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Conferência Internacional do Trabalho, 106ª Sessão de 2017 Relatório IV Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral Quarto ponto da agenda Bureau Internacional do Trabalho, Genebra

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Conferência Internacional do Trabalho, 106ª Sessão de 2017

Relatório IV

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

Quarto ponto da agenda

Bureau Internacional do Trabalho, Genebra

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As designações constantes das publicações da OIT, que estão em conformidade com as normas das Nações Unidas, bem como a forma sob a qual figuram nas obras, não refletem necessariamente o ponto de vista do Bureau Internacional do Trabalho relativamente à natureza jurídica de qualquer país, área ou território ou respetivas autoridades, ou ainda relativamente à delimitação das respetivas fronteiras.A referência ou não referência a empresas, produtos ou procedimentos comerciais não implica qualquer apreciação favorável ou desfavorável por parte do Bureau Internacional do Trabalho.As publicações da OIT podem ser obtidas nas principais livrarias ou em vários países nos Escritórios locais, e catálogos ou listas de novas publicações também podem ser pedidos diretamente para ILO Publications, International Labour Office, CH-1211 Geneva 22, Switzerland, ou solicitados através do seguinte endereço de e-mail: [email protected]. Visite o nosso sítio na internet: http://www.ilo.org/publns

Primeira Edição 2017

A edição original desta obra foi publicada pela OIT em inglês com o título Addressing governance challenges in a changing labour migration landscape

A edição em língua portuguesa desta obra só foi possível com o financiamento do Governo de Portugal através do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

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CIT.106/IV iii

Índice

Abreviaturas ........................................................................................vIntrodução .........................................................................................viiObjetivos e estrutura do relatório ...................................................................... ix

Capítulo 1 Tendências globais e regionais da migração laboral .....................11.1.Os migrantes no atual mundo do trabalho: Tendências globais e regionais .......................................................................... 11.1.1. Tendências globais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

1.1.2. Tendências regionais e sub-regionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

1.1.3. Distribuição dos trabalhadores migrantes por setor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

1.2. Mudança demográfica e migração laboral .................................................. 61.3. Características da migração laboral ............................................................ 71.3.1. Migração laboral permanente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

1.3.2. Migração laboral temporária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1.3.3. Migração altamente qualificada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.4. Conclusão .................................................................................................... 12

Capítulo 2 Desafios da governação da migração laboral ...............................132.1.Vantagens da migração laboral e custos para os trabalhadores migrantes .............................................................................. 132.1.1.Vantagens da migração laboral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

2.2. Papel das instituições do mercado de trabalho e das políticas ativas de mercado de trabalho .......................................................................................... 242.2.1. Inspeção do trabalho e acesso à justiça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

2.3. Diálogo social .............................................................................................. 262.4. Cooperação internacional .......................................................................... 28

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2.5. Conclusão .................................................................................................... 30

Capítulo 3 Acordos bilaterais sobre migração laboral ....................................333.1. Tipologia e tendências dos acordos bilaterais sobre migração laboral ................................................................................................. 343.2. Acordos bilaterais sobre migração laboral no contexto internacional ....................................................................................................... 353.3. Desafios de governação ............................................................................. 373.4. Boas práticas e acordo de modelo na Recomendação n.º 86 ................. 393.6. Acesso dos trabalhadores migrantes à proteção social ao abrigo de acordos bilaterais . 443.7. Acordos bilaterais entre sindicatos ........................................................... 473.8. Conclusão .................................................................................................... 48

Capítulo 4 Migração laboral e mobilidade regional .........................................514.1. Governação da migração laboral e integração regional: Tendências e desafios ....................................................................................... 524.1.1. Tendências históricas e importância estratégica das normas internacionais

do trabalho para a integração regional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

4.1.2. Aspetos comuns na governação da migração laboral . . . . . . . . . . . . . . . . 53

4.1.3. Tendências gerais da governação da migração laboral e da mobilidade nas comunidades económicas regionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

