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urgência, decidir na incerteza Saberes e competências em uma profissão complexa (Philippe Perrenoud) CAp. 5. O trabalho em equipe pedagógica: Resistências e Mecanismos.

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Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza

Saberes e competências em uma profissão complexa

(Philippe Perrenoud)

CAp. 5. O trabalho em equipe pedagógica: Resistências e Mecanismos.

Qual o sentido então, de ensinar como agir na urgência?

É preciso considerar que a escola e a sala de aula tornaram-se um sistema de ensino complexo. Sistema porque a escola compõe um recorte da vida social e cultural de todos nós e por isso, não se pode vê-la apartada do mundo exterior.

Complexo porque não pode ser simplificada, reduzida, ao contrário, na escola compulsória de hoje concorrem inúmeros fatores, antagonismos, etc.

Assim, agir na urgência não é o mesmo que agir com urgência.

Ao contrário, é preciso ter calma para esperar o melhor momento de intervenção ou julgamento. Ter malícia para interpretar as sutilezas dos indícios e os fragmentos das coisas que não podemos ver por inteiro ou diretamente.

Urgência implica a idéia de que aqui e agora é tudo que dispomos para agir em benefício de nossos alunos. Implica a idéia de que temos de valorizar o instante a fim de mobilizar nossos melhores recursos (saberes) em favor de metas ou propósitos educacionais.

E decidir na incerteza? Porque decidir? Porque incerteza?

Incerteza porque temos de decidir num contexto em no qual a interação dos fatores em jogo resulta m resultados não previsíveis, indeterminados.

Essa é outra dimensão da complexidade atual. Decidir na incerteza é saber mobilizar recursos, atualizar esquemas, tomar decisões no momento que as coisas se realizam, sabendo que, às vezes, é no sutil ou no pequeno que algo grande se realiza.

Enfim, ensinar é agir com competência, no sentido de que as coisas são pedidas e devem ser congregadas em favor de uma realização.

Nessa visão “competência reflete o domínio do professor, sua capacidade de mobilizar recursos, rever hábitos, atualizar e criar procedimentos que favoreçam a realização de algo que vale a pena.

Capítulo 5. O Trabalho em Equipe Pedagógica: resistências e mecanismos

O que é uma equipe pedagógica? Pode-se falar em equipe a partir do momento em que alguns professores associam-se para compartilhar tarefas e recursos?

Ou este status deve ser reservado a um grupo de profissionais que coordenam suas práticas e até mesmo colaboram de forma intensiva na ação pedagógica?

Perrenoud distingue três tipos de equipes:

pseudo-equipes: arranjo puramente material, que pode dissolver-se e perder seus recursos.

lato sensu: grupo de permuta - as pessoas limitam-se a discutir respectivas idéias e ráticas sem nada decidir. Pode cair no risco de falarem sempre os mesmos e atingirem a auto-imagem de algum dos membros.

stricto sensu: coordenação de práticas/ funciona como um verdadeiro coletivo onde cada participante aliena, voluntariamente, uma parte da sua liberdade profissional. Co-responsabilidade para com os alunos (uma mesma linguagem),

Enquanto em algumas equipes se constituem em uma base voluntária ( equipes esportivas, orquestras armadoras, grupo de turistas, clubes) NO TRABALHO ASSALARIADOS DOIS EXTREMOS:

1- as equipes constituídas por um poder hierárquico exterior ao grupo e os indivíduos não têm escolha senão abandonar a organização ou não entrar nela se não quiserem trabalhar em equipe (trabalho coletivo imposto);

2- as equipes constituídas por escolha mútua de indivíduos que não são obrigados a trabalhar juntos, nem a aceitar parceiros que não tiverem escolhido (trabalho coletivo por escolha).

Perrenoud analisa que:

Há ainda inúmeras variações quanto a composição dos grupos, desde a livre escolha de cada membro à imposição autoritária de uma equipe.

Equipes constituídas de forma autoritária agruparão assalariados pouco qualificados. E que o grau de liberdade será mais restrito quando o trabalhador tiver que se submeter a exigência de produtividade;

Assim, profissões mais qualificadas, se orientadas para as relações e acompanhamento de pessoas deixam aos profissionais uma maior possibilidade de escolhas (TRAB. EQUIPE)

E NA ESCOLA?

Os estabelecimentos de ensino não são fábricas.

Mas os profs. adotaram voluntariamente o trabalho em equipe? Não! Muitas vezes ela é imposta.

Em nome da eficácia e levando em conta as tarefas a serem realizadas, pode-se conceber que uma organização imponha o trabalho

em equipe ao seu pessoal.

