entenda o que são e como surgiram os alimentos transgênicos (2)

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Entenda o que são e como surgiram os alimentos transgênicos; leia capítulo da Folha Online Os alimentos transgênicos estão por toda parte --em campos de cultivo, nos alimentos importados, nos tribunais, na imprensa, no Congresso. Marcelo Leite, colunista da Folha, desvenda o tema no livro "Alimentos Transgênicos" , da coleção "Folha Explica" da Publifolha. A introdução pode ser lida abaixo. O autor explica de forma didática o que são os transgênicos (os organismos que contêm um ou mais genes transferidos artificialmente de outra espécie), como eles surgiram e o que já se sabe sobre seus efeitos. Como o nome indica, a série "Folha Explica" ambiciona explicar os assuntos tratados e fazê-lo em um contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condições não só para que fique bem informado, mas para que possa refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país. Para saber quais os livros da coleção "Folha Explica" cujos primeiros capítulos já foram publicados, clique aqui . * A explosão dos transgênicos A descoberta de que os alimentos transgênicos estavam muito perto de chegar ao mercado caiu como um obus sobre a sonolenta opinião pública brasileira no segundo semestre de 1998. A perspectiva de passar a ingerir vegetais geneticamente modificados despertou no imaginário das pessoas vagos fantasmas associados com a energia nuclear: uma tecnologia incompreensível, fora de controle público e capaz de pôr em circulação ameaças invisíveis contra a saúde humana e o ambiente. Motivado sobretudo pela ignorância sobre os fundamentos dessa tecnologia e pela surpresa desagradável de vê-la tão perto do próprio corpo sem prévio aviso, o temor se difundiu rapidamente. Em questão de semanas, era assunto obrigatório nas redações de jornais e revistas, nos programas de televisão e nas festas - em particular, jantares. O assunto foi dado como favas contadas no vestibular. Um estilista anunciou que criaria "roupas transgênicas". Até as histórias em quadrinhos, oráculos dos humores da sociedade, despertaram para o que parecia ser um desastre à espreita, como nestas tiras de Angeli e Laerte publicadas pela Folha de S.Paulo. Todo mundo queria saber: afinal, os transgênicos fazem mal ou não? Como quase sempre ocorre no mundo da ciência, não há uma resposta clara, muito menos definitiva, para essa pergunta. Por mais angustiante e urgente que ela seja, anos de debate ainda não foram suficientes para esclarecê-la. Este livro pode apenas ajudar os aflitos e interessados a localizar

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Entenda o que so e como surgiram os alimentos transgnicos; leia captulodaFolha OnlineOs alimentos transgnicos esto por toda parte --em campos de cultivo, nos alimentos importados, nos tribunais, na imprensa, no Congresso. Marcelo Leite, colunista daFolha, desvenda o tema no livro"Alimentos Transgnicos", da coleo"Folha Explica"da Publifolha. A introduo pode ser lida abaixo.

O autor explica de forma didtica o que so os transgnicos (os organismos que contm um ou mais genes transferidos artificialmente de outra espcie), como eles surgiram e o que j se sabe sobre seus efeitos.Como o nome indica, a srie"Folha Explica"ambicionaexplicaros assuntos tratados e faz-lo em um contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condies no s para que fique bem informado, mas para que possa refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e consciente das circunstncias do pas.Para saber quais os livros da coleo "Folha Explica" cujos primeiros captulos j foram publicados,clique aqui.*A exploso dos transgnicosA descoberta de que os alimentos transgnicos estavam muito perto de chegar ao mercado caiu como um obus sobre a sonolenta opinio pblica brasileira no segundo semestre de 1998. A perspectiva de passar a ingerir vegetais geneticamente modificados despertou no imaginrio das pessoas vagos fantasmas associados com a energia nuclear: uma tecnologia incompreensvel, fora de controle pblico e capaz de pr em circulao ameaas invisveis contra a sade humana e o ambiente.Motivado sobretudo pela ignorncia sobre os fundamentos dessa tecnologia e pela surpresa desagradvel de v-la to perto do prprio corpo sem prvio aviso, o temor se difundiu rapidamente. Em questo de semanas, era assunto obrigatrio nas redaes de jornais e revistas, nos programas de televiso e nas festas - em particular, jantares. O assunto foi dado como favas contadas no vestibular. Um estilista anunciou que criaria "roupas transgnicas". At as histrias em quadrinhos, orculos dos humores da sociedade, despertaram para o que parecia ser um desastre espreita, como nestas tiras de Angeli e Laerte publicadas pela Folha de S.Paulo.Todo mundo queria saber: afinal, os transgnicos fazem mal ou no? Como quase sempre ocorre no mundo da cincia, no h uma resposta clara, muito menos definitiva, para essa pergunta. Por mais angustiante e urgente que ela seja, anos de debate