entre o amor e a vingança (o clube dos canalhas #1) - sarah maclean
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O que um canalha quer, um canalha consegue... Uma década atrás, o marquês de Bourne perdeu tudo o que possuía em uma mesa de jogo e foi expulso do lugar onde vivia com nada além de seu título. Agora, sócio da mais exclusiva casa de jogos de Londres, o frio e cruel Bourne quer vingança e vai fazer o que for preciso para recuperar sua herança, mesmo que para isso tenha que se casar com a perfeita e respeitável Lady Penélope Marbury. Após um noivado rompido e vários pretendentes decepcionantes, Penélope ficou com pouco interesse em um casamento tranquilo e confortável, e passou a desejar algo mais em sua vida. Sua sorte é que seu novo marido, o marquês de Bourne, pode proporcionar a ela o acesso a um mundo inexplorado de prazeres. Apesar de Bourne ser um príncipe do submundo de Londres, sua intenção é manter Penélope intocada por sua sede de vingança – o que parece ser um desafio cada vez maior, pois a esposa começa a mostrar seus próprios desejos e está disposta a apostar qualquer coTRANSCRIPT
SérieOClubedosCanalhas-1
SARAHMACLEAN
EntreoamoreavingançaTRADUÇÃO:CássiaZanon
ParaMeghan,irmãnoqueimporta.
BourneLondresInvernode1821
Umoitodeourosoarruinou.Setivessesidooseis,elepoderiatersesalvado.Ousetivessesidoosete,ele
teriaidoemboracomotriplodoquepossuía.Masfoiooito...OjovemmarquêsdeBourneviuacartadeslizarsobreoviçosopanoverdeetomarolugaraoladodosete de paus que estava exposto àmesa, provocando-o. Seus olhos já estavam sefechando;oar,deixavaoambienteemummovimentoúnicoeinsuportável.
Vingtetdeux.Umamaisdoqueosvingtetunemqueelehaviaapostado.Nosquaisapostoutudo...
Houveumsuspirocoletivonosalão,enquantoeleacompanhavaomovimentodacartacomapontadeumdedo–eosespectadores,comoávidoprazerdequemesCapouporpoucodaprópriadesgraça,assistiamaohorrorsedesenrolar.Então,começaramoscomentários.
“Eleapostoutudo?”“Tudooquenãoestavacomprometido.Jovemdemaisparasaberoqueestava
fazendo.”“Agoraestávelhoobastante.Nadaamadureceumhomemmaisrápidodoque
isso.Elerealmenteperdeutudo?”“Tudo.”Seusolhosseabriramefocaramohomemdooutro ladodamesa,cruzando
como frioolharcinzentoqueconheciapor todaavida.OviscondedeLangfordhaviasidoamigoevizinhodopai,escolhidoadedopelovelhomarquêsdeBourneparaserguardiãodeseuúnicofilhoeherdeiro.Depoisdamortedospais,Langfordfoi escolhidoparaprotegeromarquesadodeBourne, aumentaropatrimônioemdez vezes e garantir sua prosperidade. E então, o havia tomado. Vizinho, talvez.Amigo,jamais.Ojovemmarquêsseviuatingidopelatraição.
“Osenhorfezissodepropósito.”Pelaprimeiravezemseus21anos,ouviuajuventudedesuavoz.Eaodiou.
Não havia qualquer emoção no rosto do oponente ao levantar o bilhete docentrodamesa.Bourneresistiuaoimpulsoderecuardorabiscoarrogantedesuaassinaturanapáginabranca–aprovadequeelehaviaperdidotudo.
“Foisuaescolha.Foisuaaescolhadeapostarmaisdoqueestavadispostoaperder.”
Elehaviasidodepenado.Langfordopressionousemparar,fazendo-oirmaise mais além, deixando-o vencer, até que ele não conseguia mais se imaginar
perdendo. Era uma tática antiga, e Bourne era jovem demais para percebê-la.Ansioso demais. Bourne ergueu o olhar, com raiva e frustração que lheengasgavamaspalavras.
“Efoisuaaescolhaganhar.”“Semmim,nãohaverianadaaganhar”,disseohomemmaisvelho.“Meupai.”ThomasAlles,filhodoviscondeeomelhoramigodeBourne,deu
umpassoàfrente,comavoztrêmula.“Nãofaçaisso.”Lentamente,Langforddobrouobilheteelevantou-sedacadeira,ignorandoo
filho.Emvezdisso,olhoufriamenteparaBourne.“Você deveria me agradecer por lhe ensinar uma lição valiosa tão cedo na
vida.Infelizmente,agoranãotemnadaalémdaroupadocorpoeumsolarvazio.”Oviscondelançouumolharparaapilhademoedasemcimadamesa–assobrasdeseusganhosdanoite.
“Posso deixar o dinheiro. O que lhe parece? Um presente de despedida, oucomoqueira.Afinal,oqueseupaidiriaseeulhedeixassesemnada?”
Bournelevantou-senumsaltodacadeira,atirando-aparalongedamesa.“Nãotemodireitodefalaremmeupai.”Langford ergueu uma sobrancelha diante do descontrole e deixouo silêncio
reinarporumlongomomento.“Sabe, creioqueeudeva levarodinheiro, afinal, e sua filiaçãoa este clube.
Estánahoradevocêirembora.”Bournesentiuorostoqueimardiantedaspalavras.Suafiliaçãoaoclube,suas
terras,seuscriados,cavalos,roupas,tudo.Tudoexcetoumacasa,algunshectaresdeterraeumtítulo.Umtítuloagoraemdesgraça.
O visconde levantou um lado da boca em um sorriso irônico e jogou umguinéunadireçãodeBourne,queoapanhouinstintivamente,segurandoamoedadeouroquecintilavasobasluzesbrilhantesdasaladejogos.
“Gaste-ocomsabedoria,rapaz.Foiaúltimacoisaquerecebeudemim.”“Meupai...”,Tommytentounovamente.Langfordvirou-separaele.“Nemmaisumapalavra.Nãoaceitareiqueimploreporele.”Omais velho amigo deBourne virou os olhos tristes para ele, erguendo as
mãosemumsinaldeimpotência.Tommyprecisavadopai,dodinheiroedoapoiodele.
CoisasqueBournenãotinhamais.Oódiotomoucontaporumbreveinstante,antesdedesaparecer,extintoporumafriadeterminação.EntãoBournepôsamoedano bolso e virou as costas para seus pares, seu clube, seu mundo e a vida quesempreconheceu.
Jurandovingança...
CapítuloUmIníciodejaneirode1831Ele não se mexeu quando ouviu a porta da sala reservada abrir e fecharsilenciosamente.Ficouparadonoescuro, comoumvultodianteda janelapintadaquedavaparaosalãoprincipaldomaisexclusivoantrodejogatinadeLondres.Dosalãodoclube,a janelasepareciaapenascomumaimpressionanteobradearte–uma peça imensa de vitral, retratando a queda de Lúcifer. Em tons brilhantes, oimensoanjo–seisvezesotamanhodeumhomemdeestaturamediana–tombavaemdireçãoaochão, lançadoaos recantossombriosdeLondres,peloexércitodoParaíso.
OAnjoCaído.Uma lembrança, não apenas donomedo clube,mas do riscoque assumiam aqueles que ali entravam, depositavam suas apostas sobre o feltromacio, lançavamosdadosdemarfimeassistiamà roletagiraremumborrãodecor e tentação. E quando o Anjo Caído vencia, o que sempre acontecia, o vitrallembrava, àqueles que haviam perdido, o quanto eles tinham caído. O olhar deBournevagouparaumamesadepiquetnapontadosalão.
“Croixqueraumentaralinhadecrédito.”Ogerentedo salãonão semoveudeondeestava,pertodaportada salados
sócios.“Sim.”“EledevemaisdoquejamaisseráCapazdepagar.”“Sim.”Bourne virou a cabeça, encontrando o olhar oculto pela sombra de seu
funcionáriomaisconfiável.“Oqueeleestádispostoadarcomogarantia,emtrocademaiscrédito?”“OitentahectaresemGales.”Bourneobservouo lordeemquestão,que suavae se remexianervosamente,
enquantoaguardavaumadecisão.“Aumente a linha de crédito. Quando ele perder, acompanhe-o para fora do
clube.Suafiliaçãoestarárevogada.”Asdecisõesdeleraramenteeramquestionadas,ejamaispelosfuncionáriosdo
AnjoCaído.Ooutrohomemseguiuparaaporta, tãosilenciosamentecomohaviaentrado.Antesquesaísse,Bournedisse:
“Justin...”Silêncio.“Aterraprimeiro.”O suave clique da porta fechando foi a única indicação de que o gerente do
clube havia estado lá.Momentos depois, ele apareceu no salão abaixo, e Bourneobservouosinalserpassadodochefeaocrupiê.Eleobservouajogadaserfeitaeocondeperder.Denovo.Edenovo...Eumavezmais...
Havia os que não compreendiam. Aqueles que nunca haviam jogado – quenuncahaviamsentidoaexcitaçãodeganhar–,quenãohaviamnegociadoconsigomesmosmaisumarodada,maisumacarta,maisumajogada–apenasatéchegaracem, a mil, dez mil… Ou ainda, aqueles que nunca haviam experimentadoincomparável,sedutoraeeufóricasensaçãodesaberqueumamesaestavaboa,queanoiteeradeles,quecomumaúnicacarta,tudopoderiamudar.
ElesjamaiscompreenderiamoquemantinhaocondedeCroixemsuacadeira,apostando sem parar, com a velocidade de um relâmpago, até perder tudo. Denovo...Comosenadadoqueele tivesseapostado jamaishouvesse lhepertencido.Bournecompreendia.
Justin aproximou-se de Croix e falou discretamente ao ouvido do homemarruinado. O nobre levantou-se sem firmeza, franzindo a testa com a afronta,enquantoa raivaeoconstrangimentoo lançavamparacimadogerente.Umerro.Bourne não conseguia ouvir o que era dito, mas não precisava. Tinha ouvido omesmocentenasdevezesantes–assistidoaumalonga listadehomensperderemprimeiroodinheiroedepoisacalmacomoAnjoCaído.Comele...
ViuJustindarumpassoàfrente,comasmãoserguidasnosinaluniversaldecautelaeoslábiosdogerentesemoverem,tentando–semconseguir–resolvereacalmar a situação.Observou os demais jogadores perceberem a comoção e viuTemple,oimensosóciodeBourne,seguirnadireçãodacontenda,ávidoporumabriga.
Bourneentãosemexeu,estendendoamãoparaaparedeepuxandoumacorda,ativando uma complexa combinação de polias e alavancas, colocando emfuncionamentoumapequenasinetaembaixodamesadepiqueteatraindoaatençãodocrupiê,avisando-oqueTemplenãoteriasuabriganaquelanoite.
Bourneateriaemseulugar.OcrupiêconteveaforçaimpossíveldeTemplecomumapalavraeumaceno
nadireçãodeondeBourneeLúciferobservavam,ambosdesejandoenfrentaroquequerqueviesseaseguir.OsolhosnegrosdeTemplerecaíramsobreovitral,eeleassentiucomacabeçaumavezantesdeguiarCroixatravésdamultidãopresente.
Bourne desceu da sala dos sócios para encontrá-los em uma pequenaantecâmara isolada do salão principal do clube. Croix vociferava como ummarinheironocaisquandoBourneabriuaportaeentrou.ElesevirouparaBournecomosolhosestreitadosdeódio.
“Seumiserável!Você não pode fazer isso comigo!Não pode pegar o que émeu!”
Bournerecostou-secontraapesadaportadecarvalho,cruzandoosbraços.
“Vocêcavouaprópriacova,Croix.Váparacasa.Agradeçaqueeunão tomemaisdoquemeédevido.”
Croix atravessou a saleta num salto, antes de ter uma oportunidade dereconsiderarogesto.Bournemoveu-secomumaagilidadequepoucosesperariam,segurando um dos braços do conde e torcendo-o até seu rosto estar firmementepressionadocontraaporta.Bournesacudiuohomemmagrouma,duasvezesantesdedizer:
“Pensemuitobemantesdeagirnovamente.Creioquenãoestejamesentindotãogenerosocomoestavapoucosinstantesatrás.”
“QueroverChase.”,Aspalavrasforamditasarrastadascontraamadeira.“Emvezdele,veráanós.”“SoumembrodoAnjoCaídodesdeocomeço.Vocêmedeve.Elemedeve.”“Pelocontrário,évocêquemdeveanós.”“Eudeimuitodinheiroparaestelugar…”“Que generoso da sua parte.Vamos pegar o livro e ver o quanto ainda nos
deve?”,Croixficouparalisado.“Ah...Vejoqueestácomeçandoacompreender.Asterras são nossas agora. Mande seu advogado nos procurar pela manhã com aescritura, ou eumesmo irei atrás de você.Está claro?”,Bourne não esperou porumaresposta,apenasdeuumpassoparatrásesoltouoconde.
“Saia.”Croixsevirouparaencará-los,oolharcheiodepânico.“Fique com a terra, Bourne, mas não com a minha filiação de membro do
clube…não tirea filiação.Estouprestesamecasar.Odotedelacobrirámaisdoquetodasasminhasperdas.Nãotireminhafiliação.”
Bournedetestoualamúriaeaansiedadeportrásdaspalavrasdoconde.SabiaqueCroixnão resistiriaao impulsodeapostareà tentaçãodeganhar.SeBournetivesseumgramadecompaixãodentrodesi,sentiriapenadanoivainocente.MascompaixãonãoeraumacaracterísticadeBourne.Croixvirou-separaTemplecomosolhosarregalados.
“Temple,porfavor.”Uma das sobrancelhas negras de Temple levantou, enquanto ele cruzava os
braçosimensosdiantedopeito.“Com um dote tão generoso, estou certo de que um dos antros inferiores o
receberá.”Claro que sim.Os antros inferiores – repletos de assassinos e trapaceiros –
receberiam aquele inseto em forma de homem e sua sorte terrível de braçosabertos.
“Danem-se os antros inferiores”, Croix disparou. “O que as pessoas irãopensar?Quantoquerem?Pagoodobro…otriplo.Elavalemuitodinheiro.”
Bourneeraumhomemdenegócios.
“Casecomagarota,paguesuasdívidas,comjuros,etalvezlhedevolvamosafiliação.”
“Oquefaçoatélá?”Osomdolamentodocondeeradesagradável.“Talvezpossaexperimentarmoderação”,Templesugeriu,casualmente.OalíviodeixouCroixburro.“Quemévocêparafalar?Todossabemoquefez.”Templeparalisou,esuavozseencheudeameaça.“Eoquefoiqueeufiz?”Opavoracaboucomqualquerresquíciodeinteligênciadosinstintosdoconde,
eeledeuumsocoemTemple,quesegurouogolpeemumdeseuspunhosimensosepuxouosujeitomenornadireçãodelecommáintenção.
“Oquefoiqueeufiz?”,elerepetiu.Ocondecomeçouachoramingarfeitoumbebê.“N-nada.Sintomuito.Nãoquisdizer isso.Por favor,nãomemachuque.Por
favor,nãomemate.Vouembora.Agora.Juro.Porfavor…n-nãomemachuque.”Templesuspirou.“Vocênãovaleaminhaenergia.”Elesoltouoconde.“Saia”,Bournedisse,“antesqueeudecidaquevaleaminha.”Ocondesaiucorrendodasala.Bourneoobservouiremboraantesdeajustaro
coleteeendireitaropaletódofraque.“Acheiqueeleiaseborrartodoquandovocêosegurou.”“Nãoseriaoprimeiro.”Templesentou-seemumacadeirabaixaeestendeuas
pernasàfrente,cruzandoumtornozelosobreooutro.“Imagineiquantotempovocêlevaria.”
Bournepassouumadasmãospelocentímetrodepunhodacamisaqueapareciaporbaixodocasaco,certificando-sedequeotecidoestavaalinhado,antesdevoltaraatençãonovamenteaTempleefingirnãocompreenderapergunta.
“Parafazeroquê?”“Para devolver sua roupa à perfeição.”Umdos lados da boca deTemple se
curvouemumsorrisoirônico.“Vocêpareceumamulher.”Bourneencarouoimensointerlocutor.“Umamulhercomumganchodedireitaextraordinário.”O pequeno sorriso se abriu, e a expressão escancarou o nariz quebrado e
cicatrizadodeTemple,emtrêspontosdiferentes.“VocênãoestáhonestamentesugerindoqueseriaCapazdemevenceremuma
luta,está?”Bourneestavaavaliandoascondiçõesdagravataemumespelhopróximo.“Estousugerindoexatamenteisso.”“Possoconvidá-loparaoringue?”“Aqualquerhora.”
“Ninguémvaisubirnoringue.CertamentenãocomTemple.”BourneeTemplesevoltaramnadireçãodavoz,ditadetrásdeumaportaescondidanapontadasala,ondeChase,oterceirosóciodoAnjoCaído,osobservava.
TempleriuesevirouparaencararBourne.“Está vendo?Chase sabe o bastante para admitir que você não é páreo para
mim.”Chaseserviuumcopodeuísquedeumagarrafasobreumamesalateral.“Não tem nada a ver com Bourne. Você parece uma fortaleza de pedras.
Ninguém é páreo para você.”O tom se tornou irônico. “Ninguém além demim,querodizer.”
Templeserecostounacadeira.“Quandoquisermeenfrentarnoringue,Chase,deixareiminhaagendalivre.”Chasevoltou-separaBourne.“VocêlimpouCroix.”Elepercorreuoperímetrodasala.“Foicomotirardocedeumacriança.”“Cincoanosnestenegócio,eeuaindamesurpreendocomesseshomensesuas
fraquezas.”“Nãoéfraqueza.Édoença.Odesejodeganharéumafebre.”Chaseergueuassobrancelhasdiantedametáfora.“Templetemrazão.Vocêéumamulher.”Templesoltouumagargalhadaelevantouosdoismetrosdecorpodacadeira.“Precisovoltaraosalão.”ChaseobservouTempleatravessarasala,acaminhodaporta.“Aindanãotevesuabrigadanoite?”Ooutrosacudiuacabeça.“Bourneatiroudemim.”“Aindahátempo.”“Aesperançaéaúltimaquemorre.”Templedeixoua sala, fechandoaporta
comfirmezaatrásdesi,eChasefoiservirmaisumcopodeuísque,caminhandoatéondeBourneestavaparado,olhandoatentamenteparaalareira.Eleaceitouocopo,tomandoumgrandegoledabebidadourada, apreciandoa formacomoo líquidoqueimavanagarganta.
“Tenhonovidadesparavocê.”Bournevirouacabeça,àespera.“NovidadesdeLangford.”
Aquelas palavras o deixaram alerta.Durante nove anos, ele vinha esperandoporaqueleexatomomento,porqualquercoisaquesaíssedabocadeChaseaseguir.Durantenoveanos,elevinhaesperandopornovidadessobreaquelehomemquelhehavia privado de seu passado, de seu patrimônio, de sua história... De tudo.Langford havia lhe tirado tudo naquela noite: as terras, os investimentos, tudo!
Exceto um solar vazio e um punhado de hectares de terra no centro de umapropriedademaior–Falconwell.Aovertudoirembora,Bournenãocompreendiaosmotivosdaquelehomemmaisvelho–nãoconheciaoprazerdetransformarumapropriedadeemalgovivoepróspero.Nãocompreendiaoquantoseriainteligenteentregá-laaumsimplesgaroto.
Agora, uma década mais tarde, não se importava. Queria sua vingança. Avingançapelaqualvinhaesperando.Levounoveanos,masBournereconstruiusuafortuna,eeleadobrou.OdinheirodasociedadenoAnjoCaído,juntocomdiversosinvestimentos lucrativos, deram-lhe a oportunidade de construir umapropriedadeque competia com asmais extravagantes na Inglaterra.Mas ele nunca conseguiurecuperar o que havia perdido.Langfordmantinha tudo compunho cerrado, nãoqueria vender, sem se importar com o quanto lhe fosse oferecido, ou o quãopoderosofosseohomemquefizesseaoferta.Ehomensmuitopoderososhaviamfeitopropostas.Atéagora...
“Conte-me.”“Écomplicado.”Bournevirou-sedecostasparaofogo.“Sempreé.”Maselenãohaviatrabalhadotodososdiasparaconstruiraquela
fortunaparaterterrasemGales,Escócia,emDevonshireeLondres.ElehaviafeitoissoporFalconwell.
QuatrocentoshectaresdepropriedadeverdejantequeumdiafoioorgulhodomarquesadodeBourne.As terrasqueseupai,avôebisavôhaviamacumuladoaoredordosolar,quepassavademarquêsparamarquês.
“O que foi?” Ele viu a resposta nos olhos de Chase antes que as palavrasfossemditas,esoltouumxingamento.“Oquefoiqueelefez?”
Chasehesitou.“Seeleatornouimpossível,voumatá-lo.”Comodeveriaterfeitoanosatrás.“Bourne…”“Não.”Eleacenoucomumadasmãosnoar.“Euespereinoveanospor isso.
Eletiroutudodemim.Tudo!Vocênãofazideia.”OolhardeChaseencontrouodele.“Eutenhobastanteideia.”Bourne parou, diante da compreensão nas palavras.Diante da verdade delas.
FoiChasequemohavia resgatadode seumomentomaisbaixo;quemoacolheu,limpouelhedeutrabalho.Quemosalvou...
Ouquepelomenoshaviatentadosalvá-lo.“Bourne...”,Chasecomeçou,aspalavrasrepletasdecautela.“Elenãoestámais
comela.”UmpavorfriotomoucontadeBourne.
“Oquequerdizercomelenãoestámaiscomela?”“LangfordnãoémaisodonodapropriedadeemSurrey.”Bournesacudiuacabeça,comosetentasseforçaracompreensão.“Queméonovoproprietário?”“OmarquêsdeNeedhameDolby.”O nome trouxe de volta uma lembrança de uma década – um homem
corpulento, de rifle na mão, marchando através de um campo enlameado emSurrey,seguidoporumgrupobarulhentodemeninaspequenas,cuja líder tinhaoolhar azulmais sério queBourne jamais tinhavisto. Seus vizinhos de infância, aterceirafamílianasantíssimatrindadedanobrezadeSurrey.
“Needhamestácomasminhasterras?Comoeleasconseguiu?”“Ironicamente,emumjogodecartas.”Bourne não conseguiu achar graça no fato. Na verdade, a ideia de que
Falconwell tivesse sido casualmente apostada e perdida em um jogo de cartas –maisumavez–odeixouinquieto.
“Traga-oaqui.OjogodeNeedhaméécarté.Falconwellseráminha.”Chasereclinou-separatrás,demonstrandosurpresa.“Vocêquerjogarporela?”ArespostadeBournefoiimediata.“Fareioquefornecessário.”“Oquefornecessário?”Bourneficouimediatamentedesconfiado.“Oquevocêsabequeeunãosei.”Chaselevantouassobrancelhas.“Oqueofazpensarisso?”“Vocêsempresabemaisdoqueeu.Vocêgostadisso.”“Euapenasprestomaisatenção.”Bournecerrouosdentes.“Sejacomofor…”Chasefingiuinteressenumpontoemumadasmangasdocasaco.“AsterrasqueumdiaforampartedeFalconwell…”“Asminhasterras.”Chaseignorouainterrupção.“Vocênãopodesimplesmenterecuperá-las.”“Porquenão?”Chasehesitou.“Foramvinculadasa…outracoisa.”Bournefoidominadopelomaispuroódio.Elehaviaesperadoumadécadapor
aquilo…pelomomentoemquefinalmenterecuperariaasterrasaoredordoSolarFalconwell.
“Vinculadasaquê?”“Aquem,émaiscorreto.”“Nãoestoucomânimoparasuascharadas.”“NeedhamanunciouqueasantigasterrasdeFalconwellserãoincluídasnodote
desuafilhamaisvelha.”OchoquefezBourneficarempésubitamente.“Penélope?”“Vocêaconhece?”“Fazanosdesdequeavipelaúltimavez…quasevinte.”Dezesseis. Ela estava lá no dia em que ele havia deixadoSurrey pela última
vez,depoisdosepultamentodeseuspais,15anosde idadeedespachadoparaummundonovo,semfamília.Elaotinhavistosubirnacarruagememanteveosérioolhar azul fixo, enquanto o observava dar início ao longo trajeto para longe deFalconwell.Enãodesviouoolharatéelevirarnaestradaprincipal.Elesabiadissoporque também ficou olhando para ela. Era sua amiga... Quando ele aindaacreditavaemamigos.
Era também a filha mais velha de um marquês com mais dinheiro do quealguémseriaCapazdegastaremumavidainteira.Nãohaviamotivoparaelatersemantido solteira por tanto tempo. Deveria estar casada e com uma ninhada dejovensaristocratasparacriar.
“PorquePenélopeprecisadeFalconwellparaumdote?”Fezumapausa.“Porquenãoestácasadaainda?”
Chasesuspirou.“Amimmeagradariasealgumdevocêsseinteressassepeloclubecomoum
todo,emvezdeapenasnossamíseraparceria.”“Nossoclube,oumíseraparceriatemmaisdequinhentosassociados.Cadaum
delescomumarquivodaespessuradomeupolegar,repletodeinformações,graçasaosseussócios.”
“Aindaassim,tenhocoisasmelhoresafazercomminhasnoitesdoquepassá-laseducando-osarespeitodomundoemquenasceram.”
Bourneestreitouoolhar.Nunca ficousabendodeChasepassarumanoitedequalqueroutraformaquenãointeiramentesó.
“Quecoisas?”Chaseignorouaperguntaetomoumaisumgoledeuísque.“Anosatrás,LadyPenélopefezonoivadodoséculo.”“E?”“Onoivadofoiofuscadopeloromancedonoivodela.”Era uma história antiga, que ele tinha ouvido inúmeras vezes, e ainda assim
Bourne sentia uma emoção desconhecida em relação à ideia de que a garota dequemeleselembravativessesidomagoadapelonoivadorompido.
“Romance”,elezombou.“Provavelmenteumacandidatamaisbonitaoumaisrica.Efoiisso?”
“Soubequefoicortejadapordiversoscandidatosnosanosqueseseguirame,no entanto, permanece solteira.” Chase parecia estar perdendo o interesse nahistória,continuandocomumsuspiroentediado.“Emboraeuimaginequenãopormuito tempo, com Falconwell para adoçar o pote de mel. A tentação atrairá umenxamedepretendentes.”
“Vãoquererumachancedemesobrepujar.”“Provavelmente.Vocênãoestánotopodalistadosnobrespreferidos.“Nãoestouemnenhumlugarda listadosnobrespreferidos.Aindaassim,as
terrasserãominhas.”“Evocêestápreparadoparafazeroqueforprecisoparaconsegui-las?”Chase
pareciaestarsedivertindo.Bournenãoignorousuaintenção.VislumbrouumajovemegentilPenélope,o
opostodoqueeleera.Doqueelehaviasetornado.Afastouopensamento...Haviapassadonoveanosaguardandoporaquelemomento,pelachancederestauraroquehavia sidoconstruídopara ele,oquehavia sidodeixadoparaele equeelehaviaperdido.Era omais próximo que conseguiria da redenção e nada ficaria em seucaminho.
“Qualquer coisa.”Bourne se levantou e endireitou cuidadosamente o casaco.“Seumaesposaviercomasterras,queseja.”
Aportafechoucomforçaatrásdele.Chasebrindouaosomefalounasalavazia:“Felicidades!”
CapítuloDoisCaroM,Vocêdefinitivamenteprecisavoltarparacasa.Avidaestáterrivelmentetediosa
semvocêaqui.VictoriaeValerienãosãoboascompanhiasparaamargemdolago.Tem certeza absoluta de que precisa frequentar a escola? Minha tutora parecebastanteinteligente.Estoucertadequepodeensinartudooqueprecisasaber.
SuaPSolarNeedham,setembrode1813
CaraP,ReceioqueterádesuportarotédioterrívelatéoNatal.Seservedeconsolo,eu
nemsequertenhoacessoaumlago.Possosugerirensinarasgêmeasapescar?Tenhocertezadequedevofrequentaraescola…suatutoranãogostademim.
MEtonCollege,setembrode1813
Fimdejaneirode1831SurreyLadyPenélopeMarbury,nobreebem-nascida,sabiaquedeveriasesentirbastantegrata quando, em uma fria tarde de janeiro, do alto de seus 28 anos de idade,recebeu o quinto (e provavelmente último) pedido de casamento. Ela sabia quemetadedeLondresnãoaconsiderariatotalmenteforadesi,casoviesseaseuniraoexcelentíssimoSr.ThomasAllesdejoelhoseagradecesseaeleeaoCriadorpelaofertaamáveleextremamentegenerosa.Paraumamulhernãotãojovem,comumnoivado rompido e apenas umpunhadode pretendentes nopassado, o cavalheiroemquestãoerabem-apessoado,gentil, tinhatodososdenteseacabeçacobertadecabelos–umacombinaçãoraradecaracterísticas.
Ela também sabia que seu pai, que sem dúvida havia abençoado a união emalguminstanteanterioràquelemomento–emqueelaolhavaparaotopodacabeçade Thomas –, gostava dele. O marquês de Needham e Dolby gostava “daqueleTommyAlles”desdeodiaemque,haviamaisdevinteanos,ogarotoarregaçouasmangas,agachou-senoestábulodesuacasaeajudounopartodeumadascadelasdecaçapreferidasdomarquês.
Daquele dia em diante, Tommy foi um bom menino, do tipo que Penélopesempreacreditouqueopaigostariadetercomofilho.Isso,éclaro,seeletivessetidoumfilho,emvezdecincofilhas.EhaviaaindaofatodequeTommyviriaum
dia a se tornar visconde – e rico. Como amãe de Penélope, sem dúvida, estavadizendo de seu lugar além da porta da sala de estar, onde certamente estavaassistindoaodesenrolardacenaemumsilenciosodesespero:Mendigosnãopodemserexigentes,Penélope.
Penélopesabiadetudoisso.Efoiporessemotivoque,quandoencontrouosolhoscastanhosdogaroto,amigoqueridoqueconheciaavidainteiratransformadoemhomem,sedeucontadequeeraopedidodecasamentomaisgenerosoqueelajamais iria receber e que deveria responder “sim”. De maneira ressoante. Noentanto,elanãoofez...Emvezdisso,perguntou:
“Porquê?”Osilêncioqueseseguiufoipontuadoporumdramático“Oqueelapensaque
estáfazendo?”,detrásdaportadasaladeestar,eoolhardeTommyseencheudedivertimentoenemumpoucodesurpresaaovoltaraficarempé.
“Por que não?”, ele respondeu, amigavelmente, acrescentando depois de uminstante. “Somos amigos há uma era. Apreciamos a companhia um do outro. Euprecisodeumaesposa,evocê,deummarido”.
Noquesereferiaamotivosparaumcasamento,aquelesnãoeramterríveis.Noentanto...
“Estoudisponívelhánoveanos,Tommy.Vocêtevetodoessetempoparapedirminhamão.”
Tommyteveaelegânciadedemonstrardecepçãoantesdesorrir,semparecernemumpoucocomumcãod’água.
“Issoéverdade.Enãotenhoumaboadesculpaporteresperado,excetoque…bem,mealegroemdizerqueganheijuízo,Pen.”
Elasorriuparaele.“Tolice. Você jamais ganhará juízo. Por que eu, Tommy?”, ela pressionou.
“Porqueagora,Tommy?”Quando ele riu diante da pergunta, não foi sua risada alegre, ruidosa e
amigável. Foi um riso nervoso. O que ele sempre dava quando não desejavaresponderaumapergunta.
“Está na hora de eu sossegar”, ele disse, antes de entortar a cabeça para umlado, dando um largo sorriso, e continuando, “Vamos lá, Pen. Vamos fazer umatentativa,quetal?”.
Penélope havia recebido anteriormente quatro pedidos de casamento eimaginado inúmeros outros em uma infinidade de maneiras, desde a gloriosainterrupçãodramáticadeumbaile,aopedidomaravilhosoemumgazeboisoladonomeio de umverão de Surrey. Imaginou declarações de amor e paixão eterna,profusõesdesuaflorpreferida(apeônia),cobertoresadoravelmenteestendidosemumcampodemargaridasselvagenseosaboralegredochampanheemsualíngua,enquantotodaLondreserguiaastaçasparabrindarsuafelicidade.Asensaçãodos
braços de seu noivo ao seu redor, enquanto ela se atirava no abraço dele esuspirava:Sim…Sim!
Era tudo fantasia–cadapedidomais improváveldoqueoutro–, e ela sabiadisso.Afinal,umasolteironade28anosnãoestavaexatamentetentandolivrar-sedepretendentes.MascertamenteelanãoestavaloucadeesperarporalgomaisdoqueVamosfazerumatentativa,quetal?
Soltou um pequeno suspiro, sem querer contrariar Tommy, que claramenteestavafazendoomelhorpossível.Masosdoiseramamigoshaviamuitotempo,ePenélopenãopretendiaacrescentarmentirasàamizadeàquelaaltura.
“Vocêestácompenademim,nãoestá?”Elearregalouosolhos.“Oquê?Não!Porquevocêdizisso?”Elasorriu.“Porqueéverdade.Vocêestácompenadasuapobreamigasolteirona.Eestá
dispostoasacrificaraprópriafelicidadeparagarantirqueeumecase.”Ele lançouaelaumolharexasperado–do tipoqueapenasumvelhoamigo
muitoqueridopoderiadar aoutro–, e segurou suasmãosnasdeles,beijandoosnósdeseusdedos.
“Tolice.Estánahoradeeumecasar,Pen.Vocêéumaboaamiga.”Elefezumapausa,demonstrandoadecepçãodeumaformatãogentil,que tornava impossívelirritar-secomele.“Fizumaconfusão,nãofiz?”
Elanãoconseguiuseconter.Sorriu.“Sim...Umpouco...Vocêdeveriajuraramoreterno.”Elepareceucético.“Comamãonatestaetudomais?”Osorrisosealargou.“Exatamente.Equemsabecomporumsoneto.”“Ó,LadyPenélope,tãobela…Podereieucasar-mecomela?”Eriu.Tommysempreafaziarir.Eraumaboaqualidade.“Umatentativatristedefato,milorde.”Elefingiuumacareta.“Nãopoderiaporacasocriarumanovaraçadecão?Chamá-ladeLadyP?”“Romântico,defato...”,eladisse.“Maslevariaumbomtempo,nãoacha?”Houveumapausaenquantoosdois aproveitavama companhiaumdooutro,
antesdeledizer,subitamentemuitosério:“Porfavor,Pen.Deixe-meprotegê-la.”Foiumacoisaestranhadedizer,mascomoelehavia fracassadoemtodasas
outras etapas do processo de pedido de casamento, ela não se concentrou naspalavras. Em vez disso, considerou a oferta, seriamente. Ele era seu amigomaisantigo.Umdeles,aomenos.Oquenãoahaviaabandonado.Elea fazia rir, eela
gostava muito, muito dele. Ele foi o único homem que não a desertoucompletamente após o seu desastroso noivado rompido. Só isso já era um bommotivo.Eladeveriadizersim.Diga,Penélope.EladeveriasetornarLadyThomasAlles,28anosdeidadeesalva,noúltimoinstante,deumaeternidadedesolteirice.Diga: sim, Tommy. Voume casar com você. Que gentil da sua parte. Ela deveriadizer,masnãodisse...
CaroM,Minha tutora não gosta de enguias. Ela certamente é culta o bastante para
saberqueapenasporvocêterchegadotrazendoumadelasnãoofazumamápessoa.Desprezeopecado,nãoopecador.
Sua,PPS–Tommyestevefazendoumavisitanasemanapassada,efomospescar.Eleé
oficialmentemeuamigopreferido.SolarNeedham,setembrode1813
CaraP,Isso me parece estranhamente um sermão do vigário Compton. Você tem
prestadoatençãonamissa.Estoudecepcionado.M
PS–Elenãoéseumelhoramigo.EtonCollege,setembrode1813
OsomdagrandeportadecarvalhosefechandoatrásdeThomasaindaecoavanaentradadoSolarNeedhamquandoamãedePenélopeapareceunopatamardoprimeiroandar,umandaracimadeondePenélopeseencontrava.
“Penélope!Oquevocêfez?”LadyNeedhamdesceuaamplaescadariacentraldacasa,seguidapelasoutrasfilhas,OliviaePhilippa,etrêsdoscãesdecaçadeseupai.
Penéloperespiroufundoesevirouparaencararamãe.“Odiafoibemtranquilo,naverdade”,eladisse,casualmente,seguindoparaa
sala de jantar, sabendo que suamãe a seguiria. “Escrevi uma carta para a primaCatherine.SabiaqueelacontinuasofrendocomaqueleterrívelresfriadoquepegouantesdoNatal?”
Pippariu.LadyNeedhamnãoachougraça.“Não estou nem um pouco preocupada com sua prima Catherine!”, disse a
marquesa,aumentandootomdevozjuntocomaansiedade.“Que indelicado, mamãe. Ninguém gosta de estar resfriado.” Penélope
empurrouaportaparaasalade jantareencontrouopai jásentadoàmesa,aindavestindoas roupasdecaça, lendosilenciosamenteo jornal,enquantoaguardavao
contingentefemininodaresidência.“Boanoite,papai.Teveumbomdia?”“Está terrivelmente frio lá fora”,disseomarquêsdeNeedhameDolby, sem
erguerosolhosdojornal.“Creioqueeujáestejaprontoparaojantar.Queroalgoquente.”
Penélope pensou que talvez seu pai não estivesse pronto para o que viriaduranteaquela refeiçãoemespecial,maspreferiuempurrarumbeaglequeestavaemsuacadeiraeassumiuseu lugar,àesquerdadomarquês,eà frentedas irmãs,ambas de olhos arregalados e curiosas quanto ao que viria a seguir. Ela fingiuinocência,desdobrandooguardanapo.
“Penélope!” Lady Needham estava parada logo depois da porta da sala dejantar, absolutamente ereta, com os punhos cerrados, confundindo os lacaios,paralisados de incerteza, imaginando se o jantar deveria ou não ser servido.“Thomasapediuemcasamento!”
“Sim.Euestavapresentenessaparte”,Penélopedisse.Destavez,Pippaergueuataçacomáguaparaesconderosorriso.“Needham!”LadyNeedhamdecidiuqueelaprecisavadeapoioextra.“Thomas
pediuPenélopeemcasamento!”LordeNeedhamabaixouojornal.“Foimesmo?SempregosteidesseTommyAlles.”Voltandoaatençãoparaa
filhamaisvelha,eledisse:“Tudocerto,Penélope?”.Penéloperespiroufundo.“Nãoexatamente,papai.”“Elanãoaceitou!”Otomcomqueamãefaloueraadequadoapenasaomais
comovente lamento de um coro grego, embora aparentemente tivesse o objetivoadicionaldefazeroscãescomeçaremalatir.
Depois que ela e os cachorros encerraram os uivos, Lady Needhamaproximou-se da mesa, com a pele terrivelmente manchada, como se tivesseatravessadoumamoitadeurtiga.
“Penélope! Pedidos de casamento de jovens ricos e disponíveis não dão emárvores!”
Especialmentenãoemjaneiro,imagino.Penélopesabiaquenãodeviadizeroqueestavapensando.Quandoumlacaioseaproximouparaservirasopaquedariainícioàrefeiçãonoturna,LadyNeedhamatirou-seemsuacadeiraedisse:
“Leveembora!Quempodecomernumahoradessas?”“Euestoucommuitafome,narealidade”,Oliviaobservou,ePenélopeengoliu
umsorriso.“Needham!”Omarquêssuspirouevirou-separaPenélope.“Vocêorecusou?”“Nãoexatamente”,Penélopedissedemodoevasivo.
“Elanãooaceitou!”,gritouLadyNeedham.“Porquenão?”Eraumaperguntajusta.Certamenteumaperguntaquetodosnamesagostariam
deterrespondida.InclusivePenélope.Sóqueelanãotinhaumaresposta.Nãoumaboa...
“Euqueriapensarnaproposta.”“Não seja tola. Aceite a proposta”, disse Lorde Needham, como se fosse
simplesassim,echamouolacaiocomumacenoparaservirasopa.“TalvezPennynãodeseje aceitar a proposta de Tommy”, Pippa observou, e
Penélopepensouembeijararacionalirmãmaisnova.“Nãotemavercomdesejaroualgoparecido”,disseLadyNeedham.“Tema
vercomvenderquandopossível.”“Que sentimento tão encantador”, Penélope disse com ironia, tentando ao
máximomanterobomhumor.“Bem, é verdade, Penélope.EThomasAlles é o único homemda sociedade
queparecedispostoacomprar.”“Gostariaquepudéssemospensaremumametáforamelhordoquecomprae
venda”,Penélopedisse.“E,sinceramente,nãoachoqueelequeirasecasarcomigomaisdoqueeuqueromecasarcomele.Acreditoqueestejaapenassendogentil.”
“Ele não está apenas sendo gentil”, disse Lorde Needham, mas antes quePenélope pudesse fazer qualquer comentário em relação a isso, Lady Needhamestavafalandonovamente.
“Nãotemrelaçãocomquerersecasar,Penélope.Vocêestámuitoalémdisso.Vocêdeve se casar!EThomas estavadisposto a se casar comvocê!Faziaquatroanosquenãorecebiaumaproposta.Ouseesqueceudisso?”
“Euhaviameesquecido,mamãe.Muitoobrigadapelalembrança.”LadyNeedhamempinouonariz.“Suponhoquesuaintençãosejafazergraça?”Oliviaergueuassobrancelhas,comoseasimplesideiadeairmãmaisvelha
estar tentando fazer graça fosse inacreditável. Penélope resistiu ao impulso dedefender o próprio senso de humor, o que ela gostava de pensar que estivesseintacto. Claro que ela não havia esquecido. Na realidade, era um fato difícil deesquecer, levando emconsideração a frequência comque suamãe a lembravadeseuestadocivil.Penélopeficavaespantadaqueamarquesanãosoubesseonúmerodediasehorasquehaviamsepassadodesdeapropostaemquestão.Elasuspirou.
“Nãoestoutentandofazerhumor,mamãe.Eusimplesmente…nãoestouseguradequequeiramecasarcomThomas.Oucomqualquerumquenãoestejasegurodequequersecasarcomigo,sinceramente.”
“Penélope!”, suamãedisparou. “Oquevocêquer não tem importância nestasituação!”
Claroquenão.Nãoeraassimqueoscasamentosfuncionavam.“Realmente. Assim como muito ridículo!” Houve uma pausa enquanto a
marquesa se recompunha e tentava encontrar suas palavras. “Penélope… não hámaisninguém!Nósprocuramos.Oqueserádevocê?”Elaseatirouelegantementepara trás na cadeira, levando uma dasmãos à testa, em um gesto dramático quedeixariaqualqueratrizdospalcosdeLondresorgulhosa.“Quemaceitarávocê?”
EraumaperguntajustaequePenélopeprovavelmentedeveriaterlevadomaisem consideração antes de revelar sua incerteza sobre seu futuromarital.Mas elanão havia exatamente decidido fazer tal anúncio, pelo menos não até fazê-lo. Eagora aquela parecia ser a melhor decisão que havia tomado em muito tempo.AconteciaquePenélopeteveváriasoportunidadesdeser“aceita”nosúltimosnoveanos.Houveumtempoemqueelaeraoassuntodetodasasrodas–razoavelmenteatraente, bem-comportada, educada, polida, perfeitamente… perfeita. Haviainclusive ficado noiva, de um equivalente igualmente perfeito. Sim, era um parperfeito,excetopelofatodequeeleeraperfeitamenteapaixonadoporoutrapessoa.
O escândalo facilitou que Penélope pusesse fim ao compromisso, sem serrejeitada. Bem, pelo menos não precisamente. Ela não descreveria a situaçãoexatamentecomouma rejeição,masmaiscomoumasacudida,naverdade.Enãoumasacudidaindesejada.Nãoqueelafossedizerissoàmãe.
“Penélope!”Amarquesaseendireitounovamente,olhando,angustiada,paraafilhamaisvelha.“Responda!SenãoThomas,quem,então?Quemvocêimaginaqueaaceitará?”
“Pelovisto,tereideaceitaramimmesma.”Oliviaarfou.Pippafezumapausa,parandocomacolheracaminhodaboca.“Ah!Ah!”Amarquesaatirou-separatrásumavezmais.“Vocênãopodeestar
falandosério!Nãosejaridícula!”Pânicoe irritaçãodominaramo tomdevozdeLadyNeedham.“Vocêémaisdoqueumasolteirona!Oh!Nãomefaçapensarnisso!Umasolteirona!”
Penélopepensouquenarealidadeassolteironaséqueerammaisfortesdoquea mãe, mas resistiu em dizer tal coisa a ela, que parecia estar prestes a cair dacadeira,emumestadodeabsolutodesespero.Amarquesaprosseguiu.
“Eque serádemim?Nãonasci para sermãede uma solteirona!O que irãopensar?Oqueirãodizer?”
Penélopetinhaumaboanoçãodoquetodosjápensavam,doquejádiziam...“Houveumtempo,Penélope,emquevocêdeveriaserexatamenteoopostodo
quesetornou,eeuseriaamãedeumaduquesa!”Ealiestava.OespectroquepairavaentreLadyNeedhamesuafilhamaisvelha.
Duquesa.Penélopeseperguntavaseamãealgumdiaaperdoariapeladissoluçãodonoivado…ComosedealgummodotivessesidoculpadePenélope.Elarespiroufundo,tentandousarumtomrazoável.
“Mamãe,oduquedeLeightonestavaapaixonadoporoutramulher…”“Umescândaloambulante!”A quem ele amava absurdamente.Mesmo agora, oito anos depois, Penélope
sentia uma pontada de inveja… não pelo duque,mas pela emoção. Ela deixou osentimentodelado.
“Escândalo ou não, a dama é a duquesa de Leighton. Um título, devoacrescentar, que ela detém há oito anos, período durante o qual ela deu à luz ofuturoduquedeLeightonemaistrêsfilhosparaomarido.”
“Quedeveriatersidoseumarido!Seusfilhos!”Penélopesuspirou.“Oquedesejavaqueeufizesse?”Amarquesalevantou-seumavezmais.“Bem, você poderia ter se esforçado um pouco mais... Poderia ter aceitado
diversospedidosde casamentodepois do feito peloduque.”Atirou-senovamentepara trás. “Foram quatro! Dois condes”, ela relembrou, como se os pedidos decasamentopudessemtersidoesquecidosporPenélope,“eGeorgeHayes...EagoraThomas!Umfuturovisconde!Eupoderiaaceitarumfuturovisconde.”
“Quemagnânimodasuaparte,mamãe.”Penéloperecostou-seemsuacadeira.Imaginavaquefosseverdade.Deussabia
queelahaviasido treinadapara fazermuitoesforçoparaconseguirummarido–bem, tantoesforçoquanto fossepossível fazer semparecerestar fazendoesforçodemais. Mas, nos últimos anos, ela não esteve envolvida de coração. Não deverdade...Duranteoprimeiroanodepoisdonoivadorompido,erafácildizerasimesma que ela não queria se casar porque estava abalada pelo escândalo de umnoivado rompido, e ninguém demonstrava muito interesse nela como noivapotencial.
Depois disso, houve alguns pedidos, de homens commotivos ocultos, todosansiososparasecasarcomafilhadomarquêsdeNeedhameDolby,fosseporsuascarreiraspolíticasouseusfuturosfinanceiros,eomarquêsnãoseimportavanemumpouco quandoPenélope declinava educadamente dessas propostas. Ele não seimportavaporqueeladizianão.Nãolheocorreuqueelapudesseterrecusadoporter tido umvislumbre do que o casamento poderia ser – porque ela viu a formacomooduquedeLeightonolhava, amorosamente,nosolhosde suaduquesa.Elaviu que poderia ter algo mais de um casamento, se ao menos tivesse temposuficienteparaencontrá-lo.Mas,dealgumaforma,duranteaqueleperíodoemquediziaasimesmaqueestavaesperandoporalgomais,elaperdeusuachance.Elasetornouvelhademais,simplesdemais,maculadademais.
Enaqueledia,enquantoviaTommy–umamigoquerido,masnãomuitomaisdoqueisso–seoferecerparapassarorestodavidadeleaoseulado,apesardeseupróprio desinteresse no casamento dos dois… ela simplesmente não conseguiu
dizersim.Nãopodiaestragaraschancesdeledealgomais.Nãoimportavaoquantofossemdesastrosasessaschances.
“Ah!”Alamúriarecomeçou.“Pensenassuasirmãs...Oqueserádelas?”Penélopeolhouparaasirmãs,queestavamacompanhandoaconversacomose
fosseumapartidadebadminton.Suasirmãsficariamótimas.“AsociedadeterádesecontentarcomasMarburymaisjovensemaisbonitas.
Levando emconsideraçãoo fatodeque as duasMarbury casadas são condessa ebaronesa,achoquetudoficarábem.”
“EgraçasaDeuspelosexcelentescasamentosdasgêmeas.”Excelentes não seria exatamente a descrição que Penélope usaria para
descreveroscasamentosdeVictoriaouValerie–realizadospelotítulo,pelodoteepouco mais –, mas seus maridos eram relativamente inofensivos e ao menosdiscretos com suas atividades fora do leito marital, de modo que Penélope nãodiscutiuaquestão.Nãoimportava.Suamãeestavaseguindoemfrente.
“Eoque serádo seupobrepai?Parecequevocê se esqueceudeque ele foiamaldiçoadocomumacasacheiademeninas.Seriadiferentesevocê tivessesidoummenino,Penélope.Maseleestádefinitivamentemorrendodepreocupaçãoporvocê!”
Penélopevirou-separaolharopai,quemergulhavaumpedaçodepãonasopae o deu ao grande cão d’água preto sentado ao lado de sua mão esquerda,encarando-o, com a língua cor-de-rosa comprida pendurada na lateral da boca.Nemohomemnemoanimalpareciamespecialmentepreocupados.
“Mamãe,eu…”“E Philippa! Lorde Castleton demonstrou interesse nela. O que será de
Philippa?”AgoraPenélopeestavaconfusa.“OqueserádePhilippa?”“Exatamente!”LadyNeedhamagitouumguardanapodelinhobrancodeforma
dramática.“OqueserádePhilippa?”Penélopesuspirouevirou-separaairmã.“Pippa, você acredita que minha recusa a Tommy afetará a corte de Lorde
Castleton?”Pippasacudiuacabeçacomosolhosarregalados.“Não consigo imaginar como. E se afetasse, eu sinceramente não ficaria
arrasada.Castletonéumpouco…bem,desinteressante.”Penélope teria usado a palavra estúpido, mas compreendeu a delicadeza de
Pippa.“Não seja tola, Philippa”, disse a marquesa. “Lorde Castleton é um conde.
Mendigosnãopodemserexigentes.”Penélope cerrou os dentes com o ditado, o preferido da mãe durante
discussõessobreasperspectivasdasfilhasdescasadas.Pippavoltouosolhosazuisparaamãe.
“Nãotinhanoçãodequeestavamendigando.”“É claro que está! Todas vocês estão!MesmoVictoria e Valerie tiveram de
mendigar.Umescândalonãodesaparecesimplesmente.”Penélopeouviuosignificadodaspalavras,mesmoqueelasnãotivessemsido
articuladas.Penélopeestragoutudoparavocês.Foiatravessadaporumapontadadeculpa,quetentouignorar,sabendoquenãodeviasentir-seculpada.Sabendoquenãoerasuaculpa.Sóquepoderiatersido.Elaafastouopensamento.Nãofoi.Eleamavaoutra.Masporqueelenãoaamava?Foiumaperguntaquefezasimesmainúmerasvezes durante aquele inverno longínquo, quando ficou enfurnada ali, no campo,lendo os jornais de escândalos e sabendo que ele havia escolhido alguém maisbonita,maischarmosaemaisexcitantedoqueela.Sabendoqueeleerafeliz,eela...eraindesejada.Elanãooamavaenãohaviapensadomuitonele,naverdade.Masasituaçãoaferiumesmoassim.
“Eunãotenhointençãodemendigar”,Oliviaentrounaconversa.“Éaminhasegundatemporada,soubonitaeencantadorae tenhoumdotebemgrande.Maiordoquequalquerhomempoderiaignorar.”
“Ah, sim. Muito encantadora...”, Pippa disse, e olhou para o prato, paraesconderosorriso.
OliviaCaptouosarcasmo.“Riamoquantoquiserem,maseuseiomeuvalor.Nãovoudeixaracontecer
comigooqueaconteceucomPenélope.Vouconseguirumverdadeiroaristocrata.”“Umbeloplano,querida.”LadyNeedhamficouradiantedeorgulho.Oliviasorriu.“Felizmenteaprendiminhaliçãocomvocê,Penny.”Penélopenãopôdedeixardesedefender.“Eunãooafastei,Olivia.Papairompeuonoivadoporcausadoescândaloda
irmãdeLeighton.”“Tolice. Se Leighton quisesse você, ele teria brigado por você, azar do
escândalo”, disse a irmãmaisnova apertandoos lábios, umaverdadeira ingênua.“Maselenãoqueria.Você,querodizer.Eeletambémnãobrigouporvocê.Epossoapenas imaginar que ele não fez nem uma coisa nem outra, porque você não seesforçouosuficienteparaatrairaatençãodele.”
Sendo a mais jovem, Olivia nunca precisou pensar muito sobre como suaformadefalar,sempreumpoucosincerademais,podiaferir.Aquelanãoeraumaexceção.Penélopemordeuabochechapordentro, resistindoàvontadedeberrar:Eleamavaoutra!Mas ela reconhecia uma atitude inútil quando se deparava comuma.Noivados rompidoseramsempreculpadamulher,mesmoquandoamulheremquestãoerasuairmãmaisvelha.
“Sim!Ah,Olivia,apenasumatemporadaejáestátãoesperta,minhaquerida”,LadyNeedham“piou”,antesdegemer:“Enãoseesqueçadosoutros.”
Todospareciamhaverseesquecidoqueelanãoquissecasarcomosoutros.MasPenélopeaindasentiacomosedevessesedefender.
“Eurecebiumpedidodecasamentoestatarde,nãoseisevocêsserecordam.”Oliviaagitouumadasmãosdeformadepreciativa.“UmpedidodecasamentodeTommy,equenãoéumbompedidodecasamento.
Apenasumtoloacreditariaqueelepediusuamãoporquerersecasarcomvocê.”SempresepodiacontarcomOliviaparadizeraverdade.“Entãoporqueelefezopedido?”,Pippaquestionou,semintençãodesercruel,
Penélopetinhacertezadisso.Afinal,elahaviafeitoasimesma,eaTommy,aquelamesmíssimaperguntaumahoraantes.
Elagostariaderesponder:Porqueelemeama.Bem,issonãoeraexatamenteaverdade.Elagostariadedizer isso,masnãosobreTommy.E justamentepor issonão havia respondido sim. Em todos seus anos de vida, jamais se imaginoucasando-secomTommy.Nuncafoicomelequeelasonhou...
“Não importa por que ele fez o pedido”, Lady Needham interferiu. “OimportanteeraqueeleestavadispostoaaceitarPenélope!Queeleestavadispostoalhedarumlareumnomeeacuidardeladamesmaformacomoseupaicuidouportodosessesanos.”ElaencarouPenélope.“Penélope,vocêprecisapensar,querida...Quandoseupaimorrer,comoseráentão?”
LordeNeedhamergueuosolhosdecimadeseufaisão.“Comoassim?”LadyNeedhamacenouumadasmãosnoar como senão tivesse tempopara
pensarnossentimentosdomarido,preferindocontinuar:“Elenãoviveráparasempre,Penélope!Comoseráentão?”Penélopenãoconseguiaentenderporqueaquiloeradealgummodorelevante.“Bem,issoserámuitotriste,imagino.”LadyNeedhamsacudiuacabeça,comfrustração.“Penélope!”“Mamãe, eu sinceramente não faço ideia do que a senhora esteja querendo
dizer.”“Quemcuidarádevocêquandoseupaimorrer?”“Papai,estáplanejandomorrerembreve?”“Não”,seupairespondeu.“Nuncasesabe...”Osolhosdamarquesaestavamseenchendodelágrimas.“Ah, pelo amor de…”,LordeNeedham estava farto. “Eu não voumorrer. E
considerobastanteofensivoofatodequea ideiasimplesmentesaiudasuaboca.”Elevirou-separaPenélope.“Equantoavocê,irásecasar.”
Penélopeendireitouosombros.
“NãoestamosnaIdadeMédia,papai.Osenhornãopodemeobrigaramecasarcomalguémcomquemeunãodesejemecasar.”
LordeNeedhamnãotinhamuitointeressenosdireitosfemininos.“Eutenhocincofilhasenenhumfilho,equeDeusmelivrededeixarumade
vocêssolteiraecuidandodesimesma,enquantoaquelemeusobrinho idiota levaminhapropriedadeàfalência.”Elesacudiuacabeça.“Euavereicasada,Penélope,ebem-casada.Estánahoradeparardebarganhareaceitarumpretendente.”
Penélopearregalouosolhos.“Osenhorachaqueeuestoubarganhando?”“Olheolinguajar,Penélope.Porfavor.”“Mamãe,papaiusouaexpressãoprimeiro”,Pippaobservou.“Isso é irrelevante! Não criei minhas meninas para falarem como gente…
gente…ah,vocêssabem.”“Éclaroqueestábarganhando.FazoitoanosdesdeoocorridocomLeighton.
VocêéfilhadeummarquêscomdoistítuloseodinheirodeMidas.”“Needham!Quegrosseiro!”LordeNeedhamolhouparaotetoembuscadepaciência.“Não sei pelo que você está esperando, mas sei que eu amimei por tempo
demais, ignorando o fato de que o ocorrido com Leighton lançou uma sombrasobre todas vocês.” Penélope olhou para as irmãs, que estavam ambas olhandofixamente para o próprio colo. Sentiu-se atravessada pela culpa enquanto o paicontinuava:“Paramimbasta.Vocêsecasaránestatemporada,Penny”.
Penélopesentiuagargantaapertada,esforçando-seporengolir,apesardonóquepareciaterseinstaladoali.
“Mas… fazia quatro anos que ninguém além de Tommy me pedia emcasamento.”
“Tommyfoiapenasocomeço.Vocêcomeçaráareceberpedidosagora.”Ela havia visto a expressão de certeza absoluta nos olhos do pai vezes
suficientesnavidaparasaberqueeletinharazão.Encarou-onosolhos.“Porquê?”“PorqueacrescenteiFalconwellaoseudote.”Ele disse isso damesma forma como qualquer um diria coisas como,Está
meiofrio,ou,Estepeixeestásemsal.Comosetodosnamesasimplesmentefossemaceitaraspalavrascomoverdadeiras.Comosequatrocabeçasnãofossemsevirarparaelecomosolhosarregaladoseboquiabertas.
“Ah!Needham!”LadyNeedhamatirou-senovamente.Penélopenãodesviouoolhardopai.“Perdão?”Um lampejo de lembrança... Um garoto de cabelos escuros dando risada,
pendurado em um galho baixo de um imenso salgueiro, estendendo os braços e
chamando Penélope para se unir a ele em seu esconderijo. O terceiro do trio.FalconwelleradeMichael.Mesmoquenãopertencesseaelehaviaumadécada,elasemprepensarianapropriedadedessaforma.Nãopareciacorretoqueeladealgummodo fosse, estranhamente, sua agora. Toda aquela terra linda e verdejante, tudoexcetopelacasaeosarredores–aherança.OdireitodenascençadeMichaelagoraeradela.
“ComoosenhorconseguiuFalconwell?”“Como não é relevante”, omarquês disse, sem levantar o olhar da refeição.
“Não possomais arriscar os sucessos de suas irmãs nomercado de casamentos.Vocêprecisasecasar.Nãoseráumasolteironapelorestodeseusdias.Falconwellgarantiráisso.Aparentemente,jágarantiu.SenãogostadeTommy,járecebimeiadúziadecartasdehomensdetodaaGrã-Bretanhainteressados.”
Homens interessados em Falconwell. Deixe-me protegê-la. As palavrasestranhas de Tommy mais cedo faziam sentido agora. Ele a havia pedido emcasamentoparapreservá-ladaspropostasqueseseguiriamporseudote.Eleapediuem casamento porque era seu amigo. E a pediu em casamento por Falconwell.Haviaumpequenopedaçode terrapertencenteaoviscondedeLangfordnapontadistante de Falconwell.Algumdia, seria deTommy, e se eles casassem, ele teriaFalconwellparaanexar.
“Éclaro!”,Oliviaobservou.“Issoexplicatudo!”Ele não havia contado a ela. Penélope sabia que ele não estava realmente
interessadoemcasar-secomela,masadescobertadissonãoeraexatamentealgoagradável.Elapermaneceufocadanopai.
“Odote...Épúblico?”“É claro que é público.Qual a vantagemde triplicar o valor dodote da sua
filhasemtornarofatopúblico?”Penélopepassouumgarfoporseupurêdenabo,desejandoestaremqualquerlugarquenãonaquelamesa,naquelemomento,quandoseupaidisse:“Nãofiqueparecendotãoinfeliz.Agradeçaàsestrelasquefinalmenteteráummarido.ComFalconwellemseudote,vocêpoderáconseguirumpríncipe.”
“Estoumecansandodepríncipes,papai.”“Penélope!Ninguémsecansadepríncipes!”,amãeobservou.“Eu gostaria de conhecer um príncipe”, Olivia interrompeu, mastigando
pensativamente.“SePenélopenãoquerFalconwell,euadorariatê-lacomopartedomeudote.”
Penélopeolhouparaairmãmaisnova.“Sim, imaginoque sim,Olivia.Masduvidodequevocêváprecisar.”Olivia
tinha o mesmo cabelo claro, a mesma pele pálida e os olhos azul-claros dePenélope, que em vez de fazeremOlivia se parecer com Penélope, deixavam-naimpressionantementebonita.OtipodemulherCapazdeestalarosdedoseatrairoshomensparaseulado.Eopioréqueelasabia.
“Vocêprecisa disso, especialmente agora”, disse Lorde Needham, de modopragmático, antes de se virar novamente para Penny. “Houve um tempo em quevocê era jovem o bastante para atrair a atenção de um homem decente, mas jápassoumuitodisso.”
Penélopedesejavaqueumadesuasirmãsentrassenaconversaparadefendê-la.Para protestar contra as palavras do pai. Para dizer, talvez,Penélope não precisadisso.Alguémmaravilhoso vai aparecer e se apaixonar por ela. À primeira vista,obviamente. Ela ignorou a pontada de tristeza que sentiu diante da aceitaçãosilenciosadaquelaspalavras.Penélopeviaaverdadenoolhardopai.Acerteza...Eelasabia,semdúvida,dequeiriasecasarconformeseupaidesejava,comosefossemesmoa IdadeMédia,eeleestivessecedendopartedeseu feudo.Sóqueelenãoestavacedendonada.
“Comoé possível queFalconwell agora pertença aomarquês deNeedhameDolby?”
“Issonãodeveriapreocupá-la.”“Mas me preocupa”, Penélope pressionou. “Onde o senhor a conseguiu?
Michaelsabedisso?”“Nãosei”,omarquêsrespondeu,erguendoataçadevinho.“Imaginoqueseja
apenasumaquestãodetempoatéqueelesaiba.”“Quem sabeoqueMichael sabe”, suamãe zombou. “Ninguémna sociedade
civilizadavêomarquêsdeBourneháanos.”Ninguémovêdesdequeeledesapareceunoescândalo.Desdequeeleperdeu
tudoparaopaideTommy.Penélopesacudiuacabeça.“Osenhortentoudevolvê-laaele?”“Penélope! Não seja ingrata!”, a marquesa estremeceu. “O acréscimo de
Falconwellaoseudoteéumbeloexemplodagenerosidadedoseupai!”Umexemplododesejodopaideselivrardafilhaproblemática.“Eunãoqueroisso.”Ela sabia que as palavras eram uma mentira no instante mesmo em que as
pronunciou.Claroqueelaqueria.AsterrasligadasaFalconwelleramexuberantes,vibrantesecheiasdelembrançasdesuainfância.ComlembrançasdeMichael.Faziaanosqueelanãoovia.EraumacriançaquandoeledeixouFalconwell,emalhaviasidoapresentadaàsociedadequandooescândalodelesetornouoassuntopreferidodos aristocratas de Londres e dos criados de Surrey. Agora, se ouvia falar algosobreeleeramapenasfofocademulheresmaisexperientesdasociedade.Umavez,tinha ouvido de um grupo especialmente tagarela de mulheres, em um salãofeminino, que ele estava em Londres, administrando um cassino, mas não haviaperguntado onde, parecendo saber instintivamente que damas como ela nãofrequentavamolocalemqueMichaelhaviapousado,depoisdecairemdesgraça.
“Vocênãotemescolha,Penélope.Étudomeu.Eembreveserádeseumarido.
Homens de toda a Grã-Bretanha virão em busca de uma chance de conquistá-la.Case-secomTommyagoraoucomumdelesdepois, sedesejar.Mas irá secasarnestatemporada.”Eleserecostounacadeira,estendendoasmãossobresuaamplacircunferência.“Umdia,irámeagradecer.”
Irásecasarnestatemporada.“PorquenãodevolveuapropriedadeaMichael?”Needham suspirou, atirando o guardanapo em cima da mesa, encerrando a
conversa.“Elefoidescuidadocomela,antesdemaisnada”,eledissesimplesmente,antes
dedeixarasala,comLadyNeedhamlogoatrás.Talvez fossemosdezesseis anosdesdeque elao tinhavistopelaúltimavez,
maspartedelaaindaconsideravaMichaelLawler,omarquêsdeBourne,umamigoquerido,enãogostavadaformacomoopaifalavadele,comoseeletivessepoucovaloreimportância.Poroutrolado,elanãoconheciaMichaeldeverdade–nãoohomem. Quando permitia a si mesma pensar nele, mais frequentemente do quegostaria de admitir, ele não era um rapaz de 21 anos de idade que havia perdidotudoemumtolojogodeazar.
Não...Emseuspensamentos,Michaelcontinuavasendoseuamigodeinfância–oprimeiroquejamaisteve–,com12anosdeidade,guiando-aatravésdapaisagemenlameadaemumaaventuraououtra,rindoemmomentosinoportunosatéqueelanão conseguisse resistir a rir junto com ele, enlameando os joelhos nos camposmolhadosqueseestendiamentresuascasaseatirandopedrinhasnajaneladelanasmanhãsdeverãoantesqueseguisseparapescarnolagoqueseestendiapelasterrasdeNeedhameBourne.
Imaginavaqueolagoagorafizessepartedeseudote.Michaelprecisariapedirpermissãoparapescarali.Precisariapedirpermissãoaomaridodelaparapescarali.A ideia seria cômica se não fosse tão…errada. E ninguémparecia perceber.Penélopelevantouacabeça,encontrando,primeiro,oolhardePippadooutroladodamesa, olhos azuis arregalados piscando atrás dos óculos, e então os olhos deOlívia,cheiosde…alívio?DiantedaexpressãoquestionadoradePenélope,Oliviadisse:
“Confesso que não gostava da ideia de uma irmã fracassada nomercado decasamentos.Émuitomelhorassimparamim.”
“Que bom que alguém pode ficar satisfeita com os acontecimentos do dia”,Penélopedisse.
“Ora, francamente, Penny”, Olivia continuou, “você precisa admitir que seucasamentoajudaráatodasnós.VocêfoiumarazãosignificativaparaqueVictoriaeValerieseconformassemcomseusvelhosmaridostediosos.”
Nãoeracomoseelativesseplanejadoaquilo.“Olivia!”,dissePippa,baixinho.“Issonãoémuitogentil.”
“Ah,tolice.Pennysabequeéverdade.”Elasabia?OlhouparaPippa.“Eudificulteiasituaçãoparavocê?”Pippafoievasiva.“Deformaalguma.Castletonmandoudizerapapainasemanapassadamesmo,
queestavaplanejandomefazeracortedeverdade,eaparentementenãoestouentreasdebutantesmaiscomuns.”
Eraumeufemismo.Pippaeraumamulhererudita,muitofocadaemciências,fascinada pela parte interna de seres vivos, de plantas a pessoas.Uma vez, haviaroubadoumgansodacozinhaeodissecadoemseuquarto.Tudo iabematéumacriada entrar, descobrir Pippa enfiada até os cotovelos nas tripas da ave e gritarcomo se tivesse deparado com uma cena de crime. Pippa foi severamenterepreendida,eacriada,transferidaparaosandaresmaisbaixosdosolar.
“EledeveriasechamarLordeSimpleton”,Oliviadisse,sinceramente.Pippariu.“Pare.Eleébom.Gostadecachorros.”OlhouparaPenélope.“AssimcomoTommy.”“Foiaessepontoquechegamos?Escolhendonossosmaridospotenciaispor
gostaremdecães?”,Oliviaperguntou.Pippalevantouumombrosimplesmente.“Écomoissoé feito.Gostardecãesémaisdoqueamaioriadosmaridose
esposasdasociedadetêmemcomum.”Ela tinha razão. Mas não era assim que as coisas deveriam ser. Mulheres
jovens, com a aparência e a criação de suas irmãs deveriam estar escolhendo osmaridoscombaseemmaisdoquecompanheirismocanino.Elasdeveriamseraspreferidasdasociedade,comtodosemsuasmãos,esperandoparaseremimitadas.Mas não eram, por causa de Penélope, que, ironicamente, foi considerada aprediletadaspreferidasdasociedadequandofoiapresentada–anoivaescolhidadoimpecavelmentebem-comportadoedepedigreeimpecável,duquedeLeighton.
Depoisqueocompromissodosdoissedissolveuemumaperfeitatempestadede jovens moças arruinadas, filhos ilegítimos e um caso de amor, Penélope –tragicamente, para suas irmãs – perdeu o status de preferida. Em vez disso, foirelegada a boa amiga da sociedade, depois conhecida bem-vinda e, maisrecentemente,convidada,finalizandocomumlongotempodeboas-vindas.Elanãoerabonita,nãoerainteligente,nãoeramuitomaisdoqueafilhamaisvelhadeumaristocratamuitoricoenobre.Nascidaecriadaparaseresposadeumaristocrataigualmentericoenobre.Equasehaviasidoexatamenteisso.Atéquetudomudou.Inclusive suas expectativas... Infelizmente, expectativas não rendiam bonscasamentos.Nemparaela,nemparasuas irmãs.E,assimcomonãoera justoque
ela sofresse por causa de um noivado rompido quase uma década antes, tambémnãoerajustoquesuasirmãssofressemporele.
“Eu nunca tive a intenção de dificultar os casamentos de vocês”, ela disse,baixinho.
“Entãotemsortedepodercorrigirasituação”,Oliviaopinou,evidentementedesinteressada nos sentimentos da irmã mais velha. “Afinal, as suas chances deencontrar um marido com qualidades podem ser poucas, mas as minhas sãorealmenteboas.Aindamelhoressevocêsecasarcomumfuturovisconde.”
Aculpase instalou,ePenélopevirou-separaPippa,queaestavaobservandoatentamente.
“Vocêconcorda,Pippa?”Pippameneouacabeça,pensandonasalternativas,efinalmentedisse:“Malnãofará,Penny.”Avocênão,pelomenos,Penélopepensou,tomadaporumaondademelancolia,
aoperceberqueiriaaceitaropedidodeTommy,pelobemdasirmãs.Elapoderiasesairmuitopior,afinal.Talvez,comotempo,viesseaamá-lo.
CaroM,QueimaramosujeitoestanoiteemColdharbour,e todooclãMarburyseguiu
paraaimpressionantedemonstração.Precisei escrever, jáque fiqueibastanteangustiadaaodescobrirquenenhum
jovemestavadispostoa testaraprópriahabilidadepara subirapilhade lenhaeroubarochapéudoSr.Fawkes.
TalveznoNatalvocêpossalhesensinaralgumacoisa.Suaamigaleal,P
SolarNeedham,novembrode1813
CaraP,Eles nãoprecisamque eu lhes ensine nada– não comvocêaí, perfeitamente
Capaz de roubar aquele chapeuzinho vocêmesma.Ou agora é dama demais paraisso?
EstareiemcasaparaoNatal.Seforumaboamenina,levareiumpresente.M
EtonCollege,novembrode1813
Naquela noite, com toda a casa dormindo, Penélope vestiu sua Capa maisquente,pegouapeleparaaquecerasmãos,umalamparinadaescrivaninhaefoidaruma caminhada por suas terras. Bem, não exatamente suas terras. As terras queestavamvinculadasaoseudotenocasamento.AsterrasqueTommyeincontáveisjovens pretendentes aceitaria de bom grado em troca de tirar Penélope do seio
familiareaceitá-lacomoesposa.Que romântico. Ela havia passado muitos anos esperando por mais.
Acreditando–emboradissesseasimesmaparanãofazê-lo–quepoderiatertantasortetambém,quepoderiaencontraralgomais,alguémmais.Não.Elanãopensarianisso. Especialmente não agora que estava justamente na direção do tipo decasamento que sempre esperou evitar. Agora, não tinha dúvidas de que seu paiestavadecididoacasarafilhamaisvelhaantesdofinaldaquelatemporada–comTommyououtroalguém.Pensounoshomenssolteirosdasociedadequeestivessemdesesperadosdemaisparacasarem-secomumamulherde28anosde idadeeumnoivadorompidonopassado.Nenhumdelespareceuotipodemaridodequemelapudesse gostar. Um marido que ela pudesse amar. Então, era Tommy. SeriaTommy...
Protegeu-secontraofrio,abaixandoorostoparadentrodaCapaepuxandooCapuzporcimada testa.Damasbem-criadasnãodavamcaminhadasnacaladadanoite, ela sabiadisso,mas todaSurreyestavadormindo,ovizinhomaispróximoficava a quilômetros de distância, e o frio extremo era comparável à sua intensairritaçãocomosacontecimentosdodia.
Não era justoqueumnoivado rompidonopassado longínquo resultasse emumpresente tãodesafiador.Seriade imaginarqueoitoanos teriam feitoLondresesquecerolendáriooutonode1823,mas,emvezdisso,Penélopeeraamaldiçoadapor sua história.Nos bailes, os sussurros prosseguiam.Nos salões femininos, osleques ainda se agitavam como asas de beija-flores, escondendo as conversassilenciosas das quais, de vez em quando, ela Captava trechos – especulaçõescochichadassobreoqueelahaviafeitoparaqueoduqueperdesseointeresse,ousobreporqueelaseconsideravaboademaispararejeitarasoutraspropostas.Nãoporque ela se achasse melhor, mas porque ela esperava por mais. Por umapromessa maior. De uma vida com mais do que o marido que ela havia sidotreinadaaesperarquegostassedela,masnãoaamasse,edofilhooudoisqueelasempre supôs que a amariam mas não a conheceriam. Era pedir muito?Aparentemente,sim.
Elaseguiuporumaladeiracobertadeneve,fazendoumabrevepausanotopo,olhandoparaaescuridãodolagoabaixoquemarcavaadivisãoentreasterrasdeNeedham e de Bourne…Ou as antigas terras de Bourne. E, ali parada, olhandofixamenteparaaescuridão,pensandoemseufuturo,elasedeucontadoquãopoucoqueriaumavidatranquilaemtonspastéis,quadrilhaselimonadamorna.
Elaqueriamais.Apalavrapassousussurrandoporseuspensamentosemumaondadetristeza.Mais.Maisdoqueelateria,nofim.Maisdoqueelajamaisdeveriater sonhado. Não que se sentisse infeliz com a própria existência. Era uma vidaluxuosa, na verdade. Ela era bem-cuidada, bem-alimentada e faltava-lhe muitopouco. Tinha uma família que era, namaior parte do tempo, tolerável, e amigos
comquempodiapassarumatardevezououtra.E,sendobemhonesta,seusdiasnãoseriammuitodiferentesdeagora,casoelasecasassecomTommy.Entãoporqueelaficavatãotristeaopensaremsecasarcomele?Afinal,eleeragentil,generoso,tinhaumapitadadebomhumoreumsorrisocarinhoso.Nãoeratãobonitoapontodechamaraatenção,nemtãointeligenteapontodeintimidar,mastodaspareciamcaracterísticasfavoráveis.
Imaginou-sepegandoamãodeleepermitindoqueaacompanhasseaumbaile,aoteatro,aumjantar.Imaginou-sedançandocomele.Sorrindoparaele.Imaginoua sensação damão dele na sua.Era…pegajosa. Não haviamotivo para crer queTommytivessemãosúmidas,éclaro.Narealidade,eleprovavelmentetivessemãosquenteseperfeitamentecuidadas.Noentanto,Penélopepassouaspalmasenluvadasnassaias.Maridosnãodeviamtermãosfortesefirmes?Especialmentenafantasia?PorqueTommynãotinha?Eleeraumbomamigo.Nãoeramuitogentildapartedelaimaginá-locommãossuadas.Elemereciamaisdoqueisso.
Penéloperespiroufundo,aproveitandoapontadadeargelado,fechouosolhose tentou de novo… fez o máximo para imaginar-se como Lady Thomas Alles.Sorriu para o marido. Carinhosamente. Ele sorriu para ela: “Vamos fazer umatentativa,quetal?”Elaabriuosolhos.Droga.Desceualadeiranadireçãodolagogelado. Iria se casar com Tommy. Para seu próprio bem. Pelo bem das irmãs.Porém,nãoparecianadabem.Nãodeverdade...Aindaassim,eraoquefilhasmaisvelhasdeboacriaçãofaziam.Faziamoquelheseradito.Aindaqueabsolutamentenão quisessem fazer. Ainda que quisessem mais. E foi então que viu a luz àdistância,nobosquedeárvoresnabeiradolago.
Parou, apertandoosolhosna escuridão, ignorandooventogeladono rosto.Talvez fosse a sua imaginação ou tivesse sido a lua cintilando na neve. Umapossibilidaderazoável,nãofosseanevecaindo,bloqueandoavisãodaluanocéu.Aluzcintilounovamente,ePenélopearfou,dandoumpassoparatrás,arregalandoosolhosenquantotentavaveratravésdasárvores.Apertouosolhosnaescuridão,inclinando-separafrentesemmexerospés, focandono localondeumafraca luzamarelabrilhavanomeiodobosque,comosepoucoscentímetrosfossemfacilitaravisãodafontedaluz.
“Háalguém…”,elasussurrou,deixandoaspalavrasdesapareceremnosilênciofrio.
Haviaalguémlá.Poderiaserumcriado,masparecia improvável.OscriadosdeNeedhamnãotinhammotivosparaestaràsmargensdolagonomeiodanoite,efaziaanosqueosúltimoshaviamdeixadoFalconwell.Depoisqueelespartiram,osbens da propriedade foram retirados, e a imensa estrutura de pedra foi deixadavaziaedescuidada.Ninguémentravanacasahaviaanos.Elaprecisavafazeralgumaalgo.Poderiaserqualquercoisa,umincêndio,uminvasor,umfantasma...
Bem,provavelmentenãoeraesseúltimo,maserabempossíveltratar-sedeum
invasor – em breve usurpador – prestes a tomar Falconwell. Se fosse, algoprecisava ser feito. Afinal, simplesmente não se podia permitir que intrusospassassem a residir na propriedade domarquês deBourne. Se o próprio homemnão ia garantir sua propriedade, ao que tudo indicava, a tarefa recaía sobrePenélope.ElatinhaigualinvestimentoemFalconwellàquelaaltura,não?Seosolarfossetomadoporpiratasoubandidos,issocertamenteafetariaovalordeseudote,não?Nãoque ela estivesse empolgada comaperspectivadeusar seudote. Aindaassim,eraumaquestãodeprincípios.
Aluzcintilounovamente.Nãopareciahavermuitosbandidosporlá,amenosquetivessemvindoequipadoscompoucasfontesdeiluminação.Pensandomelhor,era improvável que piratas ou bandidos estivessem planejando estabelecerresidênciaemFalconwell,comooceanoestandotãodistante.
Aindaassim,haviaalguém lá.Aquestãocontinuava sendoquem... E por quê.Mas havia uma coisa de que Penélope tinha certeza: filhas mais velhas de boacriaçãonãoinspecionavamluzesestranhasnomeiodanoite.Definitivamente,issoseria aventureirodemais.Seriamais... E isso foi o que a fez tomar a decisão, naverdade.Havia dito quequeriamais, e algomais estava acontecendo.O universotrabalhavademaneirasmaravilhosas,não?
Ela respirou fundo, endireitou os ombros e seguiu em frente, levada peloentusiasmo, na direção de um aglomerado de arbustos de azevinho na beira dolago,antesdepensarnaestupidezdesuasações.
Elaestavaaoarlivre,nomeiodanoite,nofriointenso,seguindonadireçãodeumnúmerodesconhecidodecriaturasnefastasequestionáveis.Eninguémsabiaonde ela estava. Subitamente, casar-se com Tommy não pareceu tão mau. Nãoquandoeramuitopossívelqueelaestivesseprestesaserassassinadaporpiratasdocampo.Ouviuobarulhodaneveporpertoeparouderepente,levantandoalanternaparaoaltoeespiandonaescuridãoparaalémdosarbustos,nadireçãodasárvoresondetinhavistoaluzantes.Agora,nãovianada.Nadaalémdenevecaindoeumasombraquepoderiafacilmenteseradeumursoraivoso.
“Que tolice”, sussurrou para si mesma, com o som da própria vozreconfortantenoescuro.“NãoháursosemSurrey.”
Ela não se convenceu, nem ficou por mais tempo para descobrir se aquelasombraescuraera,defato,umurso.Tinhacoisasafazeremcasa.Aprimeiradelas,aceitar o pedido de casamento de Tommy e então, passar algum tempo com seubordado.Porém,noexatoinstanteemqueeladecidiudarmeia-voltaeretornar,umhomemsurgiuatravésdasárvores,comumalanternanamão.
CapítuloTrêsCaroM,Umpresente!Queextravagante.Aescolacertamenteoestátransformandoem
umbelohomem.Noanopassado, vocêmedeuumpedaçomeiocomidodepãodemel.Ficareimuitoempolgadadeveroqueplanejou.
Suponhoque issoqueiradizerque terei igualmentedeencontrarumpresenteparavocê.
Atébreve,PSolarNeedham,novembrode1813
CaraP,Aquele era um excelente pão de mel. Devia ter desconfiado que você não
saberia reconhecer minimamente minha generosidade. O que aconteceu com aintençãoeoquantoelavale?
Serábomestaremcasa.Sinto faltadeSurrey.Edevocê,SeisCents (emboradoaadmitirisso).
MEtonCollege,novembrode1813
Fuja!
Apalavraecoouatravésdelacomosetivessesidoberradananoite,masaspernasde Penélope pareciam inCapazes de seguir o comando. Em vez disso, ela seagachou,escondendo-seatrásdosarbustosedesejandoardentementequeohomemnão a visse. Ouvindo seus passos sobre a neve próxima, ela seguiu ao longo dacercavivanadireçãodolago,preparando-separadispararparalongedelequandopisou na barra daCapa, perdeu o equilíbrio e caiu em cheio sobre o arbusto deazevinho.Queeracheiodeespinhos.
“Uf!”Estendeuumadasmãosparaevitar seenroscarnaplantadaninha,masacabousendoatingidaporumgalhoseco.Mordeuo lábioeparalisouquandoospassospararam.
Penélope prendeu a respiração. Talvez ele não a tivesse visto.Afinal, estavamuitoescuro.Seaomenoselanãoestivessesegurandoumalanterna.Elaatiroualuzdentrodoarbusto.Nãoajudou,umavezqueelafoiquasequeinstantaneamenteinundada por uma diferente fonte de luz. A dele... Que deu um passo em suadireção...Ela se jogouaindamaisparadentrodoarbusto, considerandoas folhasafiadaspreferíveisaovultosombrio.
“Olá.”Ele parou, mas não respondeu, e os dois permaneceram em um longo e
insuportávelsilêncio.OcoraçãodePenélopebatiaforte,aúnicapartedeseucorpoquepareciaselembrardecomosemover.Quandonãoconseguiusuportarmaisosilêncio, falou de onde estava, desequilibrada sobre um arbusto de azevinho,tentandoutilizarseutommaisfirme.
“Vocêestáinvadindoumapropriedadeparticular.”“Estou?”Paraumladrão,ele tinhaumavozboa.Saíado fundodeseupeito,
fazendo-apensarempenasdegansoeconhaquequente.Elasacudiuacabeçadiantedopensamento,evidentementeprodutodofrioquepregavapeçasemsuamente.
“Sim...Está.AcasaaolongeéoSolarFalconwell,propriedadedomarquêsdeBourne.”
Passou-seuminstante.“Impressionante...”,disseoinvasor,eelateveanítidasensaçãodequeelenão
estavanemumpoucoimpressionado.Ela tentou se levantar com altivez mas fracassou duas vezes. Na terceira
tentativa,passouasmãosnassaiasedisse:“É...bastanteimpressionante,epossolhegarantirqueomarquêsnãogostará
nadadesaberquevocêestá”–elaacenouamãocomaluvanoar–“fazendooquequerqueestejafazendo…emsuasterras.”
“Émesmo?”Oladrãopareceudespreocupado,baixandoa lanterna,deixandosuametadesuperiornasombraeseguindoemfrente.
“Sim.”Penélopeendireitouosombros.“Evoulhedarumconselho:nãoébombrincarcomele.”
“Parecequevocêeomarquêssãomuitopróximos.”Elalevantoualanternaecomeçouaseafastar.“Ah,sim.Somosbastantepróximos.Muitopróximos,inclusive.”Não era exatamente uma mentira. Os dois haviam sido próximos quando
usavamcalçascurtas.“Euachoquenão”, eledisse, comavozbaixae ameaçadora. “Na realidade,
não creio que o marquês esteja em qualquer lugar perto daqui. Não creio quequalquerpessoaestejapertodaqui.”
Elaparoudiantedaameaçanaspalavrasdele,comoumcervohesitandodiantedoavançodeumrifle,epensouemsuasalternativas.
“Eunãocorreriasefossevocê”,elecontinuou,lendosuamente.“Estáescuro,eaneveestáalta.Vocênãoiriamuitolongesem…”
Ele parou de falar, mas ela sabia o final da frase. Sem que ele a pegasse ematasse.Penélopefechouosolhos.Quandohaviaditoquequeriamais,nãoeraissooque estavaplanejando.Ela iamorrer ali, na neve, e seria encontrada apenasnaprimavera. Isso se seu cadáver não fosse levado embora por lobos famintos. Ela
precisavafazeralgumacoisa.Abriuosolhoseoencontroumuitomaisperto.“Patife!Nãoseaproximemais!Eu…”Elasedebateuembuscadeumaameaça
decente.“Euestouarmada!”Eleficouimpassível.“Pretendemesufocarcomsuapele?”“Osenhornãoéumcavalheiro.”“Ah...Finalmenteaverdade.”Eladeumaisumpassoparatrás.“Vouparacasa.”“Achoquenão,Penélope.”O coração dela parou diante do som de seu nome, e recomeçou a bater tão
fortenopeito,queela tevecertezadequeaquele…aquele…canalhaconseguiriaescutar.
“Comosabemeunome?”“Euseimuitascoisas...”“Quem é você?” Ela levantou a lanterna, como se assim pudesse espantar o
perigo,eeledeuumpassoparaoclarão.Ele não se parecia com um ladrão. Ele parecia… conhecido. Havia alguma
coisa lá,nosângulosbonitosenassombrasprofundase incômodas,asmaçãsdorosto marcadas, a linha reta dos lábios, o maxilar delineado – precisando serbarbeado.Sim,haviaalgumacoisaali–umpequenosinaldereconhecimento.Eleestavausandoumchapéulistradocobertodeneve,cujaabaescondiaseusolhos,eeleseramapeçaquefaltava.
Elajamaissaberiadeondeveiooinstinto–talvezdeumdesejodedescobriraidentidade do homem que poria fim a seus dias –, mas não conseguiu evitar deestenderamãoeafastarochapéudorostodeleparaverseusolhos.Apenasmaistardeocorreu-lhequeelenãotentouimpedi-la.
Seus olhos eram castanho-claros, um mosaico de marrons, verdes e cinzasemoldurados por cílios longos e escuros, salpicados de neve. Ela os teriareconhecidoemqualquer lugar,aindaqueestivessemmuitomaissériosagoradoqueelajamaisostinhavistoantes.Foitomadapelochoque,seguidodeumaintensacorrentedefelicidade.Nãoeraumladrão.
“Michael?” Ele ficou tenso ao som do próprio nome, mas ela não sepreocupouemimaginarporquê.
Estendeuapalmadamãocontrao rosto friodele–umgestoqueadeixariaencantadamaistarde–eriu,numsomabafadopelanevecaindoaoredor.
“Évocê,nãoé?”Ele levantou o braço, puxando amão dela de seu rosto. Não estava usando
luvas,mas,aindaassim,suamãoestavaquente.Enemumpoucopegajosa.Antes que ela pudesse impedi-lo, ele a puxou em sua direção, baixando o
Capuzde sua cabeça, expondo-a àneve e à luz.Porum longomomento, oolhardelepercorreuseurosto,eelaseesqueceudesentir-sedesconfortável.
“Vocêcresceu.”Elanãoconseguiuseconter.Riunovamente.“Évocê!Seumonstro!Vocêmeassustou.Fingiunãomeconhecer…Poronde
você…?Quandovocê…?”Ela sacudiu a cabeça, o sorriso abrindo em seu rosto.“Eunãoseinemporondecomeçar...”
Ela sorriuparaele,observando-oatentamente.Daúltimavezemqueo tinhavisto, ele era alguns centímetrosmais alto do que ela, um garoto desengonçado,com os braços e pernas compridos demais para o próprio corpo. Mas não eramais...EsseMichaeleraumhomem,altoemagro.Emuito,muitobonito.Elaaindanãoacreditavamuitobemquefosseele.
“Michael...”Ele olhou-a de frente, e ela foi tomada por uma onda de prazer como se o
olharfosseumtoquefísico,aquecendo-a,pegando-adesprevenidaantesdaabadochapéu cobrir os olhos dele mais uma vez e ela preencher o silêncio com suasprópriaspalavras.
“Oqueestáfazendoaqui?”Oslábiosdelinharetaperfeitadelenãosemoveram.Houveumalongapausa,
durante a qual ela foi consumida pelo calor dele. Pela felicidade de vê-lo. Nãoimportavaquefossetardeeestivesseescuroeelenãoparecessenemdepertotãofelizporvê-la.
“Porquevocêestáperambulandonaescuridão,nacaladadanoite,nomeiodonada?”
