longo da nossa história, em
um processo cumulativo de saberes, uma cultura híbrida (como diz Costa, Lemos,
Jenkins, Santaella entre outros que, embora se utilizem de termos diferentes, referem-
-se ao mesmo fenômeno). E é na web que a divulgação midiática massiva cultural se
propaga com maior força entre os pré-adolescentes urbanos (LÉVY, 2011, p.125).
Como todos podem emitir, ser autor e coautor, interferir e interagir uns com os outros
e com a obra, “e é essa liberação que, em nossa hipótese, vai marcar a cultura da
rede contemporânea em suas mais diversas manifestações”: mensagens
instantâneas, jogos on-line, blogs, vlogs, Wikipédia, troca de músicas, filmes, fotos,
textos...
Jenkins marca a convergência dos fluxos de conteúdos, integrações e suportes
ao comportamento do público, à cultura de cooperação, “que vão a quase qualquer
parte em busca das experiências de entretenimento que desejam” (2009, p. 29). A
convergência “representa uma transformação cultural, à medida que consumidores
são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meios a
conteúdos de mídia dispersos”. Isso é a base da cultura participativa, em que o
engajamento dos fãs não só promove, como divulgam, interferem e geram conteúdos
para muito além dos controles das corporações. “Participantes interagindo de acordo
com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo”. Mas
não para por aí! A “convergência ocorre dentro dos cérebros dos consumidores”, cada
um construindo a sua “própria mitologia pessoal”. “O consumo tornou-se um processo
coletivo” e identitário (JENKINS, 2009, p. 30).
A formação do leitor que está exposto a toda esta velocidade e transformação,
tem que passar por uma “espécie de comunhão baseada no prazer, na identificação,
no interesse e na liberdade de interpretação”, mesmo que de forma breve, essa
identificação precisa ocorrer. E, de fato, ocorre (mesmo que ainda não sejamos
capazes de conceituá-la ou entendê-la plenamente), basta olhar as vendas de
ACEDE, em 2014. Para que o esforço em prol da leitura (e do estudo) ocorra, se
justifique e se legitime pelo leitor, a comunhão tem que ter se estabelecida de
alguma forma (AZEVEDO, R., 2004). E essa legitimação e identificação vem, em
grande parte, dos conteúdos e promoções espontâneas nas redes sociais, como
demonstra a fala da aluna, citada anteriormente.
36
2.1 A “recente viagem para o país dos nossos filhos e netos”
“O que está acontecendo em volta de nós e dentro de nós é fantástico e todas
as utopias antecedentes, positivas ou negativas, estão perdendo as cores perante o
que está emergindo”. Está é a advertência que Vilém Flusser faz sobre o tempo atual.
Filósofo tcheco, naturalizado brasileiro, falecido em 1991, foi capaz de antever a
realidade do século XXI.
Os pré-adolescentes de 2016, os nativos digitais de Prensky (2010) não sofrem
dos mesmos estranhamentos que porventura sofrem os “adultos”, os imigrantes
digitais, que se esforçam em teorizar a nossa realidade híbrida, “à emergência do
novo”. “Ele [o livro] coincide, de certo modo, ainda com experiências e preocupações
da recente viagem para o país dos nossos filhos e netos” (FLUSSER, 2008, p.12-3).
Flusser vai nos fazer pensar sobre a pulverização dos indivíduos, sobre o
homem saindo do centro de interesse e análise e indo para o horizonte, espalhando a
sociedade, empurrando até o mais privado a fim de ser informado, valorizado,
conhecer e vivenciar o mundo e as coisas. Chega a pregar que “a sociologia futura
explicará os homens em função dos objetos culturais (filmes, programas de TV e de
computador) que os programam”. “As imagens alimentam os homens para serem por
eles realimentadas e para engordarem sempre mais durante o processo” (p. 75-8).
Para este autor, vivemos um paradigma de retroalimentação eterno, um circuito
fechado, onde “queremos e fazemos o que as imagens querem e fazem, e as imagens
querem e fazem o que nós queremos e fazemos”. Queremos a máquina de lavar que
as imagens mostram que queremos e queremos que as imagens nos mostrem a
máquina que queremos. E vai além: “queremos imagens novas todas as noites”,
sugerindo que o “tédio começa a se manifestar e que o próprio progresso precipitado
se vai tornando tedioso” (p.83-5).
2.2 “Tudo é cultura e nada é cultura”
Em A civilização do espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa
cultura, observa-se que Mario Vargas Llosa (2009) se espanta com as concepções de
cultura, como demonstra a citação que intitula este item.
Quanto mais se banaliza o termo, quanto mais este se torna pluralista e fútil,
maior é o esvaziamento de seu significado. “Cultura punk, cultura da maconha, cultura
37
da estética nazista, e coisas do gênero (...) Tudo é cultura e nada é cultura” (LLOSA,
2009, p. 61-3). E encerra dizendo “fizemos da cultura um daqueles castelos de areia,
vistosos, mas frágeis, que se desmancham com a primeira ventania” (p. 67).
De forma menos pessimista, Santaella (2008) vê a cultura de massa como a
dissolução das polaridades “entre o popular e o erudito”, de tal forma que os “trânsitos
e o hibridismo dos meios de comunicação” criaram “redes de complementaridades” a
que ela chamou de cultura das mídias (p. 52).
Esses trânsitos, na verdade, tornam-se tão fluidos que não se
interrompem dentro da esfera específica dos meios de massa, mas
avançam pelas camadas culturais outrora chamadas de eruditas e
populares. Quantos livros não explodiram em vendas, depois de terem
sido adaptados para o cinema, ou para uma novela de TV? Quantos
são aqueles que assistem novamente a um concerto pela TV porque
já o viram ao vivo? (...) Enfim, as mídias tendem a se engendrar como
redes que se interligam e nas quais cada mídia particular – livro, jornal,
TV, rádio, revistas etc. – tem uma função que lhe é específica. É a
cultura como um todo que a cultura das mídias tende a colocar em
movimento, acelerando o tráfego entre suas múltiplas formas, níveis,
setores, tempos e espaços (2008, p. 53 – grifo meu).
Embora, Santaella tenha revisto o termo cultura das mídias, ou cultura midiática, em
seus estudos mais recentes, o fenômeno a que ela se refere é o mesmo, indepen-
dentemente do termo empregado: “a aceleração do tráfego, das trocas e das misturas entre
as múltiplas plataformas, estratos, tempos e espaços da cultura” (2008, p. 59).
Já Lévy se declara um otimista dos novos tempos e culturas e defende a ideia
que o ciberespaço é fruto de um “movimento social” e não de uma técnica
específica ou suporte midiático. É o movimento causado por uma “juventude
metropolitana escolarizada” e suas relações de “interconexões [culturais], criação de
comunidades virtuais, inteligência coletiva” e suas aspirações (2011, p. 125). A
interconexão “provoca uma mutação na física da comunicação”. Se tudo estiver
conectado, da torradeira ao automóvel, “todos os espaços se tornariam um canal
interativo”, uma “ciberpresença generalizada”, um “contínuo sem fronteiras”, o
universal tecido “pelo contato” (LÉVY, 2011, p. 129).
Mais à frente, Lévy ressalta as comunidades virtuais e suas interações de todos
os tipos: as relações virtuais não eliminam nem reduzem as relações pessoais.
Mudou-se a forma de comunicação, de interação, mas não a necessidade e o gosto
da viagem, da troca, da presença, do beijo. As relações virtuais se dão por interesse
38
cultural comum, “sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a
aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração” (2011, p. 132)
(não mais por poder, ou por proximidade geográfica ou relações institucionais). Os
encontros do Clube de Leitura são prova viva desta teoria. Não é o bastante para o
aluno o compartilhamento on-line ou pelo WhatsApp das coisas que gosta e que
despertam seu interesse, ele quer mais; e isso tudo são incrementos para as relações
pessoais, funcionando como combustível para os encontros semanais na escola.
De certa forma, todas as teorias apresentadas estão corretas e nenhuma é
capaz de dar conta da singularidade de nosso tempo, da velocidade e da interação
cultural e construção de identidade do pré-adolescente hoje. Voltando ao nosso objeto
de estudo, ACEDE é um exemplo de cultura participativa do e no espectador e da
convergência a que se referem Jenkins, Flusser e os demais autores citados
anteriormente neste trabalho, o que chamamos aqui experiência transmidiática de
consumo. Por um lado, enquanto consumidor, o jovem espectador é bombardeado
com propagandas, frases, citações, imagens e referências, dentro e fora das mídias
sociais, por seus iguais ou não, gerando mais e mais conteúdo, recompartilhado
infinitamente, como aponta Flusser. Como tantas foram as fontes e publicações de
ACEDE pelas diversas telas e redes, conforme exploraremos no Capítulo 3. Por outro,
como argumenta Lévy (2011), este é um processo aberto e colaborativo. Se de certa
forma, com nos diz Santaella, a cultura hoje dos jovens vem das muitas misturas a
que são expostos, numa grande corrente de saberes, produtos, mídias e interações;
também não podemos deixar de notar que, assim como os castelos de areia de Llosa,
os “modismos” a que os jovens estão expostos são efêmeros, e dançam ao véu dos
interesses breves e hedonistas que o dirigem.
O aluno, em construção de sua cultura, identidade e comportamento leitor, está
exposto a estes grandes “cibernúmeros”: ouve, vê, acessa redes sociais. O conceito
das múltiplas telas ou tela-tudo a que se refere Jenkins, Flusser, Llosa e Chartier.
Cristina Ponte alerta, ainda, “não temos como discordar de que precisamos, sim, estar
muito atentos às todas essas mudanças, desencadeadas pela emergência da cultura
digital e, enquanto adultos, prestar atenção e cuidar de nossas crianças” (PONTES,
2014, p. 67. In: ROCHA, OROFINO, 2014).
Santaella argumenta que é preciso um cuidado para entender que as mídias e
as redes sociais são apenas suportes para esta nova cultura, para a interação e para
a construção da identidade, para as misturas efetivadas pelas pessoas, por meio dos
39
signos, linguagens e pensamentos, colocando o indivíduo no centro da ação, com
capacidade de criar, expandir, absorver ou ignorar, características estas atribuídas às
novas narrativas, conceito que será aprofundado no Capítulo 4. Essas “misturas
entre linguagens e meios (...) funcionam como um multiplicador de mídias. Estas
produzem mensagens híbridas, como se pode encontrar nos suplementos literários
ou culturais” (SANTAELLA, 2003, p. 25-6). Este ponto é importante salientar porque o
nativo digital, o jovem, o adolescente, fora do ambiente escolar, não é mais um mero
observador ou consumidor do que é posto por outrem. Ele é, antes de mais nada,
ativo na produção, na divulgação e na propagação das mensagens com as quais se
identifique, num processo constante de individualização e propagação. E este
engajamento (necessário à cultura participativa, da mesma forma que na cibercultura)
“são criaturas humanas. (...) Nós somos essas culturas” (p. 30 – grifo meu), nós
somos o conteúdo que o Facebook propaga na timeline dos nossos amigos e nos
“Likes” que decidimos dar àquela postagem (logicamente que isso irá para uma base
de dados e que os nossos perfis serão tratados como tendências de consumo para
que se gere mais e mais conteúdos daquilo que nos atraem de alguma forma, em
anúncio pagos e promoções patrocinadas). Mas, seja como for, as redes sociais e as
interações que promovem são um retrato desta sociedade, neste momento histórico.
Como diz Lucy Mary R. N. Franco, em sua dissertação de mestrado, ver o
jovem manifestado por meio das novas narrativas, demonstra
a presença de um jovem preocupado em tecer ponto a ponto sua
inserção social na cidade, para além de si mesmo; trata-se aqui de um
jovem que tem convicções e procura constantemente ressignificar suas
experiências e escolhas (...) Não vemos na fala dos jovens grandes
intenções de revolucionar o mundo, mas, sim, a intenção clara de
intervir, nas pequenas coisas, nos detalhes, nas relações de
sociabilidade mais próximas que estabelecem, tudo isso, sem abrir
mão do prazer de fazer aquilo que gostam e acreditam (FRANCO,
2014, p. 161 – grifo meu)
Não se observa que os jovens deem importância às opiniões das empresas,
das mídias, da escola e até dos pais que, muitas vezes, desconhecem as
possiblidades do mundo híbrido ou o que seus filhos estejam verdadeiramente
fazendo nas redes (PRENSKY, 2010, p. 58-60). E mesmo que, ainda, este
adolescente (mas não só eles) não tenha plena consciência de seus “caminhos” ou
até dos movimentos que o conduzem pela grande rede, eles estão criando ou
40
desenvolvendo novas formas de conexões com o outro, a sociedade, o mundo e a
cultura instituída. “A formação de identidades como resultado de autoafirmação e
apropriação do espaço urbano”, das narrativas, culturas, formas como se apropriam e
fazem uso destes saberes, caracterizam, hoje, o que é ser jovem (p. 60-2).
2.3 As identidades surgidas entre os fãs e seus compartilhamentos
Rose de Melo Rocha, em edição especial sobre Narrativas, na Revista MSG –
Revista de Comunicação e Cultura defende que “nestes tempos de velocidade e
ansiedade, ainda existe espaço para as trocas, ainda existe o desejo do encontro (...),
existindo uma mútua implicação entre narração e experiência” (ROCHA, 2013, p. 40).
A palavra escrita foi historicamente o primeiro meio de comunicação
de massa, estando intimamente ligada ao desenvolvimento da
educação formal. (...) Para muitos, a palavra escrita é o símbolo da
educação e o padrão a partir do qual todos os outros meios tendem a
ser avaliados. As pessoas que defendem este ponto de vista
frequentemente consideram a televisão, o cinema e outros meios de
comunicação eletrônicos mais recentes como uma ameaça à palavra
escrita. Entretanto, cada meio tem sua maneira própria de
apresentar um assunto. (...) À medida que cada meio novo se
destaca, os já existentes tendem a preencher novas funções ou a se
restringir ao que fazem melhor. (...) É hora de analisar se em nosso
sistema educacional foram ou não atribuídas à palavra escrita funções
que outros meios fazem melhor (GREENFIELD, 1988, p. 18-9 – grifo
meu)
Tanto o saber como a comunicação não são mais os mesmos; eles estão
distribuídos pela sociedade, por pessoas, por mídias, pela rede, em infinitas
possibilidades de conexões formando uma grande diversidade cultural híbrida. O
conhecimento está nas conexões com o todo, e
aprender inclui a ação de conectar diferentes fontes de informação,
visto que as mídias sociais favorecem a capacidade de criação e o
compartilhamento de ideias, exigindo para isso, o aprendizado
contínuo e a formação de comunidades de aprendizagem. (...) É a
partir da interação gerada por este processo que se deflagra o
potencial do conteúdo gerado como ferramenta de aprendizagem
sendo ainda potencializada pelo conectivismo. (VERSUTI, GOSCIO-
LA, DAVID, 2013, p. 50)
41
E são esses conectivismos descrito por Versuti, Gosciola e David que são a
base da identidade presente nos nativos digitais. Para que a experiência
transmidiática de consumo se estabeleça, é necessário que o aluno se perceba como
fã de algo ou de alguém. Embora não seja o foco principal deste estudo, é necessário
fazer algumas considerações sobre fã, principalmente porque o comportamento deste
está na base da cultura participativa e na criação da identidade do nativo digital. Não
serão feitas distinções entre os fãs literários, de televisão, de games ou de séries. O
que nos importa é o comportamento e a grande parcela desta atitude na construção
identitária do aluno.
Maurício Mota, no prefácio do livro Cultura da conexão (JENKINS, 2014,
p. 10) vai nos alertar que “de pouco valem a sua estratégia, seu plano de negócios [ou
de aula], seus recursos financeiros ou tecnologia se você não prestar atenção à cultura
ao seu redor, ao que está acontecendo na rua, no dia a dia das pessoas”. Mota quer
nos chamar a atenção para “recalibrarmos nossos binóculos, iPhones, laptops,
máquinas de escrever, ouvidos e olhos para essa nova forma de interação entre
público, produtores, canais e conteúdos. (...) Os papéis mudaram. E as regras
também” (2014, p. 10). E exemplifica:
Fã produz conteúdo original baseado na obra do autor que, por sua
vez, não autorizou o uso mas vê nitidamente que aquelas “extensões”
aumentam a audiência e as conversas em torno de seu conteúdo que,
por sua vez, é exibido no canal de TV que não sabe se deixa a coisa
rolar ou se segue a recomendação do departamento jurídico de não
dar corda para algo que possa estar próximo do desrespeito aos
direitos autorais (2014, p. 10).
Jenkins vai nos mostrar que passamos de uma era de distribuição (quantidade
calculável de um jornal impresso, por exemplo) para a da circulação, em que temos o
poder de decidir se compartilhamos, replicamos ou ignoramos as diversas mensagens
e mídias que vemos diariamente (2014, p. 23-4). Esse modelo de cultura participativa,
em que o público não é mais passivo diante do conteúdo, moldou o que se entende
por “interações sociais de comunidades de fãs”. A “Cultura da conexão enfoca a lógica
social e as práticas culturais que favorecem e popularizam (...) o compartilhar”, que se
tornou uma atividade tão comum no nosso dia a dia (p. 25). Uma boa parte do que
está sendo compartilhado neste momento está relacionado ao entretenimento, “ainda
mais porque as comunidades de fãs estiveram entre as primeiras a adotar esta prática
de propagabilidade” (p. 25-6). Mais adiante, Jenkins declara que “as pessoas, em
42
geral, são receptivas a conteúdos de mídia propagados por amigos, pois isso reflete
interesses em comum” (p. 37).
Maria Aparecida Baccega ressalta que a relação do fã com o objeto de afeto foi
construída e/ou amplificada desde os primórdios da indústria de entretenimento. O
que se observa hoje é a facilidade do compartilhamento, contribuindo para a
ampliação da cultura do fã que, antes “do advento e da disseminação da internet, ser
um fã era em grande parte uma proposta que exigia que os participantes se
envolvessem em encontros físicos” (LOPES, 2015, p. 65-7). Ser fã, hoje, aglutina
vários níveis de interação, e não deriva de fanático, mas tem sentido de congregar,
reunir pessoas que seguem, curtem ou concordam com uma imagem, um ideal, um
produto ou uma personalidade.
Envolvimento, comunidades, afetos resultam ser palavras-chave
quando o assunto é cultura de fãs, que em tempo do digital a cada dia
se aproxima mais de uma cultura participativa, entendida como aquela
em que os membros acreditam que suas contribuições importam, além
de sentirem algum grau de conexão social com os demais membros
(JENKINS, 2009. In: BACCEGA, 2014, p. 73)
Obviamente, um fã é produto de seu meio, de seus conhecimentos, leituras,
vivências e escolhas, portanto fruto das diversas culturas em que está inserido. E
como fã, um aluno pré-adolescente para este estudo, ele constrói a sua identidade
também calcada nesta experiência transmidiática de consumo. Logicamente, não é
possível dissociar deste aluno todas as experiências a que os nativos digitais estão
expostos atualmente.
