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1 Mestrado em Educação pela UENP (Universidade Estadual Norte do Paraná), Pedagoga Col. Est, Drº Gabriel Carneiro

Martins

2 Professora Drª do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina, Diretora Geral Col. Est. Profº

José Aloísio Aragão- Colégio Aplicação

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ENSINO E APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CRÍTICA: ALGUMAS REFLEXÕES

Autora: Edilene Brancalhão Gonçalves¹ Orientadora: Adriana Regina de Jesus²

Resumo Este trabalho pretende repensar o processo de ensino e aprendizagem na sociedade contemporânea, tendo em vista a necessidade de conhecer como o aluno aprende e fazer as intervenções necessárias. Conhecer como se dá a aprendizagem dos alunos será um aspecto relevante para o trabalho dos educadores, bem como compreender como ocorre esse processo numa perspectiva sociocultural, onde discutiremos as dificuldades de aprendizagem a partir das teorias de Vygotsky. Faz-se necessário ressaltar que o grande desafio da escola atual é conhecer como os alunos aprendem e construir estratégias de ensino que possam contribuir no processo de uma aprendizagem significativa, bem como descobrir métodos de estudos e criar espaços que possam contribuir na superação das dificuldades apresentadas pelos alunos, garantindo-lhes o direito de aprender. Para o desenvolvimento deste estudo utilizamos a pesquisa bibliográfica e de campo. Utilizamos como estratégia a aplicação de questionário, onde levantamos alguns dados relevantes na aprendizagem. Em seguida tabulamos os dados e trabalhamos com algumas hipóteses levantadas. A intervenção pedagógica foi realizada no período de contraturno, visando melhorar o desempenho acadêmico dos alunos de 7ª série dos Anos Finais do Ensino Fundamental. Justifica-se a escolha desta turma, pois observamos os seguintes aspectos: baixo desempenho e a apatia dos alunos em relação ao processo de aprendizagem; desinteresse pelo conteúdo em sala de aula; a não realização das tarefas em sala e em casa. Trabalhamos com os professores da série, os quais desenvolveram estratégias de aprendizagem diferenciadas, obtendo um resultado satisfatório ao final da intervenção. Palavras-chave: ensino; aprendizagem; dificuldade; histórico-crítica

Introdução A diversidade de alunos em sala de aula, a dificuldade de aprendizagem

desses alunos e o seu fracasso escolar não podem passar despercebidos em

nossa prática pedagógica, pois os alunos são diferentes, aprendem de formas

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diferentes, cada um no seu tempo. Assim sendo, constatamos que a educação

homogênea não alcança a todos e de modo igual. Conhecer como se dá a

aprendizagem nos alunos será imprescindível, pois poderá levar os educadores a

repensarem suas práticas pedagógicas respeitando o tempo e a capacidade de

aprender de cada um, levando-os realmente a uma aprendizagem significativa.

O presente trabalho foi desenvolvido com base nas teorias de Vygotsky,

que defende que existem dois níveis de desenvolvimento: o nível de

desenvolvimento atual e a zona de desenvolvimento próximo (são utilizadas

também as expressões potencial e proximal). Vygotsky observou que a

capacidade de crianças com o mesmo nível de desenvolvimento mental para

aprender variava enormemente, concluiu que essas crianças não tinham a

mesma idade mental e que o curso de seu desenvolvimento seria diferente.

A partir das teorias de Vygotsky, discutimos as dificuldades de

aprendizagem, tendo como finalidade compreender como ocorre esse processo

numa perspectiva sociocultural. O objetivo seria construir estratégias de ensino

que possam contribuir no processo de uma aprendizagem significativa, apresentar

métodos de estudos e criar espaços que possam contribuir na superação das

dificuldades apresentadas pelos alunos, podendo assim, garantir o direito de

aprender.

A princípio, o projeto de intervenção seria aplicado na 8ª série, mas, por

razões pedagógicas, foi realizado na 7ª série, pois observamos os seguintes

aspectos: apatia dos alunos em relação ao seu desempenho, ou seja,

demonstravam não se importar com o resultado final (nota), bem como com o

conteúdo trabalhado em sala de aula. Esses resultados foram levados em conta

para que o projeto de intervenção fosse realizado nas turmas de 7ª série.

Utilizamos a aplicação de questionário aos alunos da 7ª série, para

levantamento de alguns dados relevantes na aprendizagem. Em seguida os

elementos colhidos foram tabulados e as hipóteses estabelecidas. A intervenção

pedagógica foi realizada junto aos alunos e professores no período de

contraturno, visando melhorar o desempenho acadêmico dos alunos.