Eleevitousuapergunta,sim,masPenélopenãoseimportava.“Nãoéomeiodonada.Estamosamenosdeumquilômetrodasnossascasas.”“Vocêpoderiatersidoatacadaporumassaltante,ouumraptor,ou…”“Umpirata,ouumurso...Jápenseiemtodasasalternativas.”OMichaelqueelaconheceuumdiateriasorrido.Essenãosorriu.“NãoháursosemSurrey.”“Piratastambémseriamumasurpresa,nãoacha?”Nenhumaresposta.ElatentoudespertarovelhoMichael.Atraí-lo...“Euprefeririaumvelhoamigoaumpirataouumursoemqualquermomento,
Michael.”Aneveremexeusobospésdeleequandoelefalou,seutomdevozfoiáspero:“Bourne.”“Oque?”“MechamedeBourne.”Elafoitomadaporchoqueeconstrangimento.Eleeraummarquês,éverdade,
masela jamais imaginariaqueele seria tão firmeemrelaçãoaopróprio título…
eleseramamigosdeinfância,afinal.Elalimpouagarganta.“Éclaro,LordeBourne.”“Nãootítulo,apenasonome.Bourne.”Elaengoliuaprópriaconfusão.“Bourne?”Eleassentiulevementecomacabeça,demodoquaseimperceptível.“Vouperguntarmaisumavez.Porquevocêestáaqui?”Elanãopensouemignorarapergunta.“Visualanternaeviminvestigar.”“Vocêveio,nomeiodanoite,investigarumaluzestranhaentreàsárvoresde
umacasaqueestádesabitadahádezesseisanos.”“Sóestádesabitadahánoveanos.”Elefezumapausa.“Nãomelembrodevocêsertãoirritante.”“Entãonãoselembramuitobemdemim.Eueraumacriançairritante.”“Nãoera,não.Vocêeramuitoséria.”Elasorriu.“Então você se lembra... Você estava sempre tentando me fazer rir. Estou
simplesmentedevolvendoofavor.Estáfuncionando?”“Não.”Ela levantou a lanterna para o alto, e ele lhe permitiu tirá-lo das sombras,
lançando uma luz quente e dourada sobre seu rosto. O tempo havia feitomaravilhosamentebemaele,deixando-ocombraçosepernas longoseumrostoanguloso.Penélopesempreimaginouqueeleficariabonito,maseleestavamaisdoquebonitoagora…Eleestavalindo.Anãoserpelasombraquepermaneciaapesardobrilhodalanterna–algoperigosonoformatodeseumaxilar,natensãodesuatesta,nosolhosquepareciamteresquecidoaalegria,nos lábiosqueaparentavamterperdidoaCapacidadede sorrir.Ele tinhaumacovinhaquandocriança,que seexibia frequentemente e era quase sempre precursora de uma aventura. Elaprocurounabochechaesquerdaareentrânciareveladora.Nãoaencontrou.Defato,pormaisquePenélopeprocurassenaquelerostonovoeduro,nãopareciaencontrarogarotoqueumdiahaviaconhecido.Nãofossemosolhos,elanãoacreditariaquesetratavadele.
“Quetriste”,elasussurrouparasimesma.Eleescutou.“Oquê?”Elasacudiuacabeça,olhando-onosolhos,aúnicacoisafamiliarnele.“Elesefoi...”“Quem?”“Meuamigo.”
Elanãoachavaquefossepossível,masaexpressãodeleendureceuaindamais,tornando-semaisrígidaemaisperigosanassombras.Poruminstante,elapensouque talvez tivesse ido longe demais. Ele permaneceu imóvel, observando-a comaqueleolharsombrioquepareciavertudo.Todosseusinstintoslhediziamparairemborarapidamenteenãovoltarnuncamais.Aindaassim,elapermaneceu.
“PorquantotempoficaráemSurrey?”Elenãorespondeu.Eladeuumpassonadireçãodele,sabendoquenãodeveria.“Nãohánadadentrodacasa.”Eleaignoroueelacontinuou.“Ondevocêestádormindo?”Umasobrancelhanegramaliciosaseergueu.“Porquê?Estámeconvidandoparaasuacama?”As palavras a feriram com a grosseria deixando Penélope tensa, como se
tivesserecebidoumaagressãofísica.Elaesperouporuminstante,certadequeelesedesculparia.Silêncio.
“Vocêmudou...”“Talvezvocêdevesse se lembrardissodapróximavezquedecidir sair para
umaaventuranomeiodanoite.”ElenãoeranadaparecidocomoMichaelqueelaconhecia.Penélopedeumeia-
volta,seguindoparaaescuridão,emdireçãoaolocalondeficavaoSolarNeedham.Tinhaandadoapenasalgunsmetrosquandosevirounovamenteparaencará-lo.Elenãohaviasaídodolugar.
“Eutinhaficadorealmentefelizemvê-lo.”Elaseviroueseguiuemfrente,devoltaparacasa,sentindoofriopenetrarfundoemseusossos,antesdesevirar,semconseguirresistiraumafarpafinal.Algoparaferi-locomoeleahaviaferido.“EMichael?”
Ela não conseguia ver seus olhos,mas sabia que inegavelmente ele a estavaobservando.Ouvindo...
“Vocêestánasminhasterras.”Elasearrependeudaspalavrasnoinstanteemqueaspronunciou,produtode
frustração e irritação, permeadas por uma dose de provocação mais adequada auma criança maldosa do que a umamulher de 28 anos de idade. Arrependeu-sedelasaindamaisquandoeledisparouemsuadireção,comoumlobodanoite.
“Suasterras?”Aspalavrassaíramsombriaseameaçadoras.Elarecuouinstantaneamente.“S-sim.”Elajamaisdeveriatersaídodecasa.“Você e seu pai pensam em conseguir ummarido para você com asminhas
terras?”Elesabia.Elaignorouapontadadetristezaqueveiocomapercepçãodeque
eleestavaaliporFalconwell.Enãoporela.Elecontinuouseaproximando,maisemais perto, e Penélope ficou com a respiração presa na garganta enquanto seafastava, tentando manter o ritmo com os passos largos dele. Sem conseguir,sacudiuacabeça.Eladevianegaraspalavras,deviaapressar-sea reconfortá-loetranquilizar aquela imensa fera que a perseguia pela neve. Mas não negou... Elaestavacommuitaraiva.
“Nãosãosuas.Vocêasperdeueeujáconseguiummarido.”Elenãoprecisavasaberqueelanãohaviaaceitadoopedidodecasamento.
Elefezumapausa.“Vocêestácasada?”Ela sacudiu a cabeça, afastando-se rapidamente, aproveitando a oportunidade
paraaumentaradistânciaentreeles,enquantolançavasuaspalavrasaele.“Não,masestarei…muitoembreve.Enósviveremosmuitofelizesaqui,em
nossasterras.”Qualeraoproblemacomela?Aspalavrasforamditas,rápidaseimpetuosas,e
nãopodiamserretiradas.Eleavançounovamente,dessavez,totalmentefocado.“TodososhomensdeLondresqueremFalconwell,senãopelasterras,parase
exibiremparamim.”Seelasemovessemaisdepressa,cairiananeve,masvaliaatentativa,porque
sentia-sesubitamentemuitonervosasobreoqueaconteceriacasoeleaapanhasse.Elatropeçounumaraizdeárvoreescondida,caindodecostascomumgritinho,eela abriu os braços completamente, derrubando a lanterna, em uma atrapalhadatentativadesereequilibrar.Elechegouantesdelaàlanterna,comasmãosgrandesefortes segurando seus braços, pegando-a, levantando-a, pressionando suas costascontraumgrandecarvalhoe,antesqueelaconseguisseficarempénovamenteparafugir,prendendo-aentreotroncoeseusbraços.
Ogarotodequeela se lembravanãoexistiamaisenãoerapossívelbrincarcomohomemquetinhaassumidoseulugar.Eleestavamuitoperto.Pertodemais,inclinando-separa frente,baixandoo tomdevozaumsussurro,o soprode suaspalavras contra o arco do rosto de Penélope aumentando o nervosismo dela. Elanãorespirava,focadademaisnocalordele,noqueelediriaaseguir.
“Elessecasarãoinclusivecomumasolteironavelhaparaconsegui-las.”Ela o odiou naquele momento. Odiou as palavras, a forma como ele as
pronuncioucomtamanhacrueldade.Lágrimasameaçaramencherseusolhos.Não!Não! Ela não ia chorar! Não por aquele bruto que não tinha nada a ver com omeninoqueelaconheceuumdia.Omeninoqueelasonhouqueumdiairiavoltar.Nãodaquelamaneira.
Ela lançou-se contra ele mais uma vez, agora irritada, desesperada por selibertar.Eleeramuitomaisfortedoqueelaerecusava-seasoltá-la,pressionando-acontraocarvalho,inclinando-separafrenteatéestarperto–pertodemais.Elafoi
tomadapelomedo,seguidodarápidaeabençoadaraiva.“Solte-me.”Elenãosemoveu.Naverdade,porumlongomomento,Penélopepensouque
elenãoahaviaescutado.“Não.”A recusa foi sem qualquer emoção. Ela se debateu novamente, chutando,
batendo com uma bota na canela dele, com força suficiente para arrancar umresmungobastantesatisfatório.
“Diabos!”, ela gritou, sabendo que damas não praguejavam, e que elaprovavelmentepassariaumaeternidadenopurgatóriopela transgressão,massemsaberdequeoutraformapoderiasecomunicarcomaqueleestranhoembrutecido.“Oquevaifazer?Vaimedeixaraquinaneveparamorrerdefrio?”
“Não.”Arespostafoiditaemtombaixoesombrionoouvidodela,enquantoeleaseguravacomfacilidade.
Elanãodesistiu.“Vaimeraptar,então?PedirFalconwellcomoresgate?”“Não,emboraessanãosejauma ideia tão terrível.”Eleestava tãoperto,que
elaconseguiasentirseucheiro,bergamotaecedro,ePenélopefezumapausadiantedasensaçãodohálitodeleroçandoapeledeseurosto.“Mastenhoalgomuitopioremmente.”
Elaparalisou.Elenãoiriamatá-la.Afinal,osdoishaviamsidoamigosumdia,muitotempoatrás,antesdelesetornartãobonitocomoodiaboeduasvezesmaisfrio.Não...Elenãoiriamatá-la.Iria?
“O…oquê?”Eledeslizouapontadeumdedopelalongacolunadopescoçodela,deixando
umrastrodefogoemseucaminho.ArespiraçãodePenélopeprendeunagargantacomaqueletoque…umcalormaliciosoeumasensaçãoquaseinsuportável.
“Você tem asminhas terras, Penélope”, ele sussurrou em seu ouvido, comavoz baixa, clara e completamente perturbadora, aomesmo tempo emque a faziasentirespiraisdeansiedade,“eeuasquerodevolta.”
Ela nãodevia ter saídode casa naquela noite.Se sobrevivesse àquilo, jamaisdeixariaacasanovamente.Elasacudiuacabeça,comosolhosfechadosenquantoeleprovocavaocaosemseussentidos.
“Nãopossodá-lasavocê.”Ele passou a mão pelo braço dela em uma longa e deliciosa carícia,
segurando-lheopulsoemsuagarrafirmeequente.“Não,maseupossopegá-las.”Elaarregalouosolhos,pretosnaescuridão.“Oqueissoquerdizer?”“Querdizer,minhaquerida”–aternuraerairônica–“queiremosnoscasar.”
Elafoidominadapelochoquequandoelealevantou,atirou-asobreoombroeseguiuparaomeiodasárvores,nadireçãodoSolarFalconwell.
CaroM,Nãopossoacreditarquenãotenhamecontadoquefoinomeadopresidenteda
turma e que eu tenha ficado sabendo disso por sua mãe (que está de fato muitoorgulhosa).Estouchocadaeestarrecidaquenãotenhadivididoissocomigo…enemumpoucoimpressionadaquetenhaconseguidonãocontarvantagemarespeito.
Deve haver muitas coisas que não tenha me contado sobre a escola. Estouesperando.
Semprepaciente,PSolarNeedham,fevereirode1814
CaraP,Infelizmente, creio que ser presidente da turma não seja um grande título
quandoseestánoprimeiroano.AindaestousujeitoaosCaprichosdosgarotosmaisvelhosquandonãoestamosemaula.Nãotema–quandofornomeadopresidentedaturmanoanoquevem,ireicontarvantagemdesavergonhadamente.
Há,sim,muitascoisasacontar…masnãoparagarotas.M
EtonCollege,fevereirode1814Bourne tinha imaginado meia dúzia de cenários que terminavam com ele
atraindo Penélope para longe do pai e da família e se casando com ela pararecuperar suas terras.Haviapensadoemsedução, coerçãoe atémesmo– emumcasoextremo–emrapto.Masnenhumdessescenáriosenvolviaumamulhercomumaquedaporperigoepouquíssimobomsensocobertadeneve,aproximando-sedelenofriointensodeumamadrugadademeiodejaneiroemSurrey.Elalhehaviaeconomizadobastantetrabalho.Evidentementequeseriaerradodeleolharosdentesdaquelecavalodado.Então,elealevou.
“Seubruto!”Ele se encolheu enquanto ela dava socos em seus ombros, com as pernas
agitando-se no ar, a posição desajeitada sendo a única coisa que o impedia deperderpartesimportantesdesuaanatomiaparaumúnicochutebemcolocado.
“Ponha-menochão!”Eleaignorou,segurandosuaspernascomumdosbraços,virando-aparacima
atéelagritareagarrarapartedetrásdocasacodele,embuscadeequilíbrio,eseajeitando novamente em seu ombro, sentindo algum prazer ao ouvir umresmungado “Uf!”, quando o ombro dele encontrou a maciez de sua barriga.Pareciaqueadamanãoestavacontentecomosrumosdesuanoite.
“Você tem algum problema de audição?”, ela disse suavemente, ou o mais
suavedoquealguémconseguiaparecer,atiradaporcimadoombrodeumhomem.Ele não respondeu.Nãoprecisava...Ela estava preenchendoo silênciomuito
bemcomseusresmungos.“Eujamaisdeveriatersaídodecasa…Deussabequeseeusoubessequevocê
estaria aqui, teria trancado as portas e janelas e mandado chamar a polícia… Epensar…Queeuhaviaficadorealmentefelizemvê-lo!”
Elahaviaficadofelizemvê-lo,dandoumsorrisocomoumraiodesolecomumaempolgaçãopalpável.Ele impediu a simesmode pensar sobre a últimavezquealguémhaviaficadotãofelizemvê-lo.Dequestionar-sesealguém,algumdia,haviaficadotãofelizemvê-lo.AlguémquenãofossePenélope.Eletinharemovidoa felicidade dela com frieza, eficiência e habilidade, esperando que ela ficasseintimidadaouenfraquecidacomisso.Eelafalou,deformasuaveesimples,aquelaspalavrasecoandoatravésdolago,pontuadaspelanevequecaía,osanguecorrendonosouvidosdeleouvidos,eacortanteconstataçãodaverdade:
Vocêestánasminhasterras.Nãosãosuas.Vocêasperdeu.Nãohavianenhumafraquezanaquelamulher.Elaerafortecomoaço.Comumpunhadodepalavras,elaohavialembradodequeelaeraoúltimoelementoentreeleeaúnicacoisaqueelehavia desejado durante toda sua vida adulta.Da única coisa que lhe servia comoobjetivo:Falconwell.Asterrasdeondeelevinha,eseupaiantesdele,eopaideseupai,pormuitasgeraçõesparacontar.Asterrasqueeleperdeueprometeurecuperar,aqualquercusto.
Mesmocomumcasamento.“Vocênãopodesimplesmentemecarregarcomo…como…umaovelha!”Eleparoudecaminharporumafraçãodesegundo.“Umaovelha?”Elafezumapausa,evidentementerepensandoacomparação.“Fazendeirosnãocarregamovelhassobreosombros?”“Jamaisvialgoparecido,masvocêmorounocampomais tempodoqueeu,
então…sedizqueeuaestoutratandocomoumaovelha,queseja.”“Éevidentequevocênãoseimportaqueeumesintamaltratada.”“Seservedeconsolo,nãoplanejotosquiarvocê.”“Nãoservedeconsoloalgum,naverdade”,eladissesarcasticamente.“Voulhe
dizer mais uma vez! Ponha-me. No. Chão!” Ela se remexeu outra vez, quase sesoltandodasgarrasdele,chegandoumdospésperigosamentepertodeatingir-lheumaporçãovaliosadaanatomia.
Eleresmungoueaapertoumais.“Pare com isso.” Ele levantou uma das mãos e lhe deu um tapa, firme, no
traseiro.Elaficouretesadacomogesto.“Vocênão…Eunão…Vocêbateuemmim!”
EleabriuaportadosfundosdacozinhadeFalconwellea levouparadentro.Depositandoalanternasobreumamesapróxima,elelargouPenélopenocentrodoambienteescuro.
“Vocêestáusandomeiadúziadecamadasde roupaseumaCapade inverno.Estousurpresoquesequertenhasentidoalgumacoisa.”
OsolhosdePenélopeseencheramdefúria.“Aindaassim,umcavalheirojamaissonhariaem…em…”Ele a observou ter dificuldades para encontrar a palavra, e aproveitando seu
desconforto,enfimsugeriu:“Creioqueaexpressãoporqueestejaprocurandoseja‘darpalmadas’.”Elaarregalouosolhosdiantedapalavra.“Sim.Isso.Cavalheirosnão…”“Primeiro, pensei que já houvéssemos estabelecido que eu não sou um
cavalheiro.E souassimhámuito tempo.E segundo,você ficaria surpresacomoquecavalheirosfazem…eoqueasdamasapreciam.”
“Nãoestadama.Vocêmedeveumpedidodedesculpas.”“Sugiro que espere sentada.” Ele ouviu um pequeno arfar de indignação ao
percorrer a cozinha até o local onde havia deixado uma garrafa de uísque nocomeçodanoite.“Desejaumabebida?”
“Não,obrigada.”“Tãoeducada.”“Umdenósdeveser,nãoacha?”Ele se virou para encará-la, meio divertido, meio surpreso com sua língua
ferina.Elanãoeraalta,malchegavaaoombrodele,mas,naquelemomento,pareciaumaamazona.OCapuzdaCapahaviacaído,eseuscabelosestavamdesalinhados,caindosobreosombros,loiro-clarocintilandoàluzfraca.Elaestavacomoqueixoempinado,emumsinaluniversaldedesafio,osombrosestavamretesadoseretos,eopeitosubiaedesciacomraiva,inchandosobaCapa.Elapareciaestardispostaaprovocarmuitosdanosfísicosaele.
“Issoérapto.”Eletomouumlongogoledagarrafa,apreciandooolhardechoquedeladiante
daquele comportamento, enquanto passava as costas da mão sobre os lábios e aencarava.Permaneceuquieto,gostandodaformacomoseusilêncioadeixavatensa.Depoisdeumlongomomento,elaanunciou:
“Vocênãopodemeraptar!”“Comoeudisseláfora,nãotenhointençãoderaptá-la.”Eleseinclinouatéseu
rostoestarfrenteafrentecomodela.“Eupretendomecasarcomvocê,querida.”Elaoencarouduranteumlongomomento.“Vouembora.”“Nãovainão.”
“Nãoestouamarrada.Poderiairemborasetentasse.”“Amarrassãoparaamadores.”Eleserecostounoaparador.“Euaencorajoa
tentar.”Elalançouumolhardeincertezaparaeleantesdeencolherumombroeseguir
paraaporta.Elebloqueousuasaídaeelaparou.“Entendo que esteja fora da sociedade há algum tempo,mas você não pode
simplesmenteraptarseusvizinhos.”“Comojádisse,istonãoéumrapto.”“Bem,oquequerqueseja”,eladissecomirritação,“nãosefaz.”“Imaginei que você já teria percebido a essa altura que me importo muito
poucocomoquesefaz.”Elapensounaspalavrasdeleporuminstante.“Poisdeveria.”Havia uma familiaridade indistinta na forma como ela se postava,
completamenteereta,instruindo-oquantoaocomportamentoadequado.“Aíestáela.”“Quem?”“A Penélope da minha infância, tão preocupada com a decência. Você não
mudounada.”Elaergueuoqueixo.“Issonãoéverdade.”“Não?”“Deformaalguma.Estoumuitomudada.Totalmentediferente.”“Como?”“Eu…”,elacomeçou,entãoparou,eeleimaginouoqueestavaprestesadizer.
“Apenasestou.Agoradeixe-meir.”Elasemoveuparapassarporele.Comoelenãosemexeu,elaparou,semquerertocá-lo.
Umapena...Alembrançadocalordamãoenluvadanorostofriodelelheveioàmente.Aoquetudoindicava,seucomportamentoláforahaviasidoumareaçãodesurpresa.Edeprazer.Eleimaginouoquemaiselapoderiafazerinstintivamenteemresposta ao prazer. Uma imagem lhe surgiu – cabelos loiros espalhados sobrelençóis de seda escuros, olhos azul-claros acesos de surpresa, enquanto eleproporcionava à formal e decente Penélope uma prova de prazer sombrio eintoxicante. Ele quase a tinha beijado na escuridão. Havia começado como umaformadeintimidá-la,paradar inícioaosistemáticocomprometimentodaquietaemodestaPenélopeMarbury.Masnãopodianegarque,comosdoisaliparadosemsuacozinhadeserta,eleseperguntouqualseriaosabordela.Qualseriaasensaçãodarespiraçãodelasobreapeledele.Qualseriaasensaçãodocorpodelacontraoseu.Aoredordele...
“Issoéumatolice.”
Aspalavrasotrouxeramdevoltaaopresente.“Temcertezadequenãoquerumabebida?”Penélopearregalouosolhos.“Eu…não!”Eratãofácilfrustrá-la.Semprefoi.“Aindaéeducadooferecerbebidasaconvidados,nãoé?”“Nãouísque!Ecertamentenãodiretodagarrafa!”“Suponhoque tenha feitoconfusão, então.Talvezvocêpossame lembrardo
queeudeveriaoferecerameusconvidadosemumasituaçãosemelhante.”Elaabriuabocaeafechouemseguida.“Nãosei,considerandoquenãotenhoohábitodeserraptadanomeiodanoite
e levada para casas de campo vazias.” Ela apertou os lábios em uma linha retairritada.“Eugostariadevoltarparacasa.Paraacama.”
“Issopodeserresolvidosemquevocêprecisevoltarparacasa,sabe.”Elafezumbarulhinhodefrustração.“Michael…”Eleodiavaonomenoslábiosdela.Não,nãoodiava.“Bourne.”Elaoencarou.“Bourne…vocêjámarcousuaposição.”Elecontinuouemsilêncio,curioso,eelaprosseguiu:“Compreendoquetenhasidoumadecisãoruimsairperambulandonobosque
nomeiodanoite.Entendoagoraquepoderiatersidoatacada.Ouraptada.Oupior,eestoupreparadaparaadmitirquevocêmeensinouumaliçãonecessária.”
“Quegraciosodasuaparte.”Elaseguiuemfrente,comoseelenãotivessefalado,tentandocontorná-lo.Ele
se mexeu para bloquear sua saída. Penélope parou e o encarou, os olhos azuisfaiscandocomoqueeleimaginousetratardefrustração.
“Tambémestoupreparadapara ignorarofatodequevocêcometeuumagafeséria de etiqueta ao me transportar, fisicamente, de um local público para outroabsolutamenteinadequado…totalmenteprivado.”
“Enãoseesqueçadequetambémlhedeiumapalmada.”“Issotambém.Absoluta…completamente…maisdoqueinadequado.”“Adequaçãonãoparecetê-lalevadomuitolonge.”Ela paralisou, e ele soube imediatamente que havia tocado em um ponto
delicado.Algumacoisadesagradávelqueimoudentrodele.Eleresistiu.Podiaestarplanejandocasar-secomela,masnãoestavaplanejandoseimportarcomela.
“Infelizmente,tenhoplanosparavocê,Penélope,evocênãovaialugaralgumestanoite.”Eleestendeuagarrafadeuísqueparaelaedisse,seriamente:“Tomeum
gole.Vaiacalmá-laatéamanhã”.“Oqueaconteceráamanhã?”“Amanhã,nósnoscasamos.”
CapítuloQuatroPenélope estendeu o braço e pegou o uísque, arrancando-o damão deMichael epensando, por um instante, em bebermuito, pois certamente não haviamomentomelhordoqueaqueleparacomeçaruma“vidadebebedeira”.
“Eunãomecasareicomvocê!”“Lamento,mascreioquejásejafatoconsumado.”Aindignaçãoferveu.“Certamentenãoéfatoconsumado!”Elalevouagarrafaaopeitoecomeçoua
empurrá-lo tentandochegaratéaporta.Comoelenãosemexeu,elaparou,aummilímetrodedistância,roçandoaCapanele.Elaoencaroudiretamentenosolhoscastanhos sérios, recusando-se a ceder a seu desejo ridículo. “Afaste-se, LordeBourne.Vouvoltarparacasa.Vocêéumlouco.”
Umairritantesobrancelhaescuraselevantou.“Quetom”,eleironizou.“Creioquenãoestejacomvontadedememexer.Terá
deencontraroutrocaminho.”“Nãomefaçafazeralgodequeeupossamearrepender.”“Porquesearrepender?”Elelevantouamão,eumúnicodedoquenteergueuo
queixodela.“PobrePenélope”,eledisse,“comtantomedodecorrerriscos.”PobrePenélope.Oolhardelaseestreitou,odiandooqueeleacabavadedizer.“Nãotenhomedodecorrerriscos.Nemtenhomedodevocê.”Umasobrancelhaescuraarqueou-se.“Não?”“Não.”Ele se inclinou para frente, paramais perto. Perto demais... Perto o bastante
para envolvê-la no perfume de bergamota e cedro. Perto o bastante para elaperceberqueosolhosdelehaviamficadocomumencantadortomdemarrom.
“Prove.”Avozdeleerabaixaerouca,provocandoumarrepionaespinhadePenélope.
Elechegoumaispertoainda,obastanteparatocá-laeocalordocorpoaquecê-lano ambiente gelado –, e os dedos de sua mão deslizaram no ar até sua nuca,mantendo-aimóvel,enquantopairavaacimadela,ameaçador.Promissor...Comoseadesejasse.Comosetivesseidobuscá-la.Oque,claro,nãoeraocaso.SenãofosseporFalconwell,elenãoestariaalieeramelhorqueelaselembrassedisso.Elenãoaqueriamaisdoqueosoutroshomensdesuavida.Eleeraexatamentecomotodososoutros.Eissonãoera justo.MasPenélopenãopermitiriaqueele lhe tirasse aúnica escolha que tinha. Levantou as mãos, agarrando firmemente a garrafa deuísque com a esquerda, e o empurrou com toda a força – não o suficiente para
moverumhomemdotamanhodele,maselacontavacomoelementosurpresaaseufavor.
Elecambaleouparatrás,eelaseapressouapassarporele,quasechegandoatéaportadacozinhaantesdeelesereequilibrareviratrásdela,segurando-acomum:“Ah,não,senhora!”,girando-adefrenteparaele.Afrustraçãotomoucontadela.
“Solte-me!”“Nãoposso”,eledisseapenas.“Euprecisodevocê.”“PorFalconwell.”Elenãorespondeu.Nãoprecisava.Penéloperespiroufundo.
Eleaestavacomprometendo.ComoseelesestivessemnaIdadedasTrevaseelanãofossenadaalémdeumbem.Comosenãovalessenadaalémdasterrasvinculadasàsuamãoemcasamento.
Penélope fez uma pausa diante desse pensamento e foi dominada peladecepção.Eleerapiordoqueosoutros.
“Bem, que pena para você”, ela disse, “uma vez que minha mão já foiprometidaaoutro.”
“Nãodepoisdestanoite”,eledisse.“Ninguémirásecasarcomvocêdepoisdeterpassadoanoitesozinhacomigo.”
Aquelaserampalavrasquedeveriamestarcarregadasdeameaça.Ouperigo...Emvezdisso, forampronunciadas comoum simples fato.Ele era o pior tipodeimoraleareputaçãodelaestariadestruídanodiaseguinte.Eletinhatiradoaescolhadela,assimcomoseupaihaviafeitomaiscedo,naquelamesmanoite.EoduquedeLeighton,todosaquelesanosantes.Elaestavaencurraladaporumhomemumavezmais.
“Vocêoama?”Aperguntainterrompeusuafúriacrescente.“Perdão?”“Seunoivo...Vocêestámuitoapaixonadaporele?”As palavras estavam sendo pronunciadas ironicamente, como se amor e
Penélopefossemumacombinaçãoridícula.“Vocêestáexultantedefelicidade?”“Issotemimportância?”Elaosurpreendeu.Penélopepôdeveremseusolhos,antesqueelecruzasseos
braçoseerguesseumasobrancelha.“Nemumpouco.”Umarajadadeventogeladoatravessouacozinha,ePenélopeapertouaCapa
ao seu redor.Michael percebeu e resmungou baixinho – Penny imaginou que aspalavrasqueeleusounãoerameducadas.Elecuidadosamenteretirouosobretudo,depoisopaletó,dobrando-oseoscolocandonabeiradadalongapia,antesdeolharpara agrandemesade carvalho localizadanocentrodoambiente.Amesa estavasemumadaspernasetinhaummachadoenterradonotampomarcado.Eladeveria
tersesurpreendidocomapeçademobíliamutilada,mashaviamuitopoucacoisanormal naquela noite. E antes que pudesse pensar no que dizer, ele agarrou omachadoesevirounadireçãodela,comorostotransformadoemumamontoadodeângulos,àluzdolampião.
“Afaste-se.”Aqueleeraumhomemqueesperavaseratendidoeelenãoaguardouparaver
seelaobedeciasuaorientaçãoantesde levantaromachadobemacimadacabeça.Ela se encostou, tão surpresa, no canto do ambiente escuro, que não conseguiudeixar deobservá-lo, enquanto ele atacava amesa com fúria.Ele tinha um corpomuitobonito.Comoumagloriosaestátuaromana,elapodiavertodososmúsculosfortesdelineadospeloimpecáveltecidodacamisaquandoelelevantouaferramentaacima da cabeça.Asmãos deslizando resolutamente ao longo do cabo, os dedosagarrando-ocomforçaenquantoelebaixavaalâminadeaçosobreavelhapeçadecarvalho com um golpe poderoso, fazendo um estilhaço demadeira sair voandopelacozinhaepararemcimadofogãosemusohaviatantotempo.
Eleestendeuamãodededoslongilíneossobreamesa,agarrandoomachadomais uma vez, arrancando a lâmina da madeira. Virou a cabeça ao recuar,certificando-sedequeelaestavaforadocaminhodequaisquerprojéteispotenciais–ummovimentoqueelanãopôdedeixardeconsiderar reconfortante–, antesdeconfrontaromóveledarogolpeseguintecomumarremessopoderoso.Alâminaatingiuocarvalho,masamesasemantevefirme.Elesacudiuacabeçaearrancouomachadoumavezmais,dessa,porém,mirandoumadaspernasrestantesdamesa.
Bam!OsolhosdePenélopearregalaram-sequandoaluzdalanternailuminouaformacomoascalçasdelãapertaramascoxasdele.Elanãodeverianotar…nãodeveriaprestar atenção a tão evidente…masculinidade.Mas elanunca tinhavistopernas como as dele. Bam! Nunca imaginou que elas poderiam ser tão…irresistíveis.Bam! Não podia evitar. Bam! O golpe final acabou com a madeiradespedaçando,apernatorcendosobaforçadoimensotampoentortado,comumadas pontas caindo ao chão, enquanto Michael atirava o machado de lado paraagarrar apernacomasmãosnuasearrancá-lado lugar.Ele sevirounovamentepara Penélope, batendo com uma das pontas da perna damesa na palma damãoesquerda.
“Sucesso”,anunciou.Comoseelaestivesseesperandoqualquercoisamenosdoqueaquilo.Comose
eletivesseaceitadoqualquercoisamenosdoqueaquilo.“Muitobem”,eladisse,nafaltadealgomelhor.Elelevantouamadeirasobreoombrolargo.“VocênãoaproveitouaoportunidadeparaesCapar.”Elacongelou.“Não.Nãoaproveitei.”Emboranãosoubessedizerporquê.
Elecaminhouparacolocaropédamesadentrodapiaecuidadosamentepegouo paletó, sacudiu quaisquer possíveis amarrotados e o vestiu. Ela observouenquanto ele vestia os ombros com as roupas excepcionalmente bem-feitas,realçandoasformasperfeitas–formasqueelanãomaisdavacomocertas,agoraquetinhavistopistasdoHomemVitruvianoporbaixodotecido.Não.Elasacudiuacabeça. Não pensaria nele como um Leonardo. Ele já era um personagemintimidantedemais.Sacudiuacabeça.
“Nãomecasareicomvocê!”Ele endireitou os punhos da camisa, abotoou o paletó cuidadosamente e
espanouumpoucodeumidadedasmangasdocasaco.“Issonãoestáemdiscussão.”Elatentouracionalizar.“Vocêdariaumpéssimomarido.”“Nuncadissequeseriaumbommarido.”“Entãomecondenariaaumavidadecasamentoinfeliz?”“Sefornecessário...Emborasuainfelicidadenãosejameualvodireto,seserve
deconsolo.”Ela piscou. Ele estava falando sério. Aquela conversa estava realmente
acontecendo.“Eissodeveriafazercomqueeumerendesseàsuacorte?”Eleencolheuumombrodemododespreocupado.“Eunãomeenganoaopensarqueoobjetivodocasamentosejaafelicidadede
uma ou de ambas as partes envolvidas. Meu plano é devolver as terras deFalconwellaseusolare,infelizmenteparavocê,issoexigenossocasamento.Nãosereiumbommarido,mastambémnãotenhoomenor interesseemmantê-lasobmeucomando.”
Penélope ficou boquiaberta diante da sua sinceridade. Ele sequer fingiugentileza,interesse,preocupação...Elafechouaboca.
“Entendo.”Elecontinuou.“Vocêpodefazerouteroquequiser,quandoquiser.Tenhodinheirosuficiente
paravocêdesperdiçar fazendooquequerqueasmulheresdoseu tipogostemdefazer.”
“Mulheresdomeutipo?”“Solteironascomsonhosdeteralgomais.”Oarsaiudoambientecomumsopro.Quedescriçãoterrível,desagradávele
completamente...adequada.Umasolteironacomsonhosdeteralgomais.Eracomoseeleestivesseemsuasaladeestarmaiscedonaquelanoite, evistoopedidodecasamento deTommy enchê-la de decepção.Comesperanças de algomais.Algodiferente.Bem...aquilocertamenteeradiferente.
Eleestendeuobraçonadireçãodela,acariciandoseurostocomumdedo,eelarecuoudotoque.
“Não.”“Vocêvaisecasarcomigo,Penélope.”Elaatirouacabeçaparatrás,paralongedoalcancedele,semquererqueelea
tocasse.“Porquemecasaria?”“Porque, querida” – ele inclinou-se para frente, a voz soando como uma
promessasombria,enquantoelepercorriaopescoçoeapeleacimadovestidocomo dedo quente, aumentando seus batimentos cardíacos e deixando sua respiraçãomuito rápida – “ninguém jamais acreditará que eu não a tenha comprometidototalmente.”
Eleagarrouabordadovestidoe,comumpuxão,rasgou-oemdois,juntocoma camisa, deixando-a nua até a cintura. Ela engasgou, largando a garrafa paralevantarovestidoatéopeito,derramandouísquenafrentedaroupaatéochão.
“Seu…seu…”“Não tenha pressa, querida”, ele disse coma voz arrastada, dandoumpasso
atrásparaobservarsuaobra.“Possoesperarqueencontreapalavra.”Elaapertouosolhos.Nãoprecisavadeumapalavra.Precisavadeumchicote.
Fezaúnicacoisaqueconseguiupensaremfazer.Suamãovoouporcontaprópria,atingindo-ocomumforteestalo!–umsomqueteriasidoimensamentesatisfatóriose não a tivesse deixado sentindo-se tão completamente mortificada. Ele virou acabeça para trás como golpe, levando amãode imediato até o rosto, onde umamancha vermelha já estava começando a aparecer. Penélope voltou a andar paratrás,acaminhodaporta,comavoztrêmula.
“Eu jamais… jamais… irei me casar com alguém como você. Você seesqueceude tudooquefoi?De tudooquevocêpoderia tersido?Parece tersidocriadoporlobos.”
Entãoelasevirouefezoquedeveriaterfeitonoinstanteemqueoviudandoavoltanacasa.Elacorreu.Abrindoaportacomforça,mergulhounaneveàfrente,seguindo cegamente na direção do Solar Needham, percorrendo apenas algunsmetros antes dele segurá-la por trás com um braço de aço e levantá-lacompletamentedochão.Foisóentãoquegritou.
“Solte-me!Seumonstro!Socorro!”Elaochutou,atingindodiretamenteacaneladelecomocalcanhardabota,e
elexingoufuriosamenteemseuouvido.“Parederesistir,suaharpia.”Nãonaquelavida.Elaredobrouosesforços.“Socorro!Alguémajude!”“Não há alma viva em mais de um quilômetro, e ninguém acordado além
disso.” As palavras a incitaram ainda mais, e ele grunhiu quando o cotovelo dePenélopeopegounolado,assimqueambosretornaramparaacozinha.
“Ponha-meno chão!”, ela gritou, omais alto que conseguiu, diretamente noouvidodele.
Elevirouacabeçaecontinuoucaminhando,pegandoalanternaeapernaquehaviaarrancadodamesaaoatravessaracozinha.
“Não.”Elasedebateumais,maseleaseguravacommuitaforça.“Comopretendefazerisso?”,elaperguntou.“Pretendeviolentar-meaqui,em
suacasavazia,edevolver-meaomeupaicomareputaçãoligeiramentearruinada?”Osdoisseguiramporumlongocorredor,comumladocobertoporripasde
madeiraquemarcavamopatamardeumaescadaparacriados.Elaestendeuobraçoe agarrou uma das ripas com toda a força possível. Ele parou de caminhar,esperandoqueelasoltasseamadeira.Quandofalou,haviaimensapaciênciaemseutomdevoz.
“Eu não violentomulheres.Aomenos não sem elasme pedirem commuitagentileza.”
Adeclaraçãoafezpensar.Claroqueelenãoaviolentaria.Eleprovavelmentenãohaviapensadonela,emnenhummomento,comoalgomaisdoqueasimplesecorretaPenélope,aúnicacoisaentreeleeoretornodeseudireitoderesgataroqueeradele.Elanãosabiaaocertoseissomelhoravaoupioravaasituação.Masaquilofezseucoraçãodoer.Elenãoseimportavacomela.Nãoadesejava.Sequerpensavanelaobastanteparafingiressascoisas.Parafingirinteresseouparatentar seduzi-la. Ele a estava usando por Falconwell.ETommynão estava? Era claro que sim.Tommyahaviaencaradoprofundamente,masnãotinhavistooazuldeseusolhos,esimoazuldocéudeSurreyacimadeFalconwell.Certamente,viaaamiga,masnão era por isso que havia pedido sua mão em casamento. Pelo menosMichaelestavasendosincero.
“Estaéamelhorofertaquevocêiráreceber,Penélope”,eledissebaixinho,eelaouviuatensãoemsuavoz,aurgência.
Averdade.Penélopesoltouaparede.“Vocêmereceareputaçãoquetem,sabia?”“Sim...Mereço.Eestanãoénemdeperto apior coisaque fiz.Vocêprecisa
saberdisso.”Aquelaspalavrasdeviamtersidoarrogantes,oupelomenossememoção.Mas
não... Foram sinceras. E havia alguma coisa nelas, que apareceu e desapareceu,algumacoisaqueelanãotevecertezadeterescutado.Algumacoisaqueelanãosepermitiriareconhecer.Maselasoltouocorrimão,eeleacolocounochãováriosdegraus acima dele.Ela estava realmente levando aquilo em consideração. Como
umalouca.Estava realmente imaginando como seria casar-se comaquele novo eestranho Michael. Só que ela não conseguia imaginar, ou sequer começar aconceberoqueseriacasar-secomumhomemquebaixavaummachadosobreumamesadecozinhasempensarduasvezesecarregavamulheresgritandoparadentrodecasasabandonadas.Quenãoseriaumcasamentonormaldasociedade, issoeracerto.Elaoencarou,diretamente,graçasaodegraunoqualeleahaviadepositado.
“Seeumecasarcomvocê,estareiarruinada.”“Ogrande segredo da sociedade é que a ruína não é nemde perto tão ruim
como fazem parecer. Você terá todas as liberdades que vêm com uma reputaçãoarruinada.Eelassãoconsideráveis.”
Eledeviasaber.Sacudiuacabeça.“Não se trata apenas demim,minhas irmãs também ficarão arruinadas.Elas
jamaisencontrarãobonspartidossenoscasarmos.Todaasociedadeirápensarqueelassãotão…facilmenteescandalizadas…comoeufui.”
“Assuasirmãsnãosãoproblemameu.”“Massãoproblemameu.”Elelevantouumasobrancelha.“Temcertezadequeestáemcondiçõesdefazerexigências?”Ela não estava. De modo algum. Mas seguiu em frente mesmo assim,
endireitandoosombros.“Você se esquece que nenhum vigário daGrã-Bretanha nos casará se eume
negaraisso.”“Você acha que eu não iria espalhar por toda Londres que a arruinei
completamenteestanoite,casovocêfizesseisso?”“Sei.”“Pois está errada. A história que eu inventaria faria a mais experiente das
prostitutascorar.”Foi Penélope quem corou, mas ela se recusou a ficar intimidada. Respirou
fundoejogousuacartamaisalta.“Não duvido disso, mas ao me arruinar, estaria também arruinando suas
chancescomFalconwell.”Eleparalisou.Penélopeficoucomarespiraçãosuspensadeexcitaçãoenquanto
esperavapelarespostadele.“Digaseupreço.”Elavenceu!Elavenceu!Elaqueriacomemorarosucesso,aderrotaquehavia
imposto àquela imensa e insensível fera, mas mantinha alguma noção deautopreservação.
“Estanoitenãodeveafetarasreputaçõesdasminhasirmãs.”Michaelassentiucomacabeça.“Temaminhapalavraquantoaisso.”
Elaapertouotecidorasgadodovestidonospunhoscerrados.“Apalavradeumnotóriocanalha?”Elesubiuumdegrau,aproximando-se, juntando-seaelanaescuridão.Ela se
obrigouapermanecerimóvelquandoelefalou,avozaomesmotempoperigosaepromissora.
“Háhonraentreladrões,Penélope.Duasvezesmaisparajogadores.”Elaengoliuemseco,comaproximidadeoprimindosuacoragem.“Eu…eunãosounemumacoisanemoutra.”“Tolice”,elesussurrou,eelaimaginouserCapazdesentiroslábiosdeleem
sua têmpora. “Você parece ser uma jogadora nata. Apenas precisa de algumainstrução.”
Sem dúvida ele poderia ensinar a elamais do que ela jamais imaginou. Elaafastou o pensamento – e as imagens que o acompanharam – quando eleacrescentou:
“Entãotemosumacordo?”O triunfo havia desaparecido, perseguido pela apreensão. Ela desejou que
pudesseverosolhosdele.“Eutenhoescolha?”“Não.” Nenhuma emoção na palavra. Nenhum sinal de lamento ou culpa.
Apenasasinceridadefria.Ele estendeuamãoa elaumavezmais, e acenoucoma largapalmaaberta.
Hades, oferecendo sementes de romã. Se ela aceitasse, tudomudaria.Tudo ficariadiferente.Nãohaveriacomovoltaratrás,aindaque,emalgumlugardesuamente,elasoubessequenãotinhavolta,dequalquermaneira.
Segurandoovestido, ela aceitou amãodele.Ele a levouescada acima, comsualanterna,oúnicorefúgiodaescuridãoabsolutaalémdeles,ePenélopenãopôdedeixardeseagarraraele.Desejouque tivesseacoragemdesoltá-lo,desegui-loporcontaprópria,mashaviaalgumacoisanocaminhardele–algomisteriosoesombrio que não tinha nada a ver com a luz – que fazia com que ela nãoconseguisseseobrigarasoltá-lo.Elesevirouparatrásaopédaescada,osolhosàsombradaluzdevela.
“Aindatemmedodoescuro?”Areferênciaàinfânciadosdoisadesconcertou.“Eraumburacoderaposa.Podiahaverqualquercoisaláembaixo.”Elecomeçouasubirosdegraus.“Porexemplo?”“Umaraposa,talvez?”“Nãohaviaraposasnaqueleburaco.”Ele havia checado antes. Aquele havia sido o único motivo pelo qual ela
permitiuqueeleaconvencesseaentrarlá.
“Bem…algumaoutracoisa,então.Umurso,talvez.”“Outalvezvocêtivessemedodoescuro.”“Talvez...Masnãotenhomais.”“Não?”“Euestavadoladodefora,noescuroestanoite,nãoestava?”Osdoisviraramemumcorredorcomprido.“Estavamesmo.”Eleentãosoltouamãodela,quenãogostoudaformacomo
sentiu falta do toque, enquanto ele girava amaçaneta de uma porta próxima e aabria comum longo e sinistro rangido.Ele faloubaixo em seuouvido. “Precisodizer,Penélope,queemborasejadesnecessáriotemeroescuro,temrazãodetemerascoisasquecrescemnele.”
Penélope apertou os olhos na direção da escuridão, tentando desvendar oquartoalémdaporta,sentindoonervosismocrescerdentrodela.Ficouparadanaentrada, com a respiração rápida e curta.Coisas que crescem no escuro… comoele...Elepassouporela lentamente,nummovimentoaomesmotempocomoumacaríciaeumaameaça.Eelesussurrou:
“Você blefa muito mal.” As palavras mal foram audíveis, e a sensação darespiraçãodelenapeledelaneutralizouoinsulto.
A luz da lanterna cintilou nas paredes do quarto pequeno e desconhecido,lançando um brilho dourado sobre o revestimento que um dia haviam sidoelegantes,emum tomrosaencantadoreagoraestavam tristementedesbotados.Oquartotinhatamanhoparaquemalcoubessemosdois,comumalareiradominandoumadasparedes,diantedaqualduas janelinhasdavamparaascopasdasárvores.Michaelabaixou-separafazerfogo,ePenélopefoiatéas janelas,observandoumpedaçodeluzdoluaratravessarapaisagemnevada.
“Quequartoéeste?Nãomelembrodele.”“Você provavelmente nunca teve chance de conhecê-lo. Era o gabinete da
minhamãe.”Penélopeteveumalembrançadamarquesa,altaelinda,comumsorrisoamplo
e acolhedor e olhos gentis. Claro que aquele quarto, quieto e sereno, havia sidodela.
“Michael”,Penélopevirou-sedefrenteparaele,queestavaagachadopertodochão, diante da lareira,montando um leito de palha e gravetos. “Eu nunca tive achancede…”,elaprocuroupelaspalavrascorretas.
Eleainterrompeuantesqueasencontrasse.“Nãoénecessário.Oqueaconteceu,aconteceu.”Afriezanotomdevozdelepareciaerrada.Estranha.“Aindaassim…euescrevi.Nãoseisevocêalgumdia…”“Possivelmente.” Ele continuava meio dentro da lareira. Penélope ouviu o
barulhodoacendedor.“Muitagenteescreveu.”
Aspalavras nãodeveriam ter ferido,mas feriram.Ela havia ficado arrasadacomanotíciadasmortesdomarquês edamarquesadeBourne.Aocontráriodeseuspais,quepareciamterpoucomaisdoqueumacivilidadetranquilaentreeles,os pais de Michael pareciam gostar profundamente um do outro, do filho, dePenélope... Quando ficou sabendo sobre o acidente com a carruagem, ela ficoutomadadetristeza,peloquehaviasidoperdido,peloquepoderiateracontecido.Elalhehaviaescritocartas,dúziasdelasaolongodeváriosanos,atéseupaiserecusaracontinuarpostando-as.Depoisdisso,elacontinuouescrevendo,esperandoqueele,de alguma forma, soubesse que ela estava pensando nele. Que ele sempre teriaamigosemFalconwell…emSurrey…nãoimportandooquantoelepudesseestarsesentindosozinho.Elaimaginavaque,umdia,elevoltariaparacasa.Maselenãovoltou...Nunca...Porfim,Penélopeparoudeesperarporele.
“Sintomuito.”Afaíscareluziueapalhapegoufogo.Eleselevantou,virando-separaencará-
la.“Vocêterádeficarcomaluzdalareira.Sualanternaficounaneve.”Elaengoliuemsecosuatristeza,assentindocomacabeça.“Ficareibem.”“Nãodeixeestequarto.Acasaestámalconservada,eeunãomecaseicomvocê
ainda.”Elesevirouesaiudoquarto.
CapítuloCincoElaacordouàluzsuavedalareiracomonarizinsuportavelmentegeladoetodoorestanteincrivelmentequente.Desorientada,piscoudiversasvezes,olhandoparaoentorno desconhecido, antes das brasas brilhando na lareira e das paredes rosatrazerem claridade. Estava deitada de costas no ninho de cobertores que haviaarrumado antes de cair no sono, coberta com algo grande e quente que cheiravamaravilhosamente. Afundou o nariz gelado no tecido e inspirou fundo, tentandoidentificaroperfume–umamisturadebergamotaeflordetabaco.
Ela virou a cabeça.Michael. Primeiro o choque, então o pânico. Michaelestavadormindoaoladodela.Bem,nãoexatamenteaolado.Maisprecisamenteemfrenteaela.Masasensaçãoeradequeestavatodoaoseuredor.Eleestavaviradodelado,comacabeçasobreumbraçodobradoeooutroatiradoporcimadela,amão agarrada firme à lateral do seu corpo. Ela inspirou abruptamente quandopercebeu o quanto o braço dele estava perto de certas… partes dela… que nãodeveriam ser tocadas. Não que houvesse muitas partes dela livres a seremrazoavelmente tocadas,mas não era esse o ponto.O braço dele não era o únicoproblema.Eleestavabastanteencostadonela,opeito,obraço,aspernas…eoutraspartes também. Ela não conseguia decidir se devia sentir-se horrorizada ouabsolutamente emocionada.Asduas coisas?Eramelhor que ela não explorasse aquestãocommuitosdetalhes.Virou-separaele,tentandoevitarmovimentosousonsdesnecessários, e inCapaz de ignorar a sensação do braço dele acariciando suabarrigaemumritmoconstante,enquantoelagiravaembaixodele.Quandoficaramdefrente,expirou longaecuidadosamenteepensounospróximospassos.Afinal,nãoeratodososdiasqueelaacordavanosbraçosde–bem,embaixodobraçode–umcavalheiro.Elenãoeramaismuitocavalheiro,era?
Acordado,eleeraapenasângulosfortesetensão–osmúsculosdeseumaxilareram retesados como um arco, como se ele estivesse em um eterno estado deautocontrole.Mas,agora,dormindo,àluzdalareira,eleera…
Lindo.Osângulosaindaestavamali,definidoseperfeitos,comoseummestreescultorotivessecriado–acurvadomaxilar,ocortedoqueixo,onarizcompridoereto,acurvaperfeitadassobrancelhas,eaquelescílios,idênticosaosdequandoeleeramenino,incrivelmentelongosefartos,umacarícianegrasobreorostodele.E os lábios... Naquele momento, não estavam apertados em uma linha firme ecarrancuda, mas encantadores e cheios. Houve um tempo em que sorriam commuita facilidade,mas…haviam se tornado perigosos e tentadores de uma formaquenunca tinhamsidoquandoeleeragaroto.Elapercorreuopicoeosvalesdolábio superior com o olhar, imaginando quantas mulheres o haviam beijado.
Imaginandoqualseriaasensaçãodasuaboca–maciaoufirme,leveousombria.Elaexpirou...Atentaçãodeixandoarespiraçãolongaeprofunda.Queriatocá-
lo. Paralisou diante do pensamento, uma ideia tão estranha e ainda assim tãoverdadeira. Elanãodeveria querer tocá-lo. Ele era ummonstro. Frio, grosseiro,egoístaeabsolutamentesemnenhumarelaçãocomomeninoqueelaconheceuumdia.Comomaridoqueelahaviaimaginado.Seuspensamentosvoltaramparamaiscedo naquela noite, quando estava imaginando seu velho marido simples eentediante.
Não...Michael não era nada como aquele homem.Talvez fosse por isso quedesejassetocá-lo.Seuolharpairousobresuaboca.Talveznãoali,naqueleslábiostentadores e apavorantes… talvez ela desejasse tocar seus cabelos escuros eencaracoladoscomosempreforam,masdesprovidosdarebeldiajuvenil.Oscachosestavam comportados agora, mesmo ao roçarem nas orelhas dele e lhe caíremsobre a testa, mesmo enquanto se recuperavam de um dia de viagem, neve ecobertosporumchapéu.
Elessabiamquenãodeveriamserebelar.Sim.Elaqueriatocaroscabelosdele.Oscabelosdohomemcomquemiriasecasar.Amãodelaestavasemexendoporcontaprópria,acaminhodoscachosescuros.
“Michael”, ela sussurrou, quando as pontas dos dedos tocaram as mechassedosas,antesqueelapudessepensarmelhornasituação.
Eleabriuosolhosderepente,comoseestivesseesperandoqueelafalasse,emexeu-secomoumrelâmpago,segurandoseupulsocomamãoforte,deaço.Elaarfoucomomovimento.
“Perdão…eunãoqueria…”,elapuxouamãouma,duasvezes,eeleasoltou.Ele voltou a pousar o braço onde ele estava bastante inapropriadamente
atravessadoemsuabarriga,eomovimentoafezlembrardetodososlugaresemqueosdoisestavamsetocando–apernadeledistraidamentepressionadacontraasua, o olhar, ummosaico de cores que tão bem escondia seus pensamentos. Elaengoliu em seco, hesitou, e então disse a única coisa que conseguiu pensar emdizer:
“Vocêestánaminhacama.”Elenãorespondeu.Elacontinuou.“Nãoestá…”Elaprocurouapalavra.“Feito?”Osonodeixouavozdeleroucaesuave,eelanãoconseguiucontero
arrepiodeexcitaçãoquesentiudiantedapalavra.Ela assentiu uma vez com a cabeça. Ele deslizou o braço para longe dela,
muitolentamente,eelaignorouapontadadepesarquesentiuàperdadopesosobresuabarriga.
“Oqueestáfazendoaqui?”“Euestavadormindo.”
“Querodizer...porqueestánaminhacama?”“Nãoésuacama,Penélope.Éminha.”O silêncio voltou, e Penélope sentiu um arrepio de nervosismo na espinha.
Comoelaresponderiaàquilo?Nãoparecianemumpoucoadequadodiscutiracamadeleemdetalhes.Nemadela,aliás.
Ele virou de costas, desdobrando o braço que tinha estado sob seu rosto eespreguiçando-se,longaevoluptuosamente,antesdesevirardecostasparaela.Elatentoudormir.Deverdade, tentou.Respirou fundo, observando a forma comoosombrosdele faziamumacurva, esticandoo tecidoda camisa.Ela estava emumacama com um homem... Um homem que, embora fosse em breve se tornar seumarido, ainda não detinha o título. A situação deveria ser devastadoramenteescandalosa.Perversamenteexcitante.E,noentanto…não importavaoqueamãedela fosse pensar quando ficasse sabendo, a situação não parecia nem um poucoescandalosa.O que era umpouco decepcionante, na verdade. Parecia quemesmoquandoestavafrenteafrenteàperspectivadeaventura,elanãoconseguiafazerdojeitocerto.
Nãoimportavaoquantofosseescandalososeufuturomarido…elanãoeraotipo de mulher que o compelia ao escândalo. Isso havia ficado claro. Mesmonaquele momento, com os dois a sós em um solar abandonado, ela não era obastante para atrair a atenção de um cavalheiro. Ela expirou sonoramente, e elevirouacabeçaparaela,dando-lheavisãodeumaorelhadesenhadaàperfeição.Elajamaishaviareparadonaorelhadeninguémantes.
“Oquefoi?”,eledissebaixinho,comavozáspera.“Foi?”,elaperguntou.Elevoltouasedeitardecostas,puxandoocobertoredeixandoumdosbraços
delaexpostoaoarfriodoquarto.Quandoelerespondeu,estavaviradoparaoteto.“Conheço o bastante sobremulheres para saber que suspiros não são nunca
apenas suspiros. Eles indicam uma de duas coisas. Esse suspiro em particularrepresentadesprazerfeminino.”
“Não fico surpresa que você reconheça o som.” Penélope não conseguiuresistir.“Oqueooutroindica?”
Eleaencaroufixamentecomseuslindosolhoscastanhos.“Prazerfeminino.”Penélopesentiuorostoqueimareimaginouqueeletambémfossereconhecer
aquilofacilmente.“Ah.”Elevoltouaatençãoparaotetooutravez.“Poderiamedizeroquefoi,exatamente,queadeixouinsatisfeita?”Sacudiuacabeça.“Nada.”
“Estádesconfortável?”“Não.” Os cobertores embaixo dela lhe davam proteção suficiente contra o
estradodemadeira.“Estáassustada?”Elapensounapergunta.“Não.Deveriaestar?”Eleolhouparaela.“Eunãomachucomulheres.”“Oseulimiteéraptá-lasebaternelas?”“Vocêestámachucada?”“Não.”Eleseviroumaisumavez,encerrandoaconversa,eelaficouolhandoparaas
costas dele por um longo tempo antes de, quer por exaustão ou exasperação,disparar:
“É só que quando uma mulher é raptada e obrigada a concordar com umcasamento,elaesperaumpoucomaisde…excitação.Doque...isto.”
Ele se virou lentamente – irritado – para encará-la.O clima entre eles ficoutenso, e Penélope ficou consciente, de imediato, da posição dos dois, a poucoscentímetrosdedistânciaumdooutro,embaixodomesmocobertor–quevinhaaserosobretudodele,sobreumcatrequenteemumquartopequeno,emumacasavazia.E ela percebeu que talvez não devesse ter dado a entender que a noite nãoestavaemocionante.
Porquenãoestavanemumpoucoseguradeestarpreparadaparaqueanoitesetornassesequerumpoucomaisemocionante.
“Eunãoquisdizer…”,elaseapressouacorrigirasimesma.“Ah,achoquevocêsesaiumuitobemnoquequeriadizer.”Avozdeleestava
baixa e sombria, e de repente ela não estava tão segura de não estar commedo.“Nãosouexcitanteobastanteparavocê?”
“Não você…”, ela respondeu rapidamente. “Toda a…” Ela agitou a mão,levantandoosobretudoquandoachoumelhorencerraroassunto.“Nãoimporta.”
Oolhardeleestavafixonela,atentoeimpassível,e,emboraelenãotivessesemexido,pareciaterficadomaior,maisimponente.Comosetivessesugadomuitoardoquarto.
“Comopossotornarestanoitemaissatisfatóriaparavocê,minhadama?”A pergunta suave fez com que ela fosse tomada por uma explosão de
sentimentos…aformacomoapalavra–satisfatória–saiulânguidadesuabocafezo coração dela disparar e o estômago apertar. Parecia que a noite estava ficandomais excitantemuito depressa.E tudo estava indo rápido demais para o gosto dePenélope.
“Não há necessidade”, ela disse, em um tom assustadoramente agudo. “Está
ótimo.”“Ótimo?”Apalavrasaiudemodopreguiçosodele.“Muito emocionante.” Ela assentiu com a cabeça, levando uma mão à boca
para fingir umbocejo. “Tão emocionante, na realidade, queme encontro exaustaalémdosuportável.”Penélopefezmençãodesevirardecostasparaele.“Achoqueeudevodesejar-lheboanoite.”
“Achoquenão”, eledisse, aspalavras suaves soandoaltas comoum tironominúsculoespaçoentreeles.
Eentãoeleatocou...Agarrouseupulso,fazendo-avirar-sedefrenteparaele,paraencararseuolharresoluto.
“Eudetestariaqueanoiteadeixassetão…frustrada.”Frustrada. A palavra a atingiu profundamente no estômago, e Penélope
respirou fundo, tentando diminuir sua agitação. Não funcionou. Ele entãoprosseguiu,deslizandoamãodopulso,levando-aatéseusquadris.Nesseinstante,toda sua atenção estava focada naquele ponto, embaixo das saias, da anágua e daCapa,ondetinhacertezadeconseguirsentirocalorintensodagrandemãodele.Elenãofeznadaparaapertá-la,paratrazê-laparamaisperto,ouparamovê-ladeumamaneiraououtra.Elasabiaquepodiaseafastar…sabiaquedeviaseafastar…e,noentanto…Nãoqueria.Emvezdisso, ficoualiparada,na iminênciadealgonovo,diferente e absolutamente excitante. Ela olhou nos olhos dele, escuros à luz dalareira,e implorouemsilêncioqueele fizessealgumacoisa.Maselenãofez.Emvezdisso,disse:
“Jogueasuacarta,Penélope.”Ela ficou boquiaberta diante daquela declaração, com a forma como ele lhe
deupodersobreomomento,ePenélopeentãopercebeuquefoiaprimeiravezemtoda sua vida que um homem realmente lhe dava a oportunidade de fazer umaescolhaporsimesma.Nãoerairônicoquetivessesidoaquelehomem?Omesmohomemque havia tirado toda escolha dela em umperíodo de poucas horas.Masagora,aliestavaaliberdadesobreaqualelehaviafalado.Aaventuraqueelehaviaprometido. O poder era intoxicante, irresistível e... Perigoso. Mas ela não seimportava,porquefoiaquelepodermaliciosoemaravilhosoqueaimpulsionouafalar.
“Beije-me.”Maselejáestavasemexendo,oslábiosCapturandosuaspalavras.
CaroM,Está uma tristeza absoluta aqui – quente comoo inferno,mesmo nomeio da
noite. Tenho certeza de que sou a única acordada,mas quem consegue dormir nopiordoverãoemSurrey?Seestivesseaqui,estoucertadequeestaríamosfazendoalgumatravessuranolago.
Confessoquegostariadedarumacaminhada…masimaginoquesejaalgoquejovensmoçasnãodevemfazer,não?
Carinhosamente,PSolarNeedham,julhode1815
CaraP,Tolice. Se eu estivesse aí, estaria fazendo alguma travessura. Você estaria
enumerando todasas formascomopoderíamos logo serapanhadose repreendidospornossastransgressões.
Nãotenhoabsolutacertezasobreoquejovensmoçasdevemounãofazer,masseus segredos estão a salvo comigo, mesmo que sua tutora não aprove.Especialmenteporisso.
MEtonCollege,julhode1815
É importante dizer que Penélope Marbury tinha um segredo. Não era umgrandesegredo,nadaque fossederrubaroParlamentooudestronaro rei…nadaque fosse destruir sua família ou qualquer outra…mas era um segredo pessoalbastantedevastador–umsegredoqueelaseesforçavamuitoporesquecersemprequepossível.
Nãodeveria seruma surpresa,umavezque, até aquelanoite,Penélope tinhalevado uma vida-modelo – absolutamente decorosa. Sua infância de bomcomportamento tornou-se uma vida adulta de excelente comportamento-modelopara as irmãs mais novas, no que dizia respeito exatamente à maneira como seesperavaquejovensmoçasdeboacriaçãosecomportassem.
Assim,eraumaverdadeconstrangedorao fatodeque,apesardeela ter sidocortejada por um punhado de rapazes e inclusive ficado noiva de um dos maispoderosos homens da Inglaterra, que parecia não ter problema algum emdemonstrarsuapaixãoquandoestavacomele,PenélopeMarburyjamaishaviasidobeijada.Atéentão...Erarealmenteridículo.Elasabiadisso.Era1831,peloamordeDeus. Jovens damas estavam umedecendo suas anáguas e revelando a pele, e elasabia,por terquatro irmãs,quenãohavianadadeerradocomumcasto roçardelábios vez ou outra com um algum pretendente ávido. Só que nunca havia lheacontecidoantes,eaquilonãolheparecianemumpoucocasto.Aquilolhepareciaabsolutamentemaliciosoenemumpoucootipodebeijoqueumamoçarecebiadofuturo marido. Parecia algo que uma moça nem sequer discutia com o futuromarido.Michael recuouapenasumpouco,osuficienteparasussurrarcontraseuslábios:
“Paredepensar...”Comoelesabia?
Nãotinha importância.Oque importavaeraqueseria indelicadoignorarseupedido. Assim, ela entregou-se àquilo, àquela estranha e nova sensação de serbeijada,oslábiosdeledealgumaformaaomesmotempodurosemacios,osomdarespiração dele implacável em seu rosto. A ponta dos dedos dele acariciandodelicadamente,suavescomoumsussurro,aolongodopescoçodela,entortando-lheoqueixoparatermelhoracessoàboca.
“Muitomelhor...”Elaarfouquandoelerealinhouoslábiosaosdelaeadeixousemfôlegocom
umaúnicacarícia:chocante…maliciosa…maravilhosa...Aquiloeraalínguadele?Era…gloriosamenteacariciandoafendadeseuslábiosfechados,instando-osaseabrirem.Entãopareceuqueeleaestavaconsumindo,eelamaisdoquedispostaapermitir. Ele traçou um pequeno caminho de fogo pelo lábio inferior dela, ePenélope se perguntou se era possível alguémenlouquecer deprazer.Certamenteque nem todos os homens beijavam assim… de outra forma, as mulheres nãoconseguiriamfazernada.Elerecuou.
“Vocêestápensandodenovo.”Elaestava.Estavapensandoqueeleeramagnífico.“Nãoconsigoevitar.”Elasacudiuacabeça,indoaoencontrodele.“Entãonãoestoufazendoissocorretamente.”Ah, Deus. Se ele a beijasse mais corretamente do que aquilo, sua sanidade
estariaameaçada.Talvezjáestivesse.Ela verdadeira e sinceramente não se importava, desde que ele continuasse
comaquilo.Asmãosdelasemexeramporcontaprópria,subindo,acariciandooscabelos
dele,puxando-oparamaisperto,atéqueoslábiosdeleestivessemsobreosdeladenovo,edessavez…dessavezelasesoltou.Eretribuiuobeijo,deliciando-secomosomprofundoeroucoquesaíadofundodagargantadele–osomqueviajoudiretoao âmago de Penélope e lhe disse sem palavras que, apesar de toda sua falta deexperiência, elahavia feito algumacoisa certa.Asmãosdele começaramentão asubir...atéelapensarquepoderiamorrerseelenãoatocasse…lá,nacurvadoseio,deslizando commalícia para dentro do tecido que ele havia rasgado do vestido,paraeconomizarotrabalhodeseduzi-la.Nãoqueparecessecomoseelefosseterqualquerproblemacomisso.Eladeslizouamãopelobraçodeleatéempurrarsuamãonadireçãodelacommaisforça,maisfirmeza,suspirandoonomedeleemsuaboca.Eleseafastoucomosom,atirandoosobretudoparatrás,revelando-osparaaluzminguanteda lareira,empurrandoo tecidoparao lado,deixando-anuadiantedos seus olhos, retornando a mão ao corpo dela, acariciando, subindo até elaarquearemsuadireção.
“Estágostandodisso?”Elaouviuarespostanaquelapergunta.
Elesabiaqueelanuncahaviasentidonadatãopoderosonavida.Tãotentador.“Não deveria...” A mão dela voltou à dele, segurando-a no lugar, no corpo
dela.“Masestá...”Eledeuumbeijonapelemacianabasedopescoçodela,enquanto
seus dedos experientes encontravam o lugar em que ela ansiava pelo toque. Elaarfouonomedele.Eleraspouosdentesnolóbulomaciodeumadesuasorelhasatéelaestremeceremseusbraços.“Falecomigo.”
“É incrível”, ela disse, sem querer arruinar omomento, sem querer que eleparasse.
“Continuefalando”,elesussurrou,afastandootecidoenquantopressionavaoseioparacima,expondoumdosmamilosaoquartofrio.
Eleentãoaencarou,vendoobicodomamiloendurecercomoar,ouoolhardele, ou ambas as coisas, e Penélope de repente sentiu uma vergonha terrível,odiandosuasimperfeições,desejandoestaremqualquerlugarquenãoali,comele,aqueleexemplarperfeitodehomem.
Elasemexeuparapegarosobretudo,commedodequeeleavisse.Dequeeleajulgasse.Dequeelemudassedeideia.Elefoimaisrápido,segurandoospulsosdelanasmãos,contendoseumovimento.
“Não”,elerosnou,falandoalto.“Jamaisseescondademim.”“Nãopossoevitar.Eunãoquero…vocênãodeveriaolhar.”“Seachaqueevitareiolharparavocê,estálouca.”Entãoelesevirou,atirando
o sobretudo para trás, para longe do alcance dela, trabalhando rapidamente novestidodestruído,afastandoasbordasdesfiadas.
Eleaencarou,porumlongomomento,atéelanãosuportarmaisobservá-lo,pormedodequeelepudesse rejeitá-la.Porqueeraà rejeiçãoqueelaestavamaisacostumadaquandosetratavadosexooposto.Rejeição,recusaedesinteresse.Eelanãoachavaquepoderiasuportaressascoisasagora.Dele...Essanoite.Fechoubemosolhos,respirandofundo,preparando-separaeleseafastardiantedesuafaltadeatrativos. Suas imperfeições. Ela tinha certeza de que ele se afastaria.Quando oslábiosdeletocaramosseus,elapensouqueiriachorar.Eentãoeleabocanhouseuslábios em um longo beijo, acariciando-a profundamente, até que todos ospensamentos de vergonha foram espantados pelo desejo. Apenas quando elacomeçouaagarrá-lopelaslapelasdopaletóeleasoltoudacaríciadevastadora.Umdedomaliciosocircundouobicodoseiodelalentamente,comoseosdoistivessemtodo o tempo domundo, e ela observou omovimento,mal visível sob o brilhoalaranjadodofogoagonizante.Asensaçãodeprazerseacumulouali,nobicoduroearrepiado…eemoutroslugaresescandalosos.
“Está gostando disso?”, ele perguntou, com a voz baixa e rouca. Penélopemordeuolábioeassentiu.“Diga.”
“Sim… sim, está esplêndido.” Ela sabia que estava parecendo simplória e
poucosofisticada,masnãoconseguiaafastaroespantodavoz.Osdedosdelenãopararam.“Tudo deve ser esplêndido. Diga-me se algo não estiver, e eu tratarei de
corrigirasituação.”Ele beijou o pescoço dela, passando os dentes pela pelemacia. Então olhou
paraela.“Issotambémfoiesplêndido?”“Sim.”Ele a recompensou combeijos nopescoço, chupando-lhe a pele delicadado
ombro, lambendoacurvadeumseioantesdecircundarobicoduroeempinado,mordiscando-o e acariciando – o tempo todo evitando o lugar onde ela mais odesejava.
“Eu vou corrompê-la”, ele prometeu à pele dela, deslizando a mão pelabarriga,sentindocomoosmúsculosficavamtensoseestremeciamcomseutoque.“Você passará de luz à sombra, de boa a má. Vou arruinar você.” Ela não seimportava.Eradele.Eleapossuíanaquelemomento,comseutoque.“Evocêsabequalseráasensação?”
Elasuspirouapalavradessavez.“Esplêndida...”Maisdoqueisso.Maisdoqueelajamaisimaginou.Eleaencarounosolhose,
semdesviaroolhar,tomouobicodeumdosseiosemsuabocaquente,envolvendoa pele com a língua e os dentes, antes de sugar de modo luxuriante, fazendo-agemeronomedeleeafundarosdedosemseuscabelos.
“Michael…”, ela sussurrou, temendo quebrar o feitiço de prazer. Penélopefechouosolhos.
Elelevantouacabeça,eelaoodiouporparar.“Olheparamim.”Aspalavrasforamumaordem.Quandoelaoencarouuma
vezmais,amãodeledeslizouporbaixodotecidoamontoadodovestido,roçandoosdedosnospelos,eelafechouascoxascomumgritinhoapavorado.
Elenãopoderia…nãolá…Maseledevolveuaatençãoaseuseio,beijandoesugandoatésuasinibiçõesseperderem,eascoxasseabrirem,permitindoqueeledeslizasseos dedos entre elas, pousando suavemente contra suapele,mas sem semexer–umatentaçãomaliciosaemaravilhosa.Elaficoutensanovamente,masnãolherecusouoacessodessavez.
“Prometoquegostarádisso.Confieemmim.”Eladeuumarisada trêmulaquandoosdedosdelesemexeram,abrindomais
suaspernas,ganhandoacessoaoseuâmago.“Oleãodisseaocordeiro.”Ele passou a língua na pele macia na parte de baixo do seio dela antes de
voltar-se para o outro, dedicando a ele a mesma atenção, enquanto Penélope se
contorcia embaixo dele e sussurrava seu nome. A mão, maliciosa, separou suasdobras secretas com um dedo e a acariciou suave e gentilmente, até encontrar aentradaquenteemolhadadela.
Elelevantouacabeça,encarando-aenquantodeslizavaumdedocompridoparadentro do coração dela, fazendo-a sentir uma descarga de prazer inesperado portodo o corpo.Ele deu umbeijo na pele entre seus seios, repetindo omovimentocomodedoantesdesussurrar:
“Vocêjáestámolhadaparamim.Gloriosamentemolhada.”Foiimpossívelcontrolaroconstrangimento.“Sintomuito.”Ele a beijou longa e lentamente, deslizando a língua no fundo de sua boca,
enquantoodedoespelhavaogesto abaixo, antesde se afastar, encostar a testanadelaedizer:
“Isso quer dizer que vocême quer.Quer dizer que,mesmo depois de todosessesanos,depoisde tudooqueeu fiz,depoisde tudooqueeusou,posso fazervocêmequerer.”
Maistarde,elapensarianaquelaspalavrasedesejariaquetivesseditoalgumacoisaaele,masnãoconseguiu,nãoquandoeledeslizouumsegundodedojuntoaoprimeiro,fazendoummovimentocircularcomopolegarenquantosussurravaemseuouvido.
“Euvouexplorarvocê…descobrirseucaloresuamaciez,cadapedaçodoseuprazer.”Eleaacariciou,sentindoaformacomoelapulsavaaoseuredor,adorandoamaneiracomoelabalançavaosquadriscontraele,enquantoopolegarpercorriaum pequeno círculo em torno da túrgida saliência de prazer que ele haviadesvelado.“Vocêmefazsalivar.”
Ela arregalou os olhos diante da declaração,mas ele não lhe deu tempo depensararespeito,aomexernovamenteamão,levantandoseusquadriseabaixandoovestido, tirando-opelospéseadeixandocompletamentenua,postando-seentresuaspernas,abrindo-aslentamente,dizendoascoisasmaismaliciosasaodeslizarasmãosporsuapele.Eleaseguroupelosjoelhos,enquantoosafastava,dandobeijoslongos,suaveselascivosnapelemaciadaparteinternadesuascoxas,logoacimadasmeias.
“Naverdade…”– ele fez umapausa, girando a língua emumcírculo lento,estonteante–“…achoquenãoconsigopassarmaisuminstante…”–maisumavez,naoutracoxa–“…sem…”–umpoucomaisalto,maispertododesejo–“…prová-la.”
E então suaboca estavanela, a língua fazendo caríciasdemoradas, lambidaslentas, enroscando-se de maneira quase insuportável no lugar onde o prazer seacumulava,tensionavaeimploravaporserliberado.Eladeuumgrito,sentando-seantesdelelevantaracabeçaepressionarsuabarrigamaciacomumadasmãos.
“Deite-se… deixe-me prová-la. Deixe-me mostrar o quanto pode ser bom.Observe.Diga-medoquevocêgosta.Doqueprecisa.”
Eelaobedeceu...Enquantoelelambiaesugavacomsualínguaperfeitaeseuslábiosvoluptuosos,elasussurravaincentivos,aprendendooquequeria,mesmoqueaindanãotivessecertezadoresultadofinal.Mais,Michael…Suasmãosseguravamoscachosdele,segurando-opertodela.Denovo,Michael…Suascoxasseabrirammais,comdesejoedevassidão.Aí,Michael…Michael… Ele era seumundo.Nãohavianadaalémdaquelemomento.
E então os dedos dele se uniram à língua, e ela pensou que poderiamorrerenquanto ele pressionava com mais firmeza, friccionava mais deliberadamente,dando-lhe tudo o que ela nem sequer sabia pedir. Ela abriu os olhos de súbito,arfandoonomedele.Alínguasemoviamaisdepressa,circundandoopontoemqueelaprecisavadele,eelasemovimentava, totalmentedesinibida,perdidanoprazercrescente,rumoaoápice…querendoapenassaberoquevinhadepois.
“Porfavor,nãopare”,elasussurrou.Ele não parou. Com o nome dele nos lábios, ela se jogou completamente,
balançando contra ele, apertando-se nele, implorando por mais, enquanto ele apossuíacomalíngua,oslábioseosdedos,atéelaperderconsciênciadetudoalémdointensoebrilhanteprazerqueelelhedeu.Quandoelavoltoudoclímax,eleficoudandobeijoslongosedeliciososnaparteinternadesuascoxas,atéelasussurraronomedeleepegarseusmacioscachoscordemogno,querendoapenasficardeitadaaoladodeleporumahora…umdia…umavidainteira.
Ele parou diante do toque dela, enquanto seus dedos percorriam os cabelosdele, e os dois permaneceram assim por um bom tempo. Ela estava derretida deprazer,omundo todo reunidona sensaçãodoscachos sedososemsuasmãos,noraspardabarbadelenapelemaciadesuascoxas.
Michael.Ela ficouemsilêncio, esperandoqueele falasse,queeledissesseoque ela estava pensando… que a experiência havia sido verdadeiramenteextraordinária,eque,consideradaaquelanoite,ocasamentodosdois seriamuitomaisdoqueelejamaisimaginouquepudesseser.Tudoficariabem.Teriadeficar.Experiênciascomoaquelanãoaconteciamtodososdias.
Elefinalmentesemexeu,eelasentiuamávontadenomovimentoquandoelepuxouosobretudoparacobri-la,cercando-ocomseucheiroeseucalor,antesdevirar de lado e se levantar emumúnicomovimento fluido, pegando o paletó deondeeledeviatê-lodeixado,cuidadosamentedobrado,maiscedonaquelanoite.Eleentãoovestiu,rápidocomoumraio.
“Agora você está bem e verdadeiramente arruinada”, ele disse, falando comfrieza.
Elasesentou,segurandoosobretudoaoseuredorenquantoeleabriaaportaeseviravadecostas,osombroslargosdesaparecendonaescuridãoàfrentedele.
“Nãohámaisdiscussãoquantoaonossocasamento.”Ele então a deixou, fechando firmemente a porta atrás de si,marcando suas
palavras, deixando Penélope sentada sobre um monte de tecido, fitando a porta,seguradequeelevoltaria,dequeelanãoohaviaescutadodireito,dequeelanãohaviacompreendidooqueelequisdizer.
Que tudo ficaria bem. Depois de vários minutos, Penélope puxou o vestidocom os dedos trêmulos ao tocar o tecido rasgado. Ela se encolheu no catre,recusando-seapermitirqueaslágrimasrolassem.
CapítuloSeisCaroM,Talvez você pense que desde que voltou à escola, tenho vivido em constante
estadode ennui (percebaousodo francês),mas estaria totalmente equivocada.Aexcitaçãoéquaseavassaladora.
OtourosesoltoudopastodeLordeLangfordháduasnoites,eele(otouro,nãoovisconde)divertiu-sedestruindocercasefazendocontatoscomogadodaáreaatéserCapturadoestamanhãpeloSr.Bullworth.
Apostoquegostariadeestaraqui,não?Sempresua,P
SolarNeedham,setembrode1815
CaraP,Acreditei em você até a parte em que disse que Bullworth Capturou seu
homônimo. Agora, estou convencido de que está apenas tentando me atrair paracasacomsuashistóriasextravagantesdetentativadecriaçãopecuária.
Emboraeuestariamentindosedissessequenãoestavafuncionando.GostariadeterestadoaíparaveraexpressãonorostodeLangford.Eosorrisonoseu.
MPS–Ficofelizdeverquesuatutoraestejalheensinandoalgumacoisa.Trèsbon.
EtonCollege,setembrode1815
Odiamalhaviaamanhecido,quandoBourneparoudoladodeforadoquartoemquetinhaabandonadoPenélopenanoiteanterior.Ofrioeseuspensamentosuniramforças para não deixá-lo descansar. Ele andou de um lado para outro da casa,assombradopelaslembrançasdosambientesvazios,esperandoonascerdosolnodiaemqueeleveriaFalconwellvoltarparaasmãosdeseuproprietáriodedireito.
NãohaviadúvidasnamentedeBournedequeomarquêsdeNeedhameDolbyabdicaria de Falconwell. O homem não era nenhum tolo. Ele tinha três filhassolteiras, eo fatodequeamaisvelhahaviapassadoanoite comumhomememuma casa abandonada – oumelhor, comBourne em uma casa abandonada – nãoatrairiabonspretendentesàsdamasMarburydescasadas.
A solução seria um casamento rápido e, com essa união, a transferência deFalconwell.DeFalconwellePenélope...Umoutrotipodehomemsentiriaremorsodiante do papel infeliz que Penélope era obrigada a interpretar neste jogo, masBournesabiadascoisas.Elecertamenteestavausandoadama,masnãoeraassim
que o casamento funcionava?Não eram todas as relaçõesmatrimoniais baseadasjustamentenessapremissa–dobenefíciomútuo?Elateriaacessoaodinheirodele,à sua liberdadeeaqualqueroutracoisaquedesejasse,eeleganhariaFalconwell.Simplesassim!
Eles não seriam os primeiros, nem os últimos, a se casarem por algumasterras. A oferta a que ele havia lhe feito era extraordinária. Ele era rico e bem-relacionado,eestavalheoferecendoumaoportunidadedetrocarseufuturocomosolteironaporoutrocomomarquesa.Elapoderiatertudooquequisesseeeledariaa ela com prazer. Afinal, ela estava lhe dando a única coisa que ele realmentesempretinhadesejado.Querdizer,nãoexatamente.NinguémdavanadaaBourne.Eleestavatomandoasterras.
Tomando Penélope. Um sentimento próximo demais de emoção ou de seimportar passou por sua mente: grandes olhos azuis arregalados no rosto suavedela, ardendo de prazer e algo mais. Era por isso que ele a havia deixado,estrategicamente, demaneira fria e calculada, reafirmandoqueo casamento seriaumacordodenegócios.
Nãoporqueelequisesseficar...Ouporquetirarabocaeasmãosdecimadelahavia sido uma das coisasmais difíceis que ele jamais fez. Ou ainda porque eleficou tentadoa fazerexatamenteooposto–aafundar-senelaedeleitar-se;maciaonde mulheres deviam ser macias, e doce onde deviam ser doces. Não porqueaqueles pequenos suspiros que saíam do fundo de sua garganta, enquanto ele abeijava,fossemascoisasmaiseróticasqueeletinhaouvidonavida,ouporqueelativesseosabordainocência.
Eleseforçouaafastar-sedaporta.Nãohaviaporquebater.Eleestariadevoltaantesqueelaacordasse,prontoparalevá-laaovigáriomaispróximo,apresentaralicençaespecialpelaqualpagouumabelaquantia,ecasar-secomela.Então,elesretornariamaLondreseviveriamsuasvidasseparadas.
Respirou fundo, apreciando a pontada do ar frio da manhã nos pulmões,satisfeito com seu plano. Foi quando ela deu um grito de pavor, marcado pelobarulhodevidrosquebrados.Elereagiuporinstinto,destrancandoaportaequasearrancando-adasdobradiçaspara abri-la.Parou logodepois de entrar noquarto,comocoraçãodisparado.
Elaestavaparadailesa,empéaoladodajanelaquebrada,encostadanaparede,descalça, enrolada no sobretudo dele, que estava aberto e revelava o vestidorasgado,escancarado,exibindoumaboaextensãodepelecordepêssego.
Poruminstantefugaz,Bournefoidetidoporaquelapele,pelaformacomoumúnico cacho loiro a atravessava, atraindo a atenção para onde um encantadormamilo cor-de-rosa se exibia no quarto frio. Sentiu a boca secar e obrigou-se aolhar para o rosto dela, onde os olhos arregalados piscavam com choque edescrença, enquanto ela olhava para a grande janela de vidro ao seu lado, agora
semumavidraça,estilhaçadapor…Bum! Ele atravessou o quartominúsculo em segundos, protegendo-a com o
corpoeempurrando-aparaforadocômodoatéocorredor.“Fiqueaqui.”Elaassentiucomacabeça,ochoqueaparentementedeixando-amaisdispostaa
aquiescer do que ele esperava. Ele retornou ao quarto e à janela, mas antes quepudesse inspecionar os danos, um segundo tiro estilhaçou outra vidraça, errandoBourneporumadistânciaquenãoodeixounemumpoucoconfortável.Quediabo?Eleamaldiçoouumavez,baixinho,eencostou-secontraaparededoquarto,aoladodajanela.Alguémestavaatirandonele.Aquestãoera:quem?
“Tomecuidado…”Penélope enfiou a cabeçadevolta paradentrodoquarto, eBourne já estava
indonadireçãodela, lançando-lheumolharquehavia feito recuaropior serdosubmundolondrino.
“Saia.”Elanãosemexeu.“Nãoéseguroparavocêficaraqui.Vocêpode…”Outrotirosooudoladode
fora,interrompendo-o,eelesaltounadireçãodela,rezandoparaconseguirpegá-laantesqueumabalao fizesse.Ele se atirouemcimadePenélope,puxando-aparatrásdaporta,atéosdoisestaremencostadosnaparedeoposta.
Elesficaramimóveisduranteumlongotempo,antesdelaprosseguir,comaspalavrasabafadaspelocorpodele.
“Vocêpodeseferir!”Ela estava louca? Ele a agarrou pelos ombros, sem se importar que seu
temperamentonormalmentecontroladoaoextremoestivessecomeçandoaceder.“Mulher idiota!O que foi que eu disse?”Ele esperou que ela respondesse à
pergunta.Comonãorespondeu,elenãoconseguiuseconter.Sacudindo-aumavezpelosombros,repetiu:“Oquefoiqueeudisse?”.
Penélopearregalouosolhos.Ótimo.Eladeveriatemê-lo.“Responda-me, Penélope.” Ele ouviu o resmungo em sua voz mas não se
importou.“Você…” As palavras ficaram presas na garganta dela. “Você disse que eu
deveriaficaraqui.”“E você é de algum modo inCapaz de compreender uma orientação tão
simples?”Elaapertouosolhos.“Não.”Eleainsultavaemaisumavez,elenãoseimportava.“Fique...Aqui...Droga.”Bourneignorouaexpressãodemedodelaevoltouao
quarto,aproximando-selentamentedajanela.
Estava prestes a se arriscar a olhar para fora e tentar enxergar seu supostoassassino,quandoouviupalavrasvindasdebaixo.
“Vocêserende?”Render-se?TalvezPenélopetivesserazão.Talvezhouvessedefatopiratasem
Surrey. Ele não tevemuito tempo para pensar na questão, uma vez que Penélopegritou:
“Ah, pelo amor de Deus!”, ela veio do corredor e correu de volta para oquarto,segurandoocasacodeleaoredordocorpoeseguindodiretamenteparaajanela.
“Pare!”Bourneatirou-separaimpedirseuavanço,agarrando-apelacinturaepuxando-aparatrás.“Sechegarpertodaquelajanela,vouesbofetearvocê.Estámeouvindo?”
“Mas…”“Não.”“Éapenas…”“Não.”“Émeupai!”Aspalavrasopercorreram,permanecendoconfusaspormaistempodoqueele
gostariadeadmitir.Elanãopodiaestarcerta.“Vimporminhafilha,bandido!Eireiemboracomela!”“Comoelesabiaoquartoemquedeveriaatirar?”“Eu…euestavaparadadiantedajanela.”Eledevetervistoomovimento.Mais uma bala lançou estilhaços de vidro pelo quarto, e Bourne a apertou
contraele,protegendo-acomseucorpo.“Vocêachaqueeletemnoçãodequepoderiaatiraremvocê?”“Issonãopareceterocorridoaele.”Bournexingounovamente.“Elemerecelevarumabordoadanacabeçacomorifle.”“Creio que ele possa estar dominado pelo fato de que acertou o alvo. Três
vezes.Claro,considerandoqueoalvoeraumacasa,seriaatéumasurpresaseelenãooacertasse.”
Ela estava achando divertido? Não era possível. Outro tiro soou, e Bournesentiusuapaciênciachegaraofim.Foiapassoslargosatéajanela,semseimportarquepoderialevarumtironocaminho.
“Maldição,Needham!Vocêpoderiamatá-la!”OmarquêsdeNeedhameDolbynãoergueuoolhardeondeestavamirando
umsegundorifle,enquantoumlacaiorecarregavaoprimeiroaoseulado.“Eutambémpoderiamatarvocê.Gostodasminhaschances!”Penélopeapareceuatrásdele.“Seservedeconsolo,sinceramenteduvidoqueeleconseguissematá-lo.Eleé
umatiradorterrível.”Michaelaencarou.“Afaste-sedestajanela.Agora!”Porummilagredosmilagres,elaobedeceu.“Eu deveria saber que você viria atrás dela, seu bandido.Deveria saber que
fariaalgodignodesuapéssimareputação.”Bourneobrigou-seaparecercalmo.“Ora,vamos,Needham,issoéformadefalarcomseufuturogenro?”“Sobremeucadáver!”Afúriafezavozdooutrohomemfalhar.“Issopodeserarranjado”,Bournegritou.“Mande-aaquiparabaixoimediatamente.Elanãoirásecasarcomvocê.”“Depoisdanoitepassada,nãohámuitadúvidadequeirá,Needham.”Oriflefoilevantado,eBourneafastou-sedajanela,empurrandoPenélopede
voltaparaocanto,quandoabalaatravessououtravidraça.“Patife!”Elequeriavociferarcontraopaidelapela faltadecuidadoquedemonstrava
em relação à filha. Em vez disso, virou-se para a janela, forçou um tom dedesinteresseegritou:
“Euaencontrei.Ficareicomela.”Houve uma longa pausa, tão longa que Michael não conseguiu deixar de
levantaracabeçaeolharpelaesquadriaparaver seomarquês tinha idoembora.Não...Umabalahaviasealojadonaparedeexterna,avárioscentímetrosdacabeçadeMichael.
“VocênãoficarácomFalconwell,Bourne.Nemcomminhafilha!”“Bem,sereisincero,Needham…Jáfiqueicomsuafilha…”AspalavrasforaminterrompidaspeloberrodeNeedham.“Maldito!”Penélopearfou.“Vocênãoacaboudedizerameupaiqueficoucomigo.”Eledeveriaterprevistoessapossívelsituação.Deveriaterimaginadoquenão
seriatãosimples.Amanhãtodaestavasaindodecontrole,eBournenãogostavadeficarforadecontrole.Respiroufundoedevagar,tentandomanteracalma.
“Penélope,estamosencurraladosdentrodeumacasaenquantoseupaifuriosodisparadiversosriflescontraaminhacabeça.Imagineiquevocêmeperdoariaporfazeropossívelparagarantirqueambossobrevivamosaomomento.”
“Enossasreputações?Elastambémnãodeveriamsobreviver?”“Minha reputação já foi para o inferno”, ele disse, encostando-se contra a
parede.“Bem,aminhanão!”,elagritou.“Vocêperdeucompletamenteacabeça?”Ela
fezumapausa.“Eseuvocabulárioédetestável.”