Janet H. Murray nos convida a pensar além, no depois. Murray acredita que
estejamos num limiar de uma convergência histórica, movendo-nos rumo a histórias
multiformes e formatos digitais em palcos virtuais. Esta doutora em Literatura por
Harvard, espera por um
enfraquecimento contínuo dos limites entre jogos e histórias, entre
filmes e passeios de simulação, entre mídias de difusão (como a
televisão e o rádio) e mídias arquivistas (como livros ou videotapes);
entre formas narrativas (como livros) e formas dramáticas (como teatro
ou cinema); e mesmo entre o público e o autor (MURRAY, 2003,
p. 71-2).
43
Não temos como prever o grau de acerto da professora Murray, mas fica claro
que os professores atuais precisam perceber que o jovem não é mais o mesmo e não
há como reverter esse processo dos nativos digitais. Somos nós, os adultos, que
precisamos redobrar nossa atenção e nosso esforço em prol de aglutinar os conceitos
e as realidades dos alunos para que possamos problematizar e instigar o raciocínio
lógico e processos cognitivos para aquilo que consideramos necessários em termos
de aprendizagem.
Corroborando com este pensamento, Jenkins relata o depoimento de uma fã
de Harry Potter, uma garota com 16 anos que compara a leitura feita por obrigação
na escola, “em que ela não dá a mínima” e a leitura “de um texto de 50 mil palavras,
escrita por um amigo durante três meses”. Fica claro que, se aproveitar dos “espaços
de afinidades por empreendimentos comuns, criando pontes que unem as
diferenças de idade, classe, sexo, raça e nível educacional” o comportamento leitor
pode ser instaurado (JENKINS, 2013, p. 250 – grifo meu). É possível criar uma
interação didático-pedagógica, desde que real também para o professor, para
incentivar o comportamento leitor e a construção identitária do aluno. E foi isso que o
ACEDE permitiu que fosse feito no Clube de Leitura a que este trabalho estuda: criou
uma ponte de saberes, capaz de promover o hábito da leitura, proporcionar temas
para debates e análises, além de contribuir para a construção da identidade leitora e
consumidora, como veremos a seguir.
2.4 Consumo para os nativos digitais
Segundo diversas pesquisas, nunca se consumiu tantos produtos culturais
como atualmente (LEMOS, 2004, p. 7; ROCHA, OROFINO, 2014; LOPES, 2015).
Seja pelas facilidades do digital, seja pelo acesso às redes sociais, seja pela criação
de sistemas de compartilhamento diversos, livros, filmes, séries, autores,
personagens, produtores e atores estão a um clique do consumidor. E, sem
consumo, não há sociedade, declara Maria Aparecida Baccega (AZEVEDO, A. F.,
2014, p.12). E, se a internet hoje é um portal de consumo de produtos culturais, é
importante entender um pouco sobre consumo e consumismo.
Maria Aparecida Baccega (2011, p. 26) nos alerta que poucos conceitos tiveram
tantas especulações e estereotipias como consumo que, na grande maioria das vezes
é confundida com conceito de consumismo. Em entrevista para a Revista Entremeios:
44
revista de estudos do discurso, Baccega afirma que a relação consumo, comunicação
e educação precisa se dar de forma relacionada, “se você quer realmente formar
estudantes, formar sujeitos sociais que tenham condições de mudar a sociedade, se
eles quiserem, eles têm de ter criticidade suficiente para compreender o que é o
consumo, e não simplesmente “não consumir” (AZEVEDO, A. F., 2014, p.13).
Consumir é diferente de consumismo, ação desenfreada de comprar. Consumir
revela identidade, realização de desejos, processos rituais, diferenciações e inclusão
social e tem extensos repertórios nos meios científicos, variando conforme a área de
estudo (sociologia, filosofia, psicologia, estudos comportamentais, comunicação,
entre outros) (ABRÃO, 2011, p. 45-55).
As redes sociais e a comunicação dos nativos digitais também são
consideradas consumo, uma que vez que para consumir os sujeitos têm atuação
ativa e que, eles mesmos acabam se tornando produtos nos meios publicitários
enquanto consomem e compartilham seus conteúdos (PONTES, 2014,
p. 55. In: ROCHA, OROFINO, 2014).
Baccega faz um resgate histórico acerca do consumo chegando até os estudos
do consumidor, “móvel da contemporaneidade, sujeito da fugacidade”, não visto mais
como um “alienado cooptado pelo sistema”. Os estudos começam a perceber que este
agente tem uma certa liberdade de escolha em que um conjunto de comportamentos
que demonstram os estilos de vida e as mudanças culturais da sociedade, tornando-
-se até o “culpado” pelos possíveis excesso ou pelas falhas do sistema (BACCEGA,
2011, p. 28-9). Vê-se que, na questão do acesso às redes sociais e a internet de forma
geral, o consumo dos conteúdos postados e compartilhados passa por grande
liberdade, quase nenhum controle de adultos, uma vez que a maioria dos acessos
são feitos a partir de dispositivos móveis, como celulares, e seguem os interesses e
intenções das crianças, como demonstra Baccega, a seguir.
Fica claro que a inter-relação comunicação e consumo é ampliada cada vez
mais, duração substituída pela transitoriedade, promovendo a renovação e a
substituição do velho em velocidade cada vez mais acelerada, destacando para tal, o
papel da publicidade e da(s) mídia(s) nesse processo (p. 30-1). Baccega constrói um
caminho para que percebamos que consumidor e receptor, hoje, tem funções bem
semelhantes:
sujeito ativo, não só interpreta, ressignificando, as mensagens da
mídia, como também inclui essa ressignificação no conjunto de suas
45
práticas culturais, modificando-as ou não. O receptor e o consumidor
estão juntos (...) Parece haver um entrecruzamento de tendências que,
contraditórias, acabam por revelar a complexidade do ato mesmo de
consumir (BACCEGA, 2011, p. 30).
Percebe-se pela prática diária em sala de aula, que este aluno consumidor se
enquadra nas teorias apresentadas por Baccega, demonstrando que a complexidade
do consumo das mídias e dos seus produtos nela inseridos, passam por caminhos de
escolha, estilo de vida, grupos sociais on e off-line e, inclusive, pelas redes fechadas
de comunicação como WhatsApp e Messenger. “O mercado deixa de ser apenas lugar
de troca de mercadorias e passa a ser visto como território de interações, com
espaços de escolha e diálogos entre sujeitos” (p. 29), o receptor e o consumidor
agora estão juntos, de forma intrincada e independente. “Nas metáforas e
narrativas que definem o consumo e o consumidor (...) acabam por revelar a
complexidade do ato de consumir” (p. 33) além da subjetividade que constituem a
identidade deste sujeito. “A linguagem do consumo transformou-se numa das mais
poderosas formas de comunicação social” (p. 34).
Baccega declara que
o consumo, na verdade, é uma característica de pertencimento da
pessoa, ele faz parte, portanto, da concepção que a pessoa tem da
realidade e dela mesma. Então o ato de consumir, de comprar alguma
coisa, não é só um ato de comprar alguma coisa. Ele é um ato
indicativo de um grupo ao qual você pertence ou quer pertencer. Então
é uma coisa, menos toma lá dá cá, e mais de formação de identidade
(BACCEGA, 2014, p.12).
Expandindo esta citação, fica claro que o consumo dos bens midiáticos a
que os alunos estão expostos são um processo identitário forte, e também de
pertencimento ao grupo.
Destaca-se ainda, como diz Marc Prensky, a maioria dos adultos, pais e
professores, desconhecem os caminhos e conteúdos acessados pelos jovens,
demonstrando claramente que a autonomia e a capacidade de operação das crianças
apresentam graus muito superiores (PRENSKY, 2010, p. 20-2). Corroborando com
este pensamento, Cristina Pontes apresenta dados de 2012, demonstrando que as
crianças brasileiras até 10 anos acessam a internet e tem perfis no Facebook em
volume muito maior ao que ocorre na Europa, Portugal especificamente, mesmo este
sendo proibido para menores de 13 anos. Entre 9 e 10 anos, quase metade das
46
crianças brasileiras tem perfis públicos (42%); e considerando as crianças entre 10 e
12, este número sobe para 71% no Brasil. Os números entre Brasil e Europa só se
aproximam quando o público focado atinge 16 anos, sendo 83% no Brasil e 81% nas
crianças europeias. Cristina Pontes ainda ressalta que no Brasil, inexistem grandes
portais voltados para crianças e jovens estudantes, não permitindo aprofundamento
nos estudos das práticas e dos conteúdos acessados por esse público. “É importante
ouvir as crianças falarem dessa experiência em seus próprios termos e dar conta de
uma cultura de transmissão de conhecimentos que passa sobretudo pelos pares”. E
ainda acrescenta que “esses usos e consumos são uma prática realizada por vezes
fora do alcance dos adultos”. Pontes conclui que “a escola e as políticas educativas
têm nas redes sociais um espaço que ganhariam em não menosprezar ou
deliberadamente ignorar”... (PONTES, 2014, p. 51-4. In: ROCHA, OROFINO, 2014)
Orofino, no artigo “Crianças em contexto: novos aportes para o debate sobre
infâncias, comunicação e culturas do consumo”, vai nos apresentar diversos estudos
e dados que corroboram com Prensky e Cristina Pontes. As nossas crianças têm
liberdade “infinita” nas redes e em seus acessos e destaca que nós precisamos
compartilhar essa responsabilidade em orientar e acompanhar esses caminhos
Orofino ressalta que a visão sociocultural hoje da criança a entende como sujeito
social, que tem capacidade de produzir mudanças nos sistemas em que se
relacionam, influenciando socialmente, política e culturalmente (OROFINO, 2014,
p. 65-9). Esta definição dada por Orofino vem ao encontro da visão apresentada neste
trabalho, contribuindo para o entendimento do público ora analisado.
O artigo de Orofino ainda adentra em questões complexas, mas necessárias e
profundas, tocando a necessidade de clarificação quanto a “experiência das crianças
na contemporânea sociedade de consumo”. Ela vai analisar diversos produtos
midiáticos, licenciamentos e consumo, mostrando que a decisão por consumir parte
também da criança, em muitos casos. Orofino defende uma visão progressista de
diálogo em vez da proibição, para se ter uma regulamentação baseada na democracia
(2014, p. 70-1) e na proteção da infância quanto a conteúdos apropriados, em
consonância com o que é defendido nesta dissertação. Muito mais efetivo do que
excluir da sala de aula os interesses e desejos dos alunos é valorizar e trazer os
objetos culturais para cena, permitindo discussão, análise e reconhecimento dos
alunos como sujeitos ativos em suas aprendizagens. Orofino percebe que a criança
está totalmente inserida nesta cultura de consumo (midiático, inclusive) e, defende
47
que um caminho possível “seja o do pensamento convergente, que busque identificar
as mediações, a coeducação, e a participação que a criança exerce em nossa vida
desde o momento em que nasce. (...) Inverter o nosso olhar parece absolutamente
necessário” (p. 73). Mais adiante, Orofino decreta que a “criança precisa ser
convidada, encorajada a discernir, escolher, participar” da nossa sociedade de
consumo, dando a ela formas de atuação e de ressignificação diante de seu próprio
repertório, uma vez que é impossível conceber a ideia de que elas estejam
dissociadas do contexto social maior, inerente ao tempo atual (p. 75).
Assim, poderíamos pensar que a experiência de consumo das crianças
não acontece apenas através da recepção de anúncios produzidos
para elas, mas de sua inserção integral na cultura de consumo
(OROFINO, 2014, p. 73).
Orofino fecha seu texto reforçando a ideia da necessidade das escolas e da
sociedade em geral reconhecerem as crianças como “leitoras e consumidoras
competentes e críticas [sem dispensar, logicamente, o acompanhamento dos
“adultos”], mas também transformando os seus próprios modos de educar e socializar
a criança, dedicando maior atenção e respeito ao seu lugar enquanto sujeito social e
ao espaço que ocupa em nossas vidas” (2014, p. 81).
Com isso, percebe-se que o consumo é parte da sociedade atual e nos constitui
enquanto cidadãos, elevando o próprio consumidor à categoria de produto a ser
disputado pelo mercado (BACCEGA, 2011, p. 31), não havendo diferença na faixa
etária do consumidor para efeitos e produtos culturais, como ACEDE investigado
nesta dissertação.
48
3. O STATUS DO OBJETO-LIVRO E DA LEITURA NOS PRODUTOS AUDIOVISUAIS
E Mo começou a preencher o silêncio com palavras. Ele as atraía para fora das páginas, como se elas estivessem esperando apenas por sua
voz (...) Elas dançavam pelo quarto, pintavam imagens de vidro colorido e faziam cócegas na pele. Mesmo enquanto dormia, Meggie
ainda podia ouvi-las, embora Mo já tivesse fechado o livro.
Cornelia Funke, Coração de Tinta
3.1 Por que (ainda!) ler literatura?
Ana Maria Machado, em seu livro “Silenciosa algazarra”, declara que a oferta
de leitura para os alunos, não deve se resumir apenas àquelas obras bobinhas, ou
àquelas bonitas, ou neutros, ou com desenhos coloridos e capas duras. Embora não
façam mal, “ninguém pode viver somente de chiclete”. (2011, p. 35-6). No outro
extremo, não adianta querer que o hábito da leitura se consolide partindo de textos
com vocabulários inapropriados ou com grau de dificuldade muito elevada, contexto
de difícil compreensão e situações completamente incompreensíveis aos
adolescentes acostumados ao hedonismo em suas relações e inseridos em uma
cultura midiática.
Da mesma forma que um corpo precisa de nutrientes variados para se
sustentar, para “sustentar o espírito, crescer intelectualmente e se fortificar
mentalmente, precisa incorporar arte e cultura. E isso pressupõe o contato com a
literatura, arte da palavra”. Mas ressalva-se, tal “contato não é coisa que se adquira
de uma hora para outra, como num passe de mágicas, e sim uma capacidade que se
constrói aos poucos” (MACHADO, 2011, p. 36) no prazer da narrativa, na descoberta
dos diversos mundos e relacionamentos possíveis.
E para que se crie o hábito de ler, Machado afirma que o contato repetido e
prazeroso da leitura oral, inicialmente, até que se desenvolva autonomia leitora,
garantindo textos que tenham qualidade literária, conteúdos significativos e atraentes,
com recados novos e diferentes, distintas ou não das realidades vividas, permitindo
que cada leitor se aproprie, tomem para si, tornem-se seus proprietários. Além de um
dever da escola, é um direito histórico/hereditário da criança (p. 37-8), como também
afirma Antônio Cândido. Embora estes autores falem em leitura oral, eu destaco o
49
audiovisual para a mesma função, uma vez que hoje a maioria das obras tem
destaque, citações e compartilhamentos nas redes sociais, incluindo livros, filmes,
séries, autores, personagens e atores. Até que o aluno desenvolva a sua autonomia
narrativa e sua identidade literária, seja ela no filme ou no livro, o audiovisual garantirá
a apropriação destas artes, conceitos e conteúdos. No caso de ACEDE, o livro atrai
os alunos pela temática do amor impossível, pelas constantes citações em diversas
redes social em volta do livro-filme-autor, e ainda, pelo status que o objeto-livro
apresenta nos filmes e outros produtos audiovisuais.
Mas Machado alerta: o tão repetido “prazer em ler”, muitas vezes é traduzido
para a criança ou “soa como” algo fácil (como comer quando se está com fome) ou se
refrescar no calor. O “prazer de ler” não pode significar algo como a falta de esforço
ou de “lealdade” à obra. O comportamento leitor deve ser construído, da escuta à
autonomia. Para um adulto, este ato pode significar textos engraçados ou a felicidade
em decifrar simbolismos e sutilezas de textos complexos. Para as crianças,
adolescentes e pré-adolescentes, este prazer deve ser traduzido como escolher o que
se quer ler, quando ler, como ler (base da cultura participativa): em suma, a liberdade
de ler. Nunca como ferramenta, ressalta Machado (p. 233-4).
Em outras palavras, esse prazer da leitura não precisa
necessariamente estar associado ao divertido, ao leve, ao engraçado,
ao empolgante – e essa confusão é um dos maiores equívocos com
que nos deparamos quando se usa essa expressão no caso da
literatura infantil e juvenil. Pode ser encontrado em textos assim, claro
(...). Tem a ver com nos encontrarmos à vontade numa ilha, sem
obrigações, mas podendo sair no momento em que quisermos
(MACHADO, 2011, p 235-6).
Este trecho deixa claro a necessidade da empatia e do engajamento leitor,
conforme discorrido anteriormente. Sem estes ingredientes, a dificuldade na
promoção da leitura torna-se quase insuperável para a maioria dos educandos.
O aprendizado literário, diz Tereza Colomer (2007, p. 194-5), é construído de
um leque de leituras guiadas nas aulas, mesmo que não se garanta o entendimento
profundo de todos os textos, mas se garanta o conhecimento e o referencial futuro
para as correlações dos alunos com outros textos e com o mundo, seja ele físico ou
virtual. Embora Colomer reconheça o escasso tempo escolar, e a ausência de
fórmulas de sucesso para instituir o hábito e o prazer de ler por professores e outros
agentes sociais, declara ser imprescindível que estas “portas literárias” sejam abertas.
50
É preciso procurar caminhos eficazes de formação leitora que os meninos e meninas
requerem de nossas sociedades atuais.
E a utilização de audiovisuais e das redes sociais é caminho possível às
lacunas descritas por Colomer. Se o tempo na sala de aula é limitado, utilizando-se
do acesso dos alunos às redes sociais, ao engajamento com a obra, com o livro, com
o filme, com o autor, com o grupo a qual o educando pertence em nossa sociedade
cultural midiática, o professor amplia seu tempo de atuação e de significação das aulas
para além dos 45 minutos de aula.
3.2 A arte narrativa como reflexo de nós mesmos, como direito inalienável
Janet H. Murray nos lembra que a arte, principalmente a arte narrativa, nos
permite que exercitemos “maneiras de ser no mundo”, incrementando nossos
repertórios de ações, alargando os modelos pelos quais apreendemos e interpretamos
o mundo, transformando os modos como pensamos uns nos outros e como nos
tratamos mutuamente (2003, p. 10-1). A mensagem não é diferente da apresentada
por John Green (autor de ACEDE) em seu vídeo para Hank Green (irmão do autor),
apresentado no Capítulo 4 deste trabalho. Para John Green “O trabalho de ler é usar
as histórias como um jeito de ver as outras pessoas do jeito que vemos a nós
mesmos”. Murray ainda argumenta que jogar, representar e contar histórias estão
intimamente ligados aos componentes ancestrais e definidores da nossa humanidade.
Sendo assim, a primeira e mais evidente contribuição para o incentivo
à leitura é conduzir o “ouvinte” à condição de caçador de partes da
história a diferentes canais. Assim, o interessado em buscar a
informação, é levado a ler os livros, assistir os filmes e a jogar os games
(...). Isso por si só já serve como incentivo a diferentes caminhos para
a leitura, diversificando os canais e instigando a curiosidade e a
criatividade. (CORRÊA, 2014, p. 108 – grifo meu)
Fabrícia Corsi, em artigo para o V Colóquio da ALED – Associação Latino-
Americana de Estudo do Discurso (2014), da Universidade Federal de São Carlos,
salienta que obviamente o jovem lê, seleciona o que e onde ler, mas lê, até porque
vivemos em um mundo cercado de textos.