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Para o desenvolvimento deste estudo, o tema geral será desdobrado nas

seguintes temáticas: a) Ensino e Aprendizagem: uma relação em construção; b)

Como os alunos aprendem na sociedade contemporânea e c) Mediação: o

professor como mediador no processo de aprendizagem

1. Ensino e aprendizagem: uma relação em construção

O processo ensino e aprendizagem depende de inúmeros fatores para ser

eficaz: da competência do professor, de aspectos afetivos, sociais e psicológicos

dos alunos, de ambiente favorável... Esse processo nem sempre ocorre de forma

satisfatória em todos os alunos e ao mesmo tempo. Para Vygotsky:

[...] a aprendizagem não é em si mesma desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. (VYGOTSKY,1991, p. 15).

Ele valora de forma altamente positiva a transmissão à criança dos

conteúdos historicamente produzidos e socialmente necessários. Conteúdos que

se transformarão em conhecimento, porém todo conhecimento tem como princípio

a percepção do senso comum, as experiências empíricas, os saberes que a

vivência dá a cada indivíduo. “A aprendizagem escolar nunca começa no vazio,

mas sempre se baseia em determinado estágio de desenvolvimento, percorrido

pela criança antes de ingressar na escola”. (VYGOTSKY, 2001, p.476).

Esse senso comum é o ponto de partida para que o professor direcione

sua prática pedagógica. Na teoria vygotskyana, é o nível de desenvolvimento

atual, onde o aluno desenvolve as tarefas por si mesmo.

Partindo do princípio de que a criança traz consigo o conhecimento

empírico antes mesmo da idade escolar, é reforçada a importância da

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aprendizagem no ambiente educacional, pois todo saber será reconstruído pelo

aluno de forma sistematizada. O conhecimento científico ocorrerá via instrução,

de forma desvinculada da experiência imediata, em momentos organizados com o

fim explícito de ensinar e aprender. Nesse momento, o professor e sua forma de

ensinar é determinante para que o aluno desenvolva a zona de desenvolvimento

próximo, pois “o único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”

(VYGOTSKY,1991, p.14). Na teoria de Vygotsky, o que uma criança é capaz de

fazer com o auxílio dos adultos chama-se zona de desenvolvimento potencial.

Para Vygotsky (1991) a tarefa concreta da escola consiste em fazer todos os

esforços para encaminhar a criança e desenvolver o que lhe falta. Nesse sentido,

“a aprendizagem assume, gradativamente, um significado subjetivo e social para

o sujeito aprendente” (GASPARIN, 2011,p.47), ou seja, relacionando o conteúdo

com a prática social, pois o conhecimento é socialmente necessário no mundo

atual. Para Gasparin, a Teoria Histórico-Cultural enfatiza a importância da

interação dos indivíduos entre si, enquanto sujeitos sociais, e da relação destes

com o todo social no processo de aquisição dos conhecimentos escolares.

Para fundamentar sua teoria, Vygotsky buscou o método dialético

materialista de Marx, que analisa o movimento dos contrários, em que, para cada

tese, há uma negação (antítese), que gera uma síntese, um novo produto, uma

nova síntese, que também será negada (MARX, 2004).

O termo dialética é um dos pontos que fundamenta a teoria vygostkyana.

Essa interação dialética se dá, desde o nascimento, entre o ser humano e o meio

social e cultural em que se insere. O homem é visto como alguém que transforma

e é transformado nas relações que acontecem em uma determinada sociedade.

Desse modo, podemos constatar que o desenvolvimento humano é o produto de

trocas recíprocas, que se estabelecem no decorrer da vida, entre indivíduo e

meio.

Vygotsky (1988) evidencia sua postura materialista dialética em colocar o

fator sociocultural como determinante do desenvolvimento do pensamento,

através da mediação dos signos e das ferramentas, em especial da linguagem. O

momento de maior significado no desenvolvimento intelectual, que dá origem às

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formas essencialmente humanas de inteligência prática e abstrata, ocorre quando

a linguagem e a atividade prática convergem.

A posição vygotskyana percebe o movimento alicerçado sobre o plano das

interações. O sujeito não é só passivo nem apenas ativo: é interativo. Dessa

forma, o conhecimento é construído na interação sujeito-objeto, através da ação

socialmente mediada entre ambos.

Nesse sentido, Vygotsky dá ênfase ao papel do ambiente social no

desenvolvimento e na aprendizagem; assim a aprendizagem se dá em

colaboração entre as crianças e entre elas e os adultos. A história da criança faz

parte da história desse meio, levando-se em conta que as crianças são diferentes,

cada uma delas sendo uma história. História essa que, na perspectiva histórico-

cultural, não deve ser esquecida e sim levada em conta, para conseguir implantar

na criança a consciência de sua realidade e da possibilidade real de superação

das suas limitações. Esse pensamento nos remete às ideias de FREIRE (2000,

p.40) “é por isso que não apenas temos história, mas fazemos a história que

igualmente nos faz e que nos torna portanto históricos”.

Para Vygotsky, desenvolvimento humano e educação constituem dois

aspectos de uma mesma coisa. O primeiro diz o que o ser humano é e como ele

se constitui, a segunda é a concretização dessa constituição. Assim podemos

dizer que, a educação é constitutiva da pessoa, é o processo pelo qual, através

da mediação social, o indivíduo internaliza e se constitui em ser humano.

