ensino mÉdio mÓdulo 07 - núcleo estadual de … · apostila de literatura ensino mÉdio mÓdulo...

17
NÚCLEO ESTADUAL DE JOVENS E ADULTOS-CULTURA POPULAR CONSTRUINDO UM NOVO MUNDO APOSTILA DE LITERATURA ENSINO MÉDIO MÓDULO 07 PROFª: ELAINE MARIA EITELWEIN

Upload: lekiet

Post on 17-Sep-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

NÚCLEO ESTADUAL DE JOVENS E ADULTOS-CULTURA POPULAR

CONSTRUINDO UM NOVO MUNDO

APOSTILA DE LITERATURA

ENSINO MÉDIO

MÓDULO 07

PROFª: ELAINE MARIA EITELWEIN

GÊNESIS

No princípio era o verbo. Aí o homem conjugou-o com o predicado e os

complementos para escrever frases, parágrafos e, finalmente, uma história inteira. E o

homem viu que isso era bom. Então, pensou que aquele relato tão precioso poderia

entrar por um ouvido e sair pelo outro do seu interlocutor, perdendo-se para sempre.

Resolveu registrá-lo na pedra. Era muito trabalhoso. Usou então a argila, mas na

primeira chuva seu trabalho foi por água abaixo. Veio o papiro e, logo em seguida, o

papel, mas era uma mão de obra copiar o mesmo texto várias vezes para possibilitar que

chegasse a um número maior de pessoas. Aí o alemão aquele bolou o tipo móvel e ficou

mais fácil de armazenar as letrinhas no seu invólucro perfeito, um bloco de folhas finas

protegido por capas mais grossas, fácil de manusear, fácil de carregar, facílimo de ler.

O homem, então, criou o livro. Soprou a poeira de sua superfície e deu-lhe vida

própria.Estava criado um objeto mágico, capaz de abrigar todo o conhecimento do

universo, todas as emoções humanas, todas as realidades e todos os sonhos, toda a

imaginação e todas as aventuras, todas as crenças e todo o ceticismo.

Tudo pode ser encontrado nessa verdadeira caixinha de surpresas: a origem do

mundo e a origem das espécies, a guerra e a paz, o som e a fúria, o orgulho e o

preconceito, o senhor das moscas e o senhor dos anéis, a ilíada e a odisseia, a divina

comédia e a comédia da vida privada, a interpretação dos sonhos e o sonho eterno, a

matéria escura e a luz de agosto, o homem invisível e o homem que calculava, a idade

da inocência e a idade da razão, o pequeno príncipe e o grande mentecapto, a revolução

dos bichos e a revolução do amor, as mil e uma noites e cem anos de solidão.

É, também, o endereço comum de personagens reais ou fantásticos que em

algum momento cruzaram por nossas vidas: Dom Quixote de La Mancha, Sherazade,

Harry Potter, Ulisses, Lolita, Madame Bovary, Hamlet, Otelo, Frankenstein, Dorian

Gray, Peter Pan, Ed Mort, Sherlock Holmes, James Bond, Robinson Crusoé, Gulliver,

Percy Jackson, Ana Karenina, Capitu, Blimunda, Fausto, Aureliano Buendía e centenas

de outros que habitarão para sempre os nossos corações e mentes.

O livro, essa divina criação humana, esse enigma a ser decifrado, esse manual de

civilidade, esse objeto perfeito que haverá de resistir ao apocalipse digital, espera por

nós entre os jacarandás floridos do jardim do éden gaúcho, que modestamente

chamamos de Praça da Alfândega.

Nilson Souza, Jornal Zero Hora, 02/11/2013. P. 33.

O QUE É LITERATURA?

A literatura é uma das formas de expressão artísticas do ser humano, juntamente

com a música, a pintura, a dança, a escultura, o teatro, etc. Assim como o material da

escultura são as formas e os volumes e o da pintura são as formas e as cores, o material

básico da literatura é a palavra.