Mas, é absurdo que uma administração institua formalmente o trabalho em equipes sem ser capaz de direcionar atitudes e comportamentos.

Não se pode impor por decreto a cooperação e o diálogo.

Os estabelecimentos de ensino criam artefatos administrativos que mais desestimulam do que estimulam a colaboração e que suscitam

diversas estratégias de fuga. Na profissão de professor a cooperação será letra morta se estes não aderirem livremente, pois, possuem os

mecanismos para fantasiar, para desobedecer (variante do que Hargreaves denomina colegialidade forçada).

Podemos distinguir três situações-tipo, segundo a natureza das pressões:

a equipe imposta – supõe que os professores trabalhem juntos mas a equipe só existe no papel.

a equipe autorizada/estimulada – não são obrigados, mas estimulados e convidados a trabalhar juntos porque a organização prevê formalmente ou informalmente para as equipes pedagógicas ( forma moderna/desejável de colaboração profissional)

a equipe proibida/desestimulada – não se espera que os professores trabalhem em equipe porque surgirão complicações.

Considerações sobre a dinâmica das equipes:

A primeira e a última induzem a uma luta contra o sistema. No primeiro caso não se resiste ao trabalho em equipe, mas ao modo autoritário de gestão. No terceiro caso cabe à administração reconhecer a equipe e de facilitar sua tarefa.

Mas Perrenoud salienta na segunda, o campo da cooperação voluntária para mostrar que mesmo nele há ambiguidades!

Cooperar sim, mas até que ponto?

Algumas equipes são pseudo-equipes que não passam de arranjos, não tem substância.

Outras são equipes lato sensu que limitam-se a trocas ou a práticas recíprocas e não impõem nada a seus membros, o grupo não passa de um ecossistema, um ambiente estimulante, que proporciona ideias, coragem, pistas, ajuda. Mas todos permanecem sozinhos diante de suas responsabilidades.

Outras são equipes pedagógicas stricto sensu que para além dos arranjos materiais são formadas por pessoas que agem juntas, colaboram, constituem um sistema de ação coletivo renunciando voluntariamente a um parte de sua autonomia.

A questão é saber qual é o papel da ação pedagógica assumida em equipe.

Dicotomia:

- AS EQUIPES QUE COORDENAM AS PRÁTICAS, CONSERVANDO OS ALUNOS;

- AS EQUIPES PEDAGÓGICAS CUJOS MEMBROS COMPARTILHAM COLETIVAMENTE A RESPONSABILIDADE PELOS MESMOS ALUNOS.

O critério determinante é a responsabilidade por um grupo de alunos. Quando a responsabilidade torna-se coletiva, muda-se o registro, porque então os alunos têm a ver com um ator coletivo.

A Coordenação de Práticas:

Uma coordenação extensiva sem dúvida é mais fácil porque permite grande autonomia na interpretação e na realização.

Cada equipe pedagógica navega entre dois excessos:

“Laisser-faire”: um grupo de intercâmbios sem uma coordenação real das práticas pedagógicas, quando uma equipe passa a controlar algumas regras de vida em comum e fecha os olhos para a acomodação de todos.

Excesso de Interferências nas práticas individuais: pode provocar conflito ou a explosão do grupo, se tenta coordenar tudo.

Todos os membros da equipe não exercem a mesma liderança, nem todos atribuem o mesmo peso a ação coletiva e a ação individual (paradoxos da ação coletiva)

Assumir a responsabilidade por um grupo de alunos de forma conjunta

Uma verdadeira gestão coletiva impõe certa coordenação entre as práticas e nesse caso, reencontramos a dialética do indivíduo e do grupo

evocada anteriormente. A ela podemos acrescentar alguns elementos suplementares:

maior visibilidade das práticas, das atitudes, dos pontos fracos, das manias, das exigências de cada um;

forte interdependência entre os alunos, por exemplo, quando desempenham vários papéis e contestam as normas ou a didática de

um em nome dos hábitos do outro;

momentos de "co-presença" e de intervenção conjunta diante dos aprendizes, com todos os problemas de respeitabilidade, unidade e

coerência correspondentes;

responsabilidade conjunta pelo grupo dos alunos com relação aos pais, à administração e aos outros professores.

Os mecanismos para os estabelecimentos de ensino e o sistema educativo: uma nova cultura profissional

O TRABAHO EM EQUIPE NÃO CONCERNE SOMENTE AOS PROFESSORES!

