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1 Ensino Superior Particular no Brasil: Histórico e Desafios Deise Elen Abreu do Bom Conselho 1 Dr. Pedro Pires Bessa 2 Resumo As instituições de ensino superior particulares têm um papel relevante na história do ensino superior brasileiro, tendo em vista a sua abrangência e velocidade de expansão, notadamente na década de 60. A trajetória do ensino superior particular é analisada por alguns autores como uma possibilidade de democratização do acesso e criticada por outros como uma política privatista e de vocação mercantilista. Ambas as interpretações são necessárias à formação de uma visão crítica sobre a importância da complementariedade entre o setor público e privado na busca de um delineamento histórico da expansão do ensino superior privado no Brasil. Palavras-chave: Ensino superior. Setor privado. Expansão. Reforma educacional. Introdução A trajetória do ensino superior privado no Brasil lembra um avião decolando em terreno pedregoso, sob atmosfera nebulosa e olhares incrédulos. O motor resfolega, mas impulsiona; o trem de pouso tropeça, mas sustenta; a fuselagem trepida, mas integra-se; as asas hesitam, mas conduzem; anônimo, o piloto usa o bom senso e a intuição à medida que os governos lhe permitem evoluir; cada manobra é um exame final. A educação superior particular faria seu vôo inaugural em 1896, dez anos antes do 14-Bis de Alberto Santos Dumont (BOAS, 2004, p. 10). Conforme o censo da educação superior realizado em 2004, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 86,2% dos 1 Supervisora Pedagógica - Senac Minas. Mestranda em Educação, Cultura e Organizações Sociais da Fundação Educacional de Divinópolis FUNEDI/UEMG. 2 Pós-Doutor em lingüística pela Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ). Professor- pesquisador da FUNEDI/UEMG.

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Page 1: Ensino superior particular no brasil

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Ensino Superior Particular no Brasil: Histórico e Desafios

Deise Elen Abreu do Bom Conselho1

Dr. Pedro Pires Bessa2

Resumo

As instituições de ensino superior particulares têm um papel relevante na história do ensino superior brasileiro, tendo em vista a sua abrangência e velocidade de expansão, notadamente na década de 60. A trajetória do ensino superior particular é analisada por alguns autores como uma possibilidade de democratização do acesso e criticada por outros como uma política privatista e de vocação mercantilista. Ambas as interpretações são necessárias à formação de uma visão crítica sobre a importância da complementariedade entre o setor público e privado na busca de um delineamento histórico da expansão do ensino superior privado no Brasil.

Palavras-chave: Ensino superior. Setor privado. Expansão. Reforma educacional.

Introdução

A trajetória do ensino superior privado no Brasil lembra um avião decolando em terreno pedregoso, sob atmosfera nebulosa e olhares incrédulos. O motor resfolega, mas impulsiona; o trem de pouso tropeça, mas sustenta; a fuselagem trepida, mas integra-se; as asas hesitam, mas conduzem; anônimo, o piloto usa o bom senso e a intuição à medida que os governos lhe permitem evoluir; cada manobra é um exame final. A educação superior particular faria seu vôo inaugural em 1896, dez anos antes do 14-Bis de Alberto Santos Dumont (BOAS, 2004, p. 10).

Conforme o censo da educação superior realizado em 2004, pelo Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 86,2% dos

1 Supervisora Pedagógica - Senac Minas. Mestranda em Educação, Cultura e Organizações Sociais

da Fundação Educacional de Divinópolis FUNEDI/UEMG. 2 Pós-Doutor em lingüística pela Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ). Professor-

pesquisador da FUNEDI/UEMG.

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estudantes universitários estão matriculados em Instituições de Ensino Superior

(IES) particulares. Percentual semelhante a este também é anunciado por Boas

(2004), com base em dados do Sindicato das Entidades Mantenedoras de

Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo – SEMESP.

Segundo Boas (2004), as IES particulares no Brasil são responsáveis por 88% das

vagas nesse segmento educacional.

Esses percentuais denotam a importância do setor privado no que se refere à

expansão quantitativa de alunos de baixa ou média renda, matriculados no ensino

superior. A posição majoritária do setor privado em número de matrículas e

estabelecimentos tornou-se uma realidade a partir de meados da década de 60,

conforme afirma Sampaio (2000).