Partindo dessa análise, podemos dizer que uma das aprendizagens mais

importantes que o ser humano deve fazer na vida e, portanto, também na escola,

é de que as coisas podem mudar, que a configuração de mundo que temos hoje é

uma, e não a única. Pode ser transformado e a transformação se dará pela ação

dos sujeitos, sujeitos que aprendem, que pensam , que relacionam e colocam em

prática o que aprendem na teoria.

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2. Como os alunos aprendem na sociedade contemporânea

A sociedade é repleta de informações, principalmente tecnológicas. Toda

essa tecnologia pode criar um ambiente cultural e educativo suscetível de

diversificar as fontes do conhecimento e do saber. Os alunos buscam informações

pelo rádio, televisão e principalmente pela internet, pois na sociedade digital, a

quantidade de informações dobra em espaços cada vez mais curtos de tempo.

Lembrando que informação não é conhecimento, portanto o uso dessas

tecnologias devem ser utilizadas em ligação com formas clássicas de educação e

não ser consideradas como um processo substituto, autônomo. Segundo

Fernandez:

A apropriação do conhecimento implica no domínio do objeto, sua corporização prática em ações ou em imagens que necessariamente resultam em prazer corporal. Somente ao integrar-se ao saber, o conhecimento é aprendido e pode ser utilizado. (FERNANDEZ,1990, p 59).

O aprender remete o homem para o seu instinto de vida. E para além

disso. O aprender faz sair da rotina, da dependência e das evidências, permite

tirar partido de seus sucessos ou de suas derrotas, permite uma compreensão de

si mesmo e dos outros, uma compreensão dos problemas sociais, o que nos

remete à perspectiva sociocultural.

[...] podemos dizer que cada homem aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe preciso ainda entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante, através de outros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. (LEONTIEV, 1978, p.267).

A apropriação de informações, graças aos meios de comunicação e

multimídias, tem muitas vezes falhas de coerência e estrutura. Os alunos se

envolvem e às vezes se perdem numa multiplicidade de fontes de informação,

onde tem a impressão de conhecer porque viram ou ouviram, mas acumulam

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dados que não apresentam significados, eles não sabem onde os ligar, não têm

pontos de ancoragem para estabelecer laços.

É aqui que a escola tem o seu lugar, pois o conhecimento científico é

inacabado, está sempre em construção, em movimento. É deste movimento que

surgem as contradições que dão origem a novos conhecimentos. É tarefa social

da escola intervir para estruturar, para produzir o saber e facilitar uma reflexão.

Para Gasparin:

[...] o confronto entre o conhecimento cotidiano trazido pelos alunos e o conteúdo científico apresentado pelo professor implica que o educando negue o primeiro pela incorporação do segundo. O processo ocorre sem a destruição do conhecimento anterior, uma vez que o novo conhecimento, mais elaborado e crítico, é sempre construído a partir do já existente. (GASPARIN, 2011, p 52).

Percebe-se então, que a prática social só pode ser alcançada através de

uma ação pedagógica mediadora e problematizada dos conteúdos

sistematizados, das vivências dos alunos e dos acontecimentos da sociedade

atual. Não podemos ignorar a forte presença das tecnologias que trazem

informações aos alunos, nem ignorar que nossos alunos são capazes de

aprender fazendo várias coisas ao mesmo tempo, estudando e vendo televisão,

estudando e ouvindo música, estudando e vendo mensagens no celular. Aí nos

perguntamos: como eles conseguem aprender com tantos ruídos externos? Será

que, como professores, poderemos descobrir como cada aluno aprende

realmente?

Não é possível pensar que as tecnologias substituirão o mestre, pois elas

devem ser encaradas como meios e não como fins da educação. Também não

podemos negar a importância dessas tecnologias em nosso dia a dia, como

também na vida do aluno. Complementando essa ideia, reforça Gasparin:

[...] essas novas tecnologias têm como característica essencial serem instrumentos de apoio ao processo ensino-aprendizagem, portanto, não substituem a presença e a ação do professor. Aliás, para que sejam de fato mediadoras da aprendizagem, é necessário que o professor assuma

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uma nova perspectiva para seu papel: ser um mediador. (GASPARIN,

(2011, p. 109).

No entanto, o aluno deve estar pronto para incorporar a real significação

que essa informação tem para ele. Enquanto essa informação não fizer parte do

contexto intelectual e emocional, não se tornará verdadeiramente significativa.

Nesse sentido concordamos com Rego, quando afirma numa visão histórico-

cultural de educação:

[...] É preciso que a educação esteja – em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história. (REGO, 1995, p 39).

Dessa forma a sociedade contemporânea gira em torno de um forte apelo

tecnológico e visual, o qual fomenta a massificação de opiniões, comportamentos,

valores éticos e morais, que envolve todo o conjunto de ações perceptíveis e

sensíveis do cotidiano das pessoas, modelando-as para as necessidades de um

mundo cada vez mais globalizado e virtual. Surgem ainda muitas teorias sobre

como os alunos aprendem nessa sociedade.

