entre estética e controle: o(s) ordenamento(s) dos espaços ... · se concretize, é preciso ordem...

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1 Entre estética e controle: o(s) ordenamento(s) dos espaços públicos urbanos Eixo temático 2: Produção Contemporânea do Espaço, Projetos de Urbanismo e a (Des)Construção do Comum Maria Isabel Costa Menezes da Rocha Doutoranda do PPG-AU FAUFBA 1 Estágio cientifico no CRESSON ENSAG 2 [email protected] RESUMO O artigo busca entender o processo de “ordenamento” dos espaços públicos urbanos de maneira a contextualizá-lo no Urbanismo atual, cujas palavras de ordem são Planejamento Estratégico e Segurança, e cujo efeito é a espetacularização urbana. Para tanto, é importante investigar a nomenclatura utilizada para se referir a este “ordenamento”, levando em conta os discursos de ordem urbana, mas também do desejo de pacificação da vida nos espaços públicos. O processo ou o conjunto de processos (enjeux): ordenamento, pacificação, espetacularização, entre outros muitas vezes se utiliza de outros nomes para referir-se. Nosso trabalho investiga então a natureza (objetivos) das atuais transformações urbanísticas, sobretudo no caso brasileiro, especialmente na cidade de Salvador, a partir dos termos utilizados pelo Urbanismo e/ou pelos gestores de cidades, com base no caráter utópico das ideias que guiam essas transformações. Neste sentido, o trabalho busca referências históricas de ordenamentos urbanos, relacionando-os com os discursos atuais do Planejamento Estratégico em geral, e os novos discursos securitários e higienistas em particular. Finalmente, propõe um diálogo e uma evolução do assunto a partir das manifestações recentes que ocuparam as ruas do Brasil, bem como da noção de espaços outros (heterotopias) enquanto lugares reais da vida em sociedade. PALAVRAS-CHAVE Ordenamentos; pacificação; espaços públicos; manifestações; Brasil. 1 Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia. Sob a orientação da Profa. Dra. Paola Berenstein Jacques. 2 Centre de recherche sur l'espace sonore et l'environnement urbain da Ecole d’Architecture de Grenoble. Sob a orientação da Dra. Rachel Thomas. Estágio com bolsa da CAPES PDSE.

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1

Entre estética e controle:

o(s) ordenamento(s) dos espaços públicos urbanos

Eixo temático 2: Produção Contemporânea do Espaço, Projetos de Urbanismo e a

(Des)Construção do Comum

Maria Isabel Costa Menezes da Rocha

Doutoranda do PPG-AU FAUFBA1

Estágio cientifico no CRESSON ENSAG2

[email protected]

RESUMO

O artigo busca entender o processo de “ordenamento” dos espaços públicos urbanos de

maneira a contextualizá-lo no Urbanismo atual, cujas palavras de ordem são Planejamento

Estratégico e Segurança, e cujo efeito é a espetacularização urbana. Para tanto, é importante

investigar a nomenclatura utilizada para se referir a este “ordenamento”, levando em conta os

discursos de ordem urbana, mas também do desejo de pacificação da vida nos espaços

públicos. O processo – ou o conjunto de processos (enjeux): ordenamento, pacificação,

espetacularização, entre outros – muitas vezes se utiliza de outros nomes para referir-se.

Nosso trabalho investiga então a natureza (objetivos) das atuais transformações urbanísticas,

sobretudo no caso brasileiro, especialmente na cidade de Salvador, a partir dos termos

utilizados pelo Urbanismo e/ou pelos gestores de cidades, com base no caráter utópico das

ideias que guiam essas transformações. Neste sentido, o trabalho busca referências históricas

de ordenamentos urbanos, relacionando-os com os discursos atuais do Planejamento

Estratégico em geral, e os novos discursos securitários e higienistas em particular. Finalmente,

propõe um diálogo e uma evolução do assunto a partir das manifestações recentes que

ocuparam as ruas do Brasil, bem como da noção de espaços outros (heterotopias) enquanto

lugares reais da vida em sociedade.

PALAVRAS-CHAVE

Ordenamentos; pacificação; espaços públicos; manifestações; Brasil.

1 Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia. Sob a orientação

da Profa. Dra. Paola Berenstein Jacques. 2 Centre de recherche sur l'espace sonore et l'environnement urbain da Ecole d’Architecture de Grenoble. Sob a

orientação da Dra. Rachel Thomas. Estágio com bolsa da CAPES – PDSE.

2

Entre estética e controle:

o(s) ordenamento(s) dos espaços públicos urbanos

Prólogo

O texto que se segue busca tensionar a noção de pacificação em relação aos espaços públicos

urbanos da atualidade. Para tanto, partimos do termo urbanístico mais comumente utilizado

para se referir à requalificação (revitalização, renovação, reestruturação, reurbanização, entre

tantos outros re-s) da cidade, ou seja, ordenamento (ou reordenamento). Buscamos na história

do urbanismo, indícios de que os ordenamentos urbanos eram e ainda são baseados em – além

da necessidade de dar fluidez ao trânsito, favorecer a circulação – um desejo de segurança

fomentado por uma classe média cada vez mais generalizada. Para tanto, faz-se necessário um

dispositivo, este que traduzimos aqui como pacificação. Interrogamos então, com base na

percepção da utopia (enquanto negação ou inverso de sociedade), esses ordenamentos

urbanos, especialmente os atuais, decorrentes do planejamento estratégico; da necessidade de

consenso e do apelo ao securitário. Finalmente, enxergamos uma possibilidade de abertura do

campo urbanístico aos “espaços outros”, como um desvio ao que Foucault chamou

heterotopias, lugares da vida real, e espaços da experiência cotidiana e/ou efêmera, muitas

vezes escondidos, negados, combatidos devido à necessidade de ordem, estética e controle

urbanos.

Por uma neutralização das classes perigosas: que nome para o processo?

O assunto do tratamento urbanístico dos espaços públicos gira atualmente em torno de

discursos sobre a qualidade estética, ambiental e/ou sanitária, sobre o conforto e segurança

dos usuários. De uma maneira geral, muitos autores chamam este discurso de higienista, ou

do novo higienismo. Este novo higienismo se basearia não somente na salubridade do

ambiente urbano e a saúde de seus habitantes, mas também (quiçá principalmente) em uma

“necessidade” de limpeza social. Esta necessidade é alimentada tanto pelo desejo de qualidade

estética, quanto de salubridade e principalmente, de segurança pública.