Ainda há quem acredite que o “pensamento humano coerente” só seja possível
“sobre páginas numeradas e encadernadas” (MURRAY, 2003, p. 23). O livro é
51
resultado de cinco séculos de história, investigações e “invenções organizadas e
coletivas”, até que viraram o que hoje chamamos livro. Murray acredita que o mundo
virtual esteja remodelando “o espectro da expressão narrativa, não substituindo o
romance ou os filmes, mas dando continuidade ao eterno trabalho dos bardos dentro
de outro arcabouço” (p. 24). Murray acredita na ciberliteratura, e que estamos em
um momento de transitoriedade importante para a leitura. Nossos filhos e alunos se
sentem à vontade “com o joystick, o mouse e o teclado, (...) a presença sensorial e os
formatos participativos do meio digital” (p. 25) Embora o livro de Murray tenha apenas
um pouco mais de 10 anos, já se tornou obsoleto em alguns pontos, uma vez que o
mouse e o teclado hoje, perderam espaço para os monitores e telas touch screen,
sensíveis ao toque, mesmo em computadores e laptops. Os smartphone, mesmo de
modelos mais simples, são completamente sensíveis ao toque; digitar, é um ato que
as crianças fazem arrastando os dedos em velocidade alucinante sobre a tela para
escrever as mensagens (quando não são ditadas e transcritas por aplicativos), além
das mensagens instantâneas de áudio disponível no WhatsApp e Messenger; a
escrita está sendo reduzida sensivelmente. Isso demonstra a força da mudança deste
momento histórico.
Não podemos falar de leitura e de literatura sem recorrer a Antonio Candido,
professor, sociólogo e literato brasileiro. Em sua obra “O direito à literatura”, Candido
nos convida a pensar antes na expressão “direitos humanos” e nas contrariedades de
nossa época em que criação, como a energia nuclear, por exemplo, podem salvar ou
destruir, dependendo do uso. Ele tem uma visão otimista, no decorrer de sua narrativa,
mostrando que, apesar dos inúmeros problemas sociais que temos, ainda assim,
existe um discurso (mesmo que ainda utópico) na equidade, de reconhecimento, seja
pelo medo, em que o homem não acha mais tão natural quanto antes a pobreza, a
desigualdade, a discriminação e a violência contra os direitos. E, reconhecer direitos
humanos é “reconhecer que aquilo que consideramos indispensável para nós é
também indispensável para o próximo”, mesmo que ainda não estejamos plenamente
vivendo esta premissa, uma vez que o “natural” é acharmos que “os nossos direitos
são mais urgentes que o do próximo” (2011, p. 174).
Outra questão da mesma moeda é pensar nos pressupostos dos bens
indispensáveis ao homem e nos dispensáveis, não apenas no que tange a
sobrevivência física (como comer, dormir, vestir e saber), mas, também a integridade
espiritual (direito “à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura”). À
52
literatura, Candido se refere a todos os níveis da sociedade, mais amplo possível de
criações (poético, ficcional ou dramático), “como manifestação universal de todos os
homens em todos os tempos”. E, se é produção humana, portanto, pertence a todos,
independentemente de sua situação social, analfabetismo ou erudição. “A literatura
confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de
vivermos dialeticamente os problemas” (2011, p. 176-7).
Candido ainda nos alerta que os movimentos literários são compostos de
diferentes obras, com maior ou menor qualidade técnica, formando um conjunto que
influi em nossos conhecimentos e sentimentos. Não tem a ver com ter apenas obras
perfeitas (p.184). Da mesma forma que não se pode declarar que poder aquisitivo
revela erudição ou o contrário, baixo poder aquisitivo ligado com falta de sensibilidade
artística. Até porque, o erudito e o popular trocam influências de maneira
incessante, fazendo “da criação literária e artística um fenômeno de vasta
intercomunicação” (p. 190, grifo meu). É com esse argumento rebato aqueles que
criticam o esforço em prol da leitura, baseado em um produto comercial, como
ACEDE.
Em uma sociedade utópica (ainda!), “quanto mais igualitária for a sociedade, e
quanto mais lazer proporcionar, maior deverá ser a difusão humanizadora das obras
literárias, e, portanto, a possibilidade de contribuírem para o amadurecimento de cada
um” (p. 188-9). Candido conclui: “uma sociedade justa pressupõe o respeito dos
direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em
todos os níveis é um direito inalienável” (p. 193).
Podemos afirmar que a indústria da literatura ainda não tem sua data de morte
decretada (pelo menos não no futuro próximo), muito menos o objeto-livro, como
veremos a seguir, está fadado à ruína. Fica claro que muitas mudanças estão em
curso, a tipologia do leitor, dos livros, os objetivos a que o livro é produzido,
comercializado e lido, os suportes para as narrativas e as próprias narrativas de forma
geral em uma sociedade de cultura midiática.
A variação de vendas de livros no Brasil no primeiro semestre de 2014,
comparado com o primeiro semestre de 2015, teve variação positiva de 8,43%,
53
demonstrando em números o que se argumentou antes. As vendas acumuladas de
livros no primeiro semestre de 2015 passam de 21 milhões de exemplares.21
E mesmo olhando do ponto de vista dos adolescentes, alunos do Clube de
Leitura. O apelo literário, pelo tempo em que podem se “relacionar” com as
personagens, com o fato de conhecerem a história antes do audiovisual (ou depois.
Porque é comum a procura por livros que eles já tiveram contato antes com o filme ou
nas redes sociais), ou aprofundar a subjetividade dos protagonistas apresentadas no
cinema, garante que a leitura literária ainda tem sim seu espaço social de destaque.
Obviamente que este acesso tem que ser garantido aos estudantes como direito
inalienável, como diz a Portaria da Prefeitura de São Paulo, a qual me submeto, e
para tal, as bibliotecas e as aulas de leitura da rede municipal de ensino paulistana se
prestam muito bem.
Ler ainda é uma fonte de prazer para aqueles que desvendam seus mistérios,
mesmo em tempos híbridos; assim como o virtual não reduziu a necessidade do
contato e das relações sociais. Talvez a plataforma, as mídias, os suportes estejam
em vias de ser alterados. Mas, uma vez que a criança teve acesso, despertou para os
prazeres da leitura literária, e começa a desenvolver a sua autonomia e sua identidade
leitora, mesmo que as tecnologias mudem, o ato de ler literatura (e mesmo visando à
capacidade futura da leitura técnica) provavelmente não será abandonado.
3.3 Objeto-livro como referencial de status no audiovisual
Não é apenas em ACEDE que se vê claramente a relação entre as narrativas
audiovisuais e os livros. São inúmeros filmes em que o objeto-livro está presente e
têm sua importância de forma destacada. Em “O admirável mundo novo” (1932), os
livros foram banidos para dar lugar a uma espécie de teatro-cinema com efeitos táteis.
Em “Coração de tinta” (das quais as epígrafes desse trabalho foram retiradas), os
livros são tão importantes que, se lidos por pessoas língua-encantada tornam-se
realidade. Livros são objetos de decoração em ambientes. Livros são assuntos de
blogs, de vlogs, de feiras internacionais. Livros!
21 Disponível em: <http://www.publishnews.com.br/materias/2015/08/11/faturamento-de-editoras-cresceu-
menos-de-1-nas-28-primeiras-semanas-de-2015?fb_comment_id=876666819083138_876721062411047>. Acesso em 02 fev. 2016. E, disponível em: <http://www.snel.org.br/levantamento-mensal/wp-content/themes/snel/docs/paineldasvendasde livrosnobrasil5.pdf>. Acesso em 02 fev. 2016.
54
Em artigo baseado em sua dissertação de mestrado, Varella e Curcino,
“Discursos sobre a leitura: uma análise de vídeo-campanhas em prol dessa pratica”,
as autoras nos levam a verificar como a leitura e o objeto-livro são representados em
nossa sociedade: “como manifestação de poder, de sucesso pessoal, de justificativa
das diferenças, e como ícone de distinção”. E ainda, a leitura e o livro são indicados
como “prática redentora e transformadora da realidade e fonte de prazer e de
ilustração” (VARELLA, CURCINO, 2014, p. 340).
Diversos blogueiros estão pulicando livros, migrando do universo audiovisual
das telas para a versão impressa de suas narrativas. “Famosos” como Bruna Vieira,22
com 21 anos, ostenta seu blog desde os 14 anos: “Depois dos Quinze”. Virou colunista
da revista Capricho, foi eleita como melhor blog da revista em 2012, e já lançou quatro
livros, faturando por volta de 10 mil reais por mês. Seus posts, segundo seus fãs, vão
além de dicas de maquiagem e moda, ela se envolve em discussões feministas e
defende direitos como “peso o quanto quiser!”.
A maneira que encontrei de superar tudo isso foi criando meu próprio
espaço na internet. Sempre fui tímida, então o computador era meio
que meu BFF (best friend forever). Para falar a verdade, acho que
ainda é! Hahaha! (...) Criei mais como um diário virtual mesmo. Na
época eu nem sabia que levava jeito para escrever. Meus textos eram
cheios de erros bestas de português. Fui aprendendo e levando tudo
isso a sério com o tempo. Quando me dei conta, várias meninas já
acompanhavam o blog diariamente e empresas estavam interessadas
em anunciar. Nesse momento percebi que aquilo poderia mudar minha
vida. (...) A adolescência é a fase em que temos para descobrir todas
as possibilidades que a vida nos proporciona. Então, não temos
motivos para ficar nos limitando com esses rótulos, né?! (Revista
Capricho, por Christiane Silva Pinto, 12/12/2012 – grifo meu).23
Este trecho da entrevista de Bruna para a revista Capricho exemplifica como a
juventude do século XXI navega entre as mídias de forma natural, e ainda demonstra
a relação que eles têm com as mídias sociais, como extensão natural de seus corpos
e de suas vidas, em uma experiência transmidiática de consumo. E como o
audiovisual pode levar os pré-adolescentes à leitura.
22 Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/06/bruna-vieira-usa-youtube-para-apresentar-
feminismo-mais-novas.html> e < http://www.eucurtoliteratura.com/2015/04/famosos-da-internet-que-lancaram-livros. html>. Acesso em: 26 e 27 jan. 2016.
23 Disponível em: <http://capricho.abril.com.br/awards/2012/bruna-vieira-blog-depois-quinze-726115.shtml>. Acesso em: 20 jan. 2016.
55
Outra “celebridade” no audiovisual é a Kéfera Buchmann, de 23 anos. Seu livro
“Muito mais que 5 minutos”, traz a versão textual de muitos de seus vídeos do seu
canal no YouTube. Kéfera fechou o ano de 2015 na 5ª posição dos livros mais
vendidos, na classificação geral, com quase 200 mil cópias comercializadas, segundo
o PublishNews.24 A blogueira já conta, inclusive, com uma loja virtual que vende
canecas, camisetas, caderninhos e, inclusive, seu livro.
Outro exemplo claro da relação audiovisual e livros é o fenômeno “O pequeno
príncipe”. Livro lançado em 1943, traduzido para mais de 250 línguas, continua
famoso e sendo lido por gerações. Em 2015, em função do lançamento do filme
homônimo, sua procura aumentou consideravelmente. Segundo a revista Exame, o
site de comércio eletrônico Amazon-Brasil declara que o livro do principezinho fechou
o ano em primeiríssimo lugar nas vendas on-line.25 Pela PublishNews, o livro fechou
em 8ª posição, com mais de 150 mil cópias vendidas no mercado brasileiro. Em 2014,
o livro nem sequer figurava entre os 20 primeiros colocados, deixando claro a
relação audiovisual e a comercialização do objeto-livro.
Murray pondera que a “somatória da experiência humana está sendo
expandida numa velocidade prodigiosa” (2003, p. 93) e as relações entre os diferentes
meios e mídias (telas, diria) não podem nos “assustar”, como se houvesse uma arte
ou ferramenta superior a outra. São muitas as formas de “entretenimentos narrativos”,
novos formatos para se contar histórias que variam desde os videogames do tipo “fogo
neles!” até “as masmorras virtuais dos role-playing games (RPG) da internet e os
hipertextos literários pós-modernos”. As narrativas são traços definidores da nossa
humanidade, sejam eletrônicas, impressas, audiovisuais ou em qualquer formato ou
suporte (p. 11 – grifo meu).
3.3.1 Representação do objeto-livro em ACEDE
O objeto-livro também tem destaque em ACEDE. É sobre livros que os
personagens falam logo que se conhecem, é sobre o autor de um livro que a história
se desenrola e é sobre o autor deste livro que o desfecho da narrativa se dá, depois
24 Disponível em: <http://www.publishnews.com.br/ranking/anual/9/2015/0/0>. Acesso em: 15 jan. 2016.
25 Disponível em: <http://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/noticias/os-10-livros-mais-vendidos-em-2015-na-amazon-brasil>. Acesso em: 10 jan. 2016.
56
da ida até Amsterdã para conhecer esse autor. Durante a viagem, eles conhecem o
Museu Anne Frank, ligado a outro livro tão famosos quanto ACEDE.
Os irmão Green, em seus vídeos no canal Blogbrothers, no YouTube
(apresentado mais profundamente no Capítulo 4) trazem mensagens positivas sobre
a vida, ética e comportamentos políticamente corretos. Então, não é difícil imaginar
que a mensagem trazida pela literatura de John Green possua os mesmos elementos.
Hazel Grace é uma leitora assídua em ACEDE. Embora, sempre retorne ao
livro “Uma aflição imperial”, única obra de um autor recluso e misterioso, Peter Van
Houten. Este livro é fictício assim como seu autor. Ele contaria a história de uma
menina chamada Ana que morre de câncer e o livro simplesmente terminaria no meio
de uma frase, indicando que a vida da garota terminou naquele momento, sem
desfecho, sem que os demais personagens do livro imaginário pudessem encerrar
suas participações. Simplesmente acaba. Hazel também acredita que quando morrer,
levará consigo tudo em volta: “eu sou uma granada”, argumenta a jovem. “Um dia,
vou explodir. E destruir tudo ao meu redor. Todos que estiverem perto de mim vão se
machucar” (GREEN, 2012).
Este assunto é outra oportunidade para mostrar o engajamento dos fãs da
narrativa e a cultura midiática/participativa na qual vivemos. O objeto-livro “Uma
aflição imperial”, embora fictício, têm diversas capas produzidas por usuários, dando
“vida” à obra-fantasma. Além das capas, como mostradas na Figura 6, a seguir, ainda
há fãs que mandaram encadernar livros reais com as únicas seis páginas da história
escrita por John Green para o filme. As seis páginas foram repetidas diversas vezes
para que “Uma aflição imperial” tivesse mais de 500 páginas, como mostra o vídeo do
YouTube, na Figura 7.
57
Figura 6 – Hazel lê “Uma aflição imperial”, livro fictício. E outras capas do livro que circulam
pela internet, produzida por fãs anônimos de ACEDE.
Fonte: cena do filme “A culpa é das estrelas”
com as capas criadas pelos fãs – elaborada pela autora.
Figura 7 – O livro “real” “Uma flição imperial”, produzido por uma fã com a repetição
das únicas seis páginas escritas por John Green para o filme.
Fonte: YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LPw13jmWJvQ>.
Acesso em: 10 jan. 2016.
58
Augustus, amado de Hazel, também tem seu livro predileto (fictício também),
baseado em um game, chamado O preço do alvorecer, que também ganhou capas
criadas pelos fãs.
Outro exemplo, desta vez real, de objeto-livro ligado a universo ACEDE é o livro
A estrela que nunca vai de apagar, biografia de Esther Grace Earl que reúne trechos
de seus diários, textos de ficção, cartas e desenhos de Esther, além de ser prefaciado
por John Green. John conheceu Esther na época em que era voluntário em hospitais.
Diagnosticada com câncer na tireoide e tumores no pulmão (como a Hazel) aos 12
anos, essa garotinha foi a grande inspiração para toda a trama de ACEDE. Esther
faleceu em 2010 mas serviu de inspiração para muitos seguidores de seu vlog e dos
diversos grupos on-line da qual participava, com uma sinceridade “capaz de
desmontar seus fãs”, diz Miguel Barbieri Jr.26 Inclusive foi Esther que deu um grande
apoio para que John escrevesse A culpa é das estrelas e foi figura importantíssima na
criação dos Nerdfighters,27 explicado mais profundamente no próximo capítulo.
Figura 8 – John Green fala do livro Uma estrela que nunca vai se apagar, inspiração para ACEDE.
Fonte: YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=T9NaBqxnm6s>.
Acesso em: 15 mar. 2015.
26 Revista VEJA. Conteúdo on-line. 10 jun. 2014. Disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/blogs/miguel-
barbieri/2014/06/10/culpa-das-estrelas-hazel-esther-earl-real/>. Acesso em: 15 set. 2015.
27 Nerdfighter, segundo os irmãos Hank, “são pessoas que não são feitas de tecidos ou células, são feitas de awesome’” (maravilha). Nerdifighteria é a comunidade composta por este grupo de pessoas, qualquer um que queira reduzir as ‘word sucks’ (coisas ruins) do mundo.
59
Desta forma, o uso de ACEDE em sala de aula e nas reuniões do Clube de
Leitura, fornece ferramentas para o incentivo à leitura por pelo menos três vertentes
bastante claras:
1) por um lado, a própria narrativa, criada por John Green, seja no filme, no livro
ou nas redes sociais com as produções dos próprios alunos e da sua rede de
contato;
2) a expansão desta narrativa com a biografia de Esther e de Anne Frank;
3) e, ainda, pelo livro ser representado no audiovisual, com as personagens
tendo livros preferidos, e os diversos livros que aparecem ao longo da
narrativa.
Isso sem contar com as outras obras com temáticas relacionadas, como
Shakespeare, de onde o título provém e das inúmeras citações a outros livros no
decorrer da narrativa.
3.3.2 Representação do objeto-livro em outros produtos audiovisuais
Promover a leitura e o objeto-livro em si é uma excelente forma de agregar valor
à várias marcas e influenciar em seu prestígio social, diz Varella e Cursino (2014,
p. 340-3). As campanhas analisadas pelas autoras, mostram que muitas empresas,
“compartilham valores similares em relação à leitura e se advogam a responsabilidade
de promovê-la e/ou objetivam gozar do prestígio que a promoção dessa atividade gera
para seus produtos ou fins comerciais” (2014, p. 343).
Diversas campanhas publicitárias, de incentivo à leitura ou de educação fazem
menção clara ao ato de ler, aos benefícios da leitura e ao objeto-livro em si. Nos
ateremos a três exemplos significativos: a campanha “Leia para uma criança”, do
Banco Itaú; a campanha “O poder dos livros”, da rede de fast-food McDonald´s; e, aos
livros baseados no game Minecraft, febre entre as crianças e adolescentes. Os três
exemplos serão observados em suas ações audiovisuais durante o ano de 2015 (por
ser um ano de estudos no mestrado, resultando neste trabalho).
No caso da rede McDonald´s, a peça publicitária veiculada em redes de
televisão, redes sociais e outras plataformas eletrônicas, começa com a pergunta
“Como atrair 25 crianças em apenas alguns segundos?”. Na sequência, uma moça
60
senta próximo ao parquinho em que crianças estão brincando. Ela abre um livro e
começa a ler a história Rapunzel. O vídeo foi gravado no dia 26 de janeiro de 2015,
às 16 horas, no Rio de Janeiro, segundo informado no próprio vídeo.28
Figura 9 – Campanha O poder dos livros, da rede McDonald´s.
