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ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA I ROBERTO NARDI (ORG.) TEMAS SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

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  • ensino de cinciase matemtica i

    roberto nardi (org.)

    temas sobre formao de professores

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I

  • ROBERTO NARDI (ORG.)

    ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I

    TEMAS SOBRE FORMAO DE PROFESSORES

  • Editora afi liada:

    CIP-Brasil. Catalogao na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    E52

    v.1 Ensino de cincias e matemtica, I : temas sobre a formao de professores / Roberto Nardi (org.). So Paulo : Cultura Acadmica, 2009.

    ISBN 978-85-7983-004-4

    1. Cincia Estudo e ensino. 2. Matemtica Estudo e ensino. 3. Professores de cincis Formao. 4. Cincia Estudo e ensino Filosofi a. 4. Cincia Aspectos sociais. I. Nardi, Roberto.

    09-6056. CDD: 507CDU: 5(07)

    Este livro publicado pelo Programa de Publicaes Digitais da Pr-Reitoria de Ps-Graduao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP)

    2009 Editora UNESP

    Cultura AcadmicaPraa da S, 10801001-900 So Paulo SPTel.: (0xx11) 3242-7171Fax: (0xx11) [email protected]

  • SUMRIO

    Apresentao 7

    1 Investigao temtica na formao de professores de Fsica e no ensino de Fsica 11

    2 As atividades de campo no ensino de Cincias: refl exes a partir das perspectivas de um grupo de professores 27

    3 Formao inicial de professores de Qumica: formao especfi ca e pedaggica 43

    4 Ensino de Cincias e Educao Moral: implicaes mtuas 59 5 Um estudo exploratrio sobre o ensino de Astronomia na formao

    continuada de professores 75 6 Anlise de prticas pedaggicas realizadas em atividades de

    formao continuada de professores: a aproximao da Histria e Filosofi a da Cincia no ensino de Fsica 91

    7 Incluso no ensino de Fsica: materiais e metodologia adequados ao ensino de alunos com e sem defi cincia visual 109

    8 O ensino de Cincias e seus desafi os para a incluso: o papel do professor especialista 133

    9 Difi culdades dos professores em introduzir a Fsica Moderna no Ensino Mdio: a necessidade de superao da racionalidade tcnica nos processos formativos 145

    10 Os processos de elaborao e operacionalizao de uma estrutura curricular na formao de professores de Fsica: as intenes legais, os discursos dos formadores e suas prticas docentes 161

  • 11 O ensino de Cincias nas sries iniciais: desenvolvimento de aprendizagens profi ssionais no mbito da formao de professores 179

    12 A formao de professores: uma reviso das ltimas dcadas em revistas brasileiras da rea de Educao Matemtica 193

    13 Formao de professores de Cincias em exerccio no Estado da Bahia 209

    14 Ensino de Cincias Naturais e a formao de professores: potencialidades do ensino no formal da Astronomia 225

    15 Ensino de Fsica, analogias e a dinmica do contexto interativo discursivo em sala de aula 243

  • APRESENTAORoberto Nardi

    O Programa de Ps-Graduao em Educao para a Cincia, sediado na Faculdade de Cincias da Unesp, iniciou suas atividades em 1997, sen-do um dos primeiros a se credenciar junto Coordenao de Aperfeioa-mento de Pessoal de Nvel Superior (Capes), na rea de ensino de Cin-cias e Matemtica. As primeiras dissertaes concludas no Programa foram defendidas a partir de 1999, tendo sido at hoje homologadas um total de 187 dissertaes de mestrado e 25 teses de doutorado. Desde o seu incio, o Programa vem implementando parcerias nacionais e internacio-nais com grupos de pesquisa e instituies diversas e programas interins-titucionais fi nanciados pela Capes, como o Programa Nacional de Coope-rao Acadmica (Procad) e os Programas de Doutorado Interinstitucional (Dinter) e, em nvel internacional, com universidades da Frana, Portugal e Colmbia.

    O ncleo de pesquisa do Programa concentra-se em estudos sobre a Cincia, a educao cientfi ca e nas relaes entre o saber cientfi co e seu en-sino. Assim, incentiva a refl exo sobre os processos envolvidos na constru-o dos conhecimentos cientfi cos e tecnolgicos, alm de contribuir para a produo de um corpo de conhecimentos fi losfi cos, cientfi cos e pedag-gicos destinados formao de professores e outros profi ssionais da rea.

    Seis linhas de pesquisa integram o Programa de Ps-Graduao em Educao para a Cincia: 1) Filosofi a, Histria e Sociologia da Cincia no ensino de Cincias; 2) Ensino de Cincias em espaos no formais e divul-gao cientfi ca; 3) Fundamentos e modelos psicopedaggicos no ensino de Cincias e Matemtica; 4) Informtica em Educao em Cincias e Mate-

  • 8 ROBERTO NARDI

    mtica; 5) Linguagem, discurso e ensino de Cincias; 6) Cincia, tecnolo-gia, ambiente e desenvolvimento humano.

    Este livro apresenta, no conjunto de seus captulos, uma parte das recen-tes produes do Programa, j aprovadas em bancas examinadoras, tendo como pano de fundo a questo da formao de professores.

    No primeiro captulo, intitulado Investigao temtica na formao de professores de Fsica e no ensino de Fsica, os autores apresentam e discu-tem uma anlise do processo e das estratgias de codifi cao e decodifi cao que adotam na investigao temtica para a obteno de redes conceituais prvias em Fsica. Diante dos dados obtidos, buscam a reconstruo racio-nal da histria da prpria prtica e constatam a relevncia da investigao temtica para insero da problematizao das implicaes da relao Cin-cia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA).

    No captulo que segue, os autores de As atividades de campo no ensino de Cincias: refl exes a partir das perspectivas de um grupo de professores discutem sobre o papel das atividades de campo como estratgia no ensino das Cincias, mais especifi camente na Educao Ambiental, em investiga-o que fi zeram com um grupo de professores em uma atividade de campo promovida pelo Centro de Divulgao Cientfi ca e Cultural da Universida-de de So Paulo (CDCC/USP).

    Formao inicial de professores de Qumica: formao especfi ca e pe-daggica o ttulo do prximo captulo, no qual os autores abordam a for-mao pedaggica e especfi ca de licenciandos em Qumica com base em dados e refl exes referentes a um estudo realizado, por meio do qual foi pos-svel identifi car problemas em relao formao inicial dos professores.

    Embasados por teorias sociomorais, os autores de Ensino de Cincias e Educao Moral: implicaes mtuas argumentam em prol das possibili-dades de subsdios mtuos entre o ensino de Cincias e a Educao Moral. Defendem no texto que o ensino de Cincias crtico e desmistifi cado poten-cializa o desenvolvimento moral, assim como os princpios tericos do desen-volvimento tambm so subsdios para o ensino de Cincias na perspectiva da desmistifi cao da viso de cincia e construo crtica do conhecimento.

    Em Um estudo exploratrio sobre o ensino de Astronomia na formao continuada de professores, relata-se um estudo sobre a formao continua-da de professores da Educao Bsica, que visou o desenvolvimento profi s-sional quanto prtica de ensino de contedos relacionados Astronomia.

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 9

    No captulo seguinte, intitulado Anlise de prticas pedaggicas reali-zadas em atividades de formao continuada de professores: a aproximao da Histria e Filosofi a da Cincia no ensino de Fsica, os autores uti li zam-se de um curso que realizam para analisar o desenvolvimento de atividades de formao continuada com docentes de Fsica, buscando-se aproximar a Histria e Filosofi a da Cincia do ensino.

    Ensino de Fsica para alunos com defi cincia visual o tema do artigo Incluso no ensino de Fsica: materiais e metodologia adequados ao ensino de alunos com e sem defi cincia visual. Na abordagem, os autores apre-sentam artefatos ttil-visuais que facilitam o processo de ensino e atendem s necessidades de incluso.

    Em O ensino de Cincias e seus desafi os para a incluso: o papel do professor especialista, o foco dos autores foi analisar a situao que se en-contra o professor especialista em defi cincia visual presente em uma escola estadual. Para tanto, utilizam referenciais tericos relacionados Educao Inclusiva e motivao.

    Difi culdades dos professores em introduzir a Fsica Moderna no ensino mdio: a necessidade de superao da racionalidade tcnica nos processos formativos o ttulo do prximo captulo. Os autores analisam nos dis-cursos de professores de Fsica algumas marcas das respectivas formaes e identifi cam infl uncias da racionalidade tcnica difi cultando o intento dos professores.

    O captulo denominado Os processos de elaborao e operacionaliza-o de uma estrutura curricular na formao de professores de Fsica: as intenes legais, os discursos dos formadores e suas prticas apresenta al-gumas refl exes dos autores acerca de uma pesquisa realizada entre 2002 e 2004 junto a docentes universitrios com atuao como formadores de professores de Fsica.

    O captulo intitulado O ensino de Cincias nas sries iniciais: desen-volvimento de aprendizagens profi ssionais no mbito da formao de pro-fessores consistiu expor e discutir um modelo de investigao que objeti-vou verifi car se um conjunto planejado de interaes entre os pesquisadores e uma professora das sries iniciais favoreceria a aprendizagem.

    No captulo A formao de professores: uma reviso das ltimas dca-das em revistas brasileiras da rea de matemtica, os autores apresentam resultados de uma investigao que teve por objetivo a anlise dos artigos

  • 10 ROBERTO NARDI

    relacionados ao campo de formao de professores em 32 anos de publica-o da rea de educao matemtica em revistas brasileiras.

    Em Formao de professores de Cincias em exerccio no Estado da Bahia, as autoras constroem um quadro que permite clarear a situao da formao de professores de Cincias em exerccio na Bahia, entrelaando histrias de 16 professores de Cincias com as aes governamentais rela-cionadas ao assunto.

    Em Ensino de Cincias Naturais e a formao de professores: potencia-lidades do ensino no formal da Astronomia, os autores defendem que os planetrios, observatrios astronmicos e clubes de astrnomos amadores podem oferecer atividades a ser includas na listagem de estabelecimentos de educao no formal em astronomia, cujas potencialidades formativas so brevemente consideradas neste trabalho.

    Encerrando o livro est o captulo intitulado Ensino de Fsica e a di-nmica do contexto interativo discursivo em sala de aula. Nesse captulo apresentam-se resultados parciais de uma investigao que relaciona o es-tudo das analogias no Ensino de Fsica com a formao de professores e as questes de linguagem, especifi camente quanto elaborao, utilizao/explorao destas nos processos interativos discursivos em sala de aula.