Para Bicalho (2004), diferentemente do que ocorreu em outros níveis de ensino, a

expansão do ensino superior, por meio da iniciativa privada, pode ser considerada

um fator de democratização, à medida que amplia o acesso. Entretanto, autores

como Picanço (2003) e Pimenta3 (citado por Bicalho, 2004) afirmam que o

crescimento das IES particulares no Brasil não pode ser considerado um sintoma

de democratização do acesso, mas uma mercantilização do ensino, caracterizada

como não democrática e perversa, pois ofereceu aos alunos de baixa renda uma

educação de baixo nível e altas mensalidades.

3 PIMENTA, Aluísio. Diário da Tarde. Belo Horizonte, 08 nov. 2003.

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A demanda por formação tem despertado, em especial, o interesse de grupos que vêem na educação as características de um grande mercado potencial. Esses são os ‘sacoleiros do ensino’ para os quais é difícil fazer uma distinção entre conhecimento e ‘mercadoria’, estudantes e ‘clientes’, escola e ‘empresa’. (PICANÇO, 2003 p. 78)

Cabe ressaltar que este artigo não tem como objetivo traçar uma análise de

oposição entre o setor público e privado no segmento educacional. No entanto, a

dicotomia do público/ privado perpassa a história do ensino superior no Brasil, por

isso serão mencionados alguns aspectos atinentes a essa questão ao longo deste

artigo. O que se busca ao longo desta produção é traçar um histórico da fundação

das IES particulares, priorizando o caráter complementar do setor privado em

relação ao público, conforme propõe a pesquisadora Sampaio (2000).

As primeiras instituições de ensino superior no Brasil

Considerando-se a trajetória do ensino superior, Boas (2004) destaca que as

raízes desse nível educacional encontram-se no século XIX e que foi um longo

percurso para se chegar a uma concepção de “setor privado de ensino superior”,

marcado notadamente pela conquista de relevância, especificidades e incertos

cenários macroeconômicos.

Um marco importante na história do ensino superior no Brasil é a transferência da

sede do governo português para o Rio de Janeiro em 1808. Nas embarcações,

segundo Boas (2004), entre objetos e documentos, havia também livros. Muitos

deles atualmente integram o acervo da Biblioteca Nacional.

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Com a vinda da família real para o Brasil, algumas iniciativas de criações

intelectuais foram agilizadas, entre elas a criação do Jornal Gazeta do Rio de

Janeiro e a Imprensa Régia, que foi responsável pela edição e tradução de muitas

obras científicas. Tais providências contribuíram para o início da implementação

de várias escolas superiores no Brasil, conforme descrito abaixo.

Em penadas firmes, então, ele criou a Escola Médica da Bahia (1808), a Escola de Medicina do Rio de Janeiro (1809), a Escola Nacional de Engenharia (1810), um curso de ensino agrícola (1812) e outro de farmácia (1814), ambos na Bahia; em 1816 no Rio, fundava-se a Escola de Belas Artes. Todas essas escolas atraíram cátedras (de química, botânica, filosofia, economia, política e outras). Por isso dom João VI não poupou suas cartas régias de atos, instruções e exigências para que essas instituições não existissem apenas no papel, mas que funcionassem efetivamente. (BOAS, 2004, p.14)

Com base em cartas régias de atos e determinações de Dom João VI, é dado

início à fundação das escolas superiores no Brasil, que tinham objetivos

estritamente profissionalizantes, embora a produção de conhecimento fosse

alienada da realidade local, até mesmo porque não havia articulação entre as

escolas e nem uma estrutura curricular com definições claras de disciplinas.

O distanciamento da realidade local é incompatível com o objetivo

profissionalizante, visto que a orientação para a profissionalização implica em uma

metodologia de ensino que tenha como conseqüência “o olhar voltado para fora da

universidade”. A interlocução entre a teoria e a prática também se tornam

premissas básicas, bem como uma aprendizagem orientada para o significado,

segundo Bicalho (2004).