“Você terá de se acostumar commeu vocabulário, querida.Quanto ao resto,quando nos casarmos, sua reputação irá igualmente para o inferno. Seu pai podemuitobemsaberdissoagoramesmo.”
Elenãoconseguiudeixardevirar-sedefrenteparaela,paraverdequeformaas palavras a afetavam… como a luz deixava seus olhos… como ela estavaparalisadacomoseeleativesseatingido.
“Vocêéhorrível”,eladissedeformadiretaesincera.Naqueleinstante,comelaolhandoparaeleefazendoaquelaacusaçãodeforma
tranquila,eleodiouasimesmoosuficienteporambos.Maseleeraummestreemesconderasemoções.
“Éoqueparece.”Aspalavrassaírampetulanteseforçadas.Aaversãodelaficouevidente.“Porquefazerisso?”Haviaapenasummotivo–apenasumacoisatinhaguiadoseusatos.Algoqueo
haviatransformadonaquelehomemfrioecalculista.“Falconwellétãoimportanteassim?”Doladodefora,fez-sesilêncio,ealgosombrioedesagradávelseinstalouna
bocadoestômagodele,umasensação familiardemais.Pornoveanos, ele fezdetudopara recuperar suas terras, restaurar suahistória,garantir seu futuro...Enãopretendiadesistiragora.
“É claro que sim”, ela disse, com uma risadinha autodepreciativa. “Sou ummeioparaumfim.”
Nashorasque sepassaramdesdequehavia tropeçadoemPenélopeno lago,eleatinhaouvidoirritada,surpresa,afrontadaeapaixonada…masnãoaviuassim.Elenãoaouviuresignada.Enãogostoudaquilo.Pelaprimeiravezemmuitotempo–noveanos–Bournesentiuanecessidadedesedesculparcomalguémquehaviausado.Elesesegurouparanãocederàinclinação.
Virouacabeçaparaela–nãoosuficienteparaencará-lanosolhos–apenasosuficienteparavê-lacomocantodoolho.Osuficienteparaveracabeçadelabaixa,asmãossegurandoosobretudodeleaoseuredor.
“Venhaaqui”,eledisse,eumapequenapartesuaficousurpresaquandoelafoi.Elaatravessouoquarto,eelefoiconsumidopelossonsdela–odeslizardas
saias, a batida suave de seus passos, a forma como sua respiração saía curta eirregular, marcando seu nervosismo e sua expectativa. Ela parou atrás dele,esperando,enquantoele imaginavaaspróximas jogadasemsuapartidadexadrezmental.Fugazmente,eleseperguntousedeveriadeixá-lair.Não.Oqueestavafeitoestavafeito.
“Case-secomigo,Penélope.”“Osimplesfatodedizerissonãomedáumaescolha,sabia?”Ele teve vontade de sorrir com a forma irritada como ela disse as palavras,
masnãoofez.Elaoobservouatentamenteporumlongotempo,eele–umhomemquehaviafeitoumafortunalendoaverdadenosrostosdaspessoasaoredor–nãosoubedizeroqueelaestavapensando.Porummomento,eleachouqueelapudesserecusá-lo,epreparou-separasuaresistência,catalogandoonúmerodesacerdotesquedeviamaeleeaoAnjoCaídoosuficienteparacasarumanoivacontrariada–preparando-separafazeroquefossenecessárioparagarantirsuamão.Seriamaisumatransgressãoaacrescentaràsuasemprecrescentelista.
“Você manterá a palavra de ontem à noite? Minhas irmãs permanecerãointocadasporestecasamento.”
Mesmoali,mesmoencarandoumavidainteiracomele,elapensavanasirmãs.Elaeraabsurdamenteboademaisparaele.Eleignorouopensamento.
“Eumantereiminhapalavra.”“Exijoumaprova.”Garota inteligente.Claroquenãohaviaqualquerprova e ela tinha razão em
duvidardele.Eleenfiouamãonobolsoeretirouumguinéudesgastadopelosnoveanosemqueohaviacarregadoeestendeuaela.
“Meuamuleto.”Elapegouamoeda.“Oquedevofazercomisso?”“Vocêmedevolvequandosuasirmãsestiveremcasadas.”“Umguinéu?”“TemsidosuficienteparahomensdetodaaGrã-Bretanha,querida.”Elalevantouassobrancelhas.“E dizem que os homens são o sexo mais inteligente.” Ela respirou fundo,
enfiandoamoedanobolso,fazendo-osentirfaltadopesodela.“Eumecasareicomvocê.”Eleassentiucomacabeçaumavez.“Eoseunoivo?”Elahesitou,olhandoporcimadoombrodeleenquantopensavanaspalavras.“Ele encontrará outra pessoa”, ela disse suavemente, com carinho. Carinho
demais.Nomesmo instante,Bourne sentiuuma raiva furiosadaquelehomemquenão a havia protegido, que a deixou sozinha no mundo e que tornou tudo fácildemaisparaBourneapareceretomá-la.
Houveummovimentonaportaporcimadoombrodele.OpaidePenélope.Needham evidentemente havia se cansado de esperar que eles saíssem da casa etinhadecidido ir buscá-los.Bourneusou isso comodeixaparamartelar o últimopregoemseucaixãomatrimonial,mesmosabendoquea estavausandoequeelanãomereciaaquilo.Quenãotinhaimportância.ElelevantouoqueixodePenélopeelhedeumaisumúnicobeijosuavenoslábios,tentandonãosentirquandoelasedeixou dominar pelo toque... quando deu um pequeno suspiro assim que ele
levantouumpoucoacabeça…Umrifleapareceunaporta,marcandoaspalavrasdomarquêsdeNeedhameDolby.
“Maldição,Penélope,olheoquevocêfezagora.”
CaroM,Meu pai acha que devemos parar de nos escrever. Ele tem certeza de que
“rapazes como ele” (querendo dizer você) não têm tempo para “cartas tolas” de“garotastolas”(querendodizereu).Eledizquevocêapenasmerespondeporquefoibem-criado e se sente obrigado a isso. Entendo que já tem quase 16 anos eprovavelmentetemcoisasmaisinteressantesafazerdoqueescreverparamim,maslembre-se:eunãotenhoessascoisasinteressantes.Tereideaceitarasuapiedade.
Tolamente,PPS–Elenãoestácerto,está?
SolarNeedham,janeirode1816
CaraP,OqueseupainãosabeéqueaúnicacoisaquequebraamonotoniadeLatim,
Shakespeareedaladainhasobreasresponsabilidadesquegarotoscomoeudeverãoter um dia naCâmara dos Lordes são cartas tolas demeninas tolas.De todas aspessoas, você deveria saber que fui muito malcriado e que raramente me sintoobrigadoaalgo.
MPS–Elenãoestácerto.
EtonCollege,janeirode1816“Seucanalha.”Bourne ergueu os olhos do uísque no pub e encontrou o olhar irritado do
futurosogro.Recostando-senacadeira,forçouumaexpressãovagamentedivertidaqueohaviaajudadoaselivrardeadversáriosmuitomaioresdoqueomarquêsdeNeedhameDolby,eacenouparaacadeiravaziadooutroladodamesadopub.
“Papai”,eleironizou,“porfavor,faça-mecompanhia.”Fazia horas que Bourne estava sentado em um canto escuro da taverna,
esperandoqueNeedhamchegassecomospapéisque lhedevolveriamFalconwell.Enquanto o fim de tarde virava noite, e o ambiente alegre se enchia de risos econversas,eleesperouansiosoporassinarospapéis,sonhandocomoqueviriaaseguir.Vingança...
Esforçando-setremendamenteparanãopensarnofatodequeestavanoivo,eaindamaisparanãopensarnamulherdequemestavanoivo–tãoséria,inocenteeotipoerradodeesposaparaele.Nãoqueelefizesseamínimaideiadotipocertodeesposaparaele.Issoerairrelevante.Elenãotinhaescolha.Aúnicaformapelaqualhavia uma chance com Falconwell era através de Penélope, o que a tornava
absolutamenteaesposacertaparaele.ENeedhamsabiadisso.O corpulento marquês sentou-se, chamando uma atendente com o aceno da
imensamão.Elafoiespertaobastanteparatrazerumcopoeumagarrafadeuísquecomela,deixando-osrapidamenteeencaminhando-separaumlocalmaisalegre–eamistoso.Needhamtomouumlongogoleebateuocoposobreamesadecarvalho.
“Seumiserável.Istoéchantagem.”Michaelfingiuumardetédio.“Tolice. Estou lhe pagandomuito bem. Estou tirando sua filhamais velha e
solteiradassuasmãos.”“Vocêafaráinfeliz.”“Provavelmente.”“Elanãoéforteobastanteparavocê.Vocêadestruirá.”Bourne conteve-se para não dizer que Penélope era mais forte do que a
maioriadasmulheresquehaviaconhecido.“Vocêdeveria ter levado issoemconsideraçãoantesdevinculá-laàsminhas
terras.” Bateu sobre a madeira marcada. “A escritura, Needham. Não tenho aintenção deme casar com a garota semo documento emminhasmãos.Quero-oagora.QueroospapéisassinadosantesquePenélopefiquediantedeumsacerdote.”
“Senão?”Bourne se virou na cadeira, esticando as botas e tirando-as de baixo mesa,
cruzandoumapernasobreaoutra.“Senão,Penélopenãoficarádiantedesacerdotealgum.”OolhardeNeedhamvoltou-serapidamenteparaele.“VocênãoseriaCapaz.Issoadestruiria.Àmãedela.Asuasirmãs...”“Entãosugiroquepenseseriamenteemseuspróximospassos.Faznoveanos,
Needham...Nove longosanosqueesperoporestemomento.PorFalconwell.Esepensaquepermitireiquefiquenocaminhoentremimearecuperaçãodessasterrasao marquesado, está redondamente enganado. Ocorre que sou muito amigo doeditor do jornalOEscândalo. Uma palavra minha, e ninguém da boa sociedadechegará perto das jovensMarbury.” Ele fez uma pausa e serviu-se de mais umabebida, permitindo que a fria ameaça pairasse entre os dois. “Vamos...Experimente...”
Needhamestreitouosolhos.“Entãoéassim?Vocêameaçatudooquetenho,comoobjetivodeconseguiro
quequer?”Bournesorriu.“Eujogoparaganhar.”“Irônico,quevocêsejafamosoporperder,não?”A farpa o atingiu de verdade. Não que Bourne fosse demonstrar e em vez
disso,manteve-se em silêncio, sabendoquenãohavia nada comoo silênciopara
abalarumadversário.Needhampreencheuovazio.“Vocêéumcretino!”Praguejando,eleenfiouamãodentrodocasacoeretirou
umpedaçodepapeldobrado.Bournesentiuumtriunfointoxicanteaolerodocumento.Apósocasamento,o
queocorrerianodiaseguinte,Falconwellseriadele.SeuúnicolamentoeraqueovigárioComptonnãotrabalhasseànoite.QuandoBourneguardouodocumentoasalvonoprópriobolso,imaginandopodersentiropesodaescrituracontraopeito,Needhamfalou:
“Nãoadmitireiqueasirmãsdelasejamarruinadasporisso.”Todossepreocupavamtantocomasirmãsdela.EPenélope?Bourneignoroua
questão e brincou com Needham – o homem que fez tanto esforço para manterFalconwellforadesuasmãos.Ergueuocopo.
“Ireime casar comPenélope eFalconwell seráminha amanhã.Diga-meporquedeveriapreocupar-meumpoucoquefossepelareputaçãodesuasoutrasfilhas?Elassãoproblemaseu,não?”Elebebeuorestodouísqueepôsocopovazioemcimadamesa.
Needhaminclinou-sesobreamesa,falandoenfaticamente:“Vocêéumcretino,eseupaificariaarrasadodesaberoquesetornou.”Bourne encarou rapidamente Needham nos olhos, observando, de modo
estranho,queomarquêsnão tivesseosmesmosolhosazuisdePenélope.Emvezdisso,seusolhoseramcastanho-escuroseestavamiluminadoscomumapercepçãoqueBourne conheciamuitobem– apercepçãodequehavia feridoo adversário.Bourne congelou, com uma lembrança espontânea do pai, parado no centro doimensosaguãodeFalconwell,decalçasecamisa,rindoparaofilho.Osmúsculosdeseumaxilarficaramtensos.
“Entãotemossortedequeeleestejamorto.”Needhampareceucompreenderqueestavaseaproximandoperigosamentede
umazonaproibida.Relaxoueafastou-sedamesa.“Ossegredosdeseunoivadojamaispodemserrevelados.Tenhooutrasduas
filhas que precisam se casar. Ninguém pode saber que Penélope foi para umcaçadordefortunas.”
“Eutenhootriplodoseupatrimônio,Needham.”OolhardeNeedhamficousombrio.“Nãotinhaopatrimônioquedesejava,tinha?”“Tenhoagora.”Bourneempurrouacadeiraparalongedamesa.“Nãoestáem
posição de fazer exigências. Se suas filhas sobreviverem à minha entrada nafamília,seráporqueeuconcordeiempermiti-loepornenhumoutromotivo.”
Needhamacompanhouomovimentocomoolhar,trincandoomaxilar.“Não!Seráporquetenhoaúnicacoisaquevocêdesejamaisdoqueasterras.”BourneolhouparaNeedhamporumlongomomento,aspalavrasecoandono
cantoescuroemqueelesestavam,antesdequeeleasdeixassedelado.“VocênãopodemedaraúnicacoisaqueeudesejomaisdoqueFalconwell.”“AruínadeLangford.”Vingança...Apalavraoatingiu,umsussurrodepromessa,eBourneinclinou-
separafrente,lentamente.“Estámentindo.”“Eudeveriadesafiá-lopelainsinuação.”“Nãoserámeuprimeiroduelo.”Eleesperou.ComoNeedhamnãomordeua
isca,disse:“Jápesquisei.NãohánadaCapazdedestruí-lo”.“Vocênãoprocurounoslugarescertos.”Precisavaserumamentira.“Vocêachaque,comomeualcance,comoalcancedoAnjoCaído,nãorevirei
LondresembuscadeumsoprodeescândalonapodridãodeLangford?”“Nemmesmoosarquivosdoseupreciosoantroteriamisso.”“Euseide tudooqueelefez, todosos lugaresondeesteve.Seimaissobrea
vidadosujeitodoqueelepróprio.Eestoulhedizendo,elemetiroutudooqueeutinhaepassouosúltimosnoveanosvivendoumavidaimaculadaforadasminhasterras.”
Needham enfiou a mão no casaco novamente e retirou outro documento,menordoqueoanterioremaisvelho.
“Issoaconteceuhámuitomaisdoquenoveanos.”Bourne estreitou os olhos para o papel, registrado como selo deLangford.
Olhou para o futuro sogro, sentindo o coração disparar no peito, algoassustadoramenteparecidocomesperança.Nãogostoudaformacomoseprendeuaosilêncioquepairouentreeles.Forçou-seaseacalmar.
“Pensaemmeatraircomalgumavelhacarta?”“Vocêquer esta carta,Bourne.Valeumadúziados seus famososarquivos.E
serásua,supondoquemantenhaosnomesdasminhasmeninasforadasuasujeira.”Omarquêsnuncafoihomemdeseconter.Elediziaexatamenteoquepensava,
semprequepensava–resultadodedeterosmaisveneráveistítulosdanobreza–,eBournenãoconseguiudeixardeadmirarohomemporsuafranqueza.Elesabiaoquequeriaeiaatrás.
O que o marquês não sabia era que sua filha mais velha havia negociadoexatamenteesses termosnanoiteanterior.Aqueledocumento,qualquerquefosse,nãoexigiriapagamentoadicional.
Mas Needham merecia sua própria punição – punição por ignorar ocomportamentodeLangford,todosaquelesanosantes.PuniçãoporusarFalconwellno mercado de casamentos. Punição que Bourne estava mais do que disposto aadministrar.
“Você é um tolo se pensa que concordarei sem saber o que há aí dentro.
Construíminhafortunacombaseemescândalo,roubandodebolsosdepecado.Eujulgareiseodocumentovalemeuesforço.”
Needhamabriuacartaeadepositoulentamenteemcimadamesa.Virou-adefrenteparaBourneesegurou-acomumdedo.Bournenãoseconteve.Inclinou-separafrentemaisdepressadoquegostaria,percorrendoapáginacomosolhos.BomDeus...Olhouparacima,encontrandooolharexperientedeNeedham.
“Issoéreal?”Omais velho assentiu duas vezes coma cabeça.Bourne releu o documento,
identificando a assinatura inconfundível de Langford na parte inferior do papel,emboraoaquilotivessetrintaanos.Vinteenove.
“Porquecompartilhariaisso?Porquedariaamim?”“Você não me deixa muita escolha.” Needham foi evasivo. “Eu gosto do
garoto…MantiveissoàmãoporquepenseiquePenélopeacabariasecasandocomele,eeleprecisariadeproteção.Agoraasminhasmeninasprecisamdessaproteçãoeumpaifazoquedevefazer.Certifique-sedequeareputaçãodePenélopenãosejamanchada por este casamento e que as outras sejammerecedoras de casamentosdecentes,eodocumentoéseu.”
Bournegirouocopoemumcírculolento,observandoporumlongotempoaformacomoovidroCapturavaaluzdevelasdopub,antesdeolhardenovoparaNeedham.
“Nãoesperareipeloscasamentosdasgarotas.”Needhamabaixouacabeça,subitamentegeneroso.“Noivadosserãosuficientes.”“Não.Ouvidizerquenoivadossãodefatoperigososquandosetratadassuas
filhas.”“Eudeveriairemboraagoramesmo”,Needhamameaçou.“Mas não irá. Somos estranhos companheiros, você e eu.”Bourne sentou-se
novamente na cadeira, saboreando a vitória. “Quero as outras filhas na cidade omais depressa possível. Tratarei para que elas sejam cortejadas. Elas não serãomaculadaspelocasamentodairmã.”
“Cortejadas por homens decentes”, Needham qualificou. “Ninguém commetadedopatrimônioempenhadonoAnjoCaído.”
“Leve-as para a cidade. Percebo que não estou mais disposto a esperar porminhavingança.”
Needhamestreitouosolhos.“Ireimearrependerdecasá-lacomvocê.”Bourneempurrouabebidaparatrásevirouocopodecabeçaparabaixosobre
amesademadeira.“Quepena,então,quenãotenhaescolha.”
CapítuloSeteCaroM,Acabeidemedespedireentreiimediatamenteparaescrever.Não tenho nada a dizer, na realidade, nada que todas as outras pessoas de
Surreyjánãotenhamdito.Parecetolodizer“Sintomuito”,nãoparece?Éclaroquetodossentemmuito.Éhorríveloqueaconteceu.
No entanto, não sinto muito apenas por sua perda; sinto muito que nãotenhamosconseguidoconversarenquantovocêesteveaqui.Sintomuitoqueeunãotenha podido comparecer ao funeral… é uma regra estúpida, e eu gostaria de ternascidohomemparapoderterestadolá(pretendoterumaconversacomovigárioCompton a respeito dessa idiotice). Sinto muito que não tenha podido ser… umaamigamelhor.
Estou aqui, agora, na página, onde garotas são aceitas. Por favor, escrevaquandotivertempo.Ouvontade.
Suaamiga,PSolarNeedham,abrilde1816
Semresposta
Certamente nunca houve um trajeto de carruagem mais longo do que aquele –quatrohorasintermináveisemortaisdeSurreyaLondres.Penélopeprefeririaestarpresa em uma carruagem de correio com Olivia e uma coleção de revistasfemininas.
Lançou umolhar através do interior amplo e escuro domeio de transporte,observando o recém-marido, recostado em seu assento, as pernas compridasestendidas, os olhos fechados, absolutamente imóvel, e tentou acalmar ospensamentos tumultuados, que pareciam estar focados em um punhado de coisasinquietantesdeformaextraordinária.Istoé:
Ela estava casada. O que levava a... Ela era a marquesa de Bourne. O queexplicavaporquê...ElaestavaviajandoemummeiodetransporteabarrotadocomseusbenselogoestariaemLondres,ondeelaviveria,comseunovomarido.Oqueatraziaaofatodeque...Michaeleraseunovomarido.Oquesignificavaque...Elateria sua noite de núpcias com Michael. Talvez ele a beijasse novamente. Ele atocassenovamente...Mais...
Era possível imaginar que ele teria de fazer isso, não? Se os dois estavamcasados,eraoquemaridoseesposasfaziam,afinal.Elatinhaesperança.Oh,Deus.
A ideia foi o que bastou para que ela desejasse ter coragem de abrir a porta dacarruagemeseatirarparaforadoveículo.Eleshaviamsecasadocomtantarapidezeeficiência,queelamalserecordavadacerimônia–malselembravadeprometeramar,confortar,honrareobedecer,oqueprovavelmenteeramelhor,umavezqueapartedoamornapromessaerameioqueumamentira.
Elehaviasecasadocomelaporsuasterrasenadamais.EnãoimportavaqueeleahouvessetocadoeafeitosentircoisasqueelajamaisimaginouqueumcorpofosseCapazdesentir.Nofim,aqueleeraprecisamenteotipodecasamentoqueelahaviasidocriadaparater–umcasamentodeconveniência.Umcasamentodedeveredepropriedade.Eelehaviadeixadoissomaisdoqueclaro.
Acarruagemsacolejousobreumtrechoespecialmenteirregulardaestrada,ePenélope soltou um gritinho ao quase deslizar para fora do assento estofadoextravagante.Recompondo-se,elaseendireitou,firmandobemosdoispésnopisodoveículo e lançandoumolharparaMichael, quenão semoveu, exceto abrindomuito pouco os olhos – supostamente para se certificar de que ela não havia seferido.
Quandotevecertezadequeelanãoprecisavadeummédico,fechouosolhosmais uma vez. Ele a estava ignorando, comum silêncio simples e absolutamenteperturbador.Elenãoconseguiasequerfingirinteressenela.
Talvez se não estivesse tão consumida pelo nervosismo com osacontecimentos do dia, pudesse ter conseguido ela própria permanecer quieta –retribuindoosilênciodelecomsilêncio.Talvez...Penélopejamaissaberia,porquefoiinCapazdepermanecercaladapormuitotempo.
Limpou a garganta, como se estivesse se preparando para fazer umadeclaraçãopública.Eleabriuosolhosedesviouoolharemsuadireção,masnãosemoveu.
“Creio que seria bom aproveitarmos esse tempo para discutirmos nossoplano.”
“Nossoplano?”“Oplanoparagarantirqueminhas irmãs tenhamuma temporadadesucesso.
Lembra-sedasuapromessa?”Elapassouamãoparadentrodobolsodovestidodeviagem,ondeamoedaqueele lhe tinhadadoduasnoites antespesavacontra suacoxa.
Algoqueelanãoconseguiureconheceratravessouaexpressãodele.“Eumelembrodapromessa.”“Qualéoplano?”Ele se espreguiçou, estendendo as pernas ainda mais para o outro lado da
carruagem.“Meuplanoéencontrarmaridosparasuasirmãs.”Elapiscou.
“Querdizerpretendentes.”“Seassimpreferir.Tenhodoishomensemmente.”Elaficoucuriosa.“Comoelessão?”“Nobres.”“E?”,elaperguntou.“Estãonomercadoembuscadeesposas.”Eleerairritante.“Elessãocorretosetêmcaracterísticasmaritais?”“Nosentidodequesãohomensesolteiros.”Penélopearregalouosolhos.Eleestavafalandosério.“Nãosãoaessasqualidadesquemerefiro.”“Qualidades.”“Ascaracterísticasdeumbommarido.”“Vejo que é uma especialista no assunto.” Elemeneou a cabeça, ironizando.
“Porfavor,esclareça-me.”Elaseendireitounoassento,marcandoositensnosdedosenquantofalava.“Bondade,generosidade,umapitadadebomhumor…”“Apenas uma pitada? Mau humor, digamos, às terças e quintas-feiras seria
aceitável?”Elaapertouosolhos.“Bomhumor”,elarepetiuantesdefazerumapausaeacrescentar:“Umsorriso
caloroso”.Nãoresistiuaacrescentar:“Embora,noseucaso,euaceitariaqualquersorriso”.
Elenãosorriu.“Eles têm essas qualidades?”, ela questionou. Ele não respondeu. “Minhas
irmãsgostarãodeles?”“Nãofaçoideia.”“Vocêgostadeles?”“Particularmente,não.”“Vocêéumhomemobstinado.”“Considereestaumadasminhasqualidades.”Elesevirou,eelalevantouumasobrancelhanadireçãodele.Nãoconseguiuse
conter.Ninguémem suavida jamais a havia irritado tantoquanto aquele homem.Seumarido. Seu marido, que a havia arrancado, sem remorso, de sua vida. Seumarido, com quem concordou em se casar porque não queria que as irmãssofressemoutrogolpeemsuasreputações.Seumarido,quehaviaconcordadoemajudá-la.Apenasentãoelasedeucontadequeporajuda ele se referiaaarrumarmaisumcasamentosemamor.Oudois.Elanãoiriaaceitar.Nãopodiafazermuitacoisa,maspodiasecertificardequeOliviaePippativessemaoportunidadedeter
casamentosfelizes.Umaoportunidadequeelanãoteve.“Primeiro,vocênemsabeseesseshomensasaceitarão.”“Elesasaceitarão.”Eleserecostounoassentoevoltouafecharosolhos.“Comosabedisso?”“Porqueelesmedevemmuitodinheiro,eeulhesperdoareiasdívidasemtroca
doscasamentos.”OqueixodePenélopecaiu.“Vocêcompraráafidelidadedeles?”“Nãotenhocertezadequefidelidadefaçapartedanegociação.”Eledisseissosemabrirosolhos–olhosquepermaneceramfechadosdurante
os longosminutos emque elapensounaquelaspalavras terríveis.Ela se inclinoupara frente e o cutucou na perna com um dedo, com força, e os olhos dele seabriram.Elanãotinhatempoparacomemorar,umavezquesesentiatãocheiadeindignação.
“Não”,eladisse,apalavracurtaeríspidadentrodapequenacarruagem.“Não?”“Não”, ela repetiu. “Você me deu sua palavra de que nosso casamento não
arruinariaminhasirmãs.”“Enãoarruinará.Naverdade,casar-secomesseshomensastornariammuito
respeitadasnasociedade.”“Casamentos comnobres que lhedevemdinheiro e poderãonão ser fiéis as
arruinarádeoutrasmaneiras.Nasmaneirasqueimportam...”Umadassobrancelhasescurasdeleselevantounaquelaexpressãoirritanteque
elaestavaaprendendoadetestar.“Asmaneirasqueimportam?”Elanãoseriaintimidada.“Sim. As maneiras que importam. Minhas irmãs não terão casamentos
baseados emacordos idiotas relacionados à jogatina. Já é ruimobastantequeeutenhaumcasamentodesses.Elasdeverãoescolherseusmaridos.Seuscasamentosdeverãoserbaseadosemmais.Baseadosem…”Elaparou,semquererqueelerissedela.
“Baseadosem…?”Ela não falou.Não daria a ele o prazer de uma resposta. Esperou que ele a
pressionasse.Estranhamente,elenãoofez.“ImaginoquetenhaumplanoparaCapturaresseshomenscomqualidades?”Elanãotinha.Naverdade,não.“Éclaroquesim.”“Eentão?”“Você volta para a sociedade e prova a todos que nosso casamento não foi
forçado.”
Elelevantouumasobrancelha.“Seudoteincluíaminhasterras.Achaquetodosnãoverãoqueeuaforceiase
casarcomigo?”Elaapertouoslábios,odiandoalógicadele.Edisseaprimeiracoisaquelhe
veioàmente.Aprimeiracoisaridículaeabsolutamenteinsanaquelheveioàmente.“Devemosfingirquenosamamos.”Elenãodemonstrounadadochoquequeelasentiuaopronunciaraspalavras.“Comofoi…euavinapraçadacidadeedecidimudar?”Seeraparajogar,quefossepormuito.“Issoparece…razoável.”Asobrancelhaarqueouumavezmais.“Émesmo?Achaqueaspessoasirãoacreditarnissoquandoaverdadeéqueeu
aarruineiemumapropriedadeabandonada,antesdoseupaiatacaracasacomumrifle?”
Elahesitou.“Eunãochamariaaquilodeataque.”“Eleatirouváriasvezescontraaminhacasa.Seaquilonãoéatacar,nãoseio
queé.”Faziamuitosentido.“Muito bem... Ele atacou. Mas não é essa a história que iremos contar.”
Penélope esperava que as palavras saíssem enfaticamente enquanto pediasilenciosamente:Porfavor,digaquenão.“Parateremaoportunidadedecasamentosverdadeiros,elasprecisamdisso.Vocêmedeusuapalavra.Oseuamuleto.”
Ele ficou em silêncio por um bom tempo, e ela pensou que ele poderia serecusar,oferecendocasamentosparasuasirmãsouabsolutamentenada.Entãooquefaria?Oquepoderia fazeragoraqueestavapresaaelee `as suasvontades–seupoder – como seu marido? Finalmente, ele reclinou-se para trás uma vez mais,totalmenteirônicoaodizer:
“Então, por favor, descreva nosso conto de fadas. Sou todo ouvidos.” Elefechouosolhos,isolando-a.
Ela teria dado tudo que lhe era importante por uma única resposta mordaznaquele momento – por algo que o tivesse atingido com a mesma rapidez ehabilidadedesuaspalavras.Claroquenada lheveioàmente.Emvezdisso,elaoignoroueseguiuemfrente,construindoahistória.
“Como nos conhecemos durante toda a nossa vida, podemos ter nosreencontradonaFestadeSantoEstêvão.”
Eleabriuosolhos,apenasumpouco.“NaFestadeSantoEstêvão...”“Talvez sejamelhor que nossa história tenha início antes do anúncio de que
Falconwell era… parte domeu dote.” Penélope fingiu examinar umamancha na
Capade viagem, detestandoo bolo que sentiu na garganta ao pronunciar aquelaspalavras,umalembrançadeseuverdadeirovalor.“EusempregosteidoNatal,eaFestadeSantoEstêvãoemColdharbourébastante…festiva.”
“Pudim de figo e tudo omais, imagino?”A pergunta simplesmente não eraumapergunta.
“Sim.Ecantigasnatalinas”,elaacrescentou.“Comcriancinhas?”“Sim...Muitas.”“Pareceexatamenteotipodeeventoaqueeucompareceria.”Ela não deixou de perceber o tom de sarcasmo, mas se negou a se sentir
intimidada.Lançouumolharfirmeparaeleenãoresistiuemdizer:“SealgumdiaviesseaFalconwellparaoNatal,imaginoquegostariamuito.”
Elepareceupensaremresponder,masconteveaspalavras,ePenélopesentiuumaondade triunfoatravessá-lacomapequenabrechanocomportamento friodele–umapequenavitória.Elefechouosolhosereclinou-separatrásumavezmais.
“Então, lá estava eu, celebrando o Dia de Santo Estêvão, e lá estava você,minhanamoradinhadeinfância.”
“Nãofomosnamoradinhosnainfância.”“A verdade é irrelevante. O que é relevante é se as pessoas acreditam na
históriaounão.”Alógicadaspalavraserairritante.“Aprimeiraregradoscanalhas?”“Aprimeiraregradojogo.”“Seisoumeiadúzia”,eladisse,sarcasticamente.“Ora,vamos,vocêachaquealguémsedaráotrabalhodeconfirmaraparteda
nossahistóriaqueteveinícioduranteainfância?”“Imaginoquenão”,elaresmungou.“Ninguémfaráisso.Alémdomais,éacoisamaispróximadaverdadeemtoda
ahistória.”Era? Ela estaria mentindo se dissesse que jamais havia imaginado casar-se
comele,oprimeiromeninoqueconheceu,equeafaziasorriredarrisadaquandocriança.Maselenuncahaviaimaginadoisso,havia?Nãotinhaimportância.Agora,enquantoencaravaohomem,era inCapazdeencontrarqualquer traçodomeninoque conheceu um dia… o menino que poderia tê-la considerado doce. Elecontinuou,arrancando-adospensamentos:
“Então, lá estava você, toda encantadora com seus olhos azuis,verdadeiramente brilhando às chamas do pudim de figo, e eu não pude suportarmais um instante do meu licencioso, livre e subitamente indesejado estado desolteirice.Emvocê,vimeucoração,meupropósito,minhaprópriaalma.”
Penélope sabia que era ridículo, mas não conseguiu deixar de sentir uma
inundação de calor que fez suas bochechas queimarem diante daquelas palavras,pronunciadasbaixinho,naintimidadedacarruagem.
“Isso…issoparecebom.”Elefezumbarulhoeelanãosoubeaocertooqueoruídosignificava.“Euestavausandoumvestidodeveludoverde.”“Muitoapropriado.”Elaoignorou.“Vocêtinhaumramodeazevinhonalapela.”“Umtoquedeespíritonatalino.”“Nósdançamos.”“Umajiga?”O tom de ironia dele a arrancou de sua pequena fantasia, lembrando-a da
verdade.“Possivelmente.”Comisso,elesesentou.“Ora,vamos,Penélope”,eledisse,emtomderepreensão.“Fazapenaspoucas
semanas,evocênãoselembra?”Elaestreitouosolhosparaele.“Muitobem.Umadançaescocesa.”“Ah.Sim.Muitomaisemocionantedoqueumajiga.”Eleeramesmoirritante.“Diga-me,porqueeuestavalá,emColdharbour,celebrandoaFestadeSanto
Estêvão?”Elaestavacomeçandoanãogostardaquelaconversa.“Nãosei.”“Vocêsabequeeuestavausandoumramodeazevinhonalapela…certamente
quepensouemminhamotivaçãoparaessahistóriaespecífica?”Ela detestou a forma como as palavras foram pronunciadas por ele,
condescendentes,beirandoodesdém.Talveztenhasidoporissoqueelarespondeu:“Vocêveioparavisitarotúmulodosseuspais.”Eleficoutensodiantedafrase,oúnicomovimentodentrodacarruagemsendo
olevebalançardoscorposdosdois,noritmodasrodas.“Otúmulodosmeuspais.”Elanãorecuou.“Sim.VocêfazissotodososanosnoNatal.Deixarosassobrealápidedasua
mãeedáliassobreadoseupai.“Faço?” Ela desviou o olhar,mirando para fora da janela. “Eu devo ter um
excelentecontatocomumaestufapróxima.”“Temsim.Minhairmãmaisnova,Philippa,cultivafloreslindasdurantetodoo
anonoSolarNeedham.”
Eleinclinou-separafrente,sussurrandocomironia.“A primeira regra da mentira é que apenas contamos mentiras sobre nós
mesmos,querida.”Ela ficou olhando para as bétulas finas na beira da estrada,misturando-se à
nevebrancaatrás.“Nãoéumamentira.Pippaéhorticultora.”Houveumlongosilêncioantesdelaolharnovamenteparaele,descobrindo-o
observando-aatentamente.“SealguémtivessevisitadootúmulodosmeuspaisnoDiadeSantoEstêvão,o
queteriaencontradolá?”Ela poderiamentir,mas não queria. Pormais tolo que fosse, queria que ele
soubesse que ela pensava nele em todos osNatais…que se preocupava com ele.Queelaseimportava.Mesmoqueelenãotivessesedadoessetrabalho.
“Rosasedálias.Exatamentecomovocêasdeixatodososanos.”Entãofoiavezdeeleolharpelajanela,eelaaproveitouaoportunidadepara
estudar seus traços, seumaxilar firme, a expressão dura em seus olhos, a formacomoos lábiosdele– lábiosqueela sabiaporexperiênciaprópria seremcheios,macios e maravilhosos – se apertaram em uma linha reta. Ele estava muito nadefensiva,comumatensãoinflexível,eeladesejouquepudessesacudi-loparalhedevolveraemoção,paramudaralgumacoisaemseurígidoautocontrole.
Houve um tempo em que ele havia sidomuito fluido, cheio demovimentoslivres.Mas,aoobservá-lo,eraquaseimpossívelacreditarquesetratassedamesmapessoa. Ela daria tudo o que tinha para saber o que ele estava pensando naquelemomento.Elenãoolhouparaelaaofalar.
“Bem, você parece ter pensado em tudo. Farei o possível paramemorizar ahistóriadonossoamoràprimeiravista.Imaginoqueacontaremosmuitasvezes.”
Elahesitouumpouco,eentãodisse:“Obrigada,milorde”.Elevirouacabeçaderepente.“Milorde? Ora, ora, Penélope. Você pretende ser uma esposa cerimoniosa,
não?”“Espera-sequeumaesposademonstredeferênciaaomarido.”Michaelcerrouassobrancelhasdiantedaquilo.“Imaginoquetenhasidotreinadaparacomportar-seassim.”“Vocêseesquecequeeuseriaumaduquesa.”“Lamentoquetenhatidodesecontentarcomummarquesadomaculado.”“Farei um esforço para perseverar”, ela respondeu, as palavras secas como
areia.Osdois seguiramemsilêncioporum longo tempoantesdeladizer: “Vocêteráderetornaràsociedade.Porminhasirmãs”.
“Vocêestásesentindobastanteconfortávelfazendo-meexigências.”
“Eumecaseicomvocê.Imaginoquevocêpossafazerumoudoissacrifícios,levandoemconsideraçãoqueabrimãodetudoparaquepudessetersuaterra.”
“Seucasamentoperfeito,querdizer?”Elaserecostou.“Nãoprecisariaserperfeito.”Elenãodissenada,masseuolharperspicazafez
acrescentarrapidamente:“Nãoduvidoqueteriasidomaisperfeitodoqueisso,noentanto”.
Tommynãoairritarianempertodaquilo.Osdoisseguiramemsilêncioporumlongotempoantesdeledizer:
“Comparecerei aos eventos necessários.” Ele estava olhando pela janela, oretrato do tédio. “Começaremos com Tottenham. Ele é o mais próximo de umamigoquetenho.”
Adescriçãoeradesconcertante.Michaelnuncahaviasidoalguémsemamigos.Erainteligente,animado,encantadorecheiodevida…etodososqueoconheceramnainfânciaoadoravam.Elaotinhaamado.Elehaviasidoseumelhoramigo.Oquehavia lheacontecido?Comohavia se tornadoaquelehomemfrioe sombrio?Elaafastou o pensamento. O visconde de Tottenham era um dos solteiros maiscobiçadosdasociedade,comumamãeirrepreensível.
“Belaescolha.Elelhedevedinheiro?”“Não.”Fez-sesilêncio.“Jantaremoscomeleestasemana.”“Temumconvite?”“Aindanão.”“Entãocomo…”Elesuspirou.“Vamos terminarcom istoantesquecomece, sim?Souproprietáriodomais
lucrativo cassino de Londres. Há poucos homens na Grã-Bretanha que nãoconseguemtempoparafalarcomigo.”
“Easesposasdeles?”“Oquehácomelas?”“Achaqueelasnãoojulgarão?”“Achoquecomotodasmequerememsuascamas,sempreencontrarãoespaço
paramimemsuassalasdeestar.”Elavirouacabeçaderepente,diantedaquelaspalavras,daindelicadezadelas.
Do fatodele tercoragemdedizeraquiloàesposa.Eda ideiadequeelepassariatemponascamasdeoutrasesposas.
“Creioquevocêestejaenganadoquantoaovalordasuapresençanaalcovadeumadama.”
Elelevantouumasobrancelha.“Creioquepensarádiferentedepoisdestanoite.”Oespectrodanoitedenúpciasseagigantoucomaqueladeclaração,ePenélope
detestouofatodequeseupulsodisparoumesmoqueelaquisessecuspirnele.“Sim...Bem,comoquerqueenfeiticeasmulheresdasociedade,possogarantir
queelassãomuitomaiscriteriosasquantosuascompanhiasempúblicodoquenoprivado.Evocênãoébomobastante.”
Elanãopôdeacreditarquehaviaditoaquilo.Maseleahaviadeixadomuito,muito irritada. Quando Bourne virou-se para ela, havia algo poderoso em seuolhar.Algoparecidocomadmiração.
“Fico feliz que tenha descoberto a verdade, esposa. É melhor abandonarqualquer falsa esperança de que eu possa ser um homemdecente, ou ummaridodecente, no começo de nosso tempo juntos.” Ele fez uma pausa, espanando umasujeiradamangadocasaco.“Nãoprecisodasmulheres.”
“Asmulheressãoasguardiãsdasociedade.Naverdade,vocêprecisadelas.”“Porissotenhovocê.”“Eunãosousuficiente.”“Porquenão?Nãoéadamainglesaperfeita?”Penélopecerrouosdentesdiantedadescriçãoedaformacomoressaltouseu
antigoeatualobjetivo:suaabsolutafaltadevalor.“Estoulongedeser.Fazanosquefuiabeladobaile.”“ÉamarquesadeBourneagora.Nãotenhodúvidasdequelogoirásetornar
umapessoadeinteresse,querida.”Elaestreitouosolhosparaele.“Nãosousuaquerida.”Elearregalouosolhos.“Vocêmeferiu.Não lembradoDiadeSantoEstêvão?Nossadançaescocesa
nãosignificounadaparavocê?”Elanãolamentariaseelecaíssepelalateraldacarruagemerolasseparadentro
de uma vala. Na verdade, se isso acontecesse, ela nem pararia para recolher osrestos.NãoseimportavaqueFalconwelltivessevoltadoparaele.Masseimportavacomsuasirmãs,enãopermitiriaqueareputaçãodelasfossemanchadapeladeseumarido.Respiroufundo,tentandoacalmar-se.
“Terádeprovarseuvalornovamente.Elesterãodevê-lo.Acreditarqueeuovejo.”
Eleolhouparaela.“Valhotrêsvezesmaisdoqueoshomensmaisrespeitadosdasociedade.”Elasacudiuacabeça.“Refiro-meaoseuvalorcomomarquês.Comohomem.”Eleficouimóvel.“Qualquerumqueconheçaminhahistóriapodelhedizerquenãotenhomuito
valorcomonenhumadessascoisas.Perditudoháumadécada.Nãoficousabendo?”Elepronunciouaspalavrascomabsolutacondescendência,eelasoubequea
perguntaeraretórica,masnãosedeixouintimidar.“Fiquei.”Levantouoqueixoparaencará-lo. “Evocêestádispostoapermitir
queumpecadilho tolo e infantilmanche sua imagempelo restoda eternidade?Eagoraaminhatambém?”
Elese revirou, inclinando-separaela,perigosoeameaçador.Elasemantevenamesmaposição,recusando-searecuar.Adesviaroolhar.
“Euperditudo.Oequivalenteacentenasdemilharesdelibras.Emumacarta.Foicolossal.Umaderrotadeentrarparaoslivrosdehistória.Evocêchamaissodepecadilho?”
Engoliuemseco.“Centenasdemilhares?”“Maisoumenos.”Penélope resistiu ao impulso de perguntar precisamente quanto eramais ou
menos.“Emumacarta?”“Umacarta.”“Entãotalveznãotenhasidoumpecadilho.Mastolo,certamente.”Penélope não fazia ideia de onde vinham as palavras, mas elas vinham de
qualquermaneira,eelasoubequesuasopçõeseramescancará-lasoudemonstrarseumedo.Milagrosamente,manteveoolharfirmesobreele.
Avozdeleficoubaixa,quaseumgrunhido.“Vocêacaboudemechamardetolo?”O coração dela estava disparado – batendo tão forte, que Penélope se
surpreendeuqueelenãopudesseouvi-lodentrodacarruagem.Elaacenouumadasmãos,esperandoparecerindiferente.
“Nãoéestaaquestão.Sepretendemosconvencera sociedadedequeminhasirmãs são merecedoras de um casamento, você precisa provar ser umacompanhantemaisdoquemerecedorparaelas.”Elafezumapausa.“Vocêprecisafazerreparações.”
Eleficouemsilêncioporumlongotempo.Longoobastanteparaelapensarquetalveztivesseidolongedemais.
“Reparações...”Elaassentiucomacabeça.“Euoajudarei.”“Vocêsemprenegociatãobem?”“De forma alguma.Naverdade, eu nunca negócio. Simplesmente entrego os
pontos.”Eleestreitouoolhar.“Vocênãoentregouospontosumavezsequeremtrêsdias.”Elacertamentevinhasendomenosobedientedoqueonormal.
“Nãoéverdade.Concordeiemmecasarcomvocê,não?”“Éverdade.”Elagostoudaquelaspalavras,daformacomoatornaramtãocientedele.Seumarido.“Oquemais?”Penélopeficouconfusa.“Milorde?”“Descobri que não aprecio as surpresas constantes que surgem de nosso
acordo.Vamospôrascartasnamesa,sim?Vocêdesejaumatemporadadesucessopara suas irmãs, bonspretendentes para elas, desejameu retorno à sociedade...Oquemais?”
“Nãohánadamais.”Umrelancedealgo–desagrado,talvez?–cruzouorostodele.“Seseuoponentetornaimpossívelqueperca,Penélope,deveapostar.”“Outraregradojogo?”“Outraregradoscanalhasquetambémserveamaridos.Duasvezes,amaridos
comoeu.”Maridoscomoele.Elaseperguntouoqueaquiloqueriadizer;mas,antesque
pudesseperguntar,elecontinuou:“Oquemais,Penélope?Digaagora,oucale-separasempre.”Aperguntaeratãoampla,tãoaberta…etinhaumainfinidadederespostas.Ela
hesitou, amentedisparada.Oqueelaqueria?Realmentequeria.Oque ela queriadele?Mais... A palavra passou sussurrada por ela, não simplesmente um ecodaquelanoitequejápareciatãodistante…aquelanoitequehaviamudadotudo,masumaoportunidade.Umachancedesermaisdoqueumamarionetemanipuladaporele,pelafamíliaepelasociedade.Umachancedeterexperiênciasextraordinárias.Umavidaextraordinária.
Elaoencarounosolhos,detonsdouradoseverdes.“Talveznãogoste.”“Estoucertodequenãogostarei.”“Mas,comoperguntou…”“Éculpaminha,possogarantir.”Elaapertouoslábios.“Quero mais do que uma vida simples e decente como esposa simples e
decente.”Issopareceufazê-lorecuar.“Oqueissoquerdizer?”“Passei a vida sendo uma jovem-modelo… passando a ser uma solteirona-
modelo. E foi… terrível.” Suas próprias palavras a surpreenderam. Ela jamaispensouemsuavidaanteriorcomoterrível.Jamaishaviaimaginadoqualqueroutra
coisa.Atéagora.Atéele.E ele estava lheoferecendoumachancedemudar tudo.“Queroumtipodiferentedecasamento.Umcasamentoemqueeutenhapermissãodesermaisdoqueumadamaquepassaosdiasbordandoefazendocaridadeequesabepoucomaissobreomaridodoquequalésuasobremesapreferida.”
“Nãome importo se você borda ou não e, seminha lembrança está correta,vocênãocombinamuitocomessaatividade.”
Penélopesorriu.“Ótimocomeço.”“Sejamaisdedicarumsegundodoseutempoàcaridade,eusinceramentenão
imaginoquedariaamenorimportância.”Osorrisoseampliou.“Tambémpromissor.Esuponhoquenãotenhaumasobremesapreferida?”“Nenhuma em especial, não.” Ele fez uma pausa, observando-a. “Há mais,
imagino?”Ela gostou do som da palavra saindo dos lábios dele. Sua ondulação. Sua
promessa.“Esperoquesim.Egostariamuitoquevocêmemostrasse.”O olhar dele escureceu quase que imediatamente para um encantador verde-
musgo.“Eucertamentenãoaestouentendendo.”“Ébemsimples,naverdade.Euqueroaaventura.”“Qualaventura?”“AquevocêmeprometeuemFalconwell.”Eleserecostou,umbrilhodivertidonosolhos–umbrilhoqueelareconheceu
dainfânciadosdois.“Digaasuaaventura,LadyPenélope.”Elaocorrigiu.“LadyBourne,porfavor.”Elearregalouligeiramenteosolhos.Apenasobastanteparaelapercebersua
surpresa,antesdebaixaracabeça.“LadyBourne,então.”Elagostoudosomdonome,emboranãodevesse.Emboraelenão lhedesse
qualquermotivoparaisso.“Gostariadeconhecerseucassino.”Eleentortouumasobrancelha.“Porquê?”“Parecequeseriaumaaventura.”“Defato,seria.”“Imaginoquemulheresnãofrequentemolocal...”“Nãomulherescomovocê.”
Mulherescomovocê.Elanãogostoudainsinuaçãodaafirmação.Ainsinuaçãode que ela era simples, tediosa e dificilmente faria qualquer coisa aventureira…jamais.Elasemantevefirme.
“Aindaassim,gostariadeir.”Pensouporinstante,eacrescentou:“Ànoite”.“Porqueohorárioimportaria?”“Eventosànoitesãomuitomaisaventureiros.Muitomaisilícitos.”“Oquevocêsabesobreilicitude?”“Nãomuita coisa.Mas tenho confiança de que aprenderei rápido.” Penélope
sentiuocoraçãodispararcomalembrançadaprimeiranoitedosdoisjuntos–doprazer que sentiu nas mãos dele –, antes de recordar a forma como ele a haviadeixado naquela noite, depois de assegurar o casamento. Limpou a garganta,subitamentedesconcertada.“QuesorteeuterummaridoCapazdemeoferecerumaturnêporessasemoçõesescusas.”
“Quesorte,realmente”,eledissecomavozarrastada.“Seaomenosseudesejoporaventuranãofossediretamentedeencontroàrespeitabilidadecomque insistequeeumecubra,euatenderiadebomgrado.Infelizmente,devorecusar.”
Penélopesentiuraiva.Sua oferta por mais não havia sido uma oferta real. Ele estava disposto a
atenderaseusCaprichos,apagarumpreçopelocasamentodeles,porFalconwell–masapenasopreçoestabelecidoporele.Enãoeradiferentedenenhumdosoutros.Deseupai,deseunoivo,dequalquerdosoutroscavalheirosquetentaramcortejá-lanos anos seguintes. E isso ela não iria aceitar. Ela havia aceitado um casamentoforçadoporeventosquenãopodiacontrolar,comumconhecidocanalha,masnãoaceitariaser tratadacomoumpeão.Nãoquandoelea incentivava tantoaserumajogadora.
“Foipartedonossoacordo.Vocêmeprometeunanoiteemqueconcordeimecasarcomvocê.Disse-mequeeupoderiateravidaquequisesse,asaventurasquedesejasse. Você me prometeu que me permitiria explorar, que assumir o títulomaculadodemarquesadeBournepoderiaarruinarminhareputação,masmedariaomundo.”
“Issofoiantesdevocêinsistirnaminharespeitabilidade.”Eleseinclinouparafrente. “Deseja suas irmãs respeitavelmente casadas. Não aposte o que não estádispostaaperder,querida.Terceiraregradojogo.”
“Edoscanalhas”,eladisse,irritada.“Também.”Ele aobservouporum longo tempo, como se estivesse testando
suaraiva.“Seuproblemaénãosaberoquerealmentequer.Vocêsabeoquedeveriaquerer,masnãoéomesmoquedesejoreal,é?”
Michaeleraumhomemrealmentemuitoirritante.“Quanto ressentimento”, ele disse, com divertimento no tom da voz ao se
recostar.
Elaseinclinouparafrenteedisse:“Pelomenosmecontearespeito.”“Arespeitodoquê?”“Doseuantro.”Elecruzouosbraçossobreopeito.“Imagino que sejamuito semelhante a um longo trajeto de carruagem, com
umanoivacomumrecém-descobertogostoporaventura.”Elariu,surpresapelapiada.“Nãoessetipodeantro.Oseuantrodejogatina.”“Oquegostariadesaberarespeitodele?”“Quero saberde tudo.”Ela sorriupara eledemodoescancarado. “Vocênão
precisariamefalararespeitodelesemelevasseatéláparaconhecê-loaovivo.”Ocanto dos lábios deMichael levantou uma vez,muito ligeiramente. Ela percebeu.“Vejoqueconcorda.”
Eleentortouumasobrancelha.“Nãointeiramente.”“Masvocêmelevará,mesmoassim?”“Você é teimosa.”Ele a encaroupor um longo tempo, pensandona resposta
que daria. Enfim, disse: “Eu levarei você”. Ela deu um largo sorriso, e ele seapressouaacrescentar:“Umavez”.
Eraobastante.“Émuitoexcitante?”“Sevocêgostadejogar...”,eledisseapenas,ePenélopefranziuonariz.“Eununcajoguei.”“Tolice. Você tem apostado todos os minutos em que passamos juntos.
Primeiroporsuasirmãse,hoje,porsimesma.”Elapensounoqueeledisse.“Suponhoquesim.Eganhei!”“Issoporqueeuadeixeiganhar.”“Imaginoqueissonãoaconteçanoseucassino.”Elesoltouumarisadinha.“Não.Preferimosdeixarosjogadoresperderem.”“Porquê?”Eleolhouparaela.“Porqueaperdadeleséonossoganho.”“Querdizerdinheiro?”“Dinheiro, terras, joias… o que quer que eles sejam tolos o bastante para
apostar.”Pareciafascinante.“EolugarsechamaOAnjo?”
“AnjoCaído.”Elapensounonomeporumlongotempo.“Vocêescolheuessenome?”“Não.”“Pareceadequadoparavocê.”“ImaginoquetenhasidoporissoqueChaseoescolheu.Éadequadoparatodos
nós.”“Todosvocês?”Elesuspirou,abrindoumolhoeaencarando.“Vocêévoraz.”“Prefirocuriosa.”Elesesentou,mexendonabainhadeumamanga.“Somosquatro.”“Etodosvocêssão…caídos?”Aúltimapalavrasaiuemumsussurro.Osolhoscastanhosdeleencontraramosdeladentrodacarruagemescura.“Decertomodo.”Ela pensou na resposta, a forma como ele a pronunciou sem vergonha nem
orgulho.Apenascomsimpleseabsoluta sinceridade.Esedeucontadequehaviaalgomuito tentadorna ideiadeeleserumarruinado…deserumcanalha.De terperdido tudo–centenasdemilharesde libras!–e recuperado tudoem tãopoucotempo. Ele, de alguma forma, havia reconstruído tudo. Sem ajuda da sociedade.Comnadaalémdesuavontadeincansáveledeseucomprometimentoardorosoporsuacausa.Nãoapenastentador.Heroico.Elaoencarou,subitamenteenxergando-osobumaluzcompletamentenova.Eleselançouparafrente,eacarruagemtornou-seimediatamentepequena.
“Nãofaçaisso.”Elaserecostou,afastando-sedele.“Nãofazeroquê?”“Possovervocêromantizandoasituação.Possovê-la transformandooAnjo
Caídoemalgoquenãoé.Transformandoamimemalgoquenãosou.”Ela sacudiu a cabeça, desconcertada pela forma como ele havia lido seus
pensamentos.“Eunãoestava…”“É claro que estava.Acha que não vi amesma expressão nos olhos de uma
dezena de outras mulheres? De centenas delas? Não faça isso”, ele disse comfirmeza.“Vocêapenassedecepcionará.”
Fez-sesilêncio.Eledescruzouaspernascompridas,debotas,eascruzououtravez,umtornozelosobreooutro,antesde fecharosolhosnovamente. Isolando-a.Elaoobservouemsilêncio,maravilhadacomsuaimobilidade,comoseosdoisnãopassassemdecompanheirosdeviagem,comoseaquelenãofossenadaalémdeum
trajeto de carruagem comum. E talvez ele tivesse razão, porque não havia nadanaquelehomemqueparecessemarital,eelacertamentenãosesentianemumpoucocomoesposa.
Imaginavaqueesposas tinhammaissegurançaquantoaseuspropósitos.Nãoqueelativessesesentidomaisseguradeseupropósitodaúltimavezemquechegoupertodesetornarumaesposa.Daúltimavezemquechegoupertodesecasarcomumhomemquenãoconhecia.Aideiaafezpensar.Elenãoeradiferentedoduque,aquelenovoMichaeladulto,quenãoerademodoalgumogarotoqueelaconheceuumdia.Elaprocurounorostodeleporalgumsinaldovelhoamigo,pelascovinhasprofundas em suas bochechas, pelos sorrisos fáceis e amigáveis, pelo risodesbragadoquesemprelhetraziaproblemas.
Elenãoestavaali.Elehaviasidosubstituídoporaquelehomemfrio,duroeinflexível que ceifava pedaços das vidas de pessoas ao seu redor e pegava o quequeriasemseimportar.Seumarido.Derepente,Penélopesentiu-semuitosolitária–mais solitária do que jamais havia se sentido antes – ali naquela carruagem comaquele estranho, longedospais, das irmãs, deTommyede tudooque conhecia,sacolejando a caminho de Londres e do que estava destinado a ser o dia maisestranhodesuavida.
Tudohaviamudadonaquelamanhã.Tudo.Para todoosempre,suavidaseriapensadacomodivididaemduaspartes–antesedepoisdesecasar.Antes,haviaaCasaDolby,oSolarNeedhamesuafamília.Edepois,havia…Michael.Michaelemaisninguém.Michaelesabe-seláoquemais.Michael,umestranhotransformadoemmarido.Sentiuumadorse instalaremseupeito, tristeza, talvez?Não.Desejo.Casada. Respirou fundo, e expulsou a sensação de si, a expiração ressoando aoredor da carruagem. Ele abriu os olhos, encarando-a antes que ela conseguissefingirqueestavadormindo.
“Oquefoi?”Ela imaginou que deveria ficar tocada pelo fato dele ter sequer perguntado,
mas,naverdade,elaseviuinCapazdesentirqualquercoisaalémdeincômodocomo tom insensível. Ele não compreendia que aquela era uma tarde bastantecomplicadaemtermosdeemoções?
“Podereivindicardireitosobreminhavida,meudoteeminhapessoa,milorde.Masaindasoudonadosmeuspensamentos,não?”
Michael a encarou por um longo tempo, e Penélope teve a distinta edesconfortávelimpressãodequeeleeraCapazdelerseuspensamentos.
“Porquevocêprecisoudeumdotetãogrande?”“Perdão?”“Porqueestavasolteira?”Elariu.Nãoconseguiuseconter.“Certamente é a única pessoa na Grã-Bretanha que não conhece a história.”
Comoelenãorespondeu,elapreencheuosilênciocomaverdade.“Fuivítimadopiortipoderompimentodenoivado.”
“Existem‘tipos’derompimentosdenoivado?”“Ah, sim. O meu foi especialmente ruim. Não a parte do rompimento… as
circunstâncias queme levarama rompê-lo.Maso resto…o casamento comumamulheraquemeleamavaemumasemana?Issonãofoimuitocortês.Leveianosparaaprenderaignoraroscochichos.”
“Sobreoqueaspessoascochichavam?”“Ah...,porqueeu–umanoivainglesaperfeita,mimada,dotada,nobreetudo
mais–fuiinCapazdemanterocontrolesobreumduqueporsequerummês.”“E?PorquevocêfoiinCapazdisso?”Eladesviouoolhardele,semconseguirresponderdiretamente.“Eleestavaloucamenteapaixonadoporoutra.Parecemesmoqueoamorvence
todasascoisas.Inclusivecasamentosaristocráticos.”“Vocêacreditanisso?”“Acredito.Euosvijuntos.Elessão…”elaprocuroupelapalavra.“Perfeitos.”
Comoelenãodissenada,elacontinuou:“Pelomenoseugostodepensarassim”.“Porqueissolheimporta?”“Imaginoquenãodeveriameimportar…masgostodepensarqueseelesnão
fossemperfeitos juntos…senãoseamassemtanto…elenão teriafeitooquefeze…”
“Evocêestariacasada.”Elaolhouparaele,umsorrisoirôniconoslábios.“Estoucasadamesmoassim.”“Mas você teria o casamento que foi criada para ter em vez deste, um
escândaloesperandoparaserdescoberto.”“Eu não sabia, mas aquele também era um escândalo esperando para ser
descoberto.”Diantedoolharquestionadordele,elarespondeu:“Airmãdoduque...Elaerasolteira,nãohaviasequersidoapresentadaàsociedade,eestavaesperandoumfilho.ElequeriaquenossocasamentogarantissequeaCasadeLeightontivessemaisdoqueoescândalodairmã”.
“Eleplanejavausarvocêparaencobriroescândalo?Semlhecontar?”“Issoédiferentedemeusarpordinheiro?Ouporterras?”“Éclaroqueédiferente.Eunãomenti.”Era verdade, e por algummotivo, isso importava. O suficiente para fazê-la
perceberquenãotrocariaestecasamentopelooutrodetantosanosantes.Estavaficandofrionacarruagem,eelaarrumousuassaias,tentandoarrancar
omáximodorestantedecalordapedraaquecidaaseuspés.Aaçãolheconseguiutempoparapensar.
“Minhasirmãs,VictóriaeValerie?”ElaesperouqueMichaelselembrassedas
gêmeas.Quandoeleassentiucomacabeça,continuou:“Aprimeiratemporadadelasfoi imediatamentedepoisdomeuescândalo e elas sofrerampor isso.Minhamãeestavatãoapavoradaqueelasficassemmarcadasporminhatragédia,queinstou-asaaceitarosprimeirospedidosdecasamentoquereceberam.Victóriacasou-secomumcondemaisvelho,desesperadoporumherdeiro,eValerie,comumvisconde,bonito, mas com mais dinheiro do que juízo. Não sei se são felizes…mas nãoimagino que jamais tenham esperado ser.Não depois que o casamento se tornouumapossibilidade real”.Ela fez umapausa, pensando. “Todas sabíamos como ascoisas funcionavam. Não fomos criadas para acreditar que o casamento fossequalquercoisaalémdeumarranjodenegócios,maseutorneiimpossívelqueelasconseguissemmais.”
Ela continuou falando, não compreendendo inteiramente por que sentia quedeviacontartodaahistóriaaele.
“Meu casamento era para ser omais planejado emais prático de todos. EudeveriametornaraduquesadeLeighton,manter-mequieta,obedecermeumaridoedaràluzopróximoduquedeLeighton.Eeuoteriafeitosatisfeita...”Elaencolheuumombroligeiramente.“Masoduque…eletinhaoutrosplanos.”
“VocêesCapou.”Nunca ninguém havia se referido ao fato dessa forma. Ela jamais admitiu a
tranquilidadequesentiucomadissoluçãodocompromisso,aindaqueseumundotivessedesabadoaoseuredor.Elajamaisgostariaquesuamãelheacusassedeseregoísta.Aindaagora,nãoconseguiusepermitirconcordarcomMichael.
“Não sei ao certo se a maioria das mulheres consideraria o que aconteceucomigocomoesCapar.Écuriosocomoumacoisinhapequenacomoumnoivadorompidopodemudartudo.”
“Nãotãopequena,imagino.”ElaolhouparaMichaelnovamente,percebendoqueeleestavaprestandomuita
atençãoaela.“Não…Suponhoquenão.”“Comoissoamudou?”“Eunãoeramaisumprêmio.Nãoeramaisanoivaaristocráticaideal.”Passou
asmãossobreassaias,alisandoasdobrasqueapareceramduranteaviagem.“Eunãoeramaisperfeita.Nãoaosolhosdeles.”
“Pela minha experiência, a perfeição aos olhos da sociedade é altamentesuperestimada.”Eleaestavaencarando,osolhoscastanhoscintilandocomalgoqueelanãoconseguiuidentificar.
“Éfácilparavocêdizerisso.Vocêseafastoudasociedade.”Ele ignorou a mudança de foco, recusou-se a permitir que a conversa se
voltasseparaele.“Todas essas coisas… tudo o que você acabou de dizer… foi assimque seu
noivadorompidoamudouparaasociedade.Comoelemudouvocê,Penélope?”Aperguntaafezpensar.DurantetodososanosdesdequeoduquedeLeighton
haviacausadoomaiorescândalodetodosostemposedestruídoqualquerchancedePenélope tornar-se sua duquesa, ela jamais se perguntou como aquilo a haviamudado.Masagora,olhandoparaseunovomaridodooutroladodacarruagem–um homem que a havia abordado nomeio damadrugada e com quem se casouapenasdiasdepois–,elafoipercorridapelaverdade.Orompimentohaviatornadoafelicidadeumapossibilidade.Eladescartouopensamentoeinclinou-separafrenterapidamente,quasequeansiosa.
“Pronto.Pronto…vocêacabouderesponderàpergunta.”“Eu…”,elaparou.“Diga.”“Nãotemmaisimportância.”“Nãomais...Porminhacausa?”Eununca fui destinada a ter o que eles têm. Ela pensou cuidadosamente em
suaspalavras.“O rompimento me fez perceber que o casamento não precisava ser um
negócio.Oduque…eleamasuaesposaloucamente.Ocasamentodeles…nãotemnadadetranquiloesóbrio.”
“Evocêqueriaisso?”Apenasdepoisdesaberqueeraumaopção.Masissonãotinhaimportância.Ela
encolheuosombros.“Nãoimportaoqueeuqueria,importa?Agoratenhomeucasamento.”Ela tiritou os dentes ao dizer isso, e ele resmungou uma desaprovação,
mexendo-seeindoatéooutroladodacarruagemparasentar-seaoladodela.“Você está com frio.” Ele passou um braço comprido ao redor dos ombros
dela,puxando-aparapertodesi,liberandocaloremondas.“Aqui”,eleacrescentou,puxandoumcobertoraoredordeles,“issoiráajudar.”
Elaseaconchegou,tentandonãoselembrardaúltimavezemquehaviaestadotãopróximaaele.
“Pareceestarsempredividindoseuscobertorescomigo,milorde.”“Bourne”, ele corrigiu, aninhando-os bem juntos sob a lã áspera, a palavra
soando como um rugido sob o ouvido dela. “E se não compartilho meuscobertores,vocêosrouba.”
Elanãoconseguiuseconter,eriu.Osdoisseguiramemsilêncioporumlongotempoantesdelefalarnovamente:
“Então, durante todos esses anos, você vinha esperando por um casamentofeliz.”
“Nãoseiseesperandoéapalavraqueeuusaria.Desejandoémaisadequado.”Bournenãorespondeu,eelaficoumexendonobotãodocasacodele.
“Eoseunoivo,aqueledequemeuaroubei,teriadadoessecasamentofelizavocê?”
Talvez.Talveznão.Eladeveria contar a ele a verdade sobreTommy.Queosdoisnuncaestiveramrealmentenoivos.Masalgumacoisaaimpediadefazerisso.
“Nãovaleapenapensarnissoagora.Maseunãosereiculpadapormaisdoiscasamentos infelizes. Não engano a mim mesma pensando que minhas irmãspoderiamencontraramor,maselaspoderiamserfelizes,não?Poderiamencontraralguémquecombinassecomelas…outalvezissosejapedirmuito?”
“Eunãosei,sinceramente”,eledisse,deslizandoumadasmãosaoredordela,puxando-aparaperto,enquantoacarruagemsacolejavaparaapontequeoslevariapor sobre o Tâmisa e para dentro de Londres. “Não sou o tipo de homem quecompreendecomoaspessoascombinam.”
Elanãodeveriaapreciarasensaçãodobraçodeleaoseuredor,masnãopôdedeixar de se apoiar em seu calor, fingindo, por um instante fugaz, que aquelaconversa tranquila era a primeira de muitas. A mão dele estava deslizandolentamenteparacimaeparabaixonobraçodela,transferindocalor–ealgomaismaravilhoso–aela,acadagestocarinhosoeencantador.
“PippaestápraticamentenoivadeLordeCastletoneesperamosqueeleapeçaemcasamentodentrodedias,apósoretornodelaaLondres.”
Amão dele parou por um instante antes de continuar seu percurso longo elento.
“ComoelaeCastletonvieramaseconhecer?”Elapensounocondesimplesepoucoinspirador.“Damesmaformaqueocorrecomqualquerum,naverdade.Bailes, jantares,
danças. Ele parece agradável o suficiente, mas… Não gosto da ideia dele comPippa.”
“Porquenão?”,“Há quem diga que ela é peculiar,mas não é. Ela é apenas estudiosa, adora
ciências.É fascinadapelo funcionamentodascoisas.Elenãoparece serCapazdeacompanhá-la,mas, sinceramente?Não creio que ela dê amenor importância deuma forma ou outra sobre se vai se casar, ou com quem. Desde que tenha umabibliotecaealgunscães,elaconstruiráuma felicidadeparasi.Euapenasgostariaque pudesse encontrar alguém mais… bem, detesto parecer cruel, mas…inteligente.”
“Mmm.”Michaelfoievasivo.“Easuaoutrairmã?”“Oliviaémuitolinda”,elarespondeu.“Entãoparecequeelacombinarácomamaioriadoshomensmuitobem.”Penélopeendireitou-se.“Étãosimplesassim?”Eleaencarou.
“Belezaajuda.”Penélope jamaisseriaconsideradabonita.Simples,sim.Passável,até,emum
bomdia, comuma roupa nova.Mas nunca bonita.Mesmo quando estava para setornar duquesa de Leighton, não era bonita. Era apenas… ideal. Desprezou ahonestidade nas palavras de Michael. Ninguém gostava de ser lembrada de quehaviasidotrocadaporumamulhermaisbonita.
“Bem,Oliviaélinda,esabedisso…”“Elapareceencantadora.”Penélopeignorouotomirônicodele.“…eprecisarádeumhomemquea tratemuito,muitobem.Que tenhamuito
dinheiroenãoseimporteemgastarparamimá-la.”“IssomeparecetotalmenteoopostodoqueOliviaprecisa.”“Nãoé.Vocêverá.”Fez-sesilêncio,eelanãoseimportou,aninhando-senocalordele,adorandoa
sensação do corpo dele contra o seu, do calor dele tornando a carruageminfinitamentemais confortável.Quandoo balançar da carruagemestava prestes afazê-lacairnosono,elefalou.
“Evocê?”Elaabriuosolhos.“Eu?”“Sim.Você.Quetipodehomemcombinariacomvocê?”Elaobservouaformacomoocobertorlevantavaeabaixavanopeitodelecom
arespiração,osmovimentosdemoradoseconstantesacalmando-adeumamaneiraestranha.
Eu gostaria que você combinasse comigo. Ele era omarido dela, afinal. Eraapenasnaturalqueelaimaginassequeelepoderiasermaisdoqueumacompanhiafugaz.Maisdoqueumconhecido.Maisdoqueumamigo.Maisdoqueohomemfrio e duro que ela passou a esperar que ele fosse. Ela não achava ruim aqueleMichael,oqueestavapróximodela,aquecendo-a,conversandocomela.Claroquenãodissenadadisso.Preferiuresponder:
“Issonãotemmaisimportânciaagora,nãoé?”“Esetivesse?”Elenãoiadeixá-laevitarapergunta.Quer tenha sidopelo calor, pela tranquilidade, pela viagemoupelo homem,
elarespondeu:“Imagino que eu gostaria de alguém interessante… alguém gentil… alguém
dispostoamemostrar…”Comoviver.Elanãopodiadizer isso.Eleaexpulsariadacarruagemde tanto
rir.“Alguémcomquemdançar…comquemdarrisada…alguémcomquemme
importar.”
Alguémqueseimportassecomigo.“Alguémcomooseunoivo?”ElapensouemTommy.Porumrápidoinstante,pensouemdizeraMichaelque
ohomemnãoidentificadoaquemelesereferiaeraoamigoqueambosconheciamdesde sempre.O filho do homem que havia tirado tudo dele.Mas ela não queriaperturbá-lo,nãoenquantoosdoisestavamtranquilosequentes,eelapodia fingirquegostavamdacompanhiaumdooutro.Então,emvezdisso,elasussurrou:
“Gostariaquefossealguémcomoomeumarido.”Ele ficou em silêncio por um longo tempo, longo o suficiente para ela se
perguntarseeleahaviaescutado.Quandoarriscouespiá-lodiscretamente,viuqueele a estava encarando com uma atenção inquietante, os olhos castanhos quasedouradossobaluzfracadacarruagem.Poruminstantefugaz,elapensouqueelepoderiabeijá-la.Penélopedesejouqueeleabeijasse.Sentiuumcalorãono rostodiante daquele pensamento e virou-se para o outro lado rapidamente, voltando acabeça para o peito, fechando bem os olhos e desejando que aquele momentopassasse–juntocomsuatolice.
Nãoseriatãoruimseosdoisdefatocombinassem.
CapítuloOitoCaroM,Apenas umanota rápida para dizer que estamos todos pensando em você, eu
maisdoquetodos.Pergunteiameupaisepoderíamosirvisitá-loemEton,eéclaroqueelemedissequenãoseriaapropriado,umavezquenãosomosparentes.Éumatolice,naverdade.Vocêsempremepareceutãodaminhafamíliacomoalgumasdasminhasirmãs.DefinitivamentemaisdaminhafamíliadoqueminhatiaHester.
Tommypassaráas fériasdeverãoaqui.Estoucruzandoosdedosparaquesejunteanós.
Sempresua,PSolarNeedham,maiode1816
Semresposta
Nanoitedeseucasamento,BournesaiudesuaresidênciaquasequeimediatamentedepoisdedepositaraesposaládentroeseguiuparaoAnjoCaído.Estariamentindosedissesse quenão se sentiu comoumcretino aodeixá-la tão sumariamente, emumanovacasa,comumaequipenovadecriadosenadafamiliaraoredor,maseletinhaumaúnicameta imutável;quantomais rápidoaatingisse,melhor seriaparatodos.
EleenviariaoanúnciodocasamentoparaaTimes,arranjariacasamentosparaasdamasMarburyeobteriasuavingança.Não tinha tempoparasuanovaesposa.Certamentenãotinhatempoparaseussorrisossilenciosos,sualínguarápidaeparaa formacomoelao lembravade tudooquehaviaperdido.De tudoparaqueelehaviaviradoascostas.Nãohaviaespaçoemsuavidaparaqueconversassem,paraficarinteressadonoqueelatinhaadizer,paraconsiderá-ladivertidaouimportar-sesequerumpoucosobrecomoelasesentiaarespeitodasirmãsousobrecomoelahavia lidado com o noivado rompido, anos atrás. E definitivamente não haviaespaçoparaeledesejarassassinarohomemquehavia rompidoaquelenoivadoefeito com que ela duvidasse de simesma e de seu valor. Não importava que eladepositasse flores nos túmulos dos pais dele no Natal.Manter distância dela erafundamental–eraadistânciaqueiriaestabelecerosparâmetrosdocasamentodosdois,ouseja,queelemanteriasuavidacomoestava,eelaconstruiriasuaprópriavida. E embora eles fossem tratar do casamento das irmãs dela juntos, seria porseusmotivosindividuais.
Assim, ele a deixou com seus sonolentos e enrugados olhos da viagem e
seguiuparaoAnjoCaído,fazendoomáximoparaignorarofatodequeelaestavasozinhaemsuanoitedenúpciasequeeleprovavelmentesofreriaumatorturaextranoinfernoportê-ladeixadolá.
Quatrohorasemumacarruagem,ejáestavasendomoledemaisporela.Ele respirou fundo, apreciando a umidade gelada do ar da noite, amarelado
com a bruma de janeiro, enquanto percorria aMayfair até aRegent Street, ondeumaporçãodeambulantescontinuavasobaluzcadavezmaisfraca,surgindoemmeio à névoa apenas quando ficavama umbraçode distância.Não falavamcomele,instintivamentesabendoqueBournenãoandavanomercadoparaoqueestavamvendendo.Emvezdisso,desapareciamcomamesmarapidezcomqueapareciam,eBourneseguiuatéograndeedifíciodepedranoaltodaSt.James’s.
O clube ainda não estava aberto, e quando ele passou pela entrada dosproprietáriosefoiatéosalão,agradeceupelovaziodoambientecavernoso.Havialanternasacesasao redor,eumaporçãodecriadas finalizavao trabalhododia–esfregando tapetes, polindo castiçais e tirando o pó dos quadros pendurados nasparedes.Bourneatravessouatéocentrodosalão,parandoláporumlongotempoparaobservarolugar–olugarquevinhasendoseularpelosúltimoscincoanos.
Namaioriadastardes,eleeraoprimeirodosproprietáriosachegaraoAnjoCaídoegostavadisso.Apreciavao silênciodo salãonaquelahora, osmomentossilenciososantesdoscrupiêschegaremparaconferiropesodosdados,oóleonasroletas, o deslizar das cartas, preparando-se para a quantidade de pessoas queapareceria como gafanhotos e encheria o ambiente com gritos, risos e conversa.Elegostavadoclubevaziodetudo,excetodepossibilidades.Detentações.
Enfiouamãonobolsodocolete,embuscadotalismãqueestavasemprelá,amoedaqueo lembravadequeeraa tentaçãoenadamaisoquemantinhaaquelasmesascheias.Queeraatentaçãoquearruinava.Quenãosearriscavaoquenãosepodiadaroluxodeperder.Amoedanãoestavalá.Outralembrançadesuaesposaindesejada.
Seguiu para a mesa de roleta, passando os dedos pela pesada alça demetalprateadoda roda,girando-a, fazendoascorescorrerem juntas,puravelocidadeeluxo, enquanto estendia a mão para a bola de marfim na qual tantas esperançashaviamsidodepositadas–eperdidas.Comumhábilgestodopulso,mandouabolagirandoparaopoço,adorandoosomdoossocontraometal,aformacomoeleoarrepiava, suavidade e pecado. Vermelho. O sussurro ecoou através dele,espontâneo,irreversível.Nadasurpreendente.
Eleseviroudecostasantesdarodadiminuiravelocidade,antesdagravidadeedaprovidênciapuxaremabolaparaolugar.
“Vocêestádevolta.”Dooutroladodosalão,emolduradopelaportaabertadacontabilidade,estava
Cross, o quarto sócio do Anjo Caído. Cross cuidava das finanças do clube,
garantindoquecadacentavoquepassassepelaportadoclubefossebemregistrado.Ele era um gênio com números, mas não se parecia com, nem vivia como, ohomemdefinançassemparaleloqueera.Eraalto,unsquinzecentímetrosmaisaltodoqueMichael,maisalto inclusivedoqueTemple.MasenquantoTemple tinhaotamanho de uma pequena casa, Cross era comprido e magro, anguloso e forte.Bourne raramente o via comer, e se os buracos escuros sob seus olhos eramalgumaindicação,faziaumoudoisdiasqueohomemnãodormia.
“Vocêchegoucedo.”Crosspassouamãosobreoqueixomalbarbeado.“Fiqueiatétarde,narealidade.”Deuumpassoparaolado,permitindoqueuma
belamulherdeixasseasalaatrásdele.EladeuumsorrisotímidoparaBourneantesdepuxaroimensoCapuzdesuaCapasobreorosto.
Bourneobservouamulherandarapressadaatéaentradadoclube,saindosemproduzirqualquersom,antesdecruzaroolharcomCross.
“Vejoqueandoutrabalhandomuitoduro.”UmladodabocadeCrosslevantoudiantedocomentário.“Elaéboacomoslivros.”“Imaginoqueseja.”“Nãooestávamosesperandodevoltatãodepressa.”Elenãoesperavaestardevoltatãodepressa.“Ascoisasmeioquesofreramumavirada.”“Paramelhorouparapior?”O eco dos votos de casamento pronunciados com Penélope deixou Bourne
tenso.“Dependedopontodevista.”“Entendo.”“Duvidoqueentenda.”“Falconwell?”“Minha.”“Vocêsecasoucomagarota?”“Sim.”Crosssoltouumlongoassoviobaixinho.Bournenãopoderiaconcordarmais.“Ondeelaestá?”Pertodemais.“Naresidência.”“Nasuaresidência?”“Nãoconsidereiadequadotrazê-laaqui.”Crossficouemsilêncioporumlongotempo.“Confesso que estou ansioso por conhecer essa mulher que enfrentou o
casamentocomofrioeduroBourneenãofugiu.”
Ela não teve escolha. De forma alguma ela teria seguido em frente com ocasamentocomelesenãotivessesidolevadaàforçaatéovigáriodaparóquia.Setivessetidomaistempoparapensar.Eleeratudooqueelanãoera,toscoeraivoso,semesperançadealgumdiaretornaraomundonoqualhavianascido.Noqualelahavia nascido. Penélope… ela era decente e perfeitamente criada para uma vidanaquele mundo. Esse mundo – cheio de jogo, bebidas, sexo e coisas piores – aassustaria àmorte.Ele a deixaria apavorada.Mas elahaviapedidoparaver e elemostraria. Porque não podia resistir à tentação de corrompê-la. Era irresistíveldemais.Docedemais.Elanãosabiaoquehaviapedido.Pensavaqueaventuraerauma caminhada noturna nos bosques ao redor da casa da sua infância. O salãoprincipaldoAnjoCaídoemqualquernoiteadeixariahistérica.
“Avirada?”,Crossdisse,apoiando-senaparedecomosbraçoscruzadossobreopeito.“Vocêdissequenadaocorreuconformeoplanejado.”
“Concordeiemcasarasirmãsdelatambém.”Crosslevantouassobrancelhas.“Quantassão?”“Duas.Creioqueserábemfácil.”CruzoucomoolharsériodeCross.“Precisa
saberquefoiumcasodeamor.Nósnoscasamosestamanhã.Nãosuportariapassaruminstantemaislongedela.
Um segundo se passou para Cross ouvir a mentira e compreender seusignificado.
“Umavezquevocêsestãotãoapaixonados.”“Exatamente.”“Estamanhã”,Cross repetiu.Bourne virou-se de costas e espalmou asmãos
sobreamesadaroleta,pressionando-asfirmementecontraoluxuosotecidoverde.Sabendooqueviriaantesmesmodaspalavrasserempronunciadas.“Vocêadeixousozinhananoitedenúpcias.”
“Sim.”“Elatemcaradecavalo?”Não.Quandoestavanoaugedapaixão,elaeraestonteante.Elequeriadeitá-la
emsuacamaatorná-ladele.AlembrançadelasecontorcendocontraelenoSolarFalconwell ainda o fazia se remexer para acomodar a forma como suas calçasficavamapertadas.Esfregouamãonorostoaomentir.
“PrecisodeumtemponoringuecomTemple.”“Ah.Entendoquetemcaradecavalo.”“Nãotem.”“Entãotalvezdevavoltarparacasaeconsumarocasamentocomessamulhera
quemamatãoapaixonadamente.DeussabequeéumaexperiênciamaisprazerosadoqueTempledestruirasuaraçanoringue.”
Mesmoquesemereçaasurra.Poruminstantefugaz,Bournelevouaspalavras
em consideração. Repassou o que aconteceria caso ele retornasse para casa eprocurasse a nova esposa inocente. Imaginou como seria deitá-la em sua cama ereivindicá-lapara si, torná-la sua.Mostrara ela a aventuraque sequer sabiaquehaviapedido.Oscabelossedososdelaseprenderiamàbarbaásperadoqueixodele,os lábios carnudos se abririam em um suspiro enquanto ele acariciaria sua pelemacia, e ela gritaria com o prazer que ele arrancaria dela. Era uma tentaçãomaravilhosaecheiademalícia,maselanãoaceitariaaexperiênciadaformacomoelaseapresentasse.Elalhepediriamais.Maisdoqueeleestavadispostoadar.
Voltou o olhar para a roda da roleta, atraído, inexoravelmente, para onde abolinhabrancaencontrouseulugar.Preto.Claro.Virou-sedecostas.
“Temmais.”“Sempretem.”“Concordeiemretornarparaasociedade.”“BomDeus.Porquê?”“Éprecisocasarasirmãs.”Crossamaldiçoou,expressandoseuespantocomumaúnicapalavrainfame.“Needhamnegociouoseuretorno?Brilhante.”Bourne não contou a verdade – e que havia sido sua esposa a negociar os
termosprimeiro,ecommaissucesso.Emvezdisso,disse:“ElepossuiinformaçõesquedestruirãoLangford.”Crossarregalouosolhos.“Comoissoépossível?”“Nãoestávamosprocurandonoslugarescertos.”“Temcertezadeque…”“Asinformaçõesodestruirão.”“ENeedhamasentregaráavocêquandoasfilhasestiveremprometidas?”“Nãodeverálevarmuitotempo.Aparentemente,umadelasestáacaminhodo
altarcomCastleton.”Crosslevantouassobrancelhas.“Castletonéumidiota.”Bournelevantouumdosombrosemumgestodeindiferença.“Não será o primeiro aristocrata a casar-se com umamulher acima de sua
inteligência.Tampoucoseráoúltimo.”“Vocêdeixariasuairmãsolteiracasar-secomele?”“Nãotenhoumairmãsolteira.”“Amimmeparecequetemduasagora.”Bourne ouviu a censura nas palavras do sócio… sabia o que Cross estava
querendodizer.QueocasamentocomCastletoncondenariaqualquermulhercomumcérebronacabeçaaumavidadetédio.EPenélopesofreria,sabendoqueoutradesuas irmãshaviafeitoummaucasamento.Nãoenganoamimmesmapensando
queelaspoderiamencontraramor.Maselaspoderiamserfelizes,não?Eleignorouoeco.
“Estápraticamenteresolvido.IssomedeixaumpassomaispertodeLangford.Nãopretendoimpedir.Alémdisso,amaioriadasmulheresdaaristocraciaprecisasuportarseusmaridos.”
Crosslevantouumasobrancelha.“Precisa admitir que um casamento com Castleton seria uma provação.
Especialmente para uma jovem que espera por, digamos, conversa. Precisaapresentá-laaoutro.Alguémcomalgonacabeça.”
Bournelevantouumasobrancelha.“Estáoferecendoseusserviços?”Crossolhouparaele.“Certamenteháalguém.”“Porqueprocurarporoutrapessoa,quandoCastletonestáaqui,epronto.”“Vocêéumcretinofrio.”“Façooqueéprecisoetalvezvocêestejaficandomole.”“E você está mais duro do que nunca.” Como Bourne não respondeu, ele
continuou: “Talvez consiga alguns dos convites sem ajuda,mas, quanto ao resto,paraumverdadeiroretornoàsociedade,vaiprecisardeChase.Éaúnicaformadeconseguirabrirtodasasportasnecessárias”.
Bourne assentiu com a cabeça uma vez, endireitando-se, respirando fundo earrumandoasmangasdopaletócuidadosamente.
“Bem,entãoprecisoencontrarChase.”CruzouoolharcinzentodeCross.“Começarádizendoque…”Crossassentiu.“Vocêfoidominadopeloamor.”HouveuminstantedehesitaçãoantesdeBourneassentir.Crosspercebeu.“Vocêvaiterquesesairmelhordoqueissosequiserquealguémacreditena
suahistória.”Bourne sevirou, ignorandoaspalavrasatéqueCrossochamoudevolta. “Emaisumacoisa.Se a suavingança sebaseiano seucasamentoena suareputaçãoilibada,émelhorcuidarparagarantiraambosrapidamente.”
AssobrancelhasdeBournesejuntaram.“Oquevocêestádizendo?”Crosssorriu.“Estouapenassugerindoquevocêgarantaquesuaesposanãotenhabasepara
anulação.Leveamulherparaacama,Bourne.Rápido.”Bournenãotevechancederesponder,umavezquehouvesúbitacomoçãona
entradaprincipaldoclube,alémdeumaportalargadecarvalhoentreaberta.“Não dou a mínima que eu não seja membro. Deixe-me vê-lo, ou
transformareiadestruiçãodestelugarnomeuobjetivodevida…comvocêjunto.”BourneeCrossseencararam,eomaisaltodissecasualmente:“Já percebeu que é sempre a mesma promessa, mas nunca de alguém com
podersuficientepararealizá-la?”“Suaacompanhanteporacasotinhamarido?”Crossficouimpassível.“Eisumjogoemqueeunãoaposto.”“Entãonãoéparavocê.”Bourneseguiuparaaporta,abrindo-aparaencontrar
Bruno eAsriel, dois dos porteiros do cassino, segurando umhomemde altura eportemedianosdecaranaparede.“Cavalheiros”,eledissecomavozarrastada.“Oquetêmaí?”
Asrielvirou-separaele.“Estáatrásdevocê.”Comainformação,ohomemcomeçouasedebaterdeverdade.“Bourne!Vocêmeveráagora,oumeveráaoamanhecer.”Ele reconheceu a voz.Tommy. Fazia nove anos desde a última vez que tinha
vistoTommyAlles,desdeanoiteemqueopaideletirou,comprazer,tudooqueBournetinha.DesdequeTommypreferiusuaherança–aherançadeBourne–aoamigo.Noveanos,eaindaatraiçãooabalavapelaformacomooamigohavialheviradoascostas.Pelaformacomohaviasidocúmplicedasaçõesdopai.
“Não imagine por um instante que eu não me encontraria com você aoamanhecer”, ele disse. “Na realidade, eu pensaria muito bem antes de fazer essaoferta,sefossevocê.”
Tommy virou a cabeça contra a parede revestida de veludo, olhando paraBourne.
“Chameseuscãesdeguarda.”Asriel rosnou profundamente, e Bruno empurrou Tommy contra a parede.
DiantedogemidodeTommy,Bournedisse:“Cuidado.Elesnãolidambemcommausmodos.”Comumbraçoentreosombros,Tommyseencolheu.“Estabriganãoédeles.Ésua.”NeedhamprovavelmentehaviaalertadoTommysobreosplanosdeBourneeo
acordoentreeles.NadamaislevariaofilhodeLangfordaliparaencararBourneesuaraiva.
“Oquebuscanãoestáaqui.”“Esperomesmoqueelanãoesteja.”Ela.Ecomessaúnicapalavra,tudofezsentido.Tommynãohaviaidoatéali
atrásdodocumentodeNeedham.Provavelmentesequersabiadesuaexistência.EleestavaaliporPenélope.EstavaaliporFalconwell.
“Soltem-no.”
Depoisde liberado,Tommyajeitouocasacoe lançouumolhardeódioaosdoishomens.
“Obrigado.”BrunoeAsriel recuaram,masnãodeixaramo espaçopequeno,prontosasaltaremauxílioaopatrão,seprecisassedeles.
Bournefalouprimeiro:“Sereimuito claro. Casei-me com Penélope estamanhã e, ao fazer isso, fiz
comqueFalconwellsetornasseminha.Nemvocênemseupaitocarãoemminhasterras. Na verdade, se eu descobrir que algum dos dois sequer pôs os pés lánovamente,mandareiprendê-losporinvasão.”
Tommy passou uma mão sobre o lábio inchado e riu, um riso oco e semhumor.
“Achaquenãosabiaquevocêiriaatrásdasterras?Sabiaquefariaoquefosseprecisoparareclamá-lasnoinstanteemquesaíramdasmãosdomeupai.Porqueachaquetenteimecasarcomelaprimeiro?”
Aspalavras ecoarampela saleta, eBourne sentiu-segratopela luz fracaqueescondeusuasurpresa.Tommyeraonoivo.Eledeveria terpensadonaquilo,claro.Deveria ter imaginadoqueThomasAllesaindaestavanomundodePenélope.Navida dela. Deveria ter esperado que ele teria tentado recuperar Falconwell noinstanteemqueasterrasforamremovidasdesuaherança.
Então, ele a havia pedido em casamento, e ela havia aceitado, garota tola,provavelmente pensandoque o amava – o garoto de quemera amiga havia tantotempo.Nãoeracomissoquesonhavaumagarotatola?Casar-secomogarotoqueconheciadesdeainfância?Ocompanheirosimpleseamigável,oamigoseguroquejamaisprovocounadaalémderisadas?