Como parte integrante da cultura, a literatura já passou por diferentes formas de

expressão, de acordo com o momento histórico e com a situação de produção. Na

Grécia antiga e na Idade Média, por exemplo, sua transmissão ocorria basicamente de

forma oral, já que pouquíssimas pessoas eram alfabetizadas. Nos dias de hoje, em que

predomina a cultura escrita, os textos literários são escritos para serem lidos

silenciosamente pelos leitores. Contudo, juntamente com o registro escrito da literatura,

publicada em livros e revistas, há outros suportes que levam o texto até o público, como

CD, a internet e inúmeras adaptações feitas para o cinema e a TV.

Estilos de Época: adequação e superação

O ser humano se modifica através dos tempos: muda sua forma de pensar, de

sentir e de ver o mundo. Consequentemente, promove mudança nos valores, nas

ideologias, nas religiões, na moral, nos sentimentos. Por isso é natural que as obras

literárias apresentem características próprias do momento histórico em que são

produzidas. Ao conjunto de textos que apresentam certas características comuns

em determinado momento histórico, chamamos de estilo de época ou movimento

literário.

OS GÊNEROS LITERÁRIOS:

Entre os gêneros discursivos, existem aqueles que são próprios da esfera artística

e cultural e são utilizados com a finalidade estética, artística: os gêneros

literários.Como o escritor tem liberdade para criar e recriar gêneros literários, é difícil

traçar fronteiras entre estes. Há três gêneros literários básicos: o lírico, o épico e o

dramático.

Veja, na tabela abaixo, as características básicas destes gêneros:

Gênero lírico Gênero épico Gênero dramático Gêneros narrativos

modernos

Manifestação de um

“eu lírico” que

expressa no texto o

seu mundo interior.

Há um narradorque

conta uma história

em versos, em longo

poema que ressalta a

figura de um herói e

feitos gloriosos.

Expõe o conflito dos

homens e seu mundo.

São textos para serem

encenados. Ao in de

um narrador a

história e encenada

no palco.

O romance, a novela,

o conto e a crônica.

TEXTO LITERÁRIO E TEXTO NÃO LITERÁRIO

Um texto literário precisa ter versos, rimas, e palavras diferentes das que usamos

no dia-a-dia? Precisa falar de um mundo imaginário, distante da realidade em que

vivemos?

Não, não precisa. Para ser literário, o texto deve apresentar uma linguagem

literária, isto é, uma linguagem em que se encontram recursos expressivos que chamam

a atenção para o modo como ela própria está constituída.

Observe no texto 1 e no texto 2 exemplos de textos com o mesmo tema, mas

escritos com linguagens diferentes:

Texto1: não literário

Texto 2: Literário

Descuidar do lixo é sujeira

Diariamente, duas horas antes da chegada do caminhão da

prefeitura, a gerência (de uma das filiais do McDonald’s)

deposita na calçada, dezenas de sacos plásticos recheados de

papelão, isopor, retos de sanduíches. Isso acaba proporcionando

um lamentável banquete de mendigos. Dezenas deles vão ali

revirar o material e acabam deixando os restos espalhados pelo

calçadão.Veja. São Paulo, 23/12/92. P. 24.

Revista Veja, Sã o Paulo, 23/12/92.)

O Bicho

(Manuel Bandeira) Vi ontem um bicho, Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão Não era um gato Não era um rato. O bicho, meu Deus! Era um homem.

A literatura trabalha com texto literário.

A literatura é visão do autor que escreve.

FIGURAS DE LINGUAGEM:

Aliteração:

A cor a coragem

cora coração

Abecê abecedário

Opera Operário

Pé no pé no chão

( Linha de Montagem. Chico Buarque .Ópera operário.)

Observe, nesses versos de Chico Buarque, a repetição de vários fonemas em

diferentes palavras. Ele utilizou um recurso de linguagem chamado aliteração, que é a

repetição intencional de fonemas para produzir os efeitos desejados.

Eufemismo

O eufemismo consiste no emprego de palavras ou expressões suaves no lugar de

expressões rudes, desagradáveis, chocantes.

Comparação

“O chocolate foi se transformando numa massa viscosa e amarga. Engoliu-o

com esforço, como se fosse uma bola de papel”.

Na comparação há sempre dois seres, objetos ou ideias expressas, ligados por

uma palavra comparativa (como, tal, qual, etc.) que estabelece uma relação de

semelhanças entre os dois termos comparados.

