ensino de língua portuguesa: sob a perspectiva dos gêneros textuais

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219 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA SOB A PERSPECTIVA DOS GÊNEROS TEXTUAIS * Claudia Pagnoncelli * RESUMO: O presente trabalho objetiva apresentar um estudo inicial sobre os gêneros textuais fundamentado nas contribuições do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), proposto por Bronckart (1999) e Schneuwly e Dolz (2004), e outros, orientado pelas propostas dos PCNs (1998) e DCEs (2008), para o ensino de Língua Portuguesa. Considera-se objeto deste estudo livros didáticos do Ensino Fundamental para saber se estes apresentam propostas de atividades que envolvem gêneros textuais, e em que medida isso se dá. Segundo esses autores, o trabalho pedagógico envolvendo gêneros textuais proporciona uma ampliação dos conhecimentos prévios dos alunos favorecendo a autonomia destes sujeitos quanto às interações sociais, especialmente no que tange aos processos de ensino-aprendizagem de leitura e produção textual, não devendo, portanto, ater-se apenas ao ensino das características e a forma estrutural dos discursos. Quando o ensino dos gêneros é feito de forma adequada, observando-se sua função sociocomunicativa (contexto, função, finalidade, etc.), é possível promover um ensino-aprendizagem que faça sentido para o aluno, pois este vivencia a língua(gem) sendo empregada nas mais diversas situações de comunicação. PALAVRAS-CHAVE: Gêneros textuais. Ensino. Linguagem. 1. Introdução O sociointeracionismo considera a linguagem na perspectiva da interação entre sujeitos e seus contextos. Assim, a linguagem é mediada pelos e através dos gêneros textuais. O trabalho com gêneros em sala de aula é prescrito pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e pelas Diretrizes Curriculares Estaduais (DCEs) e, embora as intenções desses documentos sejam consideráveis, tais documentos não dão conta de aliar a teoria com a dinâmica da sala de aula. A prática em sala de aula é por vezes complexa e exige que o professor esteja em constante atualização. Para que o agir do professor seja bem-sucedido, é necessário, então, que o trabalho com os gêneros esteja pautado em sua didática, ou seja, em modelos que embasem o seu trabalho. Outro meio que implica na prática do professor é o livro didático. Sabemos que em alguns casos, esse é o único instrumento que o professor dispõe para guiar suas atividades. Sendo assim, temos por objetivo investigar se os livros didáticos utilizados nessa análise propõem atividades envolvendo gêneros textuais a fim de verificar como essas atividades são apresentadas, e em que medida elas são relevantes para o trabalho com os gêneros. Para essa análise, levamos em conta uma concepção sociointeracionista de língua, porque “é através dos gêneros que as práticas de linguagem se materializam nas atividades dos aprendizes” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p.63). Segundo as determinações estabelecidas pelos documentos oficiais, o ensino de Língua Portuguesa deverá ser/estar materializado através dos gêneros textuais com o objetivo de * Texto completo de trabalho apresentado na Sessão 6 - Língua Materna: docência do Eixo: Estudos de Linguística Aplicada do 4. Encontro da Rede Sul Letras, promovido pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem no Campus da Grande Florianópolis da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em Palhoça (SC). * Estudante de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR, Câmpus Pato Branco. Especialista em Letras. E-mail: [email protected] - Orientadora: Profª Drª Siderlene Muniz-Oliveira.

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ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA SOB A PERSPECTIVA DOS GÊNEROS TEXTUAIS *

Claudia Pagnoncelli*

RESUMO: O presente trabalho objetiva apresentar um estudo inicial sobre os gêneros textuais fundamentado

nas contribuições do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), proposto por Bronckart (1999) e Schneuwly e

Dolz (2004), e outros, orientado pelas propostas dos PCNs (1998) e DCEs (2008), para o ensino de Língua

