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Entre a civilização do mal-estar e a ilusão de um futuro:Uma crítica filosófico-psicanalítica ao neo-pós-tudo.Autor: Juarez Caesar Malta Sobreira.http://www.revistazonadeimpacto.unir.br/anteriores.htmlTRANSCRIPT
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Zona de Impacto - ISSN 1982-9108 ANO 13 Vol. 1 - 2011 - Janeiro/Junho
Entre a civilizao do mal-estar e a iluso de um futuro
Uma crtica filosfico-psicanaltica ao neo-ps-tudo1
Juarez Caesar Malta Sobreira
PROLEGMENOS
A tarefa de realizar uma reflexo desde uma perspectiva histrico-filosfica
sobre o desenvolvimento cultural da humanidade provoca um questionamento radicalsobre o sentido da prpria existncia humana. Para aventar hipteses sobre o sentido
ntico e radical do existir, devemos utilizar algumas contribuies tericas de Sigmund
Freud, Friedrich Nietzsche, Mircea Eliade, Ren Gunon e Julius Evola.
Pretendemos rever os paradigmas que sustentam a ideia de um
"desenvolvimento" proporcionado pela civilizao. Colocaremos em discusso o
pensamento de Freud e sua crtica cultura, elaborada com mais vigor em Die Zukunft
einer Illusion (1927) e Das Unbehagen in der Kultur (1930). Como contraponto,utilizaremos a "viso social" de Nietzsche, especialmente a terceira parte de Also
Sprach Zarathustra (1884).
Resgataremos ainda, nesse exerccio crtico, o pensamento de trs autores no-
acadmicos. Tratam-se Mircea Eliade, em The Myth of the Eternal Return or Cosmos
and History (1954), de Julius Evola, e sua Rivolta Contro il Mondo Moderno (1934), e,
finalmente, Ren Gunon, autor de La Crise du Monde Moderne (1927) e Le Rgne de
la Quantit et les Signes des Temps (1945).
Utilizando esses autores, pretendemos dar continuidade ao labor crtico dos
mesmos e questionar o direcionamento que a civilizao ocidental contempornea tem
privilegiado, com especial ateno ao fetichismo da quantificao. Verificar-se- a
existncia de um paradoxo entre o desenvolvimento material, quantitativamente
mensurvel, e a misria afetivo-emocional, qualitativamente verificvel, que se
descortina ante o olhar do homem contemporneo. A v expectativa de que os males
1[N. do E.] A publicao desse texto faz parte do projeto editorial, realizado pela Zona de Impacto, com ointuito de republicar trabalhos que compuseram o peridico Caderno de Criao - ISSN 0104-9389. Esseartigo foi publicado no Ano VII, N 22, Junho - Porto Velho, 2000.
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para os humanos cessariam ante o progresso da civilizao se mostrou frustrada e hoje,
mais que nunca, o homem tornou veraz o dito latino segundo o qual homo homini lupus.
O paradigma que est por trs desta concepo aquele segundo o qual somos
governados por foras instintuais e, sobretudo, inconscientes que nos remete aos
conflitos que, comeando com o enfrentamento com os pais, reverberam a posteriori nos
conflitos com as autoridades e, em ltima anlise, com a prpria civilizao. Ser nessa
direo que nossa conferncia vai abordar o grande mistrio do sentido da existncia do
homem e sua inscrio na cultura. De modo que a questo desde logo exposta: entre a
natureza e a cultura, onde se inscreve a possibilidade de desenvolvimento humano?
Esta conferncia antecipa tal preocupao e sugere algumas linhas de reflexo.
O MAL-ESTAR DO FUTURO E A ILUSO DA CIVILIZAO
A questo fundamental da existncia humana pode ser sintetizada em uma expresso: a
busca da felicidade. Este um objetivo implcito e precpuo na vida de todas as pessoas.
Estamos neste mundo, neste vale de lgrimas, envoltos em um entramado de impedimentos para
a consumao dos prazeres mais simples e naturais. Entretanto, continuamos cultivando nossos
sonhos de felicidade.
Todas as grandes obras produzidas pelo homem tm como objetivo proporcionar algum
tipo de felicidade. Porm a histria da humanidade tem nos ensinado que este bem o mais raro
de todos. A felicidade, essa sensao passageira de plenitude, ocorre (quando ocorre) de modo
fugaz, porque felicidade algo extremamente voltil.