Metáfora

Onomatopeia:

Comparação: O Rio é como um ferido. São

Paulo é como segunda-feira.

Metáfora: “O Rio é um ferido. São Paulo é uma

segunda-feira.”

“O Rio é um ferido, São Paulo é

uma segunda-feira”

Arnaldo Jabor. Sanduíches da

realidade. Objetiva.

Onomatopeia: é um recurso de linguagem

que consiste em imitar sons e ruídos dos seres

de palavras. Aqui, é comum o uso do ponto de

exclamação.

NOITE DE SÃO JOÃO

Vamos ver quem é que sabe soltar

fogos de são João?

Foguetes, bombas, chuvinhas,

chios,chuveiros,chiando,

chiando,

chovendo

chuvas de fogo!

Chá-bum!

Chamalotes, checoslavos,

enchem o chão

de chamas rubras.

Chagas de enchofre chineses

Chiam,

Choram,

Cheiram

(Trecho do poema Noite de S. João, de Jorge de Lima(Poemas, 1927))

Hipérbole: consiste no emprego de palavras que expressam uma ideia de exagero de

forma intencional.

Ex: Ela chorou um rio de lágrimas

Antítese:é uma figura de linguagem que consiste no uso de palavras ou ideias de

sentido contrário. (A palavra nasce-me, fere-me, mata-me, ressuscita-me).

Soneto da Separação

De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto

(Vinícius de Moraes. Para Viver um grande amor. São Paulo: José Olympío.1984

Prosopeia (Personificação)

A prosopopeia ou personificação se dá quando atribuímos a animais ou seres

inanimados ações e sentimentos próprios do ser humano.

Como um zumbi de mamangava ouve-se o estrondo da cachoeira a vida inteira a

bater bumbo, a bater bumbo, a bater bumbo.

Perífrase:

Observe:

a) O patriarca da independência ( para dizer “Jose Bonifácio”).

b) O rei das selvas (para dizer “leão”).

c) O navio do deserto (para dizer “camelo”).

Perífrase ou circunlocução consiste no emprego de várias palavras para

designar um ser através de alguma de suas qualidades ou atributos.

Na linguagem coloquial, ou seja, na linguagem do dia a dia, usamos as palavras

conforme as situações que nos são apresentadas. Por exemplo, quando alguém diz a

frase: “Isso é um castelo de areia”: Em sentido denotativo, é a construção feita na

areia da praia em forma de castelo; em sentido conotativo, ocorrência incerta, sem

solidez.

Denotação: É o uso do signo em seu sentido real, ou seja, o uso da palavra em seu

sentido original.

Conotação: É o uso do signo em sentido figurado, simbólico, ou seja, o uso da palavra,

dando-lhe outro significado, que não o original; um sentido figurado.

Por exemplo: Ao usarmos a palavra corda com o sentido de, segundo o

Houaiss, feixe alongado de fibras vegetais (sisal, cânhamo, etc.) ou matéria flexível

similar, torcidas em espiral, de grossura e comprimento variáveis, usamo-la no

sentido real, original. Isso é denotação. Eis uma frase:

- A corda era muito fina, por isso não resistiu ao peso dele e se arrebentou.

Ao usarmos a palavra corda com o sentido de, segundo o Houaiss, boa

disposição física e mental; energia, vigor, usamo-la no sentido figurado. Isso é

conotação. Eis uma frase:

- Hoje ele está com a corda toda.

DENOTAÇÃO

Temos denotação quando a palavra

é empregada no seu sentido real,

comum, literal. É usada na

linguagem científica, informativa,

sem preocupação.

CONOTAÇÃO

Temos conotação quando a palavra

assume um sentido fora, um sentido

figurado poético. A conotação é muito

usada na linguagem literária.

A LITERATURA DE CATEQUESE

Os jesuítas vindos ao Brasil com a missão de catequizar os índios

deixaram inúmeras cartas, tratados descritivos, crônicas históricas e poemas.

