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1 INTRODUÇÃO

As ações verticais (permanentes e acidentais) existentes em edifícios de múltiplos pavimentos construídos em alvenaria estrutural são suportadas pelas paredes portantes, que além da função divisória e de vedação também têm a função de constituir a estrutura destes prédios.

A consideração destas cargas pode ser feita de duas formas distintas, sendo que a primeira supõe que cada parede seja a única e exclusiva responsável pelo seu peso próprio e pelas cargas permanentes e acidentais a ela transmitidos pelas lajes nela apoiadas em cada pavimento. Na segunda hipótese de comportamento estrutural as paredes agem solidariamente, em maior ou menor grau, suportando em conjunto as ações de determinadas regiões estruturais, desde que obedecidas certas condições de solidariedade.

Enquanto na primeira forma a estrutura estaria composta por diversas paredes carregadas diferentemente, na segunda ela teria suas cargas distribuídas, sendo que o quinhão pertinente a cada elemento dependeria de sua rigidez. Esta hipótese é benéfica para a estrutura como um todo, sendo utilizada por muitos projetistas estruturais brasileiros e recomendados por pesquisadores (Oliveira Jr. e Pinheiro, 1994) embora com algumas particularidades e variantes.

Recentemente outros pesquisadores (Parsekian e Franco, 2002) discorreram sobre o tema em artigo publicado por uma revista técnica, recomendando a distribuição de cargas entre paredes. O método proposto, que adota distribuição a 45º, é comparado com os métodos de paredes isoladas e de homogeinização total de cargas entre grupos de paredes. Para os três casos, a hipótese de distribuição recomendada mostrou resultados bem mais próximos aos obtidos por meio de elementos finitos que os demais, também reforçando a defesa da interação na estrutura.

Um detalhado programa de estudo (Capuzzo Neto, 2000) desenvolvido no Brasil concluiu que a interação entre as paredes existe, considerando os resultados obtidos em experimentos com estruturas em escala natural. Esta conclusão alinha-se com as considerações anteriores, mas o estudo ressalta que existe uma ruptura característica que separa as paredes próximo ao colapso das estruturas.

Os mesmos resultados foram obtidos na Escócia (Sinha e Hendry, 1979) em estudo que concluiu que a solidariedade entre paredes ortogonais e a conseqüente transferência de cargas verticais entre elas é extremamente pequena, da ordem de 5 a 6%. Estas baixas taxas de transferência seriam devidas à separação precoce entre a alma e os flanges das paredes em forma de H testadas, conforme mostra a

Ensaio de transferência de cargas verticais entre

grupo de paredes ortogonais.

R. Signor1, H. R. Roman

2

1 Caixa Econômica Federal Rua Almirante Lamego, 1389, Florianópolis, Brasil e-mail: [email protected]

2 Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário Trindade, Florianópolis, Brasil e-mail: [email protected]

18th to 20th September 2002

Belo Horizonte, Brazil

RESUMO: O artigo relata a execução de um ensaio em modelo reduzido que buscou verificar a existência de espraiamento de cargas verticais entre paredes ortogonais, uma vez que alguns trabalhos científicos divergem

sobre a sua ocorrência ou possibilidade de consideração. Um grupo de paredes foi construído em blocos

cerâmicos simulando-se dimensões construtivas usuais para edifícios residenciais. A estrutura ensaiada tinha

forma de H, o carregamento axial foi aplicado somente na alma da seção transversal formada e todas as

paredes (alma e flanges) foram monitoradas. Dos resultados obtidos, destaca-se que tanto as deformações

medidas na estrutura quanto a configuração das fissuras na ruptura demonstraram a solidariedade entre as

paredes, encorajando a consideração do espraiamento no projeto de edifícios construídos em alvenaria

estrutural.

Palavras-chave: Alvenaria, Dimensionamento à compressão, Espraiamento, Projeto estrutural.

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figura 1. Este fato faria com que os procedimentos utilizados nos projetos estruturais brasileiros fossem desencorajados, fazendo-se necessária uma rápida verificação do fenômeno, para a qual este trabalho contribui.