  • 1INVESTIGAO TEMTICA NA FORMAO DE

    PROFESSORES DE FSICA E NO ENSINO DE FSICAJoo Amadeus Pereira Alves1

    Washington Luiz Pacheco de Carvalho2

    Rejane Aurora Mion3

    Introduo

    Diante das mudanas atuais nos cursos de licenciatura em Fsica, o que incluiu estgio curricular supervisionado em ensino de Fsica, no qual se si-tua nossa atuao docente, nossas pesquisas e outros estudos, temos discu-tido e implementado novas estratgias e tambm lanado mo de novos re-cursos para a realizao da investigao temtica, baseada em Freire (1983).

    A investigao temtica inaugurada pela relao estabelecida entre o aprendiz de professor e pesquisador e a realidade da escola na qual ele es-tagia. Se por um lado isto que estabelecemos como o ponto de partida para que tal investigao ocorra, o mesmo no podemos dizer sobre o seu trmino, uma vez que enquanto houver dilogo haver espao para com-plementar o arcabouo de dados e informaes pertinentes atividade de formao docente.

    Nossa inteno a de inserir na investigao temtica a problematiza-o das implicaes da relao Cincia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA). Defendemos que tal insero indispensvel para que os alunos

    1 Docente da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (Unesp), Faculdade de Cincia, campus de Bauru, e da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Departamento de Mtodos e Tcnicas de Ensino (UEPG-Demet).

    2 Professor-adjunto da Faculdade de Engenharia, campus de Ilha Solteira, e do Departamento de Fsica e Qumica da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (Unesp).

    3 Docente da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Departamento de Mtodos e Tcnicas de Ensino (UEPG/PPGE).

  • 12 ROBERTO NARDI

    da Educao Bsica, dentre outras possibilidades, se aproximem de modo efetivo da complexa problemtica energtica do planeta e das causas do aquecimento global.

    O trabalho que permitiu a escrita deste texto foi desenvolvido junto for-mao inicial de professores de Fsica, tendo a investigao temtica como fundamento terico epistemolgico e metodolgico para o delineamento do estgio curricular supervisionado em ensino de Fsica. Em se tratando do que temos feito junto formao inicial de professores de Fsica, a investi-gao temtica, que s pode ser pensada para e como uma interveno na realidade (Freire, 1983), encarada como uma componente indispensvel da funo social do futuro professor, a ser desenvolvida durante a formao deste. A partir da investigao temtica se permite conhecer o que os alunos pensam, como pensam e porque desse ou daquele modo que pensam a respeito das temticas de Fsica a serem ensinadas/aprendidas no Ensino Mdio.

    Na nossa realidade terico-prtica, pesquisada e analisada, a investiga-o temtica constitui o germe da reconstruo curricular. um iniciar-se na busca de identidade profi ssional e tica do professor, em que se enten-de, a partir dos escritos de Anselm Strauss, ser a refl exo sobre a ao igual observao orientada da prtica planejada e vivida, o que permite ao sujei-to despir-se das suas mscaras medida que constri a sua prtica (Strauss, 1999).

    A questo de pesquisa que orienta a apresentao deste texto : Como licenciandos-estagirios em Fsica podem ser instrumentados de modo a en-frentar o racionalismo tcnico, por um lado, e a absolutizao da prtica, por outro, que estimulam vises ingnuas sobre Cincia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente em detrimento de uma viso crtica?

    O processo de elaborao, desenvolvimento e anlise da investigao temtica, tendo como pano de fundo a problemtica energtica, qual seja, a sua escassez por um lado e as novas fontes de energia por outro, e o aque-cimento global, gera a necessidade de incluir essas discusses como conte-do escolar. Especifi camente, gera a necessidade de se incluir esses temas no currculo das disciplinas mais diretamente envolvidas e que compem a educao cientfi ca e tecnolgica, da subrea das Cincias da Natureza, Matemtica e suas Tecnologias, especialmente da Fsica. Ao faz-lo, agi-mos com inteno e colocamo-nos a servio de um processo de conscienti-zao (Freire, 1980).

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 13

    Investigao temtica e ensino de Fsica

    Para Freire (1983), a investigao temtica s pode ocorrer na relao de dilogo entre os envolvidos na prtica educacional mediados pelo mun-do. A investigao temtica situa-se na realidade a ser investigada, tendo a conhecer um objeto tcnico que tem em comum com envolvidos o fato de estes estarem no mundo, dele fazerem parte e nele poderem fazer transfor-maes. E isso o que tambm diferencia o ser humano dos outros animais.

    Aqui, analisamos e defendemos a prtica educacional, o que fazer, o nos-so trabalho e o processo ensino-aprendizagem da Fsica, que so dimenses da realidade educacional e social a ser investigada, pois o que se pretende investigar, realmente, no so os homens como se fossem peas anatmicas, mas o seu pensamento-linguagem referido realidade, os nveis de sua per-cepo desta realidade, a sua viso do mundo (Freire, 1983, p.103).

    A investigao temtica planejada em primeiro lugar para abrir o di-logo entre os envolvidos e investigar o seu pensar, para conhecermos o que pensam e porque pensam do modo que pensam a temtica da Fsica como um problema a ser resolvido coletiva e colaborativamente, em primeiro lugar para que os aprendizes de professor e pesquisador em ensino de Fsica aprendam a fazer e compreendam que faz parte da funo social de um pro-fessor elaborar o prprio plano de curso; em segundo lugar, fazer e pro-porcionar o mesmo processo aos demais envolvidos, seus alunos do Ensino Mdio, para a defi nio da rede conceitual prvia e, consequentemente, do plano de curso da disciplina e da srie em que vai trabalhar; em terceiro, para realizar uma investigao da realidade educacional e obter informaes sobre esta e, com isso, realizar uma redefi nio curricular mais abrangente e mais informada para o Ensino Mdio e; em quarto lugar, poderamos dizer que este um processo de problematizao de conceitos e prticas, uma prtica educacional necessria na formao inicial e continuada de um pro-fessor e pesquisador em ensino de Fsica, pois provoca a interlocuo entre a formao desse professor e o prprio ensino de Fsica.

    Do ponto de vista terico-prtico e educacional, encontramos respaldo no texto Pedagogia do oprimido para inserir a problematizao das impli-caes da relao CTSA no contexto da investigao temtica, como uma apropriao do entendimento de ser humano e de mundo. E este s se con-cebe pela existncia de seres humanos nele.

  • 14 ROBERTO NARDI

    Este um esforo que cabe realizar no apenas na meto dologia da investiga-o temtica que advogamos, mas tambm na educao problematizadora que defendemos. O esforo de propor aos indivduos dimenses signifi cativas de sua realidade, cuja anlise crtica lhes possibilite reconhecer a interao de suas partes (Freire, 1983, p.113).

    Nas ltimas trs dcadas, o campo cientfi co tem ampliado os estudos, as discusses e os novos interesses sobre essa problemtica scio-ambiental, a ponto de muitos dos seus representantes darem novos direcionamentos a seus posicionamentos, tidos at ento como conservadores. As mais recen-tes mudanas climticas ocorridas no planeta Terra tm chamado a ateno dos cientistas, dos governantes e da sociedade civil organizada (Richard-son; Blades, 2002; Pedretti et al., 2008). A temperatura mdia da superfcie do planeta tem sido detectada como crescente, a partir das constataes e das divulgaes feitas principalmente a partir de 2007 pelos pesquisado-res que integram o Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC).

    Em grande escala, esses problemas geram incontveis danos, dentre os quais se destacam: aumento do nvel do mar; menor produo de alimentos (principalmente da fauna ictina); reduo acelerada do nmero de espcies animais e vegetais; chuvas mais intensas e mudanas de sazonalidade de ocorrncia em alguns lugares, em detrimento a outros; estiagens mais dura-

    INVESTIGAOTEMTICA EM FSICA

    1 Na Abertura do Dilogo investigao do pensar dos envolvidos compreenso de uma das funes sociais do professor

    2 Desdobramentos da Abertura do Dilogo no Ensino Mdio: investigar o pensar dos envolvidos implicaes na rede conceitual prvia e no plano de curso

    3 Na Investigao da Realidade Educacional realizao da redefi nio curricular, mais abrangente e informada

    4 Processo de Problematizao de Conceitos e Prticas interlocuo entre a formao docente e o ensino de Fsica na Educao Bsica

    Figura 1 Investigao temtica na formao do professor e pesquisador em Ensino de Fsica.

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 15

    douras em regies mais ridas; maior incidncia de doenas (a exemplo do cncer de pele motivado por maior radiao ultravioleta), segundo diferen-tes estudos apresentados pelo Instituto Nacional do Cncer (Inca); menor produo do isopreno4 nas regies de vegetao tropical; menor reteno de gua pelo solo e perda de sua capacidade de nutrir plantas, dentre muitos outros.

    Questes dessa natureza precisam ser tratadas educacionalmente. Sobre isto, temos investido nossos esforos nas disciplinas de Estgio Curricular Supervisionado em Ensino de Fsica 1 e 2.

    A metodologia

    Realizado em um curso de formao inicial e continuada de professores de Fsica, no interior de um programa de investigao-ao educacional, o processo de elaborao, desenvolvimento e anlise da investigao temtica durou seis semanas letivas5, culminando com as redes conceituais prvias construdas. A coleta de dados empricos foi realizada por meio de obser-vao direta: por escrito, guiada por um roteiro (Mion, 2002) e por meio de gravaes eletrnicas (udio, vdeo e computador).

    As estratgias utilizadas para a realizao da investigao temtica no Ensino Mdio por parte dos licenciandos-estagirios foram articuladas in-trinsecamente. Para a elaborao de cada uma delas, seguimos os quatro momentos da espiral de ciclos de origem lewiniana: planejamento, ao, observao e refl exo (Carr; Kemmis, 1988).

    A anlise dos dados da investigao temtica se deu sobre a elaborao e desenvolvimento de seis estratgias, conforme a descrio a seguir.

    4 O isopreno um gs produzido tipicamente em fl oresta tropical que, ao ascender atmos-fera, contribui na cristalizao das partculas dgua dispersas, tornando estas mais densas e facilitando a precipitao. Mas com o excesso de CO2 na atmosfera, este compete com o isopreno, e, assim, as partculas dgua no adquirem o tamanho necessrio e a cristalizao. Com isso, elas no vencem a tenso superfi cial atmosfrica a ponto de precipitarem.

    5 Totalizaram-se 36 horas/aula na disciplina de Estgio Curricular Supervisionado em Ensino de Fsica II, sendo que dessas, 18 ocorreram na Universidade, e as demais ocorreram em cada escola envolvida com o estgio.