Temos, no discurso de Assmann, a questão da educação atual, isto é, uma

educação preocupada em formar competências nos alunos, ou como ele se

refere, no aprendente. O autor nos explica que a expressão sociedade

aprendente “pretende inculcar que a sociedade inteira deve entrar em estado de

aprendizagem e transformar-se numa imensa rede de ecologias cognitivas”.

Aborda também a questão das tecnologias da informação e da comunicação na

sociedade aprendente, e os elos que se criam e se quebram dentro desta

sociedade. Tem como preocupação a função da educação solidária, já que “os

seres humanos não são ‘naturalmente’ tão solidários quanto parecem supor

nossos sonhos de uma sociedade justa e fraternal”. Acredita o autor que junto às

novas tecnologias também “estariam chegando inéditas chances de ampliação

efetiva da solidariedade universal entre os seres humanos” (ASSMANN, 2007).

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Em síntese, todos têm os mesmos instrumentos para chegar ao

conhecimento, mas não com a mesma intensidade. Aprende-se de formas

diferentes em tempos diferentes.

3. Mediação: o professor como mediador no processo de aprendizagem

Diante de tantas teorias, a função do professor é transformar informação

em conhecimento. “A ação docente deve voltar-se não para aquilo que o

educando sabe fazer por si mesmo em seu pensamento, mas para a possibilidade

de transição do que sabe fazer para o que não sabe ainda realizar” (GASPARIN,

2011, p 83).

Destacando o modelo de mediação de Vygotsky, o autor acredita que a

mediação seria um processo de intervenção de um elemento intermediário numa

relação. De acordo com tal conceito, podemos vislumbrar, na educação, o

professor como mediador entre o saber instituído e o aluno. Nessa perspectiva, o

educador deixa de ser o transmissor do conhecimento e passa a ser o mediador

deste. Assim, o conhecimento deixa de ser apenas acumulado e decorado e

passa por um processo de interação entre o aluno e o professor. Nesse processo,

ambos aprendem. Dessa forma, o aluno aprendente deixa de ser espectador e

começa a ter interesse próprio pelo saber. O professor cria situações-problema

que envolvem os alunos, que os instigam e, por sua vez, os motivam para

aprender. (OLIVEIRA, 1993).

Conhecer é integrar a informação em nosso referencial, apropriando-a até

que se torne significativa para nós. O conhecimento não se passa, se cria, se

constrói. E para que esse conhecimento seja significativo para o aluno, requer do

professor visão de mundo, planejamento das ações e competência profissional,

pois concordamos com Freire quando afirma:

[...] Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro da tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática. (FREIRE, 1991: 58).

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É nesse contexto que a tarefa do professor se torna imprescindível, não se

pode falhar, pois estamos trabalhando com sujeitos e não objetos, sujeitos que

serão a diferença no futuro. Futuro este onde o aluno precisa adquirir habilidades

como fazer consultas em livros, entender o que lê, tomar notas, fazer síntese,

redigir conclusões, interpretar gráficos e dados, realizar experiências e discutir os

resultados obtidos e, ainda, usar instrumentos de medida, quando necessário,

bem como compreender as relações que existem entre os problemas atuais e o

desenvolvimento científico.

O professor é o mediador da aprendizagem do aluno, facilitando-lhe o

domínio e a apropriação dos diferentes instrumentos culturais. Mas, a ação

docente somente terá sentido se for realizada no plano da Zona de

Desenvolvimento Proximal. Isto é, o professor constitui-se na pessoa mais

competente que precisa ajudar o aluno na resolução de problemas que estão fora

do seu alcance, desenvolvendo estratégias para que, pouco a pouco, possa

resolvê-las de modo independente, ou seja:

[...] o novo conteúdo de que o aluno se apropriou não é, portanto, algo dado pelo professor, mas uma construção social feita com base em necessidades criadas pelo homem. Nesse momento, esse conhecimento possui uma função explícita: a transformação social. Não é neutro, nem natural. É o produto da ação humana, e atende a interesses de classes ou de grupos sociais determinados. (GASPARIN, (2011, p. 109).

Para Vygotsky, a aprendizagem é produto da ação dos adultos que fazem

a mediação no processo de aprendizagem das crianças. Neste processo de

mediação, o adulto usa ferramentas culturais, tais como a linguagem e outros

processos cognitivos. É um processo de internalização, no qual a criança domina

e se apropria dos instrumentos culturais como os conceitos, as ideias, a

linguagem, as competências e todas as outras possíveis aprendizagens. Portanto,

o professor é o mediador entre o aluno e o meio social e precisa oferecer as

experiências adequadas, dentro da capacidade de assimilação do aluno.