ainda no foram suficientes para esclarec-la. Este livro pode apenas ajudar os aflitos e interessados a localizar algumas das respostas parciais disponveis, muitas vezes conflitantes, e a refletir sobre elas. Oxal isso seja o bastante para que tirem suas prprias concluses.A nica promessa do texto tentar manter eqidistncia dos extremos fundamentalistas --de um lado, a confiana cega da indstria biotecnolgica na segurana da engenharia gentica; de outro, a desconfiana alarmada e nem sempre bem informada da militncia verde. Sua nica concluso: a querela dos transgnicos constitui provavelmente s o primeiro debate de uma longa srie que a opinio pblica de qualquer pas, desenvolvido ou no, ter de encarar, e nos quais a cincia ser ingrediente fundamental. Os transgnicos sero apenas o aperitivo de uma dieta indigesta para quem no for capaz de acompanhar a marcha da tecnocincia e, sobretudo, entender a revoluo gentica na biologia.O DEBATE PEGA FOGOA polmica chegou ao Brasil com certo atraso, embora mais rpido do que --quem diria?-- aos Estados Unidos, onde s se tornou tema de debate na vspera do ano 2000. Enquanto isso, na Europa e na sia, os transgnicos literalmente pegavam fogo, com militantes ambientalistas incendiando campos cultivados com variedades de organismos geneticamente modificados (os famigerados OGM), plantas 'engenheiradas' para se tornarem resistentes a insetos ou herbicidas. Em novembro de 1998, a associao de agricultores de Karnataka, um estado no sul da ndia, lanou a campanha 'Operao Cremar a Monsanto', com o objetivo de arrancar e queimar ps de algodo transgnico plantados - segundo eles, ilegalmente - em campos de teste (Monsanto a empresa multinacional mais identificada com a tecnologia transgnica, embora no seja a nica a empreg-la). No ms seguinte, a Euro-Toques, uma organizao que rene mais de 2.500 gourmets da Europa, lanava um manifesto em que condenava a introduo de gneros geneticamente alterados na cadeia alimentar, alegando que isso equivaleria a impor ao pblico um experimento gentico de conseqncias to imprevisveis quanto irreversveis.Protestos e manifestaes se sucediam com freqncia cada vez maior no continente europeu, traumatizado que estava com os escndalos alimentares da dioxina e da doena da vaca louca (encefalopatia espongiforme bovina, ou BSE, doena cerebral transmitida ao gado alimentado com carcaas de ovelhas contaminadas). No foi por acaso que a reao mais forte aos transgnicos desencadeou-se no pas da BSE, o Reino Unido, em particular depois que o pblico britnico deu-se conta de que a soja - que entra como ingrediente num sem-nmero de comidas industrializadas, de salsichas a sorvetes - importada da ex-colnia Estados Unidos vinha misturada com gros de plantas transgnicas. Diante da forte reao pblica, a Unio Europia (que havia autorizado a importao e o processamento da soja transgnica em 1996) decidiu j em maio de 1998 introduzir regras para rotular alguns produtos que contivessem soja ou milho geneticamente alterados. Nos Estados Unidos, em contraste, culturas transgnicas j estavam aprovadas desde 1995, sem nenhuma imposio de rtulos ou segregao de produtos.No Brasil, desde junho de 1998 a Comisso Tcnica Nacional de Biossegurana (CTNBio) examinava um pedido de licena da empresa Monsanto para comercializar a soja geneticamente modificada Roundup Ready, uma variedade resistente ao herbicida Roundup, da prpria Monsanto (nome genrico: glifosato). Em 24 de setembro do mesmo ano, apesar de uma liminar que sustava o plantio, obtida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pela organizao ambientalista Greenpeace, a CTNBio reiterou sua autorizao, deliberando que nada haveria a temer do ponto de vista da biossegurana e deixando outros aspectos de licenciamento a critrio do Ministrio da Agricultura. Era a primeira licena que a Comisso concedia para cultivo em escala comercial, mas j havia aprovado dezenas de outras para testes experimentais, normalmente realizados em reas diminutas (da ordem de uns poucos hectares cada uma) e submetidos a severas medidas de segurana (como as faixas de segurana para evitar disperso de plen e a queima de todos os ps aps a colheita).Essa liberao pioneira funcionou como estopim para uma saraivada de recursos e liminares. Nesse meio tempo, a guerra dos transgnicos j tinha desenvolvido at uma verso regional, farroupilha, com o novo governo petista do Rio Grande do Sul (administrao Olvio Dutra) declarando o estado territrio livre de cultivares geneticamente modificados --uma deciso distante da realidade, porque na prtica o Rio Grande a regio do Brasil onde mais se planta soja transgnica resistente ao glifosato, com recurso a sementes ilegalmente importadas da Argentina. Ao menos uma grande cadeia de varejo, o Carrefour, anunciou sua disposio de comprar exclusivamente soja no-transgnica. No Ministrio da Cincia e Tecnologia, saiu um ministro inteiramente favorvel aos transgnicos, Luiz Carlos Bresser Pereira, e entrou um bem mais moderado, o diplomata Ronaldo Sardenberg, disposto a levar em conta