4.2. Desafios e respostas à governação regional da migração laboral e da mobilidade 554.2.1. Melhorar a recolha de dados para a criação de políticas aos níveis regional

e nacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

4.2.2. Proteção dos direitos dos trabalhadores migrantes, incluindo os princípios e direitos fundamentais no trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

4.2.3. Harmonização das competências e qualificações dos trabalhadores mi-grantes com os empregos disponíveis além-fronteiras . . . . . . . . . . . . . . 59

4.2.4. Melhor proteção social, nomeadamente através da coordenação dos direitos e prestações de segurança social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

4.2.5 Papel do diálogo social na mobilidade laboral regional . . . . . . . . . . . . . . . 60

4.3. Comunidades económicas regionais, processos consultivos regionais sobre migração e acordos comerciais que incluam componentes de mobili-dade laboral ........................................................................................................ 64

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CIT.106/IV v

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

4.3.1. Processos consultivos regionais sobre migração: Lições para assistência técnica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

4.3.2. Acordos comerciais e mobilidade laboral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

4.4. Conclusão .................................................................................................... 68

Capítulo 5 ..........................................................................................71Recrutamento justo ..........................................................................715.1. Importância do recrutamento justo ........................................................... 715.2. Reduzir os custos de recrutamento da migração laboral ....................... 735.3. Quadro normativo e de políticas da OIT ................................................... 765.4. Políticas e práticas de recrutamento justo emergentes .......................... 795.4.1. Eliminação das taxas de recrutamento e dos custos associados . . . . . . . 79

5.4.2. Quadros regulamentares inovadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

5.4.3. Mecanismos de denúncia eficazes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

5.4.4. Recrutamento entre governos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

5.4.5. Excluir os intermediários laborais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

5.4.6. Contratos de trabalho normalizados e pagamento eletrónico de salários . 84

5.4.7. Responsabilidade solidária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

5.4.8. Diligência devida nas cadeias de fornecimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

5.5. Conclusão .................................................................................................... 87

Capítulo 6 ..........................................................................................89Conclusões e direção a tomar ........................................................896.1. Principais conclusões ................................................................................. 896.2. Pontos para discussão sugeridos ............................................................. 94

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Abreviaturas

ACDH Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos

ACTRAV Bureau para as Atividades dos Trabalhadores da OIT

ASEAN Associação das Nações do Sudeste Asiático

CAN Comunidade Andina

CARICOM Comunidade das Caraíbas

CAS Comité de Aplicação das Normas

CCG Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo

CEACR Comissão de Peritos para a Aplicação das Convenções e Recomendações

CEDEAO Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental

CIT Conferência Internacional do Trabalho

CSI Confederação Sindical Internacional

FMI Fundo Monetário Internacional

ICLS Conferência Internacional dos Estaticistas do Trabalho

KNOMAD Parceria de Conhecimento Global das Migrações e Desenvolvimento

MdE Memorando de Entendimento

OIE Organização Internacional de Empregadores

OIM Organização Internacional para as Migrações

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

SAARC Associação da Ásia do Sul para a Cooperação Regional

SADC Comunidade de Desenvolvimento da África Austral

UA União Africana

UE União Europeia

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CIT.106/IV vii

Introdução

1. Na sua 325ª Sessão (novembro de 2015), o Conselho de Administração do Bureau Internacional do Trabalho acordou realizar um debate geral sobre a migração laboral numa sessão futura da Conferência Internacional do Trabalho (CIT), com referência concreta à governação efetiva da migração laboral aos níveis nacional, bilateral, regional e inter-regional, e ao recrutamento justo,1 ambos componentes fundamentais da Agenda da Migração Justa da OIT.2 Este debate pode facultar uma orientação importante e atempada que permita fortalecer o trabalho e o impacto da OIT na área da migração laboral, e aumentar a capacidade que os ministérios do trabalho e as organizações de empregadores e trabalhadores têm para influenciar a criação e a implementação de políticas e de se envolverem na promoção da migração justa.3

2. O atual debate político em torno da migração baseia-se muitas vezes em falsas perceções sobre a relação entre migração, empregos e desenvolvimento, exacerbadas pelos grandes movimentos de refugiados, outras pessoas obrigadas a deslocar-se e migrantes irregulares em diversas partes do mundo, nomeadamente na região do Mediterrâneo. Estas falsas perceções tornaram muito mais difícil a missão de defender que a migração laboral bem governada é um fator positivo para o desenvolvimento sustentável. Apesar das dificuldades, é ainda mais urgente debater a governação da migração laboral tendo em conta a natureza em rápida mutação do trabalho, o alargamento das disparidades económicas e demográficas e a necessidade de adequar as competências aos empregos para satisfazer as necessidades do mercado de trabalho.

