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ENSINO DE GRAMÁTICA: reflexões e propostas sobre a prática de

análise linguística.

Autora: Mara de Oliveira1

Orientador: Paulo Roberto Almeida2

Resumo

Este artigo apresenta uma síntese dos trabalhos desenvolvidos ao longo do PDE 2012, sobretudo da

implementação do projeto “Ensino de gramática: reflexões e propostas sobre a prática da análise

linguística”, aplicado por meio de curso ministrado aos professores do ensino fundamental e médio no

Colégio Antônio de Moraes Barros, na cidade de Londrina, durante o primeiro semestre do ano de

2013. A ideia central do projeto foi a necessidade de propiciar aos professores momentos para o

estudo conjunto e reflexão crítica a respeito de como têm sido trabalhados os conteúdos gramaticais

nas aulas de Língua Portuguesa, bem como apresentar propostas de atividades sob o viés da análise

linguística. Para tanto, foram realizados oito encontros (com carga horária de trinta e duas horas),

durante os quais foram estudados textos teóricos sobre o tema, com discussão e trocas de

experiências entre professores, com o intuito de contribuir para o trabalho com a análise linguística

nas aulas de língua portuguesa, facilitando assim o aprendizado por parte dos alunos e possibilitando

que se apropriem da linguagem culta e adquiram competência linguística para utilizá-la conforme a

situação ou contexto comunicativo em que se encontrem.

Palavras-chave: Ensino. Linguagem. Gramática. Análise Linguística.

1Professora do ensino fundamental e médio da rede estadual do Paraná, licenciada em Língua Portuguesa pela Universidade Estadual de Londrina, Londrina/PR. 2Professor adjunto do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da Universidade Estadual de Londrina – PR.

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1. INTRODUÇÃO

O interesse pelo estudo do tema surgiu de reflexões a respeito das práticas de

ensino de gramática em sala de aula quando ainda atuava como docente e, mais

recentemente, no atendimento de apoio pedagógico, não só pelas constantes

reclamações por parte de alunos que apresentam dificuldade em aprender esse

conteúdo, assim como de colegas de Língua Portuguesa que manifestam grande

insatisfação e frustração quanto ao baixo rendimento de seus alunos.

Os professores encontram dificuldades em desenvolver atividades de

gramática que levem o aluno a perceber o funcionamento da língua, sem que seja

por meio de exercícios por meramente estruturais, mas sim por meio de situações de

aprendizagem que favoreçam a compreensão de como os elementos gramaticais

contribuem para a formação de um enunciado, na ligação de orações, de

parágrafos, ou na retomada de uma ideia que se deseja reforçar, enfim, na

organização do texto.

Cabe ressaltar que a escola onde foi aplicado o projeto de intervenção recebe

estudantes oriundos da periferia, cujos pais, em sua maioria, cursaram apenas o

ensino fundamental ou médio, sendo a minoria com formação superior. Assim, salvo

exceções, boa parte dos alunos vive num ambiente familiar e social com poucos

estímulos culturais, ficando tal função totalmente por conta da escola, que precisa

desenvolver atividades que despertem o gosto pela busca do conhecimento.

Portanto, a ideia central que justifica este trabalho é a necessidade de

propiciar aos professores oportunidades para o estudo conjunto e reflexão crítica a

respeito de como têm sido trabalhados os conteúdos gramaticais nas aulas de

Língua Portuguesa e, dessa forma, oferecer subsídios teóricos e metodológicos para

que possam encontrar estratégias que levem os alunos a aprenderem a utilizar a

linguagem de forma a adequá-la de acordo com o contexto em que se encontram.

A implementação da unidade didática no Colégio Estadual Antônio Moraes de

Barros visou, sobretudo, contribuir para a superação das fragilidades e dos

problemas apontados pelo Projeto de Intervenção: Ensino de gramática: reflexões

e propostas sobre a prática de análise linguística, apresentado no primeiro

semestre do PDE 2012. O referido projeto previu a oferta de um curso para

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professores, com o intuito de propiciar momentos para estudo de textos acerca do

tema proposto.

Importante destacar as contribuições dos professores cursistas, durante a

tutoria do GTR – Grupo de Trabalho em Rede, no primeiro semestre de 2013,

momento em que as produções realizadas no primeiro ano do PDE 2012, foram

socializadas com os professores que atuam na rede estadual do ensino básico.

2. CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM

Acreditamos que a maneira como o professor concebe a linguagem é um fator

importante para o ensino da língua materna, pois isso influencia a forma de se

estruturar o trabalho com a língua.

Travaglia (2009, p.107) ensina que as atividades de análise linguística devem

levar o aluno a refletir, a “aprender a língua, seja de forma natural no convívio social,

seja de forma sistemática em uma sala de aula, implica sempre reflexão sobre a

linguagem, formulação de hipóteses e verificação do acerto ou não dessas

hipóteses”.

Dessa forma, é importante destacar as três concepções de linguagem

apresentadas pelo autor:

1) linguagem como expressão do pensamento. De acordo com essa concepção a

expressão se constrói no interior da mente, presume-se que há regras a serem

seguidas para a organização lógica do pensamento e, portanto, da linguagem. O

modo como o texto é construído não depende em nada de para quem se fala, para

que se fala ou em que situação se fala;

2) linguagem como instrumento de comunicação, como meio objetivo para a

comunicação. A língua é vista como um código, um conjunto de signos que se

combinam por meio de regras, a fim de transmitir uma mensagem ou informações de

emissor a um receptor. Tal concepção não considera o interlocutor, é uma visão

monológica e formalista da língua, representada pelo estruturalismo de Saussure e

pelo transformacionalismo de Chomsky;

3) linguagem como forma ou processo de interação. O uso da língua pelo

indivíduo não é apenas para traduzir e expressar um pensamento, ou ainda

transmitir informações a outro, mas sim para agir e atuar sobre o interlocutor, sendo

a linguagem um instrumento de interação humana, com o objetivo de produzir

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efeitos de sentido entre os interlocutores, numa determinada situação de

comunicação e num contexto sócio-histórico e ideológico. Essa concepção é

adotada por todas as correntes de estudo da língua ligadas à linguística da

enunciação: Linguística Textual, a Teoria do Discurso, a Análise do Discurso, a

Análise da Conversação, a Semântica Argumentativa e outros estudos ligados à

Pragmática. (TRAVAGLIA 2009, p. 21/23)

3. TIPOS DE ENSINO

Travaglia (2009, p. 38/40) apresenta ainda três tipos de ensino de língua,

propostos por Halliday, McIntosh e Strevens:

3.1 Ensino Prescritivo

Segundo o autor, esse tipo de ensino tem o objetivo de “levar o aluno a

substituir seus próprios padrões de atividade linguística considerados

errados/inaceitáveis. É, portanto, um ensino que interfere com as habilidades

linguísticas existentes”. (p. 38)

Esse ensino identifica-se com a primeira concepção de linguagem e com a

gramática normativa, valorizando em sala de aula apenas o trabalho com a

variedade escrita culta, tendo como um de seus objetivos básicos a correção formal

da linguagem.

3.2 Ensino descritivo

Tem o objetivo de “mostrar como a linguagem funciona e como determinada

língua em particular funciona. Fala de habilidades já adquiridas sem procurar alterá-

las, porém mostrando como podem ser utilizadas”. (p. 39)

A justificativa para tal tipo de ensino é que o falante precisa conhecer melhor

a língua que utiliza da mesma forma que precisa conhecer outras instituições sociais

para agir melhor em sociedade.

3.3 Ensino produtivo

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O ensino produtivo “objetiva ensinar novas habilidades linguísticas. Quer

ajudar o aluno a entender o uso de sua língua materna de maneira mais eficiente”.

(p. 39). O autor considera o ensino produtivo como o mais adequado para alcançar o

primeiro objetivo de ensino da língua materna, que é desenvolver a competência

comunicativa, visto que com esse desenvolvimento o aluno conseguirá, mais

facilmente, adquirir novas habilidades linguísticas.

Antunes (2009, p.49) considera que a tarefa de desenvolver a competência

comunicativa não é algo fácil, visto que “a atividade da linguagem é muito complexa,

pois mobiliza tipos bem diferentes de saberes e de competências”. A autora ressalta

que a sociedade é regida por convenções que ditam certos modelos aceitáveis

também nas atividades comunicativas. Além das regras linguísticas existe também

um conjunto de normas sociais que regulam o comportamento das pessoas em

situações de interação verbal. Portanto, não se pode falar o que quer ou do jeito que

quer em qualquer momento e em qualquer lugar.