Naturalmente, toda essa produção está diretamente ligada à intenção catequética de seus

autores, entre os quais se destacam os padres Manuel da Nóbrega, Fernão Cardim e

principalmente, pelas qualidades literárias, José de Anchieta.

José de Anchieta ( 1534 – 1597) nasceu nas ilhas Canárias, Espanha, e

faleceu em Reritiba, atual Anchieta, no estado do Espírito Santo. Veio ao Brasil para

trabalhar com o padre Manuel da Nóbrega e participou da fundação das cidades de São

Paulo e do Rio de Janeiro.

Sua obra representa a parte melhor do Quinhentismo brasileiro. Escreveu poesias

religiosas, além de crônica histórica e uma gramática do tupi. Foi também autor de

peças teatrais, escritas com a finalidade de ajudar na educação espiritual dos colonos e

catequese dos índios.

Os primeiros textos escritos no Brasil geralmente não tinham uma função

propriamente literária, pois atendiam finalidades específicas, tanto os padres e

religiosos, que na aqui aportavam com a finalidade de catequizar os índios,

quanto os navegantes, interessados em descrever e explorar a terra recém-

descoberta.

Entre os religiosos que aqui estivera, destacam-seJose de Anchieta e

Manuel da Nóbrega. Anchieta(1534-1597) escreveu vários tipos de textos com

finalidade pedagógica como poemas, hinos, canções e autos(gênero teatral

originado da Idade Média), além de cartas que informavam sobre o andamento da

catequese no Brasil e de uma gramática da língua tupi.

Indiferente às novidades de conteúdo e forma e formas trazidas pelo

Renascimento, Anchieta seguia os modelos literários medievais, fazendo uso da

medida velha ( redondilhada), como exemplo estes versos:

A SANTA INÊS

Cordeirinha linda,

como folga o povo

porque vossa vinda

lhe dá lume novo!

Cordeirinha santa,

de Iesu querida,

vossa santa vinda

o diabo espanta.

Jose de Anchieta

“De ponta a ponta é toda praia rasa, muito plana e bem formosa. Pelo sertão,

pareceu-nos do mar muito grande, porque a estender a vista não podíamos ver senão terra

e arvoredos, parecendo-nos terra muito longa. Nela, até agora não podemos saber que

haja nem ouro, nem prata, nem nenhuma coisa de metal, nem de ferro; nem as vimos.

Mas, a terra em si é muito boa de ares, tão frios e temperados, como os de Entre-Douro e

Minho, porque neste tempo de agora, assim os achávamos como os de lá. Águas são

muitas e infindas. De tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la dar-se-á nela tudo

por bem das águas que tem. Mas o melhor fruto que nela se deve lançar, me parece que

será salvar esta gente; e esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve

lançar.”

(In: Cronistas viajantes: São Paulo: Abril Educação, 1982. P. 12-23. Literatura Comentada.

A feição deles é serem pardos,

quase avermelhados, de rostos

regulares e narizes bem feitos;

andam nus sem nenhuma

cobertura; nem se importam de

cobrir nenhuma coisa, nem de

mostra suas vergonhas. E sobre

isso são tão inocentes, como em

mostra o rosto.

LITERATURA DE INFORMAÇÃO

Os escritores que produziram a Literatura de informação não revelam nenhum

sentimento de apego à terra conquistada, concebida como espécie de extensão da

metrópole, “Um Portugal nos trópicos.” Apesar disso a Literatura de Informação deixou

como herança um conjunto inesgotável de sugestões temáticas ( os índios, as belezas

naturais da terra, nossas origens históricas) exploradas mais tarde por artistas brasileiros

de diferentes linguagens.

Os dois fragmentos, acima citados, pertencem ao primeiro texto escrito

em nosso país: a Carta de Pero Vaz de Caminha. Essa carta e muitos outros textos em

forma de cartas de viagens, diários de navegação e tratados descritivos formam a

chamada literatura de informação.

Embora guardem pouco valor literário, esses escritos têm importância

hoje, principalmente pelo significado como valor histórico, seja como testemunho do

espírito aventureiro da expansão marítima e comercial nos séculos XV e XVI, seja

como registro do choque cultural entre colonizadores e colonizados.