3. Embora a migração seja encarada como uma dimensão fundamental dos debates em curso sobre o futuro do trabalho (uma das sete Iniciativas do Centenário da OIT),4 os desafios em matéria de migração laboral irão aumentar devido a tendências como as mudanças tecnológicas, as evoluções da relação laboral e a

1 OIT: Minutes of the 325th Session of the Governing Body of the International Labour Office, novembro de 2015, GB.325/PV, parágrafo 32.2 OIT: Fair migration: Setting an ILO agenda, relatório do Diretor-Geral, Relatório I(B), CIT, 103ª Sessão, 2014, Genebra.3 OIT: Agenda of the International Labour Conference, Conselho de Administração, 325ª Sessão, Genebra, novembro de 2015, GB.325/INS/2, Anexo III, parágrafos 22-23.4 OIT: O futuro do trabalho Iniciativa do Centenário, Relatório do Diretor-Geral, Relatório I, CIT, 104ª Sessão, 2015, Genebra, parágrafo 61; OIT: Towards the ILO centenary: Realities, renewal and tripartite commitment, Relatório do Diretor-Geral, Relatório I(A), CIT, 102ª Sessão, 2013, Genebra.

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erosão do contrato social entre o Estado e outros intervenientes.5

4. Ao mesmo tempo, na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, os Estados-Membros das Nações Unidas decidiram criar as condições necessárias ao “trabalho digno para todos”, reconheceram “o contributo positivo dos migrantes para o crescimento inclusivo e sustentável” e assumiram o compromisso de “não deixar ninguém para trás”.6 Com efeito, o trabalho digno e a migração abrangem toda a Agenda 2030, mas estão especificamente associados ao Objetivo 8 relativo ao crescimento económico e ao trabalho digno, concretamente à meta 8.8, e ao Objetivo 10 relativo à redução da desigualdade no interior dos países e entre os países, concretamente a meta 10.7. O trabalho digno e a migração laboral também deverão ser componentes importantes do Pacto Global para Migrações Seguras, Ordeiras e Regulares, que os Estados-Membros das Nações Unidas se comprometeram a adotar em 2018 juntamente com um Pacto Global sobre Refugiados (caixa 0.1).7 Por conseguinte, estes desenvolvimentos globais tornam a discussão geral sobre a migração laboral cada vez mais relevante para os constituintes da OIT.

5 Ver OIT: The future of labour supply: Demographics, migration, unpaid work, The Future of Work Centenary Initiative Issue Note Series 2, nov. 2016, p. 5, e também outras notas desta série disponíveis em: http://www.ilo.org/global/topics/future-of-work/lang--en/index.htm6 Nações Unidas (NU): Transformar o nosso mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, Assembleia Geral, 70ª sessão, A/RES/70/1, 21 de out. de 2015.7 No entanto, este relatório tem um enfoque na governação da migração em relação aos trabalhadores migrantes e não aos refugiados e outras pessoas obrigadas a deslocar-se, de acordo com a decisão do Conselho de Administração em relação ao âmbito do debate.

Caixa 0.1 Rumo a um pacto global para migrações seguras, ordeiras e regulares

Em resposta às preocupações relativas aos grandes movimentos de refugiados e migrantes, em setembro de 2016 a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração de Nova Iorque sobre os Refugiados e os Migrantes, pela qual os Estados--Membros assumem o compromisso de adotar dois pactos globais em 2018: um sobre refugiados e outro sobre migração segura, ordeira e regular.