Figura 1. Fissuras verificadas por Sinha e Hendry (1979).

2 METODOLOGIA

Tanto a estrutura em forma de H construída para o teste quanto os prismas com 3 e 5 blocos de altura foram construídos com argamassa 1:¼:3, utilizando blocos cerâmicos em escala 1:3,33 com resistência média de ruptura à compressão de 23 MPa. A resistência média à compressão dos corpos de prova de argamassa aos 28 dias foi de 5 MPa, dos prismas com 3 blocos de altura foi de 11 MPa e daqueles com 5 blocos, de 7 MPa.

2.1 Blocos

Todos os blocos utilizados foram produzidos no Laboratório de Materiais de Construção Civil – LMCC, especialmente para o ensaio. Suas geometrias são de basicamente três tipos de blocos, fabricados para reproduzir as peças comerciais de 14x19x29 (unidade básica), 14x19x14 (meio bloco) e 14x19x44 (bloco e meio). Esta última peça (bloco e meio) é utilizada nas amarrações em T, para possibilitar o contrafiado perfeito. Como, neste caso, não havia o bocal correspondente para sua fabricação, utilizou-se o artifício de serrar dois blocos com septo central duplo, utilizando-os como um bloco de amarração. Os tipos de blocos e o esquema da estrutura construída podem ser vistos na figura 2.

633

672

4242

unidades básicas

bloco e meio

meio bloco

Figura 2. Plantas de 1ª e 2ª fiadas.

2.2 Argamassa

A argamassa utilizada na confecção da parede foi preparada com antecedência de uma semana, com areia um pouco mais fina que a recomendada, uma vez que as juntas de assentamento tinham somente 3 mm de espessura. A sua relação a/c foi de 1,3, ajustada inicialmente pelo pedreiro e mantida constante em todo o trabalho. A argamassa utilizada para confeccionar os prismas e os corpos de prova foi preparada somente no momento de sua utilização.

2.3 Estrutura

A construção da estrutura foi executada por um pedreiro profissional, que já havia trabalhado com alvenaria estrutural, auxiliado pelo pesquisador. A primeira fiada foi assentada sobre uma base de concreto, previamente preparada. A marcação da primeira fiada foi feita de acordo com a figura 2, seguindo suas dimensões e esquema de amarração. Perceba-se na planta de 1ª fiada e na elevação mostrada na figura 3 a amarração feita com os dois blocos serrados na junção entre alma e flanges.

As dimensões mostradas foram escolhidas pelos seguintes critérios: a altura corresponde a uma parede normal sem a fiada de respaldo (cinta de amarração) com 2,40 m de altura. Os comprimentos da alma e flanges foram os maiores possíveis considerando-se o tamanho da mesa da prensa. Estas dimensões possibilitariam que uma carga concentrada no centro da alma fosse distribuída para toda a estrutura, no caso de confirmada a ocorrência de espraiamento.

A estrutura foi erigida em duas etapas, sendo que a primeira delas, até a 5ª fiada, foi feita em um dia e a segunda etapa, até a 12ª fiada, no outro. Devido à falta de experiência dos envolvidos e à grande dificuldade de trabalho com os blocos em modelo reduzido, foram verificados diversos problemas no decorrer dos trabalhos, tais como deficiências no prumo, nível e alinhamento da estrutura, perturbações nos blocos após seu assentamento e preenchimentos deficientes das juntas verticais de assentamento.

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Após a construção da estrutura a mesma sofreu avaliação visual, donde se pôde aferir que, de modo geral, as paredes ficaram satisfatórias, mas certamente com qualidade inferior a outras normalmente executadas em obras de alvenaria estrutural, sobretudo se por pessoal especializado e em escala real. A avaliação dos problemas descritos considerou que sua magnitude não interferiria nos resultados do ensaio, optando pela continuidade dos trabalhos.

Figura 3. Aspecto da estrutura ensaiada.