INTERTERXTUALIDADE: é a relação entre dois ou mais textos caracterizados por

um citar o outro. Observe os textos abaixo, em suas diversas tipologias, e perceba que o

assunto que os une é o descobrimento do Brasil.

Texto 1:

De ponta a ponta é toda praia rasa, muito plana e bem formosa. Pelo sertão pareceu-nos

do mar muito grande, porque a estender a vista não podíamos ver senão terá e

arvoredos, parecendo-nos terá muito longa. Nela, até agora, não pudemos saber que

haja ouro nem prata, nem nenhuma coisa de metal, nem de ferro; nem as vimos. Mas, a

terá em si é muito boa de ares,(...) Mas o melhor fruto que nela se pode fazer, me

parece que será salvar esta gente; e esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza

nela deve lançar. Carta dePero Vazde Caminha :fragmentos.

Texto 2:

A descoberta

Seguimos nosso caminho por este

mar longo

Até a oitava de Páscoa

Topamos aves

E houvemos vista de terra

(Pau Brasil, 2. Ed. São Paulo: Globo,

2003. P. 107)

Texto 3:

Há diferentes tipos de intertextualidade. A intertextualidade pode ter uma base

temática, quando os textos apresentam um tema em comum (caso dos exemplos acima),

uma determinada ideologia ou visão de mundo; por exemplo a que ocorre entre a

tragédia grega Medeia, de Eurípedes, e a peça teatral Gota d’água, de Chico

Buarque, uma versão moderna desse texto. Também pode ter uma base estilística,

quando um texto, como, por exemplo, o emprego de palavras, expressões ou estruturas

sintáticas similares.

Entre os diferentes níveis de intertextualidade, há alguns mais sofisticados, em

que a relação entre o texto e o intertexto não é apenas a de uma mera citação.

Leia os versos de dois poetas de épocas diferentes:

Meus oito anos

Oh! Que saudade que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que os anos não trazem mais

Que amor, que sonhos, que flores

Naquelas tardes fagueiras

À sombra das bananeiras,

Debaixo dos laranjais!

(...)

(Casimiro de Abreu. Poesias Completas de Casimiro de Abreu. Rio de janeiro: Ediouro. P. 19-20)

Meus oito anos

Oh que saudades que eu tenho

Da aurora da minha vida

Das horas

De minha infância querida

Que os anos não trazem mais

Naquele quintal de terra

Da Rua de Santo Antônio

Debaixo da bananeira

Sem nenhum laranjais.

(...) ( Oswald de Andrade. Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade. 4 ed. São Paulo: Globo; 2006.

P. 52.)

O primeiro texto, de Casimiro de Abreu, foi escrito no século XIX; o segundo,

de Oswald de Andrade, foi escrito no século XX. As semelhanças entre os textos são

evidentes, pois o assunto deles é o mesmo e há versos inteiros que se repetem. Portanto,

o segundo texto cita o primeiro, estabelecendo com ele uma relação intertextual.

Observe que o segundo texto tem uma visão diferente da apresentada pelo

primeiro. Neste, tudo na infância parece ser perfeito. Já, no segundo texto, os elementos

perfeitos são substituídos por um simples:“ quintal de terra”, um espaço comum, sem

idealizações. Além disso, com o verso “sem nenhum laranjais”, Oswald de Andrade

ironiza Casimiro de Abreu, como que dizendo: na minha infância também havia

bananeiras, mas não havia os tais “laranjais”, que Casimiro cita no poema.

Observe que Oswald de Andrade, com seu poema, não apenas cita o poema de

Casimiro de Abreu, ele também critica esse poema, pois considera irreal a visão que

Casimiro tem da infância. Na opinião de Oswald, infância de verdade, no Brasil, se faz

com crianças brincando em quintal de terra, embaixo de bananeiras, e não com crianças

sonhando embaixo de bananeiras.

Nesse tipo de relação estabelecida entre textos, não há apenas intertextualidade.

Há uma relação mais abrangente, que envolve dois discursos poéticos distintos, duas

formas diferentes de ver a infância: a de Casimiro de Abreu, mais delicada e romântica;

e a de Oswald de Andrade, moderna e antissentimental. A esse tipo de relação entre

discursos, quando se evidenciam os elementos da situação de produção – quem faz, para

que, em que momento histórico, com qual finalidade, etc. – chamamos

interdiscursividade.