  • 16 ROBERTO NARDI

    Tabela 1 Estratgias realizadas durante a investigao temtica.

    Semana Sntese das estratgias realizadas durante a Investigao Temtica1a Participao na Semana Pedaggica na Escola.

    2a Problematizao da prtica educacional com trs vdeos (que no so de fi co) sobre a problemtica energtica mundial e o aquecimento global.

    Construo de um texto sobre esses vdeos.

    3a Problematizao do conceito de ser humano e de produo de lixo a partir da exibio do fi lme Ilha das Flores (que tambm no uma fi co), de Jorge Furtado (1989).

    Construo de um texto sobre esse fi lme assistido.

    4a Levantamento dos objetos, aparelhos, coisas e fenmenos que os alunos do Ensino Mdio utilizam e/ou conhecem e/ou relacionam com o tema de Fsica.

    Classifi cao sob categorias fsicas dos objetos, aparelhos, coisas e fenmenos que os alunos utilizam e/ou conhecem e/ou relacionam com o tema (GREF, 1998).

    5a Atividade de investigao e anlise do livro didtico pblico. Problematizao de questes envolvendo implicaes da relao CTSA a partir

    do Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem, 2007).

    6a Apresentao da rede conceitual, do plano de curso e do Sistema de Avaliao aos alunos do Ensino Mdio envolvidos.

    Subsdio da investigao temtica construo de redes conceituais prvias

    A fi m de localizar o leitor sobre as diferentes estratgias, complemen-tares entre si, que foram elaboradas, implementadas e analisadas durante a investigao temtica, trazemos para apreciao da comunidade de pes-quisadores em Educao em Cincias duas delas, em razo da limitao de espao para a escrita deste texto. Desse modo, analisamos tais atividades tendo como parmetro os planos de aula elaborados, desenvolvidos e infor-mados nos registros.

    ATIVIDADE (X) Plano de aula investigar o pensamento dos en-volvidos a partir da construo de um texto.

    Cabealhos da Universidade e da EscolaPlano de aula no:Acadmico/estagirio:Data:Tema da aula: investigao temtica subsdios para a elaborao do plano de curso e da rede conceitual prvia.

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 17

    ObjetivosGeral: investigar e compreender o que pensam os envolvidos sobre a temtica Eletromagnetismo e Tpicos de Ondulatria, tendo como pano de fundo a pro-blemtica energtica e o aquecimento global, para com isso abrir caminho e proble-matizar as implicaes das relaes CTSA.Especfi cos: entender a proposta apresentada no GREF (1998) para a elaborao do Plano de

    Curso da temtica Eletromagnetismo e Tpicos de Ondulatria no 3o ano do Ensino Mdio;

    investigar junto aos envolvidos os objetos tcnicos (aparelhos e componentes el-tricos e eletrnicos) que conhecem e/ou utilizam, com o intuito de elaborar o Plano de Curso para a referida temtica para o Ensino Mdio;

    fazer relaes entre as categorias fsicas e os objetos tcnicos (aparelhos e com-ponentes eltricos e eletrnicos), com os vdeos e a temtica mencionada, tendo como pano de fundo a problemtica energtica e o aquecimento global.

    Cronologia: 50 minutos.Procedimentos Metodolgicos: Perguntar, problematizar e orientar os alunos.Recursos didticos: TV multimdia; pen drive; vdeos; quadro negro e giz.Organizao do ambiente de ensino/aprendizagem

    Atividades: Problematizao inicial Diante das aulas que j tivemos: com a exposio e discusso dos trs vdeos e do fi lme Ilha das Flores; da relao que fi zemos juntos de objetos que vocs conhecem ou utilizam, bem como da classifi cao em categorias fsicas que fi zemos na ltima aula, que relaes vocs percebem nisso tudo? Organizao do conhecimento:1 Orientar os alunos para a realizao da atividade: elaborar um texto com as ca-

    tegorias fsicas e os vdeos das aulas passadas, relacionando-os com a temtica Eletromagnetismo e Tpicos de Ondulatria, tendo como pano de fundo a problemtica energtica e o aquecimento global, por um lado, bem como a con-cepo de ser humano e de gerao de lixo, por outro.

    Obs.: se necessrio, mostrar os dois primeiros vdeos da 1a aula sobre o aque-cimento global.

    2 Depois, solicitar aos alunos que escolham uma das categorias fsicas relaciona-das abaixo, para escrever um texto:

    a) Aparelhos resistivos. b) Motores eltricos. c) Elementos de sistema de comunicao e informao.

  • 18 ROBERTO NARDI

    d) Semicondutores. e) Aparelhos eltricos e eletrnicos. f) Conceitos. g) Outros.3 E solicitar aos alunos que elaborem o texto fazendo relaes entre a categoria

    fsica (aparelhos e componentes eltricos e eletrnicos) escolhida, os vdeos e a temtica j referida, tambm tendo como pano de fundo tal problemtica.

    Aplicao do conhecimento: Abrir as discusses sobre o contedo de cada texto e confront-los com os

    demais grupos.

    Avaliao: ser considerado satisfatrio se os alunos conseguirem elaborar o texto com alguns dos objetos citados pelos envolvidos dentro da categoria fsica escolhida.

    Frente problematizao a partir da exibio de trs vdeos e de um fi l-me feita anteriormente, nessa atividade X os alunos do Ensino Mdio foram orientados a fazer um texto no qual eles se mostrassem mais, falando a respeito das questes abordadas, de modo a subsidiarem mais a constru-o da rede conceitual prvia e, por extenso, da investigao temtica, pois as revelaes na mdia das constataes realizadas pelo IPCC contriburam para planejarmos, de modo que elaborssemos duas atividades na primei-ra semana da investigao temtica, realizadas nas escolas nas turmas de Ensino Mdio em que nossos licenciandos-estagirios desenvolvem seus estgios.

    Os resultados das pesquisas do IPCC, sintetizados em trs vdeos de curta durao (inferiores a 10 minutos), so ricos em detalhes, ilustraes e posicionamentos por parte de representantes da cincia e da tecnologia. O acesso aos vdeos foi (e ainda ) possvel a partir de buscas na internet, com especial enfoque dado aos telejornais de TV aberta, tal como realizamos em nosso trabalho.

    A problematizao e a exibio desses vdeos permitiram a iniciao da codifi cao (Freire, 1983), necessria para a investigao temtica, sendo a problemtica energtica e o aquecimento global objetos da codifi cao. Os diferentes posicionamentos emanados dos alunos do Ensino Mdio, tais como aqueles apresentados ao assistirem Caos no Clima (Climate Cha-os, produzido pela rede BBC-Londres), exibido desde 2007 por diferentes TVs abertas no Brasil, nos permitiram obter dos alunos as seguintes in-formaes: a mudana de comportamento na aquisio de bens de consumo,

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 19

    como adquirir aqueles que so produzidos o mais prximo possvel, e o uso da energia eltrica deve ser racional, tanto nas residncias quanto em lugares pblicos; bem como o uso de energias alternativas aos combustveis fsseis.

    Se por um lado os vdeos permitiram codifi car, por outro, a descodifi -cao necessria para nosso entendimento sobre o pensar dos envolvidos comeou a se acentuar a partir da gerao de informaes dos alunos, ne-cessrias construo das redes conceituais, ainda que no da maneira que desejvamos.

    Tambm, a utilizao do curta-metragem Ilha das Flores, de Jorge Fur-tado (1989), como um recurso de dramatizao permitiu evidenciar nos alunos algumas percepes mais efetivas sobre o conceito de ser humano e sua funo social no planeta. Alm disso, o fi lme fi xou a ateno dos alunos do Ensino Mdio sobre as concepes apresentadas at ento sobre: con-sumo e a transformao de bens; as trocas que fomentam o mercado; as unidades e grandezas que distinguem os bens e as respectivas trocas destes. Do ponto de vista formativo, o fi lme permitiu aos acadmicos/estagirios perceber os conceitos unifi cadores: transformaes, regularidades, escalas e energia analisados por Angotti (1992).

    E isto, de acordo com um de nossos referenciais tericos, implica dizer que a mudana do curso da prpria ao do indivduo que vive em socie-dade depende necessariamente das nossas aes no mundo e da infl un-cia que temos sobre os outros indivduos, mas que a partir deles tambm somos infl uenciados e infl uenciamos (Strauss, 1999). Em se tratando da problemtica energtica, do aquecimento global e da gerao de lixo e as consequncias destes, impossvel pensar as aes locais, individuais, sem as suas implicaes globais (Richardson; Blades, 2002).

    ATIVIDADE (Y) Plano de aula investigar o pensar dos envolvidos sobre o Livro Didtico e sobre duas questes do Enem/2007.

    Cabealhos da Universidade e da EscolaPlano de aula no:Acadmico/estagirio:Data:Tema da aula: investigao temtica anlise do livro didtico e resoluo de questes do Enem/2007

  • 20 ROBERTO NARDI

    ObjetivosGeral: investigar e compreender o que pensam os envolvidos sobre a temtica Eletromagnetismo e Tpicos de Ondulatria, tendo como pano de fundo a pro-blemtica energtica e o aquecimento global, para com isso abrir caminho e proble-matizar as implicaes das relaes CTSA.Especfi cos: investigar o pensar dos envolvidos sobre: a importncia do livro didtico no pro-

    cesso ensino/aprendizagem na disciplina de Fsica; investigar o pensar dos envolvidos tendo como parmetro algumas provocaes

    advindas de questes do Enem/2007 e que podem nos informar o grau de enten-dimento inicial dos alunos sobre as questes energticas e o aquecimento global.

    Cronologia: 100 minutos.Procedimentos Metodolgicos: perguntar, problematizar e orientar os alunos.Recursos didticos:Livro didtico; prova do Enem/2007; quadro verde e giz.Organizao do ambiente de ensino-aprendizagem

    Atividades: Problematizao inicial Ler o texto:lcool, crescimento e pobrezaO lavrador de Ribeiro Preto recebe em mdia R$ 2,50 por tonelada de cana cor-tada. Nos anos 80, esse trabalhador cortava cinco toneladas de cana por dia. A me-canizao da colheita o obrigou a ser mais produtivo. O corta-cana derruba agora oito toneladas por dia. O trabalhador deve cortar a cana rente ao cho, encurvado. Usa roupas mal-ajambradas, quentes, que lhe cobrem o corpo, para que no seja lanhado pelas folhas da planta. O excesso de trabalho causa a birola: tontura, des-maio, cibra, convulso. A fi m de aguentar dores e cansao, esse trabalhador toma drogas e solues de glicose, quando no farinha mesmo. Tem aumentado o nme-ro de mortes por exausto nos canaviais. O setor da cana produz hoje uns 3,5% do PIB. Exporta US$ 8 bilhes. Gera toda a energia eltrica que consome e ainda vende excedentes. A indstria de So Paulo contrata cientistas e enge-nheiros para desenvolver mquinas e equipamentos mais efi cientes para as usinas de lcool. As pesquisas, privada e pblica, na rea agrcola (cana, laranja, eucalipto etc.) desenvolvem a bioqumica e a gentica no pas.Fonte: Folha de S. Paulo, 11/3/2007. Veiculado no Enem/2007 (com adaptaes e grifos nossos).Lido o texto, pedir que algum comente o seu contedo: Organizao do conhecimento:1 Fazer apresentao, discusso e anlise do livro didtico de Fsica que ser uti-

    lizado com os envolvidos durante o ano letivo (40 minutos).