O pacto global para a migração tem por objetivo estabelecer uma série de princí-pios, compromissos e entendimentos entre os Estados-Membros da ONU em relação a todas as dimensões da migração internacional e também abordar todos os aspetos des-ta, nomeadamente os humanitários, de desenvolvimento, os relacionados com os direitos humanos e outros aspetos da migração. O pacto também será orientado pela Agenda 2030 e poderá incluir compromissos práticos, formas de implementação e um quadro para acompanhamento e revisão da implementação.

O Presidente da Assembleia Geral nomeou dois co-facilitadores (os Representan-tes Permanentes do México e da Suíça em Nova Iorque) para liderarem as consultas e as negociações intergovernamentais, que irão ocorrer em três fases.

A Fase I incluirá uma série de consultas e reuniões informais apoiadas pelo Secre-tário-Geral e com base no conhecimento aprofundado da Organização Internacional para as Migrações (OIM) e de outros membros do Grupo Global sobre as Migrações (abril-no-vembro de 2017) em relação a seis áreas temáticas: (1) direitos humanos dos migrantes;

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

(2) migração irregular e percursos regulares, incluindo trabalho digno, mobilidade laboral e reconhecimento de competências e qualificações; (3) cooperação internacional e go-vernação das migrações; (4) contribuições dos migrantes e das diásporas para todas as dimensões do desenvolvimento sustentável, incluindo remessas e portabilidade dos benefícios adquiridos; (5) abordar os motivos da migração, incluindo os efeitos adversos das alterações climáticas, as catástrofes naturais e as crises humanitárias; e (6) tráfico ilícito de migrantes, tráfico de seres humanos e formas contemporâneas de escravidão. Também estão previstas consultas regionais e sub-regionais a múltiplas partes interes-sadas.

A Fase II incluirá a avaliação das participações numa reunião preparatória con-vocada pelos co-facilitadores no México no final de novembro de 2017. O resumo desta reunião elaborado pelo presidente constituirá a base da versão preliminar do Pacto.

A Fase III consistirá nas negociações intergovernamentais em relação ao Pacto, tendo início em fevereiro de 2018 na Sede da ONU em Nova Iorque. Estas negociações irão culminar numa conferência intergovernamental para a adoção do Pacto imediata-mente antes da abertura do debate geral da 73ª sessão da Assembleia Geral. Fonte: ONU: Declaração de Nova Iorque sobre os Refugiados e os Migrantes, Assembleia Geral, 71ª sessão, A/RES/71/1, 3 out. 2016; idem.: Modalities for the intergovernmental negotiations of the global compact for safe, orderly and regular migration, A/71/L.58, 30 jan. 2017.

Objetivos e estrutura do relatório

5. Este relatório tem por objetivo contribuir para um debate informado e equilibrado sobre as questões relativas à migração e ao trabalho. Examina o papel da OIT e dos seus constituintes na consecução de uma governação justa e eficaz da migração laboral que beneficie as sociedades de origem e as de destino, proteja os direitos dos trabalhadores migrantes e das suas famílias e reforce a coesão social.

6. O Capítulo 1 apresenta uma visão geral das principais tendências globais e regionais no que diz respeito à migração laboral. O Capítulo 2 centra-se nos principais desafios à governação da migração laboral e sublinha as associações entre a redução dos défices de trabalho digno e os custos da migração laboral, a criação de instituições de mercado de trabalho sólidas e funcionais e políticas ativas de mercado de trabalho e o reforço da cooperação internacional. O Capítulo 3 centra-se nos acordos bilaterais relativos à migração laboral, um aspeto importante para a cooperação internacional em matéria de migração, e considera as formas como tais acordos podem contribuir para melhorar a governação da migração laboral, incluindo o recrutamento justo. O Capítulo 4 examina os desafios à facilitação da migração laboral e da mobilidade8 aos níveis sub-regional e regional, nomeadamente nas comunidades económicas regionais de África, dos Estados Árabes, da Ásia e

8 O relatório utiliza a “mobilidade laboral” em referência aos movimentos temporários ou de curta duração de pessoas para fins relacionados com o emprego, especificamente no contexto da livre circulação de trabalhadores nas comunidades económicas regionais. Consulte o Capítulo 4