4. TIPOS DE GRAMÁTICA

Segundo Antunes (2009, p. 49) “as gramáticas nunca são neutras, inocentes,

nunca são apolíticas, portanto. Optar por uma delas é, sempre, optar por

determinada visão de língua”. Dessa forma, vale discorrer sobre os conceitos de

gramática apresentados pela autora: (2009, p. 25-33):

4.1 Conjunto de regras que definem o funcionamento de uma língua

Esse tipo abarca desde os padrões de formação de sílabas, de formação de

palavras e suas flexões, até níveis mais complexos de ajuste das unidades para a

constituição de frases e períodos. Tal conceito aponta que não existe língua sem

gramática e nem existe gramática fora da língua e que quem fala uma língua sabe

sua gramática;

4.2 Conjunto de normas que regulam o uso da norma culta

Esse tipo não abrange toda a realidade da língua, contempla apenas os usos

tidos como aceitáveis pela gramática normativa, definindo o que é certo e apontando

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o que seria errado. Essas definições não são feitas por razões linguísticas, mas por

razões históricas e por convenções sociais, que orientam o que é socialmente mais

aceito;

4.3 Gramática enquanto perspectiva de estudo dos fatos da linguagem

Historicamente, de acordo com as visões de mundo de cada período, estudos

apresentaram várias perspectivas sobre a linguagem. Algumas mais ligadas à língua

enquanto conjunto de signos à disposição dos falantes, outras mais voltadas para os

usos reais da língua. Nessa linha estão a “gramática estruturalista”, “a gramática

gerativa”, a “gramática tradicional” e outras;

4.4 Gramática como uma disciplina de estudo

É a concepção mais utilizada do termo, sobretudo nos meios escolares, nas

aulas de língua portuguesa reservadas ao ensino da gramática, motivo de

preocupação de toda comunidade escolar (professores, pedagogas, pais e alunos);

4.5 Gramática como compêndio descritivo-normativo da língua

Pode seguir duas linhas: uma mais descritiva ou outra mais prescritiva,

materializando-se em um livro que denominamos Gramática. A primeira enfatiza

elementos da estrutura da língua, fazendo a descrição ou apenas apresentando

suas características específicas; a segunda enfatiza o conjunto de regras

gramaticais e as hipóteses do uso da língua considerada como padrão.

De acordo com a autora conhecer regras gramaticais não é suficiente para

saber falar, ler e escrever bem. Ela aponta tal crença como um dos grandes

equívocos que vem se repetindo ao longo de muitos anos no ensino de gramática.

Adverte ainda que é um equívoco ainda mais sério supor que existe apenas uma

gramática para a língua toda. Nesse sentido, afirma que:

“Numa perspectiva da língua como atividade sociointerativa, essa suposição é insustentável. De certa forma e em muitos aspectos, é preciso uma “gramática” para cada tipo de situação, para cada tipo de discurso. Vale acrescentar, portanto, que, se língua e gramática não se equivalem, muito menos se equivalem língua e gramática normativa, pois ela corresponde

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apenas a uma parte daquela gramática de base, internalizada por todo falante”. (ANTUNES: 2009, p. 42)

O importante é não confundirmos regra gramatical com nomenclatura

gramatical, para irmos “além da gramática” (Antunes, 2009, p. 78), fazendo da

nomenclatura não um fim, mas um recurso, uma mediação, pois se ficarmos

limitados apenas à nomenclatura, estaremos negando aos nossos alunos a

oportunidade de refletir sobre o real funcionamento da língua e sua aplicação no dia

a dia das pessoas. Isso significa que não devemos conferir à nomenclatura uma

importância que ela não tem.

É comum os professores comentarem que seus alunos questionam porque

precisam de aula de língua portuguesa se já sabem falar e conseguem se comunicar

com o que conhecem sobre a língua. Nesses momentos é importante que o

professor esteja preparado para responder que o papel da escola é possibilitar o

estudo da linguagem de forma a desenvolver nos alunos as diversas habilidades

linguísticas que lhes permitirão o acesso aos bens culturais da humanidade.

Para atingir tal objetivo, Possenti (1996, p. 84) defende como boas estratégias

de ensinar língua que a escola deve priorizar as atividades de leitura, de escrita,

narrativa oral, o debate e todas as formas de interpretação, como resumo, paráfrase,

etc. Segundo o autor, ensinar gramática é ensinar a língua em toda sua variedade

de usos, e ensinar regras é ensinar o domínio do uso. Ele ressalta que ”o papel da

escola não é de ensinar uma variedade no lugar da outra, mas de criar condições

para que os alunos aprendam também variedades que não conhecem (...), a que é

peculiar de uma cultura mais “elaborada”” (p.83).