A histria do homem sobre a face da terra testemunho da violncia do homem contra o
homem. Desde os primrdios da civilizao que se teria iniciado em uma poca proto-
histrica at a idade contempornea, especialmente aps as revolues industrial e
tecnolgica, a humanidade tem conhecido avanos culturais nunca dantes imaginado.
O avano e as conquistas da civilizao, em suas mltiplas diversidades, nunca
proporcionaram ao homem um maior bem-estar e conforto interior. Muito pelo contrrio, o que
temos assistido um aumento do grau de infelicidade, de desamparo, de "desajustamento" que
cada vez mais caracterstico do chamado "homem moderno".
Estamos, pois, diante de um paradoxo. Se, por um lado, dominamos uma tecnologia que
objetivamente nos proporciona conforto e uma espcie de satisfao material imediata, por
outro lado, convivemos com um "mal-estar" intrnseco prpria civilizao. Segundo a
Organizao Mundial de Sade, existem atualmente cerca de 340 milhes de pessoas sofrendodepresso. Isso apenas nos casos diagnosticados! Imaginem que apenas um caso em cada trs
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so diagnosticados. Significa que mais de um bilho de pessoas padecem desse verdadeiro mal
de fim-de-sculo. No um quadro dos mais promissores para o devir humano. Estamos diante
de uma civilizao doentia.
O que se passa com a civilizao? Ser a doena afetivo-emocional o nus da cultura? Eo bnus da cultura, qual ser (se que tem algum)? Quais os objetivos da civilizao, seno
proporcionar felicidade humanidade? Os bens materiais produzem felicidade perene? Os
prazeres corporais podem nos proporcionar felicidade? Enfim, qual o sentido ltimo da
civilizao? Estas so questes difceis de responder de modo unvoco. Os filsofos tm se
debruado sobre o tema desde eras pretritas. Um dos mais clebres filsofos de todos os
tempos, Herclito de feso, j nos ensinava que a felicidade no est relacionada aos bens
materiais ou aos prazeres carnais. Diz ele, no fragmento 4: "(Se a felicidade estivesse nos
prazeres do corpo), deveramos chamar felizes os bois quando encontrassem capim para comer".Portanto, no so os bens materiais que podem nos proporcionar felicidade. H algo de
intangvel, de impossvel, nos sonhos de felicidade do ser humano. E ento, perguntamo-nos,
vivemos para qu? Qual o sentido do nosso existir? Essas preocupaes exigiam respostas que,
sculos aps sculos, diversos amantes da sabedoria procuraram responder. Nessa busca, o
prncipe Sidarta Gautama revelou que o mundo se resume a quatro nobres verdades: tudo dor;
a dor nasce do desejo; a dor se extingue com a extino do desejo; para se obter a cessao do
desejo, preciso seguir o caminho dos oito passos (correo de opinies, intenes, motivos,
palavras, ocupao, esforo, pensamento e meditao).
Mais perto de ns, Plato nos ensinou na sua Stima Carta, que no haver remdio para
os males que afligem a humanidade, enquanto os sbios no governarem a terra ou que os
governantes no possurem a sabedoria. Dado que o amor sabedoria no encontrado entre os
governantes, nem os verdadeiros sbios conseguem ser eleitos para os cargos mais importantes,
somos levados concluso que a felicidade no fcil de ser conquistada. Para explicar essa
nossa inquietude, esse mal-estar congnito e intrnseco civilizao, vamos escutar as palavras
inventivas de Sigmund Freud, o criador da Psicanlise. Sua obra extensa e profunda, parte de
um pressuposto radical: no podemos ser felizes. Por que? Porque nossos desejos mais naturais,
mais primitivos, mais viscerais, so proibidos porque vo de encontro aos objetivos da
civilizao. Em duas obras, Freud explica a mecnica por assim dizer dessa "doena cultural".
Em O Futuro de Uma Iluso e em O Mal-Estar na Civilizao, Freud estabelece os princpios
tericos da nossa permanente infelicidade. Segundo este autor, ns, os seres humanos, no
somos governados pela razo, mas sim por foras instintuais, obscuras, que nos so
desconhecidas porque so frutos do nosso inconsciente. Esta descoberta provoca o mesmo
sentimento de desamparo, quanto as descobertas de que a terra no era o centro do universo, e
de que os homens so parentes dos macacos.