Fonte: YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=J4Yvr3F_MmM>.
Acesso em: 15 nov. 2015.
Esse vídeo faz parte do “objetivo de destacar o compromisso da rede com a
leitura – novo pilar instituído em sua estratégia global de bem-estar em 2013”, diz a
matéria da Revista Exame. A campanha visa “tornar a leitura mais divertida e
acessível e despertar a mente das crianças para esta atividade”, “milhões de e-books
e livros físicos foram doados para as unidades do McDonald’s da América Latina
incluírem no McLanche Feliz, em substituição aos brinquedos” que compõe o kit
infantil.29
Outra campanha bastante importante é a do Banco Itaú. “Nesse vídeo, a leitura
com valor simbólico é aquela de gênero de ficção, com fins de entretenimento, a partir
de livros impressos” (VARELLA, CURSINO, 2014, p. 346). “Tem um monte de histórias
esperando para serem lidas. Só depende de você”, diz o narrador da peça audiovisual
(p. 346). São dezenas de peças nesta campanha, no ar desde 2012. Em uma
28 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=J4Yvr3F_MmM>. Acesso em: 15 nov. 2015.
29 Disponível em: <http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/acao-do-mcdonald-s-mostra-o-poder-da-leitura>. Acesso em: 15 nov. 2015
61
especificamente, datada de 25 de setembro de 2015, mostra a espada presa a uma
pedra, em que vários personagens tentam tirá-la, fazendo alusão à história A espada
na pedra ou Excalibur, dependendo da fonte ou da época. Nesta versão do Banco
Itaú, o gladiador, o príncipe e o mago tentam tirar a espada. Mas quem consegue é o
pai do menino, e a espada, depois, se transforma em um livro. “Toda história precisa
de um herói. Pode ser você. Leia para uma criança. Isso muda o mundo.”30 Segundo
Varella e Cursino, “a estratégia empregada é a de convocação dos pais ou
responsáveis para lerem para crianças”, aliada à distribuição de mais de 40 milhões
de livros, segundo o jornal Estado de São Paulo.31
Figura 10 – Campanha “Leia para uma criança” do Banco Itaú.
Fonte: YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KYwRbAjeQI4>.
Acesso em: 18 dez. 2015.
O último exemplo parte de outro fenômeno, conforme debates no ComuniCon
2015, no grupo de trabalho sobre Comunicação, Consumo e Infâncias. Luciana Correa
Bolzani discorre sobre o consumo de vídeos do game Minecraft por crianças, de difícil
explicação dos porquês para o mundo “dos adultos”, os imigrantes digitais. Minecraft
é um jogo eletrônico com limitações mínimas (sandbox) de jogo que permite a
30 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KYwRbAjeQI4>. Acesso em 18 dez. 2015.
31 Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/blogs/estante-de-letrinhas/fundacao-itau-social-distribui-livros-gratuitamente/>. Matéria de 5 out. 2015. Acesso em 18 dez. 2015.
62
construção de quase qualquer coisa utilizando blocos (parecidos com Lego) do qual o
mundo é feito, indo de casas, cidades até computadores e aeronaves, podendo ser
jogado sozinho ou em grupos. Criado em 2009, o game foi vendido em 2014 para a
Microsoft por US$ 2,5 bilhões.32
Mas o mais impressionante, não é nem a quantidade de jogadores,
principalmente as crianças entre 6 e 18 anos, mas a sensação dos vídeos com
narrativas do Minecraft, em diversos canais no YouTube, criadas por uma molecada
com 14, 15 e 16 anos. Como o universo e a liberdade de criação no Minecraft são
livres, muitos youtubers33 criam seus universos e postam vídeos com as suas
aventuras diariamente, inventadas enquanto jogam, gravadas e postadas, com
nenhuma ou pouquíssima edição. No site da BBC Brasil, em matéria intitulada “Por
que tantas crianças passam horas na internet vendo outras pessoas jogando
Minecraft?” eles alegam que a tendência confirma pesquisas anteriores “feitas pelas
empresas Newzoo e Octoloy, que haviam identificado que vídeos relacionados ao
Minecraft haviam sido vistos 3,9 bilhões de vezes no YouTube apenas em março (de
2015)”. E continua “O YouTube é a televisão desta geração. É como crianças se
entretêm, aprendem e compartilham”. Esse fenômeno também elevou o status do
YouTube entre as crianças: dos 20 canais mais populares na plataforma, nove são
voltados para os nascidos neste milênio. E conclui,
Esse fenômeno é comprovado pelo bilhete entregue de forma espontânea, por
um aluno do 3º ano do Ensino Fundamental 1, logo na primeira semana de aula, com
uma lista de livros que ele gostaria de ler. O primeiro item é do Minecraft. Pelo que
posso sentir dos desejos dos alunos, principalmente dos meninos, os livros do
Minecraft teriam potencial para reproduzir em 2016 o que aconteceu com ACEDE em
2014. Logicamente, isso é apenas uma especulação da minha parte.
Os youtubers têm faturamento de “gente grande”. Em matéria do G1, youtubers
que têm entre 500 mil e 1 milhão de inscritos (seguidores de seu canal) podem ganhar
de R$ 6 mil a até R$ 50 mil por mês, somente com as visualizações no YouTube. E
são todos bem jovens (entre os quatro principais, três tem menos de 20 anos em 2014:
Cellbit – 17 anos; Malena0202 – 19 anos; e RezendeEvil – 18 anos).
32 Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/games/noticia/2014/09/microsoft-compra-criadora-de-
minecraft-por-us-25-bilhoes.html>. Matéria de 15 set. 2014. Acesso em 18 dez. 2015.
33 Pessoas que postam vídeos em canais próprios no YouTube.
63
O canal do RezendeEvil publica três vídeos com histórias no Minecraft todos
os dias e é visto 30 milhões de vezes por mês (dados de nov. 2014, segundo G1).
Entre elas, sensações como “Paraíso” e “Pelados”, além de outros games, trolagens
(pegadinhas, algumas com a própria mãe) e outros conteúdos. Em declaração ao G1,
Rezende (ou melhor, Pedro Afonso) diz:
Nunca fui de ficar muito no computador, no PlayStation. Nunca fui
viciado. Mas sou muito competitivo, e depois que peguei o YouTube
para valer, coloco alguma meta e não vejo nem o tempo passar. Em
poucos meses eu já estava com 1 milhão de inscritos. Números de
visualizações absurdos. E recebendo muito mais do que recebia na
Itália [ele atuou como goleiro em um time italiano]. (Bruno Araújo, para
o G1, 11/11/2014)34
Em vídeo postado em 02 de outubro de 2015, com o título “O vídeo mais
importante da minha vida!”,35 RezendeEvil lança seu primeiro livro (Figura 11), ''Dois
mundos, um herói'' (Suma de Letras/Objetiva).
Em matéria para o jornal O Globo, Rezende conta que a obra traz trechos como:
''O monstro se agita, dando golpes com a cabeça e a cauda e jogando a gente para
perto da entrada da caverna. A vida parece se esvair de mim, e eu sinto medo. Não
sei se quero descobrir na pele como é morrer em um jogo, não”.36 Nos meses de
novembro e dezembro de 2015, o livro “Dois mundos. Um herói”, se manteve em
segundo lugar nas vendas gerais. Só em dezembro de 2015, foram quase 35 mil livros
vendidos.37
34 Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/games/noticia/2014/11/jovem-desiste-de-carreira-no-futsal-
para-se-dedicar-videos-de-minecraft.html>. Matéria de 11 nov. 2014. Acesso em 18 dez. 2015.
35 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=R49fw_1kUKE>. . Acesso em 03 jan. 2016.
36 Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/pedro-rezende-vira-celebridade-com-canal-sobre-minecraft-17919111#ixzz3ywMtt4k0>. . Acesso em 03 jan. 2016.
37 Disponível em: <http://www.publishnews.com.br/ranking/mensal/0/2015/12/0/0>. . Acesso em 10 jan. 2016.
64
Figura 11 – Vídeo de lançamento do livro de RezendeEvil.
Fonte: YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=R49fw_1kUKE>.
Acesso em 03 jan. 2016.
De forma sucinta, este tópico visa mostrar a relação audiovisual e livro, não
apenas no fenômeno ACEDE, mas em outros produtos e segmentos culturais e
comunicacionais destinado ao público-alvo desta dissertação. Como diz Varella e
Cursino, essas campanhas visam “formar mais leitores (...) para que tenham acesso
à redenção e à transformação de sua realidade social” (2014, p. 353). Sendo
“redenção” ou não, estes exemplos representam “uma motivação diferenciada para
aprender os mais diversos tipos de conteúdo” (VERSUTI, GOSCIOLA; DAVID, 2014,
p. 49), e, para tal, é impossível hoje dissociar os componentes de consumo para os
nativos digitais.
Podemos constatar que campanhas e protocampanhas reproduzem
um mesmo imaginário acerca da leitura, de modo que aquelas, por seu
poder de circulação nas mídias tradicionais e de massa como a TV (e
as digitais também), parecem servir de modelo de enunciação a estas
com relação ao que se pode e deve enunciar sobre a leitura bem como
ao modo como se diz acerca dela (na escolha do gênero, no modo de
abordagem do enunciatário, evidenciado, por exemplo, pelas escolhas
lexicais dos idealizadores dos vídeos, na forma de projeção do sujeito
no discurso que assume a posição daquele que sabe e aconselha
65
os demais etc.) embora se difiram quanto às estratégias de escri-
ta empregadas nessas produções audiovisuais. (VARELLA, 2014,
p. 140-1)
Com isso, espero ter contribuído para a percepção que a educação e o
audiovisual, como item da cultura de participação em que vivemos e como
representante ilustre das novas narrativas, tem seu futuro intrinsicamente associados.
“A inevitável adoção de novas tecnologias, o debate atual se dirige a como ocorre”
essa interação, porque é fato que ela ocorre. O audiovisual e os jogos (como no caso
do Minecraft), “são recursos na estratégia de despertar necessidades e interesses no
aluno, na escola e possuem sentido social, estético, de fruição, estando fortemente
inseridos na cultura e nas condições concretas de vida das crianças”. Ainda, as
diferentes mídias têm o poder de transformar as relações “entre os membros da
comunidade e a produção de conhecimento em processos de aprendizagem ao invés
de centrados [apenas] em produtos” (BARBATO, CAMPOS-RAMOS, BORGES, 2014,
p. 211-2).
3.4 Pedagogia midiática: a interdisciplinaridade em sala de aula
A fala de Henry Jenkins, nos dá o tom para este item:
Assim, ao tratarmos da pedagogia midiática, não podemos mais
imaginá-la como um processo em que os adultos ensinam e as
crianças aprendem. Devemos interpretá-la como um espaço cada vez
mais amplo, onde as crianças ensinam umas às outras e onde, se
abrissem os olhos, os adultos poderiam aprender muito. (JENKINS,
2009, p. 284 – grifo meu)
E retomo outra citação de Jenkins, do livro “Cultura da conexão”, mais atual,
citada no item 2.3, Capítulo 2 desta dissertação. No prefácio, escrito por Maurício
Mota, ele cita Peter Drucker, papa do management,
De pouco valem a sua estratégia, seu plano de negócio, seus recursos
financeiros ou tecnologia, se você não prestar atenção à cultura ao seu
redor, ao que está acontecendo na rua, no dia a dia das pessoas.
(MOTA, In: JENKINS, 2014, p. 10 – grifo meu)
E é sobre esse “prestar atenção” que o audiovisual entra no incentivo à leitura.
É uma visão interdisciplinar da educação, dos seus limites e dos seus currículos.
66
A interdisciplinaridade nasce a partir de 1960, principalmente na França e na
Itália, visando mudar o processo de fragmentação do conteúdo tanto no ensino como
na pesquisa nas universidades europeias, questionando as barreiras das disciplinas
e suas limitações (SIQUEIRA, 2001, p. 91-2). No Brasil, este movimento tem início na
década de 1970, com Hilton Jupiassu, alegando que a interdisciplinaridade “deverá
ser procurada na negação e na superação das fronteiras disciplinares” (1976, p.74-5)
e com Ivani Fazenda: “é uma relação de reciprocidade, de mutualidade, um regime de
copropriedade que iria possibilitar o diálogo entre os interessados” (FAZENDA, 1979,
p. 39. In: SIQUEIRA, 2001, p. 91.2).
“Todos concordam que à interdisciplinaridade cabe partilhar, não replicar.
Todos nos incitam a retirar das raízes da inteligência as qualidades do coração, onde
o entusiasmo e o maravilhamento estão ancorados”, é assim que Ivani Fazenda abre
seu livro “O que é interdisciplinaridade?” (2008, p. 14).
O documento “Diálogos interdisciplinares: a caminho da autoria”, programa de
formação dos professores da rede municipal de ensino, do qual sou professora
parceira, vê a interdisciplinaridade como
pressuposto de que o conhecimento não está pronto e acabado e que
a escola também é local de produção de conhecimento,
estabelecendo relação dialética entre os conhecimentos do senso
comum e os já sistematizados e buscando uma forma interdisciplinar
de apropriação do conhecimento. (PREFEITURA DE SÃO PAULO,
2015, p. 47 – grifo meu)
Ressalta-se que o conhecimento humano nunca esteve e nunca estará
acabado. Ele é fruto da interação do homem com o meio e dos homens com os
homens, portanto, essencialmente mutável. E o documento continua,
A escola deve proporcionar ao estudante oportunidades de entender a
metodologia de construção desses conceitos e reinterpretá-la, ou
modificá-la, para responder às questões de seu próprio tempo, gerando
novas possiblidades para solucionar problemas apresentados
contemporaneamente. Cabe à escola evidenciar os passos da
construção histórica dos momentos e das condições de criação das
estruturas epistemológicas das disciplinas (PREFEITURA DE SÃO
PAULO, 2015, p. 49 – grifo meu).
Esta dissertação, baseada em minha prática e nas atividades do Clube de
Leitura Universo Paralelo, visa dar essas “condições de criação” aos alunos por meio
67
do audiovisual em uma perspectiva interdisciplinar, trazendo o “mundo real” para
dentro da escola, extrapolando os muros, as regras, os limites, os pressupostos.
Dando liberdade ao educando para guiar seu aprendizado e sua experiência com o
conhecimento.
Entendo a interdisciplinaridade como uma das vertentes da cultura participativa.
Ser inter é transitar pelo conhecimento em construção. E a cultura da participação e a
pedagogia midiática são fortes tendências educacionais que eu vejo já ser realidade
hoje. Ivani Fazenda me dá subsídios teóricos para essa afirmação:
trabalho docente é impregnado de intencionalidade, pois visa à
formação humana através de conteúdos e habilidades de pensamento
e ação, implicando escolhas, valores, compromissos éticos, o que
significa introduzir objetivos explícitos de natureza conceitual,
procedimental e valorativa em relação aos conteúdos que se ensina.
Portanto, pode se reconhecer que o professor necessita de
conhecimentos e práticas que ultrapassem o campo de sua
especialidade, para viver a atitude pedagógica interdisciplinar
(HAAS, 2011, p. 63 – grifo meu).
Por pedagogia midiática, entende-se, a prática docente proveniente da
comunicação associada aos recursos midiáticos, mas sem esquecer da interação e
da autonomia necessária, por parte tanto do educando quanto do educador, em
promover o conhecimento crítico conjunto. Em partes esta teoria é apresentada no
livro Educomunicação e mídias, de Rossana Viana Gaia (2001, p.33-6) associadas ao
que prega Jenkins (2009, p. 284)
O que se propõe aqui vai além do simples uso das mídias ou dos audiovisuais,
não apenas como mais uma ferramenta entre o falar e o escrever no quadro negro do
fazer docente. Mas partindo do desejo verdadeiro de abrir mão do “controle da aula”,
ceder lugar para os interesses, anseios e necessidades dos alunos (que hoje estão
presentes nas redes sociais, de forma mais proeminente) e, a partir desses elementos,
construir, problematizar, elucidar e ampliar os conhecimentos e a capacidade
comunicativa dos educandos, em uma pedagogia midiática participativa dentro de
uma experiência transmidiática de consumo.
68
4 JOHN GREEN E A CULPA É DE QUEM MESMO?
Quando você leva um livro em uma viagem – disse Mo quando ela pôs o primeiro no baú – acontece uma coisa estranha: o livro começa a colecionar lembranças. Depois basta abri-lo, e você já está de novo
no lugar onde o leu. Tudo volta, já nas primeiras palavras: as imagens, os cheiros, o sorvete que você tomou enquanto lia...
Cornelia Funke, Coração de Tinta
Roger Chartier, historiador e pesquisador da história do livro e da leitura, em
sua obra “Os desafios da escrita” (2002, p.101-23), pergunta se o leitor está morrendo
ou sendo transfigurado. Ele apresenta três perspectivas a serem analisadas para
entender a transfiguração do leitor e da leitura na atualidade:
a) a transformação das práticas de leitura: obras lidas parcialmente, fotocopiadas
em cursos, resumos com anotações de aulas, leitura de obras pertencentes a
bibliotecas ou, ainda, emprestadas ou adquiridas usadas;
b) a redução do consumo de livros, impressão e venda (principalmente nas áreas
muito especializadas ou específicas) em partes pelas questões listadas na
alínea a, acima, e em partes por outras questões amplas de mercado (como o
alto custo de periódicos que reduziu o interesse de editoras universitárias em
publicar livros de determinadas áreas), alto custo de estoques e encalhes, ações
do poder políticos de pouco incentivo à atividade privada editorial;38 e
c) a terceira perspectiva, que salienta a “civilização da tela”, é a que interessa
neste estudo, uma vez que, em plena era dos tempos híbridos, não pode haver
espaço unicamente para análises pessimistas e reducionistas da realidade, nem
“lamentações sobre a irremediável perda da cultura escrita”, nem os alarmes
sensacionalistas sobre uma nova era da comunicação.
Corroboram com a terceira perspectiva apresentada por Chartier (2002) os
textos de Murray (2003), de Prensky (2011), de Jenkins (2013) e outros citados nesta
dissertação. É esta que nos interessa neste estudo.
Como os conhecimentos, saberes, instituições, produtos e mídias, o objeto-livro
também passa por uma revolução, como discutido no capítulo anterior. Chartier, em
38 Os dados apresentados por Chartier referem-se ao mercado europeu e ao mercado livreiro em geral,
incluindo livros técnicos, literário, enciclopédias, entre outros, na década de 1990. No Brasil, considerando o enfoque literário infantojuvenil desta dissertação, o fenômeno que se observa é de aumento das vendas, principalmente, nos grandes blockbusters.
69
A aventura do livro: do leitor ao navegador vê que revolução do livro, aquela que
transformou a modalidade de inscrição e de transmissão dos textos, não acarretou na
“morte do leitor” (2002, p. 106). Muito pelo contrário, abriu um leque de possibilidades
de associações, hipóteses e hipertextos, que levaram a uma nova organização da
argumentação, da prova, do livro e das narrativas. A lógica deixou de ser
obrigatoriamente linear e dedutiva, onde o leitor, passivo na leitura, apenas podia
“acreditar” no que o autor, dotado do poder da escrita, transmitia pelo tipo impresso
no papel.