Portuguesa. Considera-se objeto deste estudo livros didáticos do Ensino Fundamental para saber se estes

apresentam propostas de atividades que envolvem gêneros textuais, e em que medida isso se dá. Segundo

esses autores, o trabalho pedagógico envolvendo gêneros textuais proporciona uma ampliação dos

conhecimentos prévios dos alunos favorecendo a autonomia destes sujeitos quanto às interações sociais,

especialmente no que tange aos processos de ensino-aprendizagem de leitura e produção textual, não

devendo, portanto, ater-se apenas ao ensino das características e a forma estrutural dos discursos. Quando o

ensino dos gêneros é feito de forma adequada, observando-se sua função sociocomunicativa (contexto,

função, finalidade, etc.), é possível promover um ensino-aprendizagem que faça sentido para o aluno, pois

este vivencia a língua(gem) sendo empregada nas mais diversas situações de comunicação.

PALAVRAS-CHAVE: Gêneros textuais. Ensino. Linguagem.

1. Introdução

O sociointeracionismo considera a linguagem na perspectiva da interação entre sujeitos e seus contextos. Assim, a linguagem é mediada pelos e através dos gêneros textuais. O trabalho com gêneros em sala de aula é prescrito pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e pelas Diretrizes Curriculares Estaduais (DCEs) e, embora as intenções desses documentos sejam consideráveis, tais documentos não dão conta de aliar a teoria com a dinâmica da sala de aula. A prática em sala de aula é por vezes complexa e exige que o professor esteja em constante atualização. Para que o agir do professor seja bem-sucedido, é necessário, então, que o trabalho com os gêneros esteja pautado em sua didática, ou seja, em modelos que embasem o seu trabalho.

Outro meio que implica na prática do professor é o livro didático. Sabemos que em alguns casos, esse é o único instrumento que o professor dispõe para guiar suas atividades. Sendo assim, temos por objetivo investigar se os livros didáticos utilizados nessa análise propõem atividades envolvendo gêneros textuais a fim de verificar como essas atividades são apresentadas, e em que medida elas são relevantes para o trabalho com os gêneros. Para essa análise, levamos em conta uma concepção sociointeracionista de língua, porque “é através dos gêneros que as práticas de linguagem se materializam nas atividades dos aprendizes” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p.63).

Segundo as determinações estabelecidas pelos documentos oficiais, o ensino de Língua Portuguesa deverá ser/estar materializado através dos gêneros textuais com o objetivo de

* Texto completo de trabalho apresentado na Sessão 6 - Língua Materna: docência do Eixo: Estudos de Linguística Aplicada do 4. Encontro da Rede Sul Letras, promovido pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem no Campus da Grande Florianópolis da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em Palhoça (SC).

* Estudante de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR, Câmpus Pato Branco. Especialista em Letras. E-mail: [email protected] - Orientadora: Profª Drª Siderlene Muniz-Oliveira.

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promover o letramento dos sujeitos e incluí-los na sociedade, onde possam atuar criticamente. Nesse sentido, a escola exerce o papel de formadora e teria, então, a incumbência de auxiliar na execução das prescrições e do uso dos gêneros no ensino da língua. Dessa forma, os conteúdos abordados nos livros didáticos procuram, sobretudo, cumprir as determinações impressas nos documentos oficiais, sem, contudo, perceber as reais necessidades de apreensão daqueles gêneros pelos alunos, ou até mesmo pelo professor, pois em sua maior parte os gêneros oferecidos estão muito distantes do cotidiano desses sujeitos.

Faz-se necessário frisar a importância do livro didático na abordagem dos gêneros, visto seu importante papel na divulgação e didatização destes, já que sua função é torná-los “acessíveis”. Entretanto, os livros apresentam atividades bastante limitadas e/ou básicas, cabendo ao professor mobilizar outros conhecimentos que venham complementar sua prática. No que se refere à didática no ensino de língua materna, temos as contribuições de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), que propõem um ensino de língua baseado em situações concretas de uso, através da elaboração de um modelo didático de gênero e de uma sequência didática. Seus trabalhos têm origem na psicolinguística e nos procedimentos relativos à cognição evidenciando a produção e a compreensão da linguagem. Esta perspectiva é defendida pelo sociointeracionismo e incluem os estudos de Bakhtin e Vygostky.