“Ainda sendomanipulado pelo papai, Tom? Precisou sair correndo para secasarcomumagarotaparaconseguirumapropriedade?Minhapropriedade?”
“Nãoésuaháumadécada”,Tommydisparou.“Evocênãoamerece.Vocênãomereceela.”
Umlampejodelembrança.Ele,TommyePenélopeemumbarquinhonomeiodo lago em Falconwell, Tommy se equilibrando em pé na proa da embarcação,dizendoserumgrandeCapitãodomar,Penélopedando risada,oscabelos loirosbrilhandodouradosà luzdosolda tarde, todaaatençãovoltadaaooutrogaroto.Observando-a, Bourne agarrou as laterais do barco a remo, balançando-o uma,duas,trêsvezes.Tommyperdeuoequilíbrioecaiunolagocomumgrito.Tommy!Penélopehaviagritado,correndoatéabordadobarcoenquantoogarotoressurgianasuperfície,rindoearfando.Elaolhouparatrás,comcensuranoolhar,totalmentefocadaemBourne.Issonãofoigentil.
Ele eliminou a lembrança, voltando a atenção ao presente, para derrubarTommyumavezmais.Eledeveriaestarsatisfeitoporterarrancadomaisumacoisadasmãos de Tommy,mas não era prazer que o inundava naquelemomento. Era
fúria.FúriaporTommyquase ter ficadocomoqueeradeBourne:Falconwell ePenélope.Eleestreitouoolhar.
“Porém, tanto as terras quanto a dama sãominhas.Você e seupai chegaramtardedemais.”
Tommy deu um passo na direção dele, endireitando-se, ficando da altura deBourne.
“IssonãotemnadaavercomLangford.”“Nãosedeixeenganar. IssotemtudoavercomLangford.Pensaqueelenão
esperavaqueeufosseatrásdeFalconwellnoinstanteemqueNeedhamaganhou?Éevidente que sim. E ele também deve saber que eu não irei parar antes de tê-loarruinado.” Fez uma pausa, pensando naquele homem que um dia havia sido seuamigo.“Earruinadovocê,noprocesso.”
AlgoseacendeunoolhardeTommy,algoparecidocomcompreensão.“Você sentirá prazer com isso, não tenho dúvidas. Prazer em destruí-la
também.”Bournecruzouosbraçossobreopeito.“Minhas metas são claras: Falconwell e vingar-me de seu pai. Que você e
Penélopeestejamnomeiodessascoisasé,defato,umainfelicidade.”“Nãodeixareiquefaçamalaela.”“Quenobredasuaparte.Oquevaifazer,araptará?ComoumaGuinevereao
seuLancelot?Diga-me,eletambémnasceudoladodeforadolençol?”Tommyparalisoudiantedaspalavras.“Entãoéesteoseuplano.Vocêdestróimeupaiaomedestruir.”Bournelevantouumasobrancelha.“Olegadodelepelomeu.Ofilhodelepelofilhodomeupai.”“Tem umamemória ruim se acha que ele algum dia pensou emmim como
filhodocoração.”Aspalavrassoaramverdadeiras.Durantetodaajuventudedeles,LangfordjamaisteveumapalavragentilparaTommy.Semprefoiumhomemfrioeduro.
Bournenãoseimportavamais.“Nãoimportaoqueelepensava.Oqueimportaéoqueomundopensa.Sem
você,elenãotemnada.”Tommysebalançouemumpésó,omaxilarfixo,umecosilenciosodogaroto
quehaviasidoumdia.“Vocêéumcanalhaeeusouumcavalheiro.Jamaisacreditarãoemvocê.”“Acreditarãoquandoeuexibiraprova.”AssobrancelhasdeTommysejuntaram.“Nãoexisteprova.”“Vocêébem-vindoparatestaressateoria.”Tommytravouomaxilaredeuumpassoparafrente,sendolançadopelaraiva
nadireçãodeBourne,quedesvioudogolpe antesqueBruno saísseda escuridãoparaapartarabrigainevitável.
Os homens desviaram o olhar dos braços imensos do guarda-costas e seencararam.
“Oquequerdemim?”,Tommyperguntou.“Vocênãotemnadaqueeuqueira.”Bournefezumapausa,deixandoosilêncio
assombrar o adversário. “Tenho Falconwell,minha vingança e Penélope. E vocênãotemnada.”
“Ela foi minha antes de ser sua”, Tommy disse, com raiva na voz. “Todosaquelesanossemvocê…elaaindatinhaamim.Equandovirquemvocêé…oquesetornou…elavoltaráparamimnovamente.”
Bourne desprezava a ideia de que Tommy e Penélope tivessem continuadoamigos,mesmodepoisdeleterperdidotudo,mesmodepoisdeeletersidoinCapazderetornaraSurreyerecuperarsuacasa–oterceiropontodotriângulo.
“Écorajosodemeameaçar.”OlhouparaBruno.“Acompanhe-oparafora.”Tommypuxouobraçodagarradograndalhão.“Possosairsozinho.”Atravessouaportaquelevavaparafora,parandolápor
alguns segundos antes de se virar novamente para olhar Bourne nos olhos.“Devolva-aparaSurrey,Michael.Deixe-aempaz,antesdedestruí-lacomsuaraivaesuavingança.”
Elequeriarejeitarapremissa.Masnãoeratolo.Eraclaroqueadestruiria.Eleadestruiria,porqueeraissooquefazia.
“Seeufossevocê,mepreocupariamenoscomprotegeraminhaesposaemaiscomprotegerseunome.Porquequandoeutiverterminadocomseupai,vocênãopoderámostrarorostoemLondres.”
Quando Tommy respondeu, seu tom foi muito firme – uma convicção queMichaelnãoreconhecianogarotoqueelehaviaconhecidoumdia.
“Nãomedeixoenganarqueeupossameprotegerdoescândaloquepretendeprovocar,mas farei tudo o que puder para lutar contra você… tudo o que puderparaprotegerPenélope.Paralembrá-ladequehouveumtempoemqueosamigosdelateriamfeitoqualquercoisaparaevitar-lhequalquermal.”
Bournelevantouumasobrancelha.“Vocêpareceterfracassadonisso,não?”O rosto de Tommy foi atravessado por um lampejo involuntário de
arrependimento.“Sim.Masessejamaisdeveriatersidomeupapel.”SeBournepermitisse,aspalavrasoteriamatingido.Emvezdisso,ironizou:“Tranquilize-se,Tom,pelomenoselanãoprecisará lidarcomseuescândalo
depoisqueeudivulgá-loaosjornais.”Tommy voltou-se para ele novamente, o olhar sagaz cruzando com o de
Bournenaescuridão,antesdelefalarsuaspalavrasdedespedida.“Não,elanãoteráoescândalosobreela…masteráoarrependimentodeterse
casadocomvocê.Nãoduvidedisso.”Elenãoduvidavanemumpouco.Aportapesadafechou-seatrásdeTommy,e
Bourne abstraiu o som, a raiva, a irritação emais alguma coisa – algo que nãodesejavadefinir–queoatravessava.
CapítuloNoveCaroM,Escrevo de uma carruagem, onde passei os últimos seis dias, com asminhas
quatroirmãseminhamãe,rodandopelonorteemvisitaàtiaHester(dequemdeveserecordardeminhaúltimacarta).NãoconsigoimaginaroquepodetersepassadopelacabeçadosromanosparaprosseguiremamarchaaonorteafimdeconstruiraMuralhadeAdriano.Nãodeviamterirmãs,ounãoteriamconseguidoatravessaraToscana.
Sua,perseverante,PEmalgumlugardaGrandeEstradadoNorte,junhode1816
Semresposta
Eleahaviadeixado...Penélope levou um quarto de hora para recuperar os sentidos, parada na
entradadacasa londrinadeMichael, juntocomdiversaspilhasdepertences seus.Ele a havia deixado, sumariamente, com um simples “Adeus”. Penélope ficouolhando fixamente para a imensa porta de carvalho através da qual ele haviapartido, por mais tempo do que ela gostaria de admitir, lutando contra diversasverdades-chaves. Ele a havia deixado, em sua primeira noite na casa dele emLondres,semsequerapresentá-laaoscriadosantesdepartir.Nanoitedenúpcias.Elanãoqueriapensardemaisnessaparte.
Emvezdisso,focou-senofatodequeestavaparadafeitoumatolanosaguãodeentradadaresidênciadeseumarido,semacompanhanteexcetopordoislacaiosde aparência muito jovem, que pareciam inseguros quanto a seus verdadeirospapéisnaquelemomento.Penélopenãotinhacertezasobresedeveriasereconfortarcom a ideia de que eles não cruzavam frequentemente com mulheres solitáriasnaquelaresidênciaousedeveriasentir-seofendidaqueelesnãoativessemlevadoauma sala de espera enquanto elaboravam um plano a seu respeito. Forçou umsorrisoedirigiu-seaomaisvelhodosdois–quenãodeviatermaisdoque15anos–,desesperadoparaservir.
“Suponhoqueacasatenhaumagovernanta?”Viu uma onda de alívio tomar conta do jovem e sentiu umpouco de inveja.
Desejavasabercomosecomportarnaquelasituação.“Sim,senhora.”“Excelente.Seráquepoderiachamá-la?”
Olacaiofezumareverência,emaisoutra,evidentementeansiosoporfazeromelhorpossível.
“Sim,senhora.Comodesejar,senhora.”Saiucomoumraio,eocolegapareciamaisemaisdesconfortávelacadaminuto.
Elaconheciaasensação.Masosimplesfatodeestarcompletamenteinseguranãosignificavaqueopobregarotoparadoàsuafrenteprecisavasofrerdamesmaforma.
“Nãoprecisapermaneceraqui”,eladissecomumsorrisoencorajador.“Estoucertadequeagovernantachegaráemseguida.”
O lacaio – jovem demais para ser um lacaio, na verdade – resmungou umapalavra de concordância quase que imediatamente. Penélope soltou um longosuspiroeavaliouaentradadaresidência,todademármoreedourado,luxuosaenoaugedamoda–umpoucoextravagantedemaisparaseugosto,masimediatamentecompreendeuadecoração.Michaelpodia terperdido tudoemuminfamejogodeazar, mas havia se recuperado e multiplicado por vinte. Qualquer pessoa queentrasseemsuacasaveriaisso.
Sentiuumapertonopeitoaopensarno jovemmarquês trabalhandotãoduropara recuperar sua fortuna. Que força devia ter sido necessária… quecomprometimento.Eraumapenaquenão tivesseomesmocomprometimentoemrelação à esposa. Afastou o pensamento, encarando o imenso baú que haviachegado junto com a carruagem deles naquela noite. Bem, se ela não ia sercolocada emuma sala, eramelhor ficarmais confortável.Desabotoou aCapa deviageme se sentou sobre a bagagem, imaginando se talvez fossemorar ali…nosaguão.
Então,percebeuumacomoçãonosfundosdacasa…umaporçãodesussurrosagitados, pontuados pelo bater de sapatos, e Penélope não conseguiu deixar desorrircomosom.Aparentemente,nenhumdoscriadoshaviasidoinformadosobreanovamulherdopatrão.Penélopepensouquenãodeveriasesurpreender,umavezqueelapróprianãoesperavatalcoisaatédoisdiasantes.Masnãoconseguiudeixardesentir-seligeiramenteirritadacomomarido.Elepoderiaaomenosterdedicadouminstanteparaapresentá-laàgovernantaantesdeseguirparaqualquerquefosseonegócioimportanteparaele,àquelaalturanodia.Nodiadocasamentodele.
Suspirou,ouvindoa impaciênciaea irritaçãonosomqueproduziu,sabendoque damas não demonstravam irritação.Mas esperava que a regra não fosse tãorígidaparaquemtivessesecasadocomumaristocrataarruinado.Certamentehaviapossibilidade de interpretação, quando se estava sentada na própria casa nova, àesperaquelhelevassemaumquarto.Qualquerquarto.InspecionouapalmadeumadasluvaseseperguntoucomoMichaelreagiriaseretornasse,dentrodehoras,eaencontrassesentadasobreumbaú,esperandoporele.Aimagemdele,surpreso,fezcomqueeladesseumarisada.Talvezvalesseapena.Remexeu-se,ignorandoador
nascostas.Marquesascertamentenãopensavamemdesconfortonascostas.“Senhora?”Penélopelevantou-sedeumsalto,girandonadireçãodaspalavras,hesitantese
curiosas, ditas atrás dela, pela mulher mais linda que ela já tinha visto. Nãoimportavaqueusasseumsimplesuniforme–identificável,emqualquerresidênciada Grã-Bretanha, como a roupa de uma governanta – ou que seus cabelosvermelho-flamejantes estivessem presos em um nó apertado e perfeito. Aquelamulher, jovem e esguia, com osmaiores emais belos olhos azuis que Penélopejamaishaviavisto, era impressionante comoumapinturadeummestreholandês.ComonenhumacriadaquePenélopejamaisviu.EelavivianacasadeMichael.
“Eu…”, ela começou, então parou, percebendo que a estava encarando.Sacudiuacabeça.“Eu…sim?”
Agovernantanãodeu sinaldeque sequerhaviapercebidoocomportamentoestranho,preferindoaproximar-seeinclinar-seemumareverência.
“Lamentonãotê-larecebidoimediatamenteapóssuachegada.Masnósnão…”,foisuavezdeparar.
Nósnãoaesperávamos.Penélopeouviuaspalavras,mesmoquenãotivessemsidopronunciadas.Agovernantatentounovamente:
“Bournenão…”Bourne?!Não,LordeBourne...ApenasBourne.Sentiu uma emoção, quente e
poucoconhecida.Ciúme.“Compreendo. Lorde Bourne tem estado muito ocupado nos últimos dias.”
Penélope enfatizou o título, percebendo a compreensão no olhar da outra. “É agovernanta,suponho?”
Abelamulherdeuumpequenosorrisoefezmaisumareverência.“Srta.Worth.”Penélope imaginou se a Srta.Worth era casada, ou se o título vinha com a
posição.AideiadeMichaelcomumagovernantalindíssima,jovemesolteiranãolhecaiumuitobem.
“Desejaconheceracasa?Ouserapresentadaaosempregados?”Sra.Worthparecianãosaberbemoqueviriaaseguir.“Gostariadevermeusaposentos,porora”,respondeu,apiedando-sedaoutra
mulher, que certamente estava tão surpresa pelo casamento do patrão quantoPenélope.“Viajamosamaiorpartedodia.”
“Éclaro.”ASrta.Worthassentiu,guiandoocaminhoatéaamplaescadariaquelevava ao que Penélope supunha serem os aposentos privados da residência.“Pedireiqueosmeninostragamseusbaúsparacimaimediatamente.”
Enquantosubiamaescada,Penélopenãoconseguiuseconter.“SeumaridotambéméfuncionáriodeLordeBourne?”Houveumalongapausaantesdagovernantaresponder:
“Não,senhora.”Penélopesabiaquenãodeveriapressionar.“Umacasapróxima,então?”Maisumapausa.“Nãotenhomarido.”Penéloperesistiuaodesagradávelciúmequeseseguiuaopronunciamentoeao
impulsodefazermaisperguntasàbelagovernanta.ASrta.Worthjáhaviaseviradode costas e estava abrindo calmamente a porta que levava a uma mal iluminadaalcova.
“Acenderemos a lareira agora mesmo, evidentemente, senhora.” Seguiu emfrente decidida, acendendo velas pelo quarto, revelando aos poucos um ambienteaconcheganteebemequipado,decoradocomencantadorestonsdeverdeeazul.“Emandareiprepararumabandejaparaasenhora.Deveestarcomfome.”Depoisdefinalizarsuatarefa,voltou-senovamenteparaPenélope.“Nãotemosumacamareiraemnossaequipe,maseuadoraria…”,elaparoudefalar.
Penélopesacudiuacabeça.“Minhacriadanãodeveestarmuitodistante.”O rosto da outra foi tomado de alívio, e ela abaixou a cabeça, aquiescendo.
Penélope a observou cuidadosamente, fascinada por aquela linda criatura queparecia ser, aomesmo tempo,umacriadacompetenteenãoparecia sercriadademodoalgum.
“Háquantotempoestáaqui?”Srta. Worth levantou a cabeça de repente, encarando Penélope no mesmo
instante.“Com Bou…”, ela parou, controlando-se. “Com Lorde Bourne?” Penélope
assentiucomacabeça.“Doisanos.”“Émuitojovemparasergovernanta.”OolhardaSrta.Worthassumiuumaexpressãodefensiva.“TivemuitasortedeLordeBourneterlugarparamimaqui.”UmadezenadeperguntaspassarampelacabeçadePenélope,eelaprecisoude
todaenergiapossívelparanãofazê-las–paradescobriraverdadesobreaquelabelamulher e como ela havia passado a viver com Michael. Mas aquele não era omomento,nãoimportavaoquantoelaestivessecuriosa.Emvezdisso,elalevantouamãoesoltouochapéu,seguindoatéumapenteadeirapróximaparatirá-lo.Aosevirarnovamente,dispensouagovernanta.
“Meusbaúseumjantarpareceótimo.Eumbanho,porfavor.”“Como desejar, senhora.” A Srta. Worth saiu imediatamente, deixando
Penélopeasós.Respirandofundo,Penélopedeuumavolta,examinandooquarto.Eralindo–
ricamente decorado com sedas nas paredes e um imenso tapete que devia ser
oriental.Osobjetosdearteeramdebomgosto,eamobília,deextremaqualidade.Haviafogonalareira,masofrioeocheirodefumaçanoarprovavamqueacasanãoestavapreparadaparasuachegada.
Foiatéolavatório,instaladodiantedeumajanelaquedavaparaumamploeextravagante jardim, derramou água na bacia e pôs as mãos sobre a porcelanabranca,observandoaáguadistorcersuacoresuaforma,dando-lhesaaparênciadeestaremquebradas e frágeis.Respirou fundo, focando no local em que o líquidofrioabriacaminhopeloardoquarto.
Quando a porta se abriu, Penélope afastou-se da bacia, quase tropeçando nabaseederramandoáguaemsimesmaenotapete.Virou-separaverumamenina–comnomáximo13ou14anos–queentroufazendoumarápidareverência.
“Vimacenderalareira,senhora.”Penélopeviuagarotaagachar-secomumisqueiro,ealembrançadeMichael,
poucos dias antes, na mesma posição em Falconwell. Os gravetos acenderam, ePenélope sentiu o rosto quente ao se lembrar de tudo o que se sucedeu naquelanoite… e namanhã seguinte.A lembrança trouxe junto uma pontada de lamento.Lamentoporelenãoestarali.AgarotaselevantoueficoudefrenteparaPenélope,comacabeçamuitoabaixada.
“Asenhoraprecisademaisalgumacoisa?”Penélopeficoucuriosamaisumavez.“Qualéseunome?”Ameninalevantouacabeçaderepente.“Meu…meunome?”Penélopetentoudarumsorrisotranquilizador.“Senãoseimportardemedizer.”“Alice.”“Qualanosvocêtem,Alice?”Ameninafezumameiareverêncianovamente.“Catorze,senhora.”“Eháquantotempotrabalhaaqui?”“NaMansãodoDiabo,querdizer?”Penélopearregalouosolhos.“MansãodoDiabo?”BomDeus.“Sim,senhora.”Apequenacriadaapressou-searesponder,comosefosseum
nome perfeitamente razoável para uma residência. “Três anos. Meu irmão e euprecisávamos de emprego depois que nossos pais…” Ela parou de falar, masPenélopenãotevedificuldadeparapreencherorestante.
“Seuirmãotrabalhaaquitambém?”“Sim,senhora.Élacaio.”
O que explicava a juventude inesperada dos lacaios. Alice pareciatremendamentenervosa.
“Asenhoraprecisademaisalgumacoisa?”Penélopesacudiuacabeça.“Nãoestanoite,Alice.”“Obrigada, madame.” A menina virou-se na direção da porta e quase havia
alcançadoaliberdade,quandoPenélopeachamoudevolta.“Ah, tem uma coisa.”Amenina virou-se novamente para ela, com os olhos
arregalados,àesperadopedido.“Podemedizerondeficaoquartodopatrão?”“QuerdizerosaposentosdeBourne?”Aíestava,maisumavez.Bourne.“Sim.”“Amaioriadenósusaaportaaolado,pelocorredor,masasenhoratemuma
portadireta”,Alicedisse,apontandoparaumaportaemumcantodoquarto,quaseescondidaatrásdobiombodevestir.
Uma passagem direta... O coração de Penélope começou a bater um poucomaisrápido.
“Entendo.”Eraclaroqueelateriaumapassagemdiretaparaosaposentosdomarido.Ele
era,afinal,seumarido.Talvezeleausasse.Algumacoisaafezestremecer,algoquenãoconseguiuidentificar.Medo,possivelmente.Excitação.Aventura...
“Estou certa de que ele não se importará que esteja aqui, senhora. Ele nãocostumadormirnestacasa.”
Penélopesentiuorostoquentemaisumavez.“Entendo”,elarepetiu.Eledormiaemalgumoutrolugar.Comoutrapessoa.“Boanoite,senhora.”“Boanoite,Alice.”A garota se retirou, e Penélope ficou parada, fitando a porta,
insuportavelmente curiosa sobre o que havia atrás dela. A curiosidade continuoudepoisqueseusbaúschegaram,seguidospelojantar–umarefeiçãosimplesefartade pão fresco e queijo, presunto quente e um encantador e saboroso chutney. Acuriosidade a consumiu durante todo o tempo: enquanto ela comia e sua criadarecém-chegadatiravadosbaúsaspeçasderoupamaisvitais;enquantoosmeninosque haviam levado seus baús enchiam sua banheira; enquanto ela se banhava, sesecava, se vestia e tentava desesperadamente escrever uma carta para a primaCatherine.
Quando o relógio bateumeia-noite, e ela se deu conta de que o dia de seucasamento – e sua noite de núpcias – tinha terminado, a curiosidade sobre o quehaviaatrásdaquelaportatransformou-seemdecepção.
Eentão, em irritação.Seuolhar foi atraídoparaoquarto adjacenteumavez
mais.Elaolhouparaomogno,enãosentianemumpoucodevergonhada raivaquetomavacontadela.E,naquelafraçãodesegundo,tomouumadecisão.Foiatéaportaeaescancarou,revelandoumagrandeeintensaescuridão.
Oscriadossabiamqueelenãoplanejavaretornarnaquelanoite,senão,teriammantidoo fogoacesoparaele.Elaeraaúnicaqueesperavaseu retorno.Aúnicaquepensavaquetalvezanoitedenúpciasdosdoispudesseseralgo…mais...
Tola Penélope. Ele não queria se casar com ela. Ele havia se casado porFalconwell. Por que era tão difícil lembrar-se disso? Engoliu em seco o nó quesentianagarganta,respirandofundo.Nãosepermitiriachorar.Nãonaquelanoite.Nãonaquelanovacasa,comseuscriadoscuriosos.Nãoemsuanoitedenúpcias.Aprimeiranoitedorestodesuavida.SuaprimeiranoitecomomarquesadeBourne,comasliberdadesquevinhamcomotítulo.
Então,não!Elanãoiriachorar.Emvezdisso,elateriaumaaventura.Pegandoumgrandecastiçaldeumamesapróxima,entrounoquarto,seguidaporumafontedeluzdourada,revelandoumaimensaparededeestantesrepletasdelivroseumalareira demármore, comduas grandes poltronasmuito bonitas confortavelmentedispostasaoredor.Fezumapausadiantedalareiraparaexaminaraimensapinturapendurada acima dela, levantando a vela para iluminar melhor a paisagem:Falconwell... Não a casa, mas as terras. As colinas que deram forma abriam aoimpressionante e reluzente lago que marcava o limite ocidental da propriedadeverdeeexuberante–ajoiadeSurrey.Asterrasqueumdiahaviamsidoseudireitode nascença. Ele acordava com Falconwell. Quer dizer, quando dormia naquelequarto.
Aideiaafastouqualquersimpatiaquepudessetersentidonaquelemomento,eelaseafastou,cheiadeirritaçãoedecepção.Suavelarevelouospésdeumaimensacama–maiordoquequalquercamaqueelaviunavida.Penélopeficouboquiabertadiante de seu tamanho. Imensas colunasde carvalhonosquatro cantos, umamaisfinamenteentalhadadoqueaoutra,eacoberturaacimasituadaapelomenosdoismetrosdealtura–talvezmais.Acobertadacamaeradetecidocordevinhoeazul-noite, e ela não pôde deixar de estender a mão para passar os dedos sobre odrapeado de veludo. Era luxo, riqueza e extravagância ao extremo, edevastadoramentemasculino.
Essepensamentoafezvoltarorostoparaorestantedoquarto,seguindoaluzda vela com o olhar, Capturada por um grande decanter de cristal, cheio de umlíquido escuro, combinando com um conjunto de copos. Perguntou-se com quefrequência ele se servia de uma dose de uísque, e o levava até a cama imensa.Perguntou-secomquefrequênciaeleserviaumaquantidadesemelhantedabebidaaumaconvidada.AideiadeoutramulhernacamadeMichael,sombriaevoluptuosa,à altura da beleza e da ousadia dele, alimentou a ira de Penélope. Ele a haviadeixadoali,nacasadele,emsuaprimeiranoitecomosuaesposa,ehaviasaídopara
bebercomumadeusa.Nãoimportavaquenãotivesseprovas.Issoadeixoufuriosamesmo assim. A conversa dos dois na carruagem não havia significado nada?ComopoderiamprovaraLondreseàsociedadequeaquelafarsadecasamentonãoeranadapertodoverdadeiroescândalo,seeleestavavagabundeandocom…com…damasdanoite?Eoqueeladeveriafazerenquantoeleviviaavidadeumlibertinodevasso?Ficarali sentadabordando,atéeledecidiragraciá-lacomsuapresença?Não!Elanãofariaisso.
“Definitivamentenão”,juroubaixinhoetriunfantenoquartoescuro,comosedepoisqueaspalavrasforampronunciadasemvozaltanãopudessemseranuladas.
Etalveznãopudessem...Seuolharpousousobreodecantermaisumavez,oscortesprofundosnovidro,abaselarga,projetadaparaevitarqueagarrafavirasseem mares violentos. Ele tinha um decanter de Capitão de navio em seu quartoluxuoso,umambientedetecidosepecadoquepoderiapertenceraqualquerpirataderespeito.Bem...Elamostrariaaelemaresviolentos.
Antes que pudesse pensar direito, estava a caminho da bebida, largando ocandelabro, pegando um copo e servindo mais uísque do que qualquer mulherdecente deveria beber. O fato de que ela não tinha certeza de exatamente quantouísque uma mulher decente poderia beber era irrelevante. Sentiu um prazerperverso na forma comoo líquido âmbar encheu o recipiente de cristal e riu aoimaginaroque seunovomaridopensaria sechegasseemcasanaquele instante–suaesposadecente,arrancadadocaminhodeumavidadesolteirona,agarradaaumcopocomuísquepelametade.Meiocheiodefuturo.Meiocheiodeaventura.
Comumsorriso,Penélopebrindouasimesmanoamploespelhopenduradoatrásdodecantere tomouumlongogoledeuísque.Equasemorreu...Nãoestavapreparadaparaocalorintensoquedesceuqueimandopelagargantaeseconcentrounoestômago,fazendo-asentirumaânsiaantesderecuperarocontroledasprópriasfaculdades.
“Argh!”,anunciouparaoquartovazio,olhandoparaocopoeseperguntandopor que alguém, especialmente os homens mais ricos da Grã-Bretanha, podiamrealmentequererbeberalgotãoardidoeamargo.
Tinha gosto de fogo. Fogo e…árvores. E era horrível!No que se referia aaventuras,aquelanãoestavaparecendonadapromissora.Penélopeachouque iriavomitar. Apoiou-se no aparador, inclinando-se para frente e imaginando se erapossível que tivesse realmente provocado danos sérios e irreversíveis à suasentranhas.Respiroufundováriasvezes,eoardorcomeçouaceder,deixandoparatrásumcalor lânguidoevagamenteencorajador.Endireitou-se.Nãoeratãoruim,afinal.
Ficou novamente em pé, levantando o candelabro uma vezmais e seguindoparaasprateleiras,entortandoacabeçaparalerostítulosdoslivroscomCapasdecouro, que as preenchiam completamente. Parecia estranho que Michael tivesse
livros.Não conseguia imaginá-lo parando por tempo suficiente para ler.Mas aliestavam – Homero, Shakespeare, Chaucer, vários volumes alemães sobreagricultura,etodaumaprateleirasobrehistóriasdosreisbritânicos.EoNobrezadeDebrett.
Passouosdedossobreoletreirodouradodovolume–ahistóriacompletadaaristocraciabritânica–comalombadagastadouso.Paraalguémtãosatisfeitocoma própria ausência da sociedade, Michael parecia folhear bastante aquele tomo.Tirouovolumedaestante,deslizandoamãosobreaCapadecouroantesdeabri-loaleatoriamente.Caiuemumapáginavistacomfrequência.
O verbete para o marquesado de Bourne. Penélope passou os dedos pelasletras, a longa linhagem de homens que detiveram o título antes deMichael.Atéagora.Eláestavaele:MichaelHenryStephen,10omarquêsdeBourne,2ocondedeArran,nascidoem1800.Em1816,elefoidenominadomarquêsdeBourne,paraeleeosherdeirosmasculinosnascidosdele.
Elepodiafingirnãoseimportarcomseutítulo,massentia-seligadoaeledealguma maneira, ou aquele livro não estaria tão usado. Foi atravessada por umsentimento de prazer ao ter esse pensamento, coma ideia de que ele ainda podiapensaremseutempopassadoemSurrey,emsuasterras,emsuainfância,nela.
Talvez ele não a tivesse esquecido– assimcomoela nãoo havia esquecido.Passou o indicador pela linha do texto. Os herdeiros masculinos nascidos dele.Imaginouumgrupodemeninosdesengonçadosdecabelosescuros,comcovinhasnasbochechas,eroupasamarrotadas.PequenosMichaels.Osherdeirosmasculinosnascidosdelatambém.Seelealgumdiaviesseparacasa.
Devolveu o livro ao lugar e aproximou-se da cama, examinando o imensomóvel mais atentamente, avaliando a colcha escura, perguntando-se se era develudo– secombinavacomascortinasao redordacama.Ela soltouocastiçal eestendeuamão,querendotocá-la.Querendosentirolugaremqueeledormia.
Acolchanãoeradeveludo.Eladepele...Pelemaciaeexuberante.Claroquesim.Passouamãoespalmadapelacolchaeimaginou,poruminstantefugaz,comoseriadeitar-senaquelacama,envoltaemescuridãoepele.EemMichael.Eleeraumimoraleumcanalha,esuacamaemsieraumaaventura.
Apelemaciaaatraiu,tentando-aasubireaquecer-seemseucaloreseuluxo.Tão rapidamente como a ideia lhe ocorreu, ela começou a semexer, deixandoocopo cair no chão, semperceber, enquanto subia na cama comouma criança embuscadebiscoitos,escalandoasprateleirasdadespensa.Eraacoisamaismaciaeluxuosaqueelajamaishaviaexperimentado.Roloudecostas,abrindoosbraçosepernas,adorandoaformacomoaspenaseapeleaninhavamseupeso,permitindoqueelaafundassenascobertas, sentindoomaispuroeabsolutoprazer.Nenhumacamadeveriasertãoconfortávelassim.Mas,claro,adeleera.
“Eleédepravado”,disseemvozaltanoquarto,ouvindooecoardaspalavras
sefundiremcomaescuridão.Levantouosbraços,quepareciammaispesadosdoqueonormal,eosergueu
diretamenteparaa coberturaacima, remexendo-semais fundonascobertas, antesde fecharosolhos,virandoo rostode ladoeesfregandoabochechanapele.Elasuspirou.Pareciainjustoqueumacamadaquelasficassesemuso.
Seus pensamentos estavam lentos, como se viessem de debaixo d’água, ePenélopeestavaabsolutamentecientedopesodeseucorpoafundandonocolchão.Aquele relaxamento gloriosodevia ser omotivo pelo qual as pessoas bebiam. Elacertamentecomeçouagostarmaisdaideia.
“Parecequevocêseperdeunocaminho.”Abriuosolhosaoouviraquelaspalavras,ditasbaixasesuavesnaescuridão,e
encontrouomaridoparadoaoladodacama,olhandoparabaixo,encarando-a.
CapítuloDezCaroM,Não tendo recebido resposta sua em inglês, pensei que talvez você pudesse
responderem idiomasalternativos.Estejaavisadodequehá latim (provavelmenteincorreto)abaixo.
Écrivez,s’ilvousplaîtPlacetscribesBitteschreibenSieScrivimi,perfavoreYsgrifennwch,osgwelwchynddaConfessoquepediqueumadascriadasgalesasdacozinhameajudassecoma
última,masosentimentoéomesmo.Porfavor,escreva,P
SolarNeedham,setembrode1816
Semresposta(emqualqueridioma)
ComosóciodomaisluxuosocassinodeLondres,Bourneestavafamiliarizadocomtentações.Eraespecializadoempecadoetinhaumconhecimentopessoaldosvícios.Conhecia a sensação do tecido verde esmeralda estendido sobre uma mesa debilhar,compreendiaaformacomoocoraçãodisparavaaosomdosdadosfazendobarulho na mão de alguém, conhecia o precipício que um jogador desafiava aoesperarporaquelaúnicacartaqueofariaganhar–ouperder–umafortuna.
Masjamaisemsuavidaexperimentouumatentaçãotãoagudacomoaquela–ochamado ao pecado e à malícia que disparou em sua cabeça, ao ver sua nova evirginal esposa se contorcendo sobre sua colcha de pele, vestindo apenas umacamisoladelinho.Seucorpofoidominadoporumdesejoforteeintenso,eelefezumenormeesforçoparanão rasgara roupadedormirdelaemduas,deixando-anuadiantedeseusolhos,suasmãosesuaboca,pelorestodanoite.Parareivindicá-lacomosua...
Sentiu raiva, agora misturada em uma combinação intoxicante com desejo,quando ela piscou para ele, lenta e languidamente, à luz cintilante das velas. Olampejodeumsorrisoqueela lhedeu fez comquequisesse tirar toda a roupaesubirnaquelacamapararoçaracolchamaciaemsuapele impecávelemostraraelaexatamenteoquantopodiasergloriosaadepravação.Elapiscounovamente,eeleendureceu,ascalçasperfeitamentecortadasderepentepareciamjustasdemais.
“Michael”,elasussurrou,comumtoquedesatisfaçãoemseutomdevozquenãooajudavamuito.“Vocênãodeveriaestaraqui.”
E,noentanto,eleestava...Umaraposainvadindoumgalinheiro.“Estavaesperandooutrapessoa?”Aspalavrassoaramdurasaosouvidosdele,
repletasdeumsignificadoqueelanãocompreenderia.“Continuasendomeuquarto,não?”
Penélopesorriu.“Vocêfezumapiada.Claroquesim.”“Entãoporqueeunãodeveriaestaraqui?”Aperguntapareceuincomodá-la.Elafranziuonariz.“Vocêdeveriaestarcomsuadeusa.”Elafechouosolhosesebalançousobrea
pelenovamente,soltandoumgemidobaixodeprazer.“Minhadeusa?”“Mmm.Alicemedissequevocênãodormeaqui.”Penélope tentousentar-se,
masseumovimentofoidificultadopelapeleepelacamadepenas,eMichaelviuodecote de sua camisola deslizar, devastadora e lindamente, deixando à mostra acurva de um dos seios nus. “Você fica sempre tão quieto, Michael. Tenta meintimidar?”
Bourneforçou-seaacalmaravoz.“Euaintimido?”“Àsvezes...Masnãoagora.”Ela rastejouatéele,ajoelhando-seemsua frente, sobreacama,comumdos
joelhosesticandootecido,eBourneseviurezandoparaqueacamisolacaíssemaisdois centímetros… dois centímetros. Apenas o suficiente para expor um de seusmamilosperfeitos.Sacudiuacabeçaparaafastaropensamento.Eraumhomemde30anos,nãoumgarotode12.Jáhaviavistobastantesseiosnavida.Nãoprecisavasentir desejo pela esposa, balançando diante dele, testando a força do tecido dacamisolaeasanidadedeleaomesmotempo.Defato,elenãohaviaretornadoporumacessodedesejo.Haviaretornadoporqueestavacomraiva.ComraivadelaporterquasesecasadocomTommy.Pornãotercontadoaverdadeaele.
Elainterrompeuseuspensamentos,eeleaseguroupelacinturaparaevitarquecaísse.
“Sintomuitopornãoserperfeita.”Naquelemomento,aúnicaimperfeiçãonelaeraofatodeestarvestida.“Oqueafazdizerisso?”“Nósnoscasamoshoje”,eladisse.“Outalveznãoselembredisso?”“Eumelembro.”Elaestavatornandoimpossívelesquecer.“Émesmo?Porquevocêmedeixou...”“Eu me lembro disso também.” Ele havia voltado, pronto para consumar o
casamento.Prontopara reivindicá-lacomosuaeeliminarqualquerdúvidadeque
osdoisestivessemcasados,dequeFalconwelleradele.Dequeelaeradele.Dele,enãodeTommy.“Noivas não esperam ser deixadas em suas noites de núpcias,Michael.” Ele
não respondeu, e ela ficou mais insolente, levando as mãos aos braços dele,agarrando-o através das camadas de roupa. “Não gostamos disso. Principalmentequando o noivo renuncia a uma noite conosco por uma de suas… beldades decabelosnegros.”
Aquilonãoestavafazendosentido.“Quem?”Elafezumacenocomamão.“Elassempretêmcabelosnegros,asquevencem…”“Quemvenceoquê?”Elaaindaestavafalando.“…Nãoimportaseelatemoscabelosnegrosounão,naverdade.Sóimporta
queelaexista.Eeunãogostodisso.”“Entendo”, eledisse.Ela achavaqueele estavacomoutramulher?Talvez se
estivessecomoutramulher,elenãoestariaali,desejando-atanto.“Na realidade, acho que não entende.” Ela se balançou, observando-o
atentamente.“Estárindodemim?”“Não.”Elepelomenossabiaqueessaeraarespostacerta.“Possodizerdoquemaisasnoivasnãogostamnanoitedenúpcias?”“Porfavor.”“Nãogostamosdeficaremcasa.Sozinhas.”“Imaginoqueissoestejajuntocomnãogostardeserdeixada.”Elaestreitouoolhareabaixouasmãos,balançando-separatrás,osuficiente
para ele apertarmais forte ao redor da cintura e segurá-la firme – para sentir ocalor suave de seu corpo sob a camisola, lembrando-o da forma como ela semoldavaasuasmãos…àsuaboca…aorestodele.
“Estázombandodemim.”“Juroquenão.”“Tambémnãogostamosquezombemdenós.”Eleprecisavasecontrolarantesdeperderacabeça.“Penélope.”Elasorriu.“Gostodecomodizmeunome.”Eleignorouaspalavraseoflerteinvoluntárioquecarregavam.Elanãosabiao
queestavafazendo.“Porquenãoestánasuaprópriacama?”Penélopemeneouacabeça,pensandonapergunta.“Nós nos casamos por todos osmotivos errados. Ou por todos osmotivos
certos… caso se esteja procurando por um casamento de conveniência. Mas, dequalquermaneira,nãonoscasamosporpaixão.Querodizer,pensebem.VocênãomecomprometeurealmenteemFalconwell.”
Uma lembrançadelasecontorcendocontraele,pressionandosuasmãos, suaboca.Asensaçãodela.Ogostodela...
“Estoubastantesegurodequesim.”Elasacudiuacabeça.“Não.Nãomecomprometeu.Euseiosuficienteparacompreenderamecânica
doprocesso,sabe.”Elequeriaexploraresseconhecimento.Profundamente.“Entendo.”“Euseiquehá…mais...”Muitomais.Muitomaisdoqueelequeriamostraraela.Muitomaisdoqueele
haviaplanejadomostraraelaaovoltarparacasa.Mas…“Vocêandoubebendo.”“Só um pouquinho.” Ela suspirou, olhando por cima do ombro dele, para a
escuridãodoquarto.“Michael,vocêmeprometeuaventura.”“Sim.”“Umaaventuranoturna.”OsdedosdeBourneapertaramacinturadela,puxando-aparaele.Outalvezela
estivesse simplesmente se balançando naquela direção. De qualquer maneira, elenãointerrompeuomovimento.
“Eulheprometiumavoltanomeuclube.”Elasacudiuacabeça.“Eunãoqueroissoestanoite.Nãomais.”Elatinhaosolhosazuismaislindosdomundo.Umhomempoderiaseperder
naquelesolhos.“Oquequeremvezdisso?”“Nósnoscasamoshoje.”Sim.Eleshaviamsecasado.“Eusousuaesposa.”Eledeslizou asmãospelas costas dela até seusdedos afundaremnos cachos
dourados,segurandosuacabeçaeaentortandoumpouquinho,perfeitamente,paraquepudessedominá-laelembrá-ladequeeleeraseumarido.Eleemaisninguém.Ele se inclinou para frente, roçando os lábios nos dela, de modo suave eprovocativo.
Penélope suspirou e se aproximou,mas ele recuou, recusando-se a permitirque ela assumisse o controle. Ela havia se casado com ele, dando-lhe aoportunidadederecuperarseunomeesuasterras.E,naquelanoite,elenãoquerianadaalémdedaraelaacessoaummundodeprazercomoagradecimento.
“Penélope.”Elaabriuosolhoslentamente.“Sim?”“Quantovocêbebeu?”Elasacudiuacabeça.“Não estou embriagada. Aparentemente, bebi apenas o suficiente para ter
coragemdepediroquequero.”Elahaviabebidodemais,então.Elesabiadisso,aindaqueoqueelahaviadito
otivessefeitotransbordardedesejo.“Eoqueéquevocêquer,querida?”Elaoolhoudefrente.“Querominhanoitedenúpcias.”Tão simples, tão direta, tão irresistível. Ele abocanhou seus lábios, sabendo
que não deveria fazê-lo, e beijou-a como se tivessem todo o tempo do mundo,comoseelenãoestivessemorrendopara fazerpartedela.Paraestardentrodela.Para fazer com que ela fosse dele. Sugou o lábio inferior carnudo dela entre osdentes,lambendoeacariciandocomalínguaatéelagemerdeprazernofundodagarganta.Soltousuaboca,beijando-anorostoesussurrando:
“Digameunome.”“Michael”, ela disse, sem hesitar, a palavra estremecendo no ouvido dele,
fazendo-osentirumaondadeprazer.“Não...Bourne.”Elepegouolóbulodeumadasorelhasdelacomabocaeo
prendeuantesdesoltá-loedizer:“Diga”.“Bourne...”,elaseremexeu,pressionandoocorpocontraodele,pedindomais.
“Porfavor.”“Depois disso, não haverá como voltar atrás”, ele prometeu, os lábios na
têmporadela,asmãossedeliciandocomamaciezdesuapele.Os olhos azuis dela se abriram, incrivelmente claros na escuridão, e ela
sussurrou:“Porquepensaqueeuvoltariaatrás?”Eleparalisoudiantedapergunta,diantedasinceraconfusãodaspalavrasdela.
Era a bebida falando. Tinha de ser. Era inconcebível pensar que ela nãocompreendesseoqueelequeriadizer.Queelanãoviaqueelenãoeranadacomooshomensqueahaviamcortejadoantes.
“Nãosouohomemcomquemvocêplanejavasecasar.”Eledeveriaconfrontá-la com Tommy. Mas não queria o nome de outro homem pronunciado naquelemomento.Naquelelugar.Elajáoestavaenfraquecendo.
Elasorriu,umsorrisopequenoetalveztriste.“Noentanto,éohomemcomquemmecasei.Seiquenãoseimportacomigo,
Michael.Seiqueapenascasou-secomigoporFalconwell.Masétardedemaispara
olhar para trás, não é? Estamos casados e eu quero uma noite de núpcias. Eu amereço, acredito, depois de todos esses anos. Por favor. Se não for muitoincômodo.”
Asmãosdele foramaté agoladacamisoladela e, comumpuxão forte, elerasgouotecidoemdois.Elaarfoucomomovimento,arregalandoosolhos.
“Você a arruinou.” Bourne gemeu com o espanto nas palavras dela. Com oprazer.
Queriaarruinarmaisdoqueolinho.Desceuacamisolaparabaixodosbraçosdela,atéotecidoamontoarnosjoelhos,deixando-abrancaenuaàluzdevelas.Àluzdevelasfracademais.Elequeriavercadacentímetrodela…veraformacomoopulsodelaacelerariaaoseutoque,amaneiracomoelaestremeceriaquandoeleacariciasse a parte interna de suas coxas, como ela o prenderia com as pernasquandoeleapenetrasse.Quandoeleatomasseparasi.
Ele a deitounovamente sobre a pele, enlouquecendodedesejo coma formacomo ela suspirou ao sentir as costas contra a pele de vison macia, ao sentir adelíciado toquedepelecontrapele.Bournedeitou-sesobreela,dominando-lheaboca, até as mãos dela estarem enroscadas nos cabelos dele, e o corpo estarpressionandoodele.Apenasentão,eleafastouoslábiosdosdelaesussurrou:
“Voufazeramorcomvocêsobreestapele.Vaisenti-laemcadacentímetrodoseu corpo.Eo prazer quevou lhe dar serámaior doque jamais imaginou.Vocêgritarámeunomequandoelevier.”
Eleentãoadeixou, retirandoaprópria roupa,cuidadosamentearrumandoaspeças em uma pilha, em cima de uma cadeira próxima, antes de voltar à cama edescobrir que ela havia se coberto, com uma dasmãos sobre os seios e a outrasobreotriângulodecachosqueescondiamsuapartemaisíntima.ElesedeitouaoladodePenélope,segurandoaprópriacabeçacomumadasmãos,eacariciandoacoxadelacomaoutra,atéacurvadoquadril,passandoparaabarrigaarredondada.Ela estava com os olhos bem fechados, apertados, respirando rapidamente, eBournenãoconseguiuseconter.Eleseabaixou,lambendoacurvadeumaorelha,mordiscandoolóbuloantesdepedir:
“Jamaisseescondademim.”Elaentãosacudiuacabeça,osolhosazuisarregalados.“Eunãoposso.Nãopossosimplesmente…ficaraquideitada.Nua.”Elemordiscouolóbulodaorelhadeladenovo.“Eunãodissenadasobresimplesmente ficaraídeitada,querida.”Levantoua
mão que estava cobrindo os seios e pôs um dedo dentro da boca, lambendo-odelicadamenteantesderaspá-lodeleveentreosdentes.
“Ah…” Ela suspirou, olhando fixo para os lábios dele. “Você é muito bomnisso.”
Eleremoveuodedodevagareinclinou-separabeijá-la,longaelascivamente.
“Nãoéaúnicacoisaemquesoubom.”As pálpebras dela estremeceram diante da promessa erótica contida nas
palavras,eeladisse,baixinho:“Imaginoquetenhamuitomaispráticadoqueeu.”Naquelemomento,nãoimportavaqueeletivesseestadocomoutrasmulheres.
TudooqueelequeriafazereraensinarPenélopeeseraquelequelheapresentariaoprazer.Aseraquelequelheensinariaatomá-laparasimesma.
“Mostre-meondemequer”,elesussurrou.Elacorou,fechandoosolhosesacudindoacabeça.“Eunãopoderiafazerisso.”Eledevolveuodedodelaàboca,sugandocuidadosamenteatéseusolhosazuis
seabrirem,encontrando-o,etéreosà luzdevelas.Elaobservouomovimentodoslábiosdele,eomomentofoitãointenso,queelepensouquepoderiaficaraliparasempre.
“Mostre-me.Diga‘porfavor,Bourne’,emostre-me.”Então os olhos dela se encheram de coragem, e ele viu com intenso prazer
aquele dedo com que ele fez amor percorrer o seio dela, circundando o duro earrepiadobico.Elepassouascostasdeumadasmãossobreoslábiosaoobservaromovimento,enquantoelaotentavademaneirainacreditável.
“Porfavor…”Elaparoudefalar.Elelevantouacabeça.“Porfavor,quem?”“Porfavor,Bourne...”Eelequisrecompensá-lapordizerseunome–deleede
mais ninguém.Abaixou a cabeça e a sugougentilmente, enquantoo dedodela semoviaparaooutroseioesoltavaumlongoeestremecido:“Sim…”.
Elepassouamãopelabarrigadela,descendomaisemais antesde subi-la ebeliscarlevementeapelemaciasoboseio.
“Nãopareagora,querida.”Elanãoparou,odedopercorrendoapelemaciadabarrigaarredondada,indo
até os cachos que escondiam aquele lugar magnífico entre suas coxas. Ele aobservou,encorajando-acomsussurrosenquantoelaexploravasozinha,testandoopróprio conhecimento, a própria habilidade, até ele achar que poderiamorrer senão entrasse nela.Deu um beijo demorado em sua barriga, depois em seu pulsoestendido,considerandooarfardesuarespiraçãoumprêmioeentãosussurrouaperguntacontraapeledela:
“Oquevocêsenteaqui?”Umdedodeledeslizousobreascostasdamãodela,parandosobreonódosdedos.Comoelanãorespondeu,eleolhouemseusolhos,vendoavergonhaneles.
Elasacudiuacabeça,avozquaseinaudível.“Nãoposso.”
Eleencontrouosdedosdelaemumcalorsedosoedisse:“Eu posso.” Pressionou um dedo para dentro dela, enrolando-o, e ela arfou
comasensação.“Você estámolhada, querida…molhada e pronta paramim. Paramim. Para
maisninguém.”“Michael”, ela sussurrou seu nome de batismo, e o prazer daquele simples
instante foi quase insuportável. Com um sorriso tímido e inseguro, ela abriu aspernaseoacolheucomtamanhaconfiança,queelemalpôdesuportar.
Elesemoveuaoseuencontro,comacabeçamaciadeleaninhando-secontraaaberturaaveludadadocorpodela,eficoualiparado,segurandoopesonosbraços,olhando para o rosto de Penélope, um misto de relaxamento, prazer eencantamento,enãoconseguiudeixardebeijá-la,alínguaacariciandohabilmenteadela, antes de recuar. Foi a coisa mais difícil que ele fez na vida, pausar ali noprecipício do que sabia que seria um momento extraordinário… apoiando-selevemente nela, mal entrando antes de sair. Pensou que poderia morrer comtamanhoprazer.Fechoulevementeosolhosesussurrou:
“Abraosolhos.Olheparamim.Queroquemeveja.”Quandoelaobedeceu,elebalançouparadentrodelacomsuavidade,omaisgentilmentepossível.Elasugouoardepressa,aexpressãosendoinundadapordor.Eleparou,semquerermachucá-la.Abaixou-se, beijou-a uma vez, profundamente, para recuperar sua atenção. “Estábem?”
Elasorriu,eelereconheceuatensão.“Estouótima!”Elesacudiuacabeça,semconseguiresconderosorrisonavoz.“Mentirosa.” Levou a mão até onde ela estava tão pequena e apertada –
maravilhosamenteapertada–aoredordesuaespessura.Eleencontrouasaliênciaduraeprotuberantenocernedelaepercorreuumcírculo lentamente,observandoosolhosdePenélopeseestreitaremdeprazer.Continuouomovimentoaodeslizarparadentrodela,lentaeprofundamente,atéelatê-loporcompleto.Paralisou,loucoparasemovernadireçãodela.
“Agora?”Elarespiroufundo,eeleafundoumais,surpreendendoaosdois.Eleencostouatestanadela.“Digaseestátudobem.Digaseeupossomemexer.”
Suaesposainocenteenroscouosdedosnoscabelosdesuanucaesussurrou:“Porfavor,Michael.”Eelenãopôderesistiraoapelo.Prendeuoslábiosdelacomumbeijolascivoe
umgemidoprofundoaomexer-secomcuidado,puxandodevagaratéquasesairdedentro dela, então balançando de volta gentilmente, sem parar, o polegar aacariciando, garantindo o prazer dela, enquanto se perguntava se seria Capaz deconteropróprioprazer.
“Michael”,elasussurrou,eeleaencarounosolhos,preocupadoquepudessea
estarmachucando.Eleparalisou.Elaarqueouascostas.“Não pare. Não pare de semexer. Você tinha razão…”Ela fechou os olhos
lentamente e deu um gemido de prazer quando ele afundou nela em uma longaestocada.Bournepensouqueperderiaocontroleaoouviraquelegemido,baixoesonoro,saindodofundodagargantadela,masnãoparou.
Elasacudiuacabeça,deslizandoasmãospelosombroseascostasdele,enfimparandoemsuasnádegas,agarrando-asnoritmodosmovimentosdele,dascaríciasdeseupolegar.
“Michael!”Estava acontecendo com ele também. Ele nunca pensou muito emmarcar o
tempodeseugozocomodaparceira.Nuncahaviaseimportadoemcompartilharaexperiência.Mas,subitamente,nãoconseguiapensaremnadaalémdeencontrar-secomPenélopelá,àbeiradeseuprazer,edeixá-loinundarosdoisaomesmotempo.
“Esperepormim”,elesussurrounoouvidodela,pressionandoocorpocontraodela.“Nãovásemmim.”
“Não consigo esperar.Não consigo parar!”Ela convulsionou ao redor dele,ordenhando-oemumritmorápidoeimpressionante,dizendoseunome,levando-oà loucura, fazendo-o experimentar um clímax assustador e exagerado,incomparávelcomtudooqueelejamaishaviasentido.
Elecaiusobreelacomarespiraçãoextremamenteofeganteaoenterrarorostoem seu pescoço e se permitir ser inundado pelo extraordinário prazer que odominavaemondasdiferentesdetudooqueeletinhavividoantes.Longosminutossepassaramantesque,commedodeesmagá-lacomopesodeseucorpo,Bournerolouparaolado,passouamãopelalateraldePenélopeeapuxouparaele,aindasemconseguirsoltá-la.BomDeus.Haviasidoosexomaisincríveldavidadele.Omaisembriagante.Maisdoqueelejamaisimaginouserpossível.EasimplesideiadequetalexperiênciativesseocorridocomPenélopefezcomqueelefossetomadopelomedo.
Aquela mulher. Aquele casamento. Aquilo tudo. Não significava nada. Nãopodiasignificarnada.Elaeraummeioparaumfim.Ocaminhoparasuavingança.Eratudooqueelapodiaser.Durantetodasuavida,Bournedestruiutudodevalorqueteve.QuandoPenélopepercebesseisso…queeleeratodotipodedecepção,elaoagradeceriapornãopermitirqueseaproximassemuito.Elaficariagrataporeleliberá-laparaummundo tranquiloe simples,onde teria tudooquedesejasse…enãoprecisariasepreocuparcomele.
Vocênãomereceela.AspalavrasdeTommyecoaramemseuspensamentos–aquelaspalavrasqueohaviammandadoparacasa,parasuaesposa,paraprovarolugar dele na vida dela. Para provar que ela pertencia a ele. Que ele poderiadominarocorpodeladeumaformaquenenhumoutrohomemconseguiriafazer.
Maselehaviasidodominado.“Michael”,elasussurroucontraseupeito,onomesoandocomoumapromessa
em seus lábios, enquanto ela acariciava seu torso com uma das mãos. O toquedemorado e intenso provocou outra onda de prazer, seguida rápido demais pelodesejo,quandoelasussurrou,suave,sonolentaetentadora:“Foiesplêndido”.
Elequeriadizeraelaparanãosesentirmuitoconfortávelemsuacama.Nãosesentirmuitoconfortávelemsuavida.Queriadizeraelaqueanoitehaviasidoummeioparaumfim.Queocasamentodelesjamaisseriadotipoqueelaqueria.Maselajáestavadormindo...
CaroM,Entendoquenãodesejeresponderàsminhascartas,maspretendocontinuá-las
enviandomesmoassim.Umano,doisoudez–jamaisqueroquepensequeoesqueci.Nãoquefosseacreditarnisso,não?
Semanaqueveméseuaniversário.Euteriabordadoumlençoparavocê,massabequebordadoeeunãocombinamosmuitobem.
Saudade,PSolarNeedham,janeirode1817
Semresposta
Namanhãseguinte,Penélopeentrounosalãodocafédamanhã,esperandovero novo marido – o homem que havia mudado tudo em um dia e uma noitegloriosos,ohomemqueafaziaperceberquetalvezocasamentodelespudessesermais.Que talvez o caso de amor forçado dos dois poderia sermenos forçado emais… bem… um caso de amor. Porque certamente não havia nada tão incrívelcomoaformacomoeleatinhafeitosesentirnanoiteanterioremsuacama.Nãoimportavamuitoqueela tivesseacordadonãoabrigadaempele luxuosa,masemseuslençóisdelinhoimpecáveiseperfeitamentelisosnoquartoquelhehaviasidodesignado.
Naverdade,elaficoudeverascomovidaqueeleativesselevadoparaláànoitesemdespertá-la.Ele eraobviamenteummaridogentil, carinhoso e amoroso, eocasamentodeles,quecomeçoucomoumafarsadesastrosa,estavadestinadoaalgomuito,muitomaior.Elaesperavaqueele fossese juntaraelaquandosentou-seàencantadora mesa comprida no belo e luxuosamente decorado salão de café damanhã,imaginandoseeleaindagostavadesalsichasnodesjejum,comoquandoeramuito jovem. Esperava que ele fosse se juntar a ela quando aceitou um prato deovosetorrada(semsalsichaàvista)dojovemlacaio,quebateuoscalcanharesdemodo bastante extravagante antes de retornar a seu posto no canto do salão.Esperava queMichael fosse se juntar a ela enquanto comeu a torrada, enquanto
bebeu o chá que esfriava rapidamente, enquanto passava os olhos pelo jornal,perfeitamentedobradoeposicionadoàesquerdado lugarvazionaoutrapontadamesa,que foi ficandocadavezmaior.E,depoisdeumahora inteiraaguardando,Penélopeparoudeesperar.Elenãoaacompanharia.Elapermaneceriasozinha.
De súbito, ficou absolutamente ciente do lacaio no canto do salão, cujotrabalhoeraaomesmotemposaberdeimediatooquesuapatroapoderiaprecisareignorá-laporcompleto,ePenélopesentiuorostoficarvermelho.Porque,decerto,ojovemlacaioestavapensandocoisasterrivelmenteembaraçosas.Olhouparaele,que não estava olhando, mas definitivamente, estava pensando. Michael não aacompanharia.Burra,Penélopeburra. Era claro que ele não a acompanharia.Osacontecimentosdanoite anteriornãohaviamsidomágicospara ele.Haviamsidonecessários.Eleahaviaoficialmentetornadosuaesposa.E,então,comoqualquerbommarido,eleahaviadeixadoàprópriasorte.Sozinha.
Penélopeolhouparaopratovazio,ondeagemaamarelo-escuradoovoqueelacomeutãoalegrementehaviasecado,prendendo-sedemodobastantegrotescoàporcelana. Era o primeiro dia completo de sua vida como mulher casada, e elaestava tomando café da manhã sozinha. Irônico, considerando que ela semprepensouquetomarcafédamanhãcomummaridoquemalaconhecesseeraalgo,defato,deverassolitário.Mas,agora,elatomariacomprazercafédamanhãsozinha,mesmocasada,sobosolhosatentosdeumlacaiojovemdemais,queestavafazendoomelhorpossívelparanãovê-la.Pareciaqueemseudesejoporummaridoqueaquisessemaisdoquepeloqueeranormalmentesolicitadoàumaesposa,elaseviracasadacomumquenãoaqueriasequerporisso.Talveztivessefeitoalgoerradonanoiteanterior.
Sentiu o calor chegar às orelhas, que queimavam, provavelmente vermelhascomo rosas, enquanto ela tentava pensar no que poderia ter feito de errado, emcomoanoitedenúpciaspoderiatersidodiferente.Mastodavezquetentavapensar,lembrava-sedo jovemlacaio,agoraeleprópriovermelho,nocanto, semsaberoquedizeràpatroaemuitoprovavelmentedesejandoqueela terminasseocafédamanhãedeixasseosalão.Elaprecisavadeixaraquelesalão.
Levantou-secom todaagraçaesperadadeumamarquesae,desesperadaporignorar o constrangimento, seguiunadireçãodaporta.Demaneira abençoada, olacaionãoaencarouenquantoelaatravessouosalãoemumpassoquepoderiaserdescrito apenas como “omais perto de correr possível sem ser pouco feminino,umavezquedamasnãocorrem”.
Masaportaseabriuantesqueelapudessechegaratélá,eaSrta.Worthentrou,deixandoPenélopesemescolhaalémdepararcompletamente,comassaiasdeseuvestido amarelo, escolhido pela beleza em vez de por bom senso balançando aoredordaspernas,naquelediafriodejaneiro.Alindíssimajovemgovernantaparounasoleiradaporta,semrevelarqualqueremoçãoaofazerumarápidareverência,e
disse:“Bomdia,senhora.”Penélope resistiuao impulsode fazeromesmo,preferindo juntarasmãosà
frentedocorpoedizer:“Bomdia,Srta.Worth.”Trocadas as gentilezas, as duas mulheres se encararam por um longo
momento,antesdeagovernantadizer:“LordeBournepediu-mepara informá-ladeque jantarãonaCasaTottenham
naquarta-feira.”Daliatrêsdias,portanto.“Ah.”O fatodequeMichaelpassasseumrecado tão simplesatravésdeuma
criada fez com que Penélope percebesse o quanto estava enganada a respeito danoiteanterior.Seelenãoconseguiaencontrartempoparacontaràesposasobreumjantar,tinhadefatopoucointeressenanela.
Penéloperespiroufundo,desejandoespantaradecepção.“Eletambémpediuqueeuarecordassedequeojantarseráoprimeiroaque
comparecerãocomomaridoeesposa.”Não houve necessidade de espantar a decepção, uma vez que foi quase que
imediatamente substituída por irritação. Penélope voltou a atenção para agovernanta.Porum instante,Penélope seperguntou sehavia sidoaSrta.Worthaconsiderar necessário fazer umanúncio tão óbvio, como se ela fosse algum tipoimbecil e não conseguisse se lembrar dos eventos do dia anterior. Como se elapudesse, de alguma forma, esquecer que os dois ainda não haviam sidoapresentadosàsociedade.MasbastouumolharparaaexpressãocabisbaixadaSrta.Worth,paraPenélopetercertezaabsolutadaidentidadedoirritantenaquelasituaçãoparticular – seu marido, que aparentemente tinha pouca confiança em suaCapacidade, ou de responder a convites para jantares, ou de compreender aimportânciadessesconvites.
Sempensar,levantouumasobrancelha,encarouagovernantaedisse:“Que lembrançaexcelente.Nãohaviamedadocontadequeestamoscasados
hámenosdevinteequatrohorasedeque,duranteesseperíodo,eunãosaídecasa.É uma sorte, não é, ter um marido tão disposto a me lembrar das coisas maissimples?” A Sra.Worth arregalou os olhos diante do sarcasmo que jorrava daspalavrasdePenélope,masnão respondeu.“Éumapenaqueelenão tenhapodidomelembrardissoelepróprio,duranteocafédamanhã.Eleestáemcasa?”
ASrta.Worthhesitouantesdedizer:“Não, senhora.” Ele não passou pela casa desde que vocês retornaram de
Surrey.Não era verdade, claro. Mas assim Penélope soube que Michael havia
retornadotardenanoiteanterioredeixadoacasaimediatamenteapósointerlúdio
dosdois.Claroquesim.AraivadePenélopeardeu.Elehavia idoparacasaparaconsumarocasamentoeidoemboraquasequenomesmoinstante.Aquelaseriasuavida. Ir e vir conforme os Caprichos dele, obedecê-lo, comparecer aos jantaresquandooconviteaincluísseeficaralisozinha,quandonão.Quedesastre.
EncarouaSrta.Wortheidentificoucompaixãoemseusolhos.Detestouvê-la.DetestouMichael por fazê-la sentir-se tão constrangida. Por fazê-la sentir-se tãoinfeliz.Porfazê-lasentir-setãomenos.Masaqueleeraseucasamento.Aquelahaviasidosuaescolha.Mesmoquetivessesidodele–houveumapequenapartedelaquequeria aquele casamento. Que acreditava que poderia ser mais. Tola Penélope.PobrePenélopetola.
Endireitandoosombros,eladisse:“Podedizerameumaridoqueeuovereinaquarta-feira.ParajantarnaCasa
Tottenham.”
CapítuloOnzeCaroM,Tommydisseque viu vocêna cidadeno começode suas férias,masque você
maltevetempodefalarcomele.Sintomuitoporisso,eeletambém.Pippaadotou um cachorro de três patas e (pormais desagradável que possa
parecer) quando eu o vejo saltitando ao redor do lago, o manquejar dele me fazlembrardevocê.Semvocê,Tommyeeusomosumcachorrodetrêspatas.BomDeus.É a esse tipo de metáfora que preciso recorrer sem você para me manter com alínguaafiada.Asituaçãoestáseagravando.
Desesperadamente,PSolarNeedham,junhode1817
Semresposta
Oproblemacomasmentiraséqueerafácildemaisacreditarnelas,mesmoquandoéramos nós que as contávamos. Talvez especialmente quando somos nós que ascontamos.
Trêsdiasdepois,PenélopeeMichaeleramosconvidadosdehonrado jantarnaCasaTottenham–umeventoquelhesdeuaoportunidadeperfeitaparacontaraversão cuidadosamente criada da história de amor deles para vários dosmaioresfofoqueirosdasociedade.Fofoqueirosqueestavammuitoansiososporfazerjusàsua fama, pois ficaram atentos a cada palavra de Penélope e Michael. Semmencionarosolhares.
Penélope não os deixou passar despercebidos quando entraram na CasaTottenham, váriosminutos antes, tendo cuidadosamente planejado a chegadaparanão ocorrer nem cedo nem tarde demais, e ao descobrir que o restante dosconvidados havia planejado chegar cedo – demodo ostensivo, para garantir quenão perdessem nem um instante da primeira noite damarquesa e domarquês deBournenasociedade.
TambémnãodeixoudeperceberosolharesquandoMichaelpôs,depropósito,umadasmãosnascostasdePenélope,guiando-aatéosalãoderecepção,ondeosconvidados do jantar aguardavam a refeição ser servida. A mão havia sidoposicionadacomtamanhaprecisão,perfeitamenteacompanhadadeumsorrisotãocarinhoso – que ela mal reconheceu –, que Penélope precisou esforçar-se paraescondertantosuaadmiraçãopelaestratégiadelecomooprazerinesperadodiantedopequenomovimento.
Osolharesseseguiramporumagitardelequesnosalãofrioeumacacofoniade cochichos que ela fingiu não escutar, preferindo olhar para o marido, queesperavaumolharadequadamenteapaixonado.Eladeviaterconseguido,porqueeleseaproximouesussurrouemseuouvido:
“Está se saindo magnificamente.” As palavras fizeram uma onda de prazerpercorrer seu corpo, embora ela tivesse jurado resistir ao poder que ele exerciasobreela.
Penéloperepreendeuasimesmapelasensaçãocalorosaeintensa.Lembrouasi mesma que não o via desde a noite de núpcias – que ele havia deixadoabsolutamente claro que qualquer interação marital seria apenas para o públicoexterno, mas àquela altura, seu rosto já estava corado e, ao encarar o marido,encontrouumaexpressãodesupremasatisfaçãoemseusolhos.
Eleinclinou-seumavezmais.“Seu rosto corado está perfeito, minha pequena inocente.” As palavras
aumentaramaschamas,comoseosdoisestivessemmuitoapaixonadosenutrissemdevoçãoabsolutaumaooutro,quandoaverdadeeraabsolutamenteooposto.
Haviam sido separadospara o jantar, claro, e então teve iníciooverdadeirodesafio. O visconde de Tottenham a acompanhou até seu lugar, entre ele e o Sr.DonovanWest,editordedoisdosmaislidosjornaisdaGrã-Bretanha.Westeraumhomem encantador de cabelos dourados, que parecia notar tudo, incluindo onervosismodePenélope.Falouapenasparaqueelaouvisse:
“Não lhes dê uma chancede alfinetá-la.Elas a aproveitarão imediatamente evocêestaráacabada.”
Estavasereferindoàsmulheres.Haviaseisdelasdispersasaoredordamesa,comamesmaexpressãode lábiosapertadoseolharesdesdenhosos.Aconversa–bastantecasual–erapermeadaporumtomquefaziacadapalavraparecerterduplosentido,comosetodasestivessemfazendoalgumapilhériasobreaqualMichaelePenélopenãotinhamconhecimento.
Penélope teria ficado irritada, não fosse pelo fato de que ela e Michaelguardavam eles próprios uma boa quantidade de segredos. Foi quase ao final darefeiçãoqueaconversasevoltouparaeles.
“Conte-nos, LordeBourne.”As palavras da viúva viscondessa de Tottenhampercorreram a mesa, altas demais para garantir privacidade. “Como foi,exatamente,queosenhoreaLadyBournenoivaram?Adoroumahistóriadeamor.”
Claroquesim.Históriasdeamoreramomelhortipodeescândalo.Perdendoapenas para a ruína idílica. Penélope afastou o pensamento irônico da mentequando a conversaparou e os convivas aguardaramem silênciopela resposta deMichael.
EledesviouoolharparaodePenélope,carinhosoeencantador.“Desafioqualquerumapassarmaisdoqueumquartodehoranacompanhia
daminhadamaenão sair encantadopor ela.”Aspalavras eramescandalosas, deforma alguma o tipo de coisa que membros bem-criados e experientes daaristocracia diziam em voz alta,mesmo que pensassem assim, e houve um arfarcoletivo, indicando espanto e surpresa. Michael pareceu não se importar aoacrescentar:“Tiverealmentesorteporestarlá,nodiadeSantoEstêvão.Eporelaestarlá…comsuarisadamefazendorecordardetodasasformasqueeuprecisavamerecuperar”.
OcoraçãodelaaceleroucomaspalavraseamaneiracomoocantodabocadeMichaelselevantouemumasombradeumsorriso.Incrível,opoderdaspalavras.Mesmo as falsas. Penélope não conseguiu deixar de sorrir para ele, e não tevenecessidadedefingiraformacomoabaixouacabeça,subitamenteencabuladacomsuaatenção.
“Quesortetambémodotedelaconterterrasadjacentesaumapropriedadedomarquesado.”Aspalavraspercorreramamesaapósumaexplosãoembriagadadacondessa de Holloway, uma mulher infeliz que se comprazia com o sofrimentoalheioedequemPenélopejamaisgostou.Nãoolhouparaacondessa,focando-se,emvezdisso,nomarido,antesdefalar:
“Fortuito principalmente para mim, Lady Holloway”, ela disse, olhandofirmemente para o marido. “Pois se não tivéssemos sido vizinhos de infância,certamentemeumaridojamaisteriameencontrado.”
O olhar de Michael iluminou-se de admiração, e ele ergueu a taça em suadireção.
“Emalgummomentoeuteriapercebidooqueestavamefaltando,querida.Eteriasaídoatrásdevocê.”
A afirmação a deixou emocionada antes dela se lembrar de que tudo nãopassava de um jogo. Respirou fundo enquanto Michael assumia o controle,contando a história deles, garantindo a todos ali reunidos que havia perdido acabeça,ocoraçãoearazãoparaamar.Michaelerabonitoeinteligente,encantadore divertido, com a quantidade perfeita de contrição…como se estivesse tentandorepararmalfeitosdopassadoeestivessedispostoafazertudooquefosseprecisopararetornaràaristocracia–pelobemdaprópriaesposa.
Ele foiperfeito.Elea fezacreditarquehaviaestado lá,nosalãoprincipaldaparóquiaColdharbour,cercadaporconvivas,guirlandasdeazevinhoemumafestadeSantoEstêvão.Eleafezacreditarquehaviacruzadooolharcomodeladooutroladodosalão–pôdesentiroapertonoestômagoaoimaginaroolhardemoradoesérioqueelelheterialançado,queateriadeixadosemfôlegoezonza,queateriafeito acreditar que era a única mulher no mundo. E ele a Capturou com suaspalavrasbonitas,assimcomofaziacomorestantedospresentes.
“…Sinceramente, nunca havia dançado uma dança escocesa na vida.Mas elamefezquererdançarvárias.
Umaondaderisadapercorreuamesa,ePenélopelevantouataçaebebeuumgoledevinho,esperandoqueoálcoolacalmasseseuestômagoagitado,observandoo marido entreter o ambiente repleto de convidados, com a história do caso deamorvertiginosodosdois.
“Creio que teria sido apenas uma questão de tempo até eu retornar aColdharbouremedarcontadequeoSolarFalconwellnãoeraaúnicacoisaqueeuhaviadeixadoparatrás.”Oolhardelecruzoucomodela,dooutroladodamesa,eela prendeu a respiração diante do brilho daqueles olhos. “Graças aos céus eu aencontreiantesqueoutroofizesse.”
Uma porção de suspiros femininos ao redor da mesa acompanharam aaceleraçãodocoraçãodePenélope.Michaeleramestrenaeloquência.
“Nãoeracomosehouvessemuitospretendentes”,LadyHollowaydissecomsarcasmo,rindoumpoucoaltodemais.“Era,LadyBourne?”
AmentedePenélopeesvazioudiantedareferênciacruelàsuavidadesolteira,eelatentouencontrarumarespostaafiadaantesdomaridoviremseuauxílio.
“Eu não podia suportar pensar neles”, ele disse, encarando-a seriamente, atéela ficar corada pela atenção. “e isso foi o motivo de nos casarmos tãorapidamente.”
Lady Holloway pigarreou dentro da taça de vinho enquanto Sr.West sorriacarinhosamenteeperguntava:
“Easenhora,LadyBourne?Aconexãodevocês…surpreendeu-a?”“Cuidado,querida”,Michaeldisseescandalosamente,comumbrilhonosolhos
verde-acinzentados.“Elepoderácitá-lanojornal,deamanhã.”Penélope não conseguiu desviar os olhos deMichael comos risos ao redor
dos dois. Ele a Capturou e a manteve cuidadosamente em sua rede. Quandorespondeuàperguntadojornalista,foidiretamenteaomarido.
“Não fiquei nem um pouco surpresa. Para dizer a verdade, parecia que euestava esperando pelo retorno de Michael havia anos.” Ela fez uma pausa,sacudindo a cabeça, notando a atenção ao redor da mesa. “Sinto muito… nãoMichael.LordeBourne.”Deuuma risadinhaautodepreciativa. “Sempre soubequeele daria ummaridomaravilhoso e estoumuito feliz que ele será omeumaridomaravilhoso.”
Houve um lampejo de surpresa nos olhos de Michael, que desapareceuimediatamente,escondidoporsuarisadasincera–tãodesconhecida.
“Estãovendo?Comoeupoderianãotomarjeito?”“Realmente.”OSr.Westtomouumgoledevinho,olhandoparaelaporcima
dabordada taçae,porum instante,Penélope tevecertezadequeohomemviaafalsidadedelescomtantaclarezacomoseelativessebordadoapalavra“mentirosa”em seu vestido, e sabia que ela e Michael haviam se casado por um motivoextremamentedistantedoamorequeseumaridonãotinhadivididoummomento
sequer com ela nos dias desde que a levou de volta para seu quarto depois deconsumarocasamento.Queeleapenasgarantiuqueocasamentofosselegitimadoeagora passava as noites longe dela, sabiaDeus comquem, fazendo sabiaDeus oquê.
Penélope tratou de comer seu creme de caramelo, esperando que o Sr.Westnãoapressionassepormaisinformações.
Michaelfalou,todocharmoso:“Nãoéverdade,éclaro.Souabsolutamenteterrívelcomomarido.Nãosuporto
aideiadeelaestarafastadademim.Detestoaideiadeoutroshomenschamaremsuaatenção.Ejáosaviso,eumetransformareiemumverdadeiroursoquandochegaratemporadaeeutiverdecedê-laparadançarejantarnacompanhiadeoutros.”Elefezumapausa,ePenélopepercebeuahabilidadecomqueeleusavaosilêncio,osolhosbrilhandocomumhumorqueelanãovianeledesdea infância.Um humorquenãoestavalá.Nãodeverdade.“Todoslamentarãomuito,defato,queeutenhadecididoretomarmeutítulo.”
“Deformaalguma”,interrompeuaviúvaviscondessa,seusolhosnormalmentefrioscheiosdeexcitação.“Estamossatisfeitospor recebê-lodevoltaàsociedade,LordeBourne.Pois,verdadeiramente,nãopodehavernadamaisrevigorantedoqueumcasodeamor.”
Eraumamentira,claro.Casosdeamoreramescândalosporsimesmos,masMichael e Penélope a superavam em título, e o convite havia partido do jovemTottenham,demodoqueavelhatinhamuitopoucocontroledasituação.
Michael sorriu diante de suas palavras mesmo assim, e Penélope nãoconseguiudesviarosolhosdelenaquelemomento.Tudoneleficoumaislevecomumsorriso–umacovinhaapareceuemumadasbochechas,eseuslábioslargosecheiossecurvaram,deixando-oaindamaisbonito.Quemeraaquelehomemcomgracejosfáceisesorrisosencantadores?Ecomoelapoderiaconvencê-loaficar?
“Edevedefatoserumahistóriadeamor…olheparacomosuanoivaprestaatençãoacadapalavrasua”,disseoviscondedeTottenham,evidentementedando-lhesapoio,ePenélopenãoprecisoufingirseuconstrangimentoquandoMichaelsevirouparaela,comosorrisodesaparecendo.
Aviúvacontinuou,olhandodemaneiraincisivaparaofilho:“SeaomenosvocêseinspirasseemBourneeencontrasseumaesposa.”O visconde deu uma risadinha e fez questão de sacudir a cabeça, antes de
pousarosolhossobrePenélope.“TemoqueBournetenhaencontradoaúltimanoivaideal.”“Elatemirmãs,Tottenham”,Michaelacrescentou,comtomdeprovocaçãona
voz.Tottenhamsorriugraciosamente.“Esperareiansiosoporconhecê-las.”
Penélope compreendeu tudo.Ali, com a facilidade de se roubar umdoce deumacriança,Michaelhaviahabilmentepreparadoo terrenoparaOlivia conhecerLordeTottenhamepossivelmentecasar-secomele.Arregalouosolhosevoltouasurpresa para o marido, que recebeu o olhar com tranquilidade, redefinindo-oimediatamente.
“Percebo que agora que estou tão enamorado daminha própria esposa, nãoconsigodeixardeencorajaratodosaomeuredoraencontrarsuaspróprias.”
Tantasmentirastãotranquilas.Tãofáceisdeacreditar.Aviúvaintrometeu-se:“Bem, eu, de minha parte, acho uma ideia maravilhosa.” Levantou-se e foi
acompanhadapeloshomens.“Naverdade,creioquedevamosdeixaroscavalheirosconversarem.”
Orestantedosconvidadosatendeuàdeixa,easmulheresseafastaramdamesaparaseretiraraoutroambiente,beberxerezefofocar.Penélopenãotinhadúvidadequeseriaocentrodasatençõesdasfofocas.Seguiuacondessaviúvacompassospesados até um salãozinho encantador,masmal havia entrado, quando umamãograndesegurouasua,eavozprofundaefamiliardeMichaelressoou:
“Comsualicença,senhoras,precisodeminhaesposaporumbreveinstante,senãoseimportarem.Eudissequenãopossosuportarficarsemela.”Houveumarfarcoletivo quando Michael retirou Penélope da sala e a levou para o corredor,fechandoaportaatrásdeles.
Penélopearrancouamãodadele,olhandoparaosdois ladospelocorredor,paragarantirquenãohaviamsidovistos.
“Oquevocêestáfazendo?”,elasussurrou.“Issoaindanãoestáconsumado!”“Gostaria queparassedemedizer oque estáounão consumado”, ele disse.
“Nãopercebequeapenasmefazquererfazermais?”Eleapuxouparamaislongedaporta,paradentrodeumaalcovamaliluminada.“Mexericossobreoquantoeuaadorosãootipodemexericoporqueestamosprocurando,querida.”
“Nãohánecessidadedemechamarassim,esabedisso”,elasussurrou.“Nãosousuaquerida.”
Elelevantouumamãoaorostodela.“Équandoestamosempúblico.”Elaafastouamão.“Pare com isso.” Penélope fez uma pausa, então abaixou a voz. “Acha que
acreditamemnós?”Eleaolhoucomindignação.“Porquenãoacreditariam,meuamor?Tudooquedissemoséverdade.”Elaestreitouosolhos.“Sabeoquequerodizer.”Eleseinclinouparamaispertoesussurrou:“Euseiqueparedesemcasascomoestatêmouvidos,meuamor.”Eentãoelea
lambeu.Literalmente a lambeu, uma encantadora carícia no lóbulo de sua orelhaquea fezagarrarosbraçosdelecomoprazer inesperado.Antesqueelapudessereagir, os lábios dele haviam se afastado, e ele devolveu a mão ao rosto dela,levantando-onasuadireção.“Vocêfoiesplêndidaládentro.”
Esplêndida.Apalavraecoouatravésdelaemumaondadeprazer,enquantoeledavaumbeijonopontoemqueseucoraçãopulsavafreneticamentenagarganta.
“Não gosto da forma como julgam você”, ela sussurrou. “EspecialmenteHolloway.”
“Hollowayéumavaca.”Penélopeficouboquiabertadiantedaexpressão,eelecontinuouemseuouvido.“Elamereceumasurra.Éumapenaqueseucondesejafracodemaisparaisso.”
Penélopesentiuprazeraoouviraquiloenãopôdedeixardesorrir.“Vocênãoparecetermuitoescrúpuloquantoabateremmulheres.”“Apenas com aquelas de que gosto.”Ele parou e levantou a cabeça, o olhar
escuroencontrandoodela,nopequenoambiente.Elatentouignorarapromessacontidanaspalavras.Tentouselembrardeque
aquilo não era real. Que aquela noite não passava de uma fachada. Que aqueleestranhonãoeraseumarido.Queseumaridonãohaviafeitonadaalémdeusá-laparaganhopróprio.Sóque,aquelanoite,nãotinhaavercomele.Tinhaavercomelaesuasirmãs.
“Obrigada, Michael”, ela sussurrou na escuridão. “Sei que não precisavahonraressapartedoacordo.Quenãoprecisavaajudarminhasirmãs.”
Eleficouemsilêncioporumlongotempo.“Preciso,sim.”A disposição dele em manter a palavra a surpreendeu, ao relembrá-la do
acordodosdois.“Suponhoquehajahonraentreladrõesmesmo.”Elahesitou,eentãodisse:“E
orestantedoacordo?”.Umadassobrancelhasescurasselevantou.“Quandoganhominhaturnê?”“Estáaprendendoaserumanegociadoradura.”“Nãotenhomuitomaisparameentreter”,elarespondeu.“Estáentediada,esposa?”“Por que estaria entediada? Passar os dias olhando para as paredes da sua
residênciaétãofascinante.”Eleriucomoqueeladisse,eosomfezumaondadecalorpercorrerocorpo
dePenélope.“Parecejusto.Porquenãoaproveitaraemoçãoagora?”“Porquenestemomentoestamostentandoconvencê-losdequevocêmudou,e
desaparecermosdasfestividadesnãoiráajudar.”
“Ah, acho que eu desaparecer com minha esposa decente seria um grandenegócio.”Eleseaproximouaindamais.“Maisdoqueisso,seiquevocêirágostar.”
“EscondidanocorredordaCasaTottenhamcomoumaladra?”“Nãocomoumaladra.”Eleespiouparaforadoesconderijodosdois,antesde
voltaraatençãoaela.“Comoumadamatendoumcasoclandestino.”Penélopesoltouumarisadadedesaprovação.“Comseumarido.”“Terumcasocomoprópriomaridoé…”Eleparoudefalar,osolhosficando
sombrios.“Burguês?”UmladodabocadeMichaellevantou.“Euiadizerumaaventura.”Uma aventura. Ela paralisou diante da palavra, olhando para ele acima, os
lábios transformados em algo parecido com um sorriso, asmãos segurando seurosto; tudo a respeito dele, seu calor, seu cheiro… ele, a cercava. Ela deveriarejeitá-lo. Deveria dizer que havia achado a noite de núpcias simples edesinteressante, como o jantar na Casa Tottenham. Deveria colocá-lo no devidolugar.Masnãoconseguiu...porquequeriatudodenovo.Queriaqueeleabeijasseeatocasseeafizessesentirtodasaquelascoisasincríveisqueelasentiuantesqueeleadeixassecomosenãotivessesentidonada.
Eleestavatãopróximo,tãolindoetãomásculo.Equandoelaolhounosolhosdaquelehomemqueera,emuminstante,excitanteedivertido,esombrioeperigosonoinstanteseguinte,elapercebeuqueaceitariaaaventuracomeledaformaqueeleaoferecesse.Mesmoali,naalcovadocorredordosTottenham.Mesmoquefosseumerro.Elaespalmouasmãosnopeitodele,sentindoaforçaqueseescondiaporbaixodascamadasdelinhoelãperfeitamentecortadas.
“Vocêestátãodiferenteestanoite.Nãoseiquemvocêé.”Algoapareceunosolhosdele...Apareceuedesapareceu tãodepressaqueela
nãoconseguiu identificardireito.Quandoele falou, foicomavozbaixae fluida,comumapitadadeprovocação.
“Entãoporquenãomeconhecerumpoucomelhor?”Realmente,porquenão?Ela se levantouna ponta dos pés e foi ao encontro
dele,queseabaixouetomouseuslábiosemumbeijoquente,quaseinsuportável.Eleapertouocorpocontraodela,empurrando-acontraaparede,cobrindo-a
até que ela não conseguisse fazer nada além de passar os braços ao redor dopescoçodele,puxando-onadireçãodeseuslábios,firmesesedosos,dando-lheoqueelanemsequersabiaquequeria,oquenemsequersabiaquepoderiaexistir–um beijo forte e possessivo de que ela jamais, jamais se esqueceria. Penélopesentiu-seconsumidapelasensaçãodele,otamanho,aforça,asmãossegurandoseurosto e o movendo para alinhar sua boca com mais voluptuosidade, mais
perfeitamenteaoslábiosdele.Ele lambeu o canto dos lábios dela, tentando-a com a língua até ela arfar, e
tirouvantagemdosomparaCapturaroslábiosabertosedeslizarparadentrodeles,pressionando o corpo contra o dela, brincando e sentindo até Penélope ter aimpressãodequepoderiamorrerdeexcitação.Porvontadeprópria,osdedosdelaseenroscaramnoscachosnanucadeMichael,eelaselevantouparapressionarocorpocontraodelecommaisfirmeza,comumjeitomaisescandaloso…enãoseimportava.Nãoseimportavanemumpouco…desdequeelenãoparasse.Desdequeelejamaisparasse.
Com ela se aproximando ainda mais, ele mudou a posição das mãos,abaixando-as num deslizar demorado e tortuoso, pressionando suavemente nalateral de seus seios, apenas para ela arder de desejo em lugares que nuncaimaginou, antes de descermais emais, até ele agarrar seu traseiro e a apertá-lacontraelecomumaforçaaomesmotempochocanteeexcitante.
Elegemeudeprazercomomovimento,eelarecuoucomosom,imaginandoasimplesideiadequeelepudesseestartãoconsumidopelacaríciacomoelaestava,e ele abriu os olhos para cruzar comos dela uma vez, umolhar fugaz, antes deCapturarsuabocanovamente,indomaisfundo,acariciandocommaisfirmeza,atéelaestardominadapeloprazer.Pelaaventura.Porele.
Segundos se passaram. Minutos. Horas… não importava. Tudo o queimportava era aquele homem. Aquele beijo. Aquilo... A carícia terminou, e elelevantou a cabeça lentamente, dando um beijo suave e demorado nos lábios delaantesdelevantarosbraçosesoltarasmãosdeladeseupescoço.Sorriu-lhe,algodetiraro fôlegoemseuolhar, eelapercebeuqueeraaprimeiravezqueele sorriaparaela–apenasparaela–desdequeosdoiseramcrianças.Foimágico.Eleabriuabocaparafalar,eelaficouemsuspense,inCapazdecontrolaraexpectativaqueaatravessouenquantooslábiosdeleformavampalavras.
“Tottenham.”Penélopeficouconfusaefranziuatesta.“Normalmente,nãoapreciocavalheirosassediandodamasemmeucorredor,
Bourne.”“Comosesenteemrelaçãoamaridosbeijandosuasesposas?”“Sinceramente?”Avoz deTottenham era seca como areia. “Acho que gosto
aindamenos.”Penélopefechouosolhos,mortificada.Eleahaviaenganadotãobem.“Mudarádeideiaquandoconhecerminhacunhada,Olivia,aposto.”Aquilo fez com que ela quisesse machucá-lo. Realmente, machucá-lo,
fisicamente.Ele fez de propósito. Tudo havia sido por causa de Tottenham. Paramanter a mentira da história de amor dos dois e não porque ele não conseguiamanterasmãoslongedela.Elanãoiriaaprender?
“Seelaforminimamenteparecidacomairmã,temoquesejaumaapostaqueeunãopodereiganhar.”
Michaelriu,eelaseencolheucomosom,detestando-o.Detestandoafalsidade.“Seráquepoderianosdaruminstante?”“Creio que serei obrigado a fazer isso, ou Lady Bourne talvez nunca mais
volteameencarar.”Penélope estava olhando fixamente para as dobras da gravata de Michael,
forçando-seasoarcalma,sabendoqueparecerdespreocupadaseriaimpossível.“Nãoseiaocertoseuminstantemudaráisso,milorde.”Eleahaviausadonovamente.Tottenhamriu.“Oconhaqueestáservido.”Eentãoelesaiu.Eelaestavasozinha...Comseumarido,quepareciaestarse
especializandoemdecepcioná-la.Elanãoafastouoolhardo tecido impecáveldocolarinhodele.
“Essa foi muito boa”, ela disse, com tristeza na voz. Se ele percebeu, nãodemonstrou.
Quandofalou,foicomoseestivessemfalandosobreoclimaenãosebeijandoemumcantoescuro.
“Provavelmente ajudarámuito a provar que estamos juntos pormais doqueFalconwell.”
Elaprópriaquaseacreditou.Defato,elapareciainCapazdeaprenderalição.Nãoerajustoqueficassetãoirritadacomele.Tãomagoada.Atolahistóriadeamorhaviasidoideiadela,não?Tinhaapenasasimesmaparaculparpelaformacomoaquilofaziacomqueelasesentisse...Vulgar,usada,massuas irmãsconseguiriamseuscasamentosdecenteseirrepreensíveiscomisso.Etudoteriavalidoapena.Elaprecisavaacreditarnisso.