O autor apresenta vários tipos de gramática e seus respectivos conceitos:

gramática normativa, gramática descritiva e gramática internalizada. Sua proposta é

trabalhar na escola com as três gramáticas, invertendo a ordem de prioridade em

relação à ordem de sua apresentação, ou seja, privilegiando a gramática

internalizada, em seguida, a descritiva e, por último, a normativa.

Entretanto, o referido autor observa que:

(...) Ensinar gramática descritiva não seria, evidentemente, ensinar linguística na escola... A proposta consiste em trabalhar os fatos da língua a partir da produção efetiva do aluno. (...) O que ele produz reflete o que ele sabe (gramática internalizada). A comparação sem preconceito das formas é uma tarefa da gramática descritiva. E a aceitação ou explicitação da aceitação ou rejeição social de tais formas é uma tarefa da gramática

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normativa. As três podem evidentemente conviver na escola. (POSSENTI, 1996, p.89)

Não se trata de adotar um ou outro tipo de gramática, mas é necessário

perceber o papel de cada uma nas aulas de Língua Portuguesa e compreender que

aprender uma língua não significa apenas aprender os termos técnicos com os quais

ela é analisada, pois conforme Geraldi, “uma coisa é dominar as habilidades de uso

da língua em situações concretas de interação. (...) Outra coisa é saber analisar uma

língua dominando conceitos e metalinguagens a partir dos quais se fala sobre a

língua” (1997, p. 118).

Para Bunzen & Mendonça (2007), “o isolamento de unidades mínimas – que é

parte da competência gramatical – é um procedimento de análise e que só tem

razão se retornar ao nível macro” (p. 118). Portanto, o trabalho com atividades de

apontar palavras num texto com o objetivo de classificá-las como categorias

gramaticais só faz sentido se possibilitar ou pelo menos facilitar a compreensão do

aluno no que se refere ao uso e funcionamento da linguagem.

5. ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS

Inúmeros autores têm realizado estudos sobre o ensino de gramática, cujo

tema foi apresentado como problema em nosso projeto de pesquisa. Eles

apresentam propostas de atividades para auxiliar os professores, não como receitas

prontas, mas como suporte de informações que lhes possibilitem refletir sobre seu

papel na construção do conhecimento.

Neste trabalho realizamos uma pesquisa com abordagem qualitativa, visto

que buscamos a compreensão dos fatos linguísticos por meio de estudos teóricos

que fundamentaram as questões apresentadas para reflexão e debates, cujo

objetivo maior era proceder uma análise das relações, causas e circunstâncias em

que esses fatos ocorrem.

Sobre esse tema, ensina Severino:

(...) Apesar da liberdade de linguagem consagrada pelo uso acadêmico, não se está referindo a uma modalidade de metodologia em particular. Daí ser preferível falar-se de abordagem quantitativa, de abordagem qualitativa, pois, com essas designações, cabe referir-se a conjuntos de metodologias, envolvendo, eventualmente, diversas referências epistemológicas. São várias metodologias de pesquisa que podem adotar uma abordagem

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qualitativa, modo de dizer que faz referência mais a seus fundamentos epistemológicos do que propriamente a especificidades metodológicas. (SEVERINO, p. 119, 2007)

Uma das finalidades da unidade didática apresentada durante a

implementação do Projeto de Intervenção no Colégio Estadual Antônio de Moraes

Barros foi orientar os professores de língua portuguesa na elaboração de atividades

de análise linguística para serem utilizadas em sala de aula. A fim de direcionar

melhor as atividades propostas e enriquecer as discussões ao longo do curso, os

professores responderam, previamente, um questionário a respeito de suas práticas

em sala de aula.

Para o desenvolvimento do projeto foram trabalhados textos específicos

relacionados ao tema do Projeto de Intervenção: Ensino de gramática: reflexões e

propostas sobre a prática de análise linguística. As atividades de leitura,

discussão e reflexão desenvolvidas com os professores visaram aprofundar o

conhecimento teórico/metodológico, facilitar a compreensão do tema proposto e

oferecer subsídios para enfrentar os problemas e as dificuldades no trabalho com a

língua portuguesa no dia a dia da sala de aula.