3 ENSAIO E RESULTADOS

Após 32 dias da construção da estrutura esta foi ensaiada. A metodologia do trabalho consistiu em carregar-se a mesma em etapas que representariam 0,5 MPa de acréscimo de tensão de compressão na alma. A carga foi aplicada por meio de um dispositivo muito rígido da prensa que mantinha o topo da parede rotulado. Como este não tinha o comprimento total da alma utilizou-se ainda uma chapa de aço com 20 mm de espessura e 250 mm de largura, buscando-se com isto aplicar uma tensão uniforme à mesma. Também no intuito de evitar-se concentrações de tensões no topo da parede, foi introduzida uma camada de neoprene com 5 mm de espessura entre a chapa e a alma, conforme mostra o esquema da figura 4.

Em cada etapa o ensaio era conduzido vagarosamente até o patamar estabelecido e então paralisado para que as leituras de deformação fossem feitas. Estas leituras foram realizadas em todas as paredes utilizando-se Demec Gauge, com as pastilhas inseridas em diversas posições. A figura 5 esquematiza os locais onde foram efetuadas leituras

de deformações verticais junto à base das paredes. Aqui cabe ressaltar que diversas outras leituras foram efetuadas em outras posições, como por exemplo na parte superior da parede, e também nas direções horizontal e inclinada, para que o comportamento global da estrutura fosse verificado. Alguns resultados, no entanto, são descritos apenas superficialmente face ao intuito deste artigo.

Elemento da prensa

Rótula

Placa de aço

Base de concreto

Neoprene

Figura 4. Esquema de carga.

1 3

11 4

Figura 5. Posição esquemática das medições

verticais.

As deformações específicas verticais podem ser vistas na tabela 1, ao final do trabalho. As tensões correspondentes também estão expressas para cada ponto na tabela 2, observando-se que foi utilizado um módulo de deformação longitudinal E = 3000 MPa, semelhante àquele encontrado em outros ensaios de pequenas paredes de alvenaria (Cavalheiro, 1994).

A primeira verificação que pode ser feita é relativa ao E empregado. A leitura feita no par nº 8 de pontos (logo abaixo do ponto de aplicação da carga, na mesma prumada do par n.º 4 mostrado na figura 5) deveria acusar uma tensão de -0,5 MPa caso não

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houvesse distribuição para os flanges, ou uma tensão aproximada de -0,27 MPa caso houvesse espraiamento total de tensões, sem nenhuma interferência. A tensão lida foi de –0,17 MPa, um valor inferior ao limite mínimo.

Lado 1

Lado 3Lado 2

Lado 6

Lado 1

Lado 4

Lado 5

Lado 3

Lado 5 Lado 6

1

2

34

7

5

6

8

12

13

11

14

910

Figura 6. Posição das pastilhas do ensaio.

O par nº 8 de pontos teria sua utilidade aumentada caso outro par tivesse sido colado em seu lado simétrico. Desta forma teria-se capacidade de verificar se havia alguma excentricidade no carregamento, em torno do eixo vertical das figuras. Com os outros pontos (nos 4 e 11) não se pode fazer o mesmo, uma vez que estes encontram-se na base da parede e as complexas interações que ocorrem até lá podem mascarar um efeito de excentricidade. Assim, mesmo com o valor abaixo do limite inferior o E utilizado não foi descartado nesta etapa, atribuindo-se a uma possível excentricidade a responsabilidade pela diferença.

Outra análise possível é a do coeficiente de Poisson. Foram observados, para este nível de tensões, ν=0,1 para o lado 3 e ν=0,27 para o lado 6. Mais

observações foram feitas a níveis mais elevados de tensões.

Quanto às tensões normais que ocorrem nos planos inclinados a 45º, destaca-se que os valores teóricos são bastante diferentes daqueles efetivamente lidos, sendo estas diferenças atribuídas a dois problemas. O primeiro é que as pastilhas não foram fixadas exatamente nos locais indicados na figura 6, mas em locais próximos, onde não existissem juntas de argamassa, sendo que o seu centro geométrico não coincidiu exatamente com o centro das pastilhas verticais e horizontais. O segundo problema é que provavelmente existem aí cargas de cisalhamento não consideradas no cálculo, devidas a uma excentricidade no carregamento ou a um comportamento anisotrópico e não linear do material.