A relação autor-leitor passou a ser aberta, expandida e relacional,
proporcionando aos destinatários a possibilidade de, a qualquer momento, interagir,
aprofundar, confrontar e reescrever os textos, causando uma “mutação
epistemológica fundamental” (CHARTIER, 2002, p. 108), com contornos e números
virtualmente ilimitados.
Tem-se hoje um “choque com esse modo de identificação do livro, pois tornam
os textos móveis, maleáveis, abertos, e conferem formas quase idênticas a todas as
produções escritas: correio eletrônico, bases de dados, sites da internet, livros etc.”
(2002, p. 110 – grifo meu).
Nesta perspectiva, este estudo vê o livro de forma expandida para outras
formas de comunicação, utilizando diversos meios e mídias para, no final, retornar à
escrita (como narrativa) alavancando todas as outras (ou alavancada por elas), em
uma relação intrinsicamente simbiótica de coexistências para além da tela-livro.
E, se o leitor e o texto mudaram o espectador também não é mais o mesmo,
nem a sua relação com o cinema, a televisão, as outras mídias e redes sociais, o que
será explorado nos capítulos seguintes.
4.1 Até as “estrelas” e para além delas: buscando onde está
o interesse do aluno
Grande campeão de vendas de livros de ficção em 2014 (PublishNews),39
ACEDE vendeu perto de 650 mil cópias.40 Ainda figuram na mesma lista, outros livros
39 PublishNews. Ranking dos livros mais vendidos em 2014 – Literatura de Ficção. Disponível em: <
http://www.publishnews.com.br/telas/mais-vendidos/ranking-anual.aspx?cat=9&data=2014>. Acesso em: 05 jun. 2015.
40 Na lista geral de vendas, fica atrás apenas do livro “Nada a perder”, de Edir Macedo, que contou com quase 800 mil cópias (PublishNews).
70
do John Green: “Cidade de Papel”, em 3º lugar (lançado em 2008 e no cinema em
julho/2015) e “Teorema Katherine” em 5º lugar na lista. O primeiro romance publicado
por Green, “Quem é você, Alasca?”, em 2006, ganhou o Prêmio Michael L. Printz, da
American Library Association, e tem lançamento no cinema previsto para 2017.
John Green foi eleito pela revista Time, uma das 100 pessoas mais influente do
mundo em 2014.41 Sobre ele, quem dá seu depoimento para a revista é Shailene
Woodley, atriz que interpreta Hazel Grace em ACEDE,
Certamente, John Green escreve romances best-sellers para jovens-
adultos, gerencia um canal no YouTube (VlogBrothers) e organiza uma
conferência anual para os blogueiros de vídeo (VidCon), mas ele é
mais do que apenas um autor, um artista e um inovador. Eu iria mais
longe, a ponto de chamá-lo de profeta. Não, não é um profeta em um
sentido bíblico. Não surte. Estaria mais para um profeta universal, do
tipo que conecta todas as coisas. Alguns dizem que por meio de seus
livros, John dá voz aos adolescentes. Eu humildemente discordo. Acho
que John ouve as vozes dos adolescentes. Ele reconhece a
inteligência e a vulnerabilidade que resultam daqueles belos anos,
quando nós estamos, pela primeira vez, descobrindo o mundo e a nós
mesmos, fora de nossas histórias familiares. Mas ele não apenas ouve
a jovens-adultos. Ele trata cada ser humano que ele conhece como seu
próprio planeta, ao invés de simplesmente uma de suas luas. Ele vê as
pessoas com curiosidade, compaixão, graça e emoção. E ele está
incentivando uma enorme comunidade de seguidores a fazer o
mesmo. Que presente é estar vivo, ao mesmo tempo que este líder
admirável. (Revista TIME. Os 100 mais importantes de 2014. Conteúdo
on-line. Tradução minha, grifo meu)
Os números de espectadores cinematográficos também não são discretos:
ACEDE fechou o ano de 2014 no topo da lista dos filmes mais assistidos no País. São
mais de 6,1 milhões de espectadores, ficando à frente de “Malévola”, “X-Man” e
“Frozen”.42
41 Texto original: “Sure, John Green may write best-selling young-adult novels, manage a YouTube channel
(vlogbrothers) and organize an annual conference for video bloggers (VidCon), but he’s more than just an author, an artist and an innovator. I would go so far as to call him a prophet. No, not a prophet in a biblical sense. Don’t freak out. More a prophet in a universal, all-things-connected sort of context. Some say that through his books, John gives a voice to teenagers. I humbly disagree. I think John hears the voices of teenagers. He acknowledges the intelligence and vulnerability that stem from those beautiful years when we are, for the first time, discovering the world and ourselves outside of our familial stories. But he doesn’t just listen to young adults. He treats every human he meets as their own planet, rather than simply one of his moons. He sees people with curiosity, compassion, grace and excitement. And he’s encouraging a huge community of followers to do the same. What a gift to be alive at the same time as this admirable leader.” Disponível em: <http://time.com/70799/john-green-2014-time-100/>. Acesso em: 15 out 2015.
42 ANCINE – Agência Nacional do Cinema. Informe de Acompanhamento do Mercado. Disponível em: <http://
oca.ancine.gov.br/media/SAM/Informes/2014/Informe_anual_preliminar_2014_ArquivodePublicacao.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2015.
71
O aluno, em construção de sua identidade e comportamento leitor, está exposto
a estes grandes números “industriais”. Ele ouve seus iguais (principalmente) e aos
professores (na medida em que é conquistado afetivamente ou por interesse na
disciplina), assiste TV, navega pelas redes sociais como Facebook, Tumblr e Twitter,
acessa conteúdos do YouTube e Google. As telas a que se refere Jenkins (2013) e
Chartier (2002).
E com todas estas inquietações, informações e leituras, na tentativa de dar
significação às aulas e reduzir a distância entre o mundo e a escola, em uma de
minhas pesquisas encontrei as tags literárias43 do YouTube. Uma moçada (grande
parte tem menos de 25 anos) que produzem vídeos amadores com indicações e
críticas literárias, principalmente dos best-sellers, inicialmente, mas que depois
viraram uma espécie de brincadeiras com temáticas variadas (como, os livros mais
doces, que tenham capas legais ou não, que representem situações do próprio
YouTube, como o vídeo “O forninho caiu”).
Trazer estes vídeos fez muita diferença, porque o meio audiovisual, a idade e
a temática trabalhada nestes vídeos, são por si só, atraentes aos jovens, fazem parte
do mundo deles. E comecei a introduzir alguns vídeos como complemento às aulas
ou, simplesmente, exibia como ampliação do repertório enquanto os alunos
pesquisavam o acervo da sala para empréstimo semanal.
A obra mais comentada e aguardada em vários canais no YouTube, em blogs
e no Facebook, no final de 2013 (como demonstrado nos itens anteriores e com mais
detalhes posteriormente), figurava A culpa é das estrelas. Após algumas pesquisas
informais com alguns alunos, percebi que vários tinham interesse em ler mais sobre a
obra, já tinham ouvido falar nas redes sociais e alguns poucos haviam lido.
Daí a traçar uma estratégia de ação foi quase automático. Mudei o rumo do
Clube de Leitura, como uma experimentação dessa hipótese e apresentei a proposta
de lermos um livro inteiro (ACEDE), mudando o formato de atuação anterior (com
temáticas fixas periódicas e trechos de obras). Como a proposta foi aceita e ampliou
o interesse dos alunos (quase dobrando o número de inscritos no Clube de Leitura),
43 Funcionam como marcadores de assuntos ou hashtag (# – sinal gráfico de cerquilha), colocando sobre um
determinado termo grande variedade de postagens do mesmo assunto. Nas tags literárias circulam termos, piadas e brincadeiras próprias deste grupo, inclusive com perguntas respondidas por dezenas de leitores/espectadores vorazes que se utilizam do Facebook, Tumblr, Twitter e do YouTube para propagar a sua opinião, suas críticas, suas leituras e indicações.
72
comecei a ampliar meus estudos nesta área e ingressei no Mestrado buscando validar
e ampliar a minha pesquisa.
4.2 John Green: prazer em conhecê-lo (pelo YouTube!)
John e Hank Green são irmãos, moram nos EUA e, em 2007 resolveram fazer
uma brincadeira entre eles. Durante um ano inteiro, eles se falariam somente por
vídeos publicados no YouTube, diariamente. Abrangendo questões do dia a dia, fatos
políticos e sociais e impressões da vida, alguns conceitos mais amplos de psicologia,
literatura, filosofia, entre outros, sem roteiro aparente entre os vídeos e sem nenhuma
outra forma de comunicação além dos vídeos.
O que começou com uma inocente brincadeira (ou não!) deveria ter terminado
em 31 de dezembro de 2007. Mas, como foi um grande sucesso, o canal VlogBrother
foi estendido, indefinidamente. Em julho/2016, o VlogBrothers conta com 35 canais
coligados, quase 3 milhões de seguidores, 650 milhões de visualizações e mais de 8
mil vídeos postados no canal. O vídeo postado em 29/07/2016, em 6 horas, teve
33 mil visualizações.
Figura 12 – Canal VlogBrothers dos irmãos John e Hank Green no YouTube.
Fonte: YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/user/vlogbrothers/about>.
Acesso em 29 jul. 2016.
73
Os vídeos são gravados de forma “amadora”, em suas respectivas casas, com
algumas cenas externas. A fala dos irmãos ocorre em altíssima velocidade, com
linguagem simples e com grande quantidade de informações em curto espaço de
tempo (a maioria dos vídeos tem menos de 4 minutos). Tratam de assuntos filosóficos
(como identidade, nação, respeito), saúde, literatura, economia, movimentos sociais
e uma extensa lista de outros assuntos, como a faixa de Gaza, por exemplo. Também
há vídeos sobre como nomear adequadamente seu bebê e se vale a pena ir para a
faculdade. Sempre com uma pitada de humor e muita cultura nerd/pop, quadrinhos,
música e comportamento jovem. Mesmo assuntos polêmicos internacionais (como
casamento homossexual ou as manifestações de 2013 no Brasil) são tratados com
seriedade e carregados de “bons conselhos”, daqueles que nossos pais ou
professores nos dariam, analisados de forma clara, sem rodeios ou com conceitos
“científicos” acessíveis para os jovens.
Para exemplificar, no vídeo postado no YouTube em 11 de maio de 2012, em
3 minutos e 57 segundos, Hank discorre sobre uma lei no Estado de Carolina do Norte
(EUA) que quer alterar a Constituição americana, banindo o casamento gay. Hank
alega que isso não é uma questão somente política, mas, que, deliberadamente o
estado está decidindo que deve tratar alguns cidadãos de forma diferenciada de
outros. Declara que isso é um erro e analisa diversos argumentos que mais ouve sobre
o assunto. “Por que os homossexuais não podem simplesmente dar uma festa e dizer
que estão casados?”. Hank rebate esta alegação: “se uns podem se casar, por que
outros não podem ter os mesmos direitos?”. E declara enfaticamente “Isso é errado!”.
Continua discorrendo sobre Deus, a Bíblia, a instituição casamento, a naturalidade
deste tipo de união e as regras que criamos para o mundo em que vivemos (e alega
que a coisa mais natural do mundo é a complexidade do homem), fala da sociedade
e declara que a única coisa que deveriam levar em consideração “é que todas as
pessoas deveriam ser vistas como iguais, perante a lei”.
74
Figura 13 – Hank Green fala sobre Legislação americana e casamento gay.
Fonte: YouTube. Disponível em <http://youtu.be/2xz6aGkB_p0>. Acesso em: 20 nov. 2014.
Em outro vídeo, de 20 de setembro de 2010, em 3m47s, John fala de literatura,
de metáfora e sobre o conceito de nação, enquanto come (satisfeitíssimo) um pedaço
de pizza. Ele começa, em sua fala alucinadamente rápida, a conversar com um
hipotético “Hank-de-15-anos” sobre se sentir obrigado a ler nas aulas de literatura.
Questiona sobre a nacionalidade da pizza que come: “Ela seria americana? Italiana?
Grega? Ou brasileira, onde há mais de 6 mil pizzarias em funcionamento? 6.000!”.
Depois, volta a falar com um Hank-aluno-escolar que se vê obrigado a falar de
simbolismos, temas e metáfora, baseados em suas leituras, e em como este Hank-
aluno se sente torturado com isso... Como sempre, John principalmente, faz pequenas
inserções no vídeo, com comentários carregados de ironia e lança: “A propósito Hank-
de-15-anos, agora eu sou escritor. Hãn!?”.
75
Figura 14 – John Green usa de metáforas e comparações para justificar o incentivo à leitura.
Fonte: YouTube. Disponível em <http://youtu.be/OWI9hQuDydY?list=PLpP6enmdLMRHONhcFb9kP2B2-
yAsT5g38>. Acesso em: 21 nov. 2014.
E dispara: “a leitura crítica nos ajuda a perceber sobre o que pensar e nos dá
uma moldura sobre o que pensar sobre essas coisas”. Depois exemplifica com
“Ulysses” de James Joyce, um clássico da literatura mundial, utilizando-se de uma
passagem em que o personagem Bloom é inquirido sobre o significado do termo
nação. Em seguida discorre sobre a dificuldade de teorizar termos como este uma vez
que pode significar “pessoas que moram em um mesmo lugar” ou, também “pessoas
que não moram neste lugar, mas pertencem a ele de alguma forma” e continua
mostrando que determinar o conceito de comunidade também é extremamente
complicado, seja nos Estados Unidos da América, seja na Irlanda (Bloom é judeu
irlandês), seja na panelinha da escola, seja na Nerdfighteria. Pula para a necessidade
de pertencimento do homem e da criação do conceito de exclusão e inclusão, questão
bastante explorada em “Ulysses”, segundo John. E ataca, é mais fácil conversar sobre
identificação desta forma, analisando um discurso, do que ficar dizendo: “Eu sou uma
lula-raivosa-gigante! Eu não escuto você!”. Recorte do vídeo mostrando os óculos
tortos depois do “teatrinho” da lula. O que leva John de volta a questão da
nacionalidade da pizza e sobre as diversas formas que uma pizza pode se apresentar:
com ou sem queijo ou molho, com ou sem borda, de vários formatos. E remete esta
76
metáfora às pessoas: “uma nação são as mesmas pessoas vivendo no mesmo lugar
ou em lugares diferentes. Tem italianos na Itália. Tem italianos na América, tem
italianos descendentes de chilenos”. Conclui que:
A coisa mais fundamental que toda leitura crítica faz é revelar a nós
que não há definições fáceis que nos diferenciem deles [de qualquer
outro]. Ler com os olhos aberto para as metáforas nos permite nos
tornarmos a pessoa sobre a qual estamos lendo enquanto lemos sobre
ela. É por isso que tem símbolos nos livros e seu professor de inglês
merece toda a sua atenção. E isso não tem nada a ver com entender
o que o autor quis dizer. O trabalho de ler não é entender a intenção
do autor. O trabalho de ler é usar as histórias como um jeito de ver
as outras pessoas do jeito que vemos a nós mesmos. E, se
fizermos isso, podemos olhar para o mundo e ver uma grande e infinita
lista de lindas variações de pizzas (legendado por Bruna Chaves, em
seu canal no YouTube. Disponível em <http://youtu.be/OWI9h
QuDydY?list=PLpP6e nmdLMRHONhcFb9kP2B2-yAsT5g38>. Acesso
em: 21 nov. 2014 – grifo meu.).
Para encerrar, mudando o tom para algo mais descontraído, solta: “Hank, te
vejo na quarta”. Tela preta. Silêncio. John reaparece olhando de lado para a câmera
e pergunta: “Eu fiz este vídeo inteiro para adicionar um pedaço de pizza na minha
dieta?”. Resposta: “Talvez”.
E, aparentemente, são essas inserções de humor/ironia que despertam o
interesse e garantem o sucesso do canal, misturado com temas polêmicos aos young-
-adults (YA, jovens adultos, em inglês) e que não diferem muito dos interesses dos
jovens brasileiros. Com informações claras e “honestas” do cotidiano, aliados ao
carismático escritor e irmão, que fazem do fenômeno Green um grande negócio:
milhões de visualizações, milhares de livros vendidos em todo o mundo e sucesso de
bilheteria em um filme com romance adolescente e câncer, sem grandes efeitos
especiais, além de uma narrativa sincera e bem amarrada na opinião dos jornais e
revistas analisados a seguir. E, como declara Green, em entrevista para o jornal Folha
de S.Paulo “Os melhores livros do gênero, seja ficção científica ou romance, são
aqueles que não subestimam os adolescentes e os respeitam. Acho que ‘A culpa é
das estrelas’ será um sucesso no cinema por causa disso” (SALEM, Folha de S.
Paulo, 2014).
77
4.2.1 Hã? Mas o livro veio antes do YouTube?!
Com números tão expressivos, novas mídias (YouTube, Twitter, Instagram,
Tumblr...), formato não convencional e conteúdo menos ainda, e para um público on-
line full time não é fácil indicar como, em uma época de cultura midiática, com imensos
nichos de mercado, eles puderam alavancar multidões de fãs, principalmente no
Brasil. Pensadores de nossa época ainda produziram suas análises e teorias sobre a
atualidade, sobre os fenômenos híbridos do século XXI, para além dos tempos
hipermodernos de Gilles Lipovetsky (2004) e dos tempos líquidos de Zygmunt
Bauman (2007); muitos falam, argumentam, mas ainda não temos termos que deem
conta da nossa diversidade, aceleração e complexidade.
E, neste cenário tão incerto, em que a tecnologia duplica, triplica sua
capacidade em velocidade alucinante, explicar um fenômeno literário e
cinematográfico não é tarefa fácil, se é que é possível.
Se tentarmos analisar as diversas mídias e reportagens dos irmãos Green, uma
questão parece unir as muitas notícias que tratam deste fenômeno: “os vídeos no
YouTube alavancaram as vendas dos livros”. Esta afirmação parece ser a principal
premissa subentendida na maioria das notícias sobre ACEDE e na explicação de seu
grande sucesso de vendas e bilheteria. No programa “Fantástico”,44 da Rede Globo,
exibido em 18/05/2014, o apresentador Tadeu Schmidt fala dos vídeos do YouTube
da dupla Green que “o cara parece uma enciclopédia de cultura popular”, lista diversos
assuntos dos vídeos e conclui: “E, a propósito, ele também escreve livros”. Mais
adiante afirma “O livro e o filme são feitos sob medida para emocionar. Uma fórmula
que promete repetir nas telas o sucesso que A culpa é das estrelas teve nas livrarias”.
Talvez esta seja uma necessidade de nossa época em afirmar que mídias como
YouTube poderiam, sozinhas, dar conta de produzir sucessos de venda e de
bilheteria. Afirmação essa que discordo, como mostrado a seguir.
Refazendo o percurso das publicações de John Green, “Quem é você, Alasca
(2005 – Prêmio Michael L. Printz Award); “O teorema Katherine” (2006 – finalista do
Los Angeles Times Book Prize) e só depois que aparece o canal do YouTube
VlogBrothers, que não tinha e não tem, como assunto principal, os livros de John,
embora, no lançamento e durante as filmagens do longa-metragem, alguns vídeos
44 Disponível em <http://globotv.globo.com/rede-globo/fantastico/v/sucesso-na-internet-escritor-john-green-e-
uma-das-pessoas-mais-influentes-do-mundo/3354148/>. Acesso em 19 nov. 2014.