As atividades teórico-metodológicas propostas foram desenvolvidas com base

nos seguintes autores: Altman (2011), Ribeiro (2011), Saramago (2011), Franchi

(2006), Geraldi, (1997); Antunes, (2003); Bakhtin (2003); Brasil (1998); Bunzen&

Mendonça (2006); Saussure (2010); Paraná, (2009); Possenti, (1996); e Travaglia

(2009). Também foram apresentados vídeos relativos ao tema que tornaram

possível a articulação entre teoria e prática, abrindo assim, caminhos para reflexões

acerca do ensino da gramática nas aulas de língua portuguesa, por meio de ações

formativas e pedagógicas mais consistentes.

Procuramos com a proposta dessas atividades, propiciar momentos de

reflexão entre os professores, para que estes pudessem interpretar e compreender a

realidade escolar e, dessa forma, melhor intervir na sua prática docente.

Ressalvamos que as atividades realizadas durante os encontros não tinham o

objetivo de fornecer instrumentos metodológicos imediatos, mas sim de contribuir

para melhorar a prática docente no que tange à análise linguística, cujo objetivo

central é refletir sobre elementos e fenômenos linguísticos, bem como sobre as

estratégias discursivas, com foco nas situações de uso concreto da língua.

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A reflexão conjunta entre professores enriquece os debates no coletivo e

promove o conhecimento. Assim, as questões apresentadas para discussão eram

relativas a cada texto, a respeito do assunto em foco, visando socializar o

conhecimento construído, de forma a orientar os professores para a elaboração de

atividades e exercícios que levem o aluno a refletir e compreender as estruturas

linguísticas da língua materna.

Indicamos leituras complementares para aprofundamento do assunto

estudado. Outras atividades complementares também fizeram parte dessa unidade

didática: trechos de filmes e vídeos, bem como a apresentação, por parte dos

cursistas, das atividades elaboradas por eles no penúltimo dia do encontro.

5. DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES E REFLEXÃO SOBRE OS RESULTADOS

A unidade didática foi organizada em forma de módulos (oito) e apresentou

como proposta a realização de leitura e estudo de textos teóricos de autores que

têm pesquisado sobre o ensino de gramática sob a perspectiva da análise

linguística.

Optamos pela leitura desses tipos de textos, pois sabemos que na correria do

dia a dia, os professores não dispõem de muito tempo para realizar tais leituras e

isso dificulta a tarefa de preparar as aulas. Enfatizamos aqui que a escolha por uma

determinada concepção de linguagem ou de ensino é de extrema importância para

fundamentar o ensino da língua materna.

O conjunto de atividades propostas buscou levar o professor a refletir sobre

os conceitos teóricos apresentados pelos diversos autores e como aplicá-los ou

utilizá-los como subsídios em suas aulas, ou seja, como estabelecer a ponte entre a

teoria e a prática. As questões apresentadas em cada módulo não visaram testar o

conhecimento dos professores, mas sim como forma de abrir para a reflexão e

debate.

O primeiro texto trabalhado com os professores foi “Mas o que é mesmo

“GRAMÁTICA”? (FRANCHI, 2006, p. 15-19), em que o autor apresenta conceitos de

gramáticas, bem como produções escritas por dois alunos, ambos da 3ª série (atual

2º ano) do ensino fundamental. Após a leitura, a atividade proposta foi uma análise

comparativa dos textos produzidos pelos dois alunos, no sentido de verificar qual

deles demonstrava que o aluno apresentava maior domínio da gramática

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internalizada. Em seguida, cada professor apresentou a análise aos colegas para

discussão.

Percebemos que os professores valorizaram mais o texto do aluno que

mesmo apresentando vários problemas de ordem gramatical, sobretudo ortográficos,

demonstrou maior domínio da chamada gramática internalizada, pois consegue

utilizar estruturas linguísticas de alta complexidade, tais como:

- o sintagma nominal: “passarinho que vivia em uma árvore na frente da casa de

João”;

- o sintagma verbal: “prendeu na gaiola bem na gente de uma janela”.

Por outro lado, eles perceberam que o outro aluno, mesmo tendo escrito um

texto sem desvios da norma culta, não utilizou estruturas complexas como as

descritas acima, pois não explorou recursos linguísticos que conferem ao texto maior

coesão e coerência, o que tornou a produção pobre. Acreditamos que essa

avaliação positiva dos professores a respeito do texto escrito com desvios da norma

padrão, deve-se ao prévio estudo sobre as diferentes concepções de gramática e

linguagem apresentadas por FRANCHI (2008).