Quanto a questão principal deste trabalho, que busca basicamente verificar a hipótese de espraiamento de tensões entre alma e flanges, as tensões normais lidas na base da parede (pontos nos 1, 3, 4, 9, 10 e 11) foram plotadas na figura 7 para uma melhor visualização. Também foram traçadas as isóbaras aproximadas, para que o fenômeno ficasse mais claro. Da figura se pode facilmente constatar dois pontos principais: o primeiro é que ocorreu uma distribuição das tensões para os flanges, conforme se vê pelas tensões em suas extremidades. A segunda verificação é que a aplicação da carga foi realmente excêntrica, podendo ser por deficiência de posicionamento da estrutura na prensa, de nível ou outra.

-0,24 MPa

-0,17 MPa 0,00 MPa

-0,26 MPa

-0,17 MPa -0,12 MPa

-0,25

-0,20

-0,15 -0,

05-0,10

-0,20

-0,15

Figura 7: Distribuição de tensões para uma

compressão de 0,5 MPa na alma.

Perceba-se que um dos pontos de leitura (no 3) não se deformou, enquanto todos os outros registraram compressão. Este comportamento na base da estrutura confirma a hipótese da excentricidade, mas no topo da estrutura tensões de tração podem ser

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esperadas no topo dos flanges, devidas à configuração da geometria da parede e da aplicação da carga, conforme ilustra a figura 8 e confirma o valor lido para o ponto 2. Assim, uma deformação zero não significa que todo o trecho compreendido entre os dois pontos esteja livre de tensões, mas que provavelmente uma parte esteja tracionada e outra comprimida, anulando-se estas no trecho.

A tensão média que deveria ocorrer na base da estrutura para este carregamento é de -0,16 MPa, considerando-se uma perfeita distribuição de tensões. A tensão que pareceu atuar foi, em média, de -0,15 MPa, sugerindo que o E adotado para a alvenaria fosse mantido.

Embora o valor da tensão média tenha sido calculado segundo as isóbaras traçadas, não se pode utilizá-las para calcular os valores de excentricidade nos dois eixos, por se observar nelas que a distribuição de tensões não é linear na base. Esta não linearidade foi causada pelas deformações de cisalhamento, que obviamente não podem ser desprezadas, invalidando com isto o teorema de Bernoulli e impossibilitando a resolução pelo método da flexo-compressão elástica.

Figura 8: Esquema de tensões na estrutura

deformada.

Ao se aumentar a tensão na alma para -1,0 MPa, as deformações encontradas foram aquelas mostradas na tabela 1 e figura 9. Não se encontraram explicações para as compressões na direção horizontal lidas na base da parede, que resultariam em um ν negativo. Os valores das tensões inclinadas a 45o também são incompatíveis com os cálculos, não sendo possível fazer nenhuma análise acerca dos mesmos. A forte tensão de tração que aparece no par no 2 de pastilhas, que está fixada em um ponto mais alto da estrutura, confirma o comportamento teórico ilustrado pela figura 8.

Pode-se perceber claramente que a tendência de distribuição de tensões continua, uma vez que todos

os pontos da estrutura sofreram deformações. A análise das isóbaras da base da parede mostradas na figura 9 confirma a idéia da excentricidade no carregamento.

-0,36 MPa -0,36 MPa

-0,43 MPa -0,22 MPa

-0,31 MPa +0,02 MPa

-0,05-0

,10-0,15

-0,20

-0,25

-0,30

-0,35

0,00

-0,40

-0,30

-0,25

Figura 9: Distribuição de tensões para uma

compressão de 1,0 MPa na alma.