Penélopeafastouatristezadamente.“Por que está fazendo isso?” Ele levantou as sobrancelhas de modo
questionador,eelacontinuou:“Concordandocomestafarsa”.Eledesviouoolhar.“Eulhedeiaminhapalavra.”Elasacudiuacabeça.“Vocênãosesente…comoseeuestivessetirandovantagemdevocê?”Elelevantouumcantodabocaemumsorrisoirônico.“Eunãotireivantagemquandomecaseicomvocê?”Elanãohaviapensadonissodemodotãoclaro.“Suponhoquesim.Aindaassim…” Issoparecepior, ela queria dizer.Parece
quetudooquesou,tudooquetenho,estáaserviçodeoutros.Penélopesacudiuacabeça.“Parecediferente,eeumearrependo,noentanto,deterpedidoquefizesseissoporelas.Pormim.”
Elesacudiuacabeça.“Jamaissearrependa.”“Maisumaregra?”“Apenasdoscanalhas.Osjogadoresinevitavelmentesearrependem.”Elaimaginouqueeledeveriasaber.“Bem,eumearrependomesmoassim.”“Édesnecessário.Tenhoumbommotivoparamejuntaravocênestafarsa.”Elaparalisou.“Tem?”Michaelassentiucomacabeça.“Tenho.Todosrecebemosalgodojogo.”“Oquevocê recebe?”Ele ficouemsilêncio, e a incerteza seacendeudentro
dela.“Dequemvocêrecebe?”Elenãorespondeu,masPenélopenãoeraboba.“Domeupai.Eletinhamaisalgumacoisa.Oqueé?”
“Não é importante”, ele disse, de uma forma que a fez acreditar que fossemuitíssimo importante. “Basta dizer que você não deve se arrepender do nossoacordo, uma vez que eu sairei bastante beneficiado dele.Vou acompanhá-la até orestante das senhoras”, ele ofereceu, estendendo a mão para segurar o cotovelodela.
E, perversamente, a ideia de que ele estava jogando aquele jogo apenas embenefícioprópriofezcomqueelasesentissepior.Comoseelatambémtivessesidovítimadesuasmentiras.Sentiu-setraída,furiosa,epuxouquasequeviolentamenteobraçodiantedotoquedele.
“Nãotoqueemmim.”Ele levantou as sobrancelhas com as palavras, com a mentira que elas
carregavam.“Como?”Elanãooqueriapertodela.Nãoqueriaserlembradadequetambémhaviasido
enganada.“Podemos fingir um romancepara eles,maseu não sou eles.Não toque em
mimnovamente.Nãoseforapenasporeles.”Não acho que consiga suportar. Ele levantou as duas mãos para o alto,
provandoquehaviaescutadoopedido.Prestadoatençãoaele.Ela se virou de costas antes de dizer mais alguma coisa. Antes de trair os
própriossentimentos.“Penélope.”Ele a chamouquando ela pisou no corredormal iluminado.Ela
parou, sentindoum lampejodeesperançano fundodocoração, esperançadequeelepoderiapedirdesculpas.Dequeelepoderia lhedizerqueelaestavaenganada.Querealmenteseimportavacomela.Queadesejava.“Estaéapartemaisdifícil…comasmulheres…compreende?”
Esperançafalsa.Elequeriadizerqueela teriademanteraencenação,queasmulheres a questionariam muito mais cuidadosamente, em particular, do quehaviam feito em público. Seria um desafio.Mas o fato de que ele chamasse essaparte da noite como a mais difícil era quase risível, pois ela certamente haviaacabadodeexperimentarapartemaisdifícildanoite.
“Eu cuidarei das mulheres, milorde, como concordamos fazer. Ao final danoite,elasterãoacertezadequevocêeeuestamosprofundamenteapaixonados,eminhas irmãsestarãoacaminhodeumabela temporada.”Entãoendureceuavoz.“Masfaçaofavordelembrarquemeprometeuumavoltaporseuclube,queagorapercebo não ter sido generosidade, mas pagamento por minha parte em suaartimanha.”
Eleparalisou.“Defato.”Elaassentiucomacabeçaumavez,comfirmeza.“Quando?”“Veremos.”Elaestreitouosolhosdiantedaresposta,osinônimouniversalparanão.“Sim,imaginoquesim.”Penélope virou as costas para ele e retornou ao salão das damas, cabeça
erguida,ombroseretosaogiraramaçanetaeabriraportaparasejuntarnovamenteàsmulheres.
Oânimodestruído,prometendomanter-seimpassível.
CapítuloDozeCaroM,TommyveioparacáparaafestadeSãoMiguel,ecelebramosemgrandeestilo,
emborasentíssemosmuitosuafalta.Aindaassim,seguimosemfrente,colhemosasúltimasamorassilvestreseascomemosatépassarmal,seguindoatradição.Nossosdentesficaramabsolutaeperturbadoramenteazul-acinzentadosnoprocesso–vocêteriaficadoorgulhoso.
Quem sabe o veremos no Natal este ano? A festa de Santo Estêvão emColdharbourestásetornandoumabelafestividade,defato.
Estamostodospensandoemvocêesentindomuitoasuafalta.Sempresua,P
SolarNeedham,setembrode1818
SemrespostaEla havia pedidoque ele não a tocasse, e ele a atendeu.Naverdade, ele foimaisalém.Eleadeixoucompletamentesozinhanaquelanoite,quandoadevolveuparaaMansãodoDiaboefoiemboraimediatamente,seguindoparaondequerqueiamosmaridossemsuasesposas.
...Emaisumaveznanoiteseguinte,quandoelajantounaimensaevaziasaladejantar, sob os olhos atentos de vários lacaios desajeitados e jovens demais. Pelomenos estava acostumando-se a eles, e sentiu-se bastante orgulhosa de simesmopornãocorardurantetodaarefeição.
...Emaisumaveznanoiteseguinte,emqueficouparadadiantedajaneladeseuquarto como uma tola, atraída na direção da carruagem dele como se estivessepresaaoveículocomumfio,aoobservá-laseafastar.Comose,casoolhasseportemposuficiente,eleretornaria.
Eelelhedariaocasamentoqueelaqueria.“Chegade janelas”,ela jurou,virando-sedecostasparaaruafriaeescurae
seguindo ao outro lado do quarto, para mergulhar as mãos no lavatório,observando a água fria empalidecer e distorcer seus dedos abaixo da superfície.“Chega de janelas”, repetiu, baixinho, ao ouvir uma carruagemparar do lado deforadaresidência,ignorandooacelerardeseucoraçãoeavontadedecorreratéavidraça.
Preferiu secar as mãos com impressionante calma e seguiu até a porta queligavaoquartodomaridoaoseu,encostandooouvidonamadeirafriaetentando
ouvirachegadadele.Depoisdelongosminutosquelhedeixaramapenascomumadorirritanteno
pescoço,acuriosidadedePenélopeavenceu,eelaseguiuatéaportadoquartoparaespiarpelocorredorever seomaridohavia,de fato,voltadoparacasa.Abriuaporta–menosdedoiscentímetros–paraolharparaocorredor,edeparou-secomaSrta.Worth.Deuumgritinhoebateuaporta,ocoraçãodisparado,antesdesedarconta de que havia acabado de fazer papel de tola na frente da inquietantegovernantadomarido.
Respirandofundo,abriuaportacomumlargosorriso.“Srta.Worth,vocêmeassustou.”Agovernantaabaixouacabeça.“Asenhoratemumavisita.”Penélopefranziuatesta.“Umavisita?”Passavamdasonzedanoite.Agovernantalheentregouumcartão.“Eledizqueémuitoimportante.”Ele...Penélopepegouocartão.Tommy!Elafoidominadapelaalegria.Eleeraa
primeirapessoaavisitá-lanaquelacasaimensaevazia–nemmesmosuamãetinhaido, preferindo mandar dizer que ela a visitaria assim que o botão dos recém-casados tivessedesabrochado.Mal sabia suamãequeodesabrochar jamaishaviachegadopertodarosa.MasTommyeraseuamigoeamigossevisitavam.PenélopenãoconseguiuevitardesorrirdiantedaSrta.Worth.
“Descerei em seguida. Sirva-lhe chá. Ou… vinho. Ou… uísque.” Sacudiu acabeça.“Oquequerqueaspessoasbebamaestahora.”
Fechou a porta e melhorou a aparência antes de descer apressadamente aescadaeiratéaantessala,ondeeleestavaparado,diantedeumagrandelareirademármore,parecendopequenodentrodoambienteextravagante.
“Tommy!”,eladisse, indodiretamenteemdireçãoaele,emocionadaporvê-lo.“Oqueestáfazendoaqui?”
Elesorriu.“Estouaquipararaptá-la,éclaro.”Deveria ter sidoumapiada,mashavia um tomnoque ele disse que ela não
gostou,efoinesseinstantequePenélopepercebeuqueTommynãodeveriaestarli– queMichael ficaria furioso se descobrisseTommyAlles em sua sala, com suaesposa.NãoimportariaqueTommyePenélopefossemamigosdesdesempre.
“Você não deveria estar aqui”, ela disse, quando ele se virou para ela,segurandosuasmãoselevando-asaoslábios.“Eleficaráfurioso.”
“Vocêeeuaindasomosamigos,não?”Ela não hesitou, a culpa em relação ao seu último encontro ainda estava
presente.
“Claroquesim.”“E,comoumbomamigo,estouaquiparamecertificardequevocêestejabem
e...enforcá-lo.”Depois da última interação que teve com o marido, ela deveria apoiar a
estratégiadeenforcá-lo,masnãoconseguiu.Poralgummotivo,asimplesideiadeestar ali naquela sala com Tommy fazia Penélope sentir-se como se estivessetraindoomaridoeocasamentodeles.Sacudiuacabeça.
“Nãoéumaboaideiavocêestaraqui,Tommy.”Eleaencaroucomumaseriedadeincomumnoolhar.“Diga-meumacoisa.Vocêestábem?”As palavras saíram suaves de preocupação, e ela não estava esperando a
emoção que provocaram nela, as lágrimas que lhe trouxeram imediatamente aosolhos.Faziaumasemanaqueelahavia se casadoemumacerimôniaminúsculaeapressadaemSurrey,eninguémhaviapensadoemperguntarporela.Nemmesmoomarido.
“Eu…”Elaparou,sentindoaemoçãofecharagarganta.OsolhosazuisnormalmenteamistososdeTommyficaramsombrios.“Vocêestáinfeliz.Euvoumatá-lo.”“Não! Não...” Ela estendeu a mão, pousando-a no braço dele. “Não estou
infeliz. Não estou. Estou apenas… estou…” Ela respirou fundo, finalmentedecidindopor:“Nãoéfácil”.
“Elemachucouvocê?”“Não!” Penélope saltou em defesa de Michael, antes mesmo de pensar na
pergunta.“Não…não.”Nãodaformacomoelesereferia.Tommynãoacreditounela.Cruzouosbraços.“Nãooproteja.Elemachucouvocê?”“Não.”“Oqueé,então?”“Eunãoovejomuito.”“Issonãoéumasurpresa”,eledisse,ePenélopeouviuoataquenaspalavras.A
emoção que vinha com a amizade se perdeu. Ela havia sentido omesmo quandoMichael foi embora. Quando parou de escrever. Quando parou de se importar.Tommyficouemsilêncioporumlongotempoantesdedizer:“Gostariadevê-lomais?”.
Eraumaperguntasemrespostafácil.ElanãoquerianadacomumametadedeMichael, com o homem frio e distante que se casou com ela pelas terras.Mas aoutrametade–ohomemqueaabraçavaesepreocupavacomseuconfortoefaziacoisas deliciosas e maravilhosas com sua mente e seu corpo –, ela não seimportaria emvê-la novamente.Claroquenãopoderia dizer isso aTommy.Nãopoderia explicar que Michael era dois homens e que estava ao mesmo tempo
furiosaefascinadaporele.Nãopoderiadizerissoporquemalqueriaadmitirofatoparasimesma.
“Pen?”Elasuspirou.“Ocasamentoéalgoestranho.”“Defato,é.Imaginoqueduasvezesmaisestranhoquandoseestácasadacom
Michael.Eusabiaqueeleiriaatrásdevocê.Sabiaqueeleseriafrioeinsensíveledaria um jeito de se casar com você rapidamente… por Falconwell.” PenélopepercebeuquedeveriaestarcontestandoasafirmaçõesdeTommyecontando-lheahistóriabemelaboradaporeles,maseratardedemais,eeleprosseguiu.“Eutenteimecasarcomvocêprimeiro…parapoupá-ladecasar-secomele.”
AspalavrasdeTommydamanhãdoseupedidodecasamentoecoaramemsuamente.
“Eraissoquevocêqueriadizer.QueriameprotegerdeMichael.”“Elenãoémaisomesmodeantes.”“Porquenãomedisseisso?”Elemeneouacabeça.“Vocêteriaacreditadoemmim?”“Sim.”Não...Elesorriu,menosdoqueohabitual.Maissério.“Penny,sesoubessequeeleestavaindoatrásdevocê,teriaesperado.”Elefez
umapausa.“Semprefoiele.”Penélopefranziuatesta.Nãoeraverdade.Era?Umavisãolheveioàmente–
umdiaquentedeprimavera,os trêsdentrodavelhatorreNorman, localizadanasterrasdeFalconwell.Enquantoexploravam,umaescadahaviacedidosobospésdePenélope,eelahavia ficadopresaumnívelacimadeMichaeleTommy.Nãoeramuitoalto,umoudoismetros,masaltoobastanteparaelatermedodesaltar.Elapediu socorro, e Tommy foi o primeiro a encontrá-la. Ele lhe disse para pular,prometeu que a apanharia. Mas ela ficou paralisada de medo. E então Michaelapareceu. O tranquilo e destemido Michael, que a encarou nos olhos e lhe deuforças.Pule,SeisCents.Sereiasuarede.Elaacreditounele.
Respiroufundocomalembrança,arecordaçãodeseutempocomMichael,daformacomoelesempreahaviafeitosentir-sesegura.OlhouparaTommy.
“Elenãoémaisaquelegaroto.”“Não.Não é.Langford cuidou disso.”Ele fez uma pausa, e então disse: “Eu
gostariadeterpodidoevitarisso,Pen.Sintomuito”.Elasacudiuacabeça.“Sem pedidos de desculpas. Ele é frio e enfurecedor quando quer ser, mas
construiumuitoparasimesmo,provouseuvalorváriasvezes.Ocasamentopodeserdesafiador,masimaginoqueamaioriaseja,não?”
“Onossonãoteriasido.”“O nosso teria sido um desafio de uma forma diferente, Tommy.Você sabe
disso.”Elasorriu.“Asuapoesia…éabominável.”“É verdade.” Ele deu um sorriso, que desapareceu em seguida,mudando de
assunto.“AndopensandonaÍndia.Dizemqueháummundodeoportunidadesporlá.”
“VocêdeixariaaInglaterra?Porquê?”Ele absorveu bem as palavras, depositando o copo vazio sobre uma mesa
próxima.“Seumaridoplanejamedestruir.”Elalevouuminstanteparacompreenderaspalavras.“Estoucertadequenãoéverdade.”“Éverdade.Elemedisse.”Penélopeficouconfusa.“Quando?”“No dia do casamento de vocês. Fui até o Solar Needham para vê-la, para
convencê-la a casar-se comigo, mas descobri que estava atrasado e que você jáhaviapartidoparaLondrescomele.Vimatrás.Seguidiretoparaoclubedele.”
Michaelnãohaviaditonada.“Evocêoviu?”“Portemposuficienteparaelemeexplicarquetemplanosdevingançacontra
meupai.Contramim.Quandoeleestiverterminado,nãotereioutraescolhaanãoserdeixaraGrã-Bretanha.”
As palavras não a surpreenderam. Era claro que Falconwell não seriasuficienteparaseumaridoinsensível.EraclaroqueeleiriaquerervingançacontraLangford.MasTommy?
“Ele não faria isso, Tommy.Vocês têm um passado, uma história...Nós trêstemos.”
Tommydeuumsorrisinhoirônico.“Nossopassadonãotemomesmopesodeumavingança,infelizmente.”Elasacudiuacabeça.“Oqueelepoderiaestarplanejando…”“Eunãosou…”Tommyrespiroufundo.“Elesabe…”Fezumapausa,desviou
oolharetentounovamente.“EunãosoufilhodeLangford.”Penélopeficouboquiabertaemuda.“Nãopodeestarfalandoaverdade.”Eledeuumarisadinhaautodepreciativa.“Eucertamentenãomentiriaarespeitodisso,Pen.”Eletinharazão,claro.Nãoeraotipodacoisasobreaqualsementia.“Vocênãoé…”
“Não.”“Quem…”“Não sei. Eu não sabia que era um bastardo até poucos anos atrás, quando
meu…quandoLangfordmecontouaverdade.”Elaoobservouatentamente,percebendoa tristezasilenciosapor trásdeseus
olhos.“Vocênuncadissenada.”“Não é algo que se comente, na verdade.” Ele fez uma pausa. “É algo que
fazemosopossívelparamanteremsegredo…eesperamosqueninguémdescubra.”Masalguémhaviadescoberto...Penélopeengoliuemseco,voltandoaatenção
para uma grande pintura a óleo na parede – mais uma paisagem – uma regiãoselvagemescarpadaeintocadademaisparaserdequalqueroutrolugarquenãooNorte.Fixouoolharemumagranderochaemumladodaobradearteenquantocompreendiaasituação.
“Issodestruiriaseupai.”“Oúnicofilhodele,umbastardo.”Elaolhouparaele.“Nãoserefiraasimesmodessaforma.”“Todomundofaráissoembreve.”Silêncio...E,comosilêncio,aabsolutacertezadequeTommytinharazão.De
que os planos de Michael incluíam sua destruição. Um meio para um fim. Elepercebeu o instante em que ela reconheceu a verdade e deu um passo em suadireção.
“Venhacomigo,Penny.Podemosdeixarestelugar,estavida,ecomeçarmosdenovo.NaÍndia,nasAméricas,naGrécia,naEspanha,noOriente...Aondequerquevocêescolha.”
Penélopearregalouosolhos.Eleestavafalandosério.“Euestoucasada,Tommy.”UmcantodabocadeTommylevantou.“ComMichael.Vocêprecisafugirtantoquantoeu.Talvezmais…pelomenos
minhadestruiçãopelasmãosdeleserárápida.”“Comoquerqueseja,estoucasada.Evocê…”Elaparoudefalar.“Eunãosounada.Nãodepoisqueeleacabarcomigo.”Penélope pensou nomarido, a quem havia jurado fidelidade e lealdade, que
havialutadoportantotempoparareconstruirsuafortunasemseunome.Elesabiadaimportânciadeumnome,deumaidentidade...Nãopodiaacreditarqueelefariaisso.Sacudiuacabeça.
“Você está errado. Ele não faria…”Mas enquanto pronunciava as palavras,sabiaquenãoeramverdadeiras.
Ele faria qualquer coisa por sua vingança, atémesmo destruir seus amigos.
Tommytensionouomaxilar,eelaficousubitamentenervosa.Jamaisotinhavistotãosério.Tãodecidido.
“Eu não estou errado. Ele tem uma prova. Está disposto a usá-la. Ele éimplacável,Pen…nãoémaisoamigoqueconhecemos.”Tommyestavapróximo,esegurouumadasmãosdelanasdele.“Elenãomerecevocê.Venhacomigo.Venhacomigo,enenhumdenósficarásolitário.”
Elaficouemsilêncioduranteumlongomomentoantesdedizerbaixinho:“Eleémeumarido.”“Eleestáusandovocê.”Aspalavras,aindaqueverdadeiras,feriram.Elaoencarou.“Éclaroqueestá,assimcomotodososoutroshomensdaminhavidafizeram.
Meupai,oduquedeLeighton,osoutrospretendentes…você.”Quandoeleabriuabocaparanegar,elasacudiuacabeçaelevantouumdedo.“Não,Tommy.Nãotentefazeranósdoisdetolos.Podenãoestarmeusando
porminhasterras,pormeudinheiroouporminhareputação,mastemmedodasuavida depois que a verdade for exposta, e acha que eu serei uma boa companhia,alguémparamanterasolidãoafastada.”
“Issoétãoruim?”,Tommyperguntou,avozcomeçandoadenotardesespero.“Eanossaamizade?Onossopassado?Eeu?”
Elanãofingiunãocompreenderoqueeledisseeoultimatoimplícito,nascidodaaflição.Eleestavalhepedindoparafazerumaescolha:seuamigomaisantigo,quejamaisaabandonou,ouseumarido,suafamília,suavida.Nãoeraumaescolha.Nãodeverdade.
“Eleémeumarido!”,eladisse.“Talvezeunãodevesseterescritoessahistória,masahistóriaéessa,mesmoassim.”
Penélopeparou,perdendoo fôlegoparaa irritaçãoea frustração.Tommyaobservouporumlongomomento,aspalavraspairandoentreosdois.
“Então é isso.” Ele sorriu, triste. “Confesso que não estou surpreso. Vocêsempregostoumaisdele.”
Elasacudiuacabeça.“Issonãoéverdade.”“Éclaroqueé.Umdia,vocêsedaráconta.”Elelevouamãoaoqueixodela,
emumgestofraternal.Esteeraoproblema,claro,Tommysemprehaviasidomaisirmãodoquehomem.AocontráriodeMichaelquenãohavianadadefraternalnele.
Também não havia nada gentil em relação a ele. E embora pudesse terescolhidoaelenaquelatristeeestranhaguerra,elanãoficariaparadaenquantoeledestruísseTommy.
“Nãodeixareiqueeleodestrua”,elaprometeu.“Juro.”Tommyagitouumadasmãosnoar,esuadescrençaeraevidente.“Ah,Penny…comosevocêpudesseimpedir.”
As palavras deveriam tê-la deixado triste. Ela deveria ter ouvido a verdadenelas.Emvezdisso,oqueeledisseadeixouirritada.Michaelahaviatiradodesuafamília,mudadosuavidaemumacentenadeformas,impingidoaquelafarsasobreelaeameaçadoseumaisqueridoamigo.Efeztudoissomantendo-aaumadistânciasegura, como se ela fosse algo insignificante com que ele não precisasse sepreocupar.Bem,eramelhorelecomeçarasepreocupar.Penélopeergueuoqueixoeendireitouosombros.
“ElenãoéDeus”,eladisse,comavozfirme.“Elenãotemodireitodebrincarconoscocomosefôssemosseussoldadinhosdechumbo.”
Tommyreconheceusuairaesorriu,triste.“Nãofaçaisso,Pen.Eunãovalhoapena.”Elalevantouumasobrancelha.“Discordo.Emesmoquevocênãovalesse,euvalho.Ejácanseidele.”“Elevaimachucarvocê.”Penélopelevantouumcantodabocaemumsorrisoirônico.“Ele provavelmente vaimemachucar de qualquermaneira.Mais ummotivo
para enfrentá-lo.” Ela caminhou até a porta da antessala, abrindo-a para deixá-losair. Quando ele se aproximou, a visão das botas dele pisando macio no tapeteluxuosoaencheudetristeza.“Eusintomuito,Tommy.”
Ele segurou os ombros dela e lhe deu umbeijo carinhoso na testa, antes dedizer:
“Eurealmentequerosuafelicidade,Pen.Vocêsabedisso,nãosabe?”“Sei.”“Irámedizersemudardeideia?”Elaassentiucomacabeça.“Sim.”Ele a encarou por um longo tempo, antes de desviar o olhar, uma sombra
cruzandoseurostobonito.“Vouesperarporvocêaténãopodermaisesperar...”Penélope queria dizer para ele não ir. Queria pedir para ele ficar. Mas por
tristeza,pormedo,ouporumapercepçãoclaradequeseumaridoeraumnavioquenãoiriavoltar,preferiudizer:
“Boanoite,Tommy.”Ele se virou e atravessou a porta aberta que levava ao saguão, e Penélope
acompanhoua linhadeseusombrosenquantoeleseguiarumoàsaídadaMansãodoDiabo.Aporta se fechou atrás dele, ePenélopeouviuobarulhodas rodasdacarruagemna rua silenciosa, pontuando sua solidão.Ela estava sozinha...Sozinhanaquelacasaqueeraummausoléu,cheiadecoisasquenãoeramdelaedepessoasque não conhecia. Sozinha naquelemundo silencioso. Houve ummovimento nassombras no lado oposto do saguão, e Penélope soube imediatamente tratar-se da
Srta.Worth.Elatambémsabiaaquemeradevidaalealdadedagovernanta.Penélopefalounoescuro:
“Quantotempolevaráparaelesaberquerecebiumavisitamasculinaàsonzedanoite?”
Agovernantaapareceu,masnãofalouporumlongomomento.Quandofalou,foicomabsolutatranquilidade.
“MandeimensagemaoclubenomomentodachegadadoSr.Alles.”Penélopeobservouabelamulher,atraição–emboraesperada–atravessando-
a,atiçandoofogodesuaira.“Vocêdesperdiçoupapel.”Seguiu para a escadaria central daMansão do Diabo e começou a subir os
degraus.Nametadedocaminho,virou-separaencararagovernanta,paradaaopédaescada,observando-acomseuscabelosperfeitos,suapeleperfeitaeseusolhosperfeitos,comoseficardesentinelapudesseevitarquePenélopefizessequalqueroutra coisa Capaz de irritar o patrão. E isso serviu apenas para deixar Penélopemaisirritada.Derepente,estavasesentindorealmenteousada.
“Ondeficaoclube?”Agovernantaarregalouosolhos.“Eucertamentenãosei.”“Curioso, porque certamente sei que você sabe.”Não baixou o tom de voz,
deixandoavozaltachegaràoutra,semremorso.“Tenhocertezadequesabetudooqueacontecenestacasa.Todasasidasevindas.Etenhocertezadequesabequemeumaridopassasuasnoitesemseuclubeenãoaqui.”
Por um longomomento, a Srta.Worth não falou, e Penélope se perguntou,fugazmente,setinhaautoridadeparadispensarabelaeinsolentemulher.Enfim,deuumacenodemãoevoltouasubiraescada.
“Diga-meounão.Seforpreciso,contratareiumacarruagemeireiatrásdele.”“Elenãogostariadisso.”Agovernantaaestavaseguindoagora,percorrendoo
longocorredorsuperiorquelevavaaoquartodePenélope.“Não.Nãogostaria.Masdescobriquetenhopoucointeressepeloqueelegosta
ou não.” Na verdade, estava descobrindo que sua falta de interesse era bastantelibertadora.Abriu a porta de seu quarto e foi até o guarda-roupas, de onde tirouuma grande Capa. Virando-se novamente, encontrou o olhar arregalado da belagovernanta.
E fez uma pausa... Talvez fosse ela a deusa de cabelos escuros deMichael.TalvezfosseaSrta.Worthquempossuísseseucoração,suamenteesuasnoites.Eenquanto estudava o rosto de porcelana damulher, avaliando sua altura, a formacomoseencaixariaemMichael,aformacomocombinavacomelemuitomelhordoquePenélope,aSrta.Worthsorriu.Nãoumsorrisoqualquer.Umsorrisoamploeacolhedor.
“OSr.Alles...Elenãoéseuamante.”Aideiadequeumacriadapudessedizeralgotãoabsolutamenteinadequadofez
Penéloperecuarporuminstanteantesderesponder,comtodasinceridade:“Não.Nãoé.”Ejáqueasluvashaviamsidoretiradas:“Evocênãoéamantede
Michael”.Asurpresafezagovernantafalarsempensar.“PorDeus,não.Eunãooaceitarianemqueeleimplorasse.”Elafezumapausa.
“Querodizer…nãoquisdizer…eleéumbomhomem,senhora.”Penélopetrocouasluvasdepeledepelicabrancaporoutrasdecamurçaazul-
marinho,eenquantoencaixavaosdedos,falouhonestamente:“Eleéumcretinoetambémnãoestouabsolutamenteseguradequeoaceitaria
seeleimplorasse.Excetopelofatodequeestoucasadacomele.”“Bem,peçoquemeperdoe,masnãodeveriamesmoaceitá-loatéeleimplorar.
Elenãodeveriadeixá-latão…”“Regularmente?” Penélope completou a frase, decidindo que talvez tivesse
julgadomalagovernanta.“Infelizmente,Srta.Worth,nãocreioqueimplorarfaçapartedorepertóriodemeumarido.”
Agovernantasorriu.“Porfavor,chame-medeWorth.Écomotodososoutrosmechamam.”“Osoutros?”“OsoutrossóciosdoAnjoCaído.”Penélopefranziuatesta.“Comoconheceossóciosdemeumarido?”“EucostumavatrabalharnoAnjoCaído,lavandopanelas,depenandogalinhas,
tudooqueprecisasseserfeito.”Penélopeficoucuriosa.“Comoveiopararaqui?”Umanuvempassoupelorostodamulher.“Ganheicorpo.Aspessoascomeçaramaperceber.”“Homens?”Não precisava ser uma pergunta. Penélope sabia a resposta. Um
rosto como o deWorth não poderia se manter escondido por muito tempo nascozinhasdeumantrodejogatina.
“Os funcionários faziam de tudo para evitar que os membros do clube seaproximassem demais, não apenas de mim, mas de todas as garotas.” Penélopeinclinou-se para frente, sabendo o que viria a seguir. Desprezando o que viria aseguir. Desejando que pudesse apagar as palavras antes de serem pronunciadas.“Maseu fuidescuidada.Homenspoderosospodemserpersistentes,homens ricospodemserumatentaçãoetodosdosexomasculinosãoótimosmentirososquandoqueremser.”
Penélope sabia disso. Seu marido era mestre na eloquência. Worth deu um
sorrisotriste.“Bournenosencontrou.”Penélopeobservouaoutramulherpassarumdedopelamolduradouradade
umagrandepinturaaóleonaparede.“Ele ficou furioso”, ela disse, sabendo instintivamente que, quaisquer que
fossemseusdefeitos,omaridojamaissuportariaaqueletipodecomportamento.“Elequasematouohomem.”Penélopesentiuumaondadeorgulhoenquanto
Worthprosseguia.“Apesardetodoseuaspectosombrio…detodoseuegoísmo…eleéumbomhomem.”Deuumpassoparatrás,avaliandoaroupadePenélope.“Sepretende entrar no Anjo Caído, precisará ser pela entrada dos proprietários. É aúnica maneira de chegar ao salão principal. E precisará de uma Capa com umCapuzmaiorsepretendemanterorostocoberto.”
Penélope não havia pensado nisso. Atravessou o quarto, passando para ocorredormaliluminadoalémdele.
“Obrigada.”“Ele ficará furioso quando a senhora chegar lá”, Worth acrescentou. “Meu
bilhetenãoteráajudado.”Elafezumapausa.“Sintomuitoporisso.”PenélopeolhouparaWorthquandoasduaschegaramaopédaescada.“Cobrarei esta dívida”, Penélope disse, “mas não esta noite. Esta noite,
simplesmente direi que sua mensagem estava incompleta, e pretendo entregar orestantepessoalmente.”
CaroM,Meuaniversário chegounovamente, e este émais incômododoquequalquer
umdosanteriores.Minhamãeestáprestesarealizarumbailededebutante,eeusouvistacomoanovilhagorda (nãoéametáforamais favorável,não?).Dequalquermaneira,ela jáestá fazendoplanosparamarço,podeacreditar–estou seguradequenãodurareialémdoinverno.
Prometaqueviráaofadadoevento…Seiqueaos20anostempoucaidadeparacomparecerabailesousepreocuparcomatemporada,masseriabomverumrostoamigo.
Sempresua,PSolarNeedham,agostode1820
Semresposta
“Vocêdeveriaestaremcasacomsuaesposa.”BournenãoseviroudolugardiantedajanelaquedavaparaosalãodoAnjo
Caído.
“Minhaesposaestádeitadaasalvoemsuacama,dormindo.”Elesabiacomoimaginaracena:Penélopeemsuaimpecávelcamisolabranca
de linho, enrolada em uma porção de cobertores, encolhida de lado, os cabelosloiros estendidos como uma onda atrás dela – dando um doce suspiro durante osonho, tentando-o,mesmona fantasia.Ou,melhorainda,nacamadele, sobresuapele,voluptuosaedesejando serdescoberta.Osdiasdesdequeelapediuparaelenãotocá-laestavamsemostrandointermináveis.
A noite na Casa Tottenham havia começado com um único alvo alcançável:estabelecerasbasesdoamorfalsodeBourneePenélopeparaorestodasociedade.Mas então ela semanteve forte naquele ninho de cobras que era a sala de jantar,reforçando sua história, fingindo carinho, devoção e, afinal, defendendo-o comseusmodosperfeitoserefinados.
PormaisquedissesseasimesmoquehaviaidoatrásdelacomoobjetivodeconvencerosconvidadosdeTottenhamarespeitodeseufascíniopelanovaesposa,ele sabia, no fundo, que não era verdade. Os convidados estavam longe da suamente, e seu fascínio não havia sido nada falso.Ele precisava tocá-la... Precisavaestar perto dela. No instante em que a beijou, perdeu o controle da situação –ofegando,puxando-aaoencontrodele,desejandoqueestivessememqualquerlugarquenãoali,naquelecorredor,naquelacasa,comaquelaspessoas.SentiuvontadedeassassinarTottenhamporinterrompê-los.MasDeussabiaoqueteriaacontecidoseoviscondenão tivesse feito aquilo, levando-se emcontaqueBourneconsideravaseriamentelevantarassaiasdaesposa,ajoelhar-seemostraraelaexatamenteaondeo prazer poderia levá-los, quando o visconde limpou a garganta – varrendo odesejodamentedeBourne.
Elahaviaficadoimóvelcomoumaestátuaemseusbraços,eelesoubenaquelemomento,queelapensavaopiordele.ElaacreditavaquetudotinhasidofeitoparabenefíciodeTottenham…eeraverdade–masBournenãoesperavaquefossetãolonge.Ejamaisadmitiriaaelaquehaviasedeixadolevar tantoquantoela.Então,disse-lheaverdadesobreoplano,sabendoqueaspalavras iriamferi-la.Sabendoqueelaoodiariaaindamaisporenganá-la.Equandoelapronunciou,comaposedeuma rainha, que ele jamais deveria tocá-la novamente, Bourne soube que era omelhorparaambos.Mesmoquetudooqueelemaisquisessefosselevá-laparacasaefazê-laretiraroquehaviadito.
Chasetentounovamente.“Vocêficouaquitodasasnoitesdesdequevoltou.”“Porqueseimportatanto?”“Euconheçoasmulhereseseiqueelasnãogostamdeserignoradas.”Bournenãorespondeu.“SoubequeestátrabalhandoparaqueumadasgarotasMarburytorne-seLady
Tottenham.”
Bourneestreitouoolhar.“Vocêsoube...”Chaselevantouumombroesorriu.“Tenhominhasfontes.”Bournevoltou-senovamenteparaajanela,vendoTottenhamabaixo,dianteda
mesadepiquet.“AsjovensMarburysolteiraschegaramhojeàcidade.Issomedáalgunsdias
paragarantirointeressedovisconde.”“Entãoojantarfoiumsucesso?”“Sonhocomconviteschegandoemmassa.”Chaseriu.“PobreeinfelizBourne.Obrigadoarestauraraúnicacoisaquenãoquerpela
única coisa que quer.”Bourne encarouChase,mas nãodiscordou. “Vocêpercebequeoclube lhedeumaisdinheirodoque jamaisconseguiriagastarequenãoháqualquermotivoparaprovarasimesmo,aorealizarsuavingança,não?”
“Nãotemnadaavercomodinheiro.”“Entãootítulotemavercomoquê?Aformacomoeleodesmoralizou?”“Eunãomeimportocomotítulo.”“Claro que se importa. É exatamente como todos os outros aristocratas,
consumidopelopodermágicodoseutítulo,mesmoqueseressintadele.”Chasefezumapausa. “Nãoque isso tenhamais importância.Vocêsecasoucomagarota, eestánocaminhoparaavingança.Ouseriaressurreição?”
Bournefezumacaretaatravésdovitralvermelhoquerepresentavaumachamadoinferno,atravésdoqualpodiaveraroletagirandoláembaixo.
“Não tenho planos de ressurreição. Farei o que for necessário para destruirLangford.E,depoisdisso,retomareiminhavida.”
“Semela?”“Semela.”Maseleaqueria.Haviapassadosemcoisasquequeria,antes.Sobrevivido.“Ecomoesperaexplicarissoàsenhora?”“Elanãoprecisa demimpara ter a vidaquedeseja.Podeviver ondequiser,
comoquiser,nasminhasterras,comomeudinheiro.Ficareisatisfeitoemconcederissoaela.”Elehaviaditoomesmoantes,maisdeumavez,masestavaficandomaisdifícildeacreditar.
“Comoimaginaqueissoacontecerá?”,Chaseperguntoulentamente.“Vocêestácasado.”
“Háformasdelaserfeliz,aindaassim.”“Eéissoquevocêdeseja?Afelicidadedela?”Bourne considerou aspalavras, percebendo a surpresano tomdeChase.Ele
certamentenãohaviacomeçadoestajornadapensandonafelicidadedePenélope,de
algumamaneira.Noentanto–mesmosabendoqueotornavaopiortipodemaridopossível –, ele sacrificaria a felicidade dela por sua vingança. Mas não era ummonstro.Sepudesse,eleamanteriafelizedestruiriaLangford.Comoprovadisso,honrariaopedidoqueelalhehaviafeitodenãotocá-la,poissabiamuitobemquehabituar-sealevarsuanoivaperfeitaevirginalparaacamaseriaumerro,umavezqueelaeraexatamenteotipodemulherqueiriaquerermais.Muitomaisdoqueeletinhapara dar.Então, ficaria longedela,mesmoque a desejassemais doque eraCapazdedizer.
“Euaforceiacasar-secomigoporumpedaçodeterra.Omínimoquepossofazerépensarnoquepodedeixá-lacontente,depoisquenossocasamentocumprirseupropósito.Voumandá-ladevoltano instanteemqueaprovaparaaquedadeLangfordforminha.”
“Porquê?”Porqueelamerecemais.Bournefingiudesinteresse.“Euprometiaelaliberdade.Eaventura.”Chaseriudiantedisso.“Prometeu? Tenho certeza de que ela aceitou com empolgação. Ela esperou
porumlongotempodesdeaqueleprimeiropedidodecasamento,temposuficienteparaperceberqueamaioriadoscasamentosnãovaleopapelemquesuascertidõessãoimpressas.Evocêhonraráapromessa?”
Bournenãodesviouoolhardosalão.“Sim.”“Qualqueraventura?”Bournevirouacabeça.“Oqueissoquerdizer?”“Querodizer,naminhaexperiência,quemulherescomemoçãoaoalcancesão
bastante… criativas. Está preparado para ela viajar omundo? Jogar seu dinheirofora com frivolidades? Dar festas loucas e escandalizar a sociedade? Ter umamante?”
Aúltimaalternativa foiditacom jeitocasual,masBournesabiaqueChaseoestavaprovocandodeliberadamente.
“Elapodefazeroquebementender.”“Então,seelaassimdesejar,vocêpermitiráquelheponhachifres?”Elesabiaqueeraumaisca.Sabiaquenãodeviasealterar.Cerrouospunhos,
mesmoassim.“Sefordiscreta,nãoéproblemameu.”“Vocênãoaquerparasi?”“Não.”Mentiroso.“Foiumaexperiênciapoucosatisfatória,é?Melhordeixarparaoutrohomem,
então.”BourneresistiuaoimpulsodeatirarChasecontraaparede.Detestavaasimples
ideiadeoutrotocandonela.Outrohomemdescobrindoseuentusiasmo,suapaixão– mais tentadora do que cartas, bilhar, roleta. Ela ameaçava seu controle, seusdesejoscuidadosamenterefreados,seussentimentosescondidoshaviatantotempo.Elenãopoderiafazê-lafelizeeraapenasumaquestãodetempo.Eramelhorassim.Paraambos.
A porta da sala dos sócios se abriu, e Temple salvou Bourne de precisarcontinuarcomaconversairritante.Asilhuetamaciçadoterceirosóciobloqueoualuzaoatravessaroambiente.Erasábadoànoite,eChase,CrosseTempletinhamumjogomarcado.CrossseguiuatrásdeTemple,embaralhandoummaçodecartas.Elefalou,comsurpresanavoz:
“Bournevaijogar?”Bourne ignorou a insinuação que surgiu com a pergunta. Ele queria jogar.
Queriaperder-senasregrassimplesediretasdojogo.Queriafingirquenãohavianadamaisnavidaalémdesorte.Massabiaquenãoeraassim.Asortenãoestavadoseuladohaviamuitotempo.
“Nãovoujogar.”Os três não esperavam realmente que ele se juntasse a eles, mas sempre o
convidavam.Chaseoencarou.“Bebaconosco,então.”Se ficasse, Chase o perturbariamais, fazendomais perguntas.Mas, se fosse
embora,Penélopeoassombraria,fazendo-osentir-secomotodosostiposdetolosdomundo.Decidiuficar...
Osoutroshaviamsesentadoàmesadossócios,usadaapenasparaaquelejogo–Temple,Cross eChase sendo os únicos jogadores.Bourne sentou-se na quartacadeira, sempre àmesa, nunca no jogo. Temple embaralhou as cartas, eMichaelobservou-as voarem pelos dedos do grandalhão uma, duas vezes, antes deatravessarem a mesa. O ritmo do papel macio deslizando sobre o tecido verdegrossoeraumatentaçãoemsimesmo.JogaramduasrodadasemsilêncioantesdaperguntadeChasevir,claraeobstinadadooutroladodamesa:
“Equandoelaquiserfilhos?”Temple e Cross hesitaram diante das próprias cartas com a pergunta tão
inesperada, que não conseguiram deixar de demonstrar interesse. Cross falouprimeiro:
“Quandoquemquiserfilhos?”Chaserecostou-se.“APenélopedeBourne.”Bournenãogostoudadescriçãopossessiva.Outalveztivessegostadodemais.
Filhos.ElesprecisariamdemaisdoqueumpaiemLondreseumamãenocampo.
Precisariamdemaisdoqueumainfânciavividaàsombradeumantrodejogatina.E, se fossem meninas, precisariam de mais do que um pai com uma reputaçãosórdida.Umpaiquedestruíatudoemquetocava,incluindosuamãe.Merda.
“Elairáquerer”,Chasecontinuou.“Elaédotipoqueiráquererfilhos.”“Comopodesaber?”,Bourneperguntou, irritadoqueaquilofossesequerum
temadeconversa.“Euseimuitosobreamoça.”TempleeCrossagoravoltaramaatençãoaChase.“Sinceramente?”,Templeperguntou,comtomdedescrençanavoz.“Elatemcaradecavalo?”,indagouCross.“Bournedizquenão,masachoque
deveseresseomotivopeloqualeleestáaquiconoscoenãoemcasa,mostrandoaelacomopodemserdivertidasasexperiênciasnoturnasdamarquesadeBourne.”
Bournefoitomadopelairritação.“Nemtodosnóspassamosasnoitescomoporcosnocio.”Crossavaliouascartasumavezmais.“Prefiro coelhos”, ele disse casualmente, arrancando uma gargalhada de
Temple,antesdeolharparaChaseumavezmais.“Mas,sinceramente,falesobreanovaLadyBourne.”
Chasedescartou.“Elanãotemcaradecavalo.”Bournerangeuosdentes.Não.Nãotem.Crossinclinou-separafrente.“Elaémaçante?”“Não que eu saiba”, Chase respondeu, antes de virar-se paraBourne. “Ela é
maçante?”Bourne teveumavisãodePenélope caminhandopela nevenomeiodanoite
com uma lanterna, antes de anunciar que estava em busca de piratas do campo,seguidaporumalembrançadelanua,deitadasobreseucobertordepele.Remexeu-senolugar.
“Deformaalguma.”Templelevantouumacarta.“Então,qualéoseuproblema?”Houveumapausa,eBourneolhoudeumsócioparaoutro,ummaisespantado
doqueooutro.“Sinceramente,vocêsestãoparecendomulheresmexeriqueiras,loucasporum
escândalo.”Chaselevantouumasobrancelha.“Por isso, vou contar a eles.” Houve uma pausa, enquanto os outros se
inclinavamparafrente,esperando.“Oproblemaéqueeleestádecididoamandaramoçaembora.”
Templelevantouoolhar.“Porquantotempo?”“Parasempre.”Crossapertouoslábiosevirou-separaBourne.“Issoéporqueelaeravirgem?Porfavor,Bourne,nãopodeculpá-laporisso.
Querodizer, sabeDeusporquê,mas amaioriados aristocratas esnobesvalorizaessascaracterísticas.Dê-lhetempo.Elavaiaprender.”
Bourneapertouosdentes.“Elasesaiumuitobem.”Templeinclinou-separafrente,completamentesério.“Elanãogostou?”Chaseabafouoriso,eBourneestreitouosolhos.“Vocêestásedivertindo,nãoestá?”“Muito.”“TalvezpossapediralgunsconselhosaWorth”,Crosssugeriu,descartando.Chasepegouacarta.“Ficareifelizdecompartilharminhaexperiênciapessoal,sequiser.”Templesorriuparaascartas.“Eeutambém.”AquilotudoerademaisparaBourne.“Nãoprecisodeconselhos.Elagostoubastante.”“Ouvidizerquenemtodasgostamdesdeocomeço”,Crossdisse.“Issoéverdade”,respondeuChase,experiente.“Não há problema se ela não gostou, velho”, Temple observou. “Você pode
tentardenovo.”“Ela gostou.” A voz de Bourne estava baixa e tensa, e ele pensou que seria
Capazdemataropróximoquefalasse.“Bem, uma coisa é certa”, Temple disse, casualmente, e Bourne ignorou a
pontadadedecepçãopelofatodequeaquelehomemimensoeraprovavelmenteoúnicodamesaqueelenãoconseguiriamatar.
“Oquê?”,Chaseperguntou,descartando.“Seelaquiserfilhos,alguémteráquefazeroserviço.”Seelaquisessefilhos,elefariaoserviço.Crossdescartou.“Segarantequeelanãoéfeia,ficareifelizem…”Não terminoua frase...Bourneavançousobreele,eosdoiscaíramnochão,
em uma cacofonia de cadeiras quebradas, risadas e o som de osso batendo emcarne.Templesuspirou,atirandoascartasnamesa.
“Essesjogosnuncaterminamcomojogosdecartadevemterminar.”“Pensei quebons jogosde carta sempre terminassemcomumabriga”, disse
Chase. Cross e Bourne rolaram por cima de uma cadeira, derrubando-a quandoJustin entrou na sala.O sujeito de óculos ignorouBourne eCross, rolando pelochão,eabaixou-separasussurraralgoparaTempleeChase.
Temple então interferiu na briga, levando um soco perdido em uma dasbochechasesoltandoumxingamentoantesdearrancarCrossdeBourne.Puxandoum lenço, Cross limpou o sangue de um corte logo acima do olho e encarouBournelongamente.
“Seestá tão tensoassimnaprimeirasemanadoseucasamento,precisa levaraquelasuaesposaparaacama,ouentãotirá-ladasuacasa.”
Bourne passou a mão por um lábio inchado, sabendo que o sócio estavafalandoaverdade.
“Euprecisodela.Semela,nãotenhoLangford.”E se eu tocar nela novamente, posso não deixá-la ir embora. E então ele a
destruiriadamesmaformacomohaviadestruídotudodevalorquejamaisteve.OsolhosdeCrossbrilharam,umdelesinchandorapidamente,comosetivesse
escutadoopensamentodeBournecomtotalclareza.“Entãoissolimitaassuasopções.”“Bourne”, Justin disse, atraindo sua atenção, “há um bilhete de Worth para
você.”Bourne foi inundado por uma onda de desconforto ao romper o selo da
Mansão do Diabo e ler as poucas linhas de texto rabiscadas apressadamente nopapel.Foitomadopordescrençaefúriacomoqueleu.TommyAllesestavanacasadele.Comaesposadele.EleomatariaseTommytocassenela,outalvezomatassede qualquer maneira. Amaldiçoando, Bourne levantou-se e seguiu na direção daporta,chegandoàmetadedasalaantesdeChasefalar:
“Soubequetambémestamoscomumproblemanaroleta.”“Dane-searoleta”,eleresmungou,escancarandoaportadasaladossócios.“Bem, considerando que sua esposa está lá embaixo, talvez Cross possa
verificarocaso,mas…”Bournecongelou,oestômagoseenchendodeincredulidadeepavordiantedos
sorrisosdossócios.Quaseperdendoocontrole,seguiuatéajanelaparaolharparao cassino, e foi imediatamente atraído para alguém, em um dos lados da roleta,vestindoumaCapa,umamãodelicadaestendidaparadepositarumaúnicamoedadeourosobreotecidonumerado.
“Parecequeadamaestáfazendoaaventuraquevocêprometeu”,Chasedisse,ironicamente.
Não!Nãopoderiaserela.Elanãofariaalgotãotolo.Nãoarriscariaasirmãsnemasimesma.Qualquercoisapoderiaacontecercomelaláembaixo,noninhodecobras,cercadaporhomensquebebiamdemaiseapostavamdemais…homensqueapostavamaltoparaprovarqueestavamnocontroledealgumacoisa,mesmoque
nãofossemsuasasbolsas.Bourneamaldiçoou,furioso,esaiucorrendopelaporta.OuviuumassoviobaixoefoiseguidopelaspalavrasdeCross.“Seorostodelativermetadedaqualidadedesuacoragem,euatirareidassuas
mãoscomsatisfação.”Sósobreocadáverdele.
CapítuloTrezeCaroM,Bem,amarquesadeNeedhameDolbyestáde fatomuitoorgulhosa.Hoje foi
meudebut,minhaapresentaçãoàcorte,títulodoAlmacketudo,enãohádúvidadequesouumsucessoretumbante.
Issonãodeveriasurpreender,considerandoqueestouoficialmentenomercadodecasamentosháquaseduassemanasenãotiveumaúnicaconversainteressante.Nemuma,acreditanisso?Minhamãeestáàprocuradeumduque,masnãoécomosehouvesseumaabundânciadeduquesjovensedisponíveisàmão.
Confessoqueesperavavê-lo–emumbaile,um jantaroualgumeventodestasemana,masvocêdesapareceu,etudooquemerestaéopapeldecarta.
Umapena.Umapenarealmente.Semassinatura
CasaDolby,marçode1820
Cartanãoenviada
OAnjoCaídoeramagnífico.Penélope jamais tinha visto algo tão impressionante como aquele lugar
maravilhoso e luxuoso, repleto de luz de velas e cores, cheio de gente fazendoapostasobscenasedandorisada,beijandoosdadoseamaldiçoandoamásorte.Elase apresentou discretamente, não querendo revelar a própria identidade, massabendoquesenãodissesseseunomeaoshomensqueguardavamaentrada,nãoseria autorizada a entrar. Eles arregalaram os olhos quando ela se identificou,dizendoonomedomaridoemantendo-sesobassombrasdaentrada,aguardandoque eles decidissem se acreditavam nela. Quando um dos grandalhões abriu umsorriso e bateu duas vezes na porta do clube com um punho do tamanho de umpresunto,aportaseabriuapenasumpouco.
“AsenhoradeBourne.Melhordeixá-laentrar.”AsenhoradeBourne.UmcalafriopercorreuPenélopecomaqueladescrição-
algoqueelanãodesejavaeàqualaindanãoconseguiaresistir-masqueplanejouusar para tirar vantagem naquela noite. Então a porta se abriu por completo,revelando um festival demovimento e som, e Penélope se esqueceu do objetivoimediato.AgradecidapeloconselhodeWorth,apertouaCapaaoredordocorpoeoCapuzimensoqueadeixavaàsombra,enquantoobservavaaquelesaoseuredor,olhandoparaascartas,acompanhandoabolinhademarfimnaroleta,seguindoos
dadossobreosuntuosotecidoverde,tombandocomosventosdodestino.Eraumaaventura emsua formamais simples,maispura.Eela adoroucada
instantedaquilo.NãoeradeestranharqueMichaelpassassetantodoseutempoali.Aquelelugarerasuadeusa,suabeldadedecabelosescuros,eelanãopoderiaculpá-lo.Eraumaamantemagnífica.Oshomens comseus casacospretos impecáveis esuasgravatasperfeitamenteengomadas,osmordomosquepercorriamosalãodocassino com bandejas carregadas de uísque e conhaque, e as mulheres em seuscorpetesreveladores,ummaiscoloridodoqueooutro.Erampintadas,adereçadas,penteadasecoloridas,ePenélopequissercomoelas.Porumúnicoinstantefugaz,sabercomoerasegurarasorteemsuamão,atirarosdadoseconheceraemoção.
Masfoiovitral,imensoeinegavelmentebonito,queafezperderofôlego.UmenormeeimpressionanteretratodeLúcifer,comumacorrentequedavaduasvoltasemseutornozeloantesdecairnoabismo,seucetro,partidoaomeio,aindaemumadasmãos,eacoroanaoutra.Oimensoanjocaindo,asasasnãomaisCapazesdemantê-lovoando,viradocomacabeçaparaaschamasdo inferno.Eraaomesmotempolindoegrotesco–opanodefundoperfeitoparaaqueleambientedevícios.Penélope manteve a cabeça abaixada e atravessou a aglomeração de pessoas,adorandoaformacomooscorposadeixavampassar.Permitiu-seserguiadapelogrupo,prometendoasimesmaqueparariadiantedaprimeiramesaqueencontrasseno caminho. E foi na roleta que sentiu o coração saltar à boca em ummisto degratidãoeexcitação.Elaconheciaaquele jogo,conheciasuasregras,sabiaquesetratavadepuraeabsolutasorte.Equeriaexperimentar...Porquesubitamentesentiu-secommuitasorte.Cruzouoolharcomocrupiê,quelevantouumasobrancelhaeacenousobreamesa.
“Cavalheiros…dama”,entooucomseriedade,“façamsuasapostas,porfavor.”Penélopejáestavacomamãonobolso,brincandocomasmoedascontidasali.
Pegouumsoberanodeourobrilhante,passouopolegarpelacara,observandoosdemais jogadores ao redor da mesa fazerem suas apostas. Moedas foramdepositadassobretodaaextensãodoluxuosotecidoverde,eosolhosdePenélopeforamatraídosporumespaçovermelhotentadornomeiodamesa.Númerovinteetrês.
“Aguardamosaapostadadama.”Ela encarouo crupiê e estendeu amão, hesitante, para pôr amoeda sobreo
tecido,adorandoaformacomooourocintilavaàluzdevelas.“Apostasencerradas.”Então, a roda entrou emmovimento e a bola começou a girar ao longo da
canaleta,osimplessomdomarfimcontraoaço funcionandocomouma tentaçãoemsimesmo.Penélopeinclinou-separafrente,ansiosaporumavisãodesimpedida,comarespiraçãopresanagarganta.
“DizemquearoletaéojogodeLúcifer.”Aspalavrasvieramemseuombro,e
ela não pôde resistir a virar na direção da voz, ainda que tivesse cuidando paramanteroCapuzsobreorosto.“Adequado,não?”
Oestranhopousouamãonabordadamesa,pertoobastanteparatocá-la,eacarícia foi lenta demais para ser acidental. Ela puxou a mão diante da sensaçãodesagradável.
“Fascinante”, eladisse, afastando-sedacompanhia indesejada, esperandoqueaquela única palavra encerrasse a conversa. Voltou a atenção novamente para aroleta,girandoemgloriososvermelhoepreto,rápidodemaisparaacompanhar.
“Háahistóriadeumfrancêsque ficou tãoabsortono jogo, tão tentadopelaroleta,quevendeuaalmaaodiaboparaaprenderseussegredos.”
A roleta estava começando a diminuir a velocidade, e Penélope inclinou-separa frente, compreendendo a tentação do pobre francês. O homem ao seu ladodeslizou outro dedo pela lateral do braço dela, fazendo-a sentir um arrepio deaversãoechamandosuaatenção.
“Oqueatentariaavendersuaalma?”Elanãoteveaoportunidadederesponderoudedizerparaovizinhoretiraras
mãos de sua pessoa, uma vez que ele foi imediatamente arrancado do lugar eatiradoaváriosmetrosdali.Virou-senadireçãodacomoçãoeencontrouMichaelindoparacimadohomemqueandavadecostas,comoumcaranguejo,atéaspernasde um grupo de pessoas que havia parado no centro do salão do cassino, paraassistir ao desenrolar do drama. O marido de Penélope se abaixou e agarrou ohomempelagravata,tapandoorostodoatrevidocomseucorpanzil.
“Jamaisvolteatocaremumadamanestelugar”,seumaridorugiu,erguendoopunhoameaçadoramente.
“Que diabos, Bourne.” As palavras saíram estranguladas da garganta dohomem, que levou as mãos aos pulsos de Michael. “Deixe disso. Ela é apenasuma…”
Michaelenroscouamãoaoredordopescoçodooutro.“Termineafrase,Densmore,emedêoprazerdesufocá-lo”,eledisse,baixoe
próximodapresa.“Seeuvirououvirvocêpondoamãoemoutramulheraqui,suafiliaçãonãoseráaúnicacoisaqueperderá.Vocêmeentendeu?”
“Sim.”“Diga.”Elepareciaprontoparamatar,eahistóriadeWorthecoounamemória
dePenélope.“Sim.Sim,euentendi.”Michael o atirou novamente ao chão e aproximou-se de Penélope, que se
mexeuinstintivamenteparapuxaraCapadenovo.Eleestendeuobraçoeagarrouuma dasmãos dela, puxando-a para dentro de uma alcovamal iluminada demaisparaquealguémavisse,aproximando-separaprotegê-ladeolhoscuriosos.
“Evocê...”,elesussurrou,claramentefurioso.“Quediabosestáfazendoaqui?”
Elaoencaroucomfirmeza,recusando-seasesentirintimidada.Estavanahoradefazerasuaparte–deentraremcenaamarquesaquehaviasaídoembuscadesuaaventura.
“Euestavamedivertindobastanteantesdevocêchegareprovocarumacena.”Bourne tensionou ummúsculo domaxilar e apertou os dedos ao redor dos
pulsosdela.“Euprovoqueiumacena?MetadedeLondresestánestesalãoevocêachaque
umaCapaidiotaaesconderiadeles?”Elaretorceuamãonasgarrasdele,tentandoselibertar.Elenãoasoltou.“Estavafazendoexatamenteisso.Ninguémhaviamenotado.”Eleaempurrou
contraaparede,maisparadentrodaescuridão.“Ninguémmereconheceu.Agora,éclaro,todosestãoseperguntandoquemsoueu.”
“Provavelmentesabem.”Eledeuumarisadadura.“Euareconhecinoinstanteemqueavi,suatola.”
Ele a reconheceu? Penélope ignorou a onda de prazer que a atravessou, eendireitouosombros,recusando-searecuar.Ocrupiêdaroletaapareceuàentradadaalcova.
“Bourne.”MichaellançouumolharporcimadoombroCapazdebarrarumexército.“Agoranão.”“Bem, considerando que estou completamente à vista demetade deLondres,
comovocêobservoutãorapidamente,qualéapiorcoisaquepoderiaacontecer?”,elaperguntou.
“Vejamos”, eledisse, comavoz repletade sarcasmo,“vocêpoderia ter sidoabduzida,maltratada,abusada,revelada…”
Penélopeficoutensa.“E como isso teria sido diferente do tratamento que tenho recebido em suas
mãos?”, ela sussurrou, mantendo a voz baixa o bastante para que apenas ele aescutasse,sabendoqueestavaultrapassandoseuslimites.
Osolhosdelefaiscaram.“Seriacompletamentediferenteesevocênãoconsegueverisso…”“Ah,porfavor.Nãofinjaquese importaomínimocomigooucomaminha
felicidade.Seriaamesmacela,comumcarcereirodiferente.”Bournecerrouosdentes.“TrêsminutosasóscomaqueleporcodoDensmoreevocêteriavistoquesou
um verdadeiro santo em comparação com alguns canalhas. Eu lhe disse que nãodeveriaviraqui.Nãosemmim.”
“Descobriquenãogostomaisquemedigamoquenãodevofazer.”Penéloperespiroufundo,semsaberdeondevinhaaquelacoragem,masesperandoquenãolhefalhassenaquelemomento,umavezqueMichaelpareciamuito,muitoirritado.
E, ela percebeu, muito desgrenhado... A gravada estava absolutamenteamassada, o casaco torto nos ombros, e um dos punhos da camisa haviadesaparecido embaixo da manga do paletó. Aquilo não era normal. Não paraMichael.
“Oqueaconteceucomvocê?”,elaperguntou.“Bourne.”Naterceiravezqueocrupiêdisseonomedele,Michaelsevirou.“Quediabos.Oqueé?”“Éadama.”“Oquetemela?”Penélope espiou ao redor de Michael, puxando o Capuz para frente,
certificando-sedequenãoseriareconhecida.Ocrupiêlevantouassobrancelhasaolhesdarummeio-sorriso.
“Elaganhou.”Uminstante,eentãoBournedisse:“Oquefoiquevocêdisse?”“Elaganhou.”Ocrupiênãoconseguiudisfarçarsuasurpresa.“Númerovintee
três.Direto.”Michaeldesviouoolharparaamesa,entãoparaaroleta.“Ganhou?”Penélopearregalouosolhos.“Euganhei?”Ocrupiêlhedeuumsorrisobobo.“Ganhou.”“Mandeoprêmiodelaparaaminhasala.”Emquestãodesegundos,Michaela
puxavaatravésdeumaportaescondidaaliperto.Enquanto os dois subiam uma longa escada, Penélope reuniu sua coragem,
preparadaparaenfrentá-lo.Masantes,precisavaacompanharseuritmo.Estavacomamão presa à dele, e ele não demonstrou qualquer sinal de soltá-la, enquanto apuxavaporumcorredor comprido e, afinal, paradentrodeuma salagrandequeestaria completamente escura, não fosse a luz do salão principal do cassino,entrandopelaparededevitraisemumadaspontas–lançandoummosaicodecoressobreoespaço.
“Que maravilhoso”, ela sussurrou, não percebendo que ele a havia soltadoantes de trancar a porta atrás dos dois. “Lá de baixo, não há sinal de que hajaqualquercoisaportrásdovidro.”
“Esseéoobjetivo.”“Éimpressionante.”Elafoiatéajanela,estendendoumadasmãosparatocar
emumpaineldouradoquerepresentavaumcachodoscabelosdeLúcifer.“Oquevocêestáfazendoaqui,Penélope?”
Ela puxou a mão subitamente com a pergunta, virando-se para ele, malconseguindoenxergá-lonaescuridão.Elepareciaterdesaparecidonassombrasdooutroladodasala.Sentiuocoraçãodispararelembrou-sedeporquehaviaidoaoclube.
“Precisamosterumaconversa.”“NãopodiateresperadoqueeuvoltasseàMansãodoDiabo?”“Se eu acreditasse quevocê iria voltar,milorde, talvez eu tivesse esperado”,
eladissecomsarcasmo.“Comonão tenhocertezade seusplanosaesse respeito,considereimelhorviratévocê.”
Elecruzouosbraçossobreopeitolargo,esticandootecidodopaletócontraosbraçosmusculosos.
“Voudemitirococheiroqueatrouxe.”“Impossível.Vimemumacarruagemdealuguel.”Nãoconseguiuevitarotom
detriunfonavoz.“SeTommyaajudoudealgumamaneira,tereigrandeprazeremdestruí-lo.”Elaergueuoqueixo.“Então,chegamosaoponto.”“Nãodevevê-lonovamente.”Penélopenãoseimportouqueeleseaproximassedelanoescuro,claramente
irritado,porqueelatambémestavairritadacomele.“Nãoestoutãocertadequeobedecereiaessaordem.”“Obedecerá.” Ele a encurralou contra a porta. “Se o vir novamente, eu o
destruirei.Tenhaissoemmente.”Eraaoportunidadepelaqualelaestavaesperando.“Fiqueisabendoqueplanejadestruí-lodequalquermaneira.”Elenãonegou,e
elafoitomadapeladecepção.Sacudiuacabeça.“Éimpressionante,comocontinuoaacreditarnoseumelhorapenasparaacabarvendoqueestavaerrada.”Afastou-sedele,seguindonovamentenadireçãodajanela,olhandoparaosalão.“Vocênãotemcoração.”
“Émelhorquepercebaissoagora,antesquenossocasamentoavancemais.”Ela se virou novamente para ele, furiosa com o modo insensível com que
Michaelsereferiuàvidadeles.Àvidadela.“Talvez nossa farsa de casamento não dure muito neste mudo, de qualquer
maneira.”“Oqueissoquerdizer?”Eladeuumarisadinhacínica.“Apenasquevocênãodáamenorimportânciaaele.”“SeupreciosoTommyaconvidouparafugircomele,nãofoi?”Foiavezde
ela ficaremsilêncio.Deixá-loacreditarnoquequisesse.Eleseaproximou.“Estápensando em ir, Penélope? Está pensando em destruir nosso casamento, sua
reputaçãoeosnomesdassuasirmãscomumaescolhaegoísta?”Elanãopôdedeixarderesponder:“Eusouegoísta?”Penéloperiu,epassouporelecomumencontrão, indona
direção da porta. “Isso é divertido, vindo de você, o homemmais egoísta que jáconheci,egoístaobastanteparadestruirseusamigosesuaesposaemnomedeseusprópriosobjetivos.”
Estendeuamãoparaamaçaneta,arfandoquandoamãodelesurgiudoescuroparasegurarseupulso.
“Nãovaisairatéacabarmosestaconversa.AtétermedadosuapalavradequeficarálongedeTommyAlles.”
EraclaroqueelanãoiriaalugaralgumcomTommy,masserecusavaadaraeleasatisfaçãodesaberdisso.
“Porquê?Nãoseriamaisfácilparavocêqueeufosseemboracomele?Entãoconseguiriasuavingançaeasualiberdadeemumasótacada.”
“Vocêéminha.”Elaoatacou.“Vocêéumdesequilibrado.”“Podeser...Mastambémsouseumarido.Émelhorlembrar-sedessefato.Edo
fatodequeprometeumeobedecer.”Eladeuoutrarisadinhacínica.“Evocêprometeumehonrar”,ela replicou.Enósdoisprometemosamarmos
umaooutro.Issotambémnãofuncionou.Eleparalisou.“Vocêpensaqueeuadesonrei?”“Pensoquemedesonratodavezquemetoca.”Eleentãoasoltou,tãorapidamentequefoicomoseapeledelaoqueimasse.“Oqueissoquerdizer?”Penélopehesitou, insegura, adiscussãode repente seguindoemumadireção
comaqualelanãoestavainteiramenteconfortável.“Ah,não,milady.”Elepraticamentecuspiuotítuloeelapercebeuqueohavia
ofendido.“Vocêiráresponderàpergunta.”Sim.Iria.“Toda vez que me toca, toda vez que demonstra o menor interesse, é em
benefíciopróprio, embenefício dos seus objetivos, da suavingança, daqual nãodesejoparticipar.Nãohánadaquesejaparamim.”
“Não?” Sua fala veio cheia de sarcasmo. “Interessante, já que parece tergostadodomeutoque.”
“É claro que gostei. Você fez tudo o que pôde para garantir que eu oacompanharia através do fogo naquelas ocasiões. Usou a sua evidente…” –Penélopefezumapausa,acenandocomumadasmãosnadireçãodele–“períciana
cama para conquistarmais de seus objetivos.”As palavras agora estavam saindorápidas e furiosas. “E fez um trabalho extraordinário. Confesso, estouimpressionada. Tanto por sua estratégia inteligente quanto por seu desempenhoimpecável.Masoprazeréfugaz,LordeBourne,tãofugazquenãovaleadordeserusada.”Ela pôs umamão namaçaneta da porta, ansiosa por deixar a sala e ele...“Perdoe-me se me encontro relutante em largar tudo e lembrar de meus votosquandovocêfeztãomauusodosseus.”
“AchaqueteriasidodiferentecomseupreciosoTommy?”Elaapertouosolhos.“Nãoireimedesculparporgostardele.Houveumtempoemquevocêtambém
gostou. Ele era seu amigo de infância.” O terceiro do trio. Penélope deixou adecepçãoapareceremsuavoz.
Osolhosdeleseencheramdeirritação.“Elenãofoinemumpoucoamigonahoraemquedeviasemostrarcomotal.”Sacudiuacabeça.“Achaqueelenãolamentouoqueopaifez?Estáerrado.Elelamentou.Desde
oprincípio.”“Nãoobastante.Maslamentaráquandoeutiverterminadocomele.”Penélopeassumiuposiçãodedefesa.“Nãodeixareiquefaçamalaele.”“Vocênão temescolha.SeuqueridoTommyserádestruído junto comopai.
Prometi vingança nove anos atrás, e nada ficará em meu caminho. E vocêagradeceráaDeuspornãotersecasadocomele,oueuadestruiriajunto.”
Elaapertouosolhos.“SedestruirTommy,prometoquelamentareicadainstantedemeucasamento
comvocê.”Eleriudiantedisso,absolutamentesemhumor.“Imaginoquejáestejanessecaminho,querida.”Sacudiuacabeça.“Escute aqui.Se seguir em frente comessavendeta equivocada, provaráque
tudooquejáfoi,tudooquehaviadebomemvocê…desapareceu.”Ele não se moveu. Sequer demonstrou que a havia escutado. Ele não se
importava,nemcomTommy,nemcomelaoucomopassadodeles.Eaverdadedissoafezsofrer.Penélopenãoconseguiuconteraenxurradadepalavras.
“Eleficoudevastadopelasuaperdatantoquanto…”,elaparou.“Tantoquanto…?”,eleperguntou.“Tantoquantoeufiquei”,eladisparou,odiandoaspalavrasnoinstanteemque
elasforampronunciadas,emumainundaçãodelembranças, juntocomadoloridatristezaquesentiuquandoficousabendodaruínadeMichael.“Elesentiusuafaltatanto quanto eu. Ele se preocupou com você tanto quanto eu me preocupei. Ele
procurou por você, tentou encontrá-lo tanto quanto eu tentei. Mas vocêdesapareceu.”Deuumpassonadireçãodele.“Vocêachaqueeleodeixou?Foivocêquem nos deixou,Michael.Você nos deixou.” A voz de Penélope estava trêmulaagora, com toda a raiva, tristeza e o medo que havia sentido naqueles meses,naquelesanosdepoisqueMichaeldesapareceu.
“Vocêmedeixou.”Elapôsasmãosnopeitodele,empurrando-ocomtodasuaforça, com toda sua raiva. “E eu senti tanta falta de você.”Ele deu vários passosparatrásnosilênciodasalaescura,ePenélopepercebeuquehaviaditomaisdoquedeveria. Mais do que jamais imaginaria ser Capaz de dizer. Respirou fundo,controlandoaslágrimasqueameaçavamcair.Elanãoiriachorar.Nãoporele.Emvezdisso, sussurrouatravésdonóquesentianagarganta:“Eusenti tanta faltadevocêeaindasinto,droga...”
Ela ficou esperando, na escuridão, que ele dissesse alguma coisa.Qualquercoisa.Que se desculpasse.Que dissesse que tambémhavia sentido falta dela.Umminutosepassou.Dois.Mais...Quandopercebeuqueelenãoiafalar,elasevirou,abrindo aporta com força antesdele semover, lançando amãopor cimade seuombro para fechá-la novamente. Ela puxou amaçaneta,mas elemanteve a portafechadacomumadasmãos.
“Vocêéumbruto.Deixe-mesair.”“Não.Nãoenquantonãoterminarmosisso.Eunãosoumaisaquelegaroto.”Eladeuoutrarisadinhacínica.“Eusei.”“EnãosouTommy.”“Seidissotambém.”Ele levouamãoaopescoçodela,osdedospercorrendoomúsculoali,eela
soubequeeleestavasentindosuapulsaçãoacelerar.“Achaquenãosentisuafalta?”Penélopecongeloudiantedisso,ficandocoma
respiraçãosuspensa.Estavadesesperadaqueeledissessealgomais.“Achaquenãosentifaltadetudoaseurespeito?Detudooquevocêrepresentava?”
Ele pressionou o corpo contra o dela, a respiração suave em sua têmpora.Penélopefechouosolhos.Comoosdoistinhamidoacabarali,naquelelugarondeeleeratãosombrioetãodestruído?
“Acha que eu não queria voltar para casa?”A voz dele estava carregada deemoção.“Masnãohaviaumacasaparaaqualeupudessevoltar.Nãohavianinguémlá.”
“Vocêestáerrado”,elaargumentou.“Euestavalá.Euestavalá…eestava…”Sozinha.Engoliuemseco.“Euestavalá.”
“Não!”Apalavrasaiuduraeáspera.“Langfordtiroutudo.Eaquelegaroto…aqueledequemvocêsentefalta…eletambémtirou.”
“Podeser,masTommynão fez isso.Nãoconsegueenxergar,Michael?Eleé
apenasumpeãonoseu jogo…assimcomoeu…comoasminhas irmãs.Vocêsecasou comigo, você as casará, mas se você o destruir… jamais perdoará a simesmo.Euseidisso.”
“Vocêestáerrada”,elerespondeu.“Eudormireibem.Melhordoquedurmoháumadécada.”
Sacudiuacabeça.“Nãoéverdade.Achaqueasuavingançanãoirádoer?Achaquenãosofrerá
como impactodela?PorsaberquedestruiuoutrohomemdaformasistemáticaehorrívelcomoLangforddestruiuvocê?”
“Tommytambémeraumavítimainfelizdessaguerra.Depoisdehoje,depoisda tentativa dele de levá-la embora, não estou seguro de que ele nãomerecerá apuniçãoquepretendoimporaele.”
“Eu jogopor issocomvocê.”AspalavrassaíramdabocadePenélopeantesqueelapensassenoqueestavadizendo.“Digaojogoedêopreço.Eujogo.PelossegredosdeTommy.”
Eleparalisou.“Vocênãotemnadaqueeuqueira.”Penélopeodiouaquelaspalavras,eoodioupordizê-las.Tinhaasimesma,o
casamento deles, o futuro deles, mas nada de valor para Michael. E foi nessemomento que ela percebeu que Tommy tinha razão – que sempre havia sidoMichael, o garoto forte e seguro que ela conheceu. Aquele com quem ela deurisada,cresceueporquemchoroudurantetantotempo.Oquehaviadesaparecido,deixandoemseulugaraquelehomemsombrioeatormentadoqueera,igualmentetentador,àsuamaneira.Eeladesistiudelutar...
“Solte-me.”Eleatrouxeparamaisperto,falandoemseuouvido.“Eutereiaminhavingançaeoquantoantesvocêperceberisso,maisfácilserá
onossocasamento.”Elaficouquieta,resistindocomosilêncio.“Querirembora?”,eleperguntou,aspalavrasduraseásperas.Não.Queroquevocêqueiraqueeufique.Porquê?Porqueeleexerciaaquele
efeitosobreela?Penéloperespiroufundo.“Sim.”Elelevantouamãodaportaedeuumpassoparatrás,eelasentiufaltadocalor
delequasequeimediatamente.“Entãová.”Penélopenãohesitou.Saiuparaocorredor,semconseguirafastardamenteo
pensamento de que alguma coisa havia acabado de acontecer entre eles. Algumacoisa que não poderia voltar atrás. Fez uma pausa, apoiando-se na parede,respirando profundamente no abrigo da escuridão e com o barulho abafado do
cassino ao fundo. Enroscou os braços ao redor do próprio corpo, fechando osolhos para afastar o pensamento – para afastar as palavras que os dois haviamacabadodetrocar,acompreensãoabsolutadequehaviaesperadooitoanosporumcasamentoquefossemaisdoqueoqueelapossuía,ourepresentava,ouparaquehaviasidocriada,paraacabarsecasandocomumhomemquenãoaviacomonadaalémdessascoisas.Pior,umhomemqueelasempreimaginouqueseriadiferente.Aquelehomemjamaisexistiu.Elejamaissurgiudogarotoqueelaconheceuumdia.Do garoto que ela amava. Soltou um longo suspiro e deu uma risada triste noescuro.Odestinoeracruel,defato.
“LadyBourne?”Assustou-se aoouviro somdopróprionome– ainda tão estranhoa ela– e
encostou-semaiscontraaparede,quandoumhomemmuitoaltosematerializoudaescuridão.Eramuitomagro,comummaxilarforteequadrado,eaexpressãoemseus olhos era um misto de solidariedade e outra coisa que ela não conseguiudefinir,afezacreditarquesetratavamaisdeumamigodoquedeuminimigo.Fezumacurtaequaseimperceptívelreverência.
“SouCross.Estoucomseuprêmio.”Ele estendeu um saquinho escuro, e Penélope levou um instante para
compreenderdoquese tratava–parase lembrardequehavia idoatéalinaquelanoite em busca de excitação, aventura e prazer e que estava indo embora apenascomdecepção.Pegouo saquinho, surpreendendo-se comopesodasmoedas.Eledeuumarisada,baixa,masintensa.
“Trintaecincolibrasébastantedinheiro”,eledisse.“Enaroleta?Temmuitasorte.”
“Nãotenhosortealguma.”Nãoestanoite,pelomenos.“Bem,talvezsuasorteestejamudando.”Duvido.“Talvez.”Fez-seumlongosilênciocomeleolhandoparaelaantesdeabaixaracabeça
comumpequenoacenoedizer:“Cuidadoaovoltarparacasa.Issoéquantiasuficienteparafazeroanodeum
ladrão.”Elesevirou,ePenélopetransferiuabolsadeumadasmãosparaaoutra,testandoopesodasmoedasemseuinterior,osomqueelasproduziamaosechocarumascontraasoutras.
Eentão,antesquepudessereconsiderar,elaochamou:“Sr.Cross?”Eleparou,voltando-separaela.“Senhora?”“Conhece bem meu marido?”, ela disparou na escuridão. Por um instante,
pensouqueelepoderianãoresponder.
Eentãoelerespondeu:“TãobemcomosepodeconhecerBourne.”Elanãopôdedeixarderirdiantedaafirmação.“Melhordoqueeu,certamente.”Elenãorespondeu.Nãoprecisava.“Háalgoquequeiraperguntar?”Haviatantasperguntasqueelagostariadefazer.Perguntasdemais.Queméele?
O que aconteceu com o garoto que ela conheceu um dia? O que o tornou tãodistante? Por que ele não dava uma chance àquele casamento? Não podia fazernenhumadelas.
“Não.”Eleesperouporumlongomomentoparaqueelamudassedeideiaecomoisso
nãoaconteceu,eledisse:“Vocêéexatamenteoqueeuesperava.”“Oqueissoquerdizer?”“ApenasqueamulherquedeixaBourne tãoabsolutamente inquietodeve ser
mesmoextraordinária.”“Eunãoodeixo inquieto.Elenãopensaemmimalémdoqueposso fazera
serviço de seus objetivos maiores.” Penélope arrependeu-se das palavras deimediato.Arrependeu-sedairritaçãoquedenotavam.
Crosslevantouumadassobrancelhas.“Possolhegarantirquedefinitivamentenãoéesseocaso.”Seaomenosfosseverdade.Mas,claroquenãoera.“Parecequenãooconhecemuitobem,afinal.”Elepareceucompreenderqueelanãoestavainteressadaemdiscutiraquestão.
Emvezdisso,mudoudeassunto.“Ondeeleestá?”Sacudiuacabeça.“Nãosei.Euodeixei.”Osdentesdelebrilharambrancosnaescuridão.“Tenhocertezadequeeleadorou.”Eleahaviaforçadoairembora.“Nãoestoupreocupadaemcomoelesesentiuemrelaçãoaisso.”Crossentãoriu,umarisadaaltaeamistosa.“Vocêéperfeita.”Elanãosesentiaperfeita.Sentia-seumaidiotacompleta.“Perdão?”“EmtodososanosdesdequeconheçoBourne,jamaisviumamulherafetá-lo
da formacomovocêafeta.Nuncaovi resistiraalguémda formacomoresisteavocê.”
“Nãoéresistência.Édesinteresse.”Umasobrancelharuivaseergueu.“LadyBourne,definitivamentenãoédesinteresse.”Ele não sabia. Ele não viu como Michael a deixou, como se mantinha tão
distantedela,comose importava tãopoucocomela...Penélopenãoqueriapensarnisso.Nãonaquelanoite.
“Achaquepodemeajudaraalugarumacarruagem?Gostariadevoltarparacasa.”
Elesacudiuacabeça.“Bourne me mataria se soubesse que eu a deixei voltar para casa em uma
carruagemdealuguel.Deixe-meencontrá-lo.”“Não!”,eladisparousempensar.Baixouoolharparaochão.“Nãodesejovê-
lo.”Elenãodesejamever.Elanãosabiamaisoqueeraimportante.“Senãoele,entãoeumesmoaacompanharei.Estaráasalvocomigo.”Elaestreitouosolhos.“Comopossosaberseestádizendoaverdade?”UmcantodabocadeCrosslevantou.“Entreoutrascoisas,porqueBournesentiriaimensoprazerdemedestruirse
eulhefizessemal.”Penélope lembrou da forma como Michael havia atirado Densmore para o
outro lado do salão, sem se abalar, mais cedo naquela noite. A forma comoenfrentou o conde esbravejador, os punhos cerrados, a voz trêmula de raiva. Sehaviaumacoisasobreaqualtinhacerteza,eradequeBournejamaispermitiriaquealguémfizessemalaela.Amenos,éclaro,quefosseelemesmo.
CapítuloCatorzeCaroM,Fiquei sabendo sobreLangford,aquelemonstro, e sobreoqueele fez.Éuma
atrocidade,evidentemente.Ninguémacreditaqueelepodetersidotãodetestável–ninguémexcetoTommyeeu.QuantoaTommy…eleestáprocurandoporvocê.Rezoparaqueoencontre.
Rapidamente.Sempresua,P
SolarNeedham,fevereirode1821
Cartanãoenviada
Oganchode esquerdadeTemple foi violento, bem-vindo emerecido.AcertouomaxilardeBourne, jogandosuacabeçapara trásemandando-oparacimadeumposte de madeira na beira do ringue de boxe no porão do Anjo Caído. Bournerecuperou o equilíbrio antes de cair no chão coberto de serragem, olhando paraChase acima da corda superior, antes de se levantar e se virar de frente para ocompanheirodeluta.TempledançavadeumpéaoutroenquantoBourneavançava.
“Vocêéumtolo.”Bourne ignorou as palavras e a verdade contida nelas, dando um soco que
poderiaderrubarumcarvalho.Templedesviouefintouantesdedarumsorriso.“Vocêéumtoloeestáperdendoojeito.Seráquecomasdamastambém?”Bourne acertou um soco rápido no rosto de Temple, apreciando o som do
punhocontraapele.“Oquetemadizersobremeujeitoagora?”“Umsocomaisoumenos”,Templedisse comumsorriso,desviandopara a
esquerda,paraforadoalcancedosegundogolpedeBourne.“MassuamulherfoiparacasacomCross,entãonãopossofalarquantoaisso.”
Bourne soltouum impropério e foi atrásdoamigo,vários centímetrosmaisaltoemaisdedezcentímetrosmaislargo,masBournemaisdoquecompensavaadiferençacomvelocidadeeagilidadee,naquelanoite,puravontade.Eleatacousemhesitar, os punhos, enrolados em tecido, ávidos por atingir o torso nu dograndalhão. Primeiro o esquerdo, depois o direito. Os movimentos forammarcadospelosgrunhidoscurtosdeTemple,antesdeledesviardançando.
“Nãooprovoque,Temple”,Chasedissedeforadoringue,atravessandocomdificuldadeumapilhadepapel,malprestandoatençãoàdisputa.“Elejáestátendo
umanoitedifícilosuficiente.”Deussabiaqueeraverdade.Eleahaviadeixadoirparacasa.Aquilofoiacoisa
maisdifícilquefeznavida,poisoqueelerealmentequeriaerafazeramorcomelanochãodasaladossócios,comaluzdooutroladodovitralabanhandoemumainfinidadedecores.Queriaprovarquejamais,nemumavezsequer,teveaintençãodedesonrá-la.Naverdade,a ideiadequeeleahaviadesonrado faziacomquesesentisseumcretinoabsoluto.
O punho deTemple acertou seumaxilar em um direto de direita perfeito, eBournebalançouparatrásnoscalcanhares.
“Por que não vai atrás dela?”, Temple perguntou, desviando dos punhos deBourneevoltandoparalheacertarumgolperápidonopeito.“Leve-aparaacama.Issonormalmentefazcomquesesintammelhor,não?”
Bournenãopodiadizeraoamigoquelevaraesposaparacamaohaviatrazidoàqueleproblema.
“Quandotiversuaprópriaesposa,poderádartodososconselhosquequiser.”“Atélá,nãovouprecisar.Vocêjáteráafastadoasuaparasempre.”Eledesviou
novamente.“Gostodagarota.”Infelizmente,Michaeltambémgostava.“Vocênemaconhece.”“Não preciso conhecer.”O gancho de direita deBourne teria derrubado um
homemmenor,masogolpenãosurtiuefeitoalgumsobreTemple.Infelizmente...Eelecontinuouvindoparacima.“Qualquerumaqueoafetedaformacomoelaafetamerece a minha admiração. Ela conquistou minha lealdade apenas com suaparticipação no divertimento desta noite, e imagino que Cross estará meio queapaixonadoporelaquandovoltar.”
Aspalavraseramparaprovocá-lo,econseguiram.Comumgrunhido,Bournepartiu para cima de Temple, que bloqueou dois socos rápidos antes de levar umsoco na barriga. Bourne disse um impropério e se inclinou sobre o outro, arespiração tão rápida como sua transpiração por um segundo, dois, cinco...Finalmente,Templerecuou,eantesqueBournetivesseumachancedesemexer,ooutrodisparouum,edepoisoutrosoco,atirandoBourneporsobreascordas,comsangue vertendo pelo nariz. Dessa vez, ele não foi rápido o bastante para seequilibrar.Caiudejoelhos.
“Fimdoround”,Chasedisse,eBournexingoubarbaramentequandoTempleseaproximouparaajudá-loaselevantar.
“Deixe-me”,eledisparou,ficandoempéeseguindoatéacadeira,emumdoscantosdoringue,marcadoporumlençoverde.“Trintaeoitosegundos”,eledisse,arrancandootecidodoposte,segurando-ononarizeinclinandoacabeçaparatrás.“Sugiroquevocêprepareseupróximocontra-ataque.”
TempleaceitouumabebidadeBruno,seusegundoemcomando,ebebeuantes
deencostar-senascordas,deixandoosbraçosestendidosparaoslados–cadaumexibindo uma tatuagem larga nos imensos bíceps –, cobrindo quase ametade docomprimento do ringue. Temple podia ter nascido na aristocracia, mas aqueleagoraeraseureino.
“Oqueeladissequeodeixoutãoávidoporlevarumasurra?”Bourneignorouapergunta.Nemaexplosãodedornorostoconseguialevar
emboratodosospensamentosdoquehaviaacontecidomaiscedocomsuaesposa:os olhos azuis faiscando enquanto ela o acusava de usar seu corpo para garantirseus interesses; os ombros firmes defendendo a própria honra – algo que eledeveria ter feito por ela. Ele se lembrava de como ela o olhou, com verdade elágrimas nos olhos, dizendo que havia sentido sua falta. As palavras o haviamdeixadosemfôlego–aideiadequeapuraeperfeitaPenélopehaviapensadonele,havia ficadopreocupadacomele.Porqueele tambémhaviasentido faltadela.Eletinhalevadoanosparaseesquecer–anosqueforamapagadosemummomentodesinceridade,quandoelaolhounosolhosdeleeoacusoudetê-ladeixadooudetê-ladesonrado.Eali,nabocadeseuestômago,aindanãomascaradapeladordasurradeTemple,estavaaemoçãoqueeletemeudesdeocomeçodaquelafarsa.Culpa.
Elatinharazão.Elehaviaabusadodela,tratadopiordoqueelamerecia.Eelahavia se defendido com firmeza e orgulho, de forma extraordinária. E mesmoenquantotentavadeixá-lair,afastando-a,elesabiaqueadesejava.Nãoenganouasimesmopensandoqueodesejoeraalgonovo.EleadesejouemSurrey,quandoaencontrou no escuro, com apenas uma lanterna para protegê-la. Mas agora…desejarhaviasetornadoalgomaissério,maisvisceral,maisperigoso...Agora,eleadesejava – sua esposa forte, inteligente e de bomcoração, que se tornavamaistentadora a cada dia, ao florescer e se transformar em algo novo e diferente dagarotaqueelehaviaencontradonaquelanoiteescuradeSurrey.
Eleestavacasadocomela,vinculadoàsleisdeDeusedoshomensatomá-la,deitá-la, idolatrá-la e tocá-la de todas as formas lascivas que poderia imaginar,reivindicando-a como sua. E ela não queria nada com ele. Cerrou o punhoesquerdo,apreciandoadorpungenteporbaixodasfaixasdetecido–asensaçãodalutaqueacabavadeter,apromessadaqueaindaviria–ebaixouolenço.Onarizhaviaparadodesangrar.Seelanãotivessedecididoafastar-sedelenaqueledia,issoacabaria acontecendo – e talvez fosse tarde demais, quando ele já não estivessedispostoaliberá-la.
“Precisodealguémparavigiá-la.”Chaseolhouparaele.“Porquê?”“Allesaconvidouparafugirdepoisqueeujogá-lonalama.”OsoutrostrocaramolharesantesdeTempledizer:“Evocêquerpagaralguémparagarantirqueissonãoaconteça?”
Ele queria acreditar que não iria acontecer. Que ela escolheria a ele. QuelutariaporeledaformacomotinhalutadoporTommy.Umalembrançaenterradahavia muito tempo lhe veio espontaneamente – a jovem Penélope com as mãosestendidas durante uma festa no jardim, brincando de cabra-cega. Havia criançasespalhadasportodoolugar,gritandoseunome,eelaseatiravaparafrenteeparaos lados, rindo da brincadeira boba. Ele e Tommy se aproximaram dela esussurraram seunome aomesmo tempo.Ela girouna sua direção,Capturando-ofacilmente,levandoasmãosaoseurosto,comumsorrisolargoeencantador.
“Michael”,eladissebaixinho.“Pegueivocê.”Elepassouasmãospelorostoeolhouparaospés,cobertosdeserragem.“Achomelhor.”Chaselogorespondeu.“Mandar segui-la pode não ser a melhor maneira de conquistar a dama,
Bourne.”Eleselevantou.“Estouabertoaideiasmenosdesprezíveis.”Templesorriuedisse:“Porquenãodeixaroringueeiratéela?Dizeraspalavraspelasquaiselaestá
procurando,levaragarotaparaacamaelembrá-laporquevocêémelhordoqueAlles,detodasasformasquevalemapena?”Elesejogoucontraascordasváriasvezes, em uma péssima imitação de coito. “Uma luta diferente, mas muito maisprazerosa.”
Bourne fezumacaretaese levantou,sacudindoasmãoseexperimentandooprópriopesosobreaspernascansadas.
“Háquantotempovocênãodorme?”,Chaseperguntou.“Eudurmo.”Nãomuito.Deu um passo na direção do centro do ringue, sentindo o salão balançar.
Templenãoopoupava.Nunca...Eraoqueotornavaumoponentetãoforadesérienaquelesdiasemquetudooquesequeriaeraesquecer.