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A articulação entre as disciplinas e áreas do conhecimento, embora em menor

escala, significa ainda na atualidade, um desafio na educação. Após pesquisas

realizadas com estudantes universitários, Leite (1997) cita que elementos como o

superficialismo e a reprodução são freqüentes no processo de

ensino/aprendizagem nas universidades.

Outro fator desafiador no início das IES, que prevalece na contemporaneidade,

refere-se ao que tange à perspectiva elitista das universidades.

Por mais que o contexto das IES no Brasil, no início do século XIX, apresentasse

aspectos a serem reformulados, a existência dessas instituições educacionais

representava o atendimento à necessidade de uma educação superior laica, que

até então não havia no Brasil. Essa nova realidade concatenou uma ruptura

parcial da tradição de buscar uma formação superior na Europa como era de

costume. No entanto, continuou prevalecendo a influência francesa, tanto que os

colégios do Império possuíam uma estrutura de Liceus franceses, além de

usufruírem status e prestígio semelhante ao das escolas superiores.

Apesar da emergência de iniciarem-se as discussões acerca do ensino superior,

somente no período de D. Pedro II é que esses debates tornam-se mais

freqüentes, já que “dom Pedro I não foi benévolo com a educação de modo geral e

tampouco com a de nível superior” (BOAS, 2004, p.15). Cabe ressaltar que

durante a regência de D. Pedro II, embora houvesse um terreno fértil para as

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reflexões sobre o ensino superior, poucas foram as ações concretas,

considerando-se que, em mais de 40 anos no poder, foram criadas apenas a

Escola de Minas de Ouro Preto (1875) e mais duas outras na Bahia.

No decorrer da história, outro aspecto imprescindível a ser mencionado refere-se à

reforma educacional do Brasil império, comandada por Leôncio de Carvalho, que

influenciado pelo pensamento liberal, declarou pela primeira vez apoio à educação

privada, conforme explicitado em Decreto-Lei: “é completamente livre o ensino

primário e secundário no município da Corte e o superior em todo o Império, salvo

a inspeção necessária para garantir as condições de moralidade e hygiene (sic)”.

(DECRETO-LEI, 1879, art. I, p. 196).

Apesar da permissão supra citada havia o empecilho do reduzido número de

formandos, pois quem teria a ousadia de abrir uma escola superior em um país

cujo índice de pessoas formadas no nível secundário era insignificante? Percebe-

se, portanto, que a demanda é um fator decisivo na fundação das IES particulares,

visto que o ensino superior particular é todo aquele que depende majoritariamente

da cobrança de mensalidades, visando auto sustentabilidade.

O incentivo ao setor privado no ensino superior gerou várias críticas, pois as idéias

liberais de José Leôncio, que fundamentavam o apoio às IES particulares, eram

contrárias às de Rui Barbosa, defensor da escola pública, que acreditava na maior

propensão de as escolas públicas originarem as inovações pedagógicas, visto que

as escolas particulares eram regidas pelas leis do mercado. Análise semelhante a

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esta é feita por Sguissardi (2003), ao afirmar que apenas as instituições estatais

podem atender aos objetivos plenos das atividades do ensino superior em razão

da sua estrutura e de sua forma de gestão.

O ponto de vista de Rui Barbosa mostrava-se procedente, no que se refere à

interferência do mercado nas IES particulares. No entanto, o conceito de mercado,

definido por Sampaio, pode ser traduzido como “a equação oferta/demanda,

admitindo sua influência determinante na ocorrência dos grandes movimentos de

expansão e estagnação que se verificam na trajetória do setor privado no país nos

últimos trinta anos” (SAMPAIO, 2000, p. 24). A partir dessa definição, conclui-se

que a relação do ensino privado com o mercado fundamenta-se na capacidade de

suprir uma demanda utilizando recursos privados.

Apesar dos embates entre os liberais, incentivadores das faculdades particulares,

e os conservadores, defensores das IES públicas, somente no período da

República Velha é que surgem experiências mais concretas da iniciativa privada

no ensino superior. Segundo Boas (2004), havia apenas 14 escolas de nível

superior no Brasil, todas públicas. Nos 20 anos seguintes, porém, foram criadas

56 instituições de ensino superior, na sua maioria privadas.