A média ponderada das tensões que ocorrem na estrutura para este carregamento é de -0,26 MPa. Caso a hipótese de solidariedade total entre as paredes se confirmasse, a consideração de suas implicações conduziria a uma tensão média de 0,32 MPa na base da estrutura para um carregamento perfeitamente centrado e distribuído. Neste caso, o módulo de elasticidade longitudinal compatível seria de 3690 MPa, 23% acima do valor utilizado, sendo considerado um resultado satisfatório.

A próxima etapa de carregamento foi feita para que a tensão de compressão na alma ficasse em 1,5 MPa. Após atingido o valor foram realizadas as leituras das deformações nos pontos preestabelecidos. Destas leituras se pôde concluir que a este nível de tensão também ocorreu migração de tensões para os flanges, conforme acusaram as deformações dos pontos 1, 3, 9 e 10. A desuniformidade de tensões na base da estrutura infelizmente persistiu, indicando excentricidade e deformações de cisalhamento como causadoras do fenômeno.

As deformações horizontais na base voltaram a acusar tração, sendo o coeficiente de Poisson de 0,31 para o lado 3 e de 0,17 para o lado 6, valores estes compatíveis com a bibliografia existente e a margem de erro inerente ao ensaio.

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-0,10 MPa

-0,70 MPa

+0,05 MPa

-0,70 MPa

-0,72 MPa -0,36 MPa

0,0

-0,1-0,2

-0,3

-0,6

-0,5

-0,4

-0,7

-0,6

-0,5

-0,4

Figura 10. Isóbaras para -1,5 MPa na alma.

Pode-se observar na figura 10 que a tendência de distribuição de tensões foi a mesma daquela registrada para níveis inferiores de tensões. Neste caso, a tensão média na base calculada com base nas isóbaras traçadas é de -0,39 MPa. Considerando-se a força aplicada distribuindo-se por toda a área da estrutura, a tensão resultante seria de –0,48 MPa. Isto indica que, caso as tensões se distribuam perfeitamente por toda as paredes, o módulo de elasticidade de 3000 MPa utilizado foi muito baixo, conduzindo novamente os resultados para E=3690 MPa, analogamente àquele encontrado no estágio de carga anterior.

Exatamente os mesmos comportamentos das etapas anteriores foram verificados quando o carregamento de –2,0 MPa na alma foi feito. Tanto a tabela 1 quanto a figura 11 fornecem informações sobre o fenômeno. A exceção foi o coeficiente de Poisson, que apresentou valores bastante elevados, da ordem de 0,5.

-1,06 MPa -1,10 MPa

-1,10 MPa -0,58 MPa

+0,02 MPa +0,07 MPa

-0,6

-0,8

-0,7

-0,9

-1,0

-1,1

-1,0

-0,8

-0,6

-0,4

-0,2

0,0

Figura 11: Isóbaras para –2,0 MPa na alma.

Também neste caso uma análise das tensões que ocorreram na base das paredes indica que o módulo de elasticidade utilizado deveria ser cerca de 20% maior que os 3000 MPa utilizados. Ao ponderar-se as tensões, verifica-se uma tensão média de –0,54 MPa, quando o valor deveria ser de –0,64 MPa. Isto sugere E=3540 MPa.

Antes que o próximo estágio de carga fosse atingido, na continuidade do ensaio, ocorreu a primeira ruptura da estrutura, quando a carga completava 2,4 MPa de compressão na alma. A ruptura ocasionou uma única fissura vertical na alma, que pode ser vista na figura 12. A causa mais provável desta ruptura foi a de uma concentração de tensões, devida à saliência de um dos blocos em relação aos demais do topo da parede.

Figura 12: Marcação da fissura iniciada a 2,4 MPa.

No momento da ruptura a fissura era bastante fina, não tendo a espessura marcada na fotografia, que foi tirada somente após o colapso da estrutura. A tensão continuou a ser aumentada até os 2,5 MPa na alma, quando foram feitas as medições correspondentes. Devido à pressa causada pelo colapso iminente da estrutura, somente as leituras das deformações verticais foram efetuadas.