O professor, atento aos seus alunos em sala de aula, pode perceber o nível

de desenvolvimento em que se encontra a criança e trazer essa discussão para o

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universo da sala de aula, pois, o fato de os alunos não conseguirem realizar

sozinhos determinadas atividades, não significa que eles não tenham condições

para tanto. Mas que, as capacidades cognitivas necessárias à realização das

atividades propostas encontram-se em processo de formação, necessitando do

auxílio do professor que pode vir em forma de novas explicações e utilização de

outras estratégias de ensino. Sendo assim, importante apontar para o resgate do

papel ativo do professor em relação aos processos de aprendizagem e

desenvolvimento de todos os seus alunos, especialmente aqueles que

apresentam maiores dificuldades.

Masetto (2000) cita algumas características que o professor mediador

pedagógico deve possuir:

a) estar voltado para a aprendizagem do aluno, colocando-o como centro

do processo;

b) desenvolver ações conjuntas com os alunos em direção à

aprendizagem;

c) assumir uma postura de corresponsabilidade e parceria com os alunos;

d) respeitar a faixa etária dos alunos: no ensino superior, tratá-los como

adultos;

e) ter domínio profundo de sua área de conhecimento;

f) ter criatividade;

g) possuir disponibilidade para o diálogo;

h) atuar como ser humano com subjetividade e individualidade próprias,

respeitando as mesmas dimensões nos alunos;

i) cuidar da expressão e comunicação como instrumento da

aprendizagem.

Essas características dão pistas de como deve ocorrer o processo de

mediação. Portanto, ser mediador do conhecimento vai muito além do fato de

estar em sala de aula: é fazer a diferença na vida dos alunos, na teoria de

Gasparin:

[...] ao assumir o papel de mediador pedagógico, o professor torna-se provocador, contraditor, facilitador, orientador. Torna-se também unificador do conhecimento cotidiano e científico de seus alunos, assumindo sua responsabilidade social na construção/reconstrução do

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conhecimento científico das novas gerações, em função da

transformação da realidade. (GASPARIN,2011, p.110):

Gasparin (2011) enfatiza que o papel do professor, como mediador, é

definir a relação e estabelecer a ligação entre os conceitos científicos e os

cotidianos, afirmando ainda que a integração entre os dois vai possibilitar o

desenvolvimento na perspectiva da cientificidade que necessariamente retornará

ao cotidiano. Nesse sentido Coll também contribui:

[...] é o professor quem determina, com sua atuação, com seu ensino, que as atividades nas quais o aluno participa possibilitem um maior ou menor grau de amplitude e profundidade de significados construídos e, sobretudo, quem assume a responsabilidade de orientar esta construção numa determinada ação. (COLL, 2002, p 156).

Para tanto, o professor provoca, facilita e orienta o educando, assumindo

uma responsabilidade social, em função da transformação da realidade.

Assim, os significados e os sentidos que o professor produz em seus atos,

a partir da experiência pessoal na docência, complementados, por

aprofundamentos teóricos, os levam a aprofundar seu próprio saber, repensar sua

profissão de educador, sua prática pedagógica, sua relação com os outros

indivíduos e sua própria valorização no processo de ensino e aprendizagem. Isso

remete o professor a uma perspectiva dialética, onde reflete: o que fazer? para

quem fazer? como fazer e quando fazer?

Vivenciando a dinamicidade das mudanças, o professor deve considerar as

dimensões: pessoal, cultural, profissional, histórica e social de seus alunos, o que

implica mudanças pessoais e sociais por meio da educação.

Partindo dessa análise, não se trata simplesmente de mudar a prática

pedagógica, substituir o velho pelo novo. Mas sim ir a fundo nessa questão,

reavaliar, transformar, re-significar conceitos e valores, pensar sobre questões da

sociedade contemporânea que produzem sentidos na vida das pessoas, homens

ou mulheres, seres históricos e sociais.

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Execução do Projeto de intervenção

Na tentativa de consolidar o processo de aprendizagem numa abordagem

sociocultural, iniciamos nosso projeto de intervenção com as turmas de 7ª série.

Após a definição das turmas, iniciamos o envolvimento da comunidade escolar,

ou seja, realizamos uma reunião com os pais dos alunos envolvidos no projeto,

para apresentar alguns dados referentes ao aproveitamento dos alunos,

explicando a necessidade de intervenção, como seria feita e qual o objetivo.

Em seguida, fomos conversar com os alunos a respeito do projeto e se

estariam dispostos a participar, tendo em vista algumas mudanças em seu

aprendizado. Eles se mostraram receptivos e dispostos a participar.

Após a conversa com os alunos, aplicamos um questionário para

levantamento de alguns dados relevantes ao processo de aprendizagem.

Foram entrevistados 97 alunos, que responderam sobre a organização dos

estudos:

54% responderam que estudam somente nas vésperas das

avaliações;

55% costumam estudar com a TV ou rádio ligados, ouvindo música;

58% costumam atrasar na entrega dos trabalhos;

59% não estão em dia com as diferentes matérias;

51% não grifam o que é mais importante, quando estudam;

57% não fazem esquemas de temas que estudam;

52% não costumam fazer perguntas nas aulas.