78
foram produzidos com esta temática, logicamente, atendendo ao apelo tanto do
mercado quanto dos fãs (COSTA, 2014, on-line).
Ainda, segundo Costa (Saraiva Conteúdo)45, o VlogBrothers é (em abril/2014)
um dos projetos on-line mais populares do mundo.46 Um dos poucos conteúdos
disponíveis de John Green antes de 2014, pertence à Saraiva Conteúdo também
(SILVA, 2012, on-line), que destaca o fato de o livro ACEDE ter demorado mais de 10
anos para ser concluído.
Em um informe publicitário da Livraria da Folha,47 datada de 31/07/2012, o
texto-publicitário restringe-se apenas a trechos da própria história, do tema central da
obra (adolescência × câncer × humor), sem nenhuma citação nem ao site nem ao
filme.
Vinte dias depois, em 20/08/2012, no encarte Folhateen, também do jornal
Folha de S.Paulo, há alguns trechos do livro como pano de fundo para a história real
de dois adolescentes brasileiros que, como no livro, estão apaixonados e enfrentam,
juntos, osteossarcoma, o mesmo tipo de câncer que Augustus Walters tem (KAISER,
2012, on-line). O título da matéria é bem sugestivo: “Romance aborda a vida de
renúncia e esperança de quem enfrenta um câncer”. Mais uma vez, nenhuma menção
ao YouTube, ao vlog nem às outras obras de Green.
Logicamente que isso também demonstra um novo status que o livro tem
adquirido como objeto cultural. Principalmente àqueles destinados ao público jovem,
“examinar a tensão fundamental que atravessa o mundo contemporâneo [do livro,
especificamente, mas também da escrita], dilacerado entre a afirmação das
particularidades e o desejo do universal” (CHARTIER, 1999, p. 133), faz deste estudo
uma análise, também, com viés antropológico do livro-objeto, que foi discutido com
mais profundidade nos capítulos anteriores.
Portanto, há que se identificar que o fenômeno em volta do livro, inicialmente,
e do filme, depois, deu-se mais pela temática, público-alvo e pela boa e velha
propaganda boca a boca (ou tela a tela!) via redes sociais, principalmente no Brasil.
45 Disponível em <http://www.saraivaconteudo.com.br/materias/post/56144>. Acesso em 10 nov. 2014
46 Logicamente, esta é uma informação passível de questionamento por não ter base de pesquisa, dados científicos e nem comprovação de nenhuma espécie, configurando-se como um texto puramente publicitário, uma vez que a Saraiva objetiva vender livros. Mas, meu intuito aqui é demonstrar como a mídia de massa trata ACEDE e John Green e, demonstrar que, pelo menos no Brasil, outras mídias e canais não tiveram tanta importância na produção do sucesso de bilheteria e de vendas de ACEDE.
47 Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/1128986-romance-usa-humor-para-falar-de-cancer-na-adolescencia.shtml>. Acesso em 10 nov. 2014
79
O YouTube e as demais matérias vieram depois da explosão do título nas livrarias
brasileiras, sendo rebocadas pelo livro.
4.3 “Estou apaixonado pelo humanismo desta obra”, diz o youtuber
As narrativas são e sempre foram atraentes ao homem, não importa o suporte
midiático em que elas de encontram. Assistir a um filme não elimina o interesse e até
(diria) a necessidade da leitura literária por parte do apreciador destas artes, como um
prolongamento das emoções despertadas nos diferentes suportes.
Desde seu nascimento com os irmãos Lumière no século XIX (STAM, 2014,
p. 37-41), o cinema busca a representação fiel da vida, e quanto mais avança nesta
representatividade, mais as pessoas se sentem “chocadas”. Quanto mais a imagem é
associada aos efeitos das narrativas, à imaginação do diretor, às intencionalidades do
olho mecânico/digital, aos efeitos sonoros, imitando a vida em suas mais tênues
realidades e nas mais brutais experiências de loucura e imaginação, mais o filme
ganha “vida” e gera a identificação do espectador (quando esta é a intencionalidade)
se completando no grande jogo cinematográfico.
Alienígenas, inimigos ocultos, monstros de todos os tipos em necrotérios,
cemitérios, castelos ou florestas, já foram filmados e refilmados incontáveis vezes. O
medo do desconhecido, do espiritual, do sagrado e do profano já foram infinitamente
explorados. Animais gigantescos, supermáquinas espaciais que se transformam em
carros, motos, pessoas... A criatividade do cinema em surpreender, assustar e
encantar não parece ter limites.
Mesmo assim, o homem ainda não foi capaz de conter a morte e o tema ainda
fascina gerações. Mesmo um robô bicentenário, ao final, escolhe o que mais temos
de humano na nossa existência: a morte! E, prefere a morte humana a uma vida
contínua sem laços afetivos.
Niemeyer (2010), em sua dissertação de Mestrado, busca lições sobre adoecer
e morrer nos filmes hollywoodianos por meio do “artefato cultural-midiático que é o
cinema”.
Vivemos em uma cultura predominantemente visual em que se valoriza
a vida e a expressividade do corpo. Numa sociedade que tem fascínio
pela comunicação, o corpo é coagido a emitir informações. Dessa
forma, o corpo serve de fundamento para nossas identidades. (...)
80
Nesse entendimento, o corpo é referido como constructo social e
cultural, sendo alvo de diferentes e múltiplos discursos. (p. 17)
ACEDE não foi o primeiro e nem o último livro adaptado para o cinema, nem a
falar sobre câncer, nem a mostrar corpos jovens doentes.
Talvez pela humanidade da obra, talvez pela referência ao amor adolescente
perdido (como em Shakespeare), talvez pelos ritos de passagem para a vida adulta
em uma situação extrema de doença, talvez pela sinceridade e ironia presentes na
escrita de John Green... A verdade é que só podemos especular o motivo pelo qual
tantos fãs, de várias idades, em diversas redes, telas e mídias, se renderam a ACEDE.
E aí, mais uma vez, preciso retomar a minha experiência no Clube de Leitura e
em sala de aula, na tentativa de trazer luz ao fenômeno ACEDE: muitos dos alunos
que se interessaram pela leitura completa da obra, realizada em sala de aula, com as
oito turmas de 9os anos, no segundo semestre de 2014, esperaram com muita
ansiedade ao lançamento do filme. Mesmo conhecendo a história, seu desfecho
trágico, as ironias e as metáforas da obra, não desmotivaram os pré-adolescentes a
assistir ao filme.
“Estou apaixonado pelo humanismo desta obra”, declara o youtuber Danilo
Leonardi,48 em seu canal “Cabine Literária”, provavelmente o primeiro vídeo desta
plataforma a tratar de ACEDE, publicado em 20 de dezembro de 2012.
ACEDE não é apenas uma história de câncer, sobre câncer, com corpos
doentes. Este livro/filme narra a vida, as lutas de cada um de nós, sobre o “infinito em
dias numerados”, sobre as expectativas de vida de uma pessoa que não vai viver,
sobre o amor e sobre viver. Mas, mesmo assim, sabendo que seus “dias são
numerados”, essas pessoas sofrem, amam, vivem intensamente com o tempo que o
acaso lhes dá. O câncer e os corpos doentes são os elementos de ligação entre as
personagens, mas suas vidas não se limitam a elas, principalmente porque se tratam
de adolescentes e, adolescência e morte são (quase) paradoxos no inconsciente
coletivo.
Nesta linha na busca de um “culpado”, Shakespeare dá voz a Cassius49 e diz
que a culpa não é das estrelas. A culpa seria nossa por sermos coniventes com a
48 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=STuq9MpLUjU>. Acesso em 18 set. 2015.
49 “Ele cavalga, amigo, o mundo estreito como um outro Colosso, enquanto os homens pequeninos lhe andamos por debaixo das pernas gigantescas e espreitamos por toda parte, a fim de ver se túmulos desonrados achamos. Há momentos em que os homens são donos de seus fardos. Não é dos astros, caro
81
inferioridade ou sermos instrumentos do poder soberano. Atualmente, John Green
prefere dizer que a culpa “é” das estrelas, da sorte, do insondável, do acaso. Afinal,
nos dias atuais, quem “culparia” uma pessoa por ter câncer? Ainda mais se essa
pessoa for alguém com 13 anos, diagnosticada em estágio terminal, quase sem
chance de sobrevivência?
Há uma imensa quantidade de filmes que tem o câncer como centro: somente
o site50 do Instituto OncoGuia indica 23 filmes com esta temática, todos com grandes
atrizes e atores hollywoodianos. Outro site, Internet Movie Data Base – IMDB,51 lista
72 filmes do mundo todo onde o câncer é a “estrela”. Mesmo dentro os filmes para o
público-alvo YA com os portadores dessa doença, podemos destacar também “Agora
e para sempre” [Now is good – 2012] com Dakota Fanning, Jeremy Irvine e Paddy
Considine.
Assim, se vamos falar de câncer, em pleno século XXI, em um filme para
adolescentes, não podemos desconsiderar o que a sociedade atual teme, imagina,
sonha ou almeja para a si mesma.
O lado humano da narrativa, seja no filme ou no livro, justifica muito do interesse
dos pré-adolescentes do Clube de Leitura. Mais do que câncer ou, apesar do câncer,
o lado humano realístico das personagens chama a atenção do público.
Antonio Candido entende por humanização o processo que
confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o
exercício da reflexão, a aquisição do saber, a disposição para com o
próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos
problemas da vida, o senso de beleza, a percepção da complexidade
do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em
nós quota de humanidade na medida em que nos torna mais
compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante.
(CANDIDO, 2011, p. 182 – grifo meu)
Assim como os heróis da atualidade são humanos, com altas habilidades, mas,
acima de tudo, humanos (ver Hulk, Homem de Ferro, Capitão América, Batmam, entre
outros), as personagens de Green também o são. O sofrimento emocional, o amor, a
Bruto, a culpa, mas de nós mesmos, se nos rebaixamos ao papel de instrumentos.” SHAKESPEARE. Julio César. Ato 1, cena 2. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/cesar.html>. Acesso em 20 out. 2014.
50 Disponível em: <http://www.oncoguia.org.br/conteudo/dicas-de-filmes-%C3%82%E2%80%93-cancer/2243/429/>. Acesso em 20 out. 2014.
51 Disponível em: <http://www.imdb.com/list/ls004695995/>. Acesso em 20 out. 2014.
82
morte, sentimentos comuns a qualquer ser humano, pode ser uma das chaves para
este grande sucesso. “O maior de todos os enigmas: nós mesmos ou a realidade
humana manifestada em cada um de nós” (SILVA, 2013, p. 31).
Há muita proximidade narrativa entre ACEDE e “Romeu e Julieta”, por exemplo.
Grandes histórias de amor juvenil que terminam de forma trágica. Na obra de
Shakespeare, as famílias são o entrave. Na obra de Green é a doença. Mas estamos
para muito além do desenvolvimento da técnica, temida por Walter Benjamim (1936)
ou mesmo da hipertelia, morta pelo excesso, a que se refere Baudrillard (1970). Rose
de Melo Rocha cita a grande frequencia que entrevistados juvenis falam sobre a vida
e a morte, expressando-se pelos produtos midiáticos culturais:
[eles] recorriam a letras de músicas, filmes e narrativas televisivas para
demarcar seus próprios relatos. Mais do que o achatamento do vivido,
tais recursos funcionam bem como estratégias de subjetivação
poderosas, indicando uma astúcia discursiva de importância. (...) Para
muitos destes jovens, a incorporação dos discursos midiáticos sobre
sua cidade e seus bairros evidenciavam táticas de releitura crítica de
tais narrativas. E, com estas leituras, falavam com propriedade de si e
dos outros. Foram inúmeras as vezes, ainda, que os discursos do
consumo e os imaginários musicais compuseram seus relatos
biográficos. (ROCHA, 2013, p. 40-1 – grifo meu)
Este trecho do artigo de Rocha deixa claro que a relação do público, dos pré-
adolescentes, principalmente, é carregada de identificação e de busca de
representatividade identitária. E a obra de Green, ACEDE, é carregada de
possibilidades de identificação e de humanismo. Primeiro pelos personagens serem
adolescentes, problemáticos (pela doença), por não se encaixarem na sociedade
(sentimento comum a muitos adolescentes). Depois, gradativamente por mostrar que
o amor é possível, em qualquer situação, de qualquer ponto de vista, indo ao encontro
dos ideários românticos desta faixa etária. Mostra a dor do escritor Peter Van Houten
pela perda da filha e fala do término da vida; só que em vez da redenção, o escritor é
levado ao lado dos vícios, da agressividade e da depressão, causando raiva no
leitor/espectador. A consumação do primero amor, da primeira relação sexual, temas
recorrentes em muitas narrativas juvenis. E depois a possibilidade iminente da morte,
não da personagem principal, Hazel, a quem somos levados à acreditar durante toda
a trama, mas de seu Romeu, Gus (Augustus Walters), levado pelo câncer, com
mostras realísticas do sofrimento, da dor, do tratamento em si. E depois da morte a
83
confirmação do amor, em dias numerados, depois da morte “posto que é chama”, o
amor que será infinito para eles. Tudo isso escrito de forma direta, sem rodeios, sem
falsas conversas, com linguagem próxima da fala cotidiana, com inúmeras referências
culturais de quem não subestima a capacidade do jovem em lidar com conhecimento,
diversidade, dor e romance.
84
5 OS SUPERPODERES DAS NARRATIVAS
Mas precisam ser palavras que descrevam todo um mundo, Elinor. É preciso que saia música das palavras. Elas têm que estar
muito bem tecidas, numa trama bem fechada, para que a voz não se perca através dela.
Cornélia Funke, Sangue de tinta
5.1 Livro, filme, vlog.... As narrativas de John Green
Carismático e falando diretamente ao público jovem, a esmagadora maioria das
entrevistas e reportagens brasileiras sobre John Green trata-o como um fenômeno
mais publicitário do que literário e a maioria nem considera o teor dos VlogBrothers e
muito menos seus conteúdos, conforme demonstrado no capítulo anterior.
Hoje, não é mais possível dissociar o produto (livro, filme...) e o autor, porque
a perceptível indústria de entretenimento atua nas marcas e nos produtos criados,
investe em gerar/criar muitas “febres adolescentes”, caracterizando-os, muitas vezes,
como “necessidade de consumo”, principalmente para quem procura respostas e
analisa os fenômenos sociais. Nossa sociedade atual é composta por consumos,
status de posses e por sensações de pertencimento a grupos variados pelo que eles
usam, vestem, ouvem, leem; ainda mais nos jovens que buscam modelos de
identidades sociais.
Como este estudo trata de questões de identidade e consumo de literatura e
audiovisual para pré-adolescentes, observo as publicações e postagens em redes
sociais, principalmente no que tangencia ACEDE e seu autor. Em junho de 2014, ou
seja, no auge do fenômeno ACEDE, a Revista Veja,52 popular por aproveitar grandes
temas sociais como matéria de capa, também se rendeu ao sucesso da obra de John
Green. Da mesma forma que trago postagens do Facebook e do YouTube, e
reportagens da Rede Globo, por serem mídias de grande visibilidade social, trago a
análise também desta revista. Mais adiante, sob o prisma de um artigo sobre análise
do discurso, de Fabrícia Corsi (2014), esta edição será criticada.
Jerônimo Teixeira, em matéria especial de capa da Revista Veja (14/05/2014),
afirma que a arte de ouvir e contar histórias é tão antiga quanto o homem. E, não
importa o meio ou o suporte, “homens e mulheres se importam com pessoas que não
52 Editora Abril, edição 2373, ano 47, nº 20, 14 de maio de 2014.
85
lhes são próximas, que não estão mais vivas, ou que nem sequer existem” pelo
simples prazer natural da ficção, argumenta.
Segundo a matéria desta revista,
ficção é um traço definidor da humanidade, e como tal se pode afirmar
que ela tem raízes biológicas profundas. Cultivar o hábito de leitura (e,
em especial, da boa leitura) surte efeitos nítidos: desenvolve a
imaginação, o vocabulário e o conhecimento, a capacidade de associar
– de usar a inteligência de forma mais plena, enfim. Não é acaso, por
exemplo, que todos os jovens de grande promessa nos estudos e na
carreira, mostrados nesta reportagem, sejam leitores vorazes.
(TEIXEIRA, 2014, p.127-8)
Figura 15 – Comparação entre a capa do livro e a capa da Revista Veja.
Fonte: elaborada pela autora.
Ainda, segundo a revista, estudos comprovam que a “ficção melhora a nossa
empatia, nossas habilidades sociais e nossa inteligência emocional”. “Empatia é um
conceito-chave para entender as razões de sermos animais que narram histórias”,
além de ativar regiões do cérebro ligadas à motricidade. Por exemplo, se o
personagem caminha na história lida, a área do cérebro responsável por este
movimento é acionada, “mesmo que o leitor esteja sentado no sofá”, afirma Teixeira,
baseando-se em estudos feitos por Véronique Boulenger, do Laboratório de Dinâmica
da Linguagem, na França (p. 129).
86
Fabrícia Corsi, no V Colóquio da Associação Latino-Americana de Estudo do
Discurso – ALED (2014), em artigo intitulado “As práticas de leitura do jovem leitor de
ensino médio”, faz uma observação crítica desta matéria da Revista Veja. Corsi alerta
que decretar que um bom leitor é um bom estudante, como faz a matéria da Veja, é
um tanto quanto sensacionalista. Corsi ressalta que a capa e o texto da revista
intencionam elevar o status da leitura de ficção (e obviamente, do livro) a um patamar
impossível de comprovação. Ressalta a intencionalidade das cores e do design da
capa, remetendo ao livro ACEDE; a posição da menina mostrando apenas a área do
cérebro, o fundo azul, e o status de superpoder dado à leitura. Até o texto da capa
decreta, por analogia, que ler John Green é melhorar o desempenho do estudante. “É
um exagero sem qualquer condição de ser mensurada ou decretada como verdade”.
O título interno da reportagem especial ainda avança: “A voz da geração conectada”
traz para o verbo conectar “uma plurissignificação que não temos como dar conta de
entender, explicar ou mesmo teorizar de forma definitiva”. Em seu estudo, Corsi toma
por base os enunciados de Foucault sobre análise do discurso, uma vez que não
podemos mais analisar o “discurso apenas como um enunciado de signos que nos
levam a conteúdos ou significações”. O conjunto de signos hoje, de forma sistemática,
“formam o objeto de que se fala”. Logicamente que o discurso é feito de signos, “mas
o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É nesse ‘mais’ que
é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever” (CORSI, 2014, apud FOUCAULT,
2009, p.55 – grifo meu).
Corsi conclui que o jovem, hoje, lê e que afirmar o contrário é devaneio. Ele
escolhe o que ler, “mas lê, até porque vive em um mundo cercado por textos”, mesmo
que curtos. A linguagem, a temática que faz parte do mundo adolescente (conflitos,
paixões malsucedidas, dramas e pesadelos, inseguranças) é o que parece fazer de
John Green um sucesso de vendas e de público, segundo as mídias pesquisadas.