Os diretores também devem se envolver, pois, o trabalho em equipe modifica o funcionamento do conjunto e as relações

de poder.

EM QUE SENTIDO? Em sentido contraditório!

Aqueles que querem que nada mude têm muito a perder, aqueles que desejam revitalizar a escola têm muito a ganhar.

MAS É TÃO SIMPLES ASSIM?

O que os Estabelecimentos de Ensino têm a perder

Para os administradores autênticos, especialmente ao nível do estabelecimento de ensino, as equipes pedagógicas são fontes de problemas porque:

- complicam a gestão do pessoal, pois é preciso levar em conta as escolhas mútuas dos professores;

- interferem nos procedimentos burocráticos de atribuição das classes, de elaboração de horários;

- criam novas separações no seio do corpo docente: os que trabalham em equipe e os que são individualistas;

exigem privilégios, derrogações, providências e fontes suplemenntares;

- colocam o estabelecimento de ensino - e, às vezes, o sistema - em perigo quando adotam inovações audaciosas;

- constituem um "contrapoder" frente à direção, que é mais forte que o de pessoas isoladas;

- contestam as regras comuns, ameaçam a ordem tradicional;

- podem criar uma "escola na escola", com suas próprias regras e sua própria política.

Por isso, nem sempre as equipes são estimuladas pela autoridade escolar!

O que os estabelecimentos de ensino têm a ganhar?

Ao contrário, as equipes pedagógicas são fontes de renovação e dinamismo porque:

animam o debate no estabelecimento de ensino, introduzem novas idéias, contestam as tradições;

fazem com que alguns professores sintam vontade de romper com seu individualismo;

permitem uma organização mais flexível das classes e dos ensinamentos;

influenciam o clima geral com mais otimismo e menos passividade frente ao sistema;

podem resolver alguns problemas e crises difíceis melhor que um grupo de professores que não têm o hábito de trabalhar juntos;

impelem a direção a avançar;

facilitam certa desconcentração ou descentralização dos poderes de gestão.

Um Outro Funcionamento das Escolas

Hoje, as perdas e os ganhos assumem um sentido novo, visto que os sistemas educativos tendem a dar mais autonomia aos estabelecimentos de ensino e a lhes exigir a resolução local dos problemas.

Em diversos locais (associações de professores, formação contínua) já se raciocina em termos de autonomia das escola, de projeto de estabelecimento de ensino, de inovação e de renovação pedagógica na escola local (Gather Thurler).

O TRABALHO EM EQUIPE TRANSFORMA-SE EM UMA NECESSIDADE PARA A MUDANÇA!

Uma Nova Cultura Profissional

É raro que uma pessoa possa enfrentar sozinha a complexidade e diversidade dos problemas. Portanto, cooperar é dividir as forças para que o todo seja mais forte que a soma das partes (Gather Thurler).

O trabalho em equipe é essencial, é a dimensão de uma nova cultura profissional, uma cultura de cooperação.

As resistências dos professores ao trabalho em equipe pesarão muito nessa batalha. Se aderirem à cooperação reforçarão sua autonomia estatutária e as tendências à profissionalização. Se forem individualistas tenderão a uma racionalização burocrática.

Os Mecanismos para as pessoas ou como partilhar sua PARCELA DE LOUCURA?

Por que um professor se recusaria a trabalhar em equipe? Por se tratar de evidenciar a dificuldade de coordenar práticas que dependem da personalidade, do estilo e da arbitrariedade cultural de cada um.

Os professores que experimentam o trabalho em equipe sabem que cooperar é uma luta.

A formação do professor foi em uma perspectiva individualista, não acreditam que o todo é maior que a soma e que o tempo dedicado à negociação não é desperdiçado.

Uma Política de Competências

Sorte: é do interesse do sistema educativo o trabalho em equipe, favorecer a cooperação.

Azar: se isso se tornar uma nova regra burocrática. Incitar sem obrigar!

“A união é uma luta”.

O trabalho em equipe também é uma luta, passa por crises, por momentos de agressividade e de dúvida, de mal-entendimentos e de cansaço.

Portanto, esses fenômenos fazem parte da dinâmica de grupo. Não vale a pena procurar o bode expiatório, a competência consiste em analisar e compreender o que está acontecendo

E introduzir as regulações necessárias, por meio de intervenções delicadas! Ou

redefinindo as regras do jogo!

A competência para cooperar, que supõe a competência para comunicar, também é construída em função da experiência e de uma prática refletida. Uma formação que desenvolva o pensamento complexo e sistêmico, tornando as pessoas mais lúcidas!