Mesmo com a ocorrência da fissura devida à concentração de carga o comportamento da estrutura não se modificou. As deformações plotadas na figura 13 demonstram que a solidariedade entre alma e flanges continuou existindo, que o centro da alma continuou a ter tensões mais elevadas e que uma excentricidade existiu no carregamento. Também para este carregamento analisou-se o E empregado pelas tensões médias atuantes, de –0,73 MPa, e aplicada, de –0,80 MPa. Esta comparação volta a indicar um módulo de deformação longitudinal um pouco maior que o utilizado, desta vez conduzindo para o valor de 3300 MPa.

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-1,63 MPa

-1,44 MPa

-1,85 MPa

-0,77 MPa

+0,12 MPa +0,36 MPa

-0,8-1,0

-1,2

-1,4

-1,6

0,0+0,2

-0,2-0,4

-0,6-0,8

-1,0-1,2

-1,4-1,6

Figura 13: Tensões na base da estrutura para –2,5

MPa aplicados à alma.

O colapso da estrutura ocorreu para uma tensão de compressão na alma igual a 4,6 MPa. O mecanismo básico foi o de esmagamento da fiada de topo e de parte da segunda, combinada com ruptura à tração nos flanges tracionados e de cisalhamento na alma e em um dos flanges comprimidos. As figuras 14 a 17, a seguir, mostram a posição e a extensão das fissuras, mapeadas após a ruptura.

Figura 14: Fissura de tração no lado 1.

Os dois flanges tracionados (lado 1) suportaram deformações que correspondem a 0,36 MPa, considerando-se E=3000 MPa. Não sabe-se ao certo qual a resistência à tração desta alvenaria, mas acredita-se que a ruptura deu-se acima deste nível de tensões.

Figura 15: Fissuras devidas à tração e cisalhamento

nos lados 2, 3 e 4.

A figura 15 indica que ocorreram consideráveis esforços de cisalhamento tanto na alma quanto nos flanges, a julgar pelo desenvolvimento das fissuras, especialmente no lado que já acusava maiores distribuições das tensões de compressão. As figuras 16 e 17 destacam uma fissura que indica claramente a distribuição de tensões a 45o em um dos flanges, corroborando a hipótese de cálculo utilizada por projetistas de alvenaria estrutural.

Figura 16: Fissuras devidas ao cisalhamento nos

lados 3 e 4.

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Figura 17: Complementação da figura 16, mostrada

pelo lado 5.

4 CONCLUSÕES

O acréscimo de tensões na base da alma foi relativamente linear desde o começo do ensaio, demonstrando que a ocorrência de espraiamento é proporcional à carga aplicada, embora o comportamento da estrutura não seja linear no que se refere às tensões em diferentes pontos da sua seção transversal. A figura 18 ilustra o acréscimo de tensão em cada ponto da base relacionado ao acréscimo de carregamento.

Figura 18: Evolução das tensões em diversos pontos da estrutura.

A figura 19 destaca a região em que haviam se dado as primeiras rupturas nos ensaios realizados por Sinha. Como se pode observar, a estrutura encontra-se integralmente preservada nesta região, não existindo portanto as fissuras que tenderiam a separar

alma e flanges, já nos primeiros carregamentos. A transferência de tensões foi muito superior aos 6 a 7% verificados em suas paredes de tijolos maciços, acreditando-se poder dizer que se chegou ao espraiamento integral das cargas que chegam à região de interseção, desconsiderados os efeitos de concentração de tensões no centro da alma, inerentes ao problema.

Figura 19: Aspecto da interseção entre alma e flanges

após a ruptura da estrutura.

Por outro lado, deve-se lembrar de alguns fatores que reforçam a idéia de transferência de esforços:

1. a estrutura ensaiada apresentava qualidade construtiva questionável, bastante inferior a uma estrutura similar construída em alvenaria estrutural;

2. não existia, no ensaio, a fiada de respaldo armada, homogeinizadora de tensões, bastante comum em obras de alvenaria estrutural;

3. as condições de carregamento são as piores possíveis, com uma parede carregada até a ruptura e as demais completamente descarregadas, fato dificilmente reprodutível em estruturas reais, mesmo as que utilizem lajes nervuradas.