“Háquantotempovocênãodormemaisdoqueumahoraaquieali?”“Eunãoprecisodeumamãe.”Chaselevantouumasobrancelha.“Quemsabeumaesposa,então?”Bourne desejou que Chase também estivesse no maldito ringue. O som de
Temple traçandoumalinhanaserragem,nocentrodoringue,ecoounoambienteescuroecavernoso.
“Venhaaqui,meuvelho.Deixe-me lhedar a surraque estámerecendo tanto.Vamos mandá-lo para casa, para sua marquesa, precisando desesperadamente docuidadoedapreocupaçãodela.”
Bourne seguiuparaocentrodo ringue, ignorando tantoaspalavras comoo
desagradoqueseinstalouemseucoração,diantedaideiadequesuamarquesanãoestavamaisdispostaalhededicarnemcuidadonempreocupação.Depoisdeoutroround de boxe, Bourne deixou o ringue,mal conseguindo enxergar com o olhoesquerdo. Temple continuou na arena, alongando-se contra as cordas, vendoBourne aceitar umpedaçode carne crua da caixa aos pés deBruno, sentar-se aolado de Chase, reclinar-se e colocar a carne sobre o olho inchado. Passaram-seminutos–váriosminutos–atéqueChaserompesseosilêncio.
“Porqueelafoiemborasemvocê?”Bourneexpiroulongamente.“Elaestáfuriosacomigo.”“Elassempreestão”,Templedisse,começandoadesenrolarotecidoquehavia
postoaoredordosnósdosdedos,antesdaluta.“Oquevocêfez?”Chaseperguntou.Haviaumacentenade razõespelasquais ela estava furiosa.Mas apenasuma
importava, a qual saiu rápida e clara, como um golpe dos punhos imensos deTemple.
“Eusouumcretino.”Bourne esperava concordância imediata dos sócios, então, como ninguém
falou, perguntou-se se, talvez, eles o houvessem deixado sozinho. Levantou opedaço de bife e olhou para cima, apenas para descobrir que Chase, Temple eBrunoestavamdeolhosarregaladosparaele.
“Oquefoi?”,eleperguntou.Chaseconseguirfalar.“Ésóquenoscincoanosqueconheçovocê…”“Muitomaistemponomeucaso”,Templeinterrompeu.“…eununcaoviadmitirqueestavaerrado.”BourneolhoudeChase,paraTempleeparaChasenovamente.“Deixem-meempaz.”Devolveuacarnecruaaoolhoeserecostounovamente.
“Eunãopossodaraelaoqueelaquer.”“Queé?...”Eramaisfácilfalarsemprecisarolharparaeles.“Umcasamentonormal.Umavidanormal.”“Porquenão?”,Chasequestionou.“Eusóconsigosucessonopecadoenovício.Elaéoopostodessascoisas.Ela
vaiquerermais.Elavaiquerer…”Eleparoudefalar.Amor.Aúnicacoisaqueelenãopoderiacomprarparaela.Aúnicacoisaque
nãopoderiacorreroriscodedaraela.Chaseseremexeu.“PorissoomedodeAlles.”Bourneficoutenso.“Nãoémedo.”
“Claroquenão”,Chase se corrigiu emum tomdevozpermeadodehumor.“Mandarsegui-lanãoéaresposta,Bourne.Arespostaédaraelaoqueelaquer.Éseromelhormaridoqueelamerece.”
Ao diabo com ele, Bourne queria ser esse marido. Ela o estava destruindolentamentecomsuaforçaesuaenergia.Nãoeraparaserassim.Eraparaserfácilelimpo– uma abdução rápida, um casamento fácil, e uma separação tranquila queserviria a ambos. Só que nada em sua esposa parecia fácil ou tranquilo.Michaelflexionouosdedos,sentindoadordaluta.
“Nãoétãofácilassim.”“Nuncaé,comasmulheres”,Chasecontinuou.“Podedizeroquantoquiserque
adispensarádepoisdeexecutarsuavingança,masnãoconseguiráfazerisso.Nãocompletamente.Aindaestarácasado.”
“A menos que ela vá embora com Alles”, Temple provocou de dentro doringue.
Michaeloxingoufuriosamente.“ElanãoprecisadeAllesparaavidaquequer.Euvoudaraela.Tudooqueela
quer.”“Tudo?”, Chase perguntou. Michael não respondeu. “Não é mais tudo pelas
terrasepelavingança,é?Vocêgostadela.”Elenãodeveria.Haviaperdidotudodequegostavanavida,destruídotudode
bomqueumdia tocou.Gostar dePenélope era umprenúncio da destruiçãodela.Mas ele desafiava qualquer homem da Grã-Bretanha a passar um dia com suaesposaenãogostardela.
“Nomínimo,eleadeseja”,Templeinterrompeu.“Enãopodemosculpá-lo.Acoragemqueelademonstrouestanoitetentariaumsanto.”
“Tentouumsanto”,Chaserespondeu.“Crossaacompanhouparacasa.”Michaelfoiinundadopelaraiva.“Crossnãovaitocarnela.”“Não.Não vai.Mas não porque ela não seja tentadora. Porque ele é Cross”,
Chasedisse.“Esenãofosse,nãotocariaporqueelaésua”,Templeacrescentou.PorDeus,comoelequeriaqueelafossedele.“Elanãoéminha.Nãopossotê-la.”Elanãoquernadacomigo.Ele havia destruído qualquer chance disso, assim
comodestruiutudoomaisqueerabomecertoemsuavida.“MasBourne”,Templedisse,“vocêjáatem.”Houveum longosilêncioenquantoaspalavrasecoavamao redordeles.Não
eramverdadeiras,claro.Nãoestavamcertas...Seeleativesse,nãoteriatantomedodeirparacasaencontrá-la.Seativesse,nãoestariaali,fedendoasuorecarnecrua.Seativesse,elanãooteriadeixado.E,finalmente,eledisse:
“Estoucasadocomela.Issonãoéamesmacoisa.”“Bem,édesepensarquesejaumcomeço.”Dizendoisso,Chaseselevantou,
pegouomaçodepapéisquecarregavaeacrescentou:“Elaé sua,ponto.E jáqueestãopresosumaooutro–equeDeusaajude-talvezestejanahoradevocêtentarterumcasamentoquenãoterminedeumjeitotãoterrívelcomocomeçou.”
Aideia–apossibilidadedequeelapudessealgumdiagostardele–dequeelespudessemalgumdiatermaisdoqueumcasamentofalsolheeramaistentadoradoqueascartas,doquearoleta.Aideiaotentavaaseromaridoqueelamerecia.
CaroM,Sua alteza, duquesa de Leighton. Parece que não foi necessária uma
abundância de duques jovens e disponíveis. Um bastou. O duque de Leightonexpressou o desejo de me cortejar, meu pai concordou, e minha mãe estáabsolutamenteexultante.
Muitascoisasorecomendam,éclaro.Eleébonito,inteligente,rico,poderoso,e,comomamãegostademelembraremtodasasoportunidades:éumDUQUE.Sefôssemoscavalos,haveriaumleilãoemTattersalls,semdúvida.
Evidentemente, cumprireimeudever.Seráumcasamentomemorável.Édifícilacreditar que serei uma duquesa – o santo graal da primogênita da aristocracia.Ei...
Hámuitotemponãosentiatantoasuafalta.Ondevocêestá?Semassinatura
CasaDolby,setembrode1823
Cartanãoenviada
Na manhã seguinte, Penélope enviou uma mensagem até a recentementehabitadaCasaDolbyparaconvidarOliviaePhilippaapassaremodiacomela–oprimeiro dia em que parou de esperar pelo marido e começou a viver a vidanovamente.Iriaandardepatinsnogelo.Estavaprecisandomuitodeumatardecomasirmãsparalembrar-sedequehaviaummotivoparaasdiscussõescomMichaeleseu próprio descontentamento, e para continuar com aquele fingimento tolo,garantindo que seu casamento parecesse real e não a farsa que realmente era.Precisava lembrar a simesmadeque se a farsa fossedesmascarada, o escândalodela seria o de todas rapidamente, e Philippa e Olivia mereciam uma chance decoisasmelhores.Demais...
Rangeu os dentes ao pensar naquela palavra, em tudo o que ela significounaquela noite fatídica em que se havia permitido ser Capturada na aventura docasamentocomMichael.Afastandoopensamento,fezumacenocomacabeçapara
a criada, que a ajudou a se vestir, apertando os cadarços do corpete, fazendo oslaços,ajustandoasfitaseosbotões.Penélopesabiaqueseriaobservadaatentamentefora das paredes daMansãodoDiabo, e vestiu-se comcuidadopara os olhos detodaLondres–pelomenosatodososqueestivessemnacidadenomêsdejaneiro–,equeaestariamvigiando,embuscadafissuranaarmaduradanovamarquesadeBourne.AmulherqueacreditavamterCapturadoocoraçãodosóciomaisdurodoAnjoCaído,convencendo-oarestaurarseutítuloeretornaràaristocracia.
Amulherqueeleevitavaatodocusto...Penélope escolheu um vestido de lã verde-claro, considerando-o quente e
alegreparaopasseio,eocombinoucomaCapaazul-marinhoquehaviausadonanoite fatídica em que percorreu as terras deNeedham e Falconwell e se deparoucomMichael, agora Bourne, no meio da noite fria e escura. Podia ter sido umaceno àquela noite, aomomento em que havia aberto as portas daquele estranhofuturo, à esperançadequepoderiaencontrarmais, apesar deummaridoquenãoqueriaternadaavercomela.ElateriasuaaventuranaquelaCapa,comousemele.Um chapéu forrado de pele e luvas completaram o traje, no momento perfeito.Descendo a ampla escadaria central daMansão do Diabo, ouviu a conversa dasirmãsnosaguãoabaixo,preenchendooespaçovazioquepareciaimensoemtodosospontosdacasadomarido.Acasadela,supunha.
Percorrendoapressadamenteopatamardoprimeiroandar,ansiosapor reverasirmãsesairdacasa,aportadogabineteparticulardeBourneseabriu,eelesaiudelá,segurandopapéisemumadasmãos,opaletódesabotoadoeacamisadelinhobrancaajustadaaopeitolargo.Eleparouaovê-laenomesmoinstantelevouamãoao botão do casaco. Penélope paralisou, olhando atentamente para o rosto dele,percebendo a descoloração ao redor de um dos olhos e o corte feio no lábioinferior. Deu um passo para frente, levantando, de modo involuntário, uma dasmãosenluvadas,semconseguirseconter,atéorostoferidodomarido.
“Oqueaconteceucomvocê?”Elerecuoudotoque,olhando-adecimaabaixo.“Aondevocêvai?”Amudançaabruptadeassuntonãodeuaelaumachancededecidirsequeria
queelesoubesseaverdade.“Andardepatins.Oseuolho…”“Nãoénada”,disseele,levandoamãoatéoferimento.“Estáhorrível.”Elelevantouumasobrancelha,eelasacudiuacabeça.“Quero
dizer…ah,vocêsabeoqueeuquerodizer.Estátodoroxoeamarelo.”“Estádesagradável?”Elaassentiuumavezcomacabeça.“Muito.”“Eraoqueeuqueria.”Eleaestavaprovocando?“Obrigadopelapreocupação.”
Houve uma longa pausa, durante a qual Penélope poderia fantasiar que Michaelestivesse se sentindo desconfortável, se não soubesse da verdade. Por fim, eleacrescentou:“ViuqueaceiteiumconviteparaoBaileBeaufetheringstone?”.
Elanãoconseguiudeixarderesponder.“Sim.Vocêsabequenormalmenteéaesposaquemaceitaosconvitessociais,
não?”“Quando estivermos recebendo mais deles, terei a satisfação de abdicar da
tarefadeaceitá-los.Fiqueisurpresoquetenhamossequersidoconvidados.”“Eunãoficaria.LadyBgostamaisdeescândalosdoqueamaioriadaspessoas.
Especialmenteseforemseusalãodebaile.”Uma cacofonia de risos subiu do térreo, poupando-a de ter de responder, e
Michaelaproximou-sedobalaústreparaolharparaosaguão.“AsjovensMarbury,imagino?”Penélope fez o máximo para desviar o olhar do corte no lábio dele. De
verdade...Masofatodequenãoconseguiunãoimportava.“Elasretornaramàcidade”,Penélopefezumapausa,semconseguirdisfarçara
asperezadavozaoacrescentar:“confiantesdequeserãocortejadasembreve…”.Elevoltouaatençãoaelanovamente.“Patinsnogelo?”Haviasurpresanapergunta.“Não lembra de andarmos de patins no lago quando éramos crianças?” As
palavrassaíramantesqueelapudesseimpedir,ePenélopedesejouquetivesseditooutra coisa… qualquer coisa… algo que não a fizesse lembrar do Michael quehaviaconhecidoecompreendidoumdia.
Eracomoseeletivesseapagadoaslembrançasquetinhadela.Eladetestavaaformacomoissoafaziasesentir.
“Estouatrasada.”ElaseviroudecostasparaMichael,seguindoparaaescada,semesperar que ele dissesse algo.Ele eramuito bomem ficar em silêncio e elahaviadesistidodepensarqueelefalariasemserprovocado.Alémdomais,estavacansadadeprovocá-lo.
Porisso,quandoelefalou...“Penélope.”Osomdonomedelaemseuslábiosachocou.Elasevirouimediatamente.“Sim?”“Possoacompanhá-las?”Penélopepiscou.“Perdão?”Elerespiroufundo.“Andardepatins...Possoacompanhá-las?”Elaapertouosolhos.“Porquê?AchaqueoLordeeaLadyBourneganharãoalgunscentímetrosnos
jornaisseformosvistosdemãosdadas,deslizandopelogelo?Michaelpassouamãopeloscachosescuros.“Eumereciisso.”Elanãoiriasesentirculpada.“Sim,mereceu.Emerecemuitomais.”“Eugostariademeredimircomvocê.”Elaarregalouosolhos.Oqueeraaquilo?Eleprovavelmenteestavamanipulandoaelaeaofuturodosdoise,dessavez,
Penélope não se deixaria levar. Não seria enganada. Sabia como as coisas eram.Estava cansada da dor que se instalava em seu peito toda vez que ele estava porperto – e ele sempre estava longe. Estava cansada das batalhas, dos jogos, dasfalsidades.Estavacansadadasdecepções.Elenãopodiaacreditarqueumapequenaoferta de companhia fosse compensar por tudo o que tinha feito… tudo o queameaçoufazer.Endireitandoaposturaefirmandoavoz,elarespondeu:
“Achoquenão.”Elepiscou.“Eudeviateresperadoporisso.”Depoisdaformacomoosdoissedespediramnanoiteanterior?Sim,devia...
Ela seviroudecostasmaisumavez, seguindoparaaescadaque levavaatéondeestavamsuasirmãs.
“Penélope.”Eleafezpararcomseunome,pronunciadoemvozbaixaesuave.Nãopôdedeixardesevirar.“Sim?”“Oquevocêquer?Paraeumejuntaravocês?”“Oqueeuquero?”“Diga seu preço.” Ele fez uma pausa. “Uma tarde comminha esposa sem o
espectrodopassadooudofuturoaonossolado.Oquevocêquerporisso?”Elarespondeusemhesitar,sériaedireta.“NãodestruaTommy.”“Semprepedindopelosoutros.Nuncaporsimesma.”“Evocê,semprefazendoporsimesmo,nuncapelosoutros.”“Prefirooresultadodisso.”Michaeleraumhomemirritante.Eleseaproximou
efaloubaixo,provocandoumaondaemseucorpo:“Oqueeuteriadefazerparatê-laduranteumatarde?”.
ArespiraçãodePenélopeaceleroucomaspalavrasformandoumavariedadedeimagensquenãotinhamnadaavercompatinaçãonogelo,suasirmãsetudoaver com a colcha de pele sobre a cama luxuosa dele.Michael estendeu amão edeslizouumdedopelorostodela.
“Digaseupreço.”PorDeus,eleadominavacomtantafacilidade.
“Umasemana”,eladisse,avoztrêmula.“Umasemanadesegurançaparaele.”Uma semana para convencê-lo de que está errado. De que vingança não era aresposta.
Comoelenãoconcordou imediatamente,elaseobrigouasevirarmaisumavezparaaescada,decepcionadaporsuaabsolutafaltadepodersobreele.Quandopôsopénoprimeirodegrau,Philippaaviu.
“Penny!”,anunciou.“ELordeBourne!”PenélopeolhoudevoltaparaMichaelesussurrou:“Nãoprecisameacompanhar.GarantoquesoubastanteCapazdeencontraro
caminhoatéaportadafrente.”“Negóciofechado”,eledissebaixinhoparaela.“Umasemana.”Penélopesentiuosucessoatravessá-la,intoxicanteeexcitante.Haviamchegado
aofinaldaescadaantesqueelapudessedizerqualquercoisa,eOliviadisparou:“ViramojornalOEscândalodehoje?”“Não vi, lamento”, Penélope provocou, fingindo não perceber que Michael
estava desconfortavelmente próximo atrás dela. “Que mexerico emocionantedescobriu?”
“Nenhummexericoparanós”,Pipparespondeu.“Mexericosobrenós…bem,sobrevocê,pelomenos.”
Ah,não.Alguémhaviadescobertoaverdadedocasamentodeles.Desuaruínanocampo.
“Quetipodemexerico?”“DotipoquedeixoutodaLondrescominvejadoseucasamentomaravilhosoe
insuportavelmenteromântico!”,Oliviagritou.Penélopelevouumtempopararegistrarosignificadodaspalavras.“NósnãosabíamosquevocêshaviamseencontradonodiadeSantoEstêvão”,
Oliviadisse.“NemsequersabíamosqueLordeBournehaviaestadoemSurreynoNatal!”
PippaencarouPenélope,absolutamenteséria.“Não,nãosabíamos.”Pippanãoeraboba,masPenélopeforçouumsorriso.“Leia,Pippa”,Oliviaordenou.AmaisjovemMarburyempurrouosóculosparacimaelevantouojornal.“Os últimos dias de janeiro não são normalmente um período frutífero em
mexericos,mas esteano temosumahistória especialmente suculenta como recémchegadomarquêsdeBourne!”ElaolhouparaMichael.“Éosenhor,milorde.”
“Imaginoqueelesaibadisso”,Oliviacomentou.Pippaignorouairmãecontinuou:“Certamente nossos exigentes leitores… Não tenho tanta certeza de que os
leitoresdeOEscândalosejamexatamente‘exigentes’,não?”
“Francamente,Philippa.Continuelendo!”“Certamente nossos exigentes leitores já souberam que omarquês se casou.”
PhilippaolhouparaPenélope,masantesquepudessedizerqualquercoisa,Oliviaresmungouearrancouojornaldesuasmãos.
“Muitobem.Eu lerei.Ouvimos dizer que oLorde e aLadyBourne estão tãoabsolutamenteenvolvidosumcomooutro,queraramente sãovistos separados.E,umadendodelicioso!Aparentemente,nãosãoapenasosolhosdeLordeBournequeseguem sua esposa…mas suasmãos e lábios também!E empúblico, aindamais!Queexcelente!”
“EstaúltimapartefoiediçãodeOlivia”,Pippainterrompeu.Penélope achou que ia morrer de vergonha. Ali mesmo. Naquele lugar. E
Oliviacontinuou:“Não que esperássemos qualquer coisa menos de Lorde Bourne…marido ou
não, ele continua sendoum imoral.E issoquechamamosde imoral, sobqualqueroutronomeseriaigualmenteescandaloso!”
“Ah, pelo amor de Deus.” Penélope revirou os olhos para o comentário,olhandoparaMichael,queparecia…satisfeito.“Vocêestásesentindolisonjeado?”
Elevoltouosolhosinocentementeparaela.“Nãodeveria?”“Bem”, Philippa acrescentou pensativa, “qualquer coisa shakespeariana deve
seraomenosumvagoelogio.”“Exatamente”,Michaeldisse,presenteandoPippacomumsorrisoquedeixou
Penélopecomcertociúmedairmãmaisnova.“Porfavor,continue.”“Basta dizer, leitores, que estamos muito satisfeitos com esse conto de
inverno…”“Será que ele teve a intenção de fazer outro trocadilho shakespeariano?”,
Philippainterrompeu.“Sim”,disseOlivia.“Não”,dissePenélope.“…e apenas podemos esperar que a chegada das últimas duas senhoritas
Marbury…”Pippaempurrouosóculosnonarizedisse:“Somosnós.”“…tragaexcitaçãosuficienteparanosmanteraquecidosnessesdiasfrios.Não
é a coisa mais grosseira que vocês já ouviram?”, Olivia perguntou, e Penéloperesistiuaoimpulsodefazerpicadinhodoridículoartigodejornal.
Nãohavialheocorridoquesuasirmãspudessemnãosaberdaverdade.Queocasamento dela era uma fraude. Fazia sentido, claro. Quanto menos pessoassoubessem – quantomenosmoças com queda paramexericos soubessem –maisfácil seria para elas encontrarem pretendentes. Bourne passou um braço por sua
cintura. As irmãs olharam para aquele braço, para a forma como a mão deledeslizou,demodoquenteedireto,pelocorpodela,pousandonacurvadoquadril,comoseaquelefosseseulugar.Comoseaquelefosseolugardele.Comoseestarcomelefosseolugardela.
Ela se afastou do toque. Podia ter concordado em mentir para metade domundocristão,masnãomentiriaparasuasirmãs.Abriuabocapararejeitarotexto,paracontaraverdadeaelas,masparou...Oromancepodiaserumafarsa,Michaelpodiaestarenvolvidoporseusprópriosobjetivosmisteriosos,masPenélopetinhaummotivo. Teve ummotivo desde o princípio. Suas irmãs tinham vivido tempodemais à sombra de sua ruína.Ela não as encobririamais. Ele já estava falando,eloquentemente.
“Comapublicaçãodestetexto,vocêsprecisarãodeproteçãocontraobandodepretendentesque,quasequecertamente,seaproximarácomoumenxame.”
“Precisa ir conosco!”,Olivia disse, e Penélope resistiu ao impulso de gritarpelaformacomosuasirmãshaviamcaídodireitinhonaconversadele.
Michaelolhouparaela,quedesejouqueelerecusasse,queselembrassedoqueelahaviaditoláemcima.
“Infelizmente,nãoposso.”Penélope devia ter ficado satisfeita, mas o certo era frequentemente errado
quando se tratava de seu marido. Assim, ela acabou sentindo uma surpresa tãoagradável por ele ter honrado o pedido dela, que chegou a desejar que eleconcordasse em se juntar a elas. O que era ridículo, evidente. Homens eramdefinitivamenteirritanteseomaridodela,maisdoqueamaioria.
“Ah,porfavor”,Oliviapressionou.“Seriaótimopoderconhecernossonovoirmão.”
Pippaentoou:“Éverdade.Vocêssecasaramtãodepressa…nãotivemosumaoportunidadede
nosreaproximarmos.”Penélope olhou para a irmã.Alguma coisa estava errada. Pippa sabia. Tinha
quesaber.Elesacudiuacabeçadenovo.“Sintomuito,moças,masnãotenhopatins.”“Temos um par extra na carruagem”, Olivia disse. “Agora não tem mais
motivoparanãoir.”Penélopeficouimediatamentedesconfiada.“Porquevocêsteriampatinsextrasnacarruagem?”Oliviasorriu,lindaealegre.“Nunca se sabe quando podemos encontrar alguém com quem queiramos
andardepatins.”Penélope voltou um olhar surpreso para Michael, que parecia estar tendo
dificuldadeparaconterumsorriso.Elevantouumasobrancelhaquandoeledisse:
“Excelente começo. Parece que não tenho escolha que não seja bancar oacompanhante.”
“Talveznãosejaomelhoracompanhante,Bourne”,Penélopedisseentredentes.“Levandoemconsideraçãoquesetratadeumimoral.”
Ele piscou um olho para ela. Realmente piscou para ela! Quem era essehomem?
“Ah, mas quem melhor do que um imoral em recuperação para identificaroutro? E, preciso confessar, eu adoraria a oportunidade de andar de patins comminhaesposanovamente.Faztantotempo.”
Mentira.Elenãose lembravadeandardepatinscomela.Praticamentehaviaadmitido isso pouco antes, no andar de cima. Ela não achava que conseguiriasuportar uma saída com todos eles, com Michael a tocando constantemente,perguntando sobre como ela estava se sentindo, tentando-a. Não depois da noiteanterior,emqueelahaviasidotãoforte.Quandosesentiutãoseguradesimesmaedoquequeria.Derepente,àluzdodia,aqueleMichaelmaisgentil,maissuave,nãoparecessetãofácilderesistir.
Eissoeraalgorealmentemuitoruim.
CapítuloQuinzeCaroM,Aessaaltura, jádeve saberdanovidade,mesmoondequerqueesteja.Estou
arruinada.Oduque fez tudooquepôdeparamepoupardoconstrangimento,masestamos em Londres, e tal esforço é, evidentemente, inútil. Ele casou-se em umasemana – simplesmente por amor.Mamãe está (sem qualquer surpresa) arrasada,chorandoelamuriando-secomoumcorodecarpideiras.
Éerradoqueeusintacomoseumpesotivessesaídodesobremeusombros?Éprovável.Gostariaqueestivesseaqui.Vocêsaberiaoquedizer.
SemassinaturaCasaDolby,novembrode1823
Cartanãoenviada
Penélope sentou-se em um banco demadeira, olhando para o lago gelado, ondemetade de Londres parecia estar reunida. O frio incomum do inverno haviaresultadonacamadadegelomaisespessaemquaseumadécada,deixandoolocallotadodepessoasávidasporpassaratardepatinandonogelo.
NãohaviacomoesCapardosolhosatentosdasociedade.AssimqueseugrupodepatinadoressaiudacarruagemechegouaotopodacolinaquedesciasuavementeatéolagoSerpentine,elesserevezaramparaprenderaslâminasdemadeiraeaçoàsola das botas. Penélope esperou o máximo possível para sentar e amarrar suaslâminas,absolutamentecientedofatodequeandardepatinscomMichaelseriaumdesafio,umavezqueeleprovavelmenteaproveitariaaoportunidadeparamostraratodaLondresoquantoestavamapaixonados.
Pelacentésimavez,Penélopeamaldiçoouafarsaridículaeobservouasirmãsdescerem a colina, de mãos dadas, e se lembrou do objetivo maior de suafrustração.Suadistraçãotornoumaisdifícilprenderas lâminasaospés,e,depoisdaterceiratentativa,Michaelatirouasprópriaslâminasparaoladoeseagachouàsuafrente,pegandoumdeseuspéspelotornozelo,antesdelaperceberasintençõesdele.Puxouopécomforça,fazendocomqueMichaelsedesequilibrasseparatrás,eprecisassesesegurarcomasmãosapoiadasnaneve,chamandoaatençãodeumgrupodemoças.
“Oquevocêachaqueestáfazendo?”,elasussurrou,inclinando-separafrente,semquerercausarumacenamaior.
Eleolhouparaela,osânguloscharmososeosolhos falsamente inocentes,e
dissesimplesmente:“Ajudandovocêcomospatins.”“Eunãoprecisodasuaajuda.”“Perdão,maspareceprecisar.”Elebaixouavozatéumpontoemqueapenas
elapodiaescutar.“Deixe-meajudarvocê.”Ele não a estava ajudandopor ela.Ele a estava ajudandoporeles, os outros
prestandoatenção, que adorariama cena e semdúvida entrariamem frenesi paracontar aos amigos e familiares sobre como omarquês de Bourne era o homemmaissolícito,bondosoemaravilhosoafrequentarasmargensdolagoSerpentine.Maselanãoadorariaisso.Elaporiaosprópriosmalditospatins.
“Estou ótima, obrigada.” E prontamente encaixou o equipamento nas botas,amarrandoastirascomcuidadoparagarantirqueestivessembempresas.“Pronto.”Ela olhou para Michael, que a observava atentamente, com algo estranho e nãoidentificávelnaexpressão.“Perfeitos.”
Eleentãoselevantoueestendeuamãoparaajudá-laaficarempé.“Pelo menos deixe-me fazer isso, Penélope”, ele sussurrou, e ela não pôde
resistiràspalavrassuaves.Ela lhe deu a mão e ele a ajudou a se levantar, segurando-a até que se
reequilibrassesobreaslâminas.“Se eume lembro bem, nunca foi tão boa caminhando de patins, como era
patinando.”Ela piscou os olhos, quase tropeçando com o movimento e agarrando os
braçosdelecuidadosamenteaorecuperaroequilíbrio.“Vocêdissequenãoselembrava.”“Não”,eledissebaixinho,guiando-acolinaabaixonadireçãodolago.“Você
dissequeeunãomelembrava.”“Masvocêselembra.”Elelevantouumcantodabocaemumsorrisotriste.“Vocêficariaespantadacomtudodequemelembro.”Haviaalgoemsuaspalavras,umasuavidadequeeraestranhaaele,eelanão
conseguiuevitaradesconfiança.“Por que está se comportando assim?” Ela franziu a testa. “Mais uma
oportunidadedeprovarnossahistóriadeamor?”Algobrilhounoolhardele,desaparecendoemseguida.“Qualqueroportunidadeparaisso”,eledisseemvozbaixaantesdedesviaro
olhar.ElaseguiuosolhosdeleeviuPippaeOlivia,demãosdadas,umaajudandoaoutraachegaraogelo.Qualqueroportunidadeparacasarsuasirmãs.
“Émelhor eume juntar a elas”,Penélopedisse, levantandoo rostoparaele,encontrandoseus lindosolhoscastanhos.Foiapenasentãoquepercebeuoquantoeleaestavasegurandopertodesi,ecomoasuave inclinaçãodacolinaadeixava
quaseolhonoolhocomele.UmladodabocadeBournelevantou.“Suasbochechasparecemcerejas.”Elaenfiouoqueixonagoladepelequetrazianopescoço.“Estáfrio”,respondeu,nadefensiva.Elesacudiuacabeça.“Nãoestou reclamando.Achoqueestãoencantadoras.Deixamvocêparecida
comumaninfadeinverno.”“Estoulongedeparecerumaninfa.”Elelevantouamãoepressionouumdedonasobrancelhalevantada.“Vocênãocostumavafazerisso.Nãocostumavasertãocínica.”Elaseafastoudotoquecaloroso.“Devoteraprendidocomvocê.”Eleolhouparaelaporumlongotempo,muitosério,antesdeseaproximare
sussurraremseuouvido:“Ninfasnãodeveriamsercínicas,amor.”Derepente,nãopareciamaistãofrio.Elerecuou,sacudindoacabeça.“Quepena.”“Oquê?”Eleinclinouacabeçaparaela,quasetocando-lheatesta.“Tenho quase certeza de que você está ruborizada. Mas, com o frio, é
impossívelsaber.”Penélopenãoconseguiuevitarosorriso,gostandodabrincadeira,esquecendo,
poruminstantefugaz,quenadadaquiloerareal.“Tãotristequejamaisviráasaber.”Ele levouasmãosdelaaos lábios,beijandoprimeiroumconjuntodenósde
dedos coberto de pelica, depois o outro, e ela desejou que não estivesse usandoluvas.
“Seugeloaaguarda,milady.Estareicomvocêsemseguida.”Ela olhou para o lago lotado, onde as irmãs haviam se unido aos
frequentadores,emseuscírculossobreasuperfície lisaeconvidativa.Derepente,ficar ali parada com ele pareceumuitomais excitante do que qualquer coisa quepudesseacontecernogelo.Masficaraliparadacomelenãoeraumaopção.
“Estácerto.”Michael a acompanhou até a beira do lago, onde ela saiu deslizando e
desapareceunomeiodamultidão,logoencontrandoasirmãs.OliviapassouamãopelobraçodePenélopeedisse:
“Bourne é maravilhoso, Penny. Diga-me, está extasiada?” Ela suspirou. “Euestaria.”
Penélope olhou para os pés, vendo-os deslizar pelo gelo, aparecendo por
baixodovestido.“Extasiada é uma forma de descrever”, ela disse. Frustrada e totalmente
confusaseriaoutra.Oliviafezquestãodeolharaoredordolago.“Seráqueeleconhecealgumdessessenhoressolteiros?”Se fosse como ele dizia, metade daqueles homens devia dinheiro ao Anjo
Caído.“Imaginoquesim.”“Excelente!”, Olivia acrescentou. “Muito bem, Penny. Acho que ele será um
cunhadoquevaleráoquecustou!Eélindotambém,não?Ah!EstouvendoLouisaHolbrooke!”
Acenouavidamenteparaooutroladodolagoesaiuparafalarcomaamiga,deixandoPenéloperespondendobaixinho:
“Sim.Eleélindo”–grataporummomentoemquenãoprecisoumentir.Olhouparaopontonacolinaondeosdoisestavamparadospoucoantes.Ele
ainda estavaparado lá, toda a atençãovoltadapara ela.Sentiu impulsode acenar.Mas seria uma tolice, não seria? Seria... Enquanto ela pensava no que fazer, eletornouadecisãodesnecessária.Levantouumdosbraçoscompridoseacenouparaela.Seriarudeignorá-lo.Entãoacenoudevolta.Elesentounobancoecomeçouaamarrarospatins, ePenélope soltouumpequenosuspiro, forçando-sea sevirar,antesdefazeralgoaindamaistolo.
“Umacoisaaconteceu.”Por um instante, Penélope pensou que Pippa havia percebido as estranhas
interaçõesentreMichaeleela.Comamenteemdisparada,elasevirouparaencararairmãmaisnova.
“Oquequerdizer?”“Castletonmepediuemcasamento.”PenélopearregalouosolhosdiantedoanúncioinesperadoeesperouquePippa
reconhecesseofatodequeelashaviampassadograndepartedamanhãjuntasequeapenasnaquelemomentoa irmãhaviadecididomencionaropedido.ComoPippanão disse nada e continuou deslizando calmamente para frente, como se as duasestivessemfalandosobreoclimaenãosobreofuturo,Penélopenãosesegurou.
“Vocênãoparecemuitofelizcomisso.”Pippamanteveacabeçaabaixadaporalgunslongosminutos.“Eleéumconde,parecebastantegentil,nãoseimportaqueeudetestedançare
temumbeloestábulocomcavalos.”Penélope teria sorrido diante da simplicidade das palavras, como se aquelas
quatrocaracterísticasfossemsuficientesparaseterumcasamentosatisfatório,nãofossepelotomderesignaçãoquecontinham.OcorreuaPenélopequePippatalveztivesse escolhido aquele momento para compartilhar a informação porque havia
muitagenteporperto–muitosolhosvendoeouvidosescutando–,gentedemaisparapermitirumaconversaséria.Mesmoassim,Penélopeseguroucomforçaumadasmãos da irmã e a fez parar no centro do lago. Inclinou-se na direção dela edisse,baixinho:
“Vocênãoprecisadizersim.”“Vai importar se eu disser não?”, Pippa respondeu, sorrindo abertamente,
comoseasduasestivessemfalandosobrealgumacontecimentodivertidodamanhãenãosobreseufuturo.Seussonhos.“Nãohaverásimplesmenteoutrohomemlogoalinafrenteesperandoparapegarmeudote?Eoutrodepoisdesse?Emaisoutro?Atéasminhaschancesdesaparecerem...Elesabequeeusoumaisinteligentedoqueele,eestádispostoapermitirqueeuadministreseusbens.Issojáéalgumacoisa.”ElaencarouPenélope.“Euseioquevocêfez.”
Penélopeolhounosolhosdairmã.“Oquequerdizercomisso?”“EuestavanafestadeSantoEstêvão,Penny.Achoqueeuterianotadoavolta
deBourneassimcomometadedavila.”Penélopemordiscouumlábio,imaginandooquedeveriadizer.“Nãoprecisamedizerqueestoucerta.”Pippaapoupou.“Massaibaqueeusei
oquevocêfez.Esougrataporisso.”Asduaspatinaramemsilêncioporumtempo,atéquePenélopedisse:“Eu fiz isso para você não precisar aceitar casar-se com Castleton, Pippa.
Michaeleeu…ahistóriafoiparabeneficiarvocê.VocêeOlivia.”Pippasorriu.“Eissofoigentildasuaparte.Masétolicepensarqueteremosnossashistórias
deamor,Penny.Elasnãoacontecemtodososdiasevocêsabedissomelhordoqueninguém.”
Penélopeengoliuonónagarganta,diantedaspalavrasdairmã,dalembrançadequeseuprópriocasamentonãoeranadaparecidocomumahistóriadeamor.
“Outras pessoas se casam por amor”, ela observou, arrumando as luvasforradasdepeleeolhandoparaolago.“PenseemLeightonenaesposadele.”
Pippaolhouparaela,osolhosarregalados,parecidoscomosdeumacorujaportrásdosóculos.
“É o melhor que consegue fazer? Um casamento escandaloso de oito anosatrás?”
Eraoexemploqueelalevavamaispertodocoração.“Onúmerodeanosnãoimporta.Nemoescândalo.”“Claro que importa”, Pippa disse, parando e amarrando o próprio chapéu
embaixo do queixo. “Umescândalo desses deixariamamãe histérica e o resto devocêsiriaseesconder.”
“Nãoeu”,eladisse,demonstrandoempatia.
Pippapensou.“Não,vocênão.Vocêtemseuprópriomaridoescandaloso.”Penélopepensounomarido,dooutroladodolago,focandooolharnoimenso
ferimentoemseurosto.“Eleéoescândalo.”Pippavirou-separaela.“Qualquer que tenha sido o motivo para o seu casamento, Penny… ele
realmentepareceseimportarcomvocê.”Oteatrocertamenteestáperdendoumgrandetalento.Elanãodisseisso.Pippa
nãoprecisavaescutarisso.“Talvez eu acabe mesmo me casando com Castleton”, Pippa disse. “Isso
deixarápapaifelizeeununcamaisprecisareiparticipardeoutratemporada.Penseemtodasasvisitasàcostureiradequepodereimeabster.”
Penélope sorriu com a brincadeira, ainda que quisesse abrir a boca e gritarcomainjustiçadetudo.Pippanãomereciaumcasamentosemamor, tantoquantonenhuma das outras garotas Marbury. Tanto quanto Penélope. Mas pertenciam àsociedade londrina, emqueos casamentos semamor erama regra.Ela suspirou,masnãodissenada.
“Não se preocupe comigo, Penny”, Philippa disse, puxandoPenélope para omeiodospatinadoresumavezmais.“FicareibemcomCastleton.Eleéumhomembomobastante.Nãocreioquepapaifossepermitirquemecortejassesenãofosseele.”Elaseinclinouparamaispertodairmã.“EnãosepreocupecomOlivia.ElanãofazideiadequevocêeLordeBourneestejam…”Elaparoudefalar.“Elaestáfocadademaisemarranjarumnobrebonitoparasi.”
Penélope não ficou reconfortada pela ideia de que talvez tivesse enganado airmãmaisnovaeafeitoacreditarqueseucasamentoeraumahistóriadeamor.Ofatoadeixouterrivelmentedesconfortável.Olivia,ojornalOEscândalo,orestantedasociedadeacreditandoqueMichaelaamava–queelaoamava–apenasserviaparaprovaropior…quePenélopeestavaperdendoasimesmaparaessacharada.SesuasirmãsmalquestionavamseussentimentosporMichael,quempoderiadizerse ela própria em breve não estaria acreditando na farsa? Então como acabaria?Sozinhanovamente...
“Penélope?”,ochamadodePippaaarrancoudeseudevaneio.Elaforçouumsorriso.Pippaaobservouporumlongotempo,parecendover
mais do que Penélope desejava, e ela desviou o olhar da avaliação da irmã.Finalmente,Pippadisse:
“AchoquevoumejuntaraOliviaeLouisa.Vemcomigo?”Penélopesacudiuacabeça.“Não.”“Devoficarcomvocê?”
Penélopesacudiuacabeça.“Não,obrigada.”AMarburymaisjovemsorriu.“Estáesperandoporseumarido?”Penélopenegouimediatamente,ePippalhedeuumsorrisosagaz.“Achoquegostadele,minhairmã.Contrariandooseubomsenso,nãohánada
deerradocomisso,sabe.”Elafezumapausa,entãodisse,comnaturalidade:“Achoquedevesermuitobomgostardoprópriomarido”.
AntesquePenélopepudesseresponder,Pippaseafastou.Sempensar,procuroumaisumavezporMichael,quenãoestavamaisnopontoemqueelaotinhavistopela última vez. Ela rastreou o lago e o localizou na borda, conversando com ovisconde deTottenham.Observou-o por um longo tempo antes deMichael olharpara o outro lado do gelo, com a expressão séria encontrando a dela quase queimediatamente.Elafoitomadapelonervosismoesevirou,semconseguirmanter-sefirmecommetadedeLondresentreeles.Enfiouoqueixonagolaepatinou,coma cabeça abaixada, atravessando um aglomerado de pessoas até a outra ponta dolago, onde saiu do gelo e andou pesadamente na direção de um vendedor decastanhas que havia se estabelecido ali perto. Mal tinha dado um passo, quandoouviuaconversa.
“Pode acreditar que Tottenham esteja disposto a dar a ele o benefício dadúvida?” A pergunta veio de trás dela, e Penélope fez uma pausa, sabendoimediatamentequealguémestavafalandosobreoMichael.
“NãoconsigonemsequerimaginarcomoTottenhampoderiaconheceralguémcomoele.”
“OuvidizerqueBourneaindaestáàfrentedaqueleclubeescandaloso.Oqueachaqueissodizsobreele?”
“Nadadebom.Bourneéterrível,exatamentecomooshomensquefrequentamaquele lugar.” Penélope resistiu ao impulso de se virar e dizer àquelasmexeriqueirasquemuitoprovavelmenteeramaproleoueramcasadascomhomensquedariamumbraçoparateremumachancedeapostarnoAnjoCaído.
“Dizemqueeleestáembuscadeconvitesparaatemporada.Dizemqueeleestáprontopararetornaràsociedadeequeelaéomotivodisso.”
Penélopeaproximou-semaisquandooventoaumentou,easpalavrasficaramdifíceisdecompreender.
“LadyHollowaydisseàprimadaminhamãequeelenãoconseguiaparardetocarneladuranteojantarnasemanapassada.”
“Ouviamesmacoisa…evocêviuojornalOEscândalodestamanhã?”“Podeacreditarnaquilo?Umahistóriadeamor?ComPenélopeMarbury?Eu
poderiajurarqueelehaviasecasadocomelaporsuareputação,pobrezinha.”“EnãoseesqueçadeFalconwell…queeraasededomarquesadoantes…”
As palavras se perderam no vento, mas Penélope as escutou mesmo assim.Antesdeleperdê-la.
“ÉdeseespantarcomoumapessoatãodecentecomoPenélopeMarburypodegostardealguémtãoperversocomoomarquêsdeBourne.”
Commuitafacilidade,temiaPenélope.“Tolice.Olheparaohomem.Aperguntaverdadeiraécomoalguémcomoele
poderiaseapaixonarporumamulhertãoentediantecomoela!ElanãoconseguiusegurarnemsequeroenfadonhoefrioLeighton.”
As duas se desmancharam em risos, e Penélope fechou os olhos ao ouvir osomagudo.
“Vocêéterrível!PobrePenélope.”Deus,comoeladetestavaaquelapalavra.“Francamente, mais lascivo impossível e duas vezes mais bonito… mesmo
comaqueleolho.Comoachaqueelefezaquilo?”“Ouvi dizer que há brigas no clube dele. Lutas semelhantes às dos
gladiadores.” Penélope revirou os olhos. Seu marido era muitas coisas, masgladiadordostemposmodernosnãoeraumadelas.
“Bem, preciso confessar que eu não me recusaria a cuidar de seusferimentos…”Avozdesapareceucomumsuspiro.
Penéloperesistiuaoimpulsodemostraràquelamaldosaexatamenteotipodeferimentosquepodiamserprovocadosemalguém.
“TalvezPenélopepudesse lhedaralgumasdicas…vocêpoderia tentarfisgarumdosoutrosmembros.”
Arisadacrueldasduasseperdeunadistância.Penélopevirou-separavê-lasseafastar, sem conseguir reconhecê-las de costas. Não que fosse fazer algo se astivesse reconhecido. Claro que elas consideravam a história merecedora demexerico. Era risível que ela eMichael tivessem uma história de amor e que ocasamentodelespudesseserqualquercoisaalémdeumnegócio.Quealguémcomoelepudesseamaralguémcomoeu.Ela inspirou fundoaopensarnisso, sentindoapontadadefriodoarbrigandocomonódeemoçãoquesentianagarganta.
“LadyBourne.”Girounadireçãodotítuloaindaestranhoaela,paraencontrarDonovan West a poucos metros de distância, vindo em sua direção. Não haviaindicação de que o jornalista tivesse ouvido as mulheres, mas Penélope nãoconseguiudeixardeimaginarquefosseaqueleocaso.
“Sr.West”,eladisse,afastandopensamentosde tédioe respondendocomumsorrisoaosorrisodele.“Quesurpresa.”
“Minhairmãsolicitouminhacompanhia”,eledisse,apontandoparaumgrupodemoçasaváriosmetrosdedistância.“Econfessoterumafraquezaporesportesde inverno.” Ele lhe ofereceu um braço e apontou para o vendedor ali perto.“Gostariadeumpoucodecastanhas?”
Elaacompanhouoolhardele,afumaçadocarrinhodecastanhasencobrindoorostodoproprietário.
“Gostariamuito,obrigada.”Elesseguiramlentamenterumoàbanca,Penélopecaminhando com dificuldade sobre os patins, o Sr. West gentil demais paramencionarsuafaltadecoordenação.“Eutambémtenhoirmãs.”
Ela pensou na resignação de Pippa – sua decisão de se casar comCastletonapesardeseudesinteresse,portodososmotivoserrados.
“Criaturaspreocupantes,não?”Elaforçouumsorriso.“Sendoeumesmaumairmã,prefironãoresponder.”“Éjusto.”Elefezumapausa,acrescentandoemtomdeprovocação:“Imagino
queumcasamentocomBournetornariaqualquerirmãdecertomodopreocupante”.Penélopesorriu.“Considere-secomsortepornãosermeuirmão.”Ele pagou o vendedor e entregou um saquinho de nozes assadas para ela,
esperandoqueexperimentasseumaantesdedizer:“Estásesaindomuitobem.”Voltou rapidamenteaatençãopara seusolhoscastanhos.Elesabia. Ela fez o
máximo para parecer impassível quando falou, deliberadamente nãocompreendendooqueeledizia.
“Andeidepatinsminhavidatoda.”Elemeneouacabeça,reconhecendoaformacomoelaevitavasuaobservação.“Bem,suatécnicademonstramaishabilidadedoqueseriadeseesperardeuma
dama.”Eles não estavam falando sobre patinação, isso ela sabia, mas ele estava se
referindoaosmexericos sobreelaeBourne?Ousobrea farsadocasamentodosdois?Ousobrealgoaindamaiscrítico?Elabeliscouumacastanha,saboreandosuadoçuraaopensarnaresposta.
“Gostosempredesurpreenderaquelesaomeuredor.”“Desempenharcomtamanhasofisticaçãodemandamuitaforça.”Elalevantouumasobrancelhaeencarouojornalistacomumolharfranco.“Tiveanosdeprática.”Eleentãosorriucalorosamente.“Defato,teve,senhora.EpossodizeroquantoBournetevesortedefinalmente
ficar com a senhora. Espero ansiosamente por vê-los durante a temporada.CertamenteserãoocasalmaiscomentadodeLondreseseiquemeuscolunistasjáestãoempolgadosportê-losnacidade.”
Aclarezaveiocomooventogelado.“Seuscolunistas.”Eleabaixouacabeça,sorrindosecretamente:
“OEscândaloéumdosmeusjornais.”“Oartigodehoje…”Elaparoudefalar.“Vaiempalidecerdiantedoquedirádesuashabilidadesdepatinadora.”Elaapertouoslábios.“Tãoinesperado.”Eleriu.Elanãoestavatentandoserdivertida.“Penélope consegue patinar ao meu redor desde quando mal conseguíamos
nosmanterempé.”AspalavrasdeMichaelaassustaram,eelasevirouparaencará-lo, a surpresa coma aparição dele prejudicando seu equilíbrio precário sobre aslâminas e derrubando-a nos braços dele que a aguardavam, como se tivesseplanejadotudoaquilo.Eladeuumgritinhoquandoeleapuxoucontraseucorpo.
“Como minha graça extraordinária demonstra neste momento”, Penélopedisse, arrancando uma risada calorosa de Michael que a percorreu de maneiraagradabilíssima.Elaseafastouparaolharnosolhosdele.
Michaelnãodesviouoolharaodizer:“Foiumdosmuitosmotivospelosquaismecaseicomela.Tenhocertezade
quenãopodemecondenarporisso,West.”Ficandoruborizada,Penélopesevirouparaencararojornalista,queabaixoua
cabeçaedisse:“Nemumpouco.Defatoumcasaldesorte”.PiscouparaPenélope.“Elaestá
evidentementecomprometidacomvocê.”Entãoolhoupara longeantesentortarochapéuefazerumapequenareverênciaaPenélope.“Creioquenegligencieiminhairmãportempodemais.LadyBourne,foiumahonrapatinarcomasenhora.”
Elafezumapequenareverência.“O prazer foi meu.” Quando ele saiu patinando, ela se virou para encarar
Michael novamente, baixando a voz até um sussurro. “Aquele homem sabe quenossocasamentoémaisdoqueumcasodeamor.”
Eleseinclinounadireçãodela,falandoigualmentebaixo.“Nãoquerdizermenos?”Elaestreitouosolhos.“Vocêestáevitandooassunto.”“É claro que West sabe”, ele disse casualmente. “É um dos homens mais
inteligentes da Grã-Bretanha. Possivelmente o homem mais inteligente na Grã-Bretanha, e um dos mais bem-sucedidos também. Mas ele guardará nossossegredos.”
“Eleéumjornalista”,elalembrouaele.Então ele riu, uma risada encantadora e sincera que o deixou infinitamente
maisbonito.“Nãoprecisadizer issocomoseelefosseuminsetosobumvidro.”Michael
fez uma pausa, observando o sujeito em questão encantar a irmã e sua turma de
amigas. “West sabe que é melhor não especular sobre nosso casamento nosjornais.”
Elanãoacreditounele.Averdadedocasamentodosdoisseriaumescândaloincrível.
“Comovocêoconhece?”“Elegostadejogar.”“AmimmeparecequeohomemmaisinteligentedaGrã-Bretanhanãodeveria
gostartantodeumjogodeazar.”“Elegostaria,setivesseasortedodiabo.”“Nãoparecepreocupadocomoqueelesabe.”“Éporquenãoestou.SeidemuitossegredosdeWestparaelecontaralgumdos
meus.”“MaseleficaráfelizemcontarodeTommy?”Michaelolhouparaela.“Nãovamosfalarsobreisso.”Elacontinuou.“Aindaestáplanejandoarruiná-lo?”“Nãohoje.”“Quando,então?”Elesuspirou.“Pelomenosdaquiaumasemana,comoprometido.”Haviaalgumacoisaali,naformasuaveeresignadacomoelefalava,algoque
PenélopedesejouserCapazdeidentificar.Eradúvida?Arrependimento?“Michael…”“Eucompreiepagueiporesta tarde,esposa.Basta.”Elepegouumacastanha
do saquinho na mão dela e a enfiou, inteira, na boca. No mesmo instante, elearregalouosolhoseinspirouprofundamente.“Estáfervendo!”
Elanãodeveriatersentidoprazercomadordele,massentiu.“Se tivessepedidoumaantesde ter simplesmentepegadooquequeria, euo
teriaalertado.”Elelevantouumadassobrancelhas.“Jamaispeça.Pegueoquequiser,quandoquiser.”“Outraregradoscanalhas?”Eleabaixouacabeçacomoreconhecimentodaironia.“Fazpartedadiversão.”Aspalavrasapercorreramcomalembrança–espontânea–deleaatirandopor
cima do ombro naquela primeira noite… a noite que tudo havia mudado. Elalevantouoqueixo,recusando-seasentir-seconstrangida.
“Sim,descobriissoontemànoitenoseuclube,quandoganheinaroleta.”Elelevantouassobrancelhasrapidamente,ePenélopesentiu-seorgulhosadesimesma.
Umgolpedireto.“Éumjogodeazar.Nãoexigequalquerhabilidade.”“Nãoexigehabilidade,maséprecisosorte”,elaironizou.Elesorriu,ficandomaisbonitodoqueumhomemdeveriaser.“Venha,minhaesposa.Vamosdaravoltanolago.”Elepegouo sacodecastanhasdasmãosdelaeoenfiounobolsodocasaco
antesdeguiá-laatéogeloeelaretomaraconversasobreossegredos.“Ascoisassãoassim?Vocêtrocasegredos?”“Apenasquandopreciso.”“Apenas comomeio para um fim.”As palavras forammais para ela do que
paraele.“Euseiqueestou foradaaristocraciaháumadécada,masaindaestamosem
Londres,não?Informaçãoaindaéoprodutomaisvalioso?”“Suponhoquesim.”Elanãogostavadecomoerasimplesparaele,doquanto
eleerainsensível,decomoguardavasegredoscomfacilidadeeosusavafacilmenteparapuniraspessoasaoseuredor.Forçouumsorriso,sabendoquetodaLondresosobservava.Detestandoestaremexibição.“EéassimquesãoascoisascomvocêeLangford?”
Michaelsacudiuacabeça.“NadadeLangfordhojetambém.Fizemosnossotrato.”“Eujamaisconcordeicomele.”“Você não terme atirado da carruagem no caminho para cá foi um acordo
tácito”,eledissecomironia.“Massevocêdesejaconcordarformalmente,aceitareiseuamuletodeboa-fé.”
“Eunãotenhomeupróprioamuleto.”“Estátudobem”,elesorriu.“Podepegaromeuemprestado.”Elaolhouparaele.“Querdizerquepossodevolveroseu.”“Semântica.”ElanãoconseguiuesconderosorrisoaoenfiaramãonobolsodaCapa,onde
carregavaoguinéuqueelelhetinhadado,eretiraramoeda.“Umatarde”,eladisse.“Porumasemana”,eleconcordou.Elasoltouamoedanapalmadamãoabertadele,vendo-odepositá-lanobolso
do casaco. Ela se virou, vendo Pippa dar risada do outro lado do lago com umgrupodemoças.
“LordeCastletonpediuPippaemcasamento.”Elenãosemoveu.“E?”“Eeladirásim.”Elenãorespondeu.Claroquenão.Elenãocompreendia.Não
tinhacomocompreender.“Elesnãocombinam.”“Issoétãoestranho?”Não.Não era.Mas ele nãoprecisava ser tão insensível. Penélope começou a
patinarmaisrápido.“Elamereceumachancedetermais.”“Elanãoprecisadizersim.”PenélopelançouumolhardeladoparaMichael.“Estou surpresaquediga algo assim.Nãoaquer casadaomais rapidamente
possível?”Eledesviouoolhar,concentrando-senapatinaçãoporlongosminutos.“Sabequesim.Masnãotenhointeresseemforçá-laasecasar.”“Eraapenasamimqueestavainteressadoemforçaracasar?”“Penélope”, ele começou, e ela apressou-se à frente dele, patinando mais
rápido, sentindo o vento frio no rosto, desejando que pudesse continuar, quepudesse deslizar para longe daquela vida estranha e forçada que estava vivendo.Contornouumgrandegrupodepessoas,eentãoeleestavaaoseuladonovamente,amão dele em seu braço, diminuindo sua velocidade. “Penélope”, ele dissenovamente.“Porfavor.”
Talvez fosse a expressão, a suavidade nela, a estranheza dela sendopronunciadaporele.Aformacomoelefalou,comoseelapudesseignorá-lo,eeleasoltaria.Maselaparou,afundandoospatinsnogeloaosevirardefrenteparaele.
“Eudeveriaacabarcomisso”,eladisse,sabendoquetinhaemoçãodemaisemsuas palavras. “Eu deveria fazer com que elas pudessem ter uma vida diferente.Casamentosconstruídossobremaisdoque…”
“Maisdoqueumbelodote.”Eladesviouoolhardaspalavras.“Elas deveriam ter uma chancemelhor do que a nossa. Vocême deu o seu
amuleto.”“Epelomenosumadelasterá.”Eleapontouparaaoutrapontadolago,eela
seguiu o olhar dele para ondeOlivia e Tottenham estavam conversando. A irmãcomorostoperfeitocorado,sorrindoparaTottenham.“Elevaleumafortuna,esuareputaçãoé limpaobastanteparaquevenhaa se tornarprimeiro-ministroalgumdia.Seelescombinarem,podeserumcasalincrível.”
“Eles estão sozinhos? Juntos?” Penélope começou a patinar novamente, nadireçãodosdois.“Michael,precisamosiratélá!”
Elesegurouamãodela,diminuindoseuritmo.“Penélope, eles não estão sozinhos em uma varanda de um baile. Eles estão
parados,alegremente,àbeiradolago,conversando.”“Sanschaperone.”Eladisse:“Estoufalandosério.Precisamosvoltar!”.“Bem, se você diz isso em francês, deve ser algo realmente muito sério.”
Como ele estava com o rosto virado para o outro lado, ela não conseguia tercerteza,mas tevea impressãodequeaestavaprovocando.“É tudoabsolutamentetransparente.”Eleestendeuobraçoesegurouamãodela,virando-aparapatinaremuma direção diferente, enquanto ela tentava se afastar. “Vocême deve uma tarde,esposa.” Quando ele a segurou firme, ela parou de resistir, e ele orbitou ao seuredor,atéelanãopoderfazernadaalémdesegui-lo,olhandoparaeleportodoocaminho.
Eentãoeleapuxouparaseusbraços,comoseosdoisestivessemdançando,eelespatinaramalgosemelhanteaumavalsa,atéestaremaumadistânciasuficientedetodosparanãoseremouvidos.
“Todomundoestáolhando.”“Deixequeolhem.”Eleaabraçouapertado,sussurrandoemseuouvido:“Não
selembradecomoerapassaraquelesprimeirosminutossemfôlegoasóscomumpretendente?”
“Não.”Elatentouseafastar.“Michael,precisamosvoltar.”Subitamente, não era porOlivia que ela acreditava que precisava voltar. Era
porsimesma.Porsuasanidade.Porqueestarnosbraçosdele,daquelejeito,comavozdele emseuouvido,nãoerabompara suasconvicções.Eleosgirouemumcírculolento.
“Voltaremosatéeleempoucosminutos.Porora,respondaàpergunta.”“Eurespondi.”Elatentouseafastar,maseleaseguroufirmemente.“Istonãoé
decente.”“Não vou soltá-la. Se alguém nos vir, simplesmente virão o marquês de
Bournemimandosuaencantadoraesposa.Agorarespondaàpergunta.”Sóqueelenãoaestavamimando.Aquilonãoerareal.Era?“Eu nunca fui cortejada. Não a ponto de ficar sem fôlego.” Ela não podia
acreditarquehaviaadmitidoissoaele.“Seuduquenãofezomáximoparaconquistá-la?”Penélopenãopôdeevitar.Elariu.“VocêconheceuoduquedeLeighton?Elenãoédo tipomaisconquistador.”
Fezumapausaquandouma lembrançadoduque interrompendoumbailepor suafuturaesposalheveioàmente,antesdeacrescentar:“Pelomenosnãocomigo”.
“Eosoutros?”“Queoutros?”“Os outros pretendentes, Penélope.Um deles certamente fez omáximo para
…”Elasacudiuacabeça,olhandoaoredor,procurandopelasirmãs,temendoser
vista.Philippaestavaparadacomumgrupodemeninasnocentrodogelocintilante.“Nenhumpretendentejamaismedeixousemfôlego.”“NemmesmoTommy?”
Não.Eladeveriaterdito,masnãoquis.Nãoquistrairoamigo.NãoquisqueMichael soubesse que ela havia sido um meio para um fim para todos eles…inclusiveparaTommy.
“PenseiquenãofossefalarsobreTommy.”“Você o ama?” Havia uma urgência no tom dele, e ela soube que ele não
desistiriaenquantoelanãorespondesse.Elalevantouumombro.“Eleéumamigoquerido.Éclaroquemeimportocomele.”Osolhosdeleficaramsombrios.“Nãofoioqueeuquisdizer,evocêsabedisso.”Elanãofingiutercompreendidomal.Emvezdisso,disseaverdade,sabendo
queaconfissãodariapoderaele.Nãoseimportou,porquequeriaquealgoemseurelacionamentofossereal.
“Eletambémnãomedeixousemfôlego.”Uma criancinha – commenos de 4 ou 5 anos – passou patinando por eles,
seguida pelo pai que pedia desculpas e pela mãe que se virou para fazer umareverênciaaosdois.Penélopesorriueacenou,dispensandoopedidodedesculpas,antesdedizer,baixinho:
“Talvezessesejaoproblema.Talvezeu tenhaesperadodemaisporperderofôlegoetenhadeixadopassar…bem…todooresto.”
Como ele não disse nada, ela olhou para ele e o viu acompanhar a mesmafamíliaqueelaestavaobservando.Finalmente,eleolhouparaelamuitosério,eelanãoconseguiudesviaroolharenquantoosdoisgiravamegiravamnavalsa,semforçarqualquermovimento,mas,aindaassim,girando.Algumacoisamudounoarentreeles.
“Fico feliz que não tenha se casado com Leighton, com Tommy ou comqualquerdosoutroslamentavelmentesemgraça,SeisCents.”
NinguémalémdeMichael jamais a chamoudeSeisCents, umapelido boboqueelelhetinhadadohaviaumaeternidade,garantindoqueelavaliamuitomaisdoque umpenny, um centavo, para ele. Tinham sido palavras doces na época, umabrincadeira encantadora com seu nome que a fez sorrir, e sua reação naqueleinstantenãofoidiferente.
Sentiuumaondadecaloratravessarocorpoaoouviroapelido,seguidaporumaperguntamuitomaisséria.
“Isso é sincero? Ou é falsa sinceridade? Quem é você neste momento? Overdadeirovocê?Oualgumaaproximaçãodohomemqueacreditaquequeremqueseja?Nãomedigaquenãoimporta,porqueagora…nestemomento…importa.”Avozdelaficoumaissuave.“Eeunemaomenosseiporquê.”
“Éaverdade.”E talvez isso fizesse dela uma tola, mas Penélope acreditou nele. Os dois
ficaramaliparadosporumlongomomento,osolhosdelematizadosdedouradoeverde,tãoatentossobreela,comoseosdoisestivessemasósnaquelelago–comose toda Londres não estivesse dançando e deslizando ao redor deles –, e ela seperguntou o que poderia acontecer se toda Londres não estivesse lá. Se todaLondresnãoimportasse.
Ele estava tão perto, o calor dele era tão real e tentador, e ela achou quepoderiabeijá-loali.Não.Elaseafastouantesqueelepudesse.Precisoufazerisso.Nãopodiasuportaraideiadeleusá-lanovamente.Haviacomeçadoanevar,flocosseacumulavamnaabadochapéulistradoedocasacolindamentecortadodele.
“Preciso ir até Olivia antes que ela e Tottenham decidam fugir para secasarem.”Elafezumapausa.“Obrigadapelatarde.”
Ela se virou e foi embora, patinando, sentindo profundamente a perda dele.Estava errado que ele pudesse fazê-la querê-lo tanto, tão rapidamente, com umsimplessorrisosuaveouumapalavragentil?Elaerafracaquandosetratavadele.Eeleeratãoabsolutamenteforte.
“Penélope”, ele a chamou, e ela se virou, encontrando seu olhar, algototalmente perigoso brilhando nos olhos castanhos dele. “A tarde ainda nãoacabou.”
E,porumbreveinstante,Penélopeachouquepoderiaficarsemfôlego.
CapítuloDezesseisCaroM,Eu não tinha dúvida alguma de que esta temporada seria terrível, mas está
sendopiordoqueeu imaginava.Ah,possosuportarosmexericos,oscochichos,aforma comome tornei invisível para os solteiros disponíveis que costumavammeconvidarparadançar,masveroduqueesuanovaelindaduquesa–issoédifícil.
Elesestãotãoapaixonados.Nemsequerparecemnotartodasasconversasqueos seguem. E então, ontem, ouvi dizer em um salão de damas que ela estáaumentando.
É tão estranho ver alguém viver a vida que nós poderíamos estar vivendo.Ainda mais estranho é sentir desejo por ela e, ao mesmo tempo, exultar com aliberdadedenãotê-la.
SemassinaturaCasaDolby,abrilde1824
Cartanãoenviada
Era algo estranho, realmente, cortejar a própria esposa. Ele esperaria que issoenvolvesse luz de velas, um quarto silencioso e uma hora ou duas de sussurroslascivos.Aindaassim,pareciaqueacorteàsuaesposaenvolveriaasirmãsdela,amãeligeiramenteridícula,cincodoscãesdopaidelaeumjogodeadivinhação.EraaprimeiravezquejogavaadivinhaçãodesdequetinhadeixadoSurreyparaestudar,dezoitoanosantes.
“Nãoprecisaficaraqui,sabe”,Penélopedisse,numsussurro,dolugaraoladodele,nosofádasaladeestardaCasaDolby.
Eleserecostou,cruzandoumtornozelosobreooutro.“Gostodeumaboarodadadeadivinhaçãocomoqualqueroutrohomem.”“Eminha experiênciamostra que homens adoram jogos de salão”, ela disse
ironicamente.“Atardejáacabou,sabe.”As palavras foram um lembrete não tão sutil de que ela o havia pago na
totalidade…queotempodelehaviaacabado.Eleencarouseusolhosazuis.“Ainda estamos depois do meio-dia, Seis Cents.” Ele baixou o tom de voz.
“Pelasminhascontas,tenhopelomenosmaiscincohorascomvocê–atéanoite.”Ela corou, e ele resistiu ao impulso de fazer amor com ela alimesmo – de
despi-lade sua roupademaisdecente edeitá-lanua sobre aquelemesmo sofá emque estavam sentados. A família dela provavelmente não aprovaria. Não era a
primeira vez que ele pensava em tirar as roupas dela naquele dia, nema décima.Nem, provavelmente, a centésima. Alguma coisa havia acontecido durante apatinação,algumacoisaparaaqualelenãoestavapreparado.Elehaviasedivertido.ElehaviasedivertidocomPenélope.Elegostoudepatinarcomela,deprovocá-laedevê-lacomasirmãs,cadaumaencantadoraàsuaprópriamaneira.Eficoumuitotentado a reivindicar a própria esposa.Mas, quando tentou, ela se afastou dele –cheia de gloriosa força –, o queixo erguido, encantadora, recusando-se a secontentar com menos do que merecia. Ele tinha ficado fascinado quando ela odeixou, muito orgulhoso dela atravessando o Serpentine, e precisou de todo seuautocontroleparanãosegui-laesegurá-laali,naquelelugarquepareciatãodistantedeondeocasamentodelesrealmenteexistia.Elehaviasedeleitadonasensaçãodosbraços dela enquanto os dois patinavam juntos, havia se exaltado com a formacomo ela sorriu quando ele roubou uma castanha do saquinho de papel dela. Equando ela lhe pediu, de olhos arregalados, pela verdade – ele ficou feliz derespondercomsinceridade.Massuasinceridadenãofoisuficiente.Umaliçãobemaprendida. Michael sabia que ela esperava que ele fosse recusar o convite parajogar adivinhação, e provavelmente deveria ter recusado.Mas ele descobriu quenãoestavaprontoparadeixá-la–naverdade,descobriuquenãogostavadaideiadejamaisdeixá-la.Entãoaliestavaele,emumasaladeestar,jogandoadivinhaçõesnoidíliofamiliar.
Asirmãsdelaentraramnasala,Philippatrazendoumpotecheiodepedaçosdepapel, seguida por um grande cachorro marrom que trotou até o sofá e forçoucaminhoparasentar-seentreeleePenélope,dandoduasvoltasantesdeseajeitar,colocando o queixo sobre a coxa de Penélope, empurrando o traseiro contra oquadril de Michael. Ele se mexeu, abrindo espaço para o cão, enquanto elaacariciava suavemente as orelhas do animal. Sentiu ciúme ao ouvir o suspiro docachorrodiantedotoque.Michaellimpouagarganta,irritadocomainvejacanina,eperguntou:
“Quantoscachorroshánestacasa?”Ela franziu o nariz, pensativa, e ele ficou intrigado pela expressão – um
vestígio da juventude dos dois, que o fez querer passar os dedos pelas rugas nainclinaçãodorostodela.
“Dez?Onze?” Ela encolheu os ombros leve e docemente. “Para ser sincera,perdiaconta.EsteéoBrutus.”
“Eleparecegostardevocê.”Elasorriu.“Elegostadeatenção.”Michael decidiu que, tolice ou não, abriria mão alegremente de sua
participação no Anjo Caído para ter as mãos dela nele de uma forma tãoencantadoraetranquilizadora.
“Vocês viram como Tottenham é alto? E tão bonito!”, Olivia disparou,aproximando-se para se sentar na cadeira ao lado deMichael, inclinando-se parafalarcomele.“Eunãofaziaideiaqueumcunhadocomumareputaçãocomoasuadariaacessoaummaridocomtamanhopotencial!”
“Olivia!” A marquesa de Needham e Dolby parecia prestes a morrer deconstrangimento.“Nãosediscuteessetipodecoisacomnobres!”
“Nemmesmocomoprópriocunhado?”“Nem com ele!” A voz de LadyNeedham havia subido várias oitavas. “Um
pedidodedesculpasnãoseriadetodomau!”Pippa olhou de onde havia deixado o grande pote de pistas e empurrou os
óculosmaisparaoaltodonariz.“Elanãoquerdizerquesuareputaçãosejaruim,milorde.Apenasqueé…”Michaelergueuumasobrancelha,imaginandocomoelaterminariaafrase.“Francamente, Pippa. Ele não é uma besta. Ele sabe que tem uma reputação
escandalosa e eu seriaCapaz de apostar que gosta disso.”Ela sorriu abertamenteparaele,eeledecidiuquegostavadaquelasmeninas.Nomínimo,eramdivertidas.
“Tudo bem. Já chega”, Penélope interrompeu. “Vamos jogar? Olivia, vocêprimeiro.”
Oliviapareciamaisdoquedispostaacomeçaro jogo,eseguiuatéagrandelareiraparafazersuaparte.Escolheuumpedaçodepapeldopote,leueapertouoslábios, claramente pensando em sua estratégia. Em vez de fazermímica sobre oitemnopapel,elaolhouparacimaedisse:
“AchamqueTottenhamirámecomprarumaneldenoivadomuitogrande?”“AsbodasdeFígaro”,Penélopedisse,semrodeios.“Sim!”Oliviadisse.“Comovocêadivinhou?”“Comonãopoderia?”,Penéloperespondeu.“Quemeninaesperta!”,anunciouamarquesa.Michael não pode evitar. Deu risada, chamando a atenção da esposa, com a
testafranzidadeconfusão,comoseelefosseumestranhoexemplardafloraqueelativesseacabadodedescobrir.
“Oquefoi?”,eleperguntou.“Nada…eusó…vocênãorimuito.”Eleseaproximoudela,omaispertoqueconseguiu,comocachorroentreeles.“Éimpróprio?”Elariu,umrisosoandocomomúsica.“Não… eu…” Ela corou novamente, e ele daria toda sua fortuna pelos
pensamentosdelanaquelemomento.“Não.”“Olivia”,Pippadisse,“tentedenovo.”Oliviapegououtropapel,masnãosemantesolhardiretamenteparaMichaele
anunciar:
“Eusempregosteide rubis,LordeBourne.Acreditoquevalorizemmeu tomdepele.Casoissosurjaemumaconversa.Comqualquerum”.
Tottenhamestavabastanteencrencado,defato.“Ah, estou certa de que surgirá”, Penélope disse, secamente, “considerando
quantasconversassobrejoiasetonsdepelefemininosquehomenscomoBourneeTottenhamdevemter.”
“Você ficaria surpresa”,eledisseàesposa,muitosério,eela riunovamente.“Dareiumjeitodelembrarsuapreferênciaporrubis,LadyOlivia.”
Elasorriu.“Porfavor,façaisso.”“Nãotenhocertezadequejoiasvalorizemumtomdepele”,Pippadissecom
perspicácia.“Umapeça.”“Philippa, convidamosLordeCastleton para o almoço amanhã”, amarquesa
anunciou.“Vocêsdoisterãotempoparadarumacaminhadaàtarde,espero.”“Estábem,mamãe.”Pippanãodesviouaatenção.“Trêspalavras.”“Tottenhamnãovirá”,Oliviadissefazendobeicinho.“Vocênãodevefalar,Olivia”,Pippadisse.“Emboratenhamsidotrêspalavras,
então,muitobem.”Michael sorriu para a resposta inteligente, mas não deixou de perceber o
desinteressenareaçãodacunhada.ElanãoqueriasecasarcomCastleton.Nãoquepudesse culpá-la. Castleton era um idiota. Foi preciso apenas poucas horas paraBournedescobrirquePippaeramaisinteligentedoqueamaioriadoshomensequeCastleton formaria um péssimo par com ela. É claro que Castleton formaria umpéssimo par com qualquer uma, mas Philippa consideraria seu casamentoespecialmente arrasador. E Penélope o odiaria por não impedir que issoacontecesse. Olhou para a esposa, que o estava observando com atenção. Ela seinclinounadireçãodele.
“Vocênãogostoudocasal.”Ele poderia ter mentido. Quanto mais rápido Philippa e Castleton ficassem
comprometidos,maisrápidoMichaelteriasuavingança,maisrápidopoderiavivera vida fora do alcance da nuvem de raiva e fúria que havia tornado sua últimadécada tão sombria. Nada havia mudado. Exceto que... algo havia mudado...Penélope.Elesacudiuacabeça.
“Não.”Algoseacendeunoslindosolhosazuisdela,algoemqueelepoderiaseviciar.
Esperança.Felicidade.Fezcomqueelesesentissedezvezesmaishomemporseromotivodaquilo.
“Vocêoimpedirá?”Elehesitou.Eleo impediria? Isso fariaPenélope feliz.Masaquepreço?Ele
foisalvodeterderesponderporPhilippa,quesevirouparaeles.
“Peloscéus?Estãovendoisso?”Elenãoestavaprestandoatenção,masOliviaestavaagorafazendomímicade
um chicote estalando e franzindo o rosto, mostrado os dentes e abrindo os doisladosdabocacomosdedos.
“Guiandoumalula!Açoitandoaluzdosol!”,gritouamarquesa,comorgulhonavoz,arrancandorisosdorestodasala.
“Guiando uma Lula é uma peça que eu adoraria ler”, Philippa disse, dandorisada,voltando-separaPenélope.“Penny,porfavor.Precisamosdasuaajuda.”
PenélopeobservouOliviaporumlongomomento,eMichaeltevedificuldadededesviaroolhardela–hipnotizadopor seu foco.Ele seperguntou como seriamerecer tamanho interesse, tamanho contentamento...Voltou a ser dominado pelociúme, e censurou a si mesmo. Nenhum homem adulto devia invejar cães oucunhadas.
“Amegeradomada.”Oliviaparou.“Sim!Obrigada,Pen.Euestavacomeçandoamesentirtolaali.”“Não consigo imaginar por quê”, Pippa disse, secamente. “Não acho que
megerassejamcegas,Olivia.”Isto,vindodePhilippa...“Ah,tolice.Gostariadevervocêfazermelhor.Queméagora?”“ÉavezdaPenny.Elaadivinhouaúltima.”Penélope se levantou e alisou as saias, eMichael a observou ir até o palco
improvisado,pegarumpedaçodepapeledesdobrando-o.Pensounafraseporuminstante antes de ter uma ideia e seu rosto se iluminar. Ele se remexeu no lugar,subitamentedesconfortável,querendolevá-lacorrendodasalaedacasa,paraacasadele, para a camadele.Mas a rodada havia começado, e ele teria de esperar.Elalevantou trêsdedos,eele imaginouasensaçãodelesemseumaxilar, seus lábios,seurosto.
“Trêspalavras!”Ela endureceu a postura e saudou as irmãs, entãomarchou rigidamente pelo
palco, os seios empinados esticando no decote do vestido. Ele se inclinou parafrente,oscotovelosnosjoelhos,eobservou,aproveitandoavista.
“Marchando!”“Soldados!”Elafezumsinalencorajadorcomasmãos.“Napoleão!”Elafezamímicadeumtiroderifle,eaatençãodelesemanteveondeoombro
e o pescoço dela se encontravam, a reentrância macia e sombreada ali, que eleansiavaporbeijar…opontoqueelebeijariaemoutromomentoeoutrolugar,seelesfossemcasadoseelefosseumhomemdiferente.Seelefosseumhomemqueela pudesse amar. Se o casamento deles fosse construído sobre algo diferente de
vingança.Nãotoqueemmim.Aspalavraspassaramporele,eMichaelasdesprezou.Desprezou o que elas representavam – a forma como ela pensava nele, a formacomoelaacreditavaqueelea trataria.Aformacomoeleahavia tratado.Aformacomoeleaestavatratando.
“Caçando!”“Papai!”“PapaicaçandoNapoleão!”OpalpitetolodeOliviaarrancouPenélopedesua
mímicacomumarisada.Elasacudiuacabeça,entãoapontouparasimesma.“Papaicaçandovocê!”
PippaolhouparaOlivia.“Porque,emnomedoscéus,issoestarianopotedeadivinhações?”“Nãosei.Umavez,tireiPerucadatiaHester.”Pippariu.“Eucoloqueiessaaí!”Penélope limpouagarganta.“Certo.Desculpe,Pen.O
quevocênãoestavadizendo?”Penélopeapontouparasimesma.“Lady?”“Fêmea?”Esposa.Suaesposa.“Garota?”“Filha?”“Marquesa!” A marquesa de Needham e Dolby lançou seu primeiro palpite
comumaalegriatãoexultante,queMichaelachouqueelairiacairdosofá.Penélope suspirou e revirou os olhos antes de encará-lo, as sobrancelhas
erguidas, como que dizendo Socorro? Alguma coisa espantosamente parecida aorgulhoexplodiunopeitodelecomopedido–comaideiadequeelapodiaestarsevoltandoaeleembuscadeajuda.Descobriuquequeria serohomemaquemelarecorria.Elequeriaajudá-la.PeloamordeDeus,Bourne,éumjogodeadivinhação.
“Penélope”,eledisse.Osolhosdelaseiluminaram.Elaapontouparaele.“Penélope?Vocêfazpartedapista?”Oliviapareceucética.Penélopecomeçou
afazermímicanovamente.“Costurando?”ElasorriueapontouparaOlivia,entãofezamímicadeestarpuxandoumfio
deumbordadorapidamente.“Descosturando?”ElaapontouparaOliviadenovo,entãoparasimesma,depoisfezamímicade
costuraredescosturarumavezmais,antesdeolharparaPippa,claramenteairmãque esperava de verdade que fosse Capaz de juntar todas as suas pistas. Ele nãoqueriaquePippaganhasse.Elequeriaganhar.Paraimpressioná-la.
“AOdisseia”,eledisse.
Penélope deu um sorriso, largo e lindo, batendo palmas e dando pulinhos,aproveitandootriunfofugaz,entãofezamímicadedispararumrifleemarchouaoredor do palco uma vezmais. Penny girou, apontando diretamente paraMichael,todasuaatençãovoltadaparaele,eelesesentiucomoumheróiaoadivinhar:
“AGuerradeTroia”.“Sim!”Penélopeanunciousoltandoumgrandesuspiro.“Muitobem,Michael.”Elenãoconseguiudeixardesegabar.“Foimesmo,nãofoi?”“Nãocompreendo”,disseOlivia.“ComoPenny,costuraredescosturarchegou
àGuerradeTroia?”“Penélope era a esposa deOdisseu”, Philippa explicou. “Ele a deixou, e ela
ficousentadaemseutear,costurandoodiatodo,edesfazendotodoseutrabalhoànoite.Duranteanos.”
“Porquealguémfaria isso?”Olivia franziuonariz, escolhendoumdocedeumabandejapróxima.“Poranos?Francamente.”
“Elaestavaesperandoqueelevoltasseparacasa”,Penélopedisse,olhandonosolhosdeMichael.Havia algumacoisa significativa ali, e ele achouqueelapodiaestarfalandodealgomaisdoqueomitogrego.Elaesperavaporeleànoite?Elahavia dito para ele não tocar nela… ela o havia empurrado para longe… mas,naquelanoite, seele aprocurasse, elaoaceitaria?Ela seguiriaocaminhode suahomônima?
“EsperoquetenhacoisasmaisemocionantesparafazerquandoestáesperandoqueMichaelvolteparacasa,Penny”,Oliviaprovocou.
Penélope sorriu, mas havia algo em seu olhar de que ele não gostou, algoparecidocomtristeza.Eleculpouasimesmoporaquilo.Antesdele,elaeramaisfeliz.Antesdele,elasorria,davarisadaejogavacomasirmãssemumalembrançadeseudestino infeliz.Elese levantoupara recebê-laquandoelaseaproximoudosofá.
“Eu jamais deixaria minha Penélope durante anos. Teria medo demais dealguémlevá-lademim”,eledisse.Suasograsuspiroualtodooutro ladodasala,enquantosuasnovas irmãsdavamrisada.Ele segurouumadasmãosdePenélopenas suas e roçou umbeijo nos nós dos dedos. “Penélope eOdisseu nunca forammeu casal mítico preferido, de qualquer maneira. Eu sempre gostei mais dePerséfoneeHades.”
Penélopesorriuparaele,easaladerepenteficoumuito,muitomaisquente.“Vocêachaqueelesforamumcasalfeliz?”,elaperguntou,irônica.Elesorriujuntocomela,divertindo-seaobaixarotomdevoz.“Achoqueseismesesdefarturasãomelhoresdoquevinteanosdefome.”Ela
corou,eeleresistiuaoimpulsodebeijá-laalimesmo,nasaladeestar,ignorandoa
decênciaeassensibilidadesdelicadasdassenhoras.Nãopercebendoatroca,Oliviaanunciou:“LordeBourne,éasuavez.”Elenãodesviouosolhosdaesposa.“Infelizmente,estátarde.Creioquedevalevarminhaesposaparacasa.”LadyNeedham levantou-se, derrubando um cachorro pequeno do colo, com
umlatidoagudo.“Ah,fiquemumpoucomais.Estamostodosapreciandotantoavisita.”EleolhouparaPenélope,querendolevá-laparaseusubmundo,masdando-lhe
apermissãodetomarsuadecisão.Elasevirouparaamãe.“LordeBournetemrazão”,disse,fazendo-osentirumarrepio.“Tivemosuma
tardelonga.Gostariadevoltarparacasa.”Comele.Otriunfoemergiu,eMichaelresistiuaoimpulsodeatirá-laporcima
doombroelevá-lacarregadadasala.Eladeixariaqueeleatocassenaquelanoite.Ela deixaria que ele a cortejasse. Ele estava seguro disso. O amanhã continuavasendoumaincógnita,masnaquelanoite…naquelanoite,elaseriadele.Mesmoqueelenãoamerecesse.
CaroM,Victoria e Valerie casaram-se hoje em um casamento duplo, com maridos
definitivamentemedíocres.Nãotenhodúvidadequesuasescolhasforamlimitadaspor conta de meu escândalo, e eu mal consigo engolir a raiva e a injustiça dasituaçãotoda.
Parecetãoinjustoquealgunsdenóstenhamosessavida–cheiadefelicidade,amorecompanheirismoetodasascoisascomquesomosensinadasasequersonhar,por serem tão raras e de modo algum o tipo de coisa a se esperar de um bomcasamentoinglês.
Seiqueinvejaépecado,eacobiçatambém,masnãoconsigodeixardedesejaroqueoutrostêm.Paramimeparaminhasirmãs.
SemassinaturaCasaDolby,junhode1825
Cartanãoenviada
Elaestavaseapaixonandopelomarido.Apercepçãoespantosasedeuquandoeleaajudouasubirnacarruagem,batendoduasvezesnotetodoveículo,antesdesentar-se ao seu lado para retornarem para casa. Ela estava se apaixonando pelolado dele que andava de patins, jogava adivinhação, provocava-a com jogos depalavrase sorriaparaelacomoseela fosseaúnicamulhernomundo.Estava se
apaixonandopelagentilezaqueserevelavaporbaixodoexterior.Ehaviaumapartedela, sombria e silenciosa, que estava se apaixonado pelo restante dele. Ela nãosabiacomoconseguirialidarcomestarapaixonadaporeleinteiro.Eleerademais.Elaestremeceu.
“Estácomfrio?”,eleperguntou,jápondoumcobertorporcimadela.“Sim”,elamentiu,agarrandoalãpertodocorpo,tentandolembrar-sedeque
aquelehomemgentilesolícitoquecuidavadeseuconfortoeraapenasumapartefugazdeseumarido.
Apartequeelaamava.“Estaremos em casa muito em breve”, ele disse, aproximando-se dela,
passandoumbraçosobreseusombros,comoumafaixadeaçoquente.Elaamavaseutoque.“Gostoudasuatarde?”
Afraseapercorreucomoumapromessa,eelanãoconseguiuevitarocalornas bochechas,mesmo fazendo omáximo para distanciar-se dele e das emoçõesqueeleestimulava.
“Sim.Jogaradivinhaçãocomminhasirmãsésempredivertido.”“Gosto muito das suas irmãs.” As palavras foram suaves, um rumor na
escuridão.“Gosteideparticipardabrincadeira.”“Achoqueelasestãofelizesporteremumirmãodequemgostam”,eladisse,
pensandoemseuscunhados.“OsmaridosdeVictoriaeValeriesãomenos…”Elahesitou.
“Bonitos?”Elasorriu.Nãoconseguiuseconter.“Issotambém,maseuiadizer…”“Encantadores?”“Eisso,mas…”“Absolutamentefascinantes?”Elaergueuassobrancelhas.“Vocêéabsolutamentefascinante?”Elefingiusentir-seofendido.“Nãopercebeuissoemmim?”Oassustadoreraqueelahaviapercebido,masnãoiadizeraele.“Nãohaviapercebido.Masvejoqueétambéminfinitamentemaismodestodo
queosoutrosdois.”Foiavezdeeledarrisada.“Elesdevemserrealmentemuitodifíceis.”Elasorriu.“Perceboqueconhecesuaslimitações.”Voltouafazersilêncio,eelaficousurpresaquandoeleointerrompeu.“Gosteidasadivinhações.Foicomoseeufossepartedafamília.”
As palavras foram tão sinceras e inesperadas, que os olhos de Penélope seencheramdelágrimas.Elapiscouparaespantá-las,dizendoapenas:
“Somoscasados.”Eleprocuroupeloolhardelanaescuridão.“Eapenasissobasta?UmatrocadevotosdiantedovigárioCompton,enasce
uma família?” Como ela não respondeu, ele acrescentou: “Gostaria que fosseassim”.
Elatentoumanterodiscursoleve.“Minhasirmãsorecebemdebomgrado,milorde.Tenhocertezadequeambas
apreciam tê-lo como irmão… levando em consideração sua amizade comLordeTottenhame…”Elaparou.
“E?”,elequestionou.Elarespiroufundo.“EsuahabilidadedeevitarquePippasetransformeemLadyCastleton.”Elesuspirou,apoiandoacabeçanoassento.“Penélope…nãoétãofácil.”Elaparalisou,afastando-sedoabraçodele,sendoimediatamenteatacadapelo
frio.“Querdizerquenãolheserve.”“Não...Nãoserve.”“Porqueoscasamentosrápidosdelasimportam?”Elehesitou,eelapreencheu
osilêncio.“Eutenhotentadocompreender,Michael…masnãoconsigo.Comoumacoisaestávinculadaàoutra?VocêjátemaprovadailegitimidadedeTommy…”E,derepente,elacompreendeu.“Ouvocênãotemainda,tem?”
Elenãodesviouoolhar,mastambémnãofalou.Amentedelagirouenquantotentavacompreenderoacordo,comoeledevia ter sidoorganizado,aspartesquedeveriamestarenvolvidas,alógicadasituação.
“Vocênãoatem,masmeupai,sim.Evocêpagarálindamenteporelanaformadefilhascasadas.Oprodutopreferidodele.”
“Penélope.”Michaelseinclinouparafrente.Ela se encostou na porta da carruagem, omais distante que conseguiu ficar
dele.“Vocênegaisso?”Eleparalisou.“Não.”“Aí está”, ela disse triste, a realidade da situação ocupando todo o pequeno
espaçoda carruagem, ameaçando sufocá-la. “Meupai emeumarido conspirandoparalidarcomminhasduasirmãsecomigo.Nadamuda.Estaéaescolha,então?Asreputaçõesdasminhasirmãsouadomeuamigo?Ouuma,ouaoutra?”
“Inicialmente,eraumaescolha”,eleadmitiu.“Masagora…Eunãopermitiria
queassuasirmãsfossemarruinadas,Penélope.”Elalevantouumasobrancelha.“Perdoe-me se não acredito em você, milorde, considerando o quanto já
ameaçouessasmesmasreputaçõesdesdenossoprimeiroencontro.”“Bastadeameaças.Euasquerofelizes.Euquerovocêfeliz.”Elepoderia fazê-la feliz.Opensamentopassoucomoumsussurropor ela, e
ela não duvidou dele.Nemumpouco.Aquele era umhomemque tinha um focosingular, e se ele se decidisse a lhe dar umavida de felicidade, conseguiria.Masissonãoestavanascartas.
“Vocêquermaisasuavingança.”“Queroasduascoisas.Querotudo.”Ela se virou de costas para ele, falando para a rua, fora da janela da
carruagem,subitamenteirritada.“Ah,Michael,quemfoiquelhedissequepodiatertudo?”Osdoisseguiramdurantemuitotempoemsilêncio,antesdacarruagemparare
Michaeldescer,virando-separaajudá-laasair.Enquantoeleficavaali,paradoàluzfraca da carruagem, com a mão estendida, ela se recordou daquela noite emFalconwell,quandoelelhehaviaoferecidosuamão,seunomeesuaaventura,eelaaceitou,achandoqueeleaindaeraomeninoque tinhaconhecidoumdia.Elenãoera. Não tinha nada daquele menino… agora era um homem com dois lados –protetorgentile redentormalévolo.Eraseumarido.E,queDeusaajudasse,poisela o amava...Durante todos aqueles anos, ela havia esperadopor essemomento,essaemoção,certadequemudariasuavida,fariafloresdesabrocharemepássaroscantaremcomaeuforia.Masesse amornãoera eufórico.Eradoloroso.Não erasuficiente.
Eladesceudacarruagemsemaajudadele,evitandoamãoforteeenluvadaaosubirosdegrauseentrarnosaguãodaresidência,semcriadoalgum.Eleaseguiu,maselanãohesitou,indodiretamenteparaaescadaecomeçandoasubir.
“Penélope”,eleachamoudopédaescada,eela fechouosolhosaoouviropróprionome,pelaformacomoosomnoslábiosdeleafaziasentirdesejo.
Elanãoparou.Eleaseguiu, lentaemetodicamente,escadaacimaeao longodo comprido e escuro corredor que levava ao quarto dela. Ela deixou a portaaberta,sabendoqueeleconseguiriaentrarmesmoseelasetrancasseládentro.Elefechou a porta atrás de si enquanto ela seguiu até a penteadeira e tirou as luvas,deixando-ascuidadosamentesobreumacadeira.