No segundo módulo, realizamos o estudo do vídeo: “Princípios da

Lingüística” e do texto “Objeto da Linguística”, os quais apresentam conceitos sobre

língua, linguagem e gramática. A partir desse estudo, solicitamos que os professores

estabelecessem uma comparação entre esses conceitos e como aplicá-los na

elaboração de atividades de análise linguística para as aulas de língua portuguesa.

Os professores ainda consideraram uma tarefa muito complicada a

elaboração de atividades de análise linguística. No entanto, tínhamos ainda muito a

estudar e discutir e, assim, continuamos reafirmando a necessidade de trabalhar a

linguagem como instrumento de interação e comunicação.

Após termos trabalhado nos módulos anteriores, alguns conceitos importantes

para o tema, propusemos a leitura e estudo do trecho das Diretrizes Curriculares da

Língua Portuguesa que trata sobre gramática, isto é, o eixo da análise linguística.

Entendemos que aprofundar o conhecimento acerca desse documento foi de grande

valia para fundamentar melhor a prática a ser adotada no ensino de Língua

Portuguesa, sob a perspectiva sociointeracionista da linguagem.

O quarto módulo consistiu no estudo do texto “Objetivos do ensino de língua

materna”, no qual Travaglia (2009, p. 17-20) apresenta quatro respostas para a

pergunta: “para que se dá aula de Português para falantes nativos de Português?”

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Sem desconsiderar as demais respostas, que abordam mais os aspectos normativos

da língua portuguesa enquanto instituição linguística, o autor aponta na resposta 1,

que o principal objetivo do ensino de língua materna é desenvolver no al uno a

competência linguística.

Após a leitura do texto, os professores foram questionados se concordavam

com a posição do autor e sobre as respostas por ele apresentadas. É claro que

todos consideraram a competência linguística como o principal objetivo do ensino de

língua portuguesa, mas alguns defenderam que também é importante ensinar a

nomenclatura da língua materna e como ela é constituída, pois segundo eles, tais

conhecimentos ajudam a desenvolver nos alunos o pensamento científico sobre a

linguagem.

No quinto módulo, foram apresentados dois vídeos para reflexão sobre a

língua: no primeiro, “Involução da linguagem”, Saramago (2011) afirma que a

linguagem, desde a época do homem das cavernas até a atualidade saiu de um

estado rudimentar, em que a comunicação se limitava a produção de sons não

articulados, e foi tornando-se gradativamente mais complexa, com um léxico cada

vez maior. Salienta que quanto mais palavras conhecemos mais somos capazes de

dizer o que pensamos e expressar o que sentimos. Todavia, ele observa que cada

vez mais estamos utilizando menos palavras para nos comunicarmos. E “Evolução

da Linguagem”, Ribeiro (2011) comenta sobre a evolução da língua portuguesa e as

influências que ela recebeu e recebe de outras línguas.

Os professores foram questionados sobre as ideias mostradas nos vídeos e

teceram algumas considerações a respeito: alguns acreditam que a falta do hábito

de leitura tem provocado o empobrecimento do vocabulário das pessoas; outros

atribuem a pobreza vocabular da atualidade à tecnologia da informação, que

possibilitou novas formas de comunicação, com maior rapidez e facilidade.

O objetivo dessa atividade foi mostrar aos professores o caráter dinâmico da

língua e questioná-los sobre a forma de trabalhar essa temática em sala de aula

com atividades de análise linguística.

Ainda nesse módulo, foi sugerida uma atividade de análise linguística sobre o

tema mostrado nos vídeos:

- o professor pode solicitar que os alunos façam uma comparação entre a linguagem

de um texto de uma época mais antiga com outro atual, destacando para os alunos

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as marcas linguísticas presentes em cada texto, conforme o contexto social e

cultural em que foi escrito.

O sexto módulo teve o objetivo de preparar os cursistas para a oficina de

produção de atividades de análise lingüística prevista no módulo seguinte. Para

tanto, foi realizado o estudo do texto de Geraldi (1997, p. 168-179): “A perigosa

entrada do texto para a sala de aula”, no qual ele questiona a forma de utilização

dos textos nas atividades de leitura e produção escrita, propostas em alguns livros

didáticos. O autor apresenta sugestões de como fazer a correção de textos

produzidos por alunos, mostrando a eles as possibilidades de ideias a serem

desenvolvidas com base no que escreveram. Apresenta também exemplos de

atividade com gramática reflexiva e aborda aspectos da língua que geralmente

costumam ser deixados de lado nos livros didáticos.