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 21

    2 Os alunos resolveram questes do Enem/2007, sendo que elas envolvem algu-mas implicaes CTSA levantadas nas aulas anteriores (50 minutos).

    Obs.: a modifi cao que fi zemos nas questes do Enem/2007 se refere to so-mente justifi cativa que o aluno dever dar a resposta que apontou.

    Questo 40 Enem/2007 amarela (modifi cada).Nos ltimos 50 anos, as temperaturas de inverno na pennsula antrtica subiram quase 6 C. Ao contrrio do esperado, o aquecimento tem aumentado a precipi-tao de neve. Isso ocorre porque o gelo marinho, que forma um manto imper-mevel sobre o oceano, est derretendo devido elevao de temperatura, o que permite que mais umidade escape para a atmosfera. Essa umidade cai na forma de neve. Logo depois de chegar a essa regio, certa espcie de pinguim precisa de solos nus para construir seus ninhos de pedregulhos. Se a neve no derrete a tempo, eles pem seus ovos sobre ela. Quando a neve fi nalmente derrete, os ovos se encharcam de gua e goram.

    Fonte: Scientifi c American Brasil, ano 2, no 21, 2004, p.80 (com adaptaes).

    A partir do texto acima, analise as seguintes afi rmativas:I. O aumento da temperatura global interfere no ciclo da gua na pennsula an-

    trtica.II. O aquecimento global pode interferir no ciclo de vida de espcies tpicas de

    regio de clima polar.III. A existncia de gua em estado slido constitui fator crucial para a manuten-

    o da vida em alguns biomas. correto o que se afi rma a) apenas em I; b) apenas em II; c) apenas em I e II; d) apenas em II e III;

    e) em I, II e III.Justifi que a sua resposta:

    Questo 47 Enem/2007 amarela (modifi cada).O uso mais popular de energia solar est associado ao fornecimento de gua quente para fi ns domsticos. Na fi gura ao lado, ilustrado um aquecedor de gua cons-titudo de dois tanques pretos dentro de uma caixa termicamente isolada e com cobertura de vidro, os quais absorvem energia solar.Nesse sistema de aquecimento,a) os tanques, por serem de cor preta, so maus absorvedores de calor e reduzem as

    perdas de energia.b) a cobertura de vidro deixa passar a energia luminosa e reduz a perda de energia

    trmica utilizada para o aquecimento.c) a gua circula devido variao de energia luminosa existente entre os pontos

    X e Y.

  • 22 ROBERTO NARDI

    d) a camada refl etiva tem como funo armazenar energia luminosa.e) o vidro, por ser bom condutor de calor, permite que se mantenha constante a

    temperatura no interior da caixa.Justifi que a sua resposta:

    vidraas duplas

    tanquespintadosde preto

    camada refl ectiva

    gua quente

    gua fria

    Fonte: A. Hinrichs e M. Kleinbach. Energia e meio ambiente. So Paulo: Thompson, 3a ed., 2004, p.529 (com adaptaes).

    Aplicao do conhecimento:Com os subsdios dos trs vdeos apresentados e o fi lme Ilha das Flores, trabalha-dos em aulas anteriores, a lista de objetos citados e classifi cados pelos envolvidos e as discusses em sala de aula, solicitar aos alunos que justifi quem as respostas para cada uma das questes da prova do Enem/2007.

    Avaliao: ser satisfatrio se os alunos conseguirem justifi car as suas respostas, relacionando temas: como efeito estufa e aquecimento global com implicaes energticas e socioambientais.

    As evidncias destacadas nos trs vdeos e no fi lme Ilha das Flores, de Jorge Furtado, foram tratadas pelos alunos do Ensino Mdio (e por que no dizer pelos acadmicos/estagirios tambm) sob o ponto de vista mais interpretativo, a partir do que propunha o Plano de Aula representado na atividade X; mas sobre os mesmos vdeos e o fi lme, o tratamento no foi esse na atividade Y. Nesta, a objetividade das questes do Enem (2007) suscitaram o interesse mais direto dos alunos do Ensino Mdio sobre o que pensam das aulas de Fsica, principalmente em se tratando da investiga-o temtica que para alguns desses alunos e pelos acadmicos-estagi-rios tem sido rotulada como perda de tempo ou algo muito prximo dis-so, com justifi cativas de ambos os lados, pois de alunos do Ensino Mdio aparecem indagaes tais como: Quando vai comear o contedo de Fsica?,

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 23

    ou [...] o professor est enrolando, e por que no comea logo?, e, por parte dos acadmicos/estagirios apareceram exclamaes favorveis a essa li-nha de raciocnio dos alunos do Ensino Mdio, tais como: Os alunos querem que eu comece logo com o contedo!, ou Eles querem questes que caem no vestibular!.

    Ambos os sujeitos se sentem aparentemente mais seguros quando so colocados frente de uma situao tradicionalmente conhecida uma pro-va, como a do Enem. Isso s aparente, porque a dimenso de questes como aquelas destacadas na atividade Y, de fcil tratamento matemtico, levam ambos alunos do Ensino Mdio e acadmicos/estagirios para uma difi culdade de posicionamento, quando tais questes propostas solici-tam justifi cativas e at tomadas de posio. Da a razo da modifi cao que nelas fi zemos, pedindo a justifi cativa para cada questo.

    nesse momento que ambos precisam despir-se das concepes equi-vocadas arraigadas sobre o processo ensino-aprendizagem. um momen-to em que eles so colocados em uma situao paradoxal: se por um lado admitem que o tempo dado conduo da investigao temtica deve dar lugar ao incio do contedo, at mesmo com urgncia, sob a alegao de que os alunos do Ensino Mdio possam ter xito nas suas avaliaes (provas como as do Enem); por outro, por que que avaliaes como a do Enem precisam ser pensadas de acordo com o que se procedeu desde o incio at o presente momento na investigao temtica?

    Resultados e consideraes fi nais

    A realizao da investigao temtica culmina com a construo da(s) rede(s) conceituais prvias das temticas de Fsica a serem ensinadas/aprendidas no Ensino Mdio, tendo como fundamento a escolha de um (ou mais) objeto tcnico, objetivando transform-lo em equipamento gerador (De Bastos, 1995; Mion; Angotti, 2001), sob critrios objetivos de seleo de tal objeto.

    Finalizadas essas atividades nessas seis semanas, foi possvel confi gurar as redes conceituais prvias, cada uma parametrizada por um objeto tc-nico diferente. A seguir, traremos apenas uma fi gura, mas que retrata as redes conceituais construdas pelos acadmicos/estagirios, sob orientao

  • 24 ROBERTO NARDI

    do professor supervisor de estgio, a partir das atividades de investigao temtica desenvolvidas. preciso dizer que as redes conceituais so deno-minadas prvias porque entendemos que a investigao temtica continua sendo em cada aula, em cada atividade educacional planejada, desenvolvida e analisada semanalmente, bimestralmente e no decorrer do ano letivo, mas tambm por considerarmos o fato de que durante a ao (Strauss, 1999) podem ser gerados alguns desdobramentos que requerem e, portanto, au-torizam a se fazer, mudanas no desenvolvimento da rede a mudana do curso da ao, fazendo com que se reconstrua a histria da prpria prtica.

    Figura 2 Rede conceitual prvia para a temtica Eletromagnetismo e Tpicos de Ondu-latria.

    A fi gura 2 apresenta um nmero grande de conceitos e fenmenos fsi-cos, alm dos contedos mnimos, mas no apresenta a equivalncia neces-sria com interesses problematizao das implicaes da relao CTSA. Do mesmo modo, no so mostrados detalhamentos sobre as implicaes dessa relao, mesmo tendo sido solicitado isso, ou seja, apresentam-se de modo pontual alguns elementos, como: impacto ambiental, telefonia celu-lar, transmisso de TV, conta de luz e economia familiar. Isso um indi-

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 25

    cativo de que as linhas e malhas da rede conceitual podem e precisam ser alteradas no curso da ao (Strauss, 1999), o que permitido na formao docente do ponto de vista epistemolgico, justifi cando assim a terminolo-gia prvia para a rede conceitual. Ento, planejar a investigao temtica em Fsica sob o foco da problematizao das implicaes da relao CTSA, mas desprovida de tal investigao da obteno de uma rede conceitual como resultado dessa vivncia, seria conjeturar no vazio, descaracterizada, portanto, de um suporte epistemolgico.

    A construo dessas redes conceituais (prvias) tem apresentado impor-tantes indicativos: (a) no Estgio Curricular Supervisionado em Ensino de Fsica a primeira vez que os licenciandos tm contato e iniciam o apren-dizado de como faz-las durante sua vivncia no curso de licenciatura; (b) de modo similar, revelado por eles que tambm nessa disciplina que questes de natureza tecnolgica e socioambientais so tensionadas em sua formao docente.

    Defendemos que a relevncia da investigao temtica para a formao inicial do professor de Fsica indispensvel, se o professor incorpora uma viso crtica de Educao. E, incorporada essa viso de educao, impen-svel omitir-se da responsabilidade de problematizar as implicaes da re-lao CTSA.

    Referncias bibliogrfi cas

    ANGOTTI, J. A. P. Conceitos Unifi cadores e Ensino de Fsica. Revista Brasileira de Ensino de Fsica. So Paulo, v.15, n.1-4, pp.191-198, 1995.

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  • 26 ROBERTO NARDI

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    inteno na produo do conhecimento crtico. 2002. 238 f.. Tese (Doutorado em Educao) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 2002.

    ; ANGOTTI, J. A. P. Equipamentos Geradores e a Formao de Professo-res de Fsica. In: ANGOTTI, J. A. P.; REZENDE JUNIOR, M. F. (Orgs.). Prtica de Ensino de Fsica. Florianpolis, Laboratrio de Ensino de Fsica Distncia, pp.91-116, 2001.