“Penélope”,elerepetiu,comumafirmezaqueexigiaobediência.Bem,elaestavacansadadeobedecer.“Porfavor,olheparamim.”Elanãocedeu.Nãorespondeu.“Penélope…”Eleparoude falar, e comocantodoolho elaoviupassaros
dedospeloscabelos,deixandoumcaminhodegloriosa imperfeição– tãobonito,tãoatípico.
“Porumadécada,tenhovividoestavida.Vingança.Retaliação.Éoquetemmealimentado–temmenutrido.”
Ela não se virou. Não poderia se virar. Não queria que ele visse como acomovia.Oquantoelaqueriaberrar edizeraelequehaviamaisdavida…maisparaele…doqueaquelametamaldita.Elenãolhedariaouvidos.
“Você está errado”, ela disse, indo até o lavatório diante da janela. “Naverdade,issootemenvenenado.”
“Talvezsim.”Ela verteu água fria e limpa na tigela e mergulhou as mãos, vendo-as
empalidecer eondular contra aporcelana, a águadistorcendoa imagem.Quandofalou,foiparaaquelesmembrosestranhos.
“Sabe que não irá funcionar, não sabe?” Como ele não respondeu, elacontinuou:“Sabequedepoisde terexecutadosuapreciosavingança,haveráoutracoisa.Falconwell,Langford,Tommy…depoisoquê?Oquevemaseguir?”.
“Depois vem a vida, finalmente”, ele disse. “Uma vida longe do espectrodaquele homem e do passado que eleme deu.Vida sem retaliação.”Ele fez umapausa.“Vidacomvocê.”
Ele estava perto quando disse isso, mais perto do que ela esperava, e elalevantouasmãosdaáguae seviroumesmocomaspalavras a ferindo–mesmocomaspalavrasadeixandoansiosa.Erampalavrasqueelaquisdesesperadamenteouvir… desde o começo do casamento… talvez antes disso. Talvez desde quecomeçou a lhe escrever cartas, sabendo que ele jamais as receberia. Mas nãoimportavaoquantoeladesejasseouviraquelaspalavras,descobriuquenãopodiaacreditarnele.Eeraoqueelaacreditava–enãoaverdade–queimportava.Eleahaviaensinadoisso.
Eleestavaamenosdeumbraçodedistância,sérioetenso,osolhoscastanhoseramnegrosnassombrasdoquarto,eelanãopôdedeixardefalar,mesmosabendoquejamaisofariaenxergaraverdade.
“Você está errado. Você não irá mudar. Em vez disso, permanecerá naescuridão, encoberto pela vingança.”Ela fez umapausa, sabendo que as palavrasseguintes seriam as mais importantes para ele ouvir. Para ela dizer. “Você seráinfeliz,Michael.Eeusereiinfelizcomvocê.”
Eleenrijeceuomaxilar.“Evocêéumaespecialista?Comasuavidaencantada,escondidaemSurrey,
semjamaiscorrerumrisco,semumaúnicanódoaemseunomeperfeitoedecente.Vocênãosabeabsolutamentenadasobre raiva,decepçãooudevastação.Nãosabecomo é ter sua vida arrancada dos seus pés e não querer nada além de punir ohomemquefezissocomvocê.”
Aspalavrasditasemvozbaixapareciamumcanhãodentrodoquarto,ecoandoaoredordePenélopeatéelanãoconseguirmaisseguraralíngua.
“Seu…egoísta.”Deuumpassonadireçãodele.“Achaqueeunãocompreendodecepção?Achaquenãofiqueidecepcionadaquandovitodomundoaomeuredor–minhasamigas,minhasirmãs–secasarem?Achaquenãofiqueidevastadanodiaem que descobri que o homem com quem iria me casar estava apaixonado poroutra?Achaquenão fiqueicomraivanodiaemqueacordeinacasadomeupaisabendoquetalvezjamaisfossetersatisfação…equejamaisencontrariaumamor?Achaqueéfácilserumamulhercomoeu,jogadadeumhomemparaoutroparasercontrolada?Pai,noivoeagoramarido?”
Ela estava partindo para cima dele, pressionando-o na direção da porta doquarto, irritadademaisparaapreciaro fatodequeeleestava recuando juntocomela.
“Precisolembraravocêdequeeununca,jamaistiveumaescolhaemrelaçãoaorumodaminhavida?Quetudooquefaço,tudooquesou,temsidoparaserviraosoutros?”
“Esta culpa é sua,Penélope.Nãonossa.Vocêpoderia ter recusado.Ninguémestavaameaçandoasuavida.”
“É claro que estavam!”, ela explodiu. “Todos estavam ameaçando minhasegurança,minhaestabilidade,meufuturo.SenãofosseLeighton,Tommyouvocê,oqueseria?Oqueaconteceriaquandomeupaimorresse,eeunãotivessenada?”
Eleseaproximoudelaentão,segurandoseusombros.“Sóquenãoeraporautopreservação,era?Eraporculpaeresponsabilidade,e
umdesejodedaràssuasirmãsumavidaquevocênãopôdeter.”Elaapertouosolhos.“Eunãovoumedesculparporfazeroqueeracertoporelas.Nãosomostodos
comovocê,Michael,mimados,egoístase…”“Não pare agora, querida”, ele falou com a voz arrastada, soltando-a e
cruzandoosbraçossobreopeitolargo.“Vocêestavachegandoàparteboa.”Comoelanãorespondeu,elelevantouumasobrancelha.“Covarde...Queiraounão,vocêfezassuasescolhas,SeisCents.Ninguémmais.”
Elaoodiouporusarseuapelidonaquelemomento.“Você está errado.Acha que eu teria escolhido Leighton?Acha que eu teria
escolhidoTommy?Achaqueeuteriaescolhido…”Elaparoudefalar…querendodesesperadamenteterminarafrase,edizervocê.
Querendo feri-lo. Querendo puni-lo por tornar tudo tão mais difícil. Por tornarimpossívelsimplesmenteamá-lo.Eleouviuapalavramesmoassim.
“Diga.”Sacudiuacabeça.“Não.”
“Porquenão?Éverdade.SeeufosseoúltimohomemdaGrã-Bretanha,jamaisteria sido eu. Eu sou o vilão desta história, cheio de vingança e ira, duro e friodemaiseindignodevocê.Oqueaarrancoudasuavidaperfeitanocampo,dosseussentimentos,dasuacompanhia.”
“As palavras são suas, não minhas.” Só que não eram verdade. Porque, detodas as coisas que ela havia feito, de todos os pretendentes que ela quase haviaaceitado,eleeraoúnicoqueelarealmentedesejava.
Eledeuumpassoparatrás,passouamãopelocabelo,edeuumarisadadura.“Vocêaprendeualutar,não?NãoémaisapobrePenélope.”Elaendireitouosombroserespiroufundo,prometendoasimesmaquetiraria
ele–eofatodequeoamava–damente.“Não”,elafinalmenteconcordou.“NãosoumaisapobrePenélope.”Alguma coisa mudou nele, e pela primeira vez desde o casamento, ela não
questionouaemoçãoqueviuemseuolhar.Resignação.“Entãoéisso?”Elaassentiucomacabeçaumavez,cadacentímetrodeseucorporesistindoàs
palavras,querendogritardiantedainjustiçadetudo.“Éisso.Seinsistenavingança,façaissosemmimaoseulado.”Ela sabia que o ultimato jamais serviria de nada,mas nãodeixoude ser um
golpequandoelerespondeu:“Então,quesejaassim”.
CapítuloDezesseteCaroM,Fuiao teatroestanoite,eouviseunome.Diversassenhorasestavamfalando
sobreumnovocassinoeseusescandalososproprietários,eeunãopudedeixardeescutar,quandoasouvi falarememvocê.É tãoestranhoouviralguémsereferiravocêcomoBourne–umnomequeaindaassocioaseupai,masimaginoquesejaseuháumadécada.
Umadécada...Dezanosquenãoovejoenão falocomvocê.Dezanosdesdequetudomudou.Dezanos,eeuaindasintoasuafalta...
SemassinaturaCasaDolby,maiode1826
Cartanãoenviada
Michael subiu os degraus da entrada da Casa Dolby uma semana mais tarde,respondendoaochamadodosogro,quehaviachegadoàMansãodoDiabonaquelamanhã,enquantoeleseencontravaemseugabinetetentandonãosairemdisparadapelacasaparapegarsuaesposaeprovardeumavezportodasqueosdoisestavamcasadosequeelaeradele.
Eles haviam chegado àquele ponto… a verdade constrangedora de que elepassavaamaiorpartedotempoemcasa,ouvindoospassosdeladooutroladodaporta, esperando que ela fosse até ele, que fosse lhe dizer que haviamudado deideia,que fosse implorarparaqueele tocassenela.Assimcomoeledesejavaqueelatocassenele.Elehaviapassadoseisnoitesnacasa,evitandoaesposa,aindaqueficasse do seu lado, atrás daquela maldita porta de quarto adjacente, ouvindo oscriadosencheremsuabanheiraeconversaremcomela.Então,quandoelaentravana água, os sons de seus movimentos o faziam arder de tentação. O desejo queprovarasimesmoaela.
A experiência foi torturante e ele a mereceu, punindo a si mesmo por serecusaraentrarnaquelequarto,arrancá-ladaquelabanheiraedeitá-laemsuacama,encantadora e deliciosa, e possuí-la. Quando ele se afastava da porta que oatormentavacomossegredosqueexistiamalém,eraarrependimentoquesentia.Elaestavasetornandotudooqueeledesejava,esemprefoimaisdoqueelemerecia.
A noite anterior havia sido a pior de todas – ela estava rindo com a criadasobrealgumacoisa,eeleficouláparado,comamãonamaçanetadaporta,osomdesuarisadalíricafuncionandocomoumcantodesereia.Elepressionouatestana
portacomoumtoloeficouescutandoporlongosminutos,esperandoquealgumacoisa mudasse. Ansiando por ir até ela, finalmente ele se afastou, encontrandoWorthparadadooutroladodoquarto.
Haviaficadoconstrangidoeirritado.“Nãosebatemaisnaporta?”Worthergueuumasobrancelharuiva.“Nãoconsidereinecessário,jáqueraramenteestáemcasanestehorário.”“Estouemcasaestanoite.”“Étambémumidiota.”Agovernantanuncafoideconteraspalavras.“Eudeveriademiti-laporinsolência.”“Masnãofaráissoporqueeutenhorazão.Qualéoseuproblema?Éevidente
quevocêgostadasenhora,eelaclaramentegostadevocê.”“Nãohánadadeclaronasituação.”“Vocêtemrazão”,disseagovernanta,largandoumapilhadetoalhaspertodo
lavatório.“Éperfeitamentenebuloso–omotivopeloqualvocêsdoispassamtantotempodoladoopostodaquelaporta,escutandoumaooutro.”
Michaelfranziuatesta.“Ela…”Worthencolheuumombro.“Imagino que você jamais saberá.” Ela fez uma pausa. “Que diabo, Bourne.
Vocêpassou tanto tempodasuavidaadultaprotegendooutraspessoas,masquemiráprotegê-lodesimesmo?”
Eleseviroudecostasparaagovernanta.“Deixe-me.”Naquelanoite, ele ficououvindo atentamente, esperandoquePenélope saísse
do banho e viesse até a porta entre os dois quartos. Ele jurou que se tivesse aomenosumsinaldelaparadadoladooposto,esperando,abririaaporta,eosdoisseentenderiam.Mas,emvezdisso,eleviualuzporbaixodaportaseextinguir,ouviuo roçar dos lençóis quando ela se deitouna cama.Ele partiu para oAnjoCaído,ondepassouanoitenosalão,vendodezenasdemilharesdelibrasseremapostadaseperdidas,lembrando-odopoderdodesejo,dafraqueza.Lembrando-odoqueelehaviaconquistado.
Doqueelehaviaperdido.Aindavestindoocasacoeochapéu,Bourneseguiuumlacaiopelolabirintoda
CasaDolby–umadaspoucaspropriedadesdentrodoslimitesdeLondres–atéumagrande varanda que levava às terras cobertas de neve. Havia um conjunto depegadashumanas saindodacasa, cercadasporumrastrodemarcasdepatas.Umtiroderifleecoounosilêncio,eMichaelsevirouparaolacaio,queoorientouaseguir o som.Ele caminhou na trilha em direção ao seu sogro, e a neve recém-
caída abafava o som de seus passos. Soprava um vento gelado, e ele diminuiu oritmo, virando o rosto contra o vento, travando os dentes diante do frio intenso.Notouo somde rifledecaçaalémdeumapequenacolina, eMichael sentiuumatrepidação. Ele não tinha a intenção de ser morto pelo marquês de Needham eDolby, pelomenosnãoacidentalmente. Pensando em suas alternativas, ele parou,pôsasmãosemconchaaoredordabocaechamou:
“Needham!”“Olá!” Um grito alto soou de trás do cume, seguido por meia dúzia de
diferenteslatidoseuivos.Bourne interpretou como sinal para se aproximar.Fezumapausa ao subir a
elevação,olhandoparaaamplaáreadeterraqueseestendiaatéoTâmisa.Respiroufundo, apreciando a sensação do ar frio nos pulmões, e voltou sua atenção paraNeedham,que estavaprotegendoosolhosdo sol damanhã.Nomeiodadescida,Needhamdisse:
“Nãotinhacertezaseviria.”“Soubequeéobrigatórioatenderaochamadodosogro.”Needhamriu.“Especialmentequandoohomememquestãodetémaúnicacoisaquesequer.”MichaelaceitouoapertodemãofirmedeNeedham.“Estámuitofrio,Needham.Oqueestamosfazendoaquifora?”Omarquêsoignorou,virando-sedecostascomumalto“Rá!”,emandandoos
cãesparaomatagalavintemetrosdali.Umúnicofaisãoapareceunocéu,Needhamlevantouaespingardaedisparou.
“Diabo!Errei!”Um choque, certamente. Os dois caminharam na direção dos arbustos, e
Bourneesperouqueomaisvelhofalasseprimeiro.“Fezumótimotrabalhomantendominhasmeninasforadasualama.”Michael
nãorespondeu,eNeedhamcontinuou:“CastletonpediuPippaemcasamento”.“Fiqueisabendodisso.Confessoqueestousurpresoquetenhaconcordado.”Needham fezumacaretaquandooventopassoupor eles.Umcachorro latiu
porperto,eNeedhamseviroudecostas.“Venha,Brutus!Aindanãoacabamos!”Elevoltouacaminhar.“Ocachorronão
caçanada.”Bourneresistiuàrespostaóbvia.“Castletonéumtolo,maséumconde,eissodeixaminhaesposafeliz.”Oscachorrosespantaramoutrofaisão,eNeedhamatiroueerrou.“Pippaéinteligentedemaisparaseuprópriobem.”
“Pippaé inteligentedemaisparaumavidacomCastleton.”Elesabiaquenãodeveriadizerisso.Sabiaquenãodeveriaseimportarcomquemagarotasecasasse,desdequeonoivadoacontecesse comosmeiospara avingança contraLangfordemsuasmãos.
Masnãoconseguiaparardepensar emPenélope, ena formacomoopouco
inspiradornoivadodePippaahaviaincomodado.Elenãoaqueriaincomodada.Eleaqueriafeliz.Eleestavaamolecendo.
Needhamnãopareceunotar.“A menina aceitou e eu não posso cancelar o compromisso, não sem um
motivodecente.”“EofatodequeCastletonéumburro?”“Nãobasta.”“Eseeuencontraroutromotivo?Ummotivomelhor?”Certamentehaviaalgo
nosarquivosdoAnjoCaído–algumacoisaquecondenariaCastletoneterminariacomonoivado.
Needhamolhouparaele.“Esquecequeeuconheçomuitobemqualéapuniçãopornoivadosrompidos.
Mesmoosquetêmbonsmotivosarruínamasmeninas.Esuasirmãs.”ComoPenélope.“Dê-me alguns dias e encontrarei algo para terminar com este.”De repente,
tornou-secríticoqueBournearrumasseumaformadePipparomperseunoivado.Nãoimportavaqueelepudessesentirogostodavingança,tãopertoetãodoce.
Needhamsacudiuacabeça.“Precisoaceitarasofertasquevêm,outereioutraPenélopenasminhasmãos.
Nãopossomedaraoluxodisso.”Bournerangeuosdentesdiantedaafirmação.“Penélopeéumamarquesa.”“ElanãoseriasevocênãotivesseidoatrásdeFalconwell,seria?Porqueacha
quevinculeiasterrasaela,emprimeirolugar?Eraaminhaúltimachance.”“Suaúltimachancedequê?”“Eunão tenhoum filho,Bourne.”EleolhouparaaCasaDolby. “Quandoeu
morrer,estacasaeosolarpassarãoparaasmãosdealgumprimoidiotaquenãodáamínimaporeles,oupelasterrasemqueestão.Penélopeéumaboagarota.Elafazoquelhedizemparafazer.Eudeixeiclaroqueelaprecisavasecasarparamanterahonra das irmãs. Ela não podia decidir ser solteirona e passar o resto dos diasvegetandoemSurrey.Elasabiadeseusdeveres.SabiaqueFalconwelliriaparaseusfilhose,comisso,partedahistóriadasterrasdeNeedham.”
Umafileirademeninasloirasapareceuemseuspensamentos.Nãocomoumalembrança,mascomoumafantasia.Asfilhasdela.Asfilhasdeles.Opensamentooconsumiu,assimcomoodesejoqueoacompanhou.Ele jamaishaviapensadoemterfilhos.Jamaisimaginouquerê-los.Jamaispensouqueseriaotipodepaiqueelesmereciam.
“Vocêquisalgodoseupassadoparadaraoseufuturo.”Omarquêssevirounadireçãodacasa.“Algoqueapostoquevocêcompreende.”
Eraestranhoqueelejamaisrealmentetivessepensadodessamaneira.Nãoatéaquele momento... Ele estava tão focado em recuperar Falconwell, que jamaispensounoque faria comela, comoqueviria depois ou comquem viria depois.Para ele, não viria nada depois da recuperação de Falconwell. Nada além devingança.Porém, agorahavia algomais, alémdagrandiosa sombrada casa edeseupassado.Algoqueavingançairiamatar.Eleafastouopensamento.
“ConfessoquequandoLangfordofereceuFalconwellcomopartedaaposta,eusabia que você viria atrás dela. Fiquei feliz de ganhá-la, sabendo que isso oatrairia.”
Michaelouviuasatisfaçãopessoalnaquelaspalavras.“Porquê?”Needhamdeulevementedeombros.“EusempresoubequePenélopesecasariacomvocêoucomTommyAlles,e,
cá entre nós, eu sempre esperei que fosse você – não pelo motivo óbvio, dailegitimidadedeAlles,emborafosseumpoucoporisso.Eusempregosteidevocê,garoto.Semprepenseiquevocêvoltariadaescolaeestariaprontoparaassumirotítulo,asterraseaminhagarota.QuandoLangfordodepauperou,eeupreciseiiratrásdeLeighton,nãofoipoucaaminhairritação,precisolhedizer.”
Michael teria achado divertido o egoísmo da afirmação se não estivesse tãochocadopelaideiadequeNeedhamsempreohaviadesejadoparaPenélope.
“Porqueeu?”NeedhamolhouparaoTâmisa,pensandonapergunta.Finalmente,disse:“Vocêeraoquemaisseimportavacomasterras.”Eraverdade.Eleseimportavatantocomasterraseseusamigosque,quando
perdeutudo,nãotevecoragemdevoltarparaencará-los.Paraencará-la.Eagoraeratardedemaisparaconsertaresseserros.
“Isso”,Needhamcontinuou,“eofatodequeeradevocêqueelamaisgostava.”Uma faísca de excitação o percorreu com a verdade que havia naquelas
palavras.EleeraopreferidoPenélope...Até irembora,deixando-asozinhaesempoderconfiarnele.Eelatinharazãoemnãoconfiar.Elehaviadeixadoseuobjetivoclaro, e ao garantir a única coisa que mais desejava, ele a perderia. Ela era osacrifício que ele teria que fazer desde o princípio,mas que agora não eramaissacrifícionenhum... Issoeraesperado,éclaro–elehaviadestruído tudodevalorquejamaistinhapossuído.
“Issonãoimportaagora”,Needhamcontinuou,inconscientedacacofoniadospensamentos de Michael. “Você se saiu bem. O jornal desta manhã exaltou asvirtudes do seu casamento…Confesso que estou surpreso pelo esforço que estádedicandoàsuahistória–comendocastanhas,valsandonogeloepassandotardescomasminhasmeninaseoutrascoisas ridículas.Masvocêsesaiubem…eWestparece acreditar nisso. Os jornais juram que vocês vivem uma história de amor.
Castleton não teria pedido a mão de Pippa se nosso nome estivesse de algumaformamaculadoporumcasamentoescandaloso.”
Seria você quem deveria se opor ao noivado, não Castleton. Pippa estariamelhor com um homem que fossemetade lontra.Michael abriu a boca para dizerjustamenteisso,quandoNeedhamdisse:
“Dequalquermaneira,vocêosenganou.Avingançaésua,comoacordado.”Avingançaésua.Aspalavrasqueeleaguardouumadécadaparaouvir.“Estoucomacartanacasa,prontaparavocê.”“NãoqueresperarporOliviaestarprometidatambém?”Aperguntasaiuantes
que ele pudesse impedir… antes que pudesse considerar o fato de que estavalembrando o sogro de que sua parte no acordo não havia sido oficialmentecompletada.
Needhamlevantouorifle,apontandonadireçãodeumasebebaixanamargemdorio.
“Tottenhama convidoupara cavalgar hoje.Ogaroto será primeiro-ministroum dia. O futuro de Olivia parece brilhante.” Ele disparou, então olhou paraMichael. “E, além disso, você fez bem para as meninas. Eu mantenho minhaspromessas.”
Mas ele não havia feito bem para elas, havia? Philippa ia se casar com umimbecil,ePenélope…haviasecasadocomumcretino.Michaelenfiouasmãosnosbolsos,protegendo-asdovento,esevirouparaolharparaaimensaCasaDolby.
“Porquedá-laparamim?”“Eutenhocincofilhase,emboraelasmelevemabeber,sealgumacoisaviera
acontecer comigo, gostaria de saber que seu guardião – o homem indicado pormimpara isso – cuidaria delas como eu.”Needham se virou na direção da casa,seguindoaprópriatrilhadevolta.“Langfordignorouessecódigo.Elemerecetudooquevocêfizercomele.”
Michaeldeveriatersesentidotriunfante.Deveriatersentidoprazer.Afinal,elehaviaacabadodereceberaquiloquemaisdesejavanomundo.Emvezdisso,sentia-se vazio.Vazio, exceto por uma única e incontestável verdade.Ela o odiaria porisso.Masnãotantoquantoeleodiariaasimesmo.
Bilharestanoite.Umacarruagemapegaráàsonzeemeia.
Éloa
Opequeno cartão bege, estampado com umdelicado anjo feminino, chegoulogodepoisdoalmoço,entregueporWorthcomumsorrisosagaz.Penélopeabriuoenvelopecomasmãostrêmulaseleuapromessasombriaemisteriosanobilhete.A promessa de aventura. Levantou o olhar do convite com o rosto corado, e
perguntouàgovernanta:“Ondeestámeumarido?”“Esteveforaodiatodo,senhora.”Penélopelevantouopapel.“Eisto?”“Chegouhámenosdecincominutos.”Elaassentiu,considerandooconviteesuasimplicações.NãoviaMichaeldesde
odiaemquepatinaramnogeloediscutiram,e elahavia sedadocontadequeoamava.Eledeixouoquartodelanaquelanoiteenuncamaisvoltou–aindaqueelaoaguardasse, sabendo que não deveria esperar que ele decidisse abrirmão de suabusca por vingança e escolhesse uma vida com ela. Seria possível que o convitefosse dele?A ideia fez com que o fôlego ficasse preso em sua garganta. Talvezfosse.Talvezeleativesseescolhido.Talvezeleestivessedandoaelaumaaventurae,aambos,umanovachancenavida.Talveznão...Dequalquerforma,obilheteeraumatentaçãoàqualelanãopoderiaresistir–elaqueriasuachancedeaventura,debilhar,deumanoitenoAnjoCaído.Enãoiriamentir,queriaumachancedeveromarido novamente. O marido, a quem desejava mesmo sabendo que não faziasentido. Ela podia ter se comprometido a evitá-lo, a manter distância de suatentação,aprotegera simesmada formacomoelea fazia se sentir,maselanãoconseguiaresistir.Então,tudooquepôdefazerfoiesperarpelanoite,naescuridão,achegadadahoramarcada.Vestiu-secuidadosamente,desejandonão se importartantocomoqueelepoderiapensar,comoelepoderiavê-la,escolhendoumasedasalmão,completamenteinadequadaparaocomeçodefevereiro,masumacorquesempreconsiderouquefavoreciasuapeleclaraeadeixavacomaparênciamenossimplesemais…mais.
AcarruagemchegounaentradadeserviçodaMansãodoDiabo,e foiaSra.Worth quem a buscou, com os olhos iluminados por uma sagacidade que fezPenélopecorardeexpectativa.
“Precisará disso”, a governanta sussurrou ao lhe entregar uma máscarasimplesdesedapreta,adornadacomlaçosescarlates.
“Precisarei?”“Aproveitará sua noite muito mais se não estiver preocupada em ser
descoberta.”OcoraçãodePenélopedisparouquandoelaacariciouamáscara,adorandoa
sensaçãodaseda–eaemoçãoqueelacarregavaemsi.“Umamáscara”,sussurrou,maisparasimesmadoqueparaagovernanta.A
expectativaaumentou.“Obrigada.”Agovernantasorriu,silenciosaecúmplice.“Oprazerémeu.”Elafezumapausa,observandoPenélopelevaramáscaraaté
osolhos,amarrando-aatrásdacabeça,eajustandoasedanaalturadatesta.“Posso
dizer,senhora,oquantoestoufelizqueeleatenhaescolhido?”Era presunçoso e de forma alguma o tipo de coisa que governantas diziam,
masWorthnãoeraotipodegovernantaquesetinhanormalmente,então,Penélopesorriuedisse:
“Nãoestouseguradequeeleconcordariacomvocê.”Algoseacendeunosolhosdaoutra.“Acho que é só uma questão de tempo até ele concordar.”Worth acenou a
aprovação com a cabeça. Penélope saiu pela porta e entrou na carruagem que aesperava,comocoraçãonagarganta,antesqueelapudessesevirardecostas.Antesquepudesseparar...
AcarruagemnãoadeixounaentradaprincipaldoAnjoCaído,masemumaentradaestranhaenadaimpressionante,acessívelpelascavalariçasquepercorriamaslateraisdoprédio.Elasaiunaquaseescuridão,segurandoamãodococheiroqueaajudouadescereaacompanhouatéumaportadeaçoescurecida.Onervosismoaumentou.ElaestavamaisumaveznoclubedeMichael,destavezaconvite,noqueacreditava ser seu vestido mais bonito, para um jogo de bilhar. A emoção eraextraordinária.Ococheirobateunaportaparaelae seafastouquandoaporta seentreabriueumpardeolhos–pretoscomocarvão–apareceu.Nenhumsomsaiudetrásdaporta.
“Eu… eu recebi um convite. Para bilhar”, ela disse, levantando a mão paraconferir se sua máscara estava bem presa, detestando o movimento e o nó nagarganta,aformacomoseunervosismoadeixavazonza.
Houveumapausa,eaportasefechou,deixando-aparadasozinhanaescuridão,nomeio da noite, nos fundos de um cassino deLondres. Engoliu em seco.Bem,aquilo não estava acontecendo exatamente conforme o esperado. Ela bateunovamente.Aportaseentreabriuumavezmais.
“Meumaridoé…”Aportasefechou.“…seupatrão”, ela disse para a porta, como se ela pudesse se abrir sozinha
medianteaumapalavracerta.Einfelizmente,continuoubemfechada.Penélope puxou a Capa ao seu redor e olhou por cima do ombro para o
cocheiro atrás dela, voltando ao seu lugar. Felizmente, ele percebeu suasdificuldadesedisse:
“Normalmenteháumasenha,senhora.”Claro!Apalavraestranhanofinaldoconvite.Quemafinalprecisavadeuma
senha para fazer qualquer coisa? Parecia algo tirado de um romance gótico. Elalimpouagargantaeconfrontouaimensaportaumavezmais.Bateunovamente.Aportaentreabriucomumclique,ePenélopesorriuparaosolhosqueapareceram.Nenhumsinaldereconhecimento.
“Eutenhoumasenha!”,elaanuncioutriunfantemente.
Osolhosnãoseimpressionaram.“Éloa”,elasussurrou,semsabercomooprocessofuncionava.Aportafechoudenovo.Francamente?Elaesperou,virando-sedecostaspara
a carruagem e lançando um olhar nervoso para o cocheiro. Ele encolheu osombros,comosequerendodizer“nãofaçoamenorideia”.Equandoestavaprestesadesistir,elaouviuobarulhodeumafechaduraeoraspardemetalemmetal…eaimensaportaseabriu.Elanãoconseguiuconteraexcitação.Ohomemnoladodedentro era enorme, compele escura, olhos escuros e um semblante imutável quedeveria deixar Penélope nervosa; no entanto, ela estava empolgada demais. Elevestiacalçascurtaseumacamisaescura,cujacornãoconseguiudiferenciaràluzfraca,enãousavaumcasaco.Elapoderiaterconsideradoqueeleestavavestidodemodoinadequado,masrapidamentelembrouasimesmaquejamaishaviaentradoemum cassino através de uma portamisteriosa que exigia senha, assim, deduziuquesabiamuitopoucosobrea roupaadequadaparaumhomemnaquelasituação.Acenoucomopapelquehavialhesidoentreguemaiscedonaqueledia.
“Gostariadevermeuconvite?”“Não.”Eledeuumpassoparaoladoparadeixá-laentrar.“Ah”,eladisse, ligeiramentedecepcionada,aopassarporeleparaapequena
entrada, observando enquanto ele fechava a porta atrás de si com um barulhoassustador.Elenãoolhoupara ela.Emvezdisso, sentou-se emumbanquinhoaoladodaporta,pegouumlivrodeumaestantepróximaecomeçoualeràluzdeumcandeeirodeparede.
Penélope piscou diante da cena. Aparentemente, tratava-se de um homemletrado.Elaficoualiparadaporumlongotempo,semsaberaocertooquefazeraseguir.Elepareceunãoperceber.Ela limpouagarganta, elevirouumapágina, efinalmente,Penélopedisse:
“Perdão?”Elenãoergueuoolhar.“Sim?”“SouLady…”“Semnomes.”Penélopearregalouosolhos.“Perdão?”“Semnomesdestelado.”Eleviroumaisumapágina.“Eu…”Elaparou,semsaberaocertooquedizer.Estelado?“Muitobem,mas
eu…”“Semnomes.”Os dois continuaram em silêncio pormais um tempo até ela não conseguir
suportarmaisuminstantesequer.“Talvezpossamedizerseeudevoficaraquianoite toda?Se forocaso,eu
deveriatertrazidomeuprópriolivro.”Eleergueuoolhardiantedaquilo,eelagostoudeveraformacomoosolhos
negros se arregalaram ligeiramente, como se ela o tivesse surpreendido. Eleapontou para a outra ponta da entrada, onde mais uma porta se ocultava naescuridão.Elanãoatinhavistoantes.Seguiunaqueladireção.
“Obilharéporali?”Ele a observou cuidadosamente, como se ela fosse um espécime sendo
examinada.“Entreoutrascoisas,sim.”Elasorriu.“Excelente. Eu perguntaria seu nome para agradecer adequadamente, senhor,
mas…”Elevoltouaolivro.“Semnomes.”“Exato.”Ela abriu a porta, deixando entrar a luz vinda do corredor do outro lado.
Voltouaolharparaohomemestranho,impressionadacomoefeitodaluzdouradasobreapeleescuradele,edisse:
“Bem,obrigadamesmoassim.”Ele não respondeu, e ela entrou no corredor bastante iluminado, fechando a
portafirmementeatrásdesi,ficandosozinhanonovoespaço.Ocorredoreralargoecomprido, crescendoemambasasdireções.Velas acesas a cadapoucosmetrosbrilhavam contra a decoração dourada, deixando todo o espaço caloroso eiluminado. As paredes eram cobertas por um delicado tecido de seda estampadoescarlateeveludocordevinho,ePenélopenãoconseguiuresistiraestenderamãoparatocá-las,adorandoasensaçãodesuavidadeemseusdedos.
Umaexplosãode risada femininaveiodeumadaspontasdocorredor, e elaseguiu,porinstinto,naqueladireção,semsaberoqueiriaencontrar,massentindo-se estranhamente preparada para o que quer que viesse a seguir. Continuou pelocorredor,osdedosroçandoaparede,acompanhandoseumovimento,tocandoumaportadepoisdaoutra.Fezumapausadiantedeumaportaaberta,eolhouoambientevazio exceto por umamesa comprida, e ela entrou sempensar, para vermais deperto.
Haviaumtecidoverdegrossoestendidonamesa–várioscentímetrosabaixodaborda–,eopanomaciotinhabordadoemfiobrancoeumagradedenúmerosque percorria a largura e o comprimento. Penélope inclinou-se para examinar aconfusão de texto cuidadosamente trabalhado – a combinação misteriosa denúmeros,fraçõesepalavras.EstendeuamãoparapassarumdedoenluvadosobreapalavraSorte,sentindoumtremordeexcitaçãopercorrê-laaotraçarascurvasdoSeocírculodoO.
“Vocêdescobriuojogo.”Elaarfoudesurpresaevirounadireçãodavoz,comamãonagarganta,para
encontrarSr.Crossparadonaportadasala,ummeio-sorrisonorostobonito.Ficoutensa,sabendoquehaviasidoapanhada.
“Desculpe.Eunãosabiaaonde…Nãohavianinguémna…”Elaparoudefalar,decidindoqueosilêncioeraumaescolhamelhordoquecontinuarparecendoumaimbecil.
Eleriueseaproximou.“Não há necessidade de se desculpar. Você é membro agora e pode
movimentar-selivrementepeloclube.”Elainclinouacabeça.“Membro?”Elesorriu.“Estamosemumclube,minhasenhora.Afiliaçãoéobrigatória.”“Estou aqui apenas para jogar bilhar. ComMichael?” Ela não pretendia que
saíssecomoumapergunta.Crosssacudiuacabeça.“Comigo.”“Eu…”, ela parou, franzindo a testa.Não comMichael. “O convite não foi
dele.”Crosssorriu,masPenélopenãoficoureconfortada.“Não.”“Elenãoestáaqui?”Elanãooveriaalitambém?“Estáaqui,emalgumlugar.Masnãosabequevocêestáaqui.”A decepção tomou conta dela. Claro que ele não sabia. Ele não estava
interessado empassar as noites comela. Junto comesse pensamento, veio outro.Eleiaficarfurioso.
“Oconvitefoiseu.”Elemeneouacabeça.“FoidoAnjoCaído.”Elapensounaspalavras,enomistériodelas.OAnjoCaído.“Émaisdoqueumconvite,nãoé?”Crossergueuumombro.“Vocêsabeasenhaagora.Issoatornamembrodoclube.”Membro. A oferta era tentadora – acesso a um dos clubes mais famosos de
Londrese todaaaventuraqueelasempredesejou.Pensounaexcitaçãoquesentiucomoconviteparaobilhar,noencantamentoquesentiuquandoatravessouaportaque dava no corredor caloroso e brilhante daquele lugarmisterioso.Na emoçãoqueadominouaovera roletagirandoemsuaprimeiravisita.Epensavaquesuapróximavisita–naquelanoite–seriacomele,masestavaerrada.
Elenãoquerianadadela.Nãoassim.Elealembravadissotodasasvezesqueos dois fingiam sua história de amor. Todas as vezes em que ele a tocava paragarantir sua participação naquela farsa. Todas as vezes em que ele a deixava emcasa em vez de passar a noite com ela. Todas as vezes em que ele escolhia avingançaemvezdoamor.Afastouonódeemoçãoquesentianagarganta.Elenãolhedariaocasamento…Então,eladeveriapegaraaventuranolugar.Elajátinhaidolongedemaisnaquelecaminhoparapoderlhedarascostas,afinal.EncarouosilenciosoolharcinzentodeCrosserespiroufundo.
“Aobilhar,então.Pretendecumpriressapromessa?”Crosssorriueacenounadireçãodocorredor.“A sala debilhar é dooutro lado.”OcoraçãodePenélopedisparou. “Posso
pegarsuaCapa?Estáencantadora”,eledissequandoalãpretadeulugaraocetimsalmão–ovestidoque elahavia escolhidoparaumhomemdiferente, quenãooveriaeque,seovisse,nãodariaamenorimportânciaparasuaaparência.
Afastouopensamentoe cruzouoolhar amistosodeCross, sorrindoquandoelelheestendeuumarosabrancaeaentregoucomocauleviradoemsuadireção.
“Bem-vindaaoOutroLado”,eledisse,quandoelaaceitouobotão.“Vamos?”Ele indicouo corredor, ePenélope saiuna frente.Antesquepudesse abrir a
portadasaladebilhar,umaintensaconversaseaproximoudelespelocorredor.Elase virou, agradecida por seu disfarce simples, quando um grupo de mulheres,igualmentemascaradas, apressou-se na direção deles. Elas baixaram a cabeça aopassar, e Penélope foi dominada pela curiosidade. Eram igualmente parte daaristocracia? Eram mulheres como ela? Em busca de aventura? Seus maridostambém as ignoravam? Ela sacudiu a cabeça diante do pensamento errante eindesejável, antes que uma das mulheres de olhos azuis brilhando atrás de suamáscaracor-de-rosa,parassediantedeCross.
“Cross…”, ela disse com a voz relativamente arrastada, inclinando-se parafrenteparaproporcionarumavisãodeprimeiramãodeseudecote.“Soubequeasvezessente-sesolitárioànoite.”
OqueixodePenélopecaiu.Crosslevantouumasobrancelha.“Nãonestanoiteemparticular,querida.”AdamasevirouparaPenélope,olhandoparaarosaemsuamão.“Primeiranoite?Podesejuntaranós,sedesejar.”Penélopearregalouosolhosdiantedoconvite.“Obrigada,masnão.”Elafezumapausaeacrescentou:“Emboraeumesinta
bastante…lisonjeada.”Pareceuacoisacertaaserdita.Amulher inclinou a cabeça para trás e riu alto e sem hesitação, e Penélope
percebeu que não achava ter alguma vez ouvido uma risada sincera de qualquermulherquenãofossesuaparente.Quelugareraaquele?
“Vá em frente, querida”, Cross disse dando um sorriso encorajador. “As
beldadestêmumalutaaassistir,não?”Osorrisosetransformouemumacaretaperfeita,ePenéloperesistiuàtentação
derepetiraexpressão.Algumasmulheresfaziamoflerteparecertãoabsolutamentefácil.
“Éverdade.SoubequeTempleestáemexcelenteformaestanoite.Quemsabenãoficarásolitáriodepoisdaluta.”
“Quem sabe...”, Cross disse de uma forma que fez Penélope pensar que nãohaviaqualquerdúvidadequeTempleficariasolitáriodepoisdaluta.
Adamamascaradalevouumdedoaoslábios.“OuquemsabeBourne…”,eladisse,pensativamente.Penélope franziu a testa.Bourneabsolutamentenão. A simples ideia daquela
mulhercomseumaridofezPenélopequererarrancaramáscaradosolhosdelaelhedarumalutaassustadorapara testemunhardeperto.Abriuabocaparadizeraelaexatamente issoquandoCross interrompeu,parecendocompreenderadireçãoqueaconversaestavatomando.
“Duvido que Bourne estará disponível esta noite, querida. Vocês perderão ocomeçosenãoseapressarem.”
Issopareceufazerasoutrasmulheresseapressarem.“Quepena...Tenhoqueir.VereivocênoPandemônio?”Crossabaixouacabeçacomgraça.“Nãoperderiaisso.”Amulhersaiuapressadamente,ePenélopea ficouobservandoporumlongo
momentoantesdesevirarparaele.“OqueéoPandemônio?”“Nadacomquevocêprecisesepreocupar.”Elapensouempressioná-loemrelaçãoaoassuntoquandoelechegouàporta
da saladebilhar.Se aoutramulher estavaplanejandocomparecer àquele evento,Penélopetambémiriaquerer,aindaqueapenasparaencontraracoragemdedarumbastanaJezebel.NãoquePenélopefossemuitodiferente.Afinal,elaestavavestindoumamáscara,prestesaganharumaauladebilhardeumhomemquenãoera…
“Estava na hora de você aparecer.Não tenho tempo para você e suas damasestanoite.Eoquê,emnomedoscéus,estamosfazendojogandodestelado?Chasevaiarrancarasnossascabeçasse…”
…seumarido.Eleestavalindo,apoiadonamesadebilharemquestão,comotaconamão.Emuito,muitoirritado.Eleseendireitou.
“Penélope?”Eraofimdautilidadedamáscara.“Esteladofacilitaqueasenhorajogueconosco”,Crossdisse,visivelmentese
divertindo.Michaeldeudoispassosnadireçãodelesantesdeparar,ospunhoscerrados
nas laterais do corpo.O olhar dele cruzou como dela, verde-brilhante à luz dasvelas.
“Elanãovaijogar.”“Nãocreioquetenhaescolha”,eladisse,“umavezquetenhoumconvite.”Elepareceunãoseimportar.“Tireessamáscararidícula.”Crossfechouaporta,ePenélopelevantouamãopararetirá-la.Desmascarar-
se em frente ao marido pareceu mais difícil do que ficar nua diante de todo oParlamento.Aindaassim,endireitouosombroseretirouamáscara,olhando-odefrente.
“Eufuiconvidada,Michael”,eladisse,ouvindootomdefensivoemsuavoz.“Como?Crosslheofereceuumconvitequandoaacompanhouatéemcasano
meiodanoite?Oquemaiseleofereceuavocê?”“Bourne”,Crossdisse,aspalavrasrepletasdealertaaodarumpassoàfrente
parasedefender.Paradefendê-la...mas elanãoprecisavadadefesadele.Nãohavia feitonada
errado.“Não”,Penélopedisse, com firmezanavoz. “LordeBourne sabe exatamente
ondeestive, e comquem,durante todonossocurto edesastrosocasamento.”Deuum passo na direção deMichael, tornando-se mais corajosa com a ofensa. “Emcasa, sozinha. Em vez de estar aqui, onde a metade feminina de Londresaparentementedesejaterasenhaparaacamadele.”Elearregalouosolhos.
“Eugostariaquefosseembora,Michael”,elaacrescentou,atirandoamáscaraearosasobreamesadebilhar.“Sabe,venhoesperandoansiosamenteporestaauladebilharevocêestátornandomuitodifícilqueeuaaproveite.”
CapítuloDezoitoCaroM,Gostaria de ter a coragemde ir ao seu clube emeanunciar como sua velha
amiga,maséclaroquenãotenho.Noentanto,éprovavelmentemelhorassim,jáquenãoseiaocertodoquegostariamais:debateremvocêoudeabraçá-lo.
SemassinaturaCasaDolby,marçode1827
Cartanãoenviada
Ela o estava escorraçando.Aquela esposa suave e doce que ele achava que haviaconseguido, com o chapéu coberto de neve enquanto ela falava sobre seuspretendentespassados...Umflocoperdidoderretendoquaseimediatamentenapontadonarizenquantoelasorriaparaele,haviadesaparecido.Nolugardaquelamulherhavia uma amazona, parada no meio de seu clube, no coração do submundolondrino,jogandonaroletaenquantoacidadeaassistia,apostandoasegurançadeseusamigoseareputaçãodesuasirmãs,emarcandoaulasdebilharcomumdoshomensmaispoderososetemidosdacidade.
E agora ela estava na frente dele, cheia de coragem, sugerindo que ele adeixasse sozinha.Eledeveria fazer exatamente isso.Deveria dar as costas a ela efingir que os dois jamais haviam se casado, devolvendo-a a Surrey ou, melhor,despachando-apara oNorte, para viver seus recentes desejos escandalosos longedele.Ele tinhaFalconwell, as ferramentas para sua vingança, e estava na hora deexpulsá-ladavidadele.Masnãoqueriadesistirdela...Queriaatirá-laporcimadoombroelevá-laparaacama.Queinferno!Acamasequereranecessária.Elequeriaatirá-lanasmargensnevadasdoSerpentineounochãodasaladeestardopaidelaou nos assentos estreitos demais da carruagem dele e deixá-la nua, desprotegidaparasuasmãosesuaboca,eaqueledesejonãohaviamudado.Amesadebilhareraforteobastanteparasuportarosdois,eletinhacerteza.
“Não vou a lugar algum atéme dizer por que está aqui.” Ele grunhiu, semconfiar emsimesmoobastantepara se aproximar, incertode suaCapacidadedeficarpertodelasematacá-la,semlheexplicar,muitoclaramente,queaquelelugarnãoeraparaela.Queelanãoerabem-vindaali.
Queaquiloaarruinaria.Esseúltimopensamentoolevouaolimite.“Responda,Penélope.Porquevocêestáaqui?”Elaoencaroucomosolhosazuisfirmes.
“Eulhedisse...Estouaquiparajogarbilhar.”“ComCross.”“Bem,paraserjusta,eupenseiquepudessesercomvocê.”“O que a fez pensar isso?” Ele jamais a teria convidado para seu antro de
jogatina.“O convite me foi entregue pela Srta. Worth. Pensei que você o tivesse
enviado.”“Porqueeulheenviariaumconvite?”“Não sei. Talvez tivesse se dado conta de que estava errado e não quisesse
admitiremvozalta?”Crossdeuumarisadinhadeondeestava,pertodaporta,eMichaelpensouem
matá-lo.Masestavaocupadodemaistratandodaquestãocomsuadifícilesposa.“Pois pensou errado. Diga-me que contratou uma carruagem de aluguel
novamente.”“Não”,elarespondeu,“umacarruagemfoimeapanhar.”Elearregalouosolhos.“Umacarruagemdequem?”Elameneouacabeça,pensando.“Nãoseiaocerto.”Elesinceramentepensouquepodiaterenlouquecido.“Você aceitou transporte em uma carruagem estranha para a entrada dos
fundosdeumdosmaisfamososcassinosdeLondres…”“Quepertenceaomeumarido”,eladisse,comoseissofizessediferença.“Resposta errada, querida.” Ele deu um passo para trás, obrigando-se a se
apoiarnamesadebilhar.“Vocêveioatéaquiemumacarruagemestranha.”“Euacheiquevocêativesseenviado!”“Bem,eunãoenviei!”,elerugiu.“Bem,issonãoéculpaminha!”Os dois ficaram em silêncio, a resposta furiosa dela ecoando ao redor da
pequenasala,ambosrespirandoforteerápido.Elenãoiriadeixá-laganhar.“Comodiabosentrouaqui?”“Meuconvite incluíaumasenha”,eladisse,eeleouviuoprazeremsuavoz.
Elaestavaapreciandoasurpresadele.Penélope se aproximou, e ele se sentiu atraído pela forma como sua pele
cintilavaàluzdasvelas.Elerespiroufundo,dizendoasimesmoqueeraparaseralgotranquilizador,enãoporqueestavadesesperadoparasentirseuperfumesuave–comoodasvioletasquecresciamnoverãodeSurrey.
“Alguémaviuentrar?”“Ninguémalémdococheiroedohomemnaporta,quepegouasenha.”Aspalavrasnãooacalmaram.
“Vocênãodeviaestaraqui.”“Eunãotinhaescolha.”“Émesmo?Nãotinhaescolhaalémdedeixarnossacasaquenteeconfortável
no meio da noite e vir para o meu local de negócios – um lugar aonde euexpressamentelhedisseparanuncavir?Umlugarquenãoédemodoalgumotipodelugarondemulheresdoseutipodevemestar?”
Ela paralisou, os olhos azuis brilhando com algo que ele não conseguiureconhecer.
“Em primeiro lugar, não é nossa casa. É sua casa. Embora eu não consigaimaginarporquesequeratem,levandoemconsideraçãootempoquepassalá.Noentanto,certamentenãoéminhacasa.”
“Éclaroqueé.”Doqueelaestavafalando?Elepraticamentehaviaentregadoacasaaela.
“Não. Não é. Os criados respondem a você. A correspondência chega paravocê. Pelo amor de Deus, você nem sequer me deixa responder aos convitessociais!” Ele abriu a boca para responder, mas descobriu que não tinha defesa.“Éramosparaestarcasados,maseunãofaço ideiadecomoaquelacasafuncionaoude comovocê vive.Eunem sei qual é sua sobremesa preferida!”As palavrasestavamsaindomaisrápidasemaisfuriosasagora.
“Acheiquevocênãoquisesseumcasamentobaseadoemsobremesa”,eledisse.“Enãoquero!Pelomenos,nãoacheiquequisesse!Mascomonão seiquase
maisnadaaseurespeito,eumecontentariacomasobremesa!”“Pudimdefigo,querida”,eleironizou.“Vocêfezdeleomeupreferido.”Elaestreitouosolhosparaele.“Eudeveriaatirarumpudimdefigonasuacabeça.”Crosssegurouoriso,eMichaellembrou-sedequeelestinhamplateia.Olhou
paraosócio.“Fora.”“Não.Elemeconvidou.Deixe-oficar.”Crosslevantouumasobrancelha.“Édifícildizernãoaumadama,Bourne.”Eleiaassassinaraquelevarapauruivo.Eiagostar.“Oqueestá fazendo,convidandominhaesposaparasairdecasanomeioda
noite?”,perguntou,semconseguirdeixardedarumpassoameaçadornadireçãodovelhoamigo.
“Posso lhe garantir, Bourne, estou gostando tanto de ver sua esposa lhefazendocorreremcírculos,quegostariadetersidoeuaenviaroconvite.Masnãofui.”
“Como?”,Penélopeperguntou.“Vocênãomandouoconvite?Senãofoivocê,quemfoi?”
Bournesabiaaresposta.“Chase...”ChaseerainCapazdeseafastardasquestõesdosoutros.Penélopesevirouparaele.“QueméChase?”ComoBournenãodissenada,Crossrespondeu:“ChasefundouoAnjoCaído.Foiquemnosreuniunestasociedade.”Penélopesacudiuacabeça.“Porquemeconvidariaparaobilhar?”“Excelentepergunta.”Michaelvirou-separaCross.“Cross?”Crosscruzouosbraçoseseencostounaporta.“ParecequeChaseconsideraqueadamatemumcrédito.”Bourne levantou uma das sobrancelhas, mas não falou. Penélope sacudiu a
cabeça.“Impossível.Nósnuncanosencontramos.”MichaelestreitouosolhosparaCross,quesorriuedisse:“Infelizmente,Chase está sempre umpasso à nossa frente. Se eu fosse você,
simplesmenteaceitariaopagamento.”Penélopelevantouassobrancelhas.“Emvisitasaumcassino?”“Pareceseraoferta.”Elasorriu.“Seriaruderecusar.”“De fato, seria, senhora.” Cross riu, e Michael sentiu desprezo pela
familiaridadenotom.“ElaaceitaráconvitesdeChase,oudequalqueroutro,paraoAnjoCaído,por
cimadomeucadáver”,eleresmungou,eCrosspareceu,afinal,reconhecerqueeleestavafalandosério.“Saia.”
CrossolhouparaPenélope.“Estareialiforaseprecisardemim.”AspalavrasdeixaramBourneaindamaisfurioso.“Elanãoprecisarádevocê.”Eu darei tudo de que ela precisa. Ele não precisou dizer isso, uma vez que
Crossjáhaviasaído,ePenélopeestavafalando.“Suporteimuitascoisasdoshomensaolongodosanos,Michael.Sofriemum
noivado com um homem que não dava a mínima importância para mim e sepreocupavaapenascomminhareputação;umnoivadorompidoqueecoouatravésdesalõesdebaileporduastemporadascompletas,equandomeuex-noivosecasoucom o amor de sua vida e teve seu herdeiro, ninguém pareceu se importar comisso.”
Elamarcavaositenscomosdedosaofalar,indonadireçãodele.“Depoisdisso,vieramcincoanosdehomensmecortejandoporquemeviam
comonadaalémdeumdote–nãoqueevitaraquelescasamentostenhaservidodealgumacoisa,jáquepareçoteracabadoemumcasamentoquenãotemnadaavercomigoetudoavercomminhavinculaçãoaumpedaçodeterra.”
“EquantoaTommy,seumaisqueridoamor?”Osolhosdelaflamejaram.“Elenãoémeuamormaisquerido,evocêsabedisso.Elenãoeranemsequer
meunoivo.”Michaelnãoconseguiuesconderasurpresa.“Nãoera?”“Não.Eumentiparavocê.Fingiqueeleera,paravocêpararcomseusplanos
malucosdemeraptarparacasar.”“Nãofuncionou.”“Não,nãofuncionou.Edepoisdissoeunãoestavamuitoanimadaparadizera
verdade.”Ela parou e se recompôs. “Você era exatamente como todos os outros,então por que eu deveria? Pelomenos o noivado comLeighton envolveu algumaspectodaminhaprópriapersonalidade–aindaquetenhasidooaspectotediosoedecentedela.”
Michael conteve a língua enquanto ela avançava.Não havia nada tedioso oudecente naquela Penélope, parada em um cassino como se fosse a proprietária,absolutamente furiosa. Ela era vibrante e magnífica, e ele jamais iria desejarqualquer coisa no mundo da forma como a desejava naquele momento. Elacontinuou.
“Como não dá amenor importância aosmeus desejos, eu decidi assumir ocontroledemeusprópriosprazeres.Enquantoreceberconvitesparaaventuras,euosaceitarei.”
Não...semele,nãoaceitaria.Foiavezdeeleavançarsobreela,semsaberporondecomeçar,pressionando-anadireçãodamesadebilhar.
“Vocêsedácontadoquepoderialheaconteceremumlugarcomoeste?Vocêpoderiatersidoatacadaedeixadaparamorrer.”
“As pessoas são raramente atacadas e deixadas para morrer em Mayfair,Michael.”Eladeuumarisadinha.Umarisadadeverdade,eMichaelpensouemelemesmo estrangulá-la. “A menos que eu corresse o risco de ser atacada por seuporteiroletrado,creioqueestelugarébastanteseguro,francamente.”
“Comopodesaber?Vocênemsequersabeondeestá.”“EuseiqueestoudooutroladodoAnjoCaído.Foicomoohomemnaportase
referiuaesselugar.ComoCrosssereferiuaele.Comovocêsereferiuaele.”“Quesenhavocêrecebeu?”“Éloa.”
Ele inspirou fundo. Chase havia lhe dado carta branca no clube. Acesso aqualquer ambiente, a qualquer evento, a qualquer aventura que ela desejasse, semacompanhante.Semele.
“Oqueissosignifica?”,elaperguntou,quandopercebeuasurpresadele.“SignificaqueeuvouterumaconversacomChase.”“Querodizer,oqueÉloasignifica?”Eleestreitouoolhar,respondendoliteralmente.“Éonomedeumanjo.”Penélopeinclinouacabeça,pensando.“Nuncaouvifalarnele.”“Nãoteriacomoouvir.”“Eleeraumanjocaído?”“Elaera,sim.”Elehesitou,nãoquerendocontarahistória,masnãoconseguiu
parar.“Lúciferaenganouacairdoparaíso.”“Aenganoucomo?”Eleaencarou.“Elaseapaixonouporele.”Penélopearregalouosolhos.“Eleaamava?”Comoumviciadoamaseuvício.“Daúnicaformacomoelesabiaamar.”Sacudiuacabeça.“Comoelepôdeenganá-la?”“Elenuncalhedisseseunome.”Elaparouuminstante.“Semnomes...”“Nãodestelado,não.”“O que acontece deste lado?” Ela se encostou na mesa de bilhar, as mãos
apertandoasalmofadaslaterais.“Nadaemquevocêprecisesabia.”Elasorriu.“Vocênãopodeesconderissodemim,Michael.Soumembroagora.”Ele não queria que ela fosse. Não queria que ela fosse tocada por aquele
mundo.Moveu-selentamentenadireçãodela,semconseguirresistir.“Nãodeveriaser.”“Eseeuquiserser?”Eleestavapertodelaagora,pertoobastanteparatocá-la,parapassarosdedos
pelapeleclaraemaciadeseurosto.Quandoelelevantouamãoparafazerisso,elaseafastou,virando-sedecostas epassandoamãoenluvada sobreo tecidoverde.Não toque emmim. Suas palavras passaram sussurradas pelamente dele, e ele se
segurouparanãosegui-la.“Michael?”Seunomeotiroudeseudevaneio.“Oqueaconteceaqui?”Eleolhouemseusolhosazuis.“Esteéoladofemininodoclube.”“Hámulheresdooutroladotambém.”“Nãosãodamas.Aquelasmulheresentramcomhomens…ouvãoemboracom
eles.”“Querdizerquesãoamantes.”OsdedosdePenélopeencontraramumabolade
bilharbranca,eela ficougirando-apara frenteepara trásnamão.Michael ficouhipnotizadopelaformacomoamãodelasemovia,segurandoesoltando,rolandoeparando.
Elequeriaaquelamãonele.“Sim.”“Edestelado?”Ela estava exatamente na frente dele agora, ummetro e oitenta de ardósia e
feltroentreeles.“Destelado,hádamas.”Penélopearregalouosolhos.“Damasdeverdade?”Elenãoconseguiuevitarotomseconavoz.“Bem, não estou seguro do quanto elasmerecem o adjetivo,mas, sim. Elas
detêmostítulos,namaiorparte.”“Quantas são?” Ela estava fascinada. Ele não podia culpá-la. A ideia de que
qualquernúmerodemulheresaristocratas tivesseacessoaovícioeaopecadoemqualquerinstanteera,defato,escandalosa.
“Nãomuitas.Cem?”“Cem!?”Ela espalmou asmãos sobre amesa e se inclinoupara frente, e os
olhos dele foram atraídos pela protuberância dos seios subindo e descendorapidamentesobacosturadovestido.Otecidoestavaajustadocomumalongafitabranca,aspontasdesedaimplorandoparaseremdesatadas.“Comoissosemantémemsegredo?”
Elesorriu.“Eujálhedisse,querida,nósnegociamoscomsegredos.”Elasacudiuacabeçacomorostocheiodeadmiração.“Incrível!Eelasvêmaquiparajogar?”“Entreoutrascoisas...”“Quecoisas?”“Tudo o que homens fazem. Elas jogam, assistem a lutas, bebem com
extravagância,comemcomextravagância…”“Elasseencontramcomamantesaqui?”
Ele não gostou da pergunta,mas sabia que deveria responder. Talvez isso aassustasse.
“Àsvezes.”“Queexcitante!”“Nãotenhaideias.”“Sobreterumamante?”“Sobrequalquercoisa.VocênãodevefazerusodoAnjoCaído,Penélope.Não
é paramulheres com você.”E certamente não com um amante. A ideia de outrohomemtocandonelafezMichaelquererbateremalguém.
Elaoobservouemsilêncioduranteumlongotempoantesdesemexer,dandoavoltanamesa,emdireçãoaele.
“Vocêficadizendoisso.Mulherescomoeu.Oqueissoquerdizer?”Haviatantasmaneirasderesponderàpergunta–mulheresqueeraminocentes.
Mulheresquetinhamcomportamentosperfeitos,compassadosperfeitosecriaçõesperfeitas,evidasperfeitas.Mulheresqueeramperfeitas.
“Eunãoaquerotocadaporestavida.”“Porquenão?Éasuavidatambém.”“Issoédiferente.Estavidanãoéparavocê.”Nãoéboaobastanteparavocê.Elaparounocantodamesa,eeleviuamágoaemseusolhos.Sabiaqueela
estavaincomodadacomaspalavrasdele.Sabiatambémqueeramelhorparaosdoisqueelacontinuassemagoadaesemantivesselongedaquelelugar.
“Oquehádetãoerradocomigo?”,elasussurrou.Ele arregalou os olhos. Se ele tivesse tido um ano para pensar no que ela
poderia dizer naquela situação, jamais teria lhe ocorrido a ideia de que elaconsiderasse que sua proibição de ela ir aoAnjoCaído fosse por haver algo deerradocomela.Deus,nãohavianadadeerradocomela.Elaeraperfeita.Perfeitademaisparaaquilo.Perfeitademaisparaele.
“Penélope.”Eledeuumpassonadireçãodela,entãoparou,querendodizeracoisacerta.CommulheresdetodaaGrã-Bretanhaelesabiaoquedizer,masjamaispareciasaberoquedizerparaela.
Elasoltouaboladebilhar,deixando-arolarsobreamesa,paramandaroutraem uma nova direção. Quando a bola parou, Penélope olhou para ele, os olhosazuisbrilhandoàluzdasvelas.
“EseeunãofossePenélope,Michael?Eseasregrasestivessemvalendoaqui?Eserealmentenãohouvessenomes?”
“Serealmentenãohouvessenomes,vocêestariacorrendosérioperigo.”“Quetipodeperigo?”Otipodeperigoqueterminacomoutroanjocaído.“Issoéirrelevante.Hánomes.Vocêéminhaesposa.”
Osorrisodelaseabriuemumsorrisoamargo.“Não é irônico que, do outro lado daquela porta, cem esposas dos homens
maispoderososnaInglaterraestejamconseguindooquedesejam,comquemquerque desejem, e aqui eu não consigo nem sequer convencer meu marido a memostraroquepoderiaser?Meumarido,queédonodoclube.Queoadora.Porquenãodividi-locomigo?”Aspalavraseramsuavesetentadoras,enãohavianadaqueMichaeldesejassemaisdoquemostraraelacadacentímetrodesuavidadecadente.
Maspelaprimeiraveznavida,eleiriafazeracoisacerta.Então,eledisse:“Porque você merece coisa melhor.” Ela arregalou os olhos quando ele a
seguiupelasala,afastando-adamesa.“Vocêmerececoisamelhordoqueumasaladebilharemumcassino,doqueapostarnaroletacomumpunhadodehomensqueachaquevocêé,namelhordashipóteses,aamantedealguéme,napior,algomuitomenos lisonjeiro.Vocêmerececoisamelhordoqueum lugar emqueaqualquermomento pode começar uma briga, uma fortuna pode ser apostada, ou umainocênciapodeserperdida.Vocêmerecesermantidalongedestavidadepecadoevícios, onde o prazer e a devastação são vermelho e preto, dentro e fora. Vocêmerececoisamelhor”,elerepetiu.“Melhordoqueeu.”
Ele continuou se aproximando, vendo os olhos dela se arregalarem, o azulescurecerdemedooudenervosismooualgomais,masnãoconseguiuseconter.
“Nãohouveumaúnicacoisavaliosanaminhavidaqueeunãotenhaarruinadoao tocar, Penélope.E eume amaldiçoarei se permitir que aconteça omesmoquevocê.”
Sacudiuacabeça.“Vocênãovaimearruinar.Vocênãofariaisso.”Ele levouamãoao rostodela,deslizandoopolegarpelapele incrivelmente
macia, sabendoqueao fazer aquiloestava tornandomaisdifícil aindadeixá-la ir.Elesacudiuacabeça.
“Nãopercebe,SeisCents?Eujáfizisso.Eujátrouxevocêaqui, jáaexpusaestemundo.”
Elanegoucomacabeça.“Não!Euvimatéaquisozinha.Eufizestaescolha.”“Masnãoteriavindosenãofossepormim.Eapiorparteéque…”Ele parou, sem querer dizer mais alguma coisa, mas ela levantou a mão e
cobriuadele,segurando-aemseurosto.“Oqueé,Michael?Oqueéapiorparte?”Elefechouosolhosaotoque,àformacomoelaofaziaarder.Nãoeraparaser
dessejeito.Elanãodeveriaafetá-lodessamaneira.Elenãodeveriadesejá-latanto.Elenãodeveriasesentirtãoatraídoporaquelamulheraventureiraeexcitante,quehavia se transformado a partir da mulher com quem ele havia se casado. E noentanto, eracomose sentia.Elepressionoua testanadela, ansiandoporbeijá-la,
portocá-la,poratirá-lanochãoefazeramorcomela.“Apiorparteéque,seeunãomandá-ladevolta,vouquerermantê-laaqui.”Os olhos dela eram tão azuis, tão encantadores, emoldurados por cílios
espessosedourados,dacordotrigodooutono,eelepodiaverdesejodentrodeles.Ela o queria. A mão dela passou para o peito dele, parando ali por um longomomento,antesdedeslizaratésuanuca,osdedosseenroscandonoscabelosdelecom um toque lindo e insuportável. O tempo ficou mais lento enquanto elesaboreava a sensação dela contra ele, do calor dela nos seus braços, no perfumedela prendendo seuspensamentos, a noçãodeque ela eramacia e perfeita edelenaquelemomento.
“Evocêirámeodiarporisso.”Elefechouosolhosesussurrou:“Vocêmerececoisamelhor”.
Muitomelhordoqueeu.“Michael”,eladissebaixinho,“nãoháninguémmelhor.Nãoparamim.”Aspalavrasoinvadiram,eelainclinouacabeça,levantou-senapontadospés
edeuumbeijonoslábiosdele.Foiobeijomaisperfeitoqueelejamaisrecebeu,oslábiosdelafirmesnosdele,suaves,doceseabsolutamentefascinantes.Eleadesejoupordias, eelao reivindicoupara si comacarícia,pegandoo lábio inferiordelecomosseuseacariciando,uma,duasvezes,atéeleseabrirparaela,eelaroubouseufôlegocomahesitanteexploraçãodalíngua–umdeslizarsedosocontraadele.Eleatomouemseusbraços,puxando-aparabemperto,adorandoasensaçãodela,maciaondeeleeraduro,sedaondeeleeraaço.Quandoelafinalmenterecuoudobeijo,seus lábiosestavaminchadoserosados,eMichaelnãoconseguiudesviaroolhardeles,abrindo-sedocementeantesdesemovimentaremaoredordaspalavras.
“Eunãoqueroaprendersobrebilharestanoite,Michael.”Oolhardelepassoudoslábiosparaosolhosdela.“Não?”Elasacudiuacabeçadevagar,omovimentofuncionandocomoumapromessa
pecaminosa.“Prefiromuitomaisaprendersobrevocê.”Elaobeijounovamente,eelenãolhepôderesistir.Nãohaviaumhomemno
mundoquepoderia.Asmãosdeleestavamsobreela,puxando-aparamuitopertodesi. Ele estava perdido... Sua esposa estava diante dele como a encarnação datentação, pedindopara ele fazer amor comela – arriscando sua reputação e tudopeloqueelevinhatrabalhandoparamanter.Eeledescobriuquenãoseimportava.Ele esticou a mão para trás dela, puxando uma alavanca escondida e abrindo aparede para revelar uma escada que subia para uma intensa escuridão. Esticou amãoparaela,comapalmaviradaparacima,permitindoqueelatomasseadecisãodesubircomele.Nãoqueriajamaisqueelapensassequeahaviaforçadonaquelemomentoateraquelaexperiência.Naverdade,aimpressãoquetinhaerajustamente
ocontrário,comoseaquelaaventureiracorajosaoestivessechamando.Equandoelapôsamãosobreadelesemhesitação,semremorso,elefoidominadoporumdesejo rápidoequase insuportável.Eleapuxouparaele,beijando-a intensamenteantesdelevá-laparaaescadariaescura,fechandoaportaatrásdeles,mergulhando-osnaescuridão.
“Michael?”Elasussurrouonomedele,eosom,suaveemelodioso,foicomoumcantode
sereia.Elesevirouparaela,apertandosuamão,puxando-aparaoprimeirodegraucomele,sentindosuacintura,adorandoasensaçãodocorpodelasobsuasmãos,osquadris arredondados, o volume suave da sua pelve. A respiração de PenélopefalhouquandoMichaelalevantouatéodegraulogoacimadele.Oslábiosdosdoisestavamnamesmaaltura,eelelheroubouumbeijo,acariciando-aprofundamente,adorandoseusabor,umadrogadaqualelejamaisteriaosuficiente.Eleseafastou,apenasumpouco,eelasuspirou,osomdeseuprazerfazendo-odesejá-lamaisdoqueele jamais imaginoupossível.Ele tomousuabocanovamente,easmãosdelaforam para os cabelos dele, enroscando-se nos cachos, puxando-os, fazendo-odesejarqueosdoisestivessemnus,eelaestivesseguiandosuabocaparaondemaisa desejava. Ele grunhiu diante da fantasia e se afastou, segurando a mão dela edizendo:
“Nãoaqui.Nãonoescuro.Euquerovervocê.”Ela o beijou, pressionando os seios no peito dele, deixando-o sem fôlego,
deixando-odesesperadoporela,porsuapele,porseutoque,pelosgritinhosqueodeixavammaisdurodoquepedra.Quandoelaosoltoudacarícia intoxicante,eledescobriu que havia perdido a paciência. Ele a queria naquele instante,imediatamente,semhesitação.Então,levantou-aemseusbraçoseacarregouescadaacima,paraaluxúria,paraoprazer...
CapítuloDezenoveCaroM,Hoje,façovinteeseisanos.Vinteeseisanosesolteira–ficandomaisvelhaemurchaacadahora,apesar
doqueminhamãegostadedizer,emseusmomentosmaisalegres.Oito anos de temporadas, e nem um pretendente decente… um fraco registro
paraafilhamaisvelhadaCasadeNeedhameDolby.Estamanhã,duranteocafédamanhã,viadecepçãonoolhardetodos.
Mas, sabendo quais eram minhas opções, não consegui me ver concordandocomacensura.
Souumamáfilha,defato.Semassinatura
SolarNeedham,agostode1828
Cartanãoenviada
Aescadalevavaàsuítedossócios.Michaelacolocouempélogodepoisdaportasecreta que se abriu no topo da passagem, fechando-a bem atrás deles, antes deseguircomgraçaatéaportaprincipaldasala.Elaoacompanhoudeperto,ansiosapelo que veria a seguir, não querendo perder um instante daquilo. E dele... Elapensouqueelealevariaparaacama–poiscertamentenaqueleimensoclube,aondeos homens iam explorar a lascívia e o prazer, havia um lugar onde ele dormia.Onde ela poderia dormir com ele e fazer outras coisas, também, antes deprecisarem voltar à realidade e relembrar todos os motivos pelos quais ocasamentodelesestavaemruínas,esuasvidas,totalmenteerradas.
Quandoeletrancouaportaesevoltouparaela,Penélopeparalisounomeiodasala,iluminadapelaluzquentedeumtriodelareiraseagrandejaneladouradaquedavaparaosalãodoAnjoCaído.Entãoelasedeucontadoqueestavaacontecendo.Ele queria que eles… Ali. Ela recuou por instinto, e ele a acompanhou, lenta econstantemente,numapromessasuavecintilandoemseusolhos.
“Aondeestáindo?”,eleperguntou.Elaprendeua respiraçãoe respondeucomdificuldade,dandoumpassopara
trás.“Seremosdescobertos.”Elesacudiuacabeça.“Nãoseremosinterrompidos.”
“Comovocêsabe?”Elelevantouumasobrancelha.“Eusei...”Elaacreditounele.Penélopesentiuocoraçãobatendonasorelhasquandoelea
seguiu através da sala grande e escura, na direção da janela, com uma intençãoclara. Ele a possuiria e seria glorioso. Ela não estava recuando dele pornervosismo, preocupação ou vergonha. Ela estava recuando porque erainsuportavelmente excitante ser perseguida por ele. Ele era lindo e elegante, e semovia com uma determinação inexistente em homens inferiores. Era aquelaresoluçãoqueaatraíaaele,queo tornava tão tentador.AbuscadeMichaelpelascoisasquedesejavaeraimplacável.E,naquelemomento,eleadesejava...Penélopefoi dominada pela expectativa e paralisou. No instante seguinte, ele estava juntodela, estendendo-lhe a mão, envolvendo seu rosto e levantando-o para ele,Capturando seu olhar com tamanha atenção. Tamanho foco. Todo sobre ela. Elaestavasemar,consumidaporexcitaçãoepercepçãodoqueestavaporvir.
“Oqueestápensando?”Opolegardeletraçousualinhadomaxilar,deixandoumrastrodecalor.
“Aformacomovocêolhaparamim”,eladisse,semconseguirdesviaroolhardele.“Fazcomqueeumesinta…”Elaparoudefalar, insegurasobreoquedizer,eleseinclinouparalhedarumbeijonabasedopescoço,ondeopulsoacelerou.
Elelevantouacabeçamaisumavez.“Comofazvocêsesentir,amor?”“Fazcomqueeumesintapoderosa.”Elanãohaviasedadocontadaquiloatédizeraspalavras,eumladodabocade
Michaelselevantouemumpequenosorriso.Apontadosdedospercorriamapeledela,roçando-lheaclavículaeabordadovestidodeseda,fazendooprazerinundartodasuapele.
“Comoassim?”Elarespiroufundocomoprazerqueeleprovocava,comaformacomoseus
olhosacompanhavamocaminhodosdedosnapeledelaedisse:“Vocêmequer.”O castanho dos olhos dele ficoumais intenso, e sua voz se transformou em
fumaça.“Quero.”“Issomefazsentircomoseeupudesseterqualquercoisa.”Elepuxougentilmente o laçoquemantinhao corpete dovestido justo sobre
seus seios, soltando a fita e fazendo o tecido se soltar. O dedo dele mergulhouabaixodabordadotecido,provocando-a,incitando-a.
“Eulhedareiqualquercoisaquevocêquiser.Qualquercoisaquepedir.”Me ame. Não... Isso, ela sabia que ele não lhe daria. Mas antes que ela
conseguisse concluir o raciocínio, ele estava levantando suas mãos e lhedesabotoandoas luvas, tirando-aslentamente.Acaríciadeliciosadapelicanapelegarantia que ela jamais seriaCapaz de pensar novamente em calçar ou descalçaruma luva como qualquer coisa que não fosse um ato sexual. Ele deslizou amãoparadentrodocorpeteaberto,porbaixodotecidodacamisa,parasegurarumseioe tirá-lo de dentro da roupa. Ela arfou com a sensação e ele se inclinou paraCapturarosomcomumbeijo.
“Quero deitá-la na luz doAnjoCaído e fazer amor comvocê.”As palavrasforampontuadaspelacaríciaásperadopolegardelesobreummamilo,eoraspardosdentesemseupescoço.“Eachoquevocêquerissotambém.”
Elanãoconseguiudeixardeassentircomacabeçaoudeconfessar.“Quero.”Desdequesejacomvocê.Eleamoveu,virando-adefrenteparaaimensajaneladevitral.Elaolhoupara
osalãodoAnjoCaído,apinhadodegente,enquantoeletrabalhavaemseusbotões,soltando-osmetodicamente.
“Diga-me o que você vê”, ele sussurrou, os lábios pressionando, quentes esuaves,acurvadeseuombro.
“Há… homens… por todo lado.” Penélope arfou e segurou o tecido que sesoltavarapidamentejuntoaopeito.
Elealcançouseucorpeteetrabalhourapidamentenoscordões,liberando-adaprisão de barbatanas e tecido. Ela suspirou com a sensação, e as mãos dele aacariciaramporsobreacamisadealgodão,aliviandoapeleabaixodela.Umadesuasmãos se apoiouna janela para lhe dar firmeza diante da sensação, tão bem-vinda na pele aflita. Ele pareceu compreender o som e lambeu sua orelha,deslizandoasmãosporbaixodovestidoedocorpete,acariciando-aedeixandoumrastrodeprazer.
“Minha pobre querida”, ele sussurrou, as palavras soando como conhaquefino.“Vemsendonegligenciada.”
Eela sentiu comose isso fosseverdade.Foi comose suapele ansiassepelotoquedele.Pelobeijodele.Pelas longasecalorosascaríciasquea levavamaumprazerquasetorturante.
“Apenas homens?”, ele sussurrou, atraindo sua atenção novamente para osalão,atravésdosvidrosquedefiniamobelopescoçoamarradodeLúcifer.
As mãos dele deram a volta para segurar os seios dela sobre a camisa,levantando-osemoldando-oscomsuaspalmasquentes,antesdesegurarosbicosardentes entre os dedos e beliscá-los muito levemente, o bastante apenas paraprovocarumaondadeprazeremtodoseucorpo.Elaarfou.
“Responda-me,Penélope.”Elaseforçouafocar-senacenadiantedela.
“Não...Hámulheres.”“Eoqueelasestãofazendo?”Penélope focouemumamulherquevestiauma lindaseda,oscabelospretos
presosnotopodacabeça,comcachoscaindoaoseuredor.“Umadelasestásentadanocolodeumcavalheiro.”Elepressionoucontraela,então,balançandoosquadriscontraseutraseiro,e
Penélopedesejouqueelesnãoestivessemseparadosporcamadasemaiscamadasderoupas.
“Oquemais?”“Elaestácomosbraçosaoredordopescoçodele.”Ele segurou amão que a firmava contra a janela e a prendeu atrás dela, ao
redordeseupescoço,obtendomaioracessoàscurvasencantadoras.“E?”“Eelaestáfalandonoouvidodele.”“Guiando o jogo de cartas?” Os dedos dele a beliscaram novamente, e ela
arfou,fechandoosolhosesevirandodefrenteparaele.“Michael”,elasussurrou,desejandoqueeleabeijasse.“Adoroquandodizmeunome.VocêéaúnicaquemechamadeMichael”,ele
disse, antes de lhe dar o que ela queria, a língua a acariciando profunda esuavemente,atéelaestarsecontorcendonosbraçosdele,pressionandoosseiosemsuasmãosmágicas.
“Vocêdetestava...”,elaprotestou.“Vocêmevenceu.”Elesugousuavementeapelemaciadopescoçodela.“Fale
maissobreamulher.”Penélope se virou novamente para a janela, esforçando-se para encontrar o
focoumavezmais.Viuamulherseinclinarparafrente,permitindoqueoparceirotivesseumavistadiretaparadentrodeseucorpete.Elesorriu,aproximando-separalhedarumbeijonaclavículaantesdedeslizarumadasmãospelacoxaepelacaneladelaefinalmentedesaparecersobabainhadovestido.Penélopearqueouparatrás,contraMichael.
“Ah,eleaestátocando…”Osdedosdele ficarammais levescomaquelaspalavras, acaríciamal sendo
perceptível, suasuavidade fazendoPenélopedesejarqueambosestivessemnusnasalaescura.
“Tocandoonde?”“Embaixo das…” Ela fez uma pausa quando a mão de Michael desceu, na
direção do lugar onde ela mais ansiava por ele. Ela suspirou a palavra seguinteenquantoosdedosdeleencontravamseucerne,acariciandosuavemente.“…saias.”
“Assim?” Apesar dos tecidos das saias de Penélope, o joelho de Michaelencontrouocaminhoporentresuaspernas,abrindo-asmais,enquantodeslizavaa
mãoparaseucalor,movendoapalmacontraela.Acabeçadelacaiuparatrás,sobreoombrodele.“Nãosei.”“Oquevocêacha?”“Pelobemdela,esperoquesim”,elasussurrouenquantoeleaacariciava.Eleriu,umarisadabaixaerouca.“Eeu,porele.”Penélope fechou os olhos enquanto as mãos de Michael se moviam em
concerto; uma em seu seio, brincando, tentadora, e a outra entre suas pernas,acariciando-a commaestria.As carícias continuaramporváriosminutos antesdePenélope suspirar, deliciando-se na sensação dele contra ela, pressionando paratrás,para seencaixaromaisperfeitamentepossívelnele.Elebalançou juntocomela,sussurrandoemseuouvido.
“Se continuar com isso, querida, não conseguirá olhar para eles por muitomaistempo.”
“Eunãoqueromaisolharparaeles,Michael.”“Não?”Aperguntasaiucuriosanaalturadoombrodela,ondeosdentesdele
estavamraspandoapele.Elasacudiuacabeça,entortando-aparalhedarmelhoracesso.“Não”,elaconfessou.“Euqueroolharparavocê.”Osdedosdelefizeramalgo
maravilhosoentreascoxasdela,eelasuspirou.“Porfavor...”“Bem”,eledisse,eelaouviuosorrisoprovocadornaspalavras.“Comovocê
pediutãodireitinho…”Eleaviroudefrenteparaele,osolhosestremecendosobreo lugarondeela
aindaseguravaotecidodovestidosobreopeito.“Solte o vestido, Penélope”, ele ordenou, as palavras fluidas, e ela apertou
aindamais.“Ese…”“Ninguémpodevervocê.”“Mas…”Elesacudiuacabeça.“Você acredita mesmo que eu deixaria qualquer um vê-la, minha querida
gloriosa.Nãopodeimaginarqueeuosmatariaseeupermitisseisso?”Aspalavrasforamtãopossessivas,queelanãoconseguiuevitaroprazerque
provocaram.Ninguémjamaisahaviachamadodegloriosa.Ninguémjamaissequerpareceuminimamenteinteressadoempossuí-la.Mas,naquelemomento,Michaelaqueria. Ela o observou cuidadosamente por um longo tempo, adorando a formacomoseusolhosimploravamqueelasedespisseparaele,antesdesoltarotecido,deixando-ocairnochão,deixando-anua,excetopelasmeias,paraapenumbradoquarto…epara seumarido.Eleparalisou,percorrendo seu corpocomosolhos,
finalmentefixando-seemseurostoantesdedizer,demodoreverente:“Vocêéacoisamaislindaqueeujávi.”Eleestavaaseuspés,retirandoasbotaseascalçolas,deixando-aapenascom
asmeias.Eleacariciousuaspernassobasmeias,dedicandomais temponopontoondeasedaencontravaapele.Quandoelaarfoupelasensação,ele lambeuapeleali.
“Tenho uma queda por meias, querida. Suaves e sedosas, como a sua partemaismacia.”
Elacorou,semquereradmitirqueadoravaasensaçãodasmeiasemsuapele,sem querer dizer a ele que, desde a noite de núpcias, ela saboreava a carícia docetimemsuaspernasfingindoserotoquedele.
“Vejo que gosta delas também”, ele provocou, e ela sentiu a curva de seuslábiosemsuascoxas.
“Eu gosto de você...”, ela sussurrou, fixando uma das mãos na nuca deMichael,acariciandoseuscachosmacioscomosdedos.
Ele se levantou, deixando-a de meias, beijando-a, de maneira firme emaravilhosa.
“Vocêéfeitadecurvasperfeitasepelemacia”–umadasmãosaacariciouparacima,abrindoapalmasoboseio–“tãolindaevoluptuosa.”
Aspalavrasdeleestavamdestruindosuasanidade.Eramaindamaisdanosasdoqueseutoque.Elaarqueouocorponadireçãodele,nadireçãodeseubeijo,eeleadeixou sem fôlego, sem palavras e sem pensamentos, os lábios e a língua aacariciando, prometendo mais prazer do que ela poderia imaginar. Quando eleinterrompeu o beijo, ela suspirou, esquecendo de protestar e o observou recuar,tirarasroupasemmovimentosrápidoseágeis,eficardefrenteparaela.Aluzdocassinodooutroladodajanelaotransformavaemummosaicodecoresetexturas,aspernascompridaseosmúsculosfortes,quadrismagros,ombroslargose…Não.Elanãodeveriaestarolhandoparaaquilo.Nãoimportavaquequisesseolhar.Queestivesse incrivelmente curiosa. Apenas uma olhadela rápida. Minha nossa.Penélope ficou imediatamente tímida, movendo as mãos para cobrir a próprianudez.
“Nãopodemos…eunão…nãoeraissoqueeuestavaesperando.”Elesorriuentão,umrarosorrisopredador.“Vocêestánervosa?”Elasabiaquedeveriafingirnãoestar–eleprovavelmente jáhaviafeito isso
comumadúziadeoutrasmulheres.Maselaestavanervosa.“Umpouco.”Ele a levantou, levando-a até uma chaise baixa em um lado do quarto,
colocando-aemseucoloparaumbeijolongoeintensoquelheroubouofôlego,easinibições.Elalambeuolábioinferiordele,sugando-ogentilmente,eelerecuou,
respirandoforte.Penélopearregalouosolhos.“Sintomuito…olábio.OssocosdeTempletêmatendênciadepermanecer.”Ela recuou, levantando amão para acariciar os cabelos dele e examinar seu
rostoembuscadeoutrosferimentos.“Nãodeveriadeixá-lobateremvocê”,elasussurrou,dandoumbeijosuaveao
ladodoferimento.“Eraaúnicamaneiradeparardepensarnofatodequeeunãopodia irpara
casa e levá-la para a cama.”Ele passou amão pelo braço dela, em uma longa edeliciosa carícia. “Você me apavora.” Os lábios dele se abriram em um sorrisotriste,enquantoseusdedosacariciavameprovocavamapeledopulso,docotoveloedoombrodela.
“Comoissoépossível?”“Eunãoconsigoficarcompequenasprovasdevocê,querida.Consigoapenas
me empanturrar de você. Você é irresistível.” Ele deu um beijo em seu ombro,estendendoa línguapara lambersuapele.“Vocêécomoochocalhodosdados,oembaralhardascartas...Vocêmeatraiatéeuficarmalucodedesejo.”Aspalavrassaíram comoum sussurro na base do pescoço dela. “Eu poderia facilmente ficarviciadoemvocê.”
Aspalavrasfizeramocoraçãodeladisparar.“Eissoéruim?”Eleriu,arisadavibrandocontraabarrigaeosseiosdela.“Paramim,sim.Muito,muitoruim.”Eleabeijou,longaelentamente.“Epara
vocêtambém.Vocêmepediuparanãotocá-laeeuqueriarespeitarseudesejo.”Sóqueaquelenãoeraodesejodela.Nãodeverdade.Elasemprequisqueelea
tocasse, mesmo quando dizia o contrário. Ela sempre o havia desejado, mesmoquandodisseasimesmoocontrário.Eleerasuafraqueza.Eleasalvoudeprecisarfalar ao tocá-la, os dedos brincando em um dos seios até ela suspirar com asensação,deslizandoasmãospeloscabelosdele.Ela recuoueoencarouemseuslindosolhosescuros.
“Michael”,elasussurrou.Elenãodesviouosolhosdosdelaquandoalevantoucomoseelanãopesassenada,passandoamãoporumadascoxas,estimulando-aaabriraspernas.
Asimplesideiadissoeraumescândalo.Umsonho.Elahesitouporapenasumafraçãodesegundoantesdeseguiras instruçõessilenciosas,montandonele.Haviaorgulhoeprazeremsuavozquandoeledisse:
“Minhabelaaventureira…”Elasabiaqueeraumexagero.Elanãoerabela.Mas,naquelanoite,elaestava
sesentindolinda,enemsequercogitouignoraropedido.Anovaposiçãolhedeuacessoa todoele,aosombros largose firmes,aopeitoamploquesubiaedesciacomarespiração,eelanãopôdedeixardeespalmarasmãossobreaquelehomem
lindo emaravilhoso que era seumarido. Ele gemeu de prazer ao toque dela e alevantouatéosseiosestaremnaalturadesuaboca,eelesoprarosmamilosemumfluxo longo e constante. Ela acompanhou o olhar dele, tão atento sobre ela,observando seus mamilos enrijecerem – primeiro um, depois o outro –insuportavelmenteduroseexcitados.Penélopequeriasuabocanela.
“Toqueemmim”,elasussurrou.Ele já estava lá, lambendo e sugando até ela achar que poderiamorrer com
aquele prazer lascivo e maravilhoso. As mãos dela percorriam os cabelos dele,segurando-o perto de si, até ele recuar e levar a boca até o outro seio,negligenciado, lambendo-o em carícias longas e deliciosas, antes de fechar oslábios ao seu redor e lhe dar exatamente o que ela queria. Ela se contorceu nosbraçosdele,noritmodasucçãodeseus lábios,das lambidasda língua,doraspardosdentes.Céus...Elelhedavaprazercomoummestre,comarteehabilidadeeelanãoqueriaqueaquiloterminassejamais.Elerecuou,afinal,levantando-amaisalto,paramaispertodele,dandoumbeijoquentenapelemaciade seu torso,antesdeabaixá-laeCapturarsuabocaumavezmais.Os joelhosdele levantaramembaixodela, segurando-a firme contra seu peito e enfiando os dedos pelos cabelos dela,fazendo grampos saírem voando por todo lado e se espalharem no chão doambienteluxuoso.AbocadeMichaelfoiparaopescoçodela,ondelambeuapeledelicada acima do ponto da pulsação, e Penélope suspirou o nome dele uma vezmais,sentindo-seembriagadadeprazer.Prazerqueelanãosabiaqueexistiaantesdeleequeelajamaisteriaconhecidosenãofosseporele.
“Michael...”Ele sorriu, satisfeito consigo mesmo, um sorriso absolutamente masculino,
fazendoamãoqueestavanascostasdeladeslizarporentreeles.Elavoltouoolharpara aquela mão lasciva e gatuna, hipnotizada por seu movimento, e então seusdedosestavam roçandonela, emseucerne,muito levemente, comose tivesseumtempoinfinitoparaexplorá-la.Elajamaisquistantoalgonavida.Osdedosdeleseagitaram contra ela, e Penélope se contorceu contra ele, com uma das mãosdescendopelotorsoparatentarchegar,hesitante,àpartedelesobreaqualelaestavatãocuriosa.Eleinspiroufundoquandoamãodelatocouemseuaçofervendo.
“Penélope…”Apalavraseperdeuemumgemido.Elaqueriatocá-lo,aprendê-lo,daraeletodooprazerqueeleestavadandoa
ela.“Mostre-mecomo.Meensine.”Osolhosdeleestavamencobertosdeprazer,eeleusouaoutramãoparaguiá-
la, mostrando-lhe exatamente como tocar, como acariciar. Quando ele gemeu,longaeencantadoramente,elaseinclinouparafrenteedeuumbeijosuavenorostodele,sussurrandocontrasuapele:
“Istoémuitomaisinteressantedoquebilhar.”
Eledeuumarisadarouca.“Nãopossoconcordarmais.”“Vocêétãomacio”,eladisse,acariciandosuaextensão,maravilhando-secom
asensaçãodele.“Tãoduro.”MichaelfechouosolhosenquantoPenélopeotocava.Ela observava seu rosto, apreciando o efeito do prazer em sua expressão. Elaesfregou o polegar com firmeza na ponta, e ele arfou, abrindo ligeiramente osolhos.
“Façaissodenovo.”Ela fez, e ele a puxou em sua direção para beijá-la longa e profundamente
enquanto ela continuava sua exploração, amão dele em cima da sua,mostrandocomoeladeviasemover,ondepermanecer,quantapressãoexercer.Michaeljogouacabeçaparatrásesuarespiraçãoficourápidaesuperficial.
“Assimestábem?”Elegemeucomapergunta.“Estáperfeito.Nãoqueroqueparenunca.”Elanãoestavainteressadaemparar.
Adorava vê-lo sentindo prazer. Finalmente, ele a afastou com um movimentorápido.“Espere...Deixeeuestardentrodevocênovamente.”Aspalavrasafizeramcorar,eeleriu,baixoeencantador.“Ofatodequeeuqueroestardentrodevocêaencabula,minhalinda?”