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Pacífico e da América Latina, e também a cooperação inter-regional, com referência às intervenções da OIT. O Capítulo 5 aborda o recrutamento justo de trabalhadores migrantes, com referência especial aos princípios gerais e diretrizes operacionais da OIT para o recrutamento justo, ao compromisso acordado internacionalmente para a redução dos custos da migração laboral e à implementação da Iniciativa de Recrutamento Justo da OIT. O Capítulo 6 considera o melhor rumo a seguir e propõe alguns aspetos para discussão.

7. Ao longo do relatório são feitas referências às normas e aos quadros de políticas da OIT, aos debates prévios na Conferência Internacional do Trabalho e no Conselho de Administração, e às atividades de cooperação para o desenvolvimento da OIT e ainda aos debates relacionados ao nível global, nomeadamente na Assembleia Geral das NU, no Fórum Global sobre Migração Internacional e Desenvolvimento e no Grupo Global sobre as Migrações.

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CIT.106/IV 1

Capítulo 1 Tendências globais e regionais da migração laboral

8. Atualmente a migração encontra-se associada, direta ou indiretamente, à busca de oportunidades de trabalho digno. Mesmo quando o emprego não é o principal impulsionador do movimento inicial, é geralmente incluído no processo de migração em determinado momento. Os membros da família que se juntam aos trabalhadores migrantes no estrangeiro também podem começar a trabalhar, por conta de outrem ou por conta própria.1

9. A migração laboral é um fenómeno cada vez mais complexo e dinâmico que ocorre em todas as regiões do mundo e entre tais regiões. Em determinados corredores de migração, como entre a Ásia e os Estados Árabes e no interior do Sudeste Asiático, o número de migrantes internacionais, a grande maioria dos quais trabalhadores migrantes, triplicou desde 1990. A migração laboral temporária, sobretudo de trabalhadores pouco qualificados, está a ultrapassar os fluxos permanentes, o que constitui um grande desafio à governação em termos de assegurar trabalho digno e reduzir os custos da migração para esta categoria de trabalhadores migrantes (ver Capítulo 2).

1.1. Os migrantes no atual mundo do trabalho: Tendências globais e regionais

10. Nos últimos anos foram registados esforços alargados no sentido de produzir dados fiáveis e comparáveis sobre a migração laboral. No entanto, continua a verificar-se uma lacuna significativa ao nível dos dados, como foi já observado pela OIT2 e pela comunidade internacional.3 Em resposta a esta situação, a OIT produziu estimativas

1 OIT, OCDE e Banco Mundial: The Contribution of Labour Mobility to Economic Growth, artigo conjunto para a Reunião de Ministros do Trabalho e do Emprego do G20, Ancara, Turquia, 3-4 setembro de 2015, pp. 3-4.2 Consulte as conclusões do debate pelo Comité de Aplicação das Normas do Exame de Conjunto relativo aos instrumentos dos trabalhadores migrantes, CIT, Provisional Record No. 16-1, 105.ª sessão, 2016, parágrafo 106(12).3 ONU: Declaração de Nova Iorque sobre os Refugiados e os Migrantes, Assembleia Geral, 71ª sessão, A/RES/71/1, 3 out. 2016, parágrafo 40; idem.: Declaração do Diálogo de Alto Nível da Assembleia-Geral das Nações Unidas sobre Migração Internacional e Desenvolvimento, 68ª sessão, A/RES/68/4, 21 jan. 2014, parágrafo 28.