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    STRAUSS, Anselm L. Espelhos e Mscaras: a busca de identidade. Trad.: Geraldo Gerson de Souza. So Paulo: Edusp, 1999.

  • 2AS ATIVIDADES DE CAMPO NO ENSINO DE CINCIAS:

    REFLEXES A PARTIR DAS PERSPECTIVAS DE UM GRUPO DE PROFESSORES

    Alessandra Aparecida Viveiro1

    Renato Eugnio da Silva Diniz2

    Introduo

    A diversifi cao das modalidades didticas na prtica pedaggica pode atender a distintas necessidades e interesses dos alunos e contribuir para mo-tiv-los e envolv-los no processo de ensino/aprendizagem. A motivao fundamental para que ocorra uma aprendizagem signifi cativa e, alm disso, no h um nico caminho que conduza com segurana aprendizagem, pois so inmeras as variveis que se interpem nesse processo. Assim, o plura-lismo de estratgias pode garantir maiores oportunidades para a construo do conhecimento ao fornecer aos alunos diferentes abordagens do contedo, ou seja, os alunos vivenciam um maior nmero de atividades que melhor os ajudem a compreender o tema estudado (Sanmart, 2002; Bueno, 2003).

    Dentre as diversas estratgias a que o professor da rea das Cincias pode recorrer (aulas expositivas, discusses, demonstraes, aulas prticas de laboratrio, entre outras), a atividade de campo pode constituir uma ex-celente alternativa metodolgica que permite explorar mltiplas possibili-dades de aprendizagem dos alunos, desde que bem planejada e elaborada.

    1 Doutoranda do Programa de Ps-Graduao em Educao para a Cincia, Faculdade de Cincias, campus de Bauru, da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (Unesp). Grupo de Pesquisa Formao e Ao de Professores de Cincias e Educadores Am-bientais.

    2 Docente do Departamento de Educao, Instituto de Biocincias e do Programa de Ps-Graduao em Educao para a Cincia. Faculdade de Cincias, campus de Bauru, da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (Unesp). Grupo de Pesquisa For-mao e Ao de Professores de Cincias e Educadores Ambientais.

  • 28 ROBERTO NARDI

    Deste modo, a presente pesquisa teve como objetivo geral identifi car e problematizar como um grupo de professores insere a Visita Cientfi ca Bacia Hidrogrfi ca do Rio Itaqueri uma atividade de campo monitorada promovida pelo Centro de Divulgao Cientfi ca e Cultural da Universida-de de So Paulo (CDCC/USP) em sua prtica pedaggica, visando discu-tir o papel das atividades de campo como estratgia no ensino das Cincias e na Educao Ambiental (EA). Para tanto, os seguintes objetivos especfi cos foram defi nidos: identifi car o que motiva os professores a realizar uma ati-vidade de campo e como a inserem em sala de aula, investigando se existe relao com os contedos programticos; investigar se essas atividades mo-bilizam professores de diferentes reas na explorao de suas potencialida-des ou restringem-se ao universo do professor que sai a campo com seus alunos; conhecer os entraves com os quais se deparam esses professores.

    As atividades de campo no processo educativo

    Fernandes (2007, p.22) defi ne atividade de campo em Cincias como toda aquela que envolve o deslocamento dos alunos para um ambiente alheio aos espaos de estudo contidos na escola.

    Quando nos referimos s atividades de campo no ensino de Cincias, nos reportamos ideia de uma estratgia de ensino em que se substitui a sala de aula por outro ambiente, natural ou no, onde existam condies para estudar as relaes entre os seres vivos ali presentes, incluindo a inte-rao do homem nesse espao, explorando aspectos naturais, sociais, hist-ricos, culturais, entre outros. Pode ocorrer em um jardim, uma praa, um museu, uma indstria, uma rea de preservao, um bairro, incluindo des-de sadas rpidas ao entorno da escola at viagens que ocupam vrios dias.

    interessante mencionar que, embora o contato direto do aluno com o ambiente na educao escolar soe como uma modalidade nova, graas a sua tmida insero como prtica pedaggica, sua utilizao teve incio h um tempo considervel. No cenrio internacional, em 1946, o Field Studies Council of Britain fundou o primeiro centro objetivando desenvolver traba-lhos de campo em uma perspectiva educacional. Foi o movimento da Esco-la Nova que formalizou e sistematizou uma proposta concreta para que os trabalhos de campo fi gurassem como proposta pedaggica, quando o estu-

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 29

    do do meio passou a ser aceito como importante componente no processo educacional e as atividades de campo ganharam destaque (Morrison, 1974; Carson, 1978 apud Carvalho, 1989).

    No Brasil, o estudo do meio teve incio no fi nal da dcada de 1950, com a instalao das classes experimentais, em determinadas escolas pblicas e privadas, baseadas em uma portaria do Ministrio da Educao e Cultura, e a expresso mxima veio com o surgimento dos Ginsios Vocacionais e Colgios de Aplicao, no incio da dcada de 1960 (Balzan, 1987).

    Muitos autores ressaltam as potencialidades das atividades de campo. Carbonell (2002), citando Gardner (2000), discute que a mente tem a capa-cidade de aprender e reter melhor as informaes quando o corpo interage de maneira ativa na explorao de lugares, enquanto experincias em que o sujeito passivo tendem a ter impacto de curta durao e atenuam-se com o tempo. Assim, afi rma que

    so necessrios espaos fsicos, simblicos, mentais e afetivos diversifi cados e estimulantes (...), aulas fora da classe, em outros espaos da escola, do campo e da cidade. Porque o bosque, o museu, o rio, o lago (...), bem aproveitados, convertem-se em excelentes cenrios de aprendizagem (Carbonell, 2000, p.88).

    As atividades de campo permitem o contato direto com o ambiente, pos-sibilitando que o estudante se envolva e interaja em situaes reais, con-frontando teoria e prtica, alm de estimular a curiosidade e aguar os sen-tidos. Alm disso, uma atividade de campo permite que o aluno se sinta protagonista de seu ensino, que um elemento ativo e no um mero recep-tor de conhecimento (De Frutos et al., 1996, p.15).

    Para alm de contedos especfi cos, uma atividade de campo permite tambm estreitar as relaes de estima entre o professor e seus alunos, fa-vorecendo um companheirismo resultante da experincia em comum e da convivncia agradvel entre os sujeitos envolvidos que perdura na volta ao ambiente escolar.

    Entretanto, embora possam fornecer importantes contribuies edu-cao escolar, a forma como so desenvolvidas pode limitar a explorao plena das potencialidades que as caracterizam. Em muitas atividades de campo, o estudante se v parte de processos semelhantes aos que se esta-belecem no interior das salas de aula, havendo quase uma transferncia

  • 30 ROBERTO NARDI

    das aulas expositivas para fora da classe. Atividades educativas nas quais o educando interage com o ambiente, de modo que as caractersticas do meio sejam de fato fundamentais para a atividade e no apenas confi gurem um cenrio distante, um palco que pode ser substitudo por outro qualquer, necessitam de refl exo para que sejam prticas qualitativamente mais em-pregadas (Pegoraro, 2003).

    importante salientar que uma atividade de campo compreende no s a sada propriamente dita, mas as fases de planejamento, execuo, ex-plorao dos resultados e avaliao. Limitar essa atividade apenas visita constitui-se em um desperdcio das potencialidades passveis de serem tra-balhadas por meio dessa modalidade didtica.

    Lopes e Allain (2002) lembram que a complexidade que envolve uma atividade de campo, em que os educandos se deparam com uma grande quantidade de fenmenos que ainda no compreendem, pode confundi-los na construo do conhecimento; lidar com essa complexidade requer o prvio estabelecimento de objetivos claros, alm de um educador bem preparado. O professor deve conhecer o produto e o processo que se dis-pe a compartilhar com seus estudantes (Bueno, 2003, p.50). Sobretudo, os alunos devem saber que a sada no apenas lazer, mas outra forma de aprender e conhecer lugares, novos ou no (Carvalho, 1989).

    A escolha do local para uma aula de campo tambm importante. Quanto maior for a diversidade do ambiente escolhido para o estudo, maior a gama de contedos que podero ser tratados, enriquecendo-se assim o contexto das aulas (Carvalho, 1989). No caso das visitas monitoradas ofe-recidas por uma instituio, com um itinerrio predeterminado, o trabalho do educador aparentemente facilitado, uma vez que se supre a necessidade de que conhea detalhadamente todo o ambiente visitado. Entretanto, De Frutos, juntamente com outros autores (1996), lembra que, frequentemen-te, o contedo abordado durante uma visita desse tipo no totalmente adequado aos objetivos de cada srie e de cada professor. Portanto, sugere que o educador aproveite as informaes trabalhadas pelos guias ou moni-tores e proponha tarefas a serem realizadas durante a atividade de campo, de modo a adequar ao mximo a visita s suas necessidades.

    As atividades de campo podem ser utilizadas tambm como importante estratgia em programas de EA, uma vez que o contato com o ambiente permite a sensibilizao acerca dos problemas ambientais. Alm disso, sur-

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 31

    gem oportunidades de refl exo sobre valores, imprescindveis s mudanas comportamentais e, sobretudo, atitudinais (Carvalho, 1998).

    Assim, uma caminhada nos arredores da escola, por exemplo, pode constituir uma tima atividade para desencadear um programa de EA a partir da observao e explorao dos problemas locais. Conhecimentos de todas as reas podem ser acionados para a compreenso e a discusso sobre o entorno ambiental. importante salientar que o ensino interdisciplinar no campo ambiental deve focar o estudo das relaes entre processos na-turais e sociais, dependendo da capacidade das Cincias para articular-se, oferecendo uma viso integradora da realidade (Leff, 2001, p.228). Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade se traduz como um trabalho coleti-vo que envolve contedos, disciplinas e a prpria organizao da escola (Loureiro, 2004, p.76).

    Para que isso se concretize, no entanto, no possvel pensar em EA no currculo dos diferentes componentes curriculares, inclusive em Cincias, como um apndice onde o ambiente visto como um complemento dos contedos programticos convencionais , ou como eixo paralelo onde os contedos ambientais so abordados por meio de projetos extracurriculares de forma paralela e desconexa. preciso pensar a EA como eixo integrador, tomando-se o ambiente como tema gerador, articulador e unifi cador, pro-gramtico e metodolgico, de todo o currculo de Cincias (Amaral, 2001, p.90).