a reao desfavorvel de parcela do pblico.A semeadura da primeira safra de soja Roundup Ready foi adiada uma segunda vez, para desgosto da Monsanto. Tambm no caso dos transgnicos, e apesar dos esforos em contrrio do governo federal, o Brasil se recusava a ser a Argentina de ontem, que aprovara a novidade da biotecnologia sem pestanejar e hoje conta com 80% de sua safra geneticamente modificada, mais que os Estados Unidos (55%) e o Canad (10%).FRANKENSTEIN E AS BIOTECNOLOGIASA desorientao do pblico persiste, assim como a indefinio do Estado brasileiro sobre essa questo estratgica. Muita gente, perdida com o excesso e a novidade das informaes, atira num mesmo saco de incertezas e temores frankensteinianos os alimentos transgnicos, clones de animais e seres humanos, tcnicas desconcertantes de reproduo assistida e a manipulao de embries e suas clulas em laboratrio. No resta dvida de que a confuso auxilia os adversrios dos OGM (o que no implica, como querem fazer crer seus partidrios, que o exame imparcial e cientfico da matria conduza nica e necessariamente a sua aceitao). Mesmo em setores esclarecidos da sociedade, parece predominar uma mentalidade algo paranica em relao aos transgnicos, o que no final de contas pode revelar-se uma saudvel forma de autodefesa diante do rolo compressor da indstria. Considere-se, por exemplo, o que escreveu o juiz federal Antnio Souza Prudente numa deciso liminar proferida em junho de 1999, determinando que se realizasse estudo de impacto ambiental como precondio do plantio comercial da soja Roundup Ready:'Creio que a velocidade irresponsvel que se pretende imprimir aos avanos da engenharia gentica, [...] guiada pela desregulamentao gananciosa da globalizao econmica, poder gestar, nos albores do novo milnio, uma esquisita civilizao de 'aliens hospedeiros', com fisionomia peonhenta'.Preferncias ideolgicas e literrias parte, a polmica dos transgnicos ainda est por decidir-se. Os prximos quatro captulos tentaro lanar alguma luz sobre esse debate at agora mais acalorado do que esclarecedor, principiando por uma explicao didtica --objeto do Captulo 1-- das bases da engenharia gentica e de sua histria, desde a descoberta da estrutura do DNA em 1953 e o surgimento da tecnologia do DNA recombinante em 1973, que j nasceu controvertida. O Captulo 1 mostrar ao leitor que no procedem os argumentos, freqentemente reiterados pela indstria e pelos cientistas partidrios da biotecnologia, de que esta nada mais faria do que reproduzir em laboratrio os rearranjos genticos realizados h milnios, com auxlio de seleo e cruzamentos, por melhoristas de plantas e animais. Abordar igualmente as reaes do pblico aos organismos geneticamente modificados, em particular plantas cultivadas com fins alimentares (debates em nada comparveis aos suscitados pelo emprego da mesma tcnica na produo de drogas como insulina ou interferon, bem mais amenos). Ficar ento evidente que a engenharia gentica sempre originou dvidas e desconfiana, mas tambm que estas sempre foram desconsideradas em nome do desenvolvimento tecnocientfico.O Captulo 2 tratar das grandes incgnitas sobre os alimentos transgnicos, seus supostos efeitos danosos sade (toxicidade, alergias, disseminao da resistncia a antibiticos) e ao ambiente (poluio gentica, surgimento de 'superervas' daninhas, mortandade de insetos benficos). Sua leitura deixar claro que a discusso ainda est longe de terminar e que, provavelmente, seria sensato realizar estudos mais amplos antes de espalhar sem nenhum critrio dzias de variedades transgnicas pelo mundo.No penltimo captulo sero analisadas algumas questes relativas tica, s polticas pblicas e legislao, como os direitos intelectuais (patentes) sobre sementes, em conflito com os direitos de agricultores tradicionais, e a relativa promiscuidade entre rgos reguladores e a indstria. Sua mensagem central ser a de que o Brasil --segundo maior produtor de soja do mundo-- pode extrair algumas vantagens do fato de ter se atrasado na regulamentao dessa matria.No ltimo captulo, como mandam a lgica e o bom senso, vir a concluso --precria e provisria, alm de muito mais genrica do que o leitor vido por respostas preferiria encontrar: sim, as chamadas cincias da vida deveriam ser governadas por algo mais que a simples lgica cientfica e de mercado; mas, no, o teor mdio de conhecimento ainda no o suficiente para garantir uma interferncia positiva e democrtica nesse debate. Este livro pretende contribuir para alargar o conhecimento pblico de um tema que tem fundo tcnico e cientfico, mas que cada vez mais se torna pr-requisito fundamental para a participao na vida poltica.Esta introduo comporta ainda alguns reconhecimentos imprescindveis. Agradeo a Lcia Aleixo, Rodrigo Almeida, Joel Cohen, Goran Jezovsek, Marilena Lazzarini, Leila Oda e Elibio Rech as muitas oportunidades de aprofundamento na compreenso da biotecnologia. Pela leitura atenta do manuscrito e por comentrios valiosos, sou grato a Arthur Nestrovski, Isabel Gerhardt e Claudia Kober -- qual devo muito mais do que isso.