Interdiscursividade é a relação entre dois discursos caracterizada por um

citar o outro.

O tipo de relação existente entre dois textos também é chamado de paródia.

Paródia é um tipo de relação intertextual em que um texto cita o outro

geralmente com o objetivo de fazer-lhe uma crítica ou inverter ou distorcer suas

ideias.

O BARROCO NO BRASIL( séc. XVII)

O Brasil presenciava o nascer de uma literatura própria, embora ainda frágil e

presa aos modelos lusitanos, ainda restritos a uma elite muito pequena e culta e ainda

sem poder contar com um público consumidor ativo e influente. Mas começavam a

despontar os primeiros escritores nascidos na colônia e, com eles, surgiam as primeiras

manifestações do sentimento nativista, (de valorização da terra natal).

O Barroco brasileiro surgiu nesse contexto. O Brasil era um centro de comercio,

de exploração da cana-de-açúcar; violência, em que se escravizavam os negros e se

perseguia os índios. Aqueles que escreviam encontravam na literatura uma maneira de

denunciar a ganância da mentalidade colonialista ou para moralizar a população com

princípios da religião, ou ainda, para dar vazão aos sentimentos pessoais mais

profundos.

A obra considerada, tradicionalmente o marco inicial do Barroco brasileiro é

Prosopopéia (1601), de Bento Teixeira, poema que procura imitar os lusíadas.

O Barroco no Brasil só ganhou impulso entre 1720 e 1750, quando foram

fundadas várias academias literárias no Brasil.

A descoberta do ouro, em Minas Gerais, possibilitou o desenvolvimento de um

Barroco tardio nas artes plásticas, que resultou na construção de igrejas de estilo barroco

durante todo o século XVIII.

Os escritores que mais se destacaram foram:

Na poesia:

Gregório de Matos; Bento Teixeira ;Botelho de Oliveira; Frei Itaparica

Na prosa:

Pe. Antônio Vieira; Sebastião da Rocha Pita; Nuno Marques Pereira.

Gregório de Matos: adequação e irrelevância

Gregório de Matos (1636-1695) foi o maior poeta barroco brasileiro e um dos

primeiros a criar a poesia lírica e a poesia satírica no país. A lírica-amorosa é

fortemente marcada pelo dualismo amoroso carne/espírito, que leva normalmente a um

sentimento de culpa espiritual. A mulher, muitas vezes, é personificação do próprio

pecado, da perdição espiritual. A lírica-religiosa há frequente presença de temas como

a culpa e o amor a Deus.

Conhecido também como “O Boca do inferno”, em razão de suas sátiras,

Gregório de matos é um dos principais e mais ferinos representantes da literatura

satírica na língua portuguesa. Não poupou ninguém na sua linguagem, nem palavrões

nem críticas a todas as classes da sociedade baiana de seu tempo. Criticava o

governador, o clero, os comerciantes, os negros, os mulatos, etc.

Perceba que no poema amoroso (a lírica), a mulher, inicialmente identificada

com a figura de um anjo (que remete à pureza angelical contida no próprio nome

Ângela) e depois com a grandeza maior, o Sol, é vista como ser superior, dotado de

grandezas absolutas e inacessíveis.

Poema Religioso: Poema Lírico - amoroso:

Poema satírico:

Gregório de Matos nasceu em Salvador, na Bahia, no dia 23 de dezembro de 1636.

Estudou Humanidades no Colégio dos Jesuítas e em seguida foi estudar Direito na

Universidade de Coimbra. Foi curador de órfãos e em seguida nomeado juiz criminal em

Alcácer do Sal. Já ensaiava seus primeiros poemas satíricos.

Em 1681, voltou ao Brasil, recebendo do arcebispo o cargo de vigário geral e

tesoureiro mor., mas sem obedecer às ordens eclesiásticas, foi logo deposto. Devido às suas

sátiras, foi perseguido pelo governador da Bahia.