2. Referencial Teórico

Com a “democratização” do ensino, as escolas passaram a receber alunos das mais variadas classes sociais e, ao que tudo indica a escola ainda não consegue dar conta dessa diversidade. Afinal a escola não foi projetada para todos, mas para um público seleto. Essa “democratização” do ensino público teve como consequência a precariedade dos serviços escolares. E, para garantir esses direitos, a escola se propõe acolher a todos, indistintamente, mas para além de garantir o direito à escolaridade, faz-se necessário elaborar políticas públicas que venham ao encontro dessas necessidades.

Nessa perspectiva surgiram os PCNs de Língua Portuguesa que tem por objetivo conscientizar sobre a inclusão do sujeito na sociedade através das práticas sociais. Daí a necessidade de a escola trabalhar os gêneros textuais visando desenvolver um conjunto de conhecimentos que venham contribuir para a inclusão desses sujeitos, fornecendo-lhes uma formação crítica para atuar em sociedade. Esse trabalho perpassa a concepção de língua adotada pelo professor, uma vez que o trabalho escolar tem como figura central o próprio professor; este seria o mediador do aprendizado e desenvolvimento crítico de seus alunos.

Desenvolvendo uma nova proposta de trabalho para a produção e compreensão de textos, o ISD apresenta uma perspectiva mais moderna em relação às questões da língua(gem) e estaria de acordo com as diretrizes educacionais e de mercado atuais. Essa também é uma preocupação do MEC – Ministério da Educação, que constituiu os PCNs em 1998, como forma de orientar o ensino. No que diz respeito às séries finais do Ensino Fundamental, o documento esclarece que:

Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados procurando, de um lado, respeitar diversidades regionais, culturais, políticas existentes no país e, de outro, considerar a necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras. Com isso, pretende-se criar condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania. (BRASIL, 1998, p.1)

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Esse documento considera imprescindíveis a formação e atualização profissional do professor, visando uma formação que, ao mesmo tempo, atenda a essa diversidade sem, contudo, perder as referências de um ensino tradicional. Os gêneros textuais passam a ser o objeto de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, tendo em vista a participação do sujeito na sociedade. Essa nova concepção de língua e de sujeito traz em seu bojo as contribuições do Círculo de Bakhtin, para o qual a linguagem é fundamentalmente dialógica, e os discursos nasceriam de outros discursos já proferidos dando continuidade a outros “novos” discursos. Segundo Bakhtin (1993, p. 88), “A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo”.

Desse modo, os gêneros não podem ser concebidos como algo estático, pois manifestam a interação entre produtor e interlocutor que se dá através de textos/enunciados historicamente situados. Nesse sentido, é necessário estimular a leitura e a produção textual através da interação com os gêneros tendo em vista desenvolver boas experiências com essas atividades, pois consideramos a insatisfação que os alunos demonstram ao desenvolvê-las. Essa dificuldade pode estar vinculada à falta de estimulo à leitura, pois a leitura contribui para a argumentação. Assim, o trabalho com gêneros deverá levar em conta o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita.

Com esse objetivo, o livro didático desempenha um papel importante, pois irá influenciar o trabalho do professor. Se este livro possui uma intenção conteudística, em que se busca trabalhar uma série de conteúdos sem levar em conta as reais condições de aprendizado, é possível que o processo de ensino-aprendizagem fique confuso e muitas vezes árduo para o professor, pois sentir-se-á na obrigação de abordar todos os conteúdos apresentados pelo livro.

Essa conduta contribui para a desvalorização do trabalho do professor e a inviabilização das tarefas que envolvem os gêneros, descumprindo com o objetivo de promover um ensino-aprendizagem voltado para as questões sociais, no sentido de promover o desenvolvimento da sociedade de modo geral.