O levantamento de dados nos deu subsídios para observarmos que os

alunos têm dificuldade de se organizar na hora de estudar, e que cada um tem

uma maneira diferente de aprender.

Alguns conseguem registrar o que escutam na aula, enquanto outros

precisam escrever a matéria para gravar o conteúdo. Independente de sua

preferência, a única forma de descobrir é estudar.

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Nesse sentido, Vygotsky (1982) não nega que exista diferença entre os

indivíduos, que uns estejam mais predispostos a algumas atividades do que

outros, em razão do fator físico ou genético. Contudo, não entende que essa

diferença seja determinante para a aprendizagem.

Logo após a tabulação dos dados do questionário, fizemos uma reunião

com os professores das turmas envolvidas para traçarmos estratégias de ensino

como: mapa conceitual, resumo após apresentação do conteúdo, representação

de histórias em quadrinho sobre o conteúdo trabalhado, criar estratégias de ler

tudo o tempo todo, utilizar o conhecimento que o aluno traz do seu cotidiano, etc...

Essas estratégias seriam importantes para que os alunos pudessem se apropriar

dos conteúdos de formas diferentes.

Acreditamos que é necessário o professor se utilizar de recursos que

possibilitem ao aluno integrar novos conhecimentos, usando, assim, métodos

ajustados às suas necessidades e uma aula bem estruturada. As técnicas de

incentivo que buscam as causas para o aluno se tornar motivado garantem uma

aula mais produtiva por parte do professor, pois ensinar está relacionado com a

motivação. E que é necessário o envolvimento de todos, cabendo aos educadores

e à escola, de acordo com Gadotti:

[...] amar o conhecimento como espaço de realização humana, de alegria e de contentamento cultural; cabe-lhe selecionar e rever criticamente a informação; formular hipóteses, ser criativa e inventiva (inovar): ser provocadora de mensagens e não pura receptora; produzir, construir e reconstruir conhecimento elaborado. (GADOTTI, 2002,16-22)

Definimos também com os professores que, no início de todas as aulas,

anotariam no quadro a data da aula, nome do professor, conteúdo a ser

trabalhado e qual o procedimento utilizado. Mesmo parecendo tão simples e que

faz realmente parte do cotidiano dos professores, observamos que nem todos se

utilizavam dessa prática, mas, que seria importante para a execução do projeto.

Esses dados nos deram suporte para a observação do material do aluno.

Essa observação foi um trabalho realizado com dez alunos indicados pelos

professores. Eles retornavam ao Colégio em contraturno, acompanhados pelos

responsáveis, condição essencial para a realização dessa análise do material do

aluno. Nesses momentos, observamos que, na maioria das vezes, o aluno não

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tem toda a matéria, falta organização no horário semanal, deixa de anotar os

trabalhos e as provas, muitos exercícios de sala deixam de ser realizados, o aluno

não se apropria do conteúdo, os pais pouco sabem se existe tarefa ou o que os

filhos estão aprendendo na escola. Nesses encontros, descobrimos também que

o aluno passa grande parte do seu tempo em frente ao computador, mas não com

a intenção de rever assuntos pertinentes às matérias escolares, e sim em redes

sociais como facebook, orkut, msn, etc...

Através da análise do material de cada aluno, foi possível conhecer melhor

suas dificuldades, auxiliando-os na sua organização. Acertamos com eles que as

atividades que não realizassem em sala de aula, durante a semana, deveriam

concluí-las em casa para apresentar-nos na semana seguinte e o responsável

acompanharia de perto o desempenho do filho e saberia quais tarefas teria de

concluir.

Observamos que os adolescentes dessa faixa etária acham desnecessário

estudar, recordar as atividades, concordando com VYGOTSKY (1998, p. 46), que

afirma: “para o adolescente recordar é pensar. Sua memória está tão moldada à

lógica, que memorizar se reduz a estabelecer e encontrar relações lógicas e

recordar consiste em buscar um ponto que deve ser encontrado”.

No desenvolvimento dessa atividade, observamos também outro aspecto

importante do processo de ensino e aprendizagem sobre como os professores

trabalhavam em sala de aula: seu planejamento diário, as atividades

desenvolvidas, sua relação com o plano de trabalho docente, o Projeto Político

Pedagógico e as diretrizes curriculares. Dessa forma, nossa tarefa como

pedagoga se aliava ao projeto de intervenção, pois podíamos acompanhar de

perto a atuação do professor em sala de aula e, de certa forma, também auxiliá-

lo. Concomitantemente a essa análise de material, exibimos para as turmas e

discutimos com elas fragmentos do filme “Mãos talentosas”, tendo como objetivo

mostrar a capacidade de superação do indivíduo, enfatizando que, quando as

pessoas realmente desejam e lutam pelos seus sonhos, eles podem se tornar

realidade. Não basta desejar, pois desejo não se ensina, mas pode ser

estimulado. E, nesse momento, o que os alunos desejavam, e ao que nós os

estimulávamos, era aprender e ter sucesso ao final do ano letivo. Para tanto,

teríamos de traçar estratégias de estudo e contar com a dedicação dos alunos.