Depois de se casar com a viúva Maria dos Povos e exercer a função de advogado,

abandonou tudo e saiu pelo Recôncavo como cantador itinerante, dedicando-se às sátiras e aos

poemas eróticos e irônicos, motivo pelo qual foi degredado para a Angola, na África. Voltou

ao Brasil, doente, e impedido de entrar na Bahia, foi para a cidade do Recife, em Pernambuco.

Não vira em minha formosura,

Ouvia falar dela todo dia,

E ouvida me incitava, e me movia

A querer ver tão bela arquitetura:

Ontem a vi por minha desventura

Na cara, no bom ar, na galhardia

De uma mulher, que em Anjo se mentia;

De um Sol, que se trajava em criatura:

Matem-me, disse eu, vendo abrasar-me,

Se esta a cousa não é, que encarecer-me

Sabia o mundo, e tanto exagerar-me:

Olhos meus, disse então por defender-me,

Se a beleza hei de ver para matar-me,

Antes olhos cegueis, do que eu perde-me

Soneto a Nosso Senhor

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,

Da vossa alta clemência me despido;

Porque quanto mais tenho delinquido

Vos tem a perdoar mais empenhado.

Se basta a voz irar tanto pecado,

A abrandar-vos sobeja um só gemido:

Que a mesma culpa que vos há ofendido,

Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada

Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirmais na sacra história.

Eu sou, Senhor a ovelha desgarrada,

Recobrai-a; e não queirais, pastor divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Que falta nesta cidade............. Verdade

Que mais por sua desonra.........Honra

Falta mais do que lhe ponha......Vergonha

O demo a viver se exponha,

Por mais que a fama a exalta,

Numa cidade, onde falta

Verdade, Honra, Vergonha.

( Gregório de Matos. Poesias selecionadas. São Paulo: FTD, 1993. P. 126-7.)

As principais características barrocas são:

Conflito entre visão antropocêntrica e teocêntrica;

Oposição entre fé e razão;

Cristianismo;

Morbidez;

Idealização amorosas; sensualismo e sentimento de culpa cristão;

Consciência de efemeridade do tempo;

Gosto por raciocínios complexos, intricados, desenvolvidos em parábolas e

narrativas bíblicas;

Diferentemente do Barroco europeu, que se voltou principalmente às exigências

de um público aristocrático, o Barroco brasileiro nasceu e se desenvolveu em condições

bastante diferentes, ganhando características próprias, como as que se veem na poesia

do baiano Gregório de Matos.

A realidade brasileira, à época do Barroco, não era muito diferente da

portuguesa. Tratava-sede um centro de comércio, de exploração da cana - de – açúcar;

de uma realidade de violência, em que se escravizava o negro e se perseguia o índio.

Não se via por aqui o luxo e a pompa da aristocracia europeia, que, como público

consumidor, apreciava e estimulava o refinamento da arte.

BIBLIOGRAFIA

Linguagens e Culturas: Linguagem e códigos: ensino médio: educação de jovens

e adultos/ Neide Aparecida de Almeida...(et al). 1 ed. São Paulo: Global, 2013.

Português Linguagens: volume 1 / Willian Roberto Cereja, Thereza Cochar

Magalhães - 7 ed. Reform. – São Paulo: Saraiva, 2010.

Português: literatura, gramática, produção de texto/ Leila Lauar Sarmento,

Douglas Tufano. – 1 ed. – São Paulo: Moderna, 2010.

Língua e Literatura: vol. 03/ Carlos Emílio Faraco & Francisco Marto Moura. 19

ed.- São Paulo: Ática, 1998.

Nilson Souza. Jornal Zero Hora, 02 de novembro de 2013. Opinião. P. 23

.

LISPECTOR, Clarice. O Mistério do Coelho Pensante. São Paulo: Rocco.

NETO, João Cabral de Melo Neto. Morte e Vida Severina. Editora Tuca. 1968.

Poemas escolhidos de Gregório de Matos/ seleção de José Miguel Wisnik. São

Paulo: Companhia das Letras.2011.

ASSIS, machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Nova

Aguiar, 1994.

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: José Olympio.

1956.

QUEIROZ, Rachel. O Quinze. São Paulo: José Olympio. S. d.