Para que se alcance o domínio no trabalho com os gêneros textuais, é preciso levar em consideração as limitações que a sala de aula impõe e ir além. Primeiramente, é preciso compreender a concepção de linguagem que permeia o trabalho do professor. Essa concepção deverá levar em conta o sujeito como um ser social, e a linguagem como um recurso capaz de oferecer a este sujeito sua inserção na sociedade, pois este se constitui social e historicamente.

Outro documento que norteia o ensino de língua portuguesa são as DCEs (2008) - Diretrizes Curriculares Estaduais da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, que também faz apontamentos em relação às práticas pedagógicas do professor com vistas a um ensino que contribua com a inclusão do aluno no mundo letrado:

Assumir um currículo disciplinar significa dar ênfase à escola como lugar de socialização do conhecimento, pois essa função da instituição escolar é especialmente importante para os estudantes das classes menos favorecidas, que têm nela uma oportunidade, algumas vezes a única, de acesso ao mundo letrado, do conhecimento científico, da reflexão filosófica e do contato com a arte. (DCEs, 2008, p.14)

Nesse caso, ressalte-se a importância de uma abordagem adequada e/ou satisfatória quando se pretende trabalhar com gêneros, a fim de alcançar alunos das classes menos favorecidas, dando a eles oportunidades de desenvolver uma boa qualidade em leitura, interpretação, análise e produção de textos. No entanto, essa não é uma tarefa simples e depende dentre outras coisas, de um bom preparo do professor.

Antes de tudo, seria preciso desenvolver um trabalho social que fosse além do trabalho com a linguagem. Entretanto, é necessário que o professor comece avaliando o quanto o aluno

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conseguiu se apropriar do gênero estudado, para então prosseguir com outros. Doutra maneira, o trabalho com gêneros não tem sentido para os alunos, visto que os gêneros apresentados pela escola fazem parte da sociedade letrada.

Ao se transferir para a esfera escolar a missão de ensinar gêneros que circulam nos mais variados domínios e esferas sociais, significa, em termos gerais, contribuir para um ensino cada vez mais fragmentado e descontextualizado. A resistência que alguns professores demonstram em trabalhar com gêneros estaria relacionada às contradições entre as prescrições e a atual conjuntura escolar, pois não se confronta teoria e prática.

Ainda que os mais privilegiados tenham acesso à internet e busquem ter nela sua principal fonte de conhecimentos, a escola ainda é a responsável por legitimar esses conhecimentos. Para as minorias, entendendo aqui minorias como os grupos menos favorecidos, a escola é sim, a única alternativa de desenvolvimento humano, ainda que alguns não a vejam dessa forma. Mas é preciso considerar as limitações que a escola pública apresenta quanto a um ensino de qualidade. Nesse sentido, o ensino de gêneros assumiria de certa forma, uma linguagem “fictícia” uma vez que o ensino-aprendizagem de gêneros ficaria deslocado de suas reais práticas discursivas, deixando de fazer sentido para o aluno e até para o professor.

Essa incoerência que se manifesta em alguns contextos escolares contribui para que professor viva um dilema, pois, embora as prescrições estejam aí para orientar seu trabalho, também fazem com que o professor fique sobrecarregado, visto que estas não levam em conta os contextos escolares, nem suas especificidades e nem tampouco mostram um caminho prático para atingir os seus objetivos. Ainda assim, as DCEs defendem um ensino fundamentado nas práticas sociais, em que:

Os conteúdos disciplinares devem ser tratados, na escola, de modo contextualizado, estabelecendo-se entre eles, relações interdisciplinares e colocando sob suspeita tanto a rigidez com que tradicionalmente se apresentam quanto o estatuto de verdade atemporal dado a eles. (DCEs, 2008, p.14)

Há uma crítica aos modelos tradicionais de ensino, mas não há um modelo a ser seguido que não os tradicionais. O que há é um embate entre o ensino tradicional instaurado na escola e as novas tendências apontadas pelos documentos oficiais. Ao mesmo tempo em que a escola mantém a rigidez, ela sugere novas tendências. Essa complexidade demonstra a contradição entre a teoria dada, e o que pode ser feito em sala. Outra questão a ponderar é: quais seriam os gêneros indicados para trabalhar os diferentes níveis escolares, uma vez que em pesquisa anterior (PAGNONCELLI, 2015), detectamos uma grande recorrência de gêneros secundários no livro de 6º ano desenvolvido para crianças entre 10 e 11 anos. Segundo a concepção bakhtianiana, esses gêneros aparecem em situações de comunicação culturais mais complexas.