De acordo com o mesmo autor acima citado, as instituições particulares dessa

época eram, basicamente, confessionais católicas ou laicas, fundadas por

senhores da elite agroexportadora da burguesia industrial insipiente.

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Ao longo da trajetória do ensino superior, percebe-se a interferência explícita da

política no sistema educacional, argumento que pode ser exemplificado com a

influência dos latifundiários no aumento das matrículas nos cursos superiores,

sobretudo nos de direito. O título acadêmico transformou-se no sonho de várias

famílias brasileiras. Para as classes mais humildes, como os colonos, o curso

superior significava ascensão social e conseqüentemente uma garantia de

emprego. Para os filhos de latifundiários, o aumento do prestígio familiar é uma

nova alternativa em caso de falência. Embora o curso superior fosse desejado por

muitos, era realidade para poucos, pois apenas um número reduzido de alunos

conseguia arcar com as despesas.

Além do Decreto-Lei 7247, anteriormente citado, destaca-se também como

apoiador à abertura de instituições particulares de ensino superior, a Constituição

de 1891. Neste documento estava explícito que o ensino era livre à iniciativa

privada e que as pessoas jurídicas de direito privado poderiam ministrar cursos

superiores, mediante autorização do governo. Além disso, era exigido o

compromisso de ministrar as matérias contidas no programa de curso das

instituições federais. Essa política privatista é interpretada por Chaves e Camargo

(2003) como uma liberdade excessiva de atuação do setor privado, transformando

a educação superior em um negócio altamente rentável.

O incentivo à abertura de faculdades particulares era quase sempre acompanhado

da tentativa de fazer com que essas faculdades tivessem a mesma estrutura das

instituições federais de ensino superior, tanto que das 24 escolas superiores

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particulares fundadas antes de 1900 várias se tornaram públicas, conforme

informação apresentada por Boas (2004). A transformação de algumas instituições

privadas em públicas denota uma dificuldade de os órgãos legisladores

contemplarem nas leis, resoluções e pareceres, as especificidades das IES

particulares no que se refere à infra-estrutura, corpo docente, perfil do aluno e

outros.

As exigências impostas pelo governo foram caracterizando-se por uma

verticalidade das reformas e das leis. Segundo Boas (2004), muitas das

sucessivas reformas no período da República Velha foram decorativas, além das

propostas apresentadas serem distantes da realidade da sala de aula, fazendo

com que houvesse uma incompatibilidade entre o escrito, o dito e o feito.

As reformas implementadas no período da República Velha ocorreram nos anos

de 1890, 1901, 1911,1915 e 1925. Em 1890, foi idealizada por Benjamim

Constant. Entre as propostas apresentadas, destaca-se a realização de três

diferentes tipos de exames, sendo o de “suficiência”, que habilitaria o candidato

para as matérias no ano seguinte. Os “finais” para as matérias concluídas. Os de

“madureza”, que possibilitavam aos alunos matricularem-se nas faculdades

federais. Os alunos que continuariam seus estudos em escolas superiores

particulares realizariam os exames em escolas oficiais, visto que o exame de

madureza concedia o título de bacharel em Ciências e Letras.

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No que tange a reforma de 1901 liderada por Epitácio Pessoa, esta culmina na

elaboração e aprovação do código dos Institutos Oficiais do Ensino Superior, que

além de incentivar as IES particulares, instituiu a figura do professor particular,

responsável por ministrar cursos livres.

A reforma de 1911 caracteriza-se pelo seu liberalismo e favorecimento explícito ao

ensino particular superior, pois, segundo Boas (2004), aboliu a ingerência do

Estado no que se refere ao ensino, embora tenha sido criado o Conselho Superior

de Ensino com caráter fiscalizador. Além desse aspecto, foi ampliada a liberdade

de ensino, bem como a reformulação dos exames superiores como sendo de

responsabilidade das faculdades. Essa medida tinha como objetivo evitar que o

curso secundário se transformasse em um pré-vestibular, situação que pode ser

percebida atualmente em muitas escolas de ensino médio. A partir dessa decisão

surge o vestibular.