Seja como for, formando ou não leitores superpoderosos, as narrativas atraem
a muitos e, inegavelmente, pelos números expressivos, John Green sabe como
trabalhar as narrativas de forma a encantar e ressignificar tanto a leitura literária, como
o vlog, como a temática e seus leitores-espectadores nerdfighters.
“A questão não é a fórmula perfeita, e sim a maneira como ele trabalha”, diz
Lúcia Robertti, integrante da equipe Cabine Literária e autora do blog Lucy In the Sky...
Dreaming!. “Tenho certeza que o John Green não pensa ‘Ah, nem gosto desse tema,
mas vou escrever porque todo mundo vai gostar e vou fazer sucesso’. Não! Ele
87
trabalha com dedicação em tudo que escreve, além de estudar os temas que o
inspiram”, completa (COSTA, 2014, on-line).
Costa ainda afirma que esse sucesso também se deve aos
temas que o autor se propõe a discutir em suas obras. Esqueça o
tempo em que os jovens queriam ler coisas de fácil assimilação ou de
puro entretenimento. Ele trata de assuntos delicados: a morte, a
sociedade, o universo adolescente... tudo isso. A diferença está no
modo como coloca [esses temas] em seus livros. É diferente dos
demais. Tenho certeza que os mesmos temas tratados por outro autor
não teriam a dinâmica do John”, diz Lúcia. “Ele faz tudo parecer mais
natural... mais leve, sabe?” (COSTA, 2014, on-line).
Seja on-line, seja no livro, seja no voyeurismo do filme ou mesmo na “vida real”,
as narrativas fazem parte da existência humana e nenhum suporte parece ter
enfraquecido esta teoria: gostamos de ouvir e contar histórias! Eles nos emocionam,
contribuem para a criação de identificações ou repulsas, ajudam no processo de
identificação e de significação para nossas vidas. Sejam os pacientes com câncer,
sejam astronautas fugindo do planeta destruído, sejam os animais pré-históricos que
foram “ressuscitados”, sejam colônias de formigas que lutam contra gafanhotos,
nenhum tema parece deixar de despertar no homem seu interesse.
Basta achar no aluno este mesmo “canal” e a forma como “sintonizá-lo” no
mundo literário. Se poderá ser atraído para a leitura literária pelas tantas citações ao
autor/obra/filme/livro nas redes sociais, ou ainda pelas campanhas publicitárias de
lançamento e venda, não importa. Qualquer porta poderá dar acesso à ampliação do
repertório e na formação do aluno leitor ao longo de sua vida.
5.2 Do YouTube viemos e às redes sociais voltaremos
Mesmo que possamos presumir que as matérias e reportagens do
VlogBrothers, pelo menos no Brasil, não serviram de impulso para a venda do livro ou
para o sucesso do filme (mesmo que em um primeiro momento), o YouTube e as
redes sociais ainda podem ser responsabilizados por este sucesso literário e
cinematográfico de forma indireta.
Se a mais antiga forma de propaganda ainda é o boca-a-boca, o YouTube é o
grande “fofoqueiro” da nossa época. Sejam nas tags literárias, nos comentários nas
88
diversas redes sociais, nas fan art53 publicadas; estas mídias também se prestam hoje
à publicidade amadora e gratuita dos muitos grupos a qual um indivíduo (de qualquer
faixa etária) pertence. Por status, por aceitação, por necessidade de coletividade, por
gosto: todas estão certas e nenhuma dá conta de teorizar a realidade do nosso tempo.
Aqueles que se destacam neste meio são, em alguns casos, patrocinados pelas
editoras e empresas que enviam os livros e produtos para esses jovens-adultos (em
sua maioria, mas não somente) analisarem e darem as suas opiniões, via canais
próprios no YouTube (eles mesmos assumem essa “parceria” nos vídeos),
promovendo os livros, as editoras, os produtos e os temas.
Em busca realizada no dia 21 de novembro de 2014, às 20h30, o YouTube
indicava o resultado de “aproximadamente 2.160 vídeos” com o termo “tag literária ‘a
culpa é das estrelas’”. Algum tempo depois, quando fui capturar a imagem do vídeo
para este documento, às 22h02, a mesma busca atualizou para “aproximadamente
2.170 vídeos”. Ou seja, em 1h30 foram postamos mais 10 vídeos sobre este assunto...
Se formos menos específicos, a busca apenas por “tag literária” retorna mais
de 12 mil vídeos. Um exemplo: Bruno, do canal Minha Estante, tem no vídeo “O
forninho caiu”,54 mais de 32 mil visualizações e mais de 4.500 likes.55 Mas nem de
longe este é seu maior sucesso no YouTube. Seus vídeos sobre ACEDE tem 53 mil
visualizações e outro sucesso do John Green, “Quem é você, Alasca?”, tem quase 57
mil visualizações. Bruno posta desde abril de 2013 e no vídeo a seguir mostra seus
primeiros livros adquiridos, respondendo a uma lista de perguntas que vários
vlogueiros respondem, com o tema “Livros opostos” (um livro caro e um barato; o
primeiro livro comprado e o último; um livro fino e um grosso; um brasileiro e um
estrangeiro... No total, são 10 perguntas respondidas por diversas pessoas).56
53 Fanart ou fan art é uma obra de arte baseada em um personagem, fantasia, item ou história que foi criada
por fãs. O termo pode ser aplicado tanto à arte feita por fãs de personagens de determinado(s) livro(s), como também arte derivada de mídias visuais, como quadrinhos, filmes e/ou videogames. Geralmente se refere a obras de arte de artistas amadores ou artistas não pagos por seu trabalho. É um trabalho feito por fãs de sua própria imaginação sobre a obra original (Fonte: Wikipedia).
54 Uma referência à outro vídeo do YouTube: uma menina canta e a outra dança sobre uma mesa. A dançarina se apoia em um forno fixado na parede, que cai. A menina que filma, grita “Mãe, o forninho caiu”. Neste caso, Bruno inicia uma tag literária com perguntas baseadas nas falas do vídeo. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=UyU9Vq1lOWQ>. Acesso em 24 nov. 2014.
55 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UyU9Vq1lOWQ>. Acesso em 10 nov. 2014.
56 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=adAHTLSpVqs>. Acesso em 10 nov. 2014.
89
Figura 16 – Canal Minha Estante com a tag literária sobre livros opostos
Fonte: YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=adAHTLSpVqs>.
Acesso em 10 nov. 2014.
Um outro vídeo de Bruno, falando sobre o livro Inferno, de Dan Brown, de 19
de novembro de 2014, tinha, apenas 1 dia depois de postado, mais de 6 mil
visualizações (em 06 jun. 2014, as visualizações deste vídeo saltaram para quase 28
mil; em nov. 2016, contava com mais de 43 mil). Três coisas chamam a atenção em
uma análise rápida neste vídeo, comparando com o anterior: a aparência física do
autor (agora com barba e mais experiente no falar), no conteúdo dos seus vídeos que
agora tem análises mais profundas (enredo, aspectos psicológicos, tempos da
narrativa), e na quantidade de livros atrás do Bruno. Em quase dois anos, ele
acumulou uma grande quantidade de objetos-livros (o que garante, em partes, o status
de seu canal) e de vídeos postados (150 vídeos, aproximadamente) e mais de 89 mil
seguidores (em nov. 2016, saltou para 147 mil seguidores). Se antes, Bruno falava
mais dos best-seller “consumíveis”, hoje seus vídeos são mais abrangentes, com
temáticas mais variadas e autores consagrados pelo mercado editorial.
A opinião de Bruno sobre ACEDE é positiva, mas como seu vídeo é do início
de 2014, neste caso, acredito que tenha sido imensamente contaminado pelas
publicidades e outras tags literárias, portanto, não utilizarei seu vídeo neste estudo.
90
O vídeo mais antigo que encontrei com a tag literária de ACEDE data de 20 de
dezembro de 2012, de um canal tão “famoso” quanto o do Bruno, citado nos
comentários do site Saraiva Conteúdo, com 55 mil visualizações. Trata-se de canal
Cabine Literária. Neste vídeo,57 Danilo Leonardi58 parece captar (ou talvez até guiar)
muitos dos comentários posteriores sobre John Green e a sua capacidade de falar de
assuntos tido como “pesados” de forma leve, do amor adolescente e dos personagens
com câncer. Aparentemente, é o primeiro vídeo de conteúdo em língua portuguesa a
fazer referência ao título de ACEDE. E alega que leu devido aos inúmeros pedidos
dos seguidores do canal para que falasse de John Green e, especificamente, de
ACEDE. Diz “é isso mesmo que esse livro vai tratar: como essas pessoas [doentes de
câncer] vivem. Vejam, vivem, não apenas sobrevivem”. “John Green é um filho da mãe
que sabe escrever de um jeito muito ‘goooossstoso’”, “meu Deus, quantas lágrimas!”,
“estou apaixonado pelo humanismo desta obra”, “é um livro que vai fazer você ficar
com vontade de deitar na grama e ficar vendo estrelas; e conversar sobre assuntos
profundos e egoístas, mas que fazem sentido. E tudo ao mesmo tempo!”. Danilo
encerra o vídeo dando cinco “troninhos” (vasos sanitários) para a obra, pontuação
máxima da sua tabela de pontos.
Varella, em sua dissertação de mestrado, anuncia que a produção de vídeos
para o YouTube (mas não somente) “enquanto plataforma facilitadora de circulação”,
permite que os diferentes grupos possam se manifestar “acerca de diversos temas, e
entre eles, sobre a leitura”, ação esta que nos permite “aceder a indícios do imaginário
contemporâneo sobre essa prática”, permitindo a proximidade e relativa visibilidade,
o que “temporariamente afeta as hierarquias e sistema de produção convencionais
(2014, p. 142).
Ou seja, hoje, com base nestes dados, pelos números de visualizações e no
assunto a que este trabalho versa, podemos afirmar que o YouTube (mas não só ele)
presta-se imensamente na promoção midiatizada da leitura literária e do objeto-livro,
abrangendo diversas formas de comunicações para, no fim, instigar o jovem a ler por
meio das indicações, dos vídeos produzidos por e para jovens brasileiros, mesmo
57 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=STuq9MpLUjU>. Acesso em 20 nov. 2014.
58 Danilo Leonardi tornou-se autor com lançamento de seu primeiro romance “Por que Indiana, João?”, para o público jovem e que, de certa forma, faz o caminho inverso a John Green. Seu vídeo de lançamento pode ser visto em <https://www.youtube.com/watch?v=UVQCP0tpSrM>. Acesso em: 22 nov. 2014.
91
considerando as imensas desigualdades sociais presentes nos pré-adolescentes e
adolescentes da Cidade Tiradentes.
Se as palavras de um professor, mesmo com as melhores das
intencionalidades pedagógicas, parecem “distantes” aos ouvidos de nossos
educandos, utilizar-se destas mídias e de seus produtos de comunicação é, no
mínimo, uma boa opção nas salas de aula.
5.3 Com vocês, as novas narrativas!
Logicamente, as novas narrativas não são a reinvenção da roda. As narrativas
continuam tendo a função principal de comunicar (ou mesmo de conectar) pessoas,
informações, conteúdos. “A narrativa é um de nossos mecanismos cognitivos
primários para a compreensão do mundo. É também um dos modos fundamentais
pelos quais construímos comunidades”, é o que declara Janet H. Murray, em seu livro
“Hamlet no holodeck” (2003, p. 10-2).
O que se entende por novas narrativas, segundo Paulo Nassar, em
pronunciamento de inauguração do GENN – Grupo de Estudo das Novas Narrativas,
ligadas à ECA-USP, em 2012, somente são “novas” por colocar o indivíduo no
centro das ações, e não mais as corporações, “reforçar o pertencimento e a
afetividade (...) contribuindo, também, para alegrar o mundo”.59 “As novas narrativas
são aquelas que melhor se adequam à sociedade atual, caracterizada por sua
complexidade, flexibilidade e dinâmica”, diz o prof. Cláudio Cardoso, no mesmo
evento. É a estrada que mudou pelo cruzamento, pelos recursos, pela participação
dos usuários, invertendo a comunicação que antes era empresarial (ou corporativa)
para pessoal. Hoje, as mensagens na web circulam de um para muitos, de muitos
para muitos ou de muitos para um, uma vez que a experiência de comunicação é
individualizada no percurso decidido pelo internauta.
A interrrelação entre o texto (expandido para qualquer formato, entendido como
mensagem) e o público é cada vez mais próxima e aberta.
É nesta definição que as narrativas, em todos os tempos, ocupam-se
do sentido da aventura humana, assumindo o desafio de decifrar a
História Universal, articulando as histórias subjetivas que a constituem,
59 Disponível em <http://www5.usp.br/11657/grupo-de-estudo-de-novas-narrativas-e-criado-na-eca/>. Acesso
em 21 jan. 2016
92
na multiplicidade diferenciada de uma pluralidade grandiosa,
indefinida, muitas vezes obscura ou absurda que, de Homero a Kafka,
nos encanta, nos assusta e nos surpreende ao insistir na tarefa de
expor e decifrar o que já a tragédia grega chamava de o maior de todos
os enigmas: nós mesmos ou a realidade humana manifestada em cada
um de nós (SILVA, 2013, p. 31)
“Contos, novelas, romances, filmes, quadrinhos, telenovelas, séries de
televisão e games encontram seu lugar em um sistema narativo híbrido”, diz Santaella
para MSG – Revista de Comunicação e Cultura, em edição especial sobre Narrativas
(2013). Cada vez menos um talento individual trabalha solitário, as narrativas
transmidiáticas “dependem muito mais da contribuição que cada trabalho traz para
uma economia narrativa muito maior” (SANTAELLA, 2013, p. 34-5 – grifo meu).
O termo “transmedia intertextuality” indica a criação de um sistema de
entretenimento no qual crianças experimentavam “a ampliação narrativa de uma
história ao assistir à série de desenhos na TV, brincar com os brinquedos e ao assistir
a um filme no cinema das mesmas personagens” (GOSCIOLA; VERSUTI, 2012),
intencionada pelas companhias que ampliavam o universo de forma controlada e
planejada.
Não se trata aqui do conceito usual de transmídia, uma vez que não há
intencionalidade do autor/produtor na expansão da história pelos diversos canais,
principalmente, nas redes sociais. Trata-se da experiência transmídia das novas
narrativas do ponto de vista do usuário, leitor, espectador e, também,
produtor/autor de conteúdos. A história é expandida e revelada pelos usuários, por
meio de frases, citações, fan arts, relações de passagens ou mesmo até de momentos
da vida particular de cada usuário que sejam parecidas com as encontradas na
narrativa... Enfim, novas narrativas aqui relacionam-se com cultura de participação
transmidiática.
A experiência de um aluno com uma obra, seja ela ACEDE ou qualquer outra,
ocorre por diferentes mídias, em diferentes momentos e por caminhos que eles
decidem, por métodos próprios (VERSUTI, GOSCIOLA; DAVID, 2014, p. 51). E é a
essa experiência transmídia das novas narrativas que se refere este estudo.
Assistir a uma telenovela e, ao mesmo tempo, acessar o Twitter ou o
Facebook tornou-se uma experiência bem divertida, pois os
comentários que surgem nas redes aumentam a temperatura das
narrativas pela participação on-line de um público que deseja,
93
sobretudo, colaborar e vivenciar um mundo de estórias em tempo real,
por meio de múltiplas telas. A portabilidade e a multiplicidade de telas
já fazem parte de uma realidade compartilhada (SANTAELLA, 2013,
p. 35 – grifo meu).
E é isso que aconteceu nas reuniões do Clube de Leitura e na sala de leitura.
Os próprios alunos trouxeram seu interesse, o livro que gostariam de saber mais, o
autor que gostariam de ler. Partiu do conhecimento e das interações dos alunos fora
da escola e veio para dentro da sala de aula. Demonstrando que o sentido do
conhecimento, como tão bem pregava Paulo Freire, é aprender enquanto se ensina e
ensinar enquanto se aprende, dando vez e voz ao aluno para, a partir do que ele traz
como conhecimento de mundo, ampliar e ofertar mais conhecimentos, expandindo a
visão de mundo e a experiência do saber.
“A ficção literária envolve o leitor com lirismo, descrições, subjetivações,
expressando o mais fundo possível todas as prováveis perscrutações da alma do
personagem”, diz Lauro César Muniz. Se o filme e as redes sociais foram a “isca”, o
livro é o deleite, é a ampliação do universo transmidiático. “O leitor pode estabelecer
seu tempo de consumo com a obra” (MUNIZ, 2013, p. 24).
“É interessante observar a narrativa transmídia como um potencial instrumental
para colaborar com o esforço de encontrar saídas para os impasses da crise da
Educação”, defendem Versuti, Gosciola e David. Como já trabalha com uma
“somatória de plataformas”, “com sujeitos digitalmente imersos, torna-se possível
acreditar que estes se sintam atraídos pelo processo de criação e consumo de
histórias digitais”, encontrando nas novas narrativas transmidiatizadas “uma
motivação diferenciada para aprender os mais diversos tipos de conteúdo”, tornando
o “espaço da escola em um cenário de várias mediações”, ressignificando “conteúdos
e a produção de uma resposta criativa à mídia”, “destacando o processo de construção
de conhecimento numa perspectiva conectivista que remete a independência e o
compartilhamento de saberes” (VERSUTI, GOSCIOLA, DAVID, 2013, p. 47-52).
Se o primeiro contato destes alunos foi com os filmes e as postagens dos
grupos que se associam, por meio das redes sociais, cabe ao professor, de posse
destes interesses, despertar o interesse pela leitura, para ampliar a temática, permitir
o conhecimento das subjetividades dos personagens e, com o tempo, contribuir para
a formação e a identidade leitora deste aluno.
94
5.4 Cultura participativa no “lugar encantado”
Janet H. Murray nos apresenta o conceito de “imersão” em seu livro sobre as
novas narrativas no ciberespaço. Buscamos a sensação de estarmos envolvidos por
uma realidade diferente da nossa, do nosso mundo familiar, do sentido de vigilância,
um “inundar da mente com sensações”. “Mas, num meio participativo, a imersão
implica aprender a nadar, a fazer as coisas que o novo ambiente torna possível” (2003,
p. 102), e os nossos jovens tem aprendido bem a lição.
As formas que os adolescentes e jovens adultos escolhem para decidir
quando e onde ser acessíveis, articular disponibilidade social e
intimidade e transmitir mensagens que não se animam a dizer cara a
cara, apresentam espantosas analogias em estudos etnográficos feitos
na Coréia, China, Finlândia e Estados Unidos, sobre a Geração Txt.
“Não dizemos mais te encontro no bar; dizemos te encontro no
Messenger”, explica um jovem mexicano; mas é possível ouvir isso de
espanhóis, argentinos e de jovens de outros países (GARCIA
CANCLINI, 2008, p. 58).