Portanto, não se trata apenas de trabalhar os gêneros para cumprir uma determinação, sem, no entanto, refletir sobre sua função social. Acreditamos que o ensino de gêneros deverá ter em vista os níveis escolares para adequar seu uso, pois os gêneros que apresentam maior complexidade requerem do aprendiz um desenvolvimento intelectual, cultural, etc., que ainda não está plenamente desenvolvido em crianças dessa faixa etária.

Consideramos que os gêneros, além de ferramentas de comunicação, são objeto de ensino-aprendizagem, e que por fazer parte dos conteúdos presentes nos livros didáticos devem passar por análises rigorosas do professor a fim de verificar como é feita a abordagem dos gêneros, as atividades, etc., visto que é o professor quem vai trabalhar com o livro.

Assim, o ensino-aprendizagem de gêneros deve levar em conta processos de progressão e apropriação destes pelos alunos. Portanto, faz-se importante desenvolver materiais didáticos que venham ao encontro das dificuldades enfrentadas em sala de aula, valendo-se de especificidades contextuais e sociais que legitimem as atividades ali apresentadas. Segundo Marcuschi (2008, p. 161), “Pode-se, pois, dizer que os gêneros textuais são nossa forma de

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inserção, ação e controle social no dia a dia”. Assim, o ensino de gêneros tem como objetivo maior levar o sujeito a dominar as mais variadas instancias comunicativas.

Outra questão que decorre do ensino-aprendizagem dos gêneros é o texto, pois, conforme Marcuschi (2008, p.160), “Todos os textos realizam um gênero e todos os gêneros realizam sequências tipológicas diversificadas”. Como já dito, torna-se importante verificarmos as concepções teóricas de linguagem presentes na prática docente. Junto às discussões referentes aos gêneros textuais seria oportuno verificarmos o panorama histórico da Linguística Textual (LT), para compreendermos as contribuições trazidas ao campo de estudos da linguagem. Embora o objeto de estudo da LT seja o texto, a concepção do que seja/é texto vem sofrendo mudanças acentuadas. Portanto, é imprescindível que o professor mantenha-se atualizado por conta dos avanços teóricos e das diferentes concepções de língua e de sujeito que norteiam o trabalho do professor. Segundo Koch e Travaglia(1992, p. 08-09):

Texto é uma unidade linguística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente de sua extensão. (KOCH; TRAVAGLIA, 1992, p.08-09).

Inicialmente, o texto era entendido como produto acabado em si mesmo. Atualmente, é entendido como um processo de interação baseado em contextos. A partir da década de 80 as mudanças começaram a ocorrer na disciplina de Língua Portuguesa passando de um ensino gramatical para um ensino operacional e reflexivo da linguagem.

Para Koch (2004), a competência sociocomunicativa dos indivíduos leva-nos a um estudo mais apurado sobre o que é adequado ou não em cada uma das práticas sociais. Essa reflexão nos remete a uma análise mais crítica e atenta quanto à diferenciação dos gêneros a partir das esferas de circulação, e a identificar fatores de textualidade presentes nos textos. Os gêneros textuais correspondem a entidades sócio-discursivas e formas de ação social, sendo maleáveis, dinâmicos e essenciais na prática discursiva oral ou escrita, já que há uma diversidade de textos que ocorrem nos ambientes discursivos de nossa sociedade.

3. Metodologia

A pesquisa foi desenvolvida a partir de estudos com livros didáticos do 6º, 7º e 8º anos do Ensino Fundamental – Coleção Perspectiva Língua Portuguesa (2012), de autoria da Professora Drª Norma Discini e da Professora Drª Lucia Teixeira. Para o desenvolvimento dessa análise, identificamos em cada um dos livros mencionados todas as atividades relacionadas com gêneros textuais. A partir dessa pré-análise, observamos que havia uma quantidade relativamente alta de atividades abordando gêneros textuais. Em seguida, selecionamos algumas atividades para análise, tendo como critério analisar duas atividades por livro.