Os resultados dessa reforma, que ficou conhecida como Lei Rivadávia Corrêa,

foram desastrosos, segundo análise de especialistas. As facilidades de ingresso

no ensino superior, a banalização do ensino e os poucos investimentos na

formação de professores foram agravantes nesse período.

Na seqüência de reformas, surge Carlos Máxiliano, que em 1915 foi o responsável

por mais uma reforma que pouco contribuiu para a definição de diretrizes e

melhoria da qualidade do ensino superior. A essa reforma é concedido o mérito de

“reoficializar” o ensino e o vestibular.

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Outra contribuição da reforma de 1915 refere-se à sugestão de reunir três

faculdades federais existentes no Rio de Janeiro em Universidade, que se torna

efetiva em 1920, com a criação da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ), a

primeira universidade brasileira. Após sete anos foi fundada a Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG). O Brasil demorou um século para fundar duas

universidades, tendo sido uma das últimas nações da América Latina a fundar

universidades.

Apesar da fundação das universidades, permanecia uma visão fragmentada das

ciências, pois não havia articulação entre o ensino nas três faculdades que

constituíam a UFRJ. Além dessa característica, o perfil do ensino superior

apresentava as seguintes características, de acordo com o educador Anísio

Teixeira4 (citado por Boas, 2004, p. 81):

No ensino superior dessa época, a didática se baseava no livro, na confiança, e no autodidatismo. Muitas vezes tal processo era ainda mais empobrecido pelo uso de apostilas, contendo resumos ou textos das aulas, lembrando a universidade medieval, ainda sem livros.

Desse modo, os cursos eram uma introdução às profissões, visando oferecer um

preparo profissional que seria adquirido na prática, fora da escola. Apenas os

cursos de medicina, é que aos poucos escaparam a esse tipo de ensino oral e,

gradualmente, introduziram uma formação com prática profissional.

4 TEIXEIRA, Anísio. Uma perspectiva da educação superior no Brasil. In:Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, vol. 50, n.111, 1968, p.21-82.

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Apesar de o Brasil já ter passado por várias reformas, as orientações mais

consistentes para o ensino superior começam a ser delineadas a partir da reforma

do Ministro Francisco Campos, pois abrangem as questões administrativas,

escolha dos docentes e organização estudantil, tanto das IES particulares quanto

públicas.

Sampaio (2000) apresenta uma retrospectiva histórica que destaca o período de

1933 a 1965 como o momento de consolidação e participação relativa do setor

privado. Já o período de 1965 a 1980, como um momento correspondente à

mudança de patamar das matrículas privadas, bem como de predominância desse

setor no sistema de ensino superior.

O crescimento do número de matrículas foi superior a 700%. Percebe-se também

que nesse período houve uma modificação no perfil estudantil, pois com o curso

noturno e a oferta de cursos no interior, algumas pessoas das classes mais pobres

conseguiram ter acesso ao curso superior.

A expansão quantitativa do ensino superior também é enfatizada como notória,

por Boas (2004), que demonstra que, no período de 1960 a 1967, foram criadas

267 novas IES, das quais a maioria era privada. As matrículas somavam 180 mil,

sendo que 82 mil dessas eram das IES particulares.

Em 1966, o setor privado ultrapassou o público em relação ao número de alunos

matriculados, chegando a 50,5% do total em 1970. Esse acontecimento gerou

várias especulações a respeito da privatização deliberada do ensino superior. Na

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análise de Sampaio (2000), fica nítida a velocidade do crescimento das IES

particulares com maior intensidade do que a do setor público. Para a autora, o

setor privado respondeu a duas demandas: a demanda da clientela estudantil por

ensino superior e a demanda do mercado ocupacional por pessoas portadoras de

diploma de ensino superior. Na década de 60 também houve um crescimento do

setor público, no entanto esse não se orientou necessariamente para uma

demanda de massa.

A expansão quantitativa das IES nem sempre é acompanhada por índices

qualitativos, principalmente porque o ensino superior teve que adaptar-se a varias

condições. Tais adaptações foram intensas para o setor privado que sempre teve

que se adequar às exigências do MEC. Anísio Teixeira, apud Boas (2004), faz

críticas a tantas adaptações necessárias.