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2 CIT.106/IV

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

globais e regionais relativamente aos trabalhadores migrantes.4 Estabeleceu também um grupo de trabalho de estatística da migração laboral com o objetivo de definir a orientação global e promover a recolha consistente e a harmonização de dados sobre a migração laboral que melhor apoiem a tomada de decisões com base em provas (caixa 1.1.). A necessidade de dados de melhor qualidade sobre a migração laboral também se encontra realçada na Agenda 2030, especialmente no Objetivo 17 relativo ao fortalecimento dos meios de implementação e revitalização da Parceria Mundial para o Desenvolvimento Sustentável.5

1.1.1. Tendências globais 11. As atuais estimativas indicam que, em 2015, o volume de migrantes internacionais atingiu os 244 milhões,6 tendo aumentado em 71 milhões ou 41% desde 2000, e representa agora 3,3 por cento da população mundial.7 Embora a proporção da população mundial tenha permanecido essencialmente a mesma durante esse período, ocorreu uma mudança dinâmica nas tendências migratórias. Embora a migração para as economias desenvolvidas e o recente aumento da migração laboral pouco qualificada para os Estados Árabes continuem a representar uma grande quota mundial dos migrantes internacionais, 57 por cento do aumento da migração total entre 2000 e 2013 deveu-se aos níveis mais elevados de migração

4 OIT: ILO global estimates on migrant workers: Results and methodology, Genebra, 2015.5 ONU: Transformar o nosso mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, Assembleia Geral, 70ª sessão, A/RES/70/1, 21 de out. 2015, meta 17.18. 6 Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais da ONU (NU-DESA), Divisão de População: Trends in International Migrant Stock: The 2015 Revision, base de dados da ONU, POP/DB/MIG/Stock/Rev.2015.7 Divisão de População da ONU-DESA: International Migration Report 2015: Highlights, Nova Iorque , 2016, pp. 5 e 21.

Caixa 1.1 Grupo de trabalho da OIT sobre as estatísticas da migração laboral

Em outubro de 2013, a 19ª Conferência Internacional dos Estaticistas do Traba-lho, o mecanismo estatístico normativo da OIT, adotou a resolução IV relativa os traba-lhos futuros sobre estatísticas de migração laboral, que recomendou que a Organização criasse um grupo de trabalho “com o objetivo de partilhar as boas práticas [e] debater e desenvolver um plano de trabalho para a definição de normas internacionais para a estatística laboral que possam servir de base informativa para o mercado de trabalho e para a política de migração”. O grupo de trabalho é constituído por representantes de constituintes tripartidos e por especialistas em estatística de migração laboral, e realizou duas reuniões, em Istambul, em outubro de 2015, e em Turim, em novembro de 2016. O enfoque do grupo de trabalho é identificar as principais questões concetuais e reco-mendar os conceitos e definições que serão usados na criação da estatística nacional sobre a migração laboral internacional. Os resultados destes esforços irão contribuir para o próximo debate da Conferência Internacional dos Estaticistas do Trabalho em 2018 e para o desenvolvimento de conceitos e normas internacionais sobre estatística de migração laboral estipulados ao nível mundial. Fonte: 19ª Conferência Internacional dos Estaticistas do Trabalho, Relatório da Conferência, Re-latório III, 2-11 outubro 2013, Genebra, ICLS/19/2013/3, p. 68.

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CIT.106/IV 3

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

Sul-Sul.8

12. Um pouco menos de metade de todos os migrantes internacionais (48,2 por cento) são mulheres. As crianças (com idades entre os 0 e os 14 anos) representam 10,4 por cento dos migrantes internacionais, e 21,2 por cento são jovens com idades entre os 15 e os 29 anos.9

13. De acordo com as estimativas mundiais da OIT, em 2013 havia 150 milhões de trabalhadores migrantes: 83,7 milhões de homens (55,7 por cento) e 66,6 milhões de mulheres (44,3 por cento).10 Os trabalhadores migrantes representam 4,4 por cento da força de trabalho mundial, superior à proporção de migrantes internacionais na população mundial. Participam mais mulheres migrantes do que mulheres não migrantes (67 por cento em comparação com 50,8 por cento) na mão-de-obra, enquanto as taxas de participação dos homens migrantes e não migrantes são basicamente idênticas (78 por cento em comparação com 77,2 por cento).11

1.1.2. Tendências regionais e sub-regionais 14. Quase metade de todos os trabalhadores migrantes (48,5 por cento) estão concentrados na América do Norte e na Europa do Norte, Sul e Ocidental, enquanto pouco mais de um