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Não há saídas rápidas para a aprendizagem, o que vale é o esforço e a

dedicação.

A partir desses apontamentos, uma abordagem importante é-nos

apresentada por Vygotsky (2003), quando menciona que o processo de

aprendizagem pode ser definido como a forma como os sujeitos adquirem novos

conhecimentos, desenvolvem competências e modificam o comportamento: é

uma mudança relativamente estável do comportamento, de uma maneira mais ou

menos constante, conseguida pela experiência, pela observação e pela prática

motivada. Esse era o objetivo do projeto de intervenção, a mudança de

comportamento através da aquisição do conhecimento.

Nesta sequência, Vygotsky (2003) menciona que o pensamento

propriamente dito é produto da motivação, isto é, dos novos desejos,

necessidades e interesses. “A aprendizagem é um momento intrinsecamente

necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características

humanas não naturais, mas formadas historicamente” (VYGOTSKY, 1988).

Também nos utilizamos da teoria de Rego (2002, p. 98), ao descrever a

Teoria Vygotskyana: nessa abordagem, o sujeito produtor de conhecimento não é

um mero receptáculo que absorve e contempla o real, nem o portador de

verdades oriundas de um plano ideal; pelo contrário, é um sujeito ativo que, em

sua relação com o mundo, com seu objeto de estudo, reconstrói este mundo. O

conhecimento envolve sempre um fazer, um atuar do homem.

No decorrer do projeto, apresentamos aos alunos algumas ideias

essenciais para que possam aprender melhor, levando em conta algumas

técnicas como: estar atento, observar, escutar, perguntar, analisar e memorizar.

Enfatizamos que a participação e a realização de todas as tarefas em sala de aula

é fundamental no processo de aprendizagem, é o conhecimento brotando, se

consolidando, tomando sentido. Também não basta estudar somente na escola,

em sala de aula, é preciso dedicar-se um pouco mais em casa, na realização das

tarefas e trabalhos. Lembrando também aos alunos que a tecnologia deve ser

uma aliada no processo de aprendizagem, ser utilizada de forma saudável, para

aprofundar conhecimentos, rever e conhecer o novo. E, apropriando-se dessas

informações, levá-las à sala de aula a fim de socializá-las com os alunos e

professores, dando um novo significado a elas.

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Nesse sentido entendemos que a escola precisa acompanhar todo esse

processo tecnológico que chega aos nossos alunos, não podemos ficar à margem

do futuro, com lembranças saudosistas. O tempo passou, nossos alunos

mudaram, precisamos mudar nossa prática pedagógica. Mas, tendo em mente

que a proposta de Vygotsky é que se intervenha de forma decidida e significativa

nos processos de desenvolvimento da criança, no sentido de ajudá-la a superar

eventuais dificuldades, recuperar possíveis defasagens cognitivas e auxiliá-la a

ativar áreas potenciais imediatas de crescimento e desenvolvimento. Também

nos inspiramos na concepção freireana, [...] A escola precisa dar o exemplo,

ousar construir o futuro. Inovar é mais importante do que reproduzir com

qualidade o que existe. A matéria-prima da escola é sua visão do futuro.

Vygotsky, dessa forma, resgata a importância da escola e do papel do

professor como agentes indispensáveis do processo de ensino aprendizagem.

Entendemos também que não há aprendizagem sem motivação, bem como

não há aprendizagem sem mediação. Assim, um aluno está motivado quando

sente necessidade de aprender e atribui significado ao aprendido. Essa ideia nos

remete a Freire:

Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente homens e mulheres descobriram que era possível ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possível - depois, preciso - trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar.( FREIRE, 1996,23-24).

O ensino só tem sentido quando interfere na aprendizagem, por isso é

necessário conhecer como o professor ensina e entender como o aluno aprende

(Paiva, 2008). Só assim o processo educativo poderá resultar positivo e o aluno

conseguirá aprender a pensar, a sentir e a agir.

Nesse sentido, a aprendizagem é concebida como um processo de

construção compartilhada, uma construção social, na qual o papel do professor é

o de sempre atuar no desenvolvimento potencial do aluno para levá-lo, por meio

da aprendizagem, a um desenvolvimento proximal. Com base em Vygotsky,

ressaltamos que só a boa aprendizagem promove o desenvolvimento e que o

bom ensino é aquele que apresenta uma orientação prospectiva, ou seja, dirigida

ao que o aluno ainda não é capaz de fazer sozinho, mas já é capaz de fazer com

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auxílio de um outro mais experiente. O bom ensino é o que relaciona os conceitos

científicos aos conceitos espontâneos, e auxilia o educando a internalizar os

conceitos científicos. Assim, o educador move o aluno, que se move em direção a

uma consciência crítica da realidade, não mais no senso comum, somente na

descrição da realidade, mas na capacidade de relacionar o conhecimento

científico e a prática, transformando-a.