Acreditamos que o estudo proposto nesse módulo ofereceu subsídios que

facilitaram a elaboração das atividades propostas nos dois últimos encontros.

No sétimo módulo, com base em tudo o que havia sido estudado durante o

curso e, refletindo sobre os exemplos de atividades apresentadas no módulo

anterior, os professores escolheram um texto e, em duplas, foram orientados na

elaboração de atividades de análise linguística que poderiam levar os alunos a

perceberem o uso e funcionamento da linguagem, bem como a presença de

determinadas marcas linguísticas e sua importância para a construção de sentido de

um texto.

No oitavo e último encontro, os professores apresentaram as atividades

elaboradas, socializando entre si o conhecimento produzido. Consideramos que

essa parte prática do curso foi importante na medida em que buscou mostrar aos

professores que não é difícil trabalhar a gramática sob a perspectiva da análise

linguística. O resultado da oficina foi satisfatório, visto que as atividades elaboradas

estavam de acordo com as orientações, pois os professores trabalharam elementos,

tais como: a presença das marcas linguísticas no texto e a construção de sentido por

elas produzida; associaram o uso da linguagem à intenção do falante ou usuário da

língua; exploraram as diferenças entre linguagem oral e escrita; e outras questões

relevantes para desenvolver a competência linguística dos alunos.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de aplicar o projeto com um grupo de professores foi desafiadora,

pois abordar o tema do ensino de gramática sob a perspectiva da análise linguística

é algo que ainda gera polêmica entre os professores de língua portuguesa, visto que

trata das práticas desenvolvidas em sala de aula.

Nos dois primeiros encontros, alguns professores demonstravam certa

descrença quanto à aplicabilidade das teorias e ideias apresentadas pelos autores

dos textos, mas no decorrer da implementação perceberam a relevância de estudar

tais teorias e de discutir sobre as práticas relativas ao ensino de língua de gramática

na aula de língua portuguesa.

Observamos que as leituras, seguidas de debates realizados durante os

encontros, mostraram aos professores que é possível ensinar a língua materna por

meio da análise lingüística e, assim, desenvolver a competência linguística do aluno,

tornando-o capaz de compreender e interpretar os diversos gêneros textuais que

circulam socialmente.

Ressaltamos que para que o aluno adquira essa competência deve ter

contato com os mais variados tipos de textos que o levem a refletir sobre o

funcionamento da língua no dia a dia, bem como o uso que dela fazemos nas mais

diversas situações de comunicação e interação social.

Importante destacar as contribuições dos professores cursistas, durante a

tutoria do GTR – Grupo de Trabalho em Rede, momento de socialização dos

trabalhos realizados no primeiro ano do PDE 2012 com os professores que atuam

na rede estadual, pois, segundo eles, nos cursos de formação continuada pouco se

discute acerca do ensino de língua portuguesa sob a perspectiva por nós

apresentada, sobretudo no que se refere à elaboração de atividades de análise

lingüística.

As discussões realizadas nesse ambiente virtual a respeito das nossas

produções foram bastante enriquecedoras, pois os relatos e as trocas de

experiências mostraram ser de grande valia, não só para os cursistas, mas também

para a tutora, que teve a oportunidade de levar as impressões colhidas no decorrer

do GTR, aos colegas participantes do curso de implementação no colégio, já que os

dois eventos ocorreram quase simultaneamente.

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Acreditamos ainda que a temática trabalhada foi importante para os

professores da rede (não só daqueles que participaram das atividades de

implementação, mas também os cursistas do Grupo de Trabalho em Rede – GTR),

pois, segundo eles, nos cursos de formação continuada pouco se discute acerca do

ensino de língua portuguesa sob a perspectiva por nós apresentada, sobretudo no

que se refere à elaboração de atividades de análise lingüística.

Portanto, dada a carência de estudos sobre o tema na rede estadual de

ensino, consideramos que os objetivos definidos no projeto e na implementação

foram alcançados e que o trabalho contribuiu para uma maior reflexão dos

professores sobre suas práticas pedagógicas em sala de aula, no que concerne ao

ensino da língua materna na disciplina de Língua Portuguesa.

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Referências

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