    Ao pensar em EA como uma prtica educativa, preciso inserir as ati-vidades de campo dentro de um horizonte onde o ambiental pensado como sistema complexo de relaes e interaes da base natural e social e, sobretudo, defi nido pelos modos de sua apropriao pelos diversos grupos, populaes e interesses sociais, polticos e culturais que a se estabelecem (Carvalho, 2001, p.45). Nesse contexto, h uma nova nfase para a educa-o escolar diante da necessidade de repensar as relaes entre sociedade e natureza, quando as atividades de campo so

    [...] fundamentais compreenso das questes ambientais em sua complexida-de, propiciando uma viso articulada das diferentes esferas de repercusso de um problema ambiental em estudo. Isto favorece a compreenso dos problemas socioambientais na escola, bem como contribui para a formao de cidados crticos e participativos em busca da melhoria da qualidade de vida (Santos; Compiani, 2005, p.2).

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    Desse modo,

    [...] apoiados na observao direta da realidade (...), os alunos podem fazer uma releitura crtico-construtiva [da] (...) realidade, identifi car seus problemas so-cioambientais, estabelecer relaes entre as informaes levantadas, bem como elaborar propostas para a transformao da mesma (op. cit., p.5).

    A visita cientfi ca Bacia Hidrogrfi ca do Rio Itaqueri

    O Programa de Visitas foi criado em 1986, como sugesto de um grupo de professores que participavam de um curso de formao continuada ofe-recido pelo CDCC/USP em conjunto com o Centro de Recursos Hdricos e Ecologia Aplicada (CRHEA/EESC/USP). As atividades de campo eram uma das estratgias utilizadas no curso que utilizava como rea de estudo a Bacia Hidrogrfi ca do Rio Itaqueri (Tundisi; Schiel, 2003). No decorrer do tempo, diversas reestruturaes foram realizadas, com a criao de ma-teriais de apoio ao professor, maquetes e fi chas de avaliao, alm de alte-raes no roteiro.

    A atividade realizada em uma rea rural pertencente s cidades de So Carlos, Itirapina e Brotas, no interior do Estado de So Paulo, onde os par-ticipantes tm contato com diferentes ambientes (cerrado, monocultura de vegetao extica, mata ciliar e diversos corpos dgua) e os impactos cau-sados pela ocupao humana, fornecendo elementos para refl exes sobre problemas ambientais relacionados a diversos temas, como a degradao das matas nativas para explorao agropecuria, impactos ocasionados pela substituio da mata nativa (cerrado) por uma monocultura extica (Pinus sp), a construo de uma represa, entre outros aspectos. Tambm se visita um criadouro conservacionista, onde os estudantes podem conhecer ani-mais silvestres nativos ameaados de extino (Santos; Viveiro; Silva, 2002).

    Os professores recebem um material de apoio e preenchem uma fi cha de inscrio que contm informaes como, por exemplo, quais objetivos pretendem alcanar, como pretendem trabalhar o assunto em sala de aula, quais os temas que gostariam que fossem abordados e de que forma costu-mam avaliar seus alunos mediante o que foi visto durante a visita, para que os monitores saibam com antecedncia sobre o pblico com o qual iro tra-balhar. Ao fi nal da visita, o professor preenche uma fi cha de avaliao onde so colocados os pontos positivos e negativos observados, sua opinio sobre

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    a adequao da linguagem utilizada e alcance dos seus objetivos, entre ou-tros fatores. Os monitores tambm preenchem uma fi cha, apontando itens como a participao dos alunos e professores, interesse, problemas ocorri-dos etc.. Todo o material arquivado no setor responsvel pela atividade.

    Metodologia

    A pesquisa foi norteada por uma abordagem qualitativa (Trivios, 1987; Bogdan; Biklen, 1991; Minayo, 2000) e caracterizou-se como um estudo de caso. A visita cientfi ca Bacia Hidrogrfi ca do Rio Itaqueri foi escolhida como foco da pesquisa por ser uma atividade de campo utilizada por muitos professores de diferentes reas, de So Carlos e tambm de outros munic-pios, ao longo de vrios anos.

    Realizou-se um levantamento dos professores que participavam da ati-vidade com certa assiduidade a partir das fi chas de inscrio e avaliao preenchidas por professores e monitores desde o ano de 1995. Foram se-lecionados nove professores que realizavam a visita h, no mnimo, cinco anos, procurando assegurar que os entrevistados fossem educadores que, sem dvidas, utilizassem as atividades de campo com certa regularidade em sua prtica pedaggica. Minayo (2000, p.102) afi rma que, em uma amos-tragem qualitativa, importante que os envolvidos contenham o conjunto das experincias e expresses que se pretende objetivar com a pesquisa.

    Aps contato e exposio do trabalho, sete professores participaram de entrevistas semiestruturadas. Embora se observe distino de gnero no grupo de professores (quatro do sexo masculino e trs do feminino), isso no foi objeto de anlise nessa investigao, que focalizou o grupo no seu conjunto. Para tanto, e de modo a garantir a no identifi cao dos sujeitos, estes foram nomeados como P1, P2, P3, P4, P5, P6 e P7.

    A anlise das entrevistas incidiu sobre os seguintes aspectos: como os professores utilizam a visita em sala de aula, incluindo a avaliao da ati-vidade e a interao com outros docentes; qual a motivao para que reali-zem essa atividade de campo; quais as difi culdades com as quais se deparam para realiz-la. Desenvolveu-se uma narrativa explanatria, utilizando tre-chos das entrevistas para exemplifi cao e organizando as principais carac-tersticas em quadros-sntese.

  • 34 ROBERTO NARDI

    Resultados e discusso

    Breve caracterizao dos docentes

    No Quadro 1, tem-se a formao inicial dos professores que participa-ram da pesquisa, acompanhada do ano em concluram o curso em nvel de graduao.

    Quadro 1 Formao inicial dos professores.

    PROFESSORGRADUAO

    CURSO ANOP1 Cincias Biolgicas (Habilitao em Biologia e Cincias) 1998P2 Estudos Sociais (Habilitao em Geografi a) 1991P3 Cincias (Habilitao em Qumica) 1972P4 Pedagogia 1994P5 Cincias (Habilitao em Qumica) 1974

    P6Cincias Biolgicas (Habilitao em Biologia e Cincias) 1976Pedagogia 1979

    P7 Fsica 1985

    No Quadro 2, esto organizados os dados relacionados atuao em sala de aula, com ano de ingresso na carreira do magistrio, componentes curriculares ministrados e carga horria semanal de trabalho.

    Quadro 2 Atuao em sala de aula.

    PROFESSOR

    INCIO DA ATUAO EM SALA DE AULA

    COMPONENTE(S) CURRICULAR(ES)

    MINISTRADO(S)

    CARGA HORRIA SEMANAL(horas/aula)EF EM

    P1 2000 Cincias Biologia 25P2 1992 Geografi a 27P3 1973 Cincias Qumica 60

    P4 1992 Didtica

    29Contedos Metodolgicos de Lngua Portuguesa

    P5 1975 Cincias Qumica 33

    P6 1976 Cincias Biologia varivel

    P7 1982 Cincias(8a srie) Fsica 56

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 35

    Observa-se um predomnio dos professores com muitos anos de carreira e formao inicial diversifi cada. Os componentes curriculares ministrados pelos professores eram variados, atuando no Ensino Fundamental (EF) e Mdio (EM) aqueles citados por P4 referem-se grade curricular do ago-ra extinto Centro de Formao e Aperfeioamento do Magistrio (Cefam). A carga horria semanal de alguns professores era excessiva caso de P3 e P7. Aposentado, P6 atuava em carter eventual, no tendo por isso uma carga horria fi xa.

    Insero da visita na prtica pedaggica

    O contato inicial dos professores com a atividade de campo realizada pelo CDCC/USP foi variado. Os professores P3, P5 e P6 participaram dos cursos que originaram o Programa de Visitas e, disseram ter, desde ento, realizado sempre a atividade com seus alunos. Os demais professores P1, P2, P4 e P7 conheceram o Programa por meio de outros professores que j haviam participado da visita. Os professores P4 e P7 disseram realizar a visita desde 1999, e os professores P1 e P2, desde 2000. Sem exceo, co-mentaram que as sries em que trabalhavam e a disponibilidade de tempo e recursos fi nanceiros eram alguns dos fatores que determinavam a realizao da atividade. Em geral, todas as classes de uma mesma srie em que o pro-fessor ministrava aulas realizavam a visita em um mesmo ano.

    Algumas falas ilustram a forma como os professores exploram a visita em sala de aula:

    Voc tem tanto os itens trabalhados em sala de aula como novos itens que apa-recem no dia, no campo... (P1)

    A gente d toda teoria em sala de aula, a explicao e tudo mais, e depois a gente leva pra conhecer, pro aluno interagir. (...) No retorno, nas aulas seguintes (...), ns vamos trabalhar de uma forma mais aprofundada. Ento, a gente traba-lha mais depois da visita. (P2)

    Porque voc mexe com Ecologia. A voc fala da mata ciliar, bacia hidrogrfi -ca... (...) A professora de Geografi a tambm trabalha essa parte. Ento acho que a gente d mais uma retocada geral pra eles relembrarem... (P5)

  • 36 ROBERTO NARDI

    Em sntese, tem-se o seguinte quadro:

    Quadro 3 Insero da visita cientfi ca Bacia Hidrogrfi ca do Rio Itaqueri na prtica pedaggica.

    PROFESSOR FINALIDADEP1 P2 P3 P5 complementao / ilustrao / fi xao de contedos.

    P3 oportunidade para trabalhar novos contedos (relacionados visita).

    P4 formao de professores.

    P6 ponto de partida para explorao de contedos.

    P7 proporcionar contato com o ambiente natural.

    Nenhum professor mencionou inserir as atividades de campo como es-tratgia para trabalhar com EA, apesar das potencialidades j discutidas.

    Quando indagados sobre a avaliao das visitas, os professores demons-traram julgar ser uma etapa importante do trabalho, por favorecer o com-prometimento dos alunos com o trabalho desenvolvido (P1) e fornecer in-formaes sobre a aprendizagem acerca dos contedos abordados durante a atividade. Os professores P2 e P3 estimulavam a produo de materiais para que os estudantes apresentassem ao restante da comunidade escolar aquilo que vivenciaram e aprenderam. Alm disso, P3 utilizava como ins-trumentos de avaliao os trabalhos produzidos a partir da explorao dos dados coletados em campo.