Freire (1996) ressalta o quanto um determinado gesto do educador pode

repercutir na vida de um aluno (afetividade e postura) e da necessidade de

reflexão sobre o assunto, pois, segundo ele, ensinar exige respeito aos saberes

do educando. A construção de um conhecimento em parceria com o educando

depende da relevância que o educador dá ao contexto social.

A troca de experiência durante o GTR (Grupo de Trabalho em Rede) foi

uma experiência muito gratificante. Encontramos professores que também

buscam melhorar a aprendizagem de seus alunos, tendo Vygotsky como

embasamento teórico. Isso nos leva a crer que estamos no caminho certo e que

embora a prática social dos educadores e dos alunos seja comum, eles podem

“se posicionar diferentemente enquanto agentes sociais diferenciados” (SAVIANI,

2008, p. 56) porque se encontram em níveis diferentes de compreensão. Os

educadores apresentam uma compreensão articulada dos conhecimentos e das

experiências em relação à prática cotidiana, enquanto os alunos possuem uma

compreensão sincrética da realidade, pois “por mais conhecimento e experiências

que detenham, sua própria condição de aluno implica uma impossibilidade, no

ponto de partida, de articulação da experiência pedagógica na prática social de

que participam” (SAVIANI, 2008, p 57).

Para Vygotsky, a aprendizagem sempre inclui relações entre pessoas. Ele

defende a ideia de que não há um desenvolvimento pronto e previsto dentro de

nós que vai se atualizando conforme o tempo passa. O desenvolvimento é

pensado como um processo, onde está presente a maturação do organismo, o

contato com a cultura produzida pela humanidade e as relações sociais que

permitem a aprendizagem. Ou seja, o desenvolvimento é um processo que se dá

de dentro para fora. Entre o desenvolvimento e as possibilidades de

aprendizagem há uma estreita relação.

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Vygotsky aponta que construir conhecimento implica numa ação partilhada,

num processo de mediação entre sujeitos. Nessa perspectiva, a interação social,

bem como a afetividade do mediador é condição indispensável para a

aprendizagem:

Nenhuma forma de comportamento é tão forte quanto aquela ligada a uma emoção. Por isso, se quisermos suscitar no aluno as formas de comportamento de que necessitamos teremos sempre de nos preocupar com que essas reações deixem um vestígio emocional nesse alunado. (VYGOTSKY, 2001, p. 143).

Isso significa que toda aprendizagem na escola tem sempre uma história

prévia. Esta pré-história da aprendizagem escolar é construída nas experiências

vividas pela criança no seu contexto sociocultural. Daí, a influência marxista na

teoria de Vygotsky.

E nós, como educadores podemos fazer a diferença na vida de nossos

alunos, mediando o conhecimento. Valorizando suas experiências (zona de

desenvolvimento atual), e a partir delas levá-los à zona de desenvolvimento

proximal, construindo o conhecimento que será real. Nesse movimento dialético,

consolidamos o verdadeiro sentido de ser educador, que nos remete novamente à

concepção freireana. Lembramos que a escola não pode distribuir poder, mas

pode construir e reconstruir conhecimentos, saber, que é poder.

Considerações finais

Ao final do projeto de intervenção, entendemos que a mediação é um dos

fatores mais importantes no processo de aprendizagem. Essa relação tem o

poder de mudar, transformar sujeitos. Respeitar o conhecimento prévio que o

aluno possui é de fundamental importância para que se possa propor, de forma

atraente, o que e como será desenvolvido o trabalho em sala de aula.

Se de um lado existe um desenvolvimento atual da criança, que pode ser

avaliado por meio de provas, trabalhos, observações, entrevistas, por outro lado

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existe um desenvolvimento potencial que pode ser calculado a partir daquilo que

a criança é capaz de realizar com a ajuda de um adulto num certo momento, e

que realizará sozinha mais tarde. Acreditamos que esse espaço entre o real e o

potencial seja o foco do trabalho do professor, cabendo a nós educadores buscar

o desenvolvimento.

Das atividades desenvolvidas durante o projeto de intervenção, a análise

do material do aluno foi a mais significativa, pois leva o aluno a perceber onde

estão suas falhas como estudante e reconhecer onde precisa melhorar.

Acredito que alcançamos o objetivo do nosso trabalho, pois a maioria dos

alunos compreenderam a importância da educação em suas vidas, da

necessidade da atenção e da dedicação no processo de aprendizagem. Em

relação aos professores, percebemos a mudança em sua prática pedagógica.

Quanto à escola, acredito que o trabalho foi de grande relevância, pois

envolvemos vários segmentos, os quais saíram da sua zona de conforto e

buscaram novos caminhos para a melhoria do processo de ensino e

aprendizagem. Assim, acredito que plantamos uma semente. Os frutos podem

não ser colhidos de imediato, mas é um aprendizado que estará latente, podendo,

a qualquer momento, ser colocado em prática.

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