[...] não é possível o professor cheio de honras, mas de tempo parcial; não é possível estudante selecionado, mas ocupado com seu trabalho, dando tempo parcial à escola; não é possível o tempo escasso e obtido a custo em horas fugazes à tarde e à noite; não é possível a falta de espaço para o professor, para o aluno, para a biblioteca, para o equipamento, reduzido afinal a simples espaço destinado a preleções orais; não é possível o curso enciclopédico para aprender de tudo um pouco e nada em profundidade (Boas 2004, p. 74)

Apesar das críticas relativas à situação das IES, Sampaio (2000) descreve que o

crescimento das IES particulares ocorreu, sobretudo em cursos, que em uma

análise mais superficial, não demandam infra-estrutura sofisticada, laboratórios e

que não exigem dedicação exclusiva, tanto de docentes quanto de discentes.

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Além disso, devido à possibilidade de realização do curso em apenas um turno,

preferencialmente o noturno, tendo em vista que a demanda emergente

concentrava-se entre as mulheres de baixa renda e trabalhadores.

Em suma, o perfil do aluno no ensino superior privado, ao longo da década de 70,

inclui, além de “jovens recém-egressos do curso secundário, pessoas mis velhas,

já empregadas, que não tinham oportunidade de estudar e que viam no ensino

superior uma possibilidade de melhoria no mercado ocupacional” (Sampaio, 2004,

p. 63).

A análise da evolução da população discente em cursos de graduação por área de

conhecimento, entre os anos de 1995-1999, realizada pelo INEP, demonstra que

os maiores índices de alunos concentram-se nas áreas de ciências sociais

aplicadas e ciências humanas, respectivamente.

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Evolução da população discente em cursos de graduação, por Área de

Conhecimento – 1995-1999

Fonte: INEP (www.inep.gov.br)

A partir dos dados do INEP (2002), percebe-se que essas características

prevalecem na atualidade, visto que 67% dos alunos das IES particulares estão

matriculados em cursos noturnos. No que se refere às universidades públicas, o

percentual de alunos nos cursos noturnos varia de 15% a 23%.

Em 2002, 70% dos alunos matriculados estudavam em IES particulares. Esse

dado demonstra a relevância do setor na formação de alunos nesse nível de

ensino. A alavancagem das IES particulares ocorre principalmente a partir de

1960, quando o número de alunos excedentes das universidades públicas chega a

28.728, segundo Boas (2004). Inicia-se, portanto, uma pressão social para o

aumento das vagas na rede pública. No entanto o governo, podendo atender a

Áreas de conhecimento 1995(%) 1996 (%) 1998 (%) 1999 (%)

Ciências Exatas e da terra 9,9 10,3 12,6 10,0

Ciências Biológicas 1,7 1,6 1,8 1,9

Engenharia/Tecnologia 6,7 8,6 7,8 7,5

Ciências da Saúde 13,3 12,3 9,1 12,7

Ciências agrárias 2,2 2,7 2,7 2,6

Ciências Sociais Aplicadas 37,9 42,6 44,2 43,3

Ciências Humanas 20,8 15,5 15,3 15,4

Línguas, Letras e Artes 7,5 6,4 6,5 6,6

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

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essa solicitação, decidiu motivar o desenvolvimento das IES particulares, apoio

este manifestado principalmente pela Lei de Diretrizes e Bases de 1961 e reforma

universitária em 1968.

A LDB de 1961 determinou que o ensino superior seria ministrado em

estabelecimentos agrupados ou não em universidades, com cooperação de

institutos de pesquisa e centros de treinamento profissional.

Apesar da abertura permitida pela legislação, percebe-se uma preocupação com a

expansão, mantendo a qualidade do ensino a ser ministrado por essas

instituições, tanto que a LDB estabeleceu três órgãos legisladores do ensino

superior: as universidades, conselhos estaduais e conselho federal.

As universidades tinham autonomia para criação de novos cursos, já as IES

particulares e faculdades isoladas tinham que submeter seus projetos

institucionais aos conselhos citados.