4. Resultado das análises

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O livro do 6º ano abordou em torno de 23 gêneros diferentes; do 7º ano em torno de 32 e, do 8º ano em torno de 29 gêneros. As atividades encontradas nos livros didáticos abordam os mais variados gêneros, predominando os gêneros formais: documentário de televisão, antologia comentada, crítica de arte, reportagem ficcionalizada, seminário, ensaio crítico, manual de etiqueta, dentre outros.

Encontramos repetições de gêneros nos três exemplares; é o caso da epígrafe, do comentário crítico, poema, reportagem, notícia, seminário, crônica, debate, entre outros. Os gêneros que predominam são os de imprensa (reportagem, notícia), de divulgação científica (debate, exposição, seminário), e os literários (conto, poema).

As atividades apresentadas destacam tanto a compreensão quanto a produção de gêneros, mas acreditamos haver certo “exagero” na quantidade de gêneros abordados, isto porque em sua grande maioria, os textos possuem certo grau de complexidade, o que demandaria mais estudo para alcançar a compreensão das características e especificidades do gênero. Sabemos que há professores que nunca ouviram falar em alguns dos gêneros aqui analisados. E, seria difícil para o professor dar conta de todos eles, talvez, isso explique a ocorrência de gêneros que se repetem entre os três exemplares.

A atividade exposta na p. 106 traz o gênero Autobiografia na qual são apresentados dois textos para que o aluno leia e responda questões relacionadas à compreensão e interpretação dos textos, e outras relacionadas a elementos que compõem o gênero. Na página seguinte (107), há um quadro apresentando as regras do gênero.

Atividade 1 – Livro 6º Ano

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Na atividade 2, da página 113, o gênero é novamente retomado com vistas à produção

textual.

Atividade 2 - Livro 6º Ano

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Na p. 175 o livro aborda o gênero: Crítica de arte na qual há a opção de leitura de um

pequeno texto que se relaciona às obras de arte.

Atividade 3 - Livro 7º Ano

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Na p.177 há uma breve explicação informando os objetivos/finalidades do gênero e, por

fim, é solicitado ao aluno que produza um texto desse gênero utilizando-se de uma pintura.

Atividade 4 - Livro 7º Ano

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Na p. 84 é abordado o Gênero: Exposição Oral Didática na qual são apresentados os

elementos composicionais (temática, composição, estilo) do gênero. Na p. 85 há um texto de

apoio visando à produção textual. Atividade 5 – Livro 8º ano

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Atividade 6 – Livro 8º ano

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4. Considerações Finais

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Lembramos que esta é uma análise preliminar, portanto há outros pontos que não foram analisados aqui, e que poderão futuramente ser retomados. Verificamos que as autoras consideraram as propostas dos PCNs e DCEs em relação ao objeto de ensino-aprendizagem em Língua Portuguesa. Mas, ainda que os livros abordem atividades envolvendo gêneros, não há nas atividades analisadas informações que expliquem o funcionamento desses gêneros na sociedade, por exemplo, de qual contexto eles surgem, a partir de quais necessidades comunicativas, e como eles se transformam a partir de diversas situações e/ou práticas sociais existentes.

Esta pesquisa proporcionou refletir não só a contribuição dos gêneros no ensino-aprendizagem de língua materna, mas também, salientar a importância da escolha do livro didático pelo professor já que este ainda é o principal instrumento do seu agir. No entanto, o livro didático ainda não é uma escolha do professor, como se faz entender, pois estes são disponibilizados pela escola a fim de que, dentre alguns modelos, se faça essa “escolha”. Desse modo, tiramos por conclusão que os livros didáticos estão sujeitos às necessidades e intenções de grupos dominantes, mais do que propriamente, com a inclusão social.

Referências

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