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Para termos uma ideia do que felicidade vale ressalta que o amor sexual proporciona
"nossa mais intensa experincia de uma transbordante sensao de prazer, fornecendo-nos assim
um modelo para nossa busca de felicidade." Entretanto, a felicidade no pode ser realizada e,
por causa dessa infelicidade culturalmente congnita, temos que lutar contra o mundo pois "oque chamamos de nossa civilizao em grande parte responsvel por nossa desgraa". Da que
"o impulso de liberdade, portanto, dirigido contra formas e exigncias especfica da
civilizao ou contra a civilizao em geral". O certo que, para Freud, o homem inimigo da
civilizao. Isto o paradigma mais radical j enunciado por um pensador. Por qu? Porque
toda civilizao se ergue sobre a coero e sobre a renncia aos instintos. Sabemos que em
todos os indivduos, mesmo naqueles mais cultos e mais mansos, sobrevivem impulsos
destrutivos e anti-sociais. Em algumas pessoas tais tendncias so excessivamente fortes e
determinam o repertrio do comportamento social (ou melhor, anti-social) do indivduo. Daporque a sociedade deve tomar medidas para que a exigncia de satisfao dos instintos mais
primitivos de tais indivduos no ponham em perigo o conjunto da sociedade.
Tal viso se baseia na sua teoria das pulses. Estas colocam em evidncia exigncias
instintuais que reivindicam pura e simplesmente a satisfao total de todos os seus desejos. Ora,
sabemos que o homem inserido na cultura no pode usufruir do gozo pleno e irrestrito dos seus
instintos. Para defender-se dessa exigncia de gozo, a sociedade elaborou as normas e criou
instituies para garantir as proibies que a cultura impe aos indivduos. Acredita-se que sem
controle social, os homens reunidos em grandes grupos tornam-se incontrolveis e por isso
precisam ser liderados por uma minoria. Neste sentido, as massas no podem prescindir de
serem dirigidas por uma minoria como tambm deve existir uma coero ao trabalho porque os
homens no gostam de trabalhar e s o fazem por fora da necessidade.
Nenhuma sociedade produziu um homem que espontaneamente gostasse de trabalhar e
que abdicasse de satisfazer seus instintos mais primitivos. Existem indivduos que so
prisioneiros dos seus desejos instintuais, de tal maneira que sero sempre pessoas anti-sociais.
Esse pessimismo freudiano demonstra que Freud no compartilhava da viso romntico-
messinica do comunismo porque o marxismo parte de um pressuposto equivocado: a de que o
homem, liberto das relaes de classe, se tornaria um altrusta, generoso, bondoso, como que
um retorno sua condio de "bom selvagem". Freud afirma, em O Mal-Estar na Civilizao,
que o ser humano possui uma "inclinao para a agresso" e que tal inclinao "constitui o fator
que perturba nossos relacionamentos com o nosso prximo" de tal forma que, para impedir
transtornos maiores, a civilizao deve gastar muita energia para conter a agressividade humana.
Freud afirma tambm, em O Futuro de uma Iluso, que existe uma "mania destrutiva dos
participantes da civilizao". Assim, os instintos mais "naturais" no ser humano esto fadados a
permanecer sob o taco das normas ditas civilizadas. Desse modo, origina-se a frustrao dos
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instintos que, impedidos de exercer a plenitude dos seus gozos, procuram sabotar as proibies
impostas pela civilizao.
Desde os primrdios da civilizao, existe um repertrio de privaes dos prazeres
realizada pelas proibies culturais. Isso faz renascer em cada gerao uma espcie de revoltacontra a civilizao. Os desejos instintuais mais violentamente reprimidos so o canibalismo, o
incesto e o homicdio. Desses trs desejos instintuais, s o canibalismo parece ter sido proscrito
em todo o mundo, ao passo que o homicdio acompanha a histria da humanidade desde
sempre, e quanto ao incesto, diz Freud: "A intensidade dos desejos incestuosos ainda pode ser
detectada por detrs da proibio contra eles". Os instintos que reclamam satisfao sexual so
recalcados pela sociedade. aqui que a religio desempenha importante papel para a civilizao
posto que contribuiu para "domar" o instinto sexual, embora felizmente no de modo total. A
frustrao decorrente das proibies e interdies culturais, a maioria de carter sexual,proporcionou a descoberta de que "um nmero estarrecedoramente grande de pessoas se
mostram insatisfeitas e infelizes com a civilizao, sentindo-a como um jugo do qual gostariam
de se libertar", afirma Freud. Para combater paixes intensas de carter instintual, foram
proibidos o incesto e o homicdio. A interdio do assassnio e do incesto deram origem ao
totemismo, arcabouo das religies. Freud questiona como possvel os homens permanecerem
submetidos s suas paixes e exigncias instintuais. A substituio da religio pela razo tem
sido tentada, mas sem sucesso. E, ao mesmo tempo, assistimos ao refortalecimento dos
sentimentos religiosos na neoliberal e ps-moderna sociedade ocidental. Freud explica: "o efeito
das consolaes religiosas pode ser assemelhado ao de um narctico".