E não apenas no quesito imersão × participação. Voltando ao relato da
blogueira Bruna Vieira (canal Depois dos quinze), citada no Capítulo 3 deste trabalho:
os meios eletrônicos de comunicação, sejam por vídeo, texto, redes ou Facebook, são
considerados pelos jovens como extensões de sua vida privada. Bruna alega que
tinha problemas de relacionamento e era tímida, seu blog começou como um diário
on-line, ou seja, ela não se sentia confortável “pessoalmente”, mas, com o computador
“BFF”, ela conseguiu se abrir, postar e atingir o “sucesso” que tem hoje. Dentro do
mundo virtual, Bruna conseguiu lidar com as críticas que recebeu (era chamada “emo”
por falar de emoções). Para a geração nascida no século XXI, o acesso à rede, seja
por qual plataforma for, são extensões de seus corpos, da mesma forma que Hazel
precisa de seu cilindro de oxigênio. Estar no Facebook e em outras redes sociais, faz
parte da interação social, quase como se o “mundo (virtual) imersivo” estivesse
realmente dentro de nós (MURRAY, 2003, p. 107).
A mesma questão é apresentada em uma matéria publicada no jornal Folha de
S.Paulo, em 11/01/2016. Lucy Kellaway, colunista do Financial Times, discorre sobre
a morte das “brincadeiras” de escritório. O que era considerado normal até pouco
tempo atrás: e-mails com “pegadinha” em 1º de abril (dia da mentira), apostas ou
falsos informes, simplesmente, não são entendidos da mesma forma para a geração
nativos digitais:
95
os jovens profissionais não acham que seja OK fingir ser outra pessoa
on-line. Um estagiário do FT [Financial Times] explicou que suas
personas na internet são de tal forma uma parte deles – suas vidas
inteiras estão on-line – que seria uma traição grave se qualquer
pessoa, especialmente um colega, tentasse mexer com elas. (FOLHA,
201660)
Nativos digitais são a primeira geração verdadeiramente globalizada,
cresceram com a tecnologia e usam-na desde a primeira infância. A internet é, para
eles, uma necessidade essencial e, com base no seu acesso facilitado,
desenvolveram uma grande capacidade em estabelecer e manter relações pessoais
próximas, ainda que à distância.61 Em pesquisa informal, os alunos relatam que o pior
castigo para eles é restringir o uso do celular e do computador.
Voltando à imersão de Murray, ela argumenta que os objetos sedutores (que
criam vínculos imersivos, seja um urso de pelúcia, seja uma arma que a criança diz
“bang!” ao empunhá-la, seja um livro, o Facebook, ou outro tipo de narrativa) “criam
pequenos circuitos de realimentação que incitam a um engajamento ainda maior, o
qual, por sua vez, conduz a uma crença mais sólida” na narrativa (2003, p. 113). E
quanto mais os nativos digitais avançam, e
o meio artístico digital ganha maturidade, os escritores terão cada vez
mais experiência em inventar esses objetos virtuais verossímeis e em
inserí-los dentro de momentos dramáticos específicos que
intensifiquem nossa sensação de participação imersivam dando-no
algo muito prazerosos para fazer (MURRAY, 2003, p. 113).
Janet H. Murray ainda completa: quanto mais e mais pessoas desenvolverem
habilidades tanto na criação quanto no uso da cultura participativa e nas novas
narrativas, mais o mundo digital se tornará um “projeto autobiográfico global, uma
gigantesca revista ilustrada de opinião pública”: assim como a rede serve para
distribuir “arte underground, animações, romances hipertextuais e até filmes”
demonstrando claramente que as narrativas sempre terão forte presença no
ciberespaço, sem que se reduza espaço para as fotos de família, para o almoço na
casa da avó, para o álbum de viagem, para as críticas aos filmes e à TV, campanhas
60 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/lucykellaway/2016/01/1728127-brincadeiras-no-
escritorio-nao-tem-graca-para-fun-cionarios-mais-novos.shtml>. Acesso em 11 jan. 2016
61 Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Gera%C3%A7%C3%A3o_Y#cite_note-5>. Acesso em 11 jan. 2016
96
de ONGs, alertas de saúde, moda, beleza, diários eletrônicos e as fotos do filhotinho
de cachorro que se acabou de comprar. E Murray ainda não exclui a possibilidade do
aparecimento de outros tipos de narrativas nos próximos 40 anos, buscando “modos
de preservar os habituais prazeres das narrativas lineares” conciliando com
propriedades do “meio digital em crescente sofisticação” (2003, p. 235-6).
E entre as “brigas” corporativas de direcionamento de ações digitais,
cooperativsmo ou proibicionismo, o consumidor reinvindica o “direito de participar da
cultura, sob suas próprias condições, quando e onde desejarem”. Vivemos o momento
de um paradigma midiático em que não se sabe ao certo ainda o que está morrendo
e não está delineado também o que está nascendo, alerta Henry Jenkins. “Nenhum
de nós sabe realmente como viver numa época de convergência das mídias,
inteligência coletiva e cultura participativa” (2009, p. 236).
5.5 Pequeno ensaio sobre cultura participativa e educação
Jenkins cita uma pergunta elaborada pelo prof. James Paul Gee (Universidade
de Wisconsin) “por que as pessoas aprendem mais, participam mais ativamente e se
envolvem mais profundamente com a cultura popular do que com conteúdos dos livros
didáticos”? A resposta vem de uma adolescente de 16 anos (conforme trecho já citado
no Capítulo 2): “uma coisa é você discutir sobre o tema de um conto que você nunca
ouviu falar e não dá a mínima. Outra coisa é discutir o tema de um trabalho de 50 mil
palavras sobre Harry [Potter] e Hermione que um amigo levou três meses para
escrever” (JENKINS, 2009, p. 249-50). Este trecho deixa claro como a cultura da
participação está atuando também na educação. Logicamente que o professor não
tem mais como deixar o “mundo virtual” fora da sala de aula, embora muitos se
esforcem verdadeiramente para isso... Da mesma forma, essa inclusão do virtual tem
que dar conta de ampliar os horizontes dos estudandes, garantindo o direito à
aprendizagem, ao conhecimento e à informação acumulada em séculos de saberes.
Mas me parece óbvio também que, uma vez que o aluno sente-se reconhecido pelos
seus gostos e interesses, o movimento de expansão é incrivelmente facilitado. A
diferença é que esse movimento requer dois pontos importantes, muito explorados
por Paulo Freire, no livro Pedagogia da autonomia: 1) o professor tem que ser
conhecedor profundo de seu saber, estando aberto às descobertas e as pesquisas
que serão feitas conjuntamente; e 2) o professor tem que estar disposto a reconhecer
97
a cultura do educando, e a respeitá-la (1996, p. 12-9). Ou seja, de posse da
especificidade de conhecimento técnico profundo (seja português, matemática,
geografia ou ciências) e valorizando o universo e os meios sociais dos educandos,
transbordando a informação para que, uma vez analisada criticamente, o professor
possa construir pontes para o conhecimento.
“Cada vez mais experts em educaçao estão reconhecendo que encenar, recitar
e apropriar-se do elementos de histórias preexistentes é uma parte orgânica e valiosa
do processo através do qual as crianças desenvolvem o letramento cultural”, diz
Jenkins (2009, p. 250).
Ainda, essas mudanças de status requerem uma visão diferente do “erro”, uma
vez que, para as crianças, a função comunicativa é mais importante que a correção
ortográfica, e eles operam dentro do “mesmo quadro de referências, compartilhando
um profundo envolvimento emocional com o conteúdo que está sendo explorado, ao
que Jenkins chama pedagogia midiática (2009, p. 252-4).
A cultura participativa (ou da convergência) já mudou o mundo, as leis (de
direitos autorais, por exemplo), a religião, a educação. As crianças já foram mudadas,
“são participantes ativos nessa nova paisagem midiática, encontrando a própria voz
por meio da participação (...), declarando seus próprios direitos (...), traçando novas
estratégias para lidar com a globalização” (p. 284), estamos nós “correndo atras do
prejuízo”. “Em vez de bloquear a intertextualidade, tão profusa na era da narrativa
transmídia, (...) estão buscando formas de aproveitar a força da intertextualidade”
(JENKINS, 2009, p. 282).
O projeto do Clube de Leitura Universo Paralelo se baseia nestes pressupostos,
uma vez que o interesse dos alunos é valorizado e incentivado. E, a partir dele, com
uma cultura participativa real, trazendo o virtual para a sala de aula (por
compartilhamentos de conteúdos do Facebook e outras redes sociais na relação
professora-aluno) que as atividades são desenvolvidas.
É uma mudança sutil de paradigma. O processo pedagógico do passo-a-passo,
tendo o professor como centralizador e detentor do saber é trocado pelo
reconhecimento que os alunos já possuem conhecimento e são ativos no mundo
virutal, dentro de uma cultura participativa. Muitos já escrevem e publicam suas
histórias (ou estão ensaiando para isso), dão opiniões, criticam a produção comercial
ou não, independentemente de professores ou mesmo de qualquer interferência
adulta.
98
6. CONCLUSÃO: A EXPERIÊNCIA TRANSMIDIÁTICA DE CONSUMO DOS
NATIVOS DIGITAIS
Não há caminhos ou poções mágicas que criem leitores ou consumidores
críticos (de qualquer produto ou mídia), em qualquer idade ou nível de ensino. Como
também não há como prever os caminhos dos alunos-consumidores-fãs pelos
caminhos da internet.
O que podemos afirmar com alguma segurança é que quanto mais as crianças
tiverem contato com as narrativas, sejam elas as tradicionais ou as novas, mas de
forma analisada, comparada criticamente com o universo das expectativas,
suspenses, diversidade de acontecimentos, realidades, sentimentos, ambiguidades e
personagens (reais ou não), maior será a possibilidade de desenvolvimentos
cognitivos superiores. Como diz Rubem Alves, o saber/sabor dos livros (mas dos
filmes e mídias também) é algo a ser descoberto, descortinado, pouco a pouco, na
curiosidade da próxima página (do próximo capítulo, do próximo filme, da próxima
postagem). E que começa na infância, com os olhos da mãe, do pai, dos professores
(ALVES, 1995, p. 133) mas que hoje segue por caminhos indicados pelos amigos do
Facebook, dos seguidores do Tumblr, das sugestões do YouTube.
Ler (porque a nossa cultura ainda está baseada também em textos, dinâmicos,
com certeza, mas ainda discursos escritos), desde cedo, tem que representar algo
bom, gostoso, divertido, criativo, que leve a pensar e a sentir o mundo que nos cerca.
Ler, na escola, não pode ser apenas ferramenta de estudo e interpretação. Ler deve
ser um ato carregado de boa conversa, de dúvidas que precisam ser esclarecidas, de
significados que façam repensar. Ler não precisa levar a portas ou janelas. Ler é um
caminho, uma estrada, em que muitos outros caminhos e pessoas se cruzam. Ler é
se entregar, sentir outros cheiros, outros sabores, outras terras, outros amores e
dores. Ler, ainda mais textos literários, não pode ser ferramentas de letramento,
apenas para leitura de mundo, ato social ou mesmo instrumental (para vestibulares e
índices de provas oficiais e, futuramente, para garantir o acesso à produção de
conhecimento). Ler desvela um mundo em que se reconhece, estranha, sente, vive e
sonha todos os seres humanos. Cada leitura passa a fazer parte da pessoa que o lê,
contribui para a construção de suas memórias, de seus referenciais simbólicos, da
mudança de paradigmas e conceitos, para rever atitudes e comportamentos.
99
Quando se entende a dor do outro, quando se vê pelos olhos dos outros, como
em um espelho, nos tornamos mais humanos, mais sensíveis, mais amorosos e
responsáveis com o outro e consigo mesmo. E, em um mundo que carece tanto de
solidariedade, de compaixão, de humildade e de respeito, as novas narrativas podem
ajudar a construir um modelo de identidade cultural em que valores como amizade,
justiça, ética e bondade prevaleçam.
Há que se admitir que a nossa realidade transmidiática está sendo
transfigurada. As novas formas de narrar estão aí, contribuindo com traços definidores
da nossa humanidade, nossos artefatos culturais, que contarão a nossa história. As
novas narrativas, aquelas que inverteram ou ressignificaram o sentido da
comunicação, em que o indivíduo e a sua ação direcionam a comunicação global,
vieram para ficar. A experiência transmidiática de consumo é individual, ocorre nos
nossos cérebros e permite que tenhamos o poder de dialogar com a informação da
forma que desejemos. Mas, ainda que individual, é compartilhada e aberta para tantos
quanto permitirmos em nossas teias sociais. Consumir e divulgar são dois verbos que
andam cada vez mais intrincados para os nativos digitais, principalmente, assim como
o Facebook e outros que são extensões de suas vidas. Mas continuam ignoradas na
sala de aula, nos conteúdos pedagógicos e no fazer diário de muitos professores e
muitos pais.
Se Jenkins, Chartier, Prensky, Murray e Flusser puderam antever a realidade,
não tangenciaram diretamente a experiência que se tem em sala de aula em 2016 em
uma escola periférica de São Paulo. A transmidiação intencionada pelas empresas,
teorizada por Jenkins em seus livros, não retrata a intensidade da prática voluntária e
ativa deste aluno que pode buscar na rede o que quiser, como quiser, quando quiser,
de forma aleatória e imprevisível, em uma experiência particular de consumo. Que
pode reescrever, republicar e reinterpretar sendo autor sobre a obra anterior.
A transfiguração do leitor da “civilização da tela”, estudada por Chartier, ficou
aquém da realidade de ação dos nativos digitais, uma vez que ainda não resvala a
extensão do sujeito que a tela se tornou.
Muitos teóricos, por analisarem um mundo já adulto e a atualidade de forma
pessimista e alarmista, ignoram que a necessidade do encontro e do contato
permanecem vivas na nossa sociedade (principalmente nas crianças de 13 ou 14 anos
e com grande intensidade). E vou além, a presença e o contato foram ampliadas, as
crianças passam horas juntas fisicamente e, nas demais horas do dia, continuam
100
virtualmente juntas em conversas intermináveis por WhatsApp ou Messenger,
acessando e compartilhando conteúdos e debates que seus pais e professores nem
sonham, em um mundinho secreto... A necessidade do encontro não foi reduzida com
a internet e talvez nunca será. Milhares de fãs se aglomeram em uma Bienal do Livro
para ver seus ídolos de perto.
Murray e o “projeto autobiográfico global, uma gigantesca revista ilustrada de
opinião pública” (2003, p. 235-6) e as teorias de Prensky por mim observadas são os
que mais se aproximaram da realidade dos alunos que tenho: a mudança não foi para
pior e os imigrantes digitais precisam aceitar e entender essa nova realidade com mais
rapidez, sob pena de abdicar da necessidade de orientar aos mais novos em análise
crítica, ética e valores humanos.
Se o conhecimento está no livro, no site, na rede, na mídia, no filme, pouco
importa. É o que fazer com esta informação que nossas crianças precisam aprender
e que nós precisamos ensinar. E, em uma época de tanta desesperança e normose62,
fico com a postagem feita na página do Rubem Alves no Facebook para fechar este
estudo: “a missão do professor não é dar resposta prontas. As respostas estão no
livro, na internet. A missão do professor é provocar a inteligência, é provocar o
espanto, a curiosidade”.
62 Segundo Pierre Weil, termo forjado por Jean Yves Leloup, na França, e por Roberto Crema, no Brasil.
Normose refere-se a um conjunto de ações, crenças, opiniões, comportamentos e atitudes considerados normais socialmente, mas que apresentam consequências patológicas ou letais (drogas como o cigarro, destruição da natureza ou trabalhar em excesso, para dar alguns exemplos). Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-19652000000200008>. Acesso em 15 mar. 2016.
101
Figura 17 – Frase postada no Facebook Rubem Alves Oficial
Fonte: Facebook. Disponível em: < https://www.facebook.com/rubemalvesoficial/photos/
a.187139434749494.42478.187120831418021/884764204987010/?type=3&theater>.
Acesso em 29 jul. 2016
102
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FICHA TÉCNICA
Título original: The Fault in Our Stars
Título em português: A culpa é das estrelas
Ano produção: 2014
Dirigido por: Josh Boone
Produção: Marty Bowen, Wyck Godfrey
Distribuidor: FOX FILMES
Estreia: 5 de junho de 2014 (Brasil)
Duração: 125 minutos
109
ANEXO
FOTOS DAS ATIVIDADES DO CLUBE DE LEITURA UNIVERSO PARALELO
A seguir, algumas imagens dos diversos eventos que contaram com a
participação dos alunos do Clube de Leitura Universo Paralelo.
Figura A1 – Exposição “O que é ser jovem”. Resultado do primeiro ano do
Clube de Leitura Universo Paralelo – UP.
Fonte: foto da autora – outubro de 2013.
110
Figura A2 – Exposição “O que é ser jovem”. Resultado do primeiro ano do
Clube de Leitura Universo Paralelo – UP.
Fonte: foto da autora – outubro de 2013.
111
Figura A3 – Exposição “O que é ser jovem”. Resultado do primeiro ano do
Clube de Leitura Universo Paralelo – UP.
Fonte: foto da autora – outubro de 2013.
112
Figura A5 – Leitura de gibis com a temática de sonhos e planejamento de futuro.
Fonte: foto da autora – fevereiro de 2015.
Figura A4 – Projeto “Meu sonho, minha vida”
Fonte: foto da autora – abril de 2015.
113
Figura A6 – Cartaz da 3º Feira Literária
Fonte: foto da autora – outubro de 2015.
Figura A7 – Montagem da exposição da 3º Feira Literária.
Fonte: foto da autora – outubro de 2015.
114
Figura A8 – Visita de cosplayers dos “Cavaleiros do Zodíaco” durante a 3º Feira Literária.
Fonte: foto da autora – outubro de 2015.
Figura A9 – Mediação de Leitura para os alunos do Fundamental 1.
Fonte: foto da autora – novembro de 2015.
115
Figura A10 – Leituras realizadas pela aluna Alice de Abreu durante o mês de outubro.
Fonte: foto da autora – novembro de 2015.
Figura A11 – Visita do Clube de Leitura ao Centro de Formação Cultural
Cidade Tiratendes (CFCCT) para palestra com a escritora Eva Furnari.
Fonte: foto da autora – novembro de 2015.
116
Figura A12 – Visita do Clube de Leitura ao Centro de Formação Cultural
Cidade Tiratendes (CFCCT) para palestra com a escritora Eva Furnari.
Fonte: foto da autora – novembro de 2015.
Figura A13 – Acampamento anual do Clube de Leitura Universo Paralelo.
Fonte: foto da autora – novembro de 2015.
117
Figura A14 – Amanhecer no acampamento anual do Clube de Leitura Universo Paralelo.
Fonte: foto da autora – novembro de 2015.
Figura A15 – Acervo parcial do Clube de Leitura Universo Paralelo
Fonte: foto da autora – fevereiro de 2016.
118
Figura A16 – Excursão para a Bienal do Livro 2016
Fonte: foto da autora – junho de 2016.
Figura A17 – Ganhador do concurso de microconto durante a 4ª Feira Literária.
Fonte: foto da autora – agosto de 2016.
119
Figura A17 – Montagem da sala “Alice no País das Maravilhas” durante a 4ª Feira Literária.
Fonte: foto da autora – agosto de 2016.
120
Figura A18 – Atividade noturna no acampamento anual do Clube de Leitura.
Fonte: foto da autora – outubro de 2016.
Figura A19 – Declamação de poesia criada pela aluna
Emilly Britto para o Clube de Leitura sobre questões étnico-raciais.
Fonte: foto da autora – novembro de 2016.