    ... vamos trabalhar com mais textos, com perguntas sobre o passeio, com atividades que sero expostas, mural de fotografi as. (...) Avaliaes com atividades que sero expostas na escola. (P2)

    Aqui, na sala de aula, eu costumo trabalhar em forma de um grfi co... Um trabalho... Em cartaz... (...) [Depois ] expe o trabalho... (P3)

    Segundo P4, mais que contedos especfi cos, avaliava a criatividade e coerncia das propostas apresentadas pelos estudantes de magistrio. J P7 disse no realizar nenhum tipo de avaliao. Apesar disso, foi possvel perceber que esta ocorria, ainda que informalmente. Ao discutir com os alunos sobre os temas abordados na visita, averiguando a satisfao/insa-tisfao com a atividade, levantar pontos que julgaram mais interessantes etc., o professor poderia avaliar o aproveitamento dos estudantes e perceber conhecimentos construdos acerca dos contedos trabalhados.

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 37

    No que tange a explorao da visita por outros professores da escola e a interao na equipe escolar para uma abordagem interdisciplinar, somen-te P2 e P5 assinalaram positivamente, indicando que os contedos eram trabalhados em outros componentes curriculares, o que no implicava que a atividade fosse explorada por outros docentes; os contedos abordados durante a visita cientfi ca Bacia Hidrogrfi ca do Rio Itaqueri permeiam, sobretudo, os componentes de Geografi a, Biologia, Cincias e, portanto, qualquer professor poderia tratar desses assuntos utilizando-se de outras estratgias. Os demais professores revelaram uma prtica pedaggica soli-tria em relao s atividades de campo.

    Estmulo para a realizao de uma atividade de campo

    Predominava como elemento motivador o fato de uma atividade de campo ser um facilitador do processo de ensino e aprendizagem, fator indica-do pelos professores P2, P4, P5 e P6.

    Eu acho que a aprendizagem efetiva mesmo... A gente percebe que no tem aquela coisa meio que decorada Eles aprenderam... (P2)

    Por mais que voc faa, voc no vai transmitir a realidade para o aluno se voc no levar... (P4)

    Porque eles guardam mais fcil as coisas. Voc falar uma coisa... Voc levar para ver diferente. (P5)

    ... uma visita dessa recompensa quase um bimestre de aulas pra voc dar. (...) A aula de campo uma maneira de eu passar tudo o que eu quero pra eles. (...) Fica muito mais fcil deles aprenderem. (P6)

    A motivao mediante o contato dos alunos com o ambiente natural, em uma atividade que foge rotina escolar, surgiu nas falas dos professores P1, P2 e P5 como estmulo para realizarem atividades de campo.

    Eu acho que esses tipos de visitas so vlidos porque voc motiva o aluno. (P1)

    Eu sinto que eles fi cam empolgados, todos gostam... (P2)

    A complementao de contedos que pode ocorrer a partir dessas ativida-des apareceu na fala dos professores P1, P2 e P3.

    Ento, surgem perguntas novas que no surgiram na sala de aula. (...) Eu acho que isso vlido tambm pra complementar o assunto que voc t tratando. (P1)

  • 38 ROBERTO NARDI

    A gente d toda a teoria em sala de aula, a explicao e tudo mais, e depois a gente leva pra conhecer, pro aluno interagir... (P2)

    Complementa... complementa, no! Vou dizer que interage com o que dado em sala de aula. (P3)

    O professor P7 tinha como motivao principal para realizar uma ati-vidade de campo o fato de esta proporcionar o contato com o ambiente natural, permitindo despertar nos alunos sensaes (de afeto, interesse ou desinteresse) pelo meio que visitavam. Segundo ele, isso poderia contribuir na deciso dos alunos em seguir ou no, no futuro, uma carreira ligada s Cincias da Natureza e que exigisse, em sua prtica, o contato direto com o ambiente natural.

    Em sntese, tem-se o seguinte quadro:

    Quadro 4 Estmulo para a realizao da visita.

    PROFESSOR ELEMENTO MOTIVADOR

    P2 P4 P5 P6 A atividade constituir um facilitador do processo de ensino e aprendizagem.

    P1 P2 P5 Motivao dos estudantes.

    P1 P2 P3 Possibilidade de complementar contedos.

    P7 Proporcionar contato com ambiente natural para despertar sensaes (boas ou ruins) em relao ao meio.

    Entraves para a realizao de atividades de campo

    Diversos entraves realizao das atividades de campo foram apontados pelos professores. As principais difi culdades foram sintetizadas no Quadro 5.

    Quadro 5 Entraves realizao de atividades de campo.

    PROFESSOR ENTRAVEP1 P3 Indisciplina dos alunos.

    P2 P7 Custo elevado.

    P2 P3 Carncia de tempo (alunos e professores).

    P5 Responsabilidade excessiva.

    P4 P5 Falta de apoio dos colegas e/ou direo.

    P3 Entraves burocrticos.

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 39

    A carncia de tempo para preparo da atividade de campo talvez seja um dos mais fortes problemas levantado pelos professores, que limitava ou at impossibilitava a realizao de atividades extraclasse. Para que uma atividade de campo seja devidamente aproveitada, deve ter uma boa preparao, desde a escolha do local que deve ser de conhecimento prvio do professor , a organizao do transporte, entre outras etapas j mencionadas anterior-mente. No caso da visita oferecida pelo CDCC/USP, utiliza-se mais de um perodo (manh e parte da tarde) para a realizao de todo o roteiro, o que impossibilitaria alguns alunos de participar da atividade, como discutiu P2. Naturalmente, o professor pode oferecer alternativas para que esses alunos trabalhem os temas abordados durante a visita, mas certamente nada subs-tituir o contato direto com o ambiente.

    A ausncia de professor substituto para suprir as aulas nas demais salas em que o professor atua, sobretudo em escolas estaduais, parece constituir tambm um srio entrave realizao de atividades de campo. Muitas vezes, os prprios docentes que esto na escola recusam-se a ministrar aulas em salas nas quais no so professores, e o sistema organizacional tambm no permi-te substituies. Nesse sentido, os professores P4 e P5 salientaram a ausncia de apoio dos colegas. Segundo eles, muitos associam as atividades de cam-po a passeios que o professor estaria fazendo para deixar de dar aulas. Isso bastante desanimador, ao considerar-se que uma atividade de campo bem preparada e explorada exige muito do professor em tempo, dedicao etc.

    A indisciplina surge como fator que tambm inibe o professor de sair da sala com os alunos. Na maioria das vezes, apenas um professor acompanha a turma. Para classes indisciplinadas em sala de aula, temeroso para o pro-fessor levar esses alunos para um ambiente aberto, onde o controle da clas-se fi caria ainda mais difcil. Embora o comportamento possa ser diferente, graas novidade representada pela atividade, fator preocupante. Alm disso, o nmero elevado de alunos por sala difi culta o controle, como res-saltou P1. Alm disso, a responsabilidade que o professor tem de assumir com relao aos alunos ao sair da escola tambm pesa desfavoravelmente.

    No caso especfi co da visita oferecida pelo CDCC/USP, o nibus for-necido gratuitamente para as escolas pblicas ou que comprovem no ter fi ns lucrativos. Entretanto, esse servio oferecido somente para escolas do prprio municpio. O custo elevado do transporte aparece, ento, como outro fator limitante para a realizao das visitas, como apontou P7.

  • 40 ROBERTO NARDI

    Consideraes fi nais

    Os professores que participaram da pesquisa enfatizaram a importncia das atividades de campo como estratgia de ensino, embora a explorao ainda ocorresse de maneira limitada. De modo geral, a visita oferecida pelo CDCC/USP era utilizada para complementao e/ou ilustrao de con-tedos conceituais abordados em sala de aula. Alm disso, em geral, so-mente o professor explorava a atividade, de forma isolada, sem interao com os demais docentes. Por mais que se fale em interdisciplinaridade, pa-rece mesmo que ainda escasso o dilogo entre as reas. E por isso, quem sabe, as atividades de campo no apareceram, na fala desses professores, associadas a programas de EA.

    Alm disso, apesar de realizarem com certa assiduidade a visita, apon-taram entraves burocrticos, fi nanceiros, carncia de tempo para preparo e o preconceito de outros educadores para com aqueles que recorrem a ativi-dades dessa natureza, entre outros problemas. Esses fatores podem sinali-zar a razo de ter-se um grupo to pequeno de professores como usurios frequentes da atividade, constitudo por profi ssionais com vrios anos de atuao no magistrio.

    Para superao dessa realidade, acredita-se que a formao inicial e continuada de professores possa colaborar na preparao docente para a adequada insero de uma pluralidade de estratgias de ensino na prtica pedaggica, incluindo as atividades de campo. Entretanto, mais que di-versifi car estratgias, preciso trabalhar no sentido de explor-las em toda sua potencialidade, proporcionando uma formao crtica que permita ao professor ter autonomia e iniciativa para superar entraves, procurando ar-ticular toda a equipe escolar, o que poder favorecer tambm o desenvol-vimento de programas de EA a partir das atividades de campo voltados transformao da realidade.

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  • 42 ROBERTO NARDI

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  • 3FORMAO INICIAL DE PROFESSORES DE

    QUMICA: FORMAO ESPECFICA E PEDAGGICACamila Silveira da Silva1

    Luiz Antonio Andrade de Oliveira2

    As licenciaturas em Qumica

    O objetivo dos cursos de Licenciatura em Qumica formar o profes-sor para atuar na educao bsica. Tal formao deve contemplar inmeros aspectos inerentes formao do bom professor, tais como conhecimento do contedo a ser ensinado, conhecimento curricular, conhecimento peda-ggico sobre a disciplina escolar Qumica, conhecimentos sobre a constru-o do conhecimento cientfi co, especifi cidades sobre o ensino e a apren-dizagem da cincia Qumica, dentre outros. Nesse panorama, necessrio que os cursos de formao inicial e os professores formadores promovam novas prticas e novos instrumentos de formao, como estudos de caso e prticas, estgios de longa durao, memria profi ssional, anlise refl exiva, problematizaes etc. (Almeida; Biajone, 2007, p.293).

    Ao egressar das instituies de Ensino Superior, dos cursos de Licen-ciatura em Qumica, o licenciado deve ter o perfi l de um profi ssional com formao generalista, mas slida e abrangente em contedos dos diversos campos da Qumica, preparao adequada aplicao pedaggica do co-nhecimento e experincias de Qumica e de reas afi ns, na atuao profi s-

    1 Doutoranda do Programa de Ps-Graduao em Educao para a Cincia da Faculdade de Cincias, campus de Bauru, Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (Unesp).

    2 Docente do Departamento de Qumica Geral e Inorgnica, campus de Araraquara, Univer-sidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (Unesp).