O paradoxo do ser humano que ele governado por foras que desconhece. Assim, "o
intelecto do homem no tem poder, em comparao com sua vida instintual". Nossa razo
limitada pelo poder dos nossos desejos inconscientes. Somos prisioneiros, por assim dizer, das
reivindicaes de prazer que nossos instintos reclamam. Mas no combate entre o instinto e a
razo, esta apesar de mais fraca termina por impor uma certa ordem porque "a voz do intelecto
suave, mas no descansa enquanto no consegue uma audincia. Finalmente, aps uma
incontvel sucesso de reveses, obtm xito. Esse um dos poucos pontos sobre o qual se pode
ser otimista a respeito do futuro da humanidade", garante Freud.
SOBRE A FELICIDADE
Se existe algum propsito da existncia humana, este deve ser a conquista da felicidade
que significa ausncia de sofrimento e experincia intensa de prazer. Portanto, a humanidade se
mobiliza em funo do princpio do prazer. Mas contra a consecuo do princpio do prazer
encontram-se as proibies culturais. Por outro lado, a infelicidade est mais ao alcance de
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todos porque nos ataca desde trs diferentes direes: desde dentro do nosso prprio corpo,
desde o mundo externo (social) e desde nossos relacionamentos interpessoais.
Para impedir a plenitude do princpio do prazer, existe um outro princpio, o da
realidade, que o guardio de todos os valores sociais e culturais. Isso porque existe um perigonos prazeres instintuais. Eis o alerta que Freud nos traz em O Mal-Estar na Civilizao:
O sentimento de felicidade derivado da satisfao de um selvagem impulso instintivo no domado
pelo ego incomparavelmente mais intenso do que o derivado da satisfao de um instinto que j
foi domado.
Eis aqui o ponto central da nossa reflexo. A felicidade possvel, a quota de
possibilidade real de prazer que cada um de ns pode retirar do mundo, depende da fora que
podemos utilizar para modificar o mundo e o modelar de acordo com nossos desejos. aqui que
o pensamento de Freud se cruza com a filosofia de Nietzsche, naquilo em que o poder assenta-
se sobre a vontade frrea de um desejo que no se deixa ludibriar.
Para ser feliz em plenitude, a pessoa deveria ter acesso ao gozo pleno, gozo esse no
sentido de algo que se situa para alm do princpio do prazer, algo da ordem do indizvel. Todos
os instintos do homem buscam a sua consumao, at mesmo o instinto de morte. Portanto, a
civilizao deve erigir-se por sobre os instintos, renunciando aos mesmos. Essa "frustrao
cultural" permeia as relaes humanas e causa hostilidades tanto entre os homens quanto entreestes e a prpria civilizao. "No fcil entender como pode ser possvel privar de satisfao
um instinto. No se faz isso impunemente", adverte Freud.
A necessidade do trabalho para suprir a necessidade e a busca do objeto sexual e do
amor, possibilitam a sociabilidade e o advento da civilizao. Entretanto, esta no ser uma
relao amistosa porque, segundo Freud, "o amor se coloca em oposio aos interesses da
civilizao" e esta, por sua vez, "ameaa o amor com restries substanciais."
Nesse ponto devemos recordar que Nietzsche afirmou: "H sempre o seu qu de loucura
no amor; mas tambm h sempre o seu qu de razo na loucura."Sabemos que a primeira e mais forte norma cultural de natureza sexual. Trata-se do
tabu do incesto, proibio universal, presente em todas as sociedades de todos os tempos,
sofrendo apenas variaes de uma cultura para outra. Freud afirmou que a proibio do incesto
"constitui, talvez, a mutilao mais drstica que a vida ertica do homem em qualquer poca j
experimentou."