Sacudiuacabeça.“Ofatodequeeuquerovocêdentrodemimmeencabula.Damasnãopensam
essetipodecoisa.”Eleabeijouavidamente.“Eu não quero que você jamais silencie seus pensamentos lascivos. Na
verdade,queroouvircadaumdeles.Querotornartodosrealidade.”Osdedosdeleestavamsemovendofirmemente,fazendocoisasmaravilhosas
entreascoxasdela,eelaestavaarfando.“Michael...Maisdisso.”“Maisoquê,minhalinda?”Aspontasdosdedosdeledeslizaramsobreolugar
ondeelaoqueria,maisumaprovocaçãodoqueumtoque.“Maisaqui?”Ela arfou coma sensação, e ele se afastou antesque ela repetisse seunome,
ouvindoasúplicaemsuavoz.“Ou quem sabe mais aqui?” Um dedo longo deslizou profundamente para
dentro,eelagemeucomasensação.“Emtudo...”“Que mulher tão gulosa com quem me casei.” Ele provocou, beijando-a,
lambendoprofundamente,segurando-afirmeenquantoexploravasuaboca,otempotodocomosdedospercorrendocírculosmaliciosos.Elelevantouumasobrancelhae um segundo dedo se juntou ao primeiro, em um deslizar lento e demorado deprazer.
“Aqui?”“Sim”,elaarfou.Eleestavaperto.“Aqui?”Elesemexeu.Paramaisperto...Elamordeuolábioefechouosolhos.“Sim...”“Aqui?”Tão. Perto... Ela se manteve perfeitamente imóvel, não querendo que ele
parasse.“Adorotocá-laaqui,Penélope”,elesussurrou,enquantosuamãomaliciosaa
explorava. “Adorodescobrir a sua forma, a sua sensação, o quanto ficamolhadapormim.”Osdedosacariciaramumavezmais,ossussurroscontínuos.Eletorceuamão, fazendo um círculo simples, ameaçando aquele lugarmaravilhoso. “Adoroexplorá-la.”
“Encontre…”,elasussurrou,semconseguirficaremsilêncio.“Encontraroquê,amor?”Elefingiainocência.Ummentirosoperverso.Elaoencarou,sentindo-sepoderosa.“Vocêsabeoquê.”“Vamosencontrarjuntos.”Aquilo era demais. Ela pôs a mão entre a dele, agarrando-a, afinal,
empurrando-ocontraela.Elaseinclinousobreele,encontrandoseusolhos,vendoo prazer intenso nele, a necessidade firmemente controlada. Os dedos deledeslizaramatravésdoscachosmaciosdela,abrindosuasdobrassecretas,girando,circundando,guiadospelamãodelaemseupulso.Opolegaraacariciou longaelentamente em um arco lascivo que a fez questionar a própria sanidade. Ele aobservoulutarcontraopesodoprazer,provocando-atantocomaspalavrasquantocomosdedos.
“Aí,amor?Éaíqueébom?”Ela estava perdida nas palavras maliciosas e estimulantes e nos dedos
maliciosos e estimulantes, e sussurrou sua resposta,movimentando-se contra ele.Então Michael começou a tocá-la exatamente como ela queria, em círculosperfeitos, acariciando-a com a quantidade perfeita de pressão. Era como se eleconhecesseseucorpomelhordoqueelamesma.Eracomoseseucorpopertencesseaele.Etalvezpertencessemesmo.Comumdos lindosdedos longosaindadentrodela,eapalmadamãopressionandoumpontodeprazeragudo,quaseinsuportável,ela gritou o nome dele, balançando contra seu toque, sabendo que algo incrívelestavaprestesaacontecer.
“Michael”,elasussurrou,querendomais.Querendotudo.Estavacheiadedesejoecobiçaequeriaqueelenuncamaisparassede tocar
naquelasuapartemaissecreta.Apartequeagorapertenciaaele.“Esperepormim”,elesussurrou,abrindosuaspernas.Eleficoumaispróximo
dela, tirando os dedos e os substituindo pela ponta larga e macia e, enquantopressionava Penélope contra si, deu um longo suspiro em seu ouvido, antes desussurrar: “Por Deus, Penélope… Você é como o fogo. Como o sol. E eu nãoconsigodeixardedesejá-la.Queroficardentrodevocêenuncamaissair.Vocêémeunovovício,amor…maisperigosodoquequalqueroutroqueeujátive.”
Eledeslizouprofundamenteparadentrodela, rangendoosdentesquandosuaponta se encaixou na entrada dela, onde ela se sentia tão vazia… onde precisavadele. Ela se aproximou dele, adorando a sensação de seu corpo contra o dela,querendo-omaisfundo.Eleparalisou.
“Penélope.”Elaabriuosolhos,encontrandooolharescuroesériodele.Eleseinclinouetomouseuslábiosemumbeijolongo,lentoecheiodepromessas.“Sintotantoquetenhasesentidodesonrada,amor…nestemomento,nãohánadaemvocêqueeunãoconsidereabsolutamenteprecioso.Saibadisso.”
As palavras impressionantes e repletas de verdade encheram os olhos dePenélopedelágrimas.Elaassentiucomacabeça.
“Estábem.”Elenãodesviouoolhar.“Você vê?Vê o quanto eu a valorizo? Sente isso?” Ela assentiu novamente,
derramandouma lágrima,que roloupelo seu rosto e caiu sobre apelemaciadoombrodele.Umadasmãosdele subiuaté abochechadela, eopolegar limpouatrilhasalgada.“Euaadoro”,elesussurrou.“Queriaserohomemquevocêmerece.”
Elalevantouaprópriamãoparaseguraradelejuntoaoseurosto.“Michael…vocêpodeseressehomem.”Elefechouosolhosdiantedoqueeladisse,puxando-aemdireçãoaelepara
umbeijoprofundoecomovente,antesdepôramãoentreosdoisparaprocurareencontrar aquele lugar maravilhoso onde o prazer parecia estar se acumulandodentrodela.Eleaacariciouecircundouporlongosminutos,ininterruptamenteemumritmoperfeito,quaseinsuportável,atéelaestarempurrandoasimesmacontraele,sentindoopróprioprazeraumentar.Eleparouantesqueelachegasseaolimite,deixando-avoltarparaaterraantesdepenetrarmaisumavezehesitarnovamente.Elagritoudefrustração.
“Michael…”Elebeijoualateraldopescoçodelaesussurrouemseuouvido:“Mais uma vez.Mais uma vez e eu deixarei que o pegue. Deixarei que me
pegue.”Dessavez,quandoelachegouaolimite,quandoestavaprestesaultrapassá-lo,
ele deslizou para dentro dela em um golpe longo e suave, expandindo-a.Preenchendo-a, gloriosamente. E ela se perdeu, caindo no precipício, segura nosbraçosdeleenquantoosdoisbalançavamjuntoseelagritavaonomedeleepediapormais,eeledavamaisaelasemparar,atéelanãoconseguirmaisrespirarou
falarenãoconseguir fazernadaalémdeatirar-senosbraçosdele.Eleasegurouporumaeternidade,acariciando-lheascostas,comummovimentosuave,generosoepaciente.Elajamaisdeixariadeamá-lo.Nãopeloimensoprazerqueelehavialhedado, mas pela suavidade quase insuportável que lhe oferecia agora. Pela formacomqueaacariciavagentilmenteesussurravaonomedelacomosetivessetodootempodomundo,enquantopermanecianofundodela,duroeinsatisfeito.Elehaviaesperadoqueelasentisseseuprazer,querendogarantirquetivesseodelaprimeiro.Michaelhaviafeitomuitoesforçoparaesconderesseseulado,masaliestava,todoo carinho. Ela amava aquilo. O amava. E ele jamais aceitaria isso. Penélopeparalisouaopensar isso, levantandoacabeça,commedodeencará-lonosolhos,preocupada que ele pudesse ler seus pensamentos.Asmãos dele se apertaram aoredordela.
“Eu machuquei você?” A pergunta saiu rouca, como se ele não pudessesuportaraideia.
Elasacudiuacabeça.“Não…”Elesemexeuembaixodela,tentandosairdeseucorpo.“Penélope…deixe-me…eunãoqueromachucarvocê.”“Michael...”Eentão,porqueelaestavacommedodemaisdefalar–commedodemaisque,
caso se permitisse falar, pudesse dizer algo que ele não queria escutar –, ela sebalançoucontraele,levantando-seapenasumpoucoeafundandonovamentesobreele, adorando a forma como sua cabeça caiu para trás, os olhos semiabertos, osdentes cerrados, o pescoço marcado pelo controle absoluto. Ela repetiu omovimento,esussurrou:
“Toqueemmim.”Com essas palavras, ele abandonou o controle e, finalmente, se mexeu. Ela
suspirou com o movimento, e ele a acariciou linda e profundamente, com todoprazereperfeição.Osdoissemexeramjuntos,asmãosdeleemseusquadris,suasmãosnosombrosdele,eelasecolocouacimadele.
“Mais…”,elasussurrou,sabendo,dealgumaforma,inquestionavelmente,queeletinhamaisadar.
Eelelhedeuemestocadasmaislongasemaisprofundas.“Linda Penélope… tão quente, macia e gloriosa”, ele sussurrou no ouvido
dela.“Quandoavidesmoronaremmeusbraços,acheiquepoderiamorrercomoprazerdaquilo.Vocêélindaemêxtase.Querolevá-laatéládenovo…edenovo…e de novo.” As palavras dele foram pontuadas pelas estocadas, pelas mãosacariciando-lheascostas,osombros,descendoparaenvolverseutraseiroeguiá-la,lindamente,sobreele.
“Michael,eu…”Eentãoasmãosdeleestavamsobreela,entreeles,eeleestava
tão fundo, que ela não conseguiu concluir a frase… porque aquela sensaçãoestranhaeimpressionantedeprazerhaviavoltado,agigantando-sediantedela,eelanuncaquistantoalgocomoqueriaalcançá-la.
“Diga”, ele sussurrou asperamente, estocando commais força,mais rápido,dandoaelatudooqueelanãosabiaquequeriaequeprecisava.
Euamovocê.Dealgumaforma,elainterrompeuasimesmaquandooprazeradominounovamente.Eleultrapassouo limitecomela,gritandoseunomenasalaescura.
CapítuloVinteCaroM,Estou meio reflexiva – passaram-se seis anos desde “O desastre Leighton”,
comomeupaigostadesereferiraocaso,eeurejeiteitrêspedidosdecasamento–ummenosatraentedoqueooutro.
Todavia, minha mãe continua a perturbar-me com lojas de modistas e chásfemininos,comosepudessedealgumaformaapagaropassadocomalgunsmetrosdesedaouumaromadebergamota.Issonãopodeprosseguirparasempre,pode?
Pior, eu continuo escrevendo cartas para um espectro e imaginando que, umdia,possamchegarrespostaspelocorreio.
SemassinaturaCasaDolby,novembrode1829
Cartanãoenviada
“Pudimdegroselha.”Penélope não levantou a cabeça de onde estava, no ombro de Michael, os
cabelosloirosespalhadosaoredordeles.“Perdão?”Eledeslizouamãoquenteaolongodacolunadela,provocandoumarrepiode
prazeremtodoseucorpo.“Tão educada.” Ele se inclinou sobre a beirada da chaise, sem querer se
desenroscar de Penélope ainda, mas sabendo que ela sentiria frio se não fizessealgumacoisa.Pegouopaletódeondeohaviadeixadoemumapilhanochão,napressadechegaràesposa,epuxoualãazul-marinhoporcimadosdois.
Elaseaninhoucontraeleembaixodocasaco,eeleinspirouaosenti-la,maciaesedosacontraele.
“Pudimdegroselha”,elerepetiu.“Nãoéumaformamuitogentildesereferiràsuaesposa”,Penélopedissecom
um sorrisinho, sem sequer abrir os olhos. “Embora depois do que acabamos defazer,possoestarmesmoparecendoumpudimdegroselhaparavocê.”
Foialgo incrivelmentebobo,eMichaelnãoconseguiucontero riso.Quantotempofaziaqueelenãoriadealgotãobobo?Umavidainteira.
“Engraçadinha”, ele disse, apertando os braços ao redor dela. “Pudim degroselhaéaminhasobremesapreferida.”
Ela ficou imóvel, parando demexer nos pelos do peito dele com os dedos.
Michael segurou sua mão e levou os dedos dela aos lábios, beijando-osrapidamente.
“Gostodepudimdeframboesatambém.Ederuibarbo.”Elalevantouacabeça,procurandoseusolhoscomosolhosazuis,comoseele
tivesseacabadodefazerumaconfissãoimpressionante.“Pudimdegroselha...”Elecomeçouasesentirmeioidiota.Elanãoseimportavarealmentecomsua
sobremesapreferida.“Sim.”Ela deu um sorriso largo e deslumbrante, e ele parou de se achar idiota,
sentindo-secomoumrei.Eladeitouacabeçanopeitodeleumavezmais,osseiossubindoedescendoemumritmotentador.
Entãoeladissesimplesmente:“Eugostodemelado.”Eelequisfazeramorcomelaoutravez.Como era possível que uma conversa sobre sobremesa pudesse ser tão
afrodisíaca? A mão dele desceu pelas costas dela novamente, acompanhando acurva de seu traseiro arredondado, puxando-a contra si, adorando a sensação.Beijousuatêmpora.
“Eume lembro disso.”Ele não se lembrava até o instante emque ela falou,quando lhe veio claramente a imagem da jovem Penélope na cozinha dosFalconwell, com rosto redondo coberto demelado. Ele sorriu para a lembrança.“Vocêcostumavaconvenceranossacozinheiraadeixá-lalamberatigela.”
Elavirouorostoparaopeitodele,encabulada.“Nãopedia,não.”“Pedia,sim.”Ela sacudiu a cabeça,os cabelos sedosos seprendendona asperezadabarba
porfazer.“Ascolheres,talvez,masnuncaatigela.Damasnãolambemtigelas.”Eledeugargalhadadiantedacorreção,surpreendendoaambos.Erabomestar
deitadoali,rindocomela,sentindo-semelhordoquesesentiahaviamuito,muitotempo.Mesmo que soubesse que aquele momento era tudo o que eles tinham, oúltimomomento tranquilo antes de tudo se perder, e ele arruinar a pequena boavontade que ela tinha em relação a ele. Ele passou o outro braço ao redor dela,segurando-aapertadojuntoasi,enquantoopensamentoecoavaemsuamente.Porora,elaeradele.
“Parecequesuaaventurafoiumsucesso.”Elalevantouacabeça,apoiandooqueixonaspalmasdasmãoseolhandopara
ele,osolhosazuiscintilandodeprovocação.“Estouesperandoansiosamentepelapróxima.”Michaeldeslizouamãoporumacoxa,brincandocomapartedecimadameia
deseda.“Porquetenhomedodeperguntar?”“Querojogardados.”EleimaginouPenélopebeijandoosdadosdemarfimantesdeatirá-lossobreo
viçosotecidoverdeemumadassalasláembaixo.“Vocêsabequejogosdedadosninguémganha.”Penélopesorriu.“Dizemissosobrearoletatambém.”Elesorriuparaela.“Éverdade.Vocêsimplesmentetevesorte.”“Númerovinteetrês.”“Infelizmente,osdadossósomamatédoze.”Elaencolheuosombroslevemente,comocasacodeleescorregandopelapele
pálidaeperfeitadeseuombro.“Ireiperseverar.”Eleinclinouacabeçaparafrente,paradarumbeijonapelenua.“Vamos ver sobre os dados. Ainda estou me recuperando da aventura desta
noite,suaraposa.Eamanhãvocêse lembraráde todososmotivospelosquaisnãomequerpor
perto. Ela fechou os olhos e suspirou, relembrando o prazer, e o som o fez seremexer embaixo dela para esconder o desejo aumentando. Ele a desejavanovamente,masiriasecontrolar.Deviamselevantar.Elenãoconseguiusemexer.
“Michael?”Quandoosolhosdelaseabriramdenovo,estavamazuiscomoocéudeverão.Umhomempoderiaseperdernaquelesolhos.“Paraondevocêfoi?”
“Paraondeeufuiquando?”“Depoisde…perdertudo.”Elefoidominadoporumarrepiodedesgosto.Nãoqueriaresponderaela.Não
queriadarmaisummotivoparaelalamentarocasamento.“Eunãofuialugaralgum.FiqueiemLondres.”“Oqueaconteceu?”Quepergunta!Tantacoisahaviaacontecido.Tantacoisahaviamudado.Tanta
coisaquenãoqueriaqueelasoubesse,quenãoqueriaqueelafizesseparte.Queelenãogostariadeterfeitoparte.Respiroufundo,levandoasmãosàcinturadelaparamovê-la,paraselevantar.
“Vocênãoquersabersobreisso.”Ela se posicionou em cima dele, as mãos espalmadas em seu peito,
interrompendoseumovimento.“Eu quero saber sobre isso.” Ela o encarou, recusando-se a deixá-lo se
levantar.Adeixá-lorecuar.Elesedeitou,resignado.
“Quantovocêsabe?”“Euseiquevocêperdeutudoemumjogodeazar.”Ela estava tão perto, os olhos azuis tão atentos, e ele foi dominado pelo
arrependimento.Eleodiavaqueelaconhecesseseuserros,suavergonha...Desejavaquepudesseseroutrapessoaparaela.Alguémnovo.Alguémdignodela.Mastalvez,se ele lhe contasse a história, se ela soubesse de tudo, isso a impediria de seaproximardemais.Talvezevitariaqueeleseimportasse.Maseratardedemais.Elesedefendeudopensamento,apenasumsussurro.
“Foinovingt-et-un.”Elanãodesviouoolhar.“Vocêerajovem.”“Vinteeumanos.Idadesuficienteparanãoapostartudooqueeupossuía.”“Vocêerajovem”,elarepetiuenfaticamente.Elenãodiscutiu.“Aposteitudo.Tudooquenãoestavacomprometidoequenãoestavaobrigado
há gerações. Como um tolo.” Esperou que ela concordasse. Como ela nãoconcordou,continuou:“Langfordmelevouaapostarmaisemais,meestimulando,meprovocandoatétudooqueeupossuíaestarsobreamesa,eeuestarsegurodequeiriaganhar”.
Elasacudiuacabeça.“Comopoderiasaber?”“Eu não poderia, certo? Mas eu estava me saindo bem naquela noite –
ganhando umamão depois da outra. Quando entramos numa onda de sorte, é…eufórico.Entãochegaumpontoemquetudovira,arazãovaiembora,epensamosqueéimpossívelperder.”Aspalavrasestavamsaindolivrementenaquelemomento,juntocomaslembrançasqueelemantevetrancadasportantotempo.“Jogaréumadoençaparaalgumaspessoaseeuatinha...Acuraeraganhar.Naquelanoite,eunãopodia parar de ganhar. Até que parei de ganhar e perdi tudo.” Ela o estavaobservando, absolutamente atenta. “Ele me levou à tentação, convencendo-me aapostarmaisemais…”
“Por que você?” Ela estava com a testa franzida e raiva na voz, e Michaellevantouamãoparaalisarapeleenrugadaali.“Vocêeratãojovem!”
“Tãorápidaparamedefendersemtodasasinformações.”Otoquedeleseguiua curva do nariz de Penélope. “Ele havia construído tudo. As terras, o dinheiro,tudo...Meupaieraumbomhomem,mas,quandomorreu,opatrimônionãoestavatãosólidocomodeveria.MashaviaobastantecomqueLangfordpudessetrabalhar,fazerprosperar,eelefezisso.Nomomentoemqueeuherdeitudo,omarquesadovaliamaisdoqueasterrasdele.Eelenãoqueriaabrirmãodaquilo.”
“Cobiçaéumpecado.”Assimcomoavingança.Elefezumapausa,pensandonojogodetantotempo
atrásqueelereviveucentenasoumilharesdevezes.“Langfordme disse que eu acabaria lhe agradecendo por ter tirado tudo de
mim”,eledisse,semconseguirevitarotomdeescárnionavoz.Elaficouemsilêncioporumlongomomento,comosolhosazuissérios.“Talvezeletivesserazão.”“Elenão tinha.”Nãosepassouumdia semqueMichael lamentasseoarque
Langfordrespirava.“Bem, talvez gratidão seja um pouco demais. Mas pense no quanto você
cresceuapesardosobstáculosdele.Penseemcomovocêenfrentouasdificuldades.Comoassuperou...”
HaviaumafaltadefôlegourgentenavozdePenélope,queMichaelaomesmotempoadorouedetestou.
“Eulhedisseumavezparanãofazerdemimumherói,Penélope.Nadadoqueeufiz…nadadoqueeusou…éheroico.”
Elasacudiuacabeça.“Vocêestáerrado.Vocêémuitomaisdoqueimagina.”Elepensounospapéisnobolsodeseucasaco,nosplanosquehaviadisparado
naquelamanhã.Navingançapelaqualelevinhaesperandoportodosaquelesanos.Elaveriamuitoembrevequeelenãoeraumherói.
“Eugostariaqueissofosseverdade.”Por você. Essa ideia o atormentava. Ela se inclinou paramais perto, com o
olharsérioedecidido.“Você não vê,Michael? Não vê o quanto é mais hoje do que teria sido? O
quantoémaisforte,maispoderoso?Senãoporaquelemomento,pelaformacomoeleomodificou,aformacomomodificouasuavida…vocênãoestariaaqui.”Avozdeladiminuiuparaumsussurro.“Eeutambémnãoestaria.”
Eleapertouosbraçosaoseuredor.“Bem,issoéumaalgumacoisa.”Os dois ficaram ali deitados por um longo tempo, perdidos nos próprios
pensamentos,antesdePenélopemudardeassunto.“Edepoisdojogo?Oqueaconteceu?”Michaelolhouparaoteto,relembrando.“Elemedeuumguinéu.”Elalevantouacabeça.“Oseuamuleto...”Suaesposainteligente.“Eunãoogastei.Eunãopegarianadadele.Nãoatéeupoderpegartudo.”Elaoestavaobservandocuidadosamente.“Vingança.”“Eunãotinhanadaalémdaroupadocorpoeumpunhadodemoedasnobolso
– Temple me encontrou. Havíamos sido amigos na escola, e ele estava lutandocontraqualquerumquelhepagasseporumaluta.Nasnoitesemqueelenãoestavalutando,nósorganizávamosjogosdedadonoBar.”
Elafranziuatesta.“Issonãoeraperigoso?”Ele viu a preocupação nos olhos dela, e parte dele ansiou por suamaciez e
doçura.Apresençadelaali,emseusbraços,enquantoelecontavaaquelahistória,era uma bênção. Era como se ela pudesse, com sua preocupação e seu cuidado,salvá-lo.Contudo, ele já havia passado do ponto de ser salvo, e ela nãomereciaaquelavidarepletadepecadoevícios.Elamereciamuitomais.Algomuitomelhor.Eleencolheuumombro.
“Aprendemosrapidamentequandolutarequandofugir.”Ela levou uma das mãos ao rosto dele, tocando levemente no lábio que
cicatrizava.“Vocêaindaluta.”Elesorriu,esuavozficousombria.“Efazumbomtempoquenãofujo.”Eladesviouoolharparaajanela,ondeanoiteestavasealongando,easvelas
noscandelabros,apagando.“EoAnjoCaído?”Ele levantouamãoe segurouumcachodecabelos loiros,enroscando-oem
seusdedos,adorandoaformacomoseprendianele.“Quatro anos emeiomais tarde, Temple e eu havíamos aperfeiçoado nosso
negócio…nossos jogos de dados semudavamde um lugar a outro, dependendodos jogadores, eumanoite, tínhamosvinteou trintahomens, todosapostandonoresultado.Euestavacomumapilhadedinheironamão, e sabíamosqueeraumaquestão de tempo antes que precisássemos encerrar o jogo ou correr o risco desermosroubados.”Elesoltouocabelodelaepassouopolegarpeloseurosto.“Eununca fui bom em saber quando parar. Sempre queria mais um jogo, mais umarodadadedados.”
“Vocêapostavanosjogos?”Eleaencarou,querendoqueelaescutasseapromessaemsuaspalavras.“Eunãofaçoumaapostahánoveanos.”Elafoitomadapelacompreensão.Epeloorgulhotambém.“DesdequeperdeuparaLangford.”“Issonãomudaaformacomoasmesasmeatraem.Nãotornaosdadosmenos
tentadores.Equandoaroletagira…eusempretentoadivinharondeelavaiparar.”“Masvocênuncaaposta.”“Não.Masadoroverosoutrosapostarem.Naquelanoite,Templedissevárias
vezes que devíamos ir embora, que o jogo estava esfriando... mas eu podia
continuar pormais uma, duas horas, e ficava adiando.Mais um jogo de dados...Mais uma rodada de apostas... Mais uma...” Ele se perdeu nas lembranças. “Elesvieramdonada,eprecisamosagradecerqueestivessemarmadoscomtacosenãopistolas.Oshomensqueestavam jogandoosdados fugiramaoprimeiro sinal deproblema,masteriamsesafadomesmoquetivessemficado.”
“Elesqueriamvocês.”Penélopefalounumsussurro.Michaelassentiucomacabeça.“Elesqueriamanossareceita.Millibrasoutalvezmais.”MaisdoquequalquerumdeveriateremumaruaemTempleBar.“Nós lutamos omelhor que conseguimos,mas éramos dois contra seis, que
pareciamnove.”Eleriu,baixodemaisparaseouvir.“Maispareciamdezenove.”Elanãoachoudivertido.“Vocêdeviaterdadoodinheiroaeles.Nãovaliaasuavida.”“Minha esposa esperta. Se ao menos você estivesse lá.” Ela empalideceu.
Michael puxou a boca de Penélope até a dele para lhe dar um beijo rápido. “Euestouaqui,vivoebem,infelizmenteparavocê.”
Elasacudiuacabeça,esuaseriedadeodeixoucomdornoestômago.“Nembrinque.Oqueaconteceu?”“Acheiqueestávamosperdidosquandoumacarruagemapareceu,sabeDeusde
onde,eumbatalhãodehomensdotamanhodeTempleemaioresdoqueelesaiu.Elesficaramdonossolado,expulsaramosladrõese,quandotodoshaviamfugidocomoraboentreaspernas,Templeeeufomosatiradosparadentrodacarruagemparaconhecermosnossosalvador.”
Elaestavaàfrentenahistória.“Chase...”“AprincipalpessoadoAnjoCaído.”“OqueChasequeria?”“Sócios.Alguémparaadministrarosjogos.Alguémparatratardasegurança.
Homensquecompreendessemtantoobrilhoquantoavulgaridadedaaristocracia.”Elasoltouumlongosuspiro.“Elesalvouasuavida.”Michael estava perdido na lembrança daquele primeiro encontro, em que se
deucontadequepoderiaterumachancederecuperartudooquehaviaperdido.“Sim.”Ela se levantou e lhe deu um beijo no lábio inchado, pondo a língua
ligeiramenteparaforaparalamberoferimento.“Eleestáerrado.”Michaelvoltouaatençãoaela.“Chase?”Elaassentiucomacabeça.
“Eleachaquetenhocréditocomele.”“Éoqueparece.”“Eutenhoumadívida.Elesalvouvocê.Paramim...”Elaobeijounovamente,eeleprendeua respiração,dizendoasimesmoque
eraumareaçãoàcarícia,quandonaverdadeeramaspalavrasdelaqueameaçavamsua força. Ele enterrou as mãos nos cabelos dela enquanto sentia o sabor dagratidão, do alívio e demais alguma coisa que não conseguiu identificar… umatentaçãomaravilhosa.Algoqueele tinhacertezadequenãomerecia.Agarrouoscabelosdelacomumadasmãose recuoudobeijo,desejando,desesperadamente,que pudesse continuar. Mas não podia permitir a ela – não podia permitir a simesmo–outromomentosemlembrá-laexatamentedequemeleera…doqueeleera.
“Eu perdi tudo, Penélope. Tudo. Terras, dinheiro, o que havia dentro dasminhascasas…dascasasdomeupai.Euperditudooquemefazialembrardeles.”Fez-seumlongosilêncio.Então,baixinho,eledisse:“Euperdivocê”.
Elainclinouacabeça,olhandofixamenteemseusolhos.“Vocêreconstruiutudo.Dobroutudo.Maisdoqueisso.”Elesacudiuacabeça.“Nãoéapartemaisimportante.”Elaparalisou,comosetivesseesquecidodosplanosdele.Dofuturodeles.“Suavingança...”“Não. O respeito. O lugar na sociedade. As coisas que eu deveria ter sido
Capaz de dar à minha esposa. As coisas que eu deveria ter sido Capaz de dar avocê.”
“Michael…”Eleouviuacensuranavozdelaeaignorou.“Vocênãoestámeouvindo.Eunãosouohomemcertoparavocê.Nuncafui.
Vocêmerecealguémquenãocometeuoserrosqueeucometi.Alguémquepossacobri-ladetítulos,respeitabilidade,decênciaemaisdoqueumpoucodeperfeição.”
Ele fez uma pausa, detestando a forma como ela havia ficado tensa em seusbraçosaoouviraspalavras,resistindoàverdadenaquiloquetinham.Eleaobrigouaolharemseusolhos,obrigouasimesmoadizeroresto.“Eugostariadeseressehomem,SeisCents.Vocênãovê?Eunãotenhonadadisso.Nãotenhonadadignodevocê.Nadaqueafaráfeliz.”
E,porDeus,euqueroquevocêsejafeliz.Querofazervocêfeliz.“Por que você pensa isso?”, ela perguntou. “Você tem tanto… tantomais do
queeujamaisiriaprecisar.”Nãoosuficiente.Elehaviaperdidomaisdoquejamaispoderiarecuperar.Ele
poderia ter cem casas, vinte vezes mais dinheiro, todas as riquezas que pudesseacumular, e jamais seria suficiente. Porque isso jamais apagaria seu passado, suainconsequência,seufracasso.Issojamaisotornariaohomemqueelamerecia.
“Seeunãotivesseobrigadovocêasecasarcomigo…”,elecomeçou,eelaointerrompeu.
“Vocênãomeobrigouafazernada.Euescolhivocê.”Elanãopodiaacreditarnisso.Elesacudiuacabeça.“Vocêrealmentenãoenxergaoquantoéincrível,nãoé.”Eledesviouosolhos
ao ouvir aquelas palavras. A mentira contida nelas. “Não! Olhe para mim.” Aspalavrasforamfirmes,eelenãopôdedeixardeobedeceraquelesolhostãoazuis,tão sinceros... “Você acha que de alguma forma perdeu toda a respeitabilidadequandoperdeuasuafortuna.Masoqueeraaquelafortunaalémdedinheiroeterrasacumuladosporgeraçõesdeoutroshomens?Eramrealizaçõesdeles.Eraahonradeles.Nãoasua.Você…”Eleouviuareverêncianaquelaspalavras,viuaverdadedos sentimentos nos olhos dela. “…você construiu o seu próprio futuro. Fez umhomemdesimesmo.”
Umsentimentoencantador,romântico,maserrado.“Vocêestáse referindoaumhomemqueroubouaesposanomeiodanoite,
obrigou-a a se casar comele, usou-a para conseguir terras e vingança e então…estanoite…despiu-anocassinomaisfamosodeLondres?”Eleouviuodesdémemseutomdevozedesviouoolhar,nadireçãodaescuridãoqueenvolviaotetoaltodo ambiente, sentindo como sepertencesse à sarjeta.Ele a queriavestida e longedele. “Meu Deus. Eu jurei que jamais voltaria a desonrá-la. Eu sinto tanto,Penélope.”
Elaserecusouasesentirintimidada.Pondoamãonoqueixodele,forçou-oaencará-la.
“Não faça com que pareça sujo. Eu quis isso. Gostei disso. Não sou umacriançaparasermimada.Eumecaseicomvocêparaviver,eisto…você…tudoéviver.”Elafezumapausaesorriu,alegreelinda,eoprazereoarrependimentoqueaquele único sorriso provocaram foram como um golpe físico. “Não houve ummomentoestanoiteemqueeutenhamesentidodesonradaouusada.Naverdade,eumesentibastante…idolatrada.”
Eraporqueeleahaviaidolatrado.“Vocêmerececoisamelhor.”Ela franziu a testa, endireitou-se e se levantou da chaise como uma fênix,
enrolando-senocasacodele.“É você quem não está escutando. Eu odeio que você me coloque em uma
estanteondeguardaascoisasdevalorquenãoquerquesequebrem.Eunãoqueroesselugardehonra.Euodetesto!Detestoaformacomomedeixalápormedodeme ferir. Pormedo deme quebrar, como se eu fosse uma espécie de boneca deporcelanasemforçaalguma.Sempersonalidade.”
Eleselevantou,seguindonadireçãodela.Elejamaispensouqueelanãotinhapersonalidade. Na verdade, se ela tivesse um pouco mais de personalidade, o
enlouqueceria. Quanto à força, ela era Atlas. Uma pequena e encantadora Atlas,vestindonadaalémdocasacodele.Eleestendeuamão,eeladeuumpassoparatrás.
“Não.Não.Aindanãoacabei.Eutenhopersonalidade,Michael.”“Euseidisso.”“Muitapersonalidade.”Maisdoqueelejamaisimaginou.“Sim.”“Não sou perfeita. Desisti da perfeição quandome dei conta de que a única
coisa que ela me conseguiria seria um casamento solitário com um maridoigualmente perfeito.” Ela estava tremendo de raiva, e ele estendeu amão na suadireção,querendopuxá-laparaseusbraços.Maselarecuou,recusando-seadeixarqueeleatocasse.“Equantoavocênãoserperfeito,bem,graçasaDeusporisso.Eutiveumavidaperfeitaaomeualcanceumdia,eeraumtédioterrível.Aperfeiçãoélimpa demais, fácil demais. Eu não quero perfeição tanto quanto não quero serperfeita. Eu quero a imperfeição. Quero o homem que me atirou por cima doombronomeiodobosqueemeconvenceuamecasarcomelepelaaventura.Queroo homem que é quente e frio, com altos e baixos. O que administra um clubemasculino,umclubefeminino,umcassinoeoquequerquesejaestelugarincrível.Vocêachaqueeumecasei comvocêapesar das suas imperfeições?Eume caseicom você por causa das suas imperfeições, seu tolo. As suas gloriosas einsuportavelmenteirritantesimperfeições.”
Não era verdade, é claro. Ela havia se casado com ele porque não tinhaescolha. Mas ele não ia simplesmente deixá-la ir embora. Não depois de terdescobertooquantoeramaravilhosotê-laemseusbraços.
“Penélope...”Ela soltou asmãos, e o casaco dele se abriu, exibindo uma longa e estreita
faixadepelequeiadopescoçoaojoelho.“Oquê?”Eleteriadadorisadadairritaçãonotomdela,senãotivesseficado
embasbacado com a aparência dela vestindo meias, o casaco e nada mais. Elarespiroufundo,eotecidoameaçavarevelarseusseiosgloriosos.
“Jáacabou?”“Talvez”,eladisse,reservando-seodireitodefalarmais.“Vocêsabesermuitodifícilquandoquer,sabia?”Umadesuaslindassobrancelhasloirasseergueu.“Bem...Senãoéorotofalandodoesfarrapado,nãoseioqueé.”Eleestendeuamãoparaela,eeladeixouqueeleapegassedessavez.Deixou
que a puxasse para seus braços, pressionando seu corpo voluptuoso e curvilíneocontraodele.
“Eusouimperfeitodemaisparavocê”,elesussurrounatêmporadela.“Vocêéperfeitamenteimperfeitoparamim.”
Elaestavaerrada,maselenãoqueriamaispensarnisso.Emvezdisso,disse:“Vocêestánuaemumcassino,amor.”Arespostadelasaiuabafadacontraopeitodele,eelemaissentiuaspalavras
doqueasouviu.“Eunãopossoacreditarnisso.”Umadasmãosdele acariciou as costasdela, sobreo tecidodo casaco, e ele
sorriuaopensarqueelaestavausandosuasroupas.“Euacredito,minhadoceeaventureiradama.”Michaelbeijouotopodacabeça
loira, deslizando a mão para dentro do casaco para tocar um dos seiosencantadores,adorandooarrepioqueapercorreucomotoque.“Eudeveriaquererquevocêficassenuasobasminhasroupastodososdias.”
Elasorriu.“Vocêsabequeestounuasobasminhasprópriasroupastodososdias,não?”Elegemeu.“Vocênãodeveriaterditoisso.Comovouconseguirfazerqualquercoisaalém
depensaremvocênuadeagoraemdiante?”Ela se afastou com uma risada, e os dois começaram a se vestir, Penélope
batendonasmãosdeMichaeltodavezqueeletentavasegurá-la.“Euestouajudando.”“Vocêestáatrapalhando.”Elaendireitouolacinhocordecremenafrentedovestidoenquantoeledavao
nónagravatasemseolharnoespelho.Elesevestiriaalegrementecomelatodososdias,pelorestodaeternidade.Maselenãofariaisso.Nãodepoisdeladescobrirsuasmentiras.Osussurroecoouemsuamente.
“Isto é água?” Ela apontou para uma jarra em um canto, ao lado de umlavatório.
“Sim.”Eladerramouáguanabaciaemergulhouasmãosatéospulsos.Nãoaslavou,
apenas as deixou paradas dentro do líquido frio. Ele a observou por um tempoenquantoelafechavaosolhoserespiravafundouma,duas,trêsvezes.Elaretirouasmãosdedentrodaáguaesacudiuo líquido,virando-senovamentede frenteparaele.
“Temalgoqueeusintoquedevodizeravocê.”Emnoveanosdedadosecartasetodososoutrostiposdejogosqueexistiam,
Michaelaprendeualerrostos.Aprendeuaidentificarnervosismo,euforia,trapaça,mentira, raiva e todos os outros pontos do espectro da emoção humana. Todos,excetoaemoçãoquepreenchiaoolhardePenélope–aemoçãoqueseescondiaportrás do nervosismo, do prazer e da excitação. Estranhamente, foi por nunca tê-lavistoantes,queMichaelsoubeexatamentedequalemoçãosetratava.Amor.Aideiaodeixousemfôlego,eeleseendireitou,consumidoaomesmotempopelodesejo,
pelo medo e por mais alguma coisa em que não queria pensar. Não queriareconhecer.Elehaviaditoaelaparanãoacreditarnele.Eleahaviaalertadoe,porsuaprópriasanidade,elenãopodiadeixá-ladizeraelequeoamava.Descobriuquequeriamuitoisso.Então,fezoquefaziamelhor.Resistiuàtentação,aproximando-se e puxando-a para seus braços para um beijo rápido – um beijo que estavadesesperado para prolongar. Para aproveitar, para transformar em algo tãopoderosocomoaemoçãoqueopercorria.
“Estáficandotarde,querida.Chegadeconversaestanoite.”OamornoolhardePenélopedeulugaràconfusão,eelesedetestouporisso.
Infelizmente, aquela também estava se tornando uma emoção familiar. Alguémbateunaporta,salvando-o.Michaelconferiuorelógio.Eramquasetrêsdamanhã,tarde demais para visitas, o que significava apenas uma coisa. Novidades. Eleatravessouasalarapidamenteeabriuaporta,lendoorostodeCrossantesdooutroterchancedefalar.
“Eleestáaqui?”OolhardeCrosspassouporcimadoombrodeMichaelatéPenélope,então
voltouparaMichael,cinzentoeimpenetrável.“Sim.”Elenãoconseguiuolharpara ela.Ela estavaperto, pertoobastantepara seu
aromadelicadoenvolvê-lo,provavelmentepelaúltimavez.“Quem está aqui?”, ela perguntou, e ele não queria responder, ainda que
soubesse que ela precisava saber. E que, assim que soubesse, ele a perderia parasempre.
Ele a encarou, fazendoomáximopossível paraparecer calmoe impassível,lembrando da meta singular que havia estabelecido para si mesmo uma décadaatrás.
“Langford.”Elaparalisouaoouvironomeserpronunciado.“Umasemana”,eladissebaixinho,lembrandodoacordodelesantesdesacudir
acabeça.“Michael,porfavor,nãofaçaisso.”Elenãoconseguiuevitar.Eratudooqueelesemprequis.Atéelachegar...“Fiqueaqui.Alguémalevaráparacasa.”Michaeldeixouasala,osomdaporta
quesefechavaatrásdeleecoandocomoumtironoescuro,ocorredorvazioàsuafrente,eacadapassoquedava,elesepreparavaparaoqueestavaporvir.
Estranhamente,nãoeraenfrentarLangford–ohomemquehaviaarrancadoavidadele–queexigiaaforçaextra.EraperderPenélope.
“Michael!”Elaohaviaseguidoatéocorredor,eosomdonomedeleemseuslábios o fez se virar, sem conseguir ignorar a angústia na voz, querendodesesperadamenteeinstintivamenteprotegê-ladaquilo.
Protegê-la dele mesmo. Ela estava correndo em sua direção, rápida e
furiosamente, e ele nãopôde fazer nada alémde segurá-la, levantando-a em seusbraçosquandoasmãosdelaprenderamseurosto,eelaoencarounosolhos.
“Você não precisa fazer isso”, ela sussurrou, os polegares acariciando suasbochechas, deixando rastros agonizantes. “Você tem Falconwell… e tem o AnjoCaído…emaisdoqueele jamaispoderia sonhar.Tantacoisamaisdoque raiva,vingança e fúria. Você tem a mim.” Ela olhou dentro dos olhos dele antes definalmentedizer,demododolorosamentesuave:“Euamovocê”.
Ele havia dito a simesmoque nãoqueria as palavras,mas, depois de teremsidoditas,oprazerqueopercorreuaoouvi-lasnos lábiosdePenélopefoiquaseinsuportável. Ele fechou os olhos e a beijou, profunda e intensamente, desejandolembrar-sedosabor,dasensação,docheirodela–daquelemomento–parasempre.QuandosoltouoslábiosdePenélopeeapôsnochãonovamente,deuumpassoparatrás, respirando fundo, adorando a forma como os lindos olhos azuis delabrilhavam quando ele a tocava. Ele não a havia tocado o suficiente. Se pudessevoltaratrás,elea teria tocadomais.Euamovocê.Osussurroecoouatravésdele,puratentação.Elesacudiuacabeça.
“Poisnãodeveria.”Eleseviroudecostas,deixando-anocorredorescuro,seguindoparaenfrentar
seupassado,recusando-seaolharparatrás,recusando-seareconheceroqueestavadeixando.Oqueestavaperdendo.
CapítuloVinteeUmCaroM,Não.Bastadisso.
SemassinaturaSolarNeedham,janeirode1830
CartadestruídaBournehaviaimaginadoaquelemomentocentenasdevezes–milharesdelas.Haviarepassado a cena mentalmente, entrado em uma sala de carteado privada ondeLangfordestivessesentado,sozinhoenolimite,diminuídopelomerotamanhoeopoderdoAnjoCaído,oreinoondeMichaelreinava.Nemumavez,emtodoaqueletempo,elehaviaimaginadoquesentiriaqualquercoisaalémdetriunfonomomentoemquenoveanosacumuladosde raivae frustração finalmentechegavamaofim.Mas não foi triunfo queMichael sentiu ao abrir a porta da luxuosa suíte privadainstalada longe do salão principal do clube e encontrou o olhar sem emoção doantigoinimigo.
Foi frustração. E raiva... Porque mesmo naquele momento, nove anos maistarde, aquele homem ainda estava extorquindoMichael. Essa noite, ele havia lheroubadoseufuturocomsuaesposaeaquilonãopodiacontinuar.Nasuamemória,Langford sempre havia sido grande – pele bronzeada, dentes brancos, punhoslargos–,otipodehomemquepegavaoquequeriasemhesitar.Otipodehomemquearruinavavidassemolharparatrás.Equaseumadécadadepois,Langfordnãohaviamudado.Estava tão forte e saudável como sempre, comumpoucomais decabelos grisalhos, mas omesmo pescoço e osmesmos ombros largos. Os anoshaviamsidobonscomele.
Oolhar deMichael desvioupara o lugar onde amão esquerdadeLangfordestava espalmada sobre o veludo verde da mesa. Ele lembrou domaneirismo, aforma como aquelamão cerrava em punho e batia namadeira para exigir maiscartas ou comemorar uma vitória. Quando Michael era um jovem, apenasaprendendo os segredos das mesas, ele assistia àquilo e invejava seu controleabsoluto. Sentou-se na cadeira diretamente na frente de Langford e aguardou emsilêncio.OsdedosdeLangfordseremexeramcontraotecidoverde.
“Protesto por ter sido trazido aqui à força no meio da noite por seusCapangas.”
“Nãoacheiquefosseatenderaumconvite.”“Etinharazão.”ComoMichaelnãorespondeu,Langfordsuspirou.“Suponho
quetenhamechamadoaquiparasevangloriarsobreFalconwell?”
“Entreoutrascoisas.”Michaelenfiouamãonobolsodocasaco,tiroudeláaprovadonascimentodeTommy,passandoosdedospelopapel.
“Confesso que fiquei surpreso por ter se prestado a casar-se com a garotaMarbury,mesmoporFalconwell.Elanãoéexatamenteumprêmio.”Fezumapausa.“Mas as terras eram o objetivo, não? Parabéns! Os fins justificam os meios,imagino.”
Michaelcerrouosdentesdiantedafrase,tãoparecidacomaformacomoeleprópriotinhadescritoseucasamentonocomeçodaquelajornada.Detestouoeco,ealembrançadequeeleeratãoestúpidocomoLangford.Nãofaçaisso.AspalavrasdePenélopeecoaramatravésdelenumasúplica,eeleparalisou,sentindoasbordasenvelhecidas do papel em seu polegar.Você émuitomais do que pensa. Michaelrevirou o quadrado de papel namão, pensando nas palavras, nos olhos azuis daesposapedindoqueelefossemais.Melhor.Digno.Euamovocê.AúltimaarmadePenélopecontrasuavingança.AcuriosidadedeixouLangfordimpaciente.
“Vamoslá,garoto.Oqueé?”Eaquelas comaspalavras curtas egrossas,Michaelvoltou a ter 21 anosde
idade, encarando aquele homem,querendodestruí-lo. Sóque, desta vez, ele tinhapoderpara fazer isso.Comummovimentodopulso, fezacartavoaratéooutroladodamesa,comumamiraperfeita.Langfordaapanhou,abriu,leuenãoergueuoolhar.
“Ondeconseguiuisso?”“Vocêpodeterasminhasterras,masnãotemomeupoder.”“Issovaiacabarcomigo.”“É o meu maior desejo.”Michael esperou pelo momento da vitória. Que a
surpresa e o lamento atravessassem o rosto do outro antes que ele levantasse osolhos do papel e reconhecesse a derrota.Mas quandoLangford encarouMichaelporcimadodocumentoamarelado,nãoeraderrotaquebrilhavaemseusolhos.
Eraadmiração.“Háquantotempovocêvemesperandoporestemomento?”Michaelestreitouoolhar,obrigando-sea se recostarnacadeira,ocultandoa
própriasurpresa.“Desdequevocêtiroutudodemim.”“Desdequevocêperdeutudoparamim”,Langfordcorrigiu.“Eu era uma criança, com apenas um punhado de jogos naminha história”,
Michaeldisse,comaraivaaumentando.“Maseunãosoumaisaquele.Hojeeuseique você forçou o jogo.Queme deixou ganhar até estar tudo lá, naquela apostaimensa.”
“Vocêachaqueeutrapaceei?”OolhardeMichaelnãosemodificou.“Euseidisso.”
Umasombradeumsorriso–suficienteparaprovarqueMichaeltinharazão–atravessouoslábiosdeLangfordantesdeledevolveraatençãoaomalditopapel.
“Entãoagoravocêsabeaverdade.Omeninoerabastardodomeuirmãocomafilha de um fazendeiro local.Amulher com quemme casei era inútil – um dotegrandeobastante,mas inCapazdeproduzirumfilho.Pagueiàgarotaeassumiofilhocomomeu.Melhorumherdeirofalsodoqueherdeiroalgum.”
Tommy sempre havia sido diferente daquele homem, jamais tão frio ecalculista.Agoratudofaziasentido,eMichaeldescobriuqueemalgumlugar,bemnofundo,enterradoondeelenãopensavaquehouvesseemoçãoaserencontrada,sentiu compaixão pelomenino que um dia foi seu amigo – omenino que tentoutantoserumfilhoparaseupai.Oviscondecontinuou.
“Havia apenas poucas pessoas próximas o bastante para saber que minhaesposa jamaispariu.”Ele levantouopapel,umpequenosorrisonos lábios.“Vejoagoraquenemelasdeveriamterrecebidominhaconfiança.”
“Talvezelastenhamdecididoquevocêquenãoeraconfiável.”Langfordergueuumadassobrancelhas.“Continuameculpando?”“Vocêcontinuamerecendo.”“Porfavor”,Langfordzombou.“Olheaoseuredor.Vocêconstruiuestelugar,
reconstruiuasuavida,asua fortuna.Oque fariase fosseobrigadoapassar tudoadiante? A entregar tudo a alguém que jamais teve uma participação em seucrescimento?Emseusucesso?Estámedizendoquenãofariaexatamenteamesmacoisaqueeu fiz?”Ovelho largouopapelemcimadamesa.“Seriaumamentira.Vocêétãoconfiávelquantoeu,eaíestáaprova.”
Langfordrecostou-senacadeira.“ÉumapenaqueeutenhaficadocomTommyenãocomvocê.Vocêteriasido
umótimofilhoparamim,tendoaprendidotãobemasliçõesquelheensinei.”Michael resistiuao impulsodeficarhorrorizadocomoqueeledizia,coma
insinuação de que ele e Langford eram parecidos, ainda que reconhecesse averdade. E a desprezasse. Desviou o olhar para o documento em cima da mesa.Aquilopesava tudoenada sobreele aomesmo tempo.Haviaum rugidoemseusouvidos ao registrar a importância do que havia feito. Do que estava fazendo...InconscientedospensamentosdeMichael,Langforddisse:
“Vamos fazer negócio.Ainda tenhoo resto– tudooque seupai lhedeixou.Todooseupassado.Achaqueeunãoesperavaquefossefazeralgoassim?”Enfiouamãonobolsodocasacoeretirouummaçodepapéis.“Somosfeitosdomesmomaterial, você e eu.” Ele depositou a pilha de papéis sobre a mesa. “Vingt-et-unaindaéseujogo?Meulegadocontraoseu.”
EquandoMichaelviutudoali,esparramadosobreotecidoverdecomclarezacalculada,foi tomadopelacompreensão.Elehaviarepassadoaquelanoitefatídica
centenasdevezes–milhares–,vendoascartasviraremedeslizaremsobreotecidoatéseuslugares,contandodez,catorzeeosvinteedoisquemarcaramofimdesuaherançaesuajuventude.Eelesemprepensouqueaquelemomentomarcavaofimdetudodebomquehavianele.Masnão...
Masesseseria.PensouemPenélopeemseusbraços,oslábiosmacioscontraosdele,arespiraçãosuspensaaoimplorarparaqueelenãofosseatéali,paranãofazer aquilo.A forma comoela o encaroudireto nos olhos e lhe pediupara nãoabrirmãodesuaúltimachancedeserbom–oúltimovestígiodesuadecência.Paranãodeixaravingançavenceroamor.
Elepegouapilhadeescriturasemcimadamesa,folheando-as,espalhando-assobre o feltro: Gales, Escócia, Newcastle, Devon – uma coleção de casasacumuladaspelasgeraçõesdemarqueses–,umdiatãovitalmenteimportantesparaele…agoraapenasumamontoadodetijoloeargamassa.Apenasopassado.Nãoofuturo. Não havia nada sem Penélope. O que ele havia feito? Bom Deus. Ele aamava.Apercepçãoo atingiu comoumgolpe, absolutamente fora de controle, emaispoderosadoquequalqueroutracoisa.Eeleseodioupornãotertidoachancededizeraela.Ederepente,comoseeleahouvessechamado,elaestavaali,comsuavozaumentandodoladodeforadaporta.
“Podetentarmeimpedircomoseusilêncioeasua…enormidade…mas,nãoseengane,euentrareinestasala!”
Michael se levantou e viu a porta da sala escancarar, revelando um Brunoconfusoe,logoatrásdele,umaPenélopefuriosa.Oguardaergueuasmãosemumaexpressão impotente queMichael teria achado divertida, se estivessem em outromomentoelocal.Brunonãopareciacompreenderoquefazercomaquelamulherpequenaeestranhaquetinhaaforçadedezouvintehomens.Elapassouporeleeentrounasala,queixoerguido,ombroseretos,raiva,frustraçãoedeterminaçãonorosto encantador. Ele jamais a desejou tanto na vida. Mas ele não a queria emnenhumlugarpertodeLangford.Aproximou-sedela,puxando-adelado,edizendobaixinho:
“Vocênãodeveriaestaraqui”.“Nemvocê.”Michaelvirou-separaCross,quetinhaaparecidonaportaaoladodeBruno.“Vocêdeviatê-lalevadoparacasa.”Crosslevantouoombronumgestofrouxo.“Adamaédeveras…incontrolável.”Penélopelançouumsorrisoparaohomemaltoeruivo.“Obrigada.Estapodemuitobemtersidoamelhorcoisaquealguémjádissea
meurespeito.”Michaelteveanítidaimpressãoquetodaaquelanoiteestavaprestesasairdo
controle.Antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, Penélope passou por ele,
adentrandomaisnasala.“LordeLangford”,eladisse,baixandoosolhosparaohomem.“Penélope”,elerespondeu,semconseguiresconderasurpresanoolhar.“LadyBourneparavocê”, ela corrigiu, fria e enfaticamente, eMichael tinha
certezadequeelajamaistinhaestadomaislinda.“Pensandobem,semprefoiladyparavocê.Enuncasereferiuamimdessaforma.”
Ooutroestreitouosolhosdeirritação,eMichaelteveumavontadeimensadeacertaro rostodoviscondecomummurroporaqueleolhar.Não foinecessário.SuaesposaeramaisdoqueCapazdecuidardesimesma.
“Vejoquenãogostadisso.Bem,deixe-medizerdoqueeunãogosto.Eunãogostodeinsolência.Enãogostodecrueldade.Edefinitivamentenãogostodevocê.Estánahoradenósdoisacertarmosascontas,Langford,porque,emborapossaterroubadoasterras,osfundoseareputaçãodomeumaridoepossatersidoumpaiverdadeiramente terrívelparameuamigo,euabsolutamenteme recusoapermitirquetiremaisalgumacoisademim,seuvelhodesprezível.”
Michaelergueuassobrancelhasdiantedaquilo.Sabiaquedeveriainterrompê-la,porém,achavaquenãoqueriafazê-lo.
“Eu não preciso ouvir isso.” Langford ficou vermelho, levantou-sesubitamentedacadeira,comdescrençafuriosaeolhouparaMichael.“Controlesuamulherantesqueeusejaobrigadoafazê-loporvocê.”
Michaelavançou,dominadopelafúriaporcontadaameaça.Penélopevirouorostoparaeleantesquepudessechegaraovisconde,fortecomooaço.
“Não.Estabatalhanãoésua.”Eleficouparalisadocomaspalavras,emboranãodevesseficarsurpreso.Sua
esposa o mantinha em um estado de perpétua mudez.De que diabos ela estavafalando?Aquelaeraabsolutamenteumabatalhadele.Aindaqueelenãoestivesseesperandoporaquelemomentodurantequaseumadécada,Langfordhaviaacabadode ameaçar a única coisa que lhe era preciosa. Michael paralisou com essepensamento.A única coisa que lhe era preciosa. Era verdade. Havia Penélope, edepoistodooresto.Todasasterras, todoodinheiro,oAnjoCaído,avingança…nadadaquilovaliasequerumafraçãodaquelamulher.Aquelamulhermaravilhosaquehaviaviradoascostasparaeleumavezmais,estavaencarandooinimigodeleeacenando uma mão para porta, onde Bruno e agora Cross estavam parados,parecendomuitosériosemuitoassustadores.
“Gostariadetentarfugirantesdeeuterminar?”Michaelnãopôdeevitar.Elesorriu.Elaeraumarainhaguerreira.Sua rainha
guerreira.“Vocêteveumavidamuitolivredeconsequências,Langford,e,emboraeulhe
assegurequeadorariavê-loperdertudooquelheimportaemumasótacada,temoqueissocobrariaumpreçomuitoaltodaquelesaquemamo.”
Ela olhou para a mesa, vendo os papéis ali expostos, compreendendoimediatamenteasituação.
“É para ser uma aposta, então?O vencedor fica com tudo?”Ela olhou paraMichael, os olhos arregalados de emoção por uma fração de segundo antes dedesviaroolharqueelereconheceumesmoassim–decepção.“Vocêiaapostar?”
Elequeriadizeraverdadeaela,quetinhadecididoantesdelaentrarquenãovaliaapena…quenadadaquilovaliaarriscarafelicidadedela.Ofuturodeles.MasPenélopejáhaviaseviradoparaaporta.
“Cross?”Crossseendireitou.“Senhora?”“Tragaumbaralho.”CrossolhouparaBourne.“Eunãoachoque…”Bourneassentiuumavezcomacabeça.“Adamadesejaumbaralho.”Crossnãoiaalugaralgumsemsuascartas,entãoatravessouasalaeentregou
obaralhoaPenélope.Elasacudiuacabeça.“Eupretendojogar.Precisamosdeumcrupiê.”MichaelvoltouoolharparaelaquandoLangfordzombou:“Eunãovoujogarcartascomumamulher.”Elaassumiuolugaremumladodamesa.“Eu normalmente não jogo cartas com homens que roubam heranças de
garotos,masestanoitepareceserumanoitedeexceções.”CrossolhouparaMichael.“Elaéincrível.”Michaelfoidominadopelapossessividadequandosentounacadeiramantendo
osolhosfixosnaesposa.“Elaéminha.”Langfordinclinou-senadireçãodePenélope,oolharfurioso.“Eunão jogocartascommulheresecertamentenão jogocommulheresque
nãotenhamnadaqueeuqueira.”Penélopetiroudedentrodocorpeteumpapelseu,quepôsemcimadamesa.“Pelo contrário, tenho algo que você quer desesperadamente.” Michael
inclinou-separafrenteparavermelhoropapel,masPenélopeocobriucomamão.Quando ele levantou a cabeça, o olhar azul e frio de sua esposa estava sobre ovisconde.“Tommynãoéseuúnicosegredo,nãoé?”
Langfordestreitouosolhos,furioso.“Oquevocêtem?Ondeconseguiu?”Penélopelevantouumasobrancelha.
“Parecequejogarácartascomumamulher,afinal.”“Qualquercoisaquetiver,destruiráTommyigualmente.”“Acho que ele ficará bem se tiver permissão para ir embora. Mas, eu lhe
garanto,vocênão.”Elafezumapausa.“Eachoquesabeporquê.”Langfordfranziuatesta,eMichaelreconheceuafrustraçãoearaivanorosto
dooutrohomem,aosevirarparaCross.“Dêascartas.”Cross olhou para Michael, a pergunta em seu olhar tão clara como se ele
tivesse falado em voz alta. Michael não apostava havia nove anos. Durante todoaquele tempo, não tinha jogado uma única rodada de cartas, como se estivesseesperandoporaquelemomento,quandoapostariacontraLangfordnovamente…e,dessavez,venceria.Masaoveraesposa,orgulhosaegloriosa,enfrentarohomemqueelepassoutantotempodavidaodiando,elesedeucontadequeaqueledesejomalditoqueotinhaimportunadodurantetodaaúltimadécadasemprequepensavaemLangfordenasterrasqueelelhehaviaroubadohaviadesaparecido,juntocomseudesejodevingança.Aquelesdesejoseramseupassado.Penélopeeraseufuturo.Seeleamerecesse.
“Adamajogapormim.”EletirouaprovadailegitimidadedeTommydeondeestavanafrentedeleeapôssobreamesadiantedela,quevoltouaatençãoparaele,os olhos claros e azuis, cheios de surpresa ao registrar o significado domovimento. Ele não arruinaria Tommy. Algo atravessou sua expressão… umamistura de felicidade, orgulho e mais alguma coisa, e Michael decidiu naqueleinstante trazê-la de volta muitas e muitas vezes, todos os dias. A expressãodesapareceuemuminstante,substituídapor…súbitaapreensão.
“Temoquequeria,amor.Éseu.”Elelevantouumasobrancelha.“Maseunãoparariasefossevocê.Estánumaondadesorte.”
ElaolhouparaaapostadeLangford–opassadodeMichael–,eelequisbeijá-laprofundamentepelaemoçãoquedemonstrou…nervosismoedesejo…desejodevencer. Por ele. Acenou com a cabeça para Cross, que deu início aos trabalhos,embaralhandoascartascommovimentosrápidosehábeis.
“Umamãodevingt-et-un.Ovencedorficacomtudo.”Crossdeuascartas,umaparabaixo,umaparacima,eocorreuaMichaelqueo
jogo não era para damas. Embora as regras fossem enganosamente simples,Penélope provavelmente jamais o havia jogado, e sem um golpe de sorte muitobom, ela se veria destruída por um jogador veterano como Langford. EnquantoMichaelpensavanessapossibilidade–dequedepoisdetodosaquelesanoseleteriachegado tão perto de destruir Langford e recuperar as terras do marquesado, efracassado–,percebeuque,portempodemais,tinhaconsideradoessascoisascomomarcosdesuaredenção.Agora,noentanto,conheciaaverdade.Penélopeerasuaredenção.Diante dela, virado para cima, estava o quatro de paus.Ele a observou
levantarocantodaoutracarta,embuscadequalquerindicaçãodoqueelapoderiater namão. Imaginou que não era nada impressionante. Virou-se para Langford,encarandoumdezdecopas,amãoesquerdaespalmadasobreamesa,comosempre.CrossolhouparaLangford,quebateucomapalmadamãonamesaumavez.
“Segure.”Umaboamão.LangfordprovavelmentechegavaàmesaconclusãodeMichael–quePenélope
eraumanovatae,comotodasasnovatas,pediriacartasdemais.CrossolhouparaPenélope.
“Senhora?”Elamordiscouolábioinferior,chamandoaatençãodeMichael.“Podemedaroutra?”Um ladodabocadeMichael levantouemumsinal de sorriso.Tãoeducada,
mesmo apostando mais de um milhão de libras em imóveis em um dos maisexclusivos cassinos deLondres.Cross deumais uma carta: o três de copas. Sete.Michaeldesejouqueelasegurasse,sabendoqueapróximacartaalevariaacimadevinteeum.Eraoerromaiscomum,apostaremumpardecartasbaixas.
“Outra,porfavor.”Crosshesitou,sabendodaschancesenãogostandodelas.“A moça pediu outra carta”, Langford disse, todo convencido, sabendo que
estavaprestesavencer,eMichaeljurouque,emboraooutropudessedeixaroclubesemperdernada,sairiadelátendosentidotodaaforçadeseupunho.
O seis de copas ganhou o lugar ao lado das outras cartas. Treze. Penélopemordeuolábioeconferiuacartaviradaparabaixonovamente–provadequeeranovatanojogo.Setivessevinteeum,nãoteriaolhado.EncarouCross,e,comosolhospreocupados, encarouMichael.Ele seriaCapazde apostar toda sua fortunaqueelahaviapassado.
“Sóisso?”“Amenosquequeiraoutra.”Elasacudiuacabeça.“Não.”“Agarota passou.Umcego veria isso.”Langford revelou sua segunda carta
comumsorriso:umadama.Vinte.OviscondeeraohomemdemaiorsorteemLondresnaquelanoite.EMichael
nãoseimportava.Simplesmentequeriaqueaquelanoiteacabasse,parapoderlevarsuaesposaparacasaedizeraelaqueaamava.Finalmente.
“Defato,passeidevinte”,Penélopedisse,revelandosuacartafinal.Michael inclinou-se para frente, certo de estar enganado. O oito de ouros.
Crossnãoconseguiuconterasurpresanavoz.“Adamatemvinteeum.”“Impossível!”Langfordinclinou-separafrente.“Impossível!”
Michaelnãoconseguiuseconter.Deurisada,chamandoaatençãodelacomosom.
“Minha esposa magnífica”, ele disse, a voz cheia de orgulho, sacudindo acabeça,semacreditar.
Houveummovimentoatrásdela,eabrigacomeçou.“Suacadela trapaceira.”Asmãos pesadas de Langford estavam nos ombros
dela,arrancando-adacadeiracomraivafuriosa.Penélopegritoue tropeçouantesdele levantá-la do chão e sacudi-la violentamente. “Acha que isto é umabrincadeira?Suacadelatrapaceira!”
Nãopassoumais do que umou dois segundos paraMichael alcançá-la,maspareceu uma eternidade o tempo que ele levou para arrancá-la dos braços deLangfordepassá-laparaCross,quejáestavaapostos,esperandoparamantê-laasalvo.EentãoMichaelfoiparacimadeLangfordcomfúriavisceral.
“Eunãoprecisoacabarcomvocê,afinal”,elerosnou.“Ireimatá-lo.”Eentãoestavacomaslapelasdooutronasmãos,girando-onadireçãodaparede,jogando-ocontraelacomtodaaforça,querendopuni-loininterruptamenteporousartocaremPenélope.
Porousarmachucá-la.Queriaaquelehomemmorto.Naquelemomento.“Achaqueeuaindasouumgaroto?”,eleperguntou,puxandoLangfordpara
longe da parede e atirando-o novamente contra ela. “Acha que pode vir aomeuclubeeameaçarminhaesposasemrepercussões?Achaqueeudeixariavocêtocarnela?Vocênãoédignoderespiraromesmoarqueela.”
“Michael!”,elagritoudooutroladodasala,ondeCrossaimpediadeentrarnaconfusão. “Parecom isso!”Ele sevirouparaela,viuas lágrimasescorrendoemseu rosto e paralisou, dividido entre machucar Langford e confortá-la. “Ele nãovaleapena,Michael.”
“Você se casou com ela pela terra”, Langford disse, recuperando o fôlego.“Pode ter enganado o resto de Londres, mas não a mim. Eu sei que Falconwellimportamais avocêdoquequalquer coisanomundo.Ela eraummeioparaumfim.Achaquenãovejoisso?”
Ummeioparaum fim.Oecodaspalavras– tão frequentemente repetidasnocomeçodo casamentodos dois – foi umgolpe, emparte por seremverdadeiras,masprincipalmenteporseremtãofalsas.
“Seu miserável. Acha que me conhece?” Atirou Langford contra a paredenovamente,aforçadaemoçãoodeixandofurioso.“Euaamo.Elaéaúnicacoisaqueimporta.Evocêousoutocarnela.”
Langfordabriuabocaparafalar,masMichaelointerrompeu.“Vocênãomerecemisericórdia.Foiumadesgraçacomopai,comoguardiãoe
como homem. Por causa da generosidade da dama, vocême deve o fato de queainda pode caminhar.Mas se chegar a um quilômetro dela novamente, ou se eu
ouvirumsussurroseucontraela, tereiprazeremarrancarcadamembroseu.Fuiclaro?”
Langfordengoliuemsecoeassentiurapidamentecomacabeça.“Sim.”“Duvidaqueeufariaisso?”“Não.”EmpurrouoviscondenadireçãodeBruno.“Livre-se dele. E mande buscar Thomas Alles.” Michael atravessou a sala,
certodequesuasordensseriamcumpridas,eabraçouPenélopecomforça.Eladeitouorostonacurvadeseupescoço.“Oque foiquevocêdisse?”, ela sussurroupara apeledele, avoz tremendo
enquanto asmãos dele a seguravam contra si. Levantou a cabeça, os olhos azuisbrilhandocomaslágrimas,erepetiu:“Oquefoiquevocêdisse?”.
Não foi da forma como ele havia planejado lhe dizer, mas nada em seucasamento acontecia demodo tradicional, e ele pensou que aquelemomento nãotinhaporqueserdiferentedetodooresto.Entãoali,paradonomeiodeumasaladejogosdecartasdeumcassino,eleencarouaesposanosolhosedisse:
“Euamovocê.”Elasacudiuacabeça.“Masvocêescolheuaele.Vocêescolheuavingança.”“Não”,eledisse,apoiando-senamesa,puxando-aparaomeiodesuascoxas,
segurandoasmãosdelanasdele.“Não.Euescolhovocê.Euescolhooamor.”Penélopeinclinouacabeça,olhandonofundodosolhosdele.“Issoéverdade?”E, de repente, a verdade importava mais do que ele jamais poderia ter
imaginado.“Meu Deus, sim. Sim, é verdade.” Ele segurou o rosto dela nas mãos. “Eu
escolhovocê,Penélope.Euescolhooamoremvezdavingança.Escolhoofuturoemvezdopassado.Escolhoasuafelicidadeemvezdetodooresto.”
Ela ficou em silêncio por um longo tempo. Tempo suficiente para deixá-lopreocupado.
“SeisCents?”,eleperguntou,subitamenteapavorado.“Vocêacreditaemmim?”“Eu…”,elacomeçou,entãoparou,eelesoubeoqueelaestavaprestesadizer.Desejouquepudesseimpedir.“Nãosei...”
CapítuloVinteeDois
Penélopenãodormiunaquelanoite.Nemsequer tentou.Assim,quandoTommyaprocurou namanhã seguinte, não importava que fosse cedo demais para recebervisitas.Eleestavaparadodiantedalareira,desobretudo,chapéuebengalanamão,quando ela entrou na antessala. Ele se virou, viu os olhos vermelhos da amiga edisse,cheiodecuidado:
“Deusmeu.Suaaparênciaestátãohorrívelcomoadele.”Foitudooqueprecisou.Elaexplodiunochoro.Tommyfoiemsuadireção.“Ah,Pen.Não.Ah–maldição.Nãochore.Euretirooquedisse.Vocênãoestá
horrível.”“Mentiroso”,eladisse,secandoaslágrimas.UmcantodabocadeTommylevantou.“Deformaalguma.Vocêestáótima.Nemumpoucoparecidacomumadama
falsa.”Elasesentiuumatola.“Nãoconsigoevitar,sabe.”“Vocêoama.”Penéloperespiroufundo.“Profundamente.”“Eeleamavocê.”Aslágrimasameaçaramvoltar.“Eledizquesim.”“Vocênãoacreditanele?”Penélopequeriaacreditar.Desesperadamente.“Eunãoconsigo…nãoentendoporqueelemeamaria.Nãocompreendooque
emmimo teriamudado.Oqueo teria tocado.Oqueo teria feitomeamar.”Elaencolheuumombroeolhouparaospés,apontadossapatosverdesaparecendoporbaixodabarradovestido.
“Ah,Pen…”Elesuspirou,puxando-aparaumabraçocalorosoefraternal.“Eufui um idiota. E Leighton também. E todos os outros. Você era melhor do quequalquerumdenós.Doquetodosnóssomados.”Tommydeuumpassoparatrásesegurou-apelosombros,firmemente,encarando-anosolhos.“EvocêémelhordoqueMichaeltambém.”
Ela respirou fundo, estendendo a mão para alisar a lapela do sobretudo doamigo.
“Nãosou,sabe.”
Umladodabocadoamigolevantouemumsorrisotriste.“Eesteéomotivopeloqualelenãomerecevocê.Porqueeleéumcretino,e
vocêoamamesmoassim.”“Amo”,eladissebaixinho.“Euoviontemànoite,sabe,depoisquevocêodeixou.”Elaolhouparacima.
“Elemedeuaprovadomeuescândalo.Dissequevocêaganhoudele.”“Ele a deuparamim”,Penélope corrigiu. “Nãoprecisei apostar por ela.Ele
nãoiaarruiná-lo,Tommy.Eledesistiu.”Tommysacudiuacabeça.“Vocêofezdesistir.Vocêoamouobastanteparamostraraelequehaviamais
na vida do que vingança. Você o mudou. Você deu a ele outra chance de ser oMichaelqueconhecíamos,emvezdoBourneduroe frioqueele se tornou.Vocêmoveuamontanha.”Elelevantouamãoparalhedarumtapinhanoqueixo.“Eleaadora.Qualquerumpodeverisso.”
Euescolhovocê.Euescolhooamor.Aspalavrasqueelarepetiuváriasvezes,mentalmente ao longo da noite, de repente faziam sentido. E, como se uma velativessesidoacesa,elasoube,semdúvida,queeramverdadeiras.Queeleaamava.Essapercepçãoadeixouexultante.
“Ele me ama”, ela disse, primeiro baixinho, deixando as palavras ecoarem,testando a sensação delas em sua boca. “Eleme ama”, ela repetiu, dando risada,dessavezparaTommy.“Elerealmentemeama.”
“Éclaroqueama,suaboba”,Tommydissecomumsorriso.“HomenscomoBourne não fazem juras falsas de amor.” Ele baixou a voz até um sussurroconspiratório.“Nãocombinamuitobemcomopersonagem.”
Claroquenão!OgrandeeperigosoBourne,todofrioecruel,ohomemqueadministravaumantrodejogatina,raptavamulheresnomeiodanoiteeviviaavidapor vingança não era alguém que se apaixonava pela própria esposa. Mas, dealgumaforma,elehaviafeitoisso.EPenélopesabiaquenãodeviapassarnemmaisuminstanteseperguntandocomoouporquê…quandopodiasimplesmentepassarorestodavidaretribuindoseuamor.
ElasorriuparaTommyedisse:“Precisoiratrásdele.Precisodizerqueacreditonele.”Oamigoassentiuumavezcomacabeça,satisfeito,endireitandoosobretudo.“Ótimoplano.Mas,antesdesaircorrendoparasalvarseucasamento,temum
instanteparadizeradeusaumvelhoamigo?”EmsuaansiedadeparairaoencontrodeMichael,Penélopenãocompreendeu
aspalavrasimediatamente.“Sim,éclaro.”Elafezumapausa.“Espere...Adeus?”“EstoupartindoparaaÍndia.Onaviosaihoje.”“Índia?Porquê?”Elafranziuatesta.“Tommy,vocênãoprecisairagora.Seu
segredo…éseunovamente.”“Epor issoeusereieternamentegrato.Masestoucompassagemmarcada,e
seriaumapenadesperdiçá-la.”Elaoobservouatentamente.“Realmentedesejaisso?”Elelevantouumasobrancelha.“VocêrealmentedesejaMichael?”Sim.MeuDeus,sim.Penélopesorriu.“Entãoquesejaumaaventuraparanósdois.”Eleriu.“Desconfioqueasuasejamaisdesafiadoradoqueaminha.”“Sentireisuafalta”,eladisse.Tommyabaixouacabeça.“Eeuasua.Masenviareipresentesdelongeparaseusfilhos.”Filhos.ElaqueriaverMichael.Imediatamente.“Por favor, faça isso”, ela disse. “E eu lhes contarei histórias de seu tio
Tommy.”“Michael iráadorar isso”,elerespondeudandoumarisada.“Esperoqueeles
sigamosmeuspassos,tornando-sepescadoresextraordináriosepoetasmedíocres.Agora,váencontrarseumarido.”
Elasorriu.“Creioqueirei.”
Michael subiu a escada de entrada da Mansão do Diabo de dois em doisdegraus,desesperadoparachegaràesposa, furiosoconsigomesmopornão tê-latrancadoemumasaladoclubenanoite anteriore se recusadoadeixá-la sair atéacreditarqueeleaamava.Comoelapodianãoacreditarnele.Comopodianãoverque ela estava provocando estragos em sua mente e seu corpo, que ela haviadestruído sua tranquilidade e o aniquilado com seu amor? Como podia nãoenxergarqueeleestavadesesperadoporela?
A porta se abriu quando ele chegou ao último degrau, e o objeto de seuspensamentossaiucorrendodacasa,quaseoderrubandoescadaabaixo.Elaparouderepente,aCapaverdegirandoaoseuredor,roçandonaspernasdele,eosdoisseencararamporumlongomomento.Elerecuperouofôlegodiantedela.Comoerapossível que algum dia a tivesse considerado sem graça? Ela parecia uma joianaquele dia frio e chuvoso de fevereiro, bochechas coradas, olhos azuis e lábiosrosadosqueofaziamquererlevá-laparaacamamaispróxima.Paraacamadeles.Porqueestavanahoradeosdoisteremumacama.Eleiaderrubaraparedeentreosquartos para nuncamais precisar olhar para aquelamaldita porta novamente.Elainterrompeuseuspensamentos.
“Michael…”“Espere.” Ele a interrompeu, não querendo arriscar ouvir o que ela tinha a
dizer.Nãoantesdefalarasuaparte.“Sintomuito.Podeentrar,porfavor?”Elaoacompanhouparadentrodecasa,osomdagrandeportadecarvalhoque
sefechavaatrásdelesecoandonosaguãodemármore.Oolhardeladesviouparaopacotenamãodele.
“Oqueéisso?”Elehaviaseesquecidodequeestavacomaquilo.Suaarma.“Venha comigo.” Ele pegou suamão, desejando que não estivessem usando
luvas,desejandoquepudessetocá-la,pelenapele,esubiuaescadaatéoprimeiroandardacasa,puxando-aparaasaladejantarecolocandoopacoteembrulhadoempapelpergaminhosobrealongamesademogno.
“Éparavocê.”Elasorriu,curiosa,eeleresistiuaodesejodebeijá-la,semquererapressaras
coisas.Semquererassustá-la.Elaabriuopapelcuidadosamente,puxando-oapenaso suficiente para espiar o que havia dentro.Olhou para cima, a testa franzida deconfusãoantesderemoveropergaminho.
“É…”“Espere.”Elepegouumfósforo,eacendeu.Elariu,eelerelaxouumpoucocomosom,comomúsicanosalãovazio.“Éumpudimdefigo.”“Nãoqueroquesejaumamentira,SeisCents.Queroquesejaaverdade.Quero
que tenhamos nos apaixonado com um pudim de figo”, ele disse, com a vozembargada.“Emvocê,euvejoomeucoração,omeupropósito…aminhaalma.”
Houveummomentodesilêncioabsolutoquandoelarecordoudaprimeiravezqueelehaviaditoaquelaspalavras,eelepensou,fugazmente,quepudessesertardedemais. Que aquele pudim bobo era muito pouco.Mas então ela estava em seusbraços, beijando-o, e ele pôs todo seu amor, toda sua emoção naquela carícia,adorando a forma como asmãos dela brincavam em sua nuca, adorando o arfardelaquandoelesegurouseulábioinferiorentreosdentes.Elaseafastoueabriuoslindosolhosazuisparaencará-lo,maselenãoestavaprontoparasoltá-la,erouboumaisumbeijoantesdeprometer:
“Eu sou seu, meu amor… seu, para fazer comigo o que quiser. Quando aroubei no meio da noite e a reivindiquei como minha, como poderia saber queagora,estanoite,parasempre,euqueseriaseu?Queomeucoraçãoseriaroubado?Seiquesou indignodevocê.Seique tenhoumavida inteirade ruínaqueprecisoreparar.Maseujuroquefarei tudooquepuderparafazê-lafeliz,meuamor.Voutrabalhar todos os dias para ser um homem digno de você. Do seu amor. Porfavor…porfavor,medêessachance.”
Porfavor,acrediteemmim.Osolhosdelaseencheramdelágrimas,equando
ela sacudiuacabeça,ele ficousemfôlego, inCapazdeencararapossibilidadedeelarejeitá-lo,denãoacreditarnele.Osilêncioseestendeuentreosdois,eeleficoudesesperadopelaspalavrasdePenélope.
“Durantetantotempo,eudesejei”,elasussurrou,osdedosnorostodele,comoqueparaconvencerasimesmaqueeleestavalá.Queeleeradela.“Euansieipormais, sonheicomamor.Eudesejeiestemomento.Eudesejeivocê.”Uma lágrimacorreu,descendopelo rostoencantador,eele levantouamãoparasecá-la.“Achoqueeuoamodesdequeéramoscrianças,Michael.Achoquesemprefoivocê.”
Eleencostouatestanadela,puxando-aparaele,querendo-apertodesi.“Euestouaqui.Souseu.E,porDeus,Penélope,eudesejeivocêtambém.Tanto,
tanto.”Elasorriu,tãolinda.“Comoissoépossível?”“Como poderia não ser?”, ele perguntou, as palavras roucas e cheias de
emoção.“Durantenoveanos,euachavaqueeraavingançaqueiriamesalvar,efoiprecisovocê–minhaesposalindaeforte–paraprovarqueeuestavaerrado,queoamor era aminha salvação.Você é aminha redenção”, ele sussurrou. “Você é aminhabênção.”
Elaestavachorandodeverdade, eelebebeusuas lágrimasantesdeCapturarsua boca emumbeijo longo e intenso, despejando todo seu amor na carícia, atéambosestaremarfando,semfôlego.Elelevantouacabeça.
“Digaqueacreditaemmim.”“Euacreditoemvocê.”Michael fechou os olhos diante da onda de alívio que tomou conta dele ao
ouviraquelaspalavras.“Digadenovo.”“Euacreditoemvocê,Michael.”“Euamovocê.”Penélopesorriu.“Eusei.”Eleabeijou,profundaerapidamente.“Écostumeadamaretribuirosentimento...”Elariu.“É?”Elefezumacareta.“Digaquemeama,LadyPenélope.”“ÉLadyBourne,paravocê.”Elapassouosbraçosaoredordosombrosdelee
enroscou os dedos em seus cabelos. “Eu amo você, Michael. Amo vocêdesesperadamente.Eestoumuitofelizquetenhadecididomeamartambém.”
“Como eu poderia não amar?”, ele perguntou. “Você é minha guerreira,
enfrentandoBrunoeLangfordparalutar.”Elasorriutimidamente.“Não consegui ir embora. Eu não seria seu anjo caído. Eu o seguiria até o
inferno…masapenasparatrazê-lodevolta.”Aspalavrasocomoveram.“Eunãomereçovocê”,eledisse,“mastemoquenãopossodeixá-lair.”Oolharazulsériodelanãoseabalouquandoelaperguntou:“Promete?”Comtudooqueeleera.“Prometo.” Michael a envolveu em seus braços, repousando o queixo na
cabeça da amada, antes de lembrar da outra coisa que havia levado para ela.“Trouxeseusganhos,amor.”Tirouospapéisdojogodecartasdanoiteanterioreoscolocouaoladodopudim.
“Suapropriedade.”Deuumbeijonopescoçodelaesorriuquandoelasuspiroucomacarícia.“Nãominha.Sua.Conquistadafacilmente.”Elasacudiuacabeça.“Háapenasumacoisadosganhosdeontemànoitequeeuquero.”“Oqueé?”Elaselevantouparabeijá-lointensamente,deixando-osemfôlego.“Você.”“Achoquepoderásearrependerdesseganho,SeisCents.”Elasacudiuacabeça,muitoséria.“Jamais.”Osdoissebeijaramnovamente,perdendo-seumnooutroporlongosminutos,
antesdeleficarcuriosoelevantaracabeça.“OquevocêtinhacontraLangford?”Eladeuumarisadinhaedeuavoltaneleparapegaraaposta,revirandoapilha
depapéisonderecuperouoquadradinhodepapel.“Vocêseesqueceudemeensinararegramaisimportantedoscanalhas.”“Queéqual?”Eladesdobroucuidadosamenteopapeleentregou-oparaele.“Nadúvida,blefe.”EraoconvitedelaparaoAnjoCaído.Asurpresadeulugaraoriso,eentãoao
orgulho.“Minhaesposaespertaejogadora.Euacrediteiquevocêtinhaalgorealmente
danoso.”Ela sorriu, corajosa e alegre, e ele achou que havia conversado demais.
Preferiulevaraesposaatéochãodasaladejantaredeixá-lanua,idolatrandocadacentímetro glorioso de pele que ela revelava. E quando a risada deu lugar aos
suspiros,elealembrourepetidamentedoquantoaamava.Durante anos, quando os filhos e netos perguntavam sobre amarca redonda
escura namesa de jantar daMansão doDiabo, amarquesa de Bourne contava ahistória de um pudim de figo que deu errado… antes do marquês dizer que, naopiniãodele,haviadadomuitocerto.
EpílogoCaraSeisCents,Euguardei todaselas,sabe.Cadacartaquevocêmemandou,mesmoaquelas
quenuncarespondi.Sintomuitoportantascoisas,meuamor:portê-ladeixado,pornuncavoltarparacasa,porterlevadotantotempoparamedarcontadequevocêeraomeulareque,comvocêaomeulado,nadamaisimportava.
Mas, nas horasmais escuras, nas noitesmais frias, quando sentia que haviaperdido tudo, eu ainda tinha suas cartas. E, através delas, de algummodo, tinhavocê.
Eu a amava então, minha querida Penélope, mais do que podia imaginar –exatamentecomoaamoagora,maisdoquevocêpodeentender.
MichaelMansãodoDiabo,fevereirode1831
Umasemanadepois...Comocostumavaocorrer,Crossacordouemumacamaimprovisadadentrodeseuescritório noAnjoCaído, entre uma estante de livros lotada e um imenso globoterrestre,cercadodepapéis.Noentanto,aocontráriodoquecostumavaacontecer,havia umamulher sentada à suamesa. Corrigindo.Não umamulher.Uma dama.Umadamajovem,loiraedeóculos.Elaestavalendoolivrocontábil.
Ele se sentou, ignorando o fato de que estava sem camisa e que,convencionalmente, cavalheiros não cumprimentavam damas seminus. Azar dasconvenções. Se a mulher não queria vê-lo seminu, não deveria ter invadido seuescritórioànoite.Ofatodequeamaioriadoshomensnãotinhaohábitodedormiremseusescritóriostinhapoucarelevância.
“Possoajudá-la?”Elanãoergueuoolhar.“VocêcalculouerradoacolunaF.”Quediabo?“Nãocalculei.”Elaempurrouosóculosnonarizepassouumamechadecabelosloirospara
trásdaorelha,inteiramentefocadanolivrocontábil.“Calculou, sim. O cálculo correto deveria dar cento e dozemil, trezentos e
quarentaeseislibrasedezessetecentavos.”Impossível!Eleselevantou,indoolharporcimadoombrodela.“Éoquedizaí.”Ela sacudiu a cabeça, apontando para a tabela com um dedo esguio. Ele
percebeuqueapontadodedoeraligeiramentetorta,umpoucoparaadireita.“Vocêescreveucentoedozemil,trezentosequarentaecincolibrasedezessete
centavos. Você…” Ela olhou para ele, arregalando os olhos atrás dos óculos aoregistraraalturaeopeitonudele.“Você…vocêperdeuumalibra.”
Eleseinclinouporcimadela,deliberadamentepressionando-aeapreciandoaformacomoafezprenderofôlegocomaproximidade.
“Issoéumseis.”Elalimpouagargantaeolhounovamente.“Ah.” Ela se inclinou e conferiu o número novamente. “Então imagino que
tenhaperdidosuahabilidadedeescrita”,eladissesecamente,eele riuquandoelapegouumlápisparaarrumaronúmero.
Cross observou, fascinado com o calo na ponta do segundo dedo, antes desussurrarbaixoemseuouvido:
“Você é uma fada da contabilidade que foi mandada no meio da noite parachecarmeusnúmeros?”
Elaseinclinouparalongedosussurroevirou-separaolharparaele.“Éumahora da tarde”, ela disse, comnaturalidade, e ele sentiu uma imensa
vontadedetirarosóculosdorostodelaebeijá-laenlouquecidamente,apenasparaveroqueaquelamoçaestranhadiria.
Preferiureprimirodesejoeemvezdisso,sorriu.“Enviadanacaladadodia,então?”Elapiscou.“SouPhilippaMarbury.”Ele arregalou os olhos e deu um imenso passo para trás, derrubando um
chapéuevirando-separasegurá-lo,antesdesedarcontadequedeformaalgumapoderiaestarparadoemseuescritório,emumantrodejogatina,semcamisa,comacunhadadeBourne.AcunhadacomprometidadeBourne.
Pegouumacamisa.Estavaamassadaeusada,masserviria.Enquantoprocuravainfrutiferamente pela abertura no tecido, voltou a recuar, paramais longe.Ela selevantouedeuavoltanamesa,indonasuadireção.
“Incomodeivocê?”Por que aquela camisa não tinha uma abertura? Como último recurso, ele
segurouapeçaderoupanafrentedocorpo,umescudocontraosolhosimensoseperspicazesdela.
“De forma alguma,mas não tenho por hábitomanter encontros clandestinoscomairmãdeumdosmeussócios,seminu.”
Elapensounaspalavrasantesdeentortaracabeçaparaumladoedizer:“Bemvocêestavadormindo,então,nãotinharealmentecomoevitar.”“Dealgummodo,duvidoqueBournevejaissoassim.”“Pelomenosmeconcedaumaaudiência.Euvimatéaqui.”
Cross sabia que devia recusar. Sabia, com a experiência de um jogador delongadata,quenãodeveriacontinuaraquelejogo.Queeraumjogoimpossíveldeganhar.MashaviaalgonaquelamoçaqueodeixavainCapazdesecontrolar.
“Bem,jáqueveioatéaqui…comopossoservi-la,LadyPhilippa?”Philipparespiroufundoesoltouarespiração.“Precisomeperdereouvidizerquevocêéumespecialistanoassunto.”
Copyright©2012SarahTrabucchiCopyright©2015EditoraGutenberg
Títulooriginal:ARoguebyAnyOtherName
PublicadooriginalmentenosEstadosUnidospelaAvon,umselodaHarperCollinsPublishers.
Todos os direitos reservados pela Editora Gutenberg. Nenhuma parte destapublicaçãopoderáserreproduzida,sejapormeiosmecânicos,eletrônicos,sejaviacópiaxerográfica,semaautorizaçãopréviadaEditora.
PUBLISHERAlessandraJ.GelmanRuiz
EDITORASilviaTocciMasini
ASSISTENTESEDITORIAISCarolChristoFelipeCastilho
REVISÃOMoniqueD´OrazioAndresaVidalBranco
CapACarolOliveira(ArtedaCapaporAlanAyers)
DIAGRAMAÇÃOChristianeMorais
DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)CâmaraBrasileiradoLivro,SP,Brasil
MacLean,SarahEntreoamoreavingança/SarahMacLean;traduçãoCássiaZanon.–1.ed.–BeloHorizonte:EditoraGutenberg,2015.
Títulooriginal:ARoguebyAnyOtherName
ISBN978-85-8235-293-9
1.Ficçãohistórica2.Romancenorte-americanoI.Título.
15-04138CDD-813
Índicesparacatálogosistemático:1.Romanceshistóricos:Literatura
norte-americana813
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TableofContentsTítuloDedicatóriaEisolivro1BourneCapítuloUmCapítuloDoisCapítuloTrêsCapítuloQuatroCapítuloCincoCapítuloSeisCapítuloSeteCapítuloOitoCapítuloNoveCapítuloDezCapítuloOnzeCapítuloDozeCapítuloTrezeCapítuloCatorzeCapítuloQuinzeCapítuloDezesseisCapítuloDezesseteCapítuloDezoitoCapítuloDezenoveCapítuloVinteCapítuloVinteeUmCapítuloVinteeDoisEpílogoCopyright