  • 44 ROBERTO NARDI

    sional como educador nos ensinos Fundamental e Mdio (Zucco et al., 1999, p.458). Entretanto, o que as pesquisas sobre formao inicial de pro-fessores de Qumica apontam que o cenrio encontrado um tanto quanto diferente. Ao ingressar nas salas de aulas, os professores novatos deparam-se com fatos que no lhes foram apresentados ao longo de seu curso de for-mao inicial e que advm da prtica profi ssional, situaes complexas que ocasionam o surgimento de confl itos (Bejarano; Carvalho, 2003) e exigem uma postura fi rme e refl exiva do professor, para que possa agir em seu con-texto de trabalho de maneira a compreend-lo e alter-lo.

    Assim, crticas em relao aos cursos de Licenciatura de Qumica giram em torno de sua validade e efi cincia na formao de professores. O per-fi l profi ssional esperado de um licenciado em Qumica parece, em muitos casos, no ser alcanado. Tambm possvel apontar o descaso com a for-mao de professores e a desvalorizao da profi sso dentro das prprias instituies formadoras.

    As questes a serem enfrentadas na formao de professores so com-plexas e histricas:

    No caso da formao nos cursos de licenciatura, em seus moldes tradicio-nais, a nfase est contida na formao nos contedos da rea, onde o bacha-relado surge como a opo natural que possibilitaria, como apndice, tambm, o diploma de licenciado. Neste sentido, nos cursos existentes, a atuao do fsico, do historiador, do bilogo, por exemplo, que ganha importncia, sendo que a atuao destes como licenciados torna-se residual e vista, dentro dos muros da universidade, como inferior, em meio complexidade dos con-tedos da rea, passando muito mais como atividade vocacional ou que permitiria grande dose de improviso e autoformulao do jeito de dar aula (Brasil, 2002a, p.13).

    Assim, no caso das Licenciaturas em Qumica, o que ganha importncia a formao do qumico e no do professor de Qumica ou educador qumico.

    Com a questo da inseparabilidade de contedo, forma e mtodo, relacio-na-se estreitamente o problema da desarticulao entre os cursos de graduao para os bacharelados e para as licenciaturas. s licenciaturas se tem reservado o ltimo lugar na universidade, que as considera incapacitadas de produzirem o prprio saber, mero ensino profi ssionalizante no sentido da preparao para a execuo de tarefas por outrem pensadas, verses empobrecidas dos bacha-

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 45

    relados e com algum recheio didtico-operatrio apenas, como se educar no exigisse um saber prprio, rigoroso e consistente (Marques, 2003, p.172).

    Diante dos problemas apontados fi ca a constatao de que necessria a reviso do processo de formao de professores. Os problemas a serem enfrentados no campo institucional e curricular so inmeros, dentre eles possvel destacar, no campo institucional: i) segmentao da formao dos professores e descontinuidade na formao dos alunos da educao bsica; ii) submisso da proposta pedaggica organizao institucional; iii) isolamen-to das escolas de formao; iv) distanciamento entre as instituies de for-mao de professores e os sistemas de ensino da educao bsica. No campo curricular, destacam-se: i) desconsiderao do repertrio de conhecimento dos professores em formao; ii) tratamento inadequado dos contedos; iii) falta de oportunidades para desenvolvimento cultural; iv) tratamento restrito da atuao profi ssional; v) concepo restrita de prtica; vi) inadequao do tratamento da pesquisa; vii) ausncia de contedos relativos s tecnologias da informao e das comunicaes; viii) desconsiderao das especifi cida-des prprias dos nveis e/ou modalidades de ensino em que so atendidos os alunos da educao bsica; ix) desconsiderao das especifi cidades prprias das etapas da educao bsica e das reas do conhecimento que compem o quadro curricular na educao bsica (Brasil, 2002a, p.13-22).

    Compreendemos que a formao do professor um processo contnuo e que no se inicia, e muito menos se fi nda, em um curso de graduao, tal como as licenciaturas. Mas acreditamos que os cursos de Licenciatura po-dem proporcionar aes formativas de grande relevncia para a formao do profi ssional professor.

    Formar um professor de Qumica exige que, ao fi nal do curso de gradua-o, o licenciado garanta bom conhecimento sobre Qumica e sobre como se ensinar Qumica, o que envolve muitos aspectos, pois para se ensinar algo de modo signifi cativo preciso transitar muito bem pela rea da Qumica e pela rea de Ensino de Qumica3. Acontece que muitos cursos de licencia-

    3 Consideramos a rea de Ensino de Qumica um campo de conhecimento da Qumica, assim como a Inorgnica, a Fsico-Qumica, a Orgnica e demais. Mas para facilitar o entendi-mento, a partir da leitura, referiremo-nos rea de Qumica, considerando a parte tcnica apenas, e a rea de Ensino de Qumica, considerando a interface entre a parte tcnica e hu-mana, como a compreenso da construo do conhecimento qumico, os aspectos epistemo-lgicos, educacionais e culturais.

  • 46 ROBERTO NARDI

    tura em Qumica acabam por privilegiar apenas um dos lados, geralmente o lado da Qumica, buscando garantir que o licenciado, egresso do curso de graduao de Licenciatura em Qumica, possua grande embasamento terico e prtico no campo da Qumica, conhecimento esse que, em alguns casos, tambm pode ser bastante questionvel.

    Sabemos que o campo de atuao, no mercado de trabalho, de um li-cenciado em Qumica bem vasto, devido ao fato de suas atribuies pro-fi ssionais atenderem s exigncias desse mercado, tanto quanto aquelas de quem possui formao de bacharel em Qumica. Isso contribui para que indivduos busquem um curso de Licenciatura em Qumica por preten-derem futuramente atuar em indstrias, empresas, laboratrios, e como na maior parte dos casos, esses cursos so ofertados pelas universidades no perodo noturno, com relao candidato-vaga nos exames vestibulares relativamente menor que os cursos de bacharelado, comum encontrar esse tipo de graduando nos cursos de Licenciatura. O ingresso no curso mais acessvel, e as oportunidades so as mesmas que possuem os bacha-ris. Os objetivos, perspectivas profi ssionais, dos indivduos que buscam os cursos de Licenciatura em Qumica so os mais diversos, e na minoria dos casos visam atuao em aulas da educao bsica, como professores de Qumica.

    Se pararmos para analisar como so as aulas dos contedos especfi cos, isso , as aulas de Fsico-Qumica, Orgnica, Analtica, Inorgnica, Bio-qumica, em algumas universidades (com a sensao de ser a maioria!), notaremos um grande enfoque na racionalidade tcnica. Parece que os do-centes da universidade se esquecem de que esto formando (ao menos teo-ricamente, no papel!) professores de Qumica para a educao bsica, e que estes necessitam de outros fundamentos para que possam atuar nas escolas, durante suas aulas. A articulao entre conhecimento especfi co (qumico) e conhecimento pedaggico parece no ser responsabilidade dos docentes das disciplinas de contedo especfi co. A legislao prev que preciso indicar com clareza para o aluno qual a relao entre o que est aprendendo na licenciatura e o currculo que ensinar no segundo seguimento de ensino fundamental e no ensino mdio (Brasil, 2002a, p.7). Ser que os profes-sores formadores esto estabelecendo essas relaes? Nossa vivncia nos tende a responder que, na maioria dos casos, no!

  • ENSINO DE CINCIAS E MATEMTICA I 47

    Essa questo da articulao entre conhecimento especfi co e pedaggico tambm envolve o outro lado da moeda: os professores formadores da rea pedaggica que, em algumas instituies, so docentes que no possuem formao em Qumica, o que tambm difi culta a aproximao entre conhe-cimentos qumicos e pedaggicos.

    At quando os cursos de Licenciatura em Qumica tero essas carac-tersticas, no possvel prever. Algumas aes para que esse cenrio se modifi que j comearam a ser praticadas, com propostas inovadoras para os cursos de Licenciatura em Qumica (Baptista et al., 2009). Muitos resul-tados s podero ser avaliados futuramente.

    O fato de termos um parecer do Conselho Nacional de Educao con-templando diretrizes curriculares nacionais para a formao de professo-res da educao bsica, em nvel superior, em cursos de licenciatura, de graduao plena (Brasil, 2002a, 2002b), j aponta uma tendncia para se pensar e discutir a formao de professores. Um espao e um tempo para repensarmos como esto estruturados os cursos de Licenciatura e como a formao inicial de muitos professores est se concretizando.

    As instituies de nvel superior que oferecem cursos de Licenciatura em Qumica esto se mobilizando para atender s exigncias propostas pelo Conselho Nacional de Educao (CNE). Muitos cursos j passaram pelo processo de reestruturao curricular, adequando-se legislao. J um grande passo, mas muito ainda precisa ser feito, pois algumas pes-quisas realizadas atualmente sobre os cursos de Licenciatura em Qumica que implantaram estruturas curriculares renovadas ou que se encontram em fase de reestruturao, de acordo com os pareceres do CNE, apontam ainda os mesmos problemas relacionados formao de professores, como, por exemplo, a ausncia de educadores qumicos em boa parte das institui-es que oferecem cursos de licenciatura (Francisco Jr et al., 2009), viso positivista da Cincia presente nos projetos pedaggicos (Mesquita; Soares, 2009) e disciplinas de formao pedaggica, somando uma porcentagem relativamente baixa do total de contedo cientfi co-cultural em algumas instituies (Kasseboehmer; Ferreira, 2008).

    Essas informaes apontam a necessidade de avaliaes constantes so-bre os cursos de Licenciatura em Qumica oferecidos em nosso pas, pois para formar professores, precisamos muito mais do que s reestruturar cur-rculos, preciso ir alm.

  • 48 ROBERTO NARDI

    Estudo de caso sobre um curso de Licenciatura em Qumica

    Uma pesquisa sobre o curso de Licenciatura em Qumica de uma uni-versidade pblica paulista vem sendo desenvolvida desde o ano de 2004, com o objetivo de gerar resultados e refl exes que possam proporcionar me-lhoras no curso de formao inicial de professores de Qumica investigado e tambm contribuir para a rea de pesquisa sobre os cursos de formao inicial de professores de Qumica nas licenciaturas.

    Uma das caractersticas muito marcantes da instituio a que nos referi-mos a grande nfase na formao de pesquisadores nas reas tradicionais da Qumica, deixando a formao de professores em outro plano, e a pes-quisa em Ensino de Qumica, renegada. Isso parece ser comum em outros contextos tambm:

    Nas universidades onde a pesquisa e a ps-graduao na rea da qumica so bem dese