Autorizar cursos ou escolas experimentais bem como experiências pedagógicas para os estabelecimentos isolados de ensino superior, federais e particulares e de unidades não compreendidas no artigo da Lei nº4.024/61; conceituar os cursos de pós-graduação, fixar regras para o seu credenciamento e credenciá-los caso por caso; fixar os currículos mínimos e a duração mínima dos cursos superiores correspondentes a profissões reguladas por lei e de outros necessários ao desenvolvimento nacional; aprovar os regimentos das escolas isoladas de ensino superior e os estatutos e regimentos gerais de universidades sujeitos à sua jurisdição (Boas, 2004, p. 72 - 73).

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A função exercida pelos conselhos é semelhante a dos órgãos legisladores do

ensino superior, ou seja, cabe a essas instituições na atualidade, assessorar,

legislar e acompanhar o desenvolvimento de cursos superiores nas mais variadas

áreas do conhecimento.

Considerações Finais

Diante do exposto, pode-se concluir que a expansão do ensino superior privado no

Brasil não significa necessariamente uma democratização do ensino, pois o

número de pessoas que ainda não possuem acesso a esse nível educacional

ainda é bastante significativo. Segundo o censo do IBGE (2001), o nível de

escolaridade dos brasileiros varia em média de 4 a 6 anos de estudos. No entanto,

a afirmação de que o crescimento do número de IES particulares tem unicamente

um caráter mercantilista também é precipitado, tanto que as políticas e programas

de incentivo e bolsas têm crescido, embora não sejam extensivos a toda

população de baixa renda.

Verifica-se, portanto, a partir dos principais aspectos históricos do ensino superior,

que a análise de vários pesquisadores sobre essa temática aponta para uma

noção de complementaridade entre os setores público e privado do ensino

superior brasileiro. O ensino público assume uma concepção educacional

intimamente ligada ao ensino e à pesquisa, o que gera altos custos e pode ser

interpretado como um dos fatores que impede a expansão dessas instituições. Já

o setor privado assume uma universidade que prima pela formação profissional e

por isso torna-se capaz de atender a um público maior.

Em ambos os setores, é fundamental que o processo educacional esteja

consoante com o perfil do aluno de cada instituição. Além disso, há que haver

coerência na articulação indissociável entre ensino, pesquisa e extensão pelas

IES.

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Abstract

Private tertiary schools have an important role in the history of Brazilian tertiary education, considering their reach and expansion ratio tendo em vista a sua abrangência e velocidade de expansão, notadamente na década de 60. A trajetória do ensino superior particular é analisada por alguns autores como uma possibilidade de democratização do acesso e criticada por outros como uma política privatista e de vocação mercantilista. Ambas as interpretações são necessárias à formação de uma visão crítica sobre a importância da complementariedade entre o setor público e privado na busca de um delineamento histórico da expansão do ensino superior privado no Brasil.

Keywords: Ensino superior. Setor privado. Expansão. Reforma educacional.

Referência Bibliográfica BICALHO, Maria Gabriela Parenti. Ensino superior privado, relação com o saber e reconstrução identitária. 2004. 194f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004, p. 87-194. BOAS, Sérgio Vilas. Ensino superior particular: um vôo histórico. São Paulo: Editora Segmento, 2004. 134p. BRASIL. Decreto n. 7247 de 19 de abril de 1879. Reforma o ensino privado e secundário no Município da Corte e o ensino superior em todo o Império. Actos do poder executivo, 20 abr 1879. 215 p. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legislação/publicações/doimperio. Acesso em: 20 fev. 2007. CHAVES, Vera Lúcia Jacob; CAMARGO, Arlete. Acesso e expansão do ensino superior em Belém: o público e o privado em questão. In: Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação. 26ª, Caxambu, 2003. DC ROM 26ª Reunião Anual da Anped. EDUCAÇÃO, Ministério da. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Desenvolvido pelo Ministério da Educação, Brasília. Apresenta informações a respeito do ensino superior. Disponível em <http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior>. Acesso em: 15 de jan. 2007. LEITE, Denise. Aprendizagens do estudante universitário. In: LEITE, Denise; MOROSINI, Marília (Org). Universidade Futurante: Produção do Ensino e Inovação. Campinas: Papirus, 1997. p. 147-169.

Page 19: Ensino superior particular no brasil

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