Entretanto, a transposio do homem de seu estado natural para o cultural ocorre devido
a proibio da satisfao dos impulsos sexuais dentro da prpria famlia. Dito de outro modo, a
cultura nasce da represso da aspirao primeira de todo o ser humano, que possuir como
objeto sexual as pessoas que amou na infncia.
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Alm do mais, a civilizao exige que cada um de ns utilizemos uma grande
quantidade de energia psquica em nossos trabalhos, e essa energia subtrada da energia
sexual. Por isso a civilizao ergue tantos empecilhos vida sexual. At h pouco tempo, a vida
sexual s era admitida na sua expresso heterossexual e, mesmo assim, restrita ao casamento.Desta maneira, os canais de expresso da energia sexual eram muito limitados. Freud percebe
este paradoxo e afirma peremptrio: "Apenas os fracos se submeteram a uma usurpao to
ampla de sua liberdade sexual". Aqui temos, portanto, outro paradigma psicanaltico: o amor
anti-social. Mas, afinal, o que h de anti-social no amor?
O carter anti-social do amor pode ser percebido quando observamos que os casais
apaixonados evitam a presena de terceiros, procurando sempre estar a dois. Da o motivo da
frase "enfim ss", que os recm-casados dizem na lua de mel. Contra essa tendncia
isolacionista do amor, necessrio utilizar a libido inibida em seus objetivos sexuais para que asrelaes coletivas, como as amizades, possam existir e fazer nascer vnculos comunitrios.
O homem possui uma inclinao instintiva para a agresso. Essa agressividade se
expressa em uma "hostilidade de cada um contra todos e a de todos contra cada um", o que , no
dizer de Freud, "o maior impedimento civilizao."
Vejam o que nos ensina Nietzsche: "No vos aconselho o trabalho, mas a luta. No vos
aconselho a paz, mas a vitria. (...) No possvel estar calado e permanecer tranquilo seno
quando se tem a flecha no arco", proclama o filsofo iracundo. Para lutar contra essa inclinao
"para o mal", a civilizao fez surgir no indivduo um mecanismo de internalizao da
agressividade que, sob a forma de "conscincia", faz o indivduo submeter-se s regras sociais.
Isso s possvel porque o poder da autoridade externa (pai) introjetada e o superego
assume o papel de coao moral que fora exercida pelo pai e depois pelas demais figuras de
autoridade. Entretanto, o princpio do prazer consiste em encontrar a felicidade e este objetivo
jamais descartado. Se o princpio do prazer ligado ao instinto da vida (Eros), o princpio da
realidade subordinado ao instinto de morte (Tanatos). A questo fundamental, para Freud,
refere-se a saber se possvel espcie humana, em seu desenvolvimento cultural, dominar os
instintos de agresso e de autodestruio presentes nos homens. Freud alimenta a esperana de
que no permanente combate entre Eros, o instinto de vida, e Tanatos, o instinto de morte, o
primeiro afirme sua primazia. Entretanto impossvel prever o resultado desta luta que se trava
a todo momento no interior de cada um e de todos ns, no lento e imprevisvel desenvolvimento
humano e civilizacional.
PERSPECTIVAS FILOSFICAS
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A sensao de cansao com o "mundanal rudo", a que faz referncia Fray Luis de
Len, reverbera na figura do sbio e santo Zaratustra, personagem da obra mxima de
Nietzsche, quando este diz que "o rudo assassina os pensamentos..." Aos trinta nos Zaratustra
abandonou sua ptria para refugiar-se durante dez anos no alto de uma montanha.Desiludido nas suas andanas por entre os homens demasiado humanos, Zaratustra
retorna, aps breve interldio de contato com a civilizao, solido da montanha onde vivia
como um eremita e por l ficou por algum tempo antes de iniciar nova viagem, desta vez por
alto mar.
Estamos j na terceira parte do Assim Falava Zaratustra, onde o bordo nietzscheano
relembra-nos que "o homem deve ser superado" porque "at nos melhores h qualquer coisa
repugnante, at o melhor coisa que se deve superar!" Nietzsche lana um desafio civilizao
ao mesmo tempo que justifica com antecipao a descoberta freudiana de que o homem omaior inimigo da civilizao. Diz Nietzsche: "se alguma virtude h em mim, no temer
nenhuma proibio".