Tomamos então o discurso sobre o securitário. A segurança pública muitas vezes é entendida

como limpeza social, visto a “necessidade” de se controlar as “classes perigosas”, senão

exclui-las. Segundo Manuel Delgado, as classe perigosas são “aquellas que el nuevo

higienismo social, como el del siglo XIX, clama por ver neutralizadas, expulsadas o

sometidas a toda costa” (Delgado, 2005). No Brasil, um termo muito utilizado atualmente

para se referir ao controle das classes perigosas é a pacificação, relacionada ao contexto da

chamada urbanização das favelas, visto que o poder público alega que só pode ocupar esse

tipo de área, entrar nesse tipo de território na forma de serviços, se o mesmo estiver

devidamente pacificado. Diz-se que o programa de pacificação de favelas visa à retomada de

territórios ocupados por traficantes e milicianos, para “recuperar a cidadania” nas

3

comunidades. A pacificação pretende então resolver o problema em três frentes: ‘retomando’

os territórios, expulsando os grupos criminosos e integrando as comunidades à cidade.1 Neste

ultimo ponto, vê-se a valorização imobiliária do entorno como uma consequência positiva da

pacificação, sem levar em conta o perigo de “expulsão” dos próprios moradores devido ao

aumento do custo de vida e habitação. Quanto aos dois primeiros pontos, trata-se do que o

próprio programa chama de ocupação da favela pela polícia, quando geralmente acontecem

conflitos armados entre a tropa de choque e o crime organizado em meio ao espaço da favela.

Apenas depois deste confronto inicial – com a morte ou prisão dos principais traficantes

(entre outras pessoas) – uma unidade de polícia pacificadora (UPP) é instalada no local,

caracterizando uma (re) conquista do território da favela, pelo poder público.

Quanto ao termo ocupação, ele é usado com frequência como sinônimo ou efeito da

pacificação – nos diversos contextos de pacificação, seja das favelas pelas UPPs, seja das

tribos indígenas, seja dos espaços públicos – sempre com um apelo militarista. Desde a

pacificação dos povos indígenas havia fundamentalmente um interesse econômico no

território onde eles se encontravam e do qual sobreviviam. Até hoje podemos observar esse

interesse nos processos de pacificação de favelas e de outros espaços urbanos. Neste processo

de tomada ou “conquista” (remetendo-nos à colonização) de territórios visa-se igualmente a

neutralização, expulsão, enfim, submissão a todo custo de grupos de habitantes – no caso de

grupos indígenas, normalmente, não criminosos – e inclusive chegando-se ao extermínio.

Sabemos, portanto, que a prática de “retomada de territórios” e a “expulsão de grupos de

habitantes” criminosos ou não, acontece também em outras áreas da cidade, não somente em

favelas, quando se propõe a “revitalização” notadamente de espaços públicos com uma certa

visibilidade. Vemos então, um termo bem atual no campo do urbanismo. Revitalização tratar-

se-ia de uma forma ou estagio da pacificação, agora aplicada a areas da cidade formal?

Os projetos de “revitalização” se inserem francamente na lógica do Planejamento Estratégico

Urbano – herdado do planejamento estratégico das empresas, mas também com uma

referência, menos explícita, aos planos estratégicos militares – cujo modelo foi elaborado na

cidade de Barcelona no inicio da década de 90, e cujo objetivo é transformar os espaços da

cidade em atrativos, para explora-los enquanto marcas na indústria do turismo e no mercado

de cidades. Assim, atraem certas camadas da sociedade – a elite (que no Brasil o renegou

durante séculos de história) e a classe média em geral – e têm como consequência a expulsão

de outras camadas, devido à especulação imobiliária e ao aumento do custo de vida. A

higienização passa a ocorrer tanto no sentido físico (salubridade e estética) quanto no sentido

social (gentrificação2).

No tocante a essa classe média generalizada, autores como Laurent Matthey e Olivier Walther

(2005), consideram que o desejo de distinção de uma nova classe média em ascensão está no

seio do que eles chamam Novo Higienismo, ao lado de um “consumo ostensivo”. Os dois

elementos – “distinção de uma classe social em ascensão” e “consumo ostensivo” – seriam

geradores de um conjunto de práticas sociais, das quais se constitui o Novo Higienismo.

1 Governo do Rio de Janeiro, site exclusivo sobre as Unidades de Policia Pacificadora, do programa de

pacificação de favelas, que trata da ocupação e controle pela policia dessas regiões especificas da cidade.

www.upprj.com Consultado em 08/07/2013. 2 Enobrecimento de uma área urbana, com a retirada dos moradores/ usuários originais, geralmente os menos

favorecidos.

4

Neste sentido, o “modelo Barcelona” é criticado especialmente por se tratar de um plano de

desenvolvimento fundamentado no consenso social, como se tratasse de uma classe unica,

uma comunidade e não uma sociedade, já que a imagem da cidade deve ser (ou parecer)

produto de um consenso – todos os seus habitantes devem se identificar com esta imagem.

Para tanto, objetiva-se a eliminação do conflito, próprio ao convívio em sociedade, a partir da

promoção de um espírito cívico.

O civismo concebe a vida social como um colossal proscênio de e para o consenso, no qual

cidadãos livres e iguais concordam em conviver de maneira amavel, cumprindo um conunto

de preceitos abstratos de boa conduta. O cenário preferido desse limbo é um espaço público

não menos ideal de uma classe média universal dedicada ao exercício das boas práticas de

civilidade. Nesse espaço modélico, não se prevê a possibilidade de que irrompa [exploda] o

conflito, posto que na rua e na praça se pressupõe a realização da utopia de uma superação

absoluta das diferenças de classe e das contradições sociais por meio da aceitação comum de

um saber se comportar que nos torna iguais.3 (Delgado, 2005.[tradução livre])

A frustração do modelo Barcelona, segundo Delgado, é frequentemente atribuída ao

crescimento das chamadas “classes perigosas” (as classes excluidas da estratégia), bem como

de uma classe média desejosa de distinção, em vista disso, tem-se um apelo cada vez mais

forte e ao securitário.

No Brasil, a relação entre classe média em escensão e apelo ao securitário, foi analisada pela

filosofa Marilena Chauí. Com as políticas sociais recentes, diz-se que houve o crescimento da

classe média brasileira. Segundo Chauí, tratar-se-ia de uma nova classe trabalhadora, que se

encontra confrontada e confundida com os anseios e discursos da classe dominante.

Fragmentada, perpassada pelo individualismo competitivo, desprovida de um referencial

social e econômico sólido e claro, a classe média tende a alimentar o imaginário da ordem e

da segurança porque, em decorrência de sua fragmentação e de sua instabilidade, seu

imaginário é povoado por um sonho e por um pesadelo: seu sonho é tornar-se parte da classe

dominante; seu pesadelo é tornar-se proletária. Para que o sonho se realize e o pesadelo não

se concretize, é preciso ordem e segurança. (CHAUI, 2013. p. 131)

Além disso, ela considera que a democratização do espaço público se encontra ameaçada pela

hegemonia política e econômica do neoliberalismo4 e sobretudo pela estrutura autoritária e

hierarquizada da nossa sociedade. O poder público dos estados e municípios brasileiros vê

nestas características socioeconômicas e nesse imaginário de ordem e de segurança a

justificativa para se promover a pacificação (a começar pelas favelas) no intuito de mitigar o

conflito no espaço público.

Nos desenvolvimentos atuais de planificações e ordenamentos urbanos dos espaços públicos,

3 “El civismo concibe la vida social como un colosal proscenio de y para el consenso, en que ciudadanos libres e

iguales acuerdan convivir amablemente cumpliendo un conjunto de preceptos abstractos de buena conducta. El

escenario predilecto de ese limbo es un espacio público no menos ideal, en que una clase media universal se

dedica al ejercicio de las buenas prácticas de urbanidad. En ese espacio modélico no se prevé la posibilidad de

que irrumpa el conflicto, puesto que en la calle y la plaza se presupone la realización de la utopía de una

superación absoluta de las diferencias de clase y las contradicciones sociales por la vía de la aceptación común

de un saber comportarse que iguala.” (DELGADO, 2005.) 4 Atualmente, ela considera que estamos há dez anos em um período de políticas contrárias ao neoliberalismo.

5

o espaço é, portanto “restaurado em torno de projetos essencialmente securitários e mercantis”

(Thomas et alli, 2010). Tanto o aspecto securitário (do controle pela polícia), quanto o aspecto

mercantil (do controle pelo mercado) poderiam caracterizar esta “restauração” enquanto uma

ocupação do território e, portanto, uma forma de privatização, coerente com o desejo de

distinção de classe – inclusive no sentido de privar uma parte da sociedade do espaço público

restaurado (securitário) e do espaço privado enquanto propriedade (mercantilizada).

Aí se encontra a utopia da logica dos novos “ordenamentos” urbanos: implementar uma

ordem artificial, alheia ao contexto sócio-econômico, à pluralidade humana de cada cidade, e

às possibilidades de partilha sensível (Rancière) do espaço urbano fundada na regulação

natural entre os individuos. Para tanto, faz-se necessario uma pacificação, justificada pela

urgência em ocupar uma área no sentido de dominá-la, condicioná-la a um novo conjunto de

normas ou de estratégias. Poderiamos considerar a existência de um dispositivo – “qualquer

coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar,

modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres

viventes.” (Agamben, 2005) – formado por discursos, medidas de segurança, estruturas

arquitetônicas e urbanas, etc.

Nisto, o Planejamento Estratégico seria complementar ao (novo) higienismo que, segundo

Matthey e Walther, parte do que Foucault chamou de “biopoder” (1976 [1994]); um forma de

regulação que tange todos os aspectos da vida, com base em um discurso construído pelos

indivíduos de uma sociedade, com base no poder (classe) dominante, através de

intersubjetividades. O biopoder incita este discurso à generalização, não o reprime e, por

outro lado, abandona e tende a reprimir o discurso alternativo. Ele se apoia em um discurso

generalizado para regular, controlar toda uma sociedade. Ao lado disto têm-se e necessidade

de medidas de segurança, e de formas de organização da sociedade no espaço da cidade.

Tem-se então um dispositivo de pacificação, cujos elementos se confundem quando da

transformação efetiva do espaço urbano de uma maneira geral: física, cognitiva e social. Esta

transformação é objeto do trabalho sobre os aspectos sensíveis do espaço público, baseado na

sua experimentação.

Na prática, temos diversas nomenclaturas para nos referir a um mesmo fenômeno, ou

dispositivo, nos deteremos então no entendimento do que seria de fato uma pacificação dos

espaços públicos, com base nos discursos e desejos atuais de ordem urbana, sem negligenciar

as heranças históricas da questão do “ordenamento” das cidades.

Desde os primórdios (do urbanismo) até hoje em dia: o desejo de ordem estética e social

Ao longo da história, o desejo de controle social foi “traduzido” em controle do território

urbano em seus aspectos mais tangíveis, no intuito implícito de comunicar o poder e/ou o

discurso dominante, através de obras públicas de arquitetura e urbanismo.

Segundo Lewis Mumford, sobre a cidade através da história, podemos observar que muita

coisa permanece deste discurso de ordem urbana baseada em noções de estética e em uma

preocupação com as “fachadas”. Um dos exemplos é ja na a Grécia da época helenística:

6

A cidade tinha deixado de ser o lugar de uma ação dramática onde cada cidadão tinha seu

papel, sua réplica a transmitir; ela se torna uma espécie de arena, onde a equipe do poder

apresentava pomposamente seu espetáculo; e os edifícios implacavelmente alinhados em

duas filas paralelas ao longo das avenidas não eram mais que a bela fachada de um regime

fundado na força militar e nos métodos de exploração.5 (MUMFORD, 1964, p. 254-255.

Grifos nossos. [tradução livre])

Mais tarde, no período barroco europeu, o mesmo autor observa a abertura de largas avenidas

destinadas especialmente ao espetáculo do poder: os desfiles militares. Para tanto, era

importante observar ao mesmo tempo a boa largura da avenida e o seu alinhamento, pois

quem pretende governar pela força, algumas formas de traçados urbanos tornam-se

indispensáveis (Ibid.). Neste sentido, é importante notar o surgimento de uma preocupação

em se garantir a fluidez da circulação (primeiramente dos desfiles e operações militares)

através de avenidas mais largas, e um interesse cada vez maior em aumentar a velocidade

desta circulação:

“Sob tal patronato, os projetos dos urbanistas se confundiam com aqueles da classe

dominante e não levavam em conta o interesse geral do povo. (…) Visando antes de tudo

a eficácia e não conhecendo outros princípios além daqueles de uma certa estética, esses

urbanistas ignoravam quaisquer estruturas sociais da cidade ; buscando aumentar a

velocidade de circulação, eles não percebiam que comprometiam as possibilidades de

encontro e a cooperação social.”6 (Ibid. p. 490-491. [tradução livre] Grifos nossos.)

A questão de “comprometer as possibilidades de encontro e cooperação social” também está

presente na história, sem, no entanto, ser vista como problema pelos gestores urbanos. Os

interesses destes continuam a se confundir com aqueles da classe dominante e, portanto,

privados. Atualmente, eles tendem à obediência das leis de mercado e aliam-se aos interesses

privados das corporações, incluindo-se ai as organizações promotoras dos eventos esportivos

internacionais – FIFA, COI e afins. Podemos fazer um paralelo aqui com o que acontecia na

Grécia helenística, onde a cidade era transformada para que a equipe do poder apresentasse

seu espetáculo. Essa transformação ocorria fisicamente, com a abertura de largas avenidas e

construção de prédios desproporcionais à cidade, mas também em termos do ambiente7 que se

formava, visto o controle (repressão) pelas forças armadas, a ideia de espetaculo e “fachada”

– visando esconder todo tipo de atividade social que não condissesse com o novo modelo de

cidade – e a necessidade de circulação (cada vez mais) rápida.

5 “La cité avait cessé d’être le lieu d’une action dramatique où chaque citoyen avait son rôle, sa réplique, à faire

passer; elle devint une sorte d’arène, où l’équipe du pouvoir présentait pompeusement son spectacle; et les

bâtiments implacablement alignés en deux rangées parallèles le long des avenues n’étaient plus que la belle

façade d’un régime fondé sur la force militaire et les méthodes d’exploitation.” (MUMFORD, 1964, p. 254-255.) 6 “Sous un tel patronage, le conceptions des urbanistes se confondaient avec celles de la classe dominante et ne

tenaient aucun compte de l’intérêt général des populations. (…) Visant avant tout à l’efficacité et ne connaissant

d’autres principes que ceux d’une certaine esthétique, ces urbanistes ignoraient tout des structures sociales de

la cité; en cherchant à accroître la vitesse de circulation, ils ne se rendaient pas compte qu’ils compromettaient

les possibilités de rencontre et la coopération sociale” (Ibid. p. 490-491.) 7 O termo mais adequado aqui seria ambiência, entendida como a soma de fatores – auditivos, olfativos, táteis,

mas também cognitivos, subjetivos, etc. – que compõem o ambiente, influenciando direta ou indiretamente na

conduta/ postura dos seus usuários. Sobre este tema, destaca-se o Congresso Internacional sobre Ambiências: o

primeiro “Faire une ambiance”, realizado em Grenoble, França, em 2008; e o segundo “Ambiances en acte(s)”,

realizado em Montréal, Canada, em 2012.

7

Vemos naquela época, a presença militar no espaço público, para “comunicar” o seu poder,

estabelecendo um discurso dominante, e para garantir a ordem na cidade, como o dispositivo

de que falamos anteriormente. A questão das fachadas também já se mostra um esboço do

higienismo que viria a surgir depois, bem como a necessidade de regulação (pacificação) dos

conflitos entre classes sociais.

Um pouco mais recentemente, com a revolução industrial, vieram as constatações e os

constantes agravamentos dos problemas da habitação operária – nova classe que logo se

tornou a mais importante em número na cidade. Os pensadores mais conhecidos, como

Considérant, Engels ou Marx, escreveram seus manifestos contra as condições de vida do

proletariado, a exploração da mão-de-obra inclusive de crianças e a crescente diferença social.

Na época da revolução industrial, a humanidade conheceu a divisão – cada vez mais forte – da

sociedade em classes sociais; era o começo da luta de classes, segundo Marx e Engels. De

maneira simplificada, passava a existir na cidade duas grandes classes: o proletariado e a

burguesia. Mas, em um primeiro momento, o crescimento exacerbado das cidades

comprometia também as condições de vida da burguesia.

Os imóveis relacionados à burguesia constituíam uma versão, que se queria luxuosa, da

habitação da classe proletária. (…) Os burgueses passavam a ser encasernados como os

proletários. E estas duas populações tinham medo uma da outra. Para superar seu próprio

medo, a burguesia construiu em todas as cidades industriais da Inglaterra em primeiro lugar,

em seguida, em Paris, sob o Segundo Império, outros quartéis destinados a um exército (ou,

como os Estados Unidos, de 1870 a 1890, uma milícia), que era, como observou Mumford,

um'' verdadeiro exército de ocupação”.8 (RAGON, 1990. Pag. 28. [tradução livre])

Com esta citação, vemos os primeiros indícios de um desejo de se promover uma pacificação

entre as duas classes que se tinham um medo recíproco. Hoje em dia, ainda temos “burgueses

encasernados” em seus condomínios fechados e igualmente isolados (da cidade e da

sociedade) em seus carros e demais serviços privados. O que evidencia o desejo de distinção

de classe (burguesa e pequeno-burguesa) e juntamente a “necessidade” de segurança. Tal

necessidade é levada em conta pelo poder público, que ainda hoje responde à demanda de

uma elite e se confunde com esta. Neste sentido, a questão da circulação, por exemplo, tem

permeado as decisões e os investimentos do poder e do capital público ao longo dos séculos.

Na Europa do século XVIII, a circulação adquire o carater de problema urbano devido à

supressão das muralhas, que possibilitava o acesso ao espaço urbano a todo tipo de população,

assim como possibilitava o próprio desenvolvimento das cidades. Convinha “organizar a

circulação eliminando o que era perigoso nela, separar a boa circulação da má, maximixar a

boa circulação diminuindo a má” (Foucault, 1978). O intuito de aumentar a velocidade da

circulação fazendo prevalecer o uso do automovel privado, fez com que as cidades passassem

por muitas transformações ao longo do tempo. Uma destas cidades “reformadas” que também

serviu de exemplo mundial durante certo período (e ainda hoje?) é a cidade de Paris.

8 “Les immeubles de rapport bourgeois constituaient une version, qui se voulait luxueuse de l’habitation des

prolétaires. (...) Les bourgeois commerçaient à être encasernés comme les prolétaires. Et ces deux populations

se faisant réciproquement peur, afin de surmonter sa propre peur la bourgeoisie fit construire dans toutes les

villes industrielles d'Angleterre d’abord, puis à Paris sous le Second Empire, d’autres casernes destinées à une

armée (ou comme aux États-Unis, de 1870 à 1890, à une milice) qui constituait, comme le souligne Munford,

une « véritable armée d’occupation ».” (RAGON, 1990. Pag.28)

8

As intervenções urbanísticas de Haussmann na Paris do Segundo Império, entre 1852 e 1870,

são consideradas por alguns autores como o modelo de “destruição criadora”9. Duas questões

se faziam mais gritantes: a salubridade publica e a habitação social. Ambas a solucionar

dentro de um apelo higienista, que se dizia preocupado com as condições de vida das classes

mais pobres. De maneira geral, visava-se “libera os fluxos”, seja de agua, ventilação, seja o

fluxo de pessoas ou da economia. No entanto, há uma outra questão pouco explorada; nesta

mesma época, as operações urbanas de Haussmann, também tinham um objetivo de ordem

publica e de controle social; “objetivo de pacificar territorios cronicamente turbulentos”

(Delgado, 2007.). Dai a destruição das “habitações insalubres” e a abertura de grandes

avenidas, com ângulos de visão estratégicos (sobretudo no sentido bélico, visto que

possibilitava tiros à longa distância e o controle da multidão), condizente também com a

abertura de quartéis (e quartéis de trabalho), citada anteriormente.

Certamente, apenas o controle continuo do conjunto do ambiente da cidade, em geral, e dos

fluxos e circulações em particular, seria a solução para a manutenção do poder dominante. Os

exemplos historicos neste sentido ecoam até hoje quando da necessidade de novos

ordenamentos urbanos.

Alguma coisa está fora da (nova) ordem: sobre as novas secretarias de ordem pública

Dentro da logica das modernizações das cidades dos séculos XIX e XX – época das reformas

de Haussmann em Paris e de Pereira Passos no Rio de Janeiro (seguindo o exemplo do

primeiro), só para citar alguns exemplos mais populares – os ordenamentos urbanos atuais

também rejeitam as asperezas sociais em todas as suas formas. Tudo o que estiver fora dos

padrões deve ser reformado ou excluído com base no desejo de utopia, sobretudo se estiver

em locais de grande visibilidade, ou estratégicos, desconsiderando as possibilidades de

encontro e cooperação social, as heterotopias10

existentes no espaço público urbano, ou seja

os lugares, modos de regulação entre os individuos e ajustamentos reais da vida.

Esse tipo de reforma também se encontra no dipositivo que chamamos de pacificação.

Embora o termo não seja oficialmente utilizado pelos gestores urbanos (e seus aliados) em

relação ao urbanismo, visamos aqui entender como e porquê esta pacificação também é

aplicada aos espaços públicos urbanos “formais”, e não somente àqueles das favelas ou aos

territórios indígenas, caracterizando-se um “ordenamento” urbano ou, antes, um dispositivo

para tal ordenamento.

Tomaremos, para tal averiguação, o caso das grandes cidades brasileiras, especialmente a

cidade de Salvador, uma das capitais a sediar os jogos da Copa do Mundo de futebol em 2014

e onde teve recém criada a Secretaria Municipal de Ordem Pública (inicio de 2013, com a

nova gestão municipal).

Sobre o papel desta nova secretaria, primeiramente, buscamos o conceito de ordem pública,

segundo o regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares do Brasil,

aprovado pelo Decreto n. 88.777/1983:

9 Termo citado por Manuel Delgado em La ciudad mentirosa (2007, p. 54-55).

10 “esses espaços diferentes, esses outros lugares” (Foucault, 1984)

9

Ordem Pública – Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da

Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse

público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo

poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum.

(Presidência da Republica, 1983.11

Grifos nossos.)

Vemos dentro da própria definição acima apresentada uma relação com apacificação no

sentido de tornar pacífico o convívio social. Tomando o significado de pacificação

apresentado pelo dicionário, temos: Restituir a paz; acalmar; apaziguar. s.f.

Restabelecimento da paz e da ordem em um país, em uma sociedade etc.; Fig.

Apaziguamento. (Dic. Aurélio) – Ação de pacificar, trazer a um estado de paz (um país, um

povo). Reestabelecer a ordem; reduzir a rebelião em (país). Tornar calmo. (do francês, Dic.

Le Robert).

No entanto, segundo muitos filósofos e teóricos do urbano, uma sociedade apaziguada não é

desejável, pois tende a ser submissa, por não estar desperta, inquieta. A filósofa Hannah

Arendt considera que nunca a sociabilidade humana pode (nem deve) ser apaziguada, visto

que o conflito é próprio do convívio entre (pontos de vista) diferentes. Para ela, a riqueza do

“mundo comum”, que é o espaço público, está no “fato de que todos vêem e ouvem de

ângulos diferentes”. Enquanto que na vida privada, as pessoas são “privadas de ver e ouvir os

outros e privados de ser vistos e ouvidos por eles”. (ARENDT, 1958, p. 67)

Além do emprego como sinônimo de pacificação, o termo apaziguar, ou apaziguamento12

,

também é usado, especialmente em francês (apaiser ou apaisement), para se referir a uma

redução da velocidade, sendo amplamente empregado no contexto de políticas publicas que

beneficiam as mobilidades mais lentas, os ditos modos suaves (modes doux). Voltamos então,

a partir do conceito de pacificação, à questão da circulação em meio urbano, desta vez, o seu

sinônimo indica uma forma de favorecer as possibilidades de encontro, cooperação social e

partilha do sensível, adquirindo assim quase o sentido inverso da pacificação. No caso do

Brasil, este sentido do apaziguamento ainda é muito pouco desenvolvido.

Algumas das grandes cidades brasileiras apresentam hoje uma Secretaria Municipal de Ordem

Pública, com vistas a este “restabelecimento da ordem”, sendo aquela do Rio de Janeiro uma

das mais conhecidas (atuantes?). Segundo o site da Secretaria Municipal da Ordem Pública

carioca (criada em 2009), existe um plano estratégico13 exclusivamente de combate à

desordem urbana – “situações que banem as pessoas e os bons princípios das ruas,

contribuindo para a degeneração, desocupação desses logradouros e a redução das atividades

econômicas” (SEOP, Prefeitura do Rio).

Para tanto, a Seop passou a implementar à partir de 2011, unidades de policiamento que

11

Decreto n 88.777, de 30 de setembro de 1983 Disponível em:

www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D88777.htm 12

Uma discursão completementar sobre os termos pacificação, apaziguamento e assepsia (social) pode ser

encontrada na pesquisa “os enigmas sensíveis das mobilidades urbanas contemporâneas” – MUSE – coordenada

por Rachel Thomas (laboratório CRESSON), em parceria com diversos laboratórios, entre eles, o Laboratório

Urbano (PPG-AU UFBA). 13

Prefeitura do Rio, Secretaria Especial da Ordem Pública. Mais informações no site da Seop:

www.rio.rj.gov.br/web/seop

10

garantam a patrulha continua de algumas áreas bem definidas da cidade – as Unidades de

Ordem Pública. Vemos ai claramente uma referência às Unidades de Polícia Pacificadora

implementadas em algumas favelas cariocas. O patrulhamento das UOPs atua dentro de

perímetros bem definidos da cidade do Rio de Janeiro – segundo o divulgado na pagina

internet da secretaria – normalmente áreas de interesse turístico e/ou de habitação da elite

carioca (como Copacabana, Ipanema e Leblon). O combate à desordem, carro chefe da

secretaria, se confunde com a pacificação, no sentido do desejo de ver neutralizadas ou

expulsas as chamadas classes perigosas. Notamos a emergência de “ilhas pacificadas”,

regiões da cidade que estão em ordem, sob controle, ao mesmo tempo em que existem regiões

em que esta mesma ordem não está assegurada pela polícia. Nos perguntamos se também

neste caso se trata de uma ocupação de território, como na favela, ou se trata de uma operação

para a manutenção do poder dominante, quer dizer, a proteção (de fato) do bem estar apenas

das populações consideradas economicamente relevantes – moradores e turistas presentes

nestas zonas. A questão que fica é: proteção contra o que, ou contra quem? E no caso das

UPPs, também estariam protegendo o bem estar dos moradores das favelas?

O dispositivo da pacificação (incluindo-se o combate à desordem), se mostra no Brasil ainda

dependente aos limites fisicos, uma necessidade de se demarcar os territorios de interesse e do

controle visando o espetaculo e/ou a utopia urbana. Vemos uma permanência do que Foucault

chama sociedades disciplinares, devido ao fato de atuarem em meios confinados,

estabelecendo, desta forma, um dentro e um fora, “é assim que os primeiros teóricos

modernos da sociedade, de Hobbes a Rousseau, compreendiam a ordem civil como um

espaço limitado e interior que se opõe à ordem exterior da natureza, ou que dela se distingue.”

(Hardt, 2000, p. 358). Isto evidencia a diferenciação de uma ordem articifial (do dentro) em

relação à ordem natural (do fora).

O problema urbanistico pode estar na descontinuidade e na segregação destes espaços em

relação ao conjunto da cidade, o que podemos experimentar também na cidade de Salvador14

.

Ainda que não seja anunciada a implantação de UOPs, como no Rio de Janeiro, percebemos a

diferenciação de lugares em relação à sua apropriação a partir da experimentação do espaço

urbano, sobretudo quando da realização de percursos urbanos que traspassam ou tangem

diversos lugares da cidade. O nivel de apropriação – natural ou artificial – é percebido como

elemento transformador do espaço público em sua ambiência. Percebemos assim os diferentes

niveis de apropriação – mais ou menos público ou mais ou menos privatizado – ou regulação

do espaço de forma a podermos relacionar o público com o fora e, portanto, com o político

(Ibid.). Enquanto que o dentro é produto do desejo de segurança de uma sociedade cada vez

mais despolitizada (Ortega, 2001).

Sabendo-se que a cidade de Salvador figura na lista das cidades mas violentas do Brasil15

(e

do mundo, com base na taxa de homicídios/ano), a Secretaria Municipal de Ordem Pública –

SEMOP – foi criada em 2013 sobretudo com o apelo à Segurança urbana e a prevenção à

14

A primeira missão da pesquisa MUSE se deu na cidade de Salvador da Bahia, com a experimentação de

espaços que passaram por algum processo de pacificação urbana, associado a uma revitalização. Nós pudemos

observar, já neste primeiro tempo, os eixos de fluxos que permeiam esses espaços, bem como o seu entorno, para

poder nos interrogar sobre o jogo de ambiências que gerem a cidade. Diversas questões foram colocadas durante

uma oficina intitulada “Conflito e Partilha no Espaço Público”, relacionada à pesquisa. 15

CEBELA – Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos : Mapa da Violência. (mapadaviolencia.org.br)

11

violência, com a figura da Guarda Municipal16 em primeiro plano.

Vemos especialmente nas determinações da Guarda Municipal uma forte presença da

necessidade de regulação/ controle do espaço público urbano – inclusive das vias de trânsito,

enquanto espaços públicos que são – no que é chamado manutenção da ordem. É também de

responsabilidade da Guarda contribuir para “o convívio social, civilizado e fraterno” em meio

urbano, o que caracteriza a necessidade de urbanidade, qualidade fundamental do espaço da

cidade, que faz parte também, mas que vai além das questões do urbanismo e da segurança

urbana. Sobre este aspecto, Isaac Joseph (1998) considera que os “procedimentos de

apaziguamento” (“procédures d’apaisement”) estão no seio da noção de urbanidade e são

fabricados pelos próprios cidadãos a partir da prática do convívio em meio público;

poderíamos dizer que trata-se de subjetividades que servem para orientar a nossa conduta em

sociedade. Em contrapartida, encontram-se os “processos de pacificação” que, para nós,

evidenciam um ordenamento artificial, uma imposição e não uma construção social, no

entanto, eles são fundamentados no discurso de segurança. Este que, por sua vez, é construido

a partir de subjetividades e desejos de uma classe dominante, adotados ou absorvidos por uma

classe média generalizada (pequeno-burguesa desejosa de se tornar burguesia).

Embora, não se trate de uma secretaria ligada diretamente às questões do urbanismo, ela

apresenta foco nos aspectos gerais do ambiente urbano, objetivando, entende-se, garantir a

paz (mitigar o conflito) nos espaços de uso coletivo. Um dos seus focos incorpora também a

ocupação indevida do espaço público, notadamente pelo comércio informal. Propõe, então, o

Ordenamento, licenciamento e fiscalização de espaços públicos e comércio informal. É

interessante notar o foco dado sobre a presença de vendedores ambulantes como obstáculos à

circulação de pedestres, enquanto que um dos principais fatores de obstrução das passagens,

inclusive do pedestre, é a presença de carros estacionados em espaço público, e inclusive

sobre calçadas. Embora a Secretaria de Ordem Pública também tenha como objetivo o

ordenamento dos espaços públicos e, através da Guarda Municipal, a disciplina no trânsito, o

assunto do trânsito urbano, especialmente de pedestres e demais modos suaves, é muito

raramente tocado por esta secretaria e pela prefeitura em geral.

Sobre este ponto, podemos citar a situação das calçadas soteropolitanas, consideradas por uma

pesquisa publicada pelo Portal Mobilize17

em abril de 2012, entre as piores calçadas do

Brasil: “entre as cinco piores calçadas do levantamento, quatro delas estão em Salvador”. Isto

mostra que as preocupações da Ordem Pública urbana não envolvem outros aspectos

igualmente importantes para o bom funcionamento, estética e, portanto imagem da cidade.

No citado estudo, as calçadas principais de acesso ao estádio Fonte Nova foram consideradas

péssimas. Um ano depois (abril de 2013), o mesmo Portal divulga “melhorias nas calçadas e

acessos à Arena Fonte Nova”. O que nos permite notar a atenção dada exclusivamente a um

empreendimento para um evento temporário; os acessos (calçadas) para este único ponto

como sendo “mobilidade urbana de entorno” e, por isso, consideradas mais importantes

(visíveis?) que as demais calçadas da cidade. Este tipo de obra de mobilidade é visto

atualmente em todas as cidades-sede da Copa do Mundo de futebol, ao lado de outras

16

Susprev. Disponível em: http://www.segurancaurbana.salvador.ba.gov.br/ 17

Mobilize Brasil é o primeiro portal brasileiro de conteúdo exclusivo sobre Mobilidade Urbana Sustentável.

mobilize.org.br

12

“adaptações” urbanas, como por exemplo a implantação de uma UOP na região do entorno

imediato ao Maracanã, no Rio. Este conjunto de obras concentradas evidencia o contraste

entre o desejo de utopia e a realidade das heterotopias publicas (em uma ramificação do

conceito de Foucault) – lugares abertos onde se deixam habitar as formas e regulações

humanas em desacordo com o discurso dominante ou à norma exigida, espaço político, o fora.

Este tipo de obra também é bem condizente com o que declarou publicamente a secretária de

Ordem Pública, antes mesmo de assumir o cargo: “Enfrentamos dificuldades inclusive na

estética da cidade. Precisamos realizar um trabalho de maquiagem para receber [os

visitantes]... Mas não só para isso, mas também tornar a cidade boa para quem mora aqui.

Esse que é o objetivo principal”18

. Fica claro que é importante, para os gestores urbanos,

realizar um trabalho de “fachadas” para tornar a cidade agradável aos olhos de quem a visita

(passar uma boa imagem). Fica clara a importância dada a “ordenar” (limpar, maquiar,

pacificar) a cidade, seus pontos estratégicos, para melhor exibi-la. O momento desta exibição

internacional, se aproxima: com os jogos da Copa do Mundo de futebol em 2014 e as

Olimpíadas em 2016, considera-se que teremos oportunidade de mostrar (comunicar) ao

mundo, através das nossas cidades, a imagem (fachada?) de uma nação exemplar –

higienizada, bonita e pacificada.

A segurança publica já tem dado exemplos de como “pacificar” os espaços públicos, com um

discurso baseado, entre outros, na fluidez do trânsito. Os exemplos de pacificação no sentido

de “reduzir a rebelião” aconteceram durante as manifestações de junho em todo o país e

momento do primeiro destes eventos esportivos – a Copa das Confederações – quando os

manifestantes enfrentaram uma grande violência da parte da polícia militar.

Por uma pacificação “Em nome do trânsito”?: notas de conclusão

As últimas manifestações que ocorreram no Brasil emergiram de um assunto prático, que faz

parte do cotidiano da população: o transporte urbano.

De um lado havia os manifestantes que protestavam contra o aumento da tarifa do transporte

público, aumento que ocorreu em muitas cidades brasileiras, chegando, em algumas a quase

10%. Do outro lado, sobretudo quando das grandes manifestações que aconteceram na cidade

de São Paulo, a partir do dia 10 de junho, havia uma polícia preocupada em liberar a

circulação nas principais avenidas do centro da cidade. Liberar a circulação significa expulsar

os manifestantes à base da violência de armas “não-letais”19

. Ou seja, a polícia agia com

brutalidade, seguindo ordens, para manter a ordem publica e “em nome do trânsito” fluido de

veículos. Ela expulsava os manifestantes que reinvidicavam, voluntariamente, um transporte

público acessível, capaz de garantir o direito de ir e vir em meio urbano, ou seja, “e nome do

trânsito” livre de pessoas.

Por se tratar do centro de São Paulo, a maior cidade da América Latina, essa repressão é

18

Publicado no Bahia Noticias de 15 de Dezembro de 2012: ‘Precisamos realizar trabalho de maquiagem para

receber visitantes’, diz secretária de Neto. (bahianoticias.com.br , site consultado em 08/07/2013) 19

O termo, em si, é questionável, pois, na verdade, se tratam de armamentos menos letais, como bombas de gás

lacrimogêneo, balas de borracha e sprays de pimenta.

13

bastante midiatizada, e a justificativa da polícia é simples e claramente elitista, dentro do

mesmo discurso de segurança e manutenção da ordem pública: é preciso liberar o trânsito.

Nas entrelinhas, por se tratar do contexto do planejamento estratégico e, especialmente, dos

jogos internacionais – em outras palavras, da espetacularização urbana – podemos ler: é

preciso mostrar ao mundo (para atrair mais visitantes?) que temos o controle da situação e não

vamos deixar que a ordem seja ameaçada pela presença dessas “classes perigosas”, sobretudo

se elas ocupam as ruas obstruindo a passagem de veículos.

A justificativa de “liberar o trânsito” foi bem aceita pela mídia em um primeiro momento. Em

um segundo momento, a própria mídia foi atingida pela violência policial no intuito de liberar

as vias, ou simplesmente dissolver a manifestação, reduzir a rebelião. O fato de a repressão ter

atingido vários jornalistas fez com que a mídia conservadora invertesse seu ponto de vista e

até encorajasse novas manifestações nas ruas, “desta vez”, pacíficas, enquadradas no modelo

espetacular. Os formadores de opinião midiáticos passam a ser completamente contra a

violência policial e também a violência dos manifestantes “vândalos”.

Com o apelo midiático (mas ainda com o uso de armas “não-letais” pela polícia), as

manifestações cresceram e os manifestantes se diversificaram. A mídia, que buscava passar a

imagem de povo pacífico, ordeiro, repudiou a presença de partidos e bandeiras políticas, já

que considera mais importante focalizar no consenso – a insatisfação generalizada da

população, independente de classes sociais e partidos políticos – e não as diferenças. Fica

claro assim o desejo midiatico de supressão da pluralidade, o que caracteriza a “perversão do

político” ou a despolitização (Ortega, 2001). A midia pretende, através de um discurso de

pacificação, “desrealizar” o lugar e o momento políticos por excelência: o espaço público e a

manifestação.

Essa mesma mídia, bem como seus seguidores, consideram que o “Brasil acordou”, como se

não houvessem manifestações no Brasil há muito tempo. Quando, na verdade, as

manifestações de uma classe sem privilégios é que são sempre consideradas (pela mídia) sem

importância e, portanto, não divulgadas. Mais uma vez temos o “efeito fachada”, desta vez

promovido pelos meios de comunicação de massa.

O papel da polícia foi coerente com a intenção da mídia: apaziguar (e despolitizar) as

manifestações. Segundo Juliette Volcler, o uso das armas ditas “não-letais” também tem uma

função de pacificar (neutralizar) e também apresenta uma relação com o discurso da mídia:

Três características da “não-letalidade”: o objetivo de neutralizar, antes que de matar, a

porosidade entre operações de guerra e operações de manutenção da ordem ou humanitárias

e o fato de levar em consideração a imprensa e a opinião publica na gestão do conflito.20

(Volcler, 2012, p. 133. [tradução livre])

Com as tecnologias “não-letais”, consideradas totalizantes por Volcler, pretende-se romper o

coletivo e levar cada um à sua individualidade, visto que o coletivo é instável, preocupa, é

uma ameaça a ser controlada (Ibid.). A urgência do dispositivo de pacificação se torna clara

20

“Trois caractéristiques de la ‘non-letalité’: l’objectif de neutraliser plutôt que de tuer, la porosité entre

opérations de guerre et opérations de maintien de l’ordre ou humanitaires, et la prise en compte des médias et

de l’opinion publique dans la gestion du conflit” (Volcler, 2012. p. 133)

14

com o inicio da Copa das Confederações, quando fica proibido aproximar-se dos locais dos

jogos no intuito de manifestar. Isto é coerente com as operações urbanas de entorno, citadas

anteriormente, que definem um perimetro de interesse, estratégico devido à maior visibilidade

e, portanto, pode-se dizer, privatizado para atender aos interesses de um grupo. Desta forma, o

espaço público do entorno é controlado sob ordens da FIFA, de forma a não comprometer a

apresentação do seu “espetáculo”.

Visando controlar o coletivo, a polícia e a mídia atuaram de maneira totalizante21

. As causas

sociais, que são de fato as mais urgentes, continuam sem importância para uma elite

conservadora que continua no poder desde a “fundação do Brasil”, no entanto, a agitação de

contra-poderes22

preocupa esta elite pois adquire força para desestabilizar a ordem dominante.

Neste momento, algumas verdades vêm à tona à respeito da pacificação, como o que disse o

ex-capitão da tropa de choque do Rio de Janeiro, Rodrigo Pimentel, em uma entrevista para o

telejornal RJ TV 1ª edição de 18 de junho de 2013 : “Fuzil deve ser utilizado em guerra, em

operações policiais em comunidades e favelas. Não é uma arma para se utilizar em área

urbana”23

. Neste sentido, no espaço público formal, a pacificação é feita com armas “não-

letais” enquanto que para entrar em uma favela, os policiais agem fortemente armados24

.

Desta forma, a pacificação desce do morro e ganha a cidade com vistas a se tornar uma

passivização25

, ou apassivação, da vida no espaço público, onde só quem tem direito à

expressão é a equipe do poder assim como os espaços públicos tendem a ser “revitalizados”

com base nos anseios de uma classe dominante.

Além disso tudo, existe uma crise de representatividade que emerge com as manifestações

que vêm ocupando as ruas em um movimento originalmente de esquerda – como todos os que

são fundamentados nas causas sociais – mas que atraíram a atenção para o conjunto das

causas do descontentamento brasileiro. A manifestação, por não ter lideres e ser apartidária,

soube acolher um grande público de novos manifestantes que não gostam de “rótulos”26

,

muitos dos quais nunca tiveram interesse pelas questões de política – sabendo-se que a

própria palavra política já soa pejorativa no contexto popular brasileiro.

Mostra-se assim a potencialidade do espaço público das cidades brasileiras, capaz de acolher

os diferentes indivíduos igualmente. O #vemprarua que se espalhou pelas redes sociais

mostra que a possibilidade de se construir (revelar) heterotopias é mais tangível e urgente (e

latente) que a “necessidade” de uma utopia baseada no consenso e no espetáculo.

21

Para guiar o pensamento e o comportamento do povo a midia atuava com base em palavras de ordem vazias

“contra a corrupção e pela paz” – vazias porque não há quem se mostre a favor da corrupção e contra a paz – que

se misturavam às reinvindicações mais objetivas e populares e corrompiam o carater político das manifestações. 22

Conforme definido em Foucault (1979) “Contra-poderes no sentido estrito, isto é, que colocam o direito pelo

avesso, com a significação profundamente subversiva de que somos nós o verdadeiro poder, que somos nós que

repomos as coisas no seu lugar, que é o mundo tal como está constituído que está pelo avesso.” 23

Publicado originalmente no site Observatório de Favelas. 24

Prova disto, esta o caso que ocorreu no complexo da Maré, no Rio, logo apos uma manifestação (24 de junho

de 2013), onde foram mortas em torno de 10 pessoas, sendo uma delas um policial e duas oficialmente

consideradas inocentes, as demais foram consideradas envolvidas no trafico de drogas. 25

Referente a Passivo: adj. Que sofre ou recebe uma ação sem reagir a ela. Não atuante, inerte, que não

participa. 26

A exemplo de cartazes com dizeres: “Esquerda? Direita? Eu quero é ir em frente!”

15

Quanto à suposta necessidade de pacificação, vemos a emergência de uma outra noção,

também empregada muitas vezes como sinônimo de pacificação, mas com poder de subverter

esta ideia original: ocupação. O mesmo termo é utilizado corriqueiramente no contexto das

secretarias de Ordem públicas, no julgamento das ditas ocupações irregulares ou indevidas

do espaço público, e lá, o termo ganha o sentido de quase privatização de partes do espaço

público que são ocupadas, melhor dizer apropriadas. O potencial de subversão se encontra,

então, na universalidade do termo ocupar/ocupação, no sentido de apreender um espaço. O

mesmo foi empregado no grande movimento de origem norte-americana Occupy27

(occupy.com): um movimento de protesto internacional contra a desigualdade social e

econômica. As pessoas que ocuparam as ruas “contra a passividade” tiveram geralmente,

como resposta primeira do poder público, a tentativa de tirá-los de lá.

Aqui, ocupação ganha um outro sentido, o da manifestação social, do ato efêmero de protesto,

frequentemente em espaços públicos e/ou simbólicos. O caráter político é o mesmo,

relacionado ao do “ir para as ruas” cotidianamente. Vê-se, portanto o potencial político

contido no ato ocupar o espaço público no sentido de habitá-lo cotidianamente com o próprio

corpo, utiliza-lo simplesmente; apreendê-lo, ainda que de maneira efêmera, com os sentidos.

Com a ocupação das ruas pelos manifestantes, subvertendo-se o comportamento normal e o

funcionamento habitual dos espaços de circulação, percebemos a possibilidade e até mesmo a

necessidade (política) de se fazer presente no espaço público em geral e nos espaços públicos

de circulação em particular. O que Marc Augé chamou de não-lugares – os lugares de

passagem – passam a ser tidos (e ter sentido) como heterolugares ou como as heterotopias,

segundo Foucault. A experiência do/no espaço público urbano mostra a possibilidade de

encontro e cooperação social, de uma construção (política e coletiva) de “procedimentos de

apaziguamento”, antes da necessidade de se instaurar um “processo de pacificação” (artificial)

anti-político, baseado na segurança e controle dos usuarios.

Vimos que o controle e o ordenamento das ruas, enquanto meios de circulação têm sido um

grande desafio para os gestores urbanos ao longo da história, antes mesmo da definição de

meio, como conceito. “Os dispositivos de segurança trabalham, criam, organizam, planejam

um meio antes mesmo da noção ter sido formada e isolada.” (Foucault, 1978) “O que é um

meio? É o que é necessario para explicar a ação à distância de um corpo sobre outro.” (Ibid.)

A ação de um corpo com influência sobre outro corpo diferente é um ação política, da mesma

forma que a ação de um dispositivo (de segurança, ordem ou pacificação) também visam

influenciar no aspecto político da vida, na relação entre as pessoas e destas com o proprio

meio. É importante reafirmar a questão da circulação que se encontra no seio da noção de

meio, através do qual se comunicam pessoas e lugares e, meio que é antes o proprio lugar.

27

Seu objetivo principal é exigir que as relações econômicas e políticas em todas as sociedades sejam menos

hierarquizadas e mais bem distribuídas. Os grupos locais de manifestantes geralmente têm diferentes focos, mas

as preocupações primordiais do movimento concernem a alegação de que grandes corporações globais e o

sistema financeiro global controlam o mundo inteiro de maneira instável, beneficiando desproporcionalmente

uma minoria e enfraquecendo a democracia.

16

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