Assim, considerarando-se que em estruturas reais a qualidade de execução é boa, que existe uma fiada de respaldo auxiliando na distribuição de cargas e que somente diferenças de tensões são homogeneizadas,

-2.00

-1.50

-1.00

-0.50

0.00

0.50

-2.5 -2.0 -1.5 -1.0 -0.5 0.0

σσσσalma (MPa)

σσ σσpontos (MPa)

σ1 σ3

σ4 σ9

σ10 σ11

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parece bastante razoável a hipótese do espraiamento de tensões, com todas as ressalvas de apenas um corpo-de-prova ter sido ensaiado. Os resultados convergem com os de ensaios similares realizados no Brasil (exceto pela forma de fissuração), e com algumas prescrições das normas nacional e internacionais, que admitem, por exemplo, a formação de flanges para resistir aos esforços de vento e a melhoria da capacidade portante de paredes enrijecidas lateralmente.

Tabela 1: Deformações específicas ε (x10-5).

Tabela 2: Tensões verticais atuantes σ (MPa).

O ensaio que originou este trabalho foi efetuado em 1999, como parte dos requisitos de uma disciplina do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina, motivo pelo qual teve uma forma simplificada. Maiores estudos relacionados à questão são ainda necessários, uma vez que o resultado de apenas um ensaio, com todas as particularidades descritas no decorrer deste documento, obviamente não é suficiente para elaborar validar uma teoria de distribuição de ações verticais. Pesquisas complementares a este trabalho são atualmente desenvolvidas na UFSC, como parte do doutoramento do autor em engenharia civil.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

V. OLIVEIRA JR, L. M. PINHEIRO, Método Prático para Distribuição das Ações Verticais em Paredes de Alvenaria, in 5th International Seminar on Structural Masonry for Developing Countries, 315-322, Florianópolis, 1994.

G. A. PARSEKIAN, L. S. FRANCO, Método para Distribuição de Esforços Verticais entre Paredes de Edifícios de Alvenaria Estrutural, Revista Téchne, 61, 48-53, 2002.

V. CAPUZZO NETO, Estudo Teórico e Experimental da Interação de Paredes de Alvenaria Estrutural Submetidas a Ações Verticais. Dissertação (Mestrado) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2000.

B. P. SINHA, A. W. HENDRY, Compressive Strength of Brick Walls Stiffened Along their Vertical Edges, Proc. Vth International Masonry Conference, 254-261, Washington, 1979.

O. P. CAVALHEIRO, Resistência e Deformabilidade de Pequenas Paredes em Alvenaria Cerâmica Tradicional, in 5th International Seminar on Structural Masonry for Developing Countries, 146-155, Florianópolis, 1994.

NBR 10837, Cálculo de Alvenaria Estrutural de Blocos Vazados de Concreto. Associação Brasileira de Normas Técnicas, Rio de Janeiro, 1989.

BS 5628, Code of Practice for structural use of masonry. Unreinforced masonry: part 1. London: British Standards Institutions, 1992.

-0.5 -1.0 -1.5 -2.0 -2.5

1 -5.6 -10.4 -3.2 0.8 4.0

3 0.0 0.8 1.6 2.4 12.0

4 -8.0 -12.0 -23.2 -36.8 -61.6

9 -4.0 -7.2 -12.0 -19.2 -25.6

10 -5.6 -14.4 -24.0 -36.8 -48.0

11 -8.8 -12.0 -23.2 -35.2 -54.4

σalma (MPa)

Pontos

-0.5 -1.0 -1.5 -2.0 -2.5

1 -0.17 -0.31 -0.10 0.02 0.12

3 0.00 0.02 0.05 0.07 0.36

4 -0.24 -0.36 -0.70 -1.10 -1.85

9 -0.12 -0.22 -0.36 -0.58 -0.77

10 -0.17 -0.43 -0.72 -1.10 -1.44

11 -0.26 -0.36 -0.70 -1.06 -1.63

Pontos

σalma (MPa)