Essa revolta contra o mundo, contra a civilizao, contra o modus vivendi do moderno
homem ocidental recebeu fortes crticas tambm de outros grandes filsofos que agora vamos
conhecer com brevidade. Em primeiro lugar, na nossa crtica civilizao, devemos lembrar
que as demais culturas e civilizaes tambm excluem a possibilidade de ser feliz porque, como
est escrito no Eclesiastes: "O que foi, ser, o que se fez, se tornar a fazer: nada h de novo sob
o sol".
Mircea Eliade, em O Mito do Eterno Retorno, afirma: "Nenhuma acontecimento
nico, nada acontece apenas uma vez; todo episdio j aconteceu, repetido, e ser reprisado de
modo perptuo; os mesmos indivduos apareceram, aparecem e continuaro aparecendo, a cada
giro do crculo. O tempo csmico uma repetio e anakuklosis, o eterno retorno."
A permanncia da cultura do mal-estar e da infelicidade est aliada uma iluso em um
futuro promissor. Ora, isso no parece ser uma esperana factvel. Sabemos que as sociedades,
as culturas e as civilizaes se movem em uma mesma direo, de forma contnua, cclica e
espiralada. Isso significa que tanto no futuro como no passado, as condies subjetivas de
existncia do homem so mais ou menos aquelas que conhecemos.
Dois autores so fundamentais, alm de Freud e Nietzsche, para compreender a "crise
existencial" que sofre a humanidade. O primeiro Ren Gunon, autor da Crise do Mundo
Moderno, e o outro autor Julius Cesare Evola, autor de Revolta contra o Mundo Moderno.
Este ltimo autor considera que nossa atual civilizao a pior de todas. Para ele, "se
houve alguma vez uma civilizao de escravos em grande escala, foi exatamente a civilizao
moderna (...) que imposta de maneira aparentemente inofensiva pela tirania do fator
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econmico (...) assim a escravido hoje a mais tenebrosa e a mais desesperada de todas as que
foram alguma vez conhecidas."
A viso de Evola no propriamente pessimista. Contra todas as terceiras e quartas
ondas do "neo" (neocapitalismo, neopositivismo, neoliberalismo) e do "ps" (ps-modernismo,ps-vanguardismo, ps-historicismo), o homem encontra-se a ss com o seu destino de repetir
ad infinitum os mesmos dramas e tragdias.
essa circularidade do tempo e da histria que permite a sobrevivncia das literaturas
clssicas: vivemos as mesmas emoes profundas que os habitantes da Grcia do sculo V,
tanto que at hoje lemos as tragdias de Sfocles, por exemplo. Assim, temos diante de ns o
desafio de propor novas solues para velhos problemas, se que existem solues novas ou
velhas.
J prelibando a finalizao desta conferncia, gostaria de lhes proporcionar umareflexo acerca da obra de Freud, elaborada por um dos mais ferrenhos crticos da psicanlise.
Talvez essa crtica psicanlise diminua o mal-estar que nossas inquietaes filosficas por
acaso tenham causado na susceptibilidade do pblico, que nos ouviu afirmar que ns, os
humanos, somos prisioneiros do nosso inconsciente e que somos governador por foras
psquicas que desconhecemos.
Com isso estamos afirmamos o primado da irracionalidade, contra todas as
reivindicaes da Razo formal, isso significa que por trs dos nossos pensamentos, razes e
decises, encontram-se os desejos inconsciente que so anti-culturais e anti-civilizatrios.
Mas Ren Gunon pode proporcionar alvio s senhoras e aos senhores, na sua crtica
feroz a Freud. Em seu livro O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos, Gunon afirma que
o carter geralmente ignbil e repugnante das interpretaes psicanalticas constitui, a esse
respeito, uma 'marca' que no engana; (...) Na realidade, a psicanlise s pode ter como efeito o
trazer superfcie, tornando-o claramente consciente, todo o contedo destes fundos baixos do ser
que formam aquilo a que se chama propriamente o 'subconsciente'.
CONCLUSO
E o vosso mais alto pensamento deveis ouvi-lo de mim,
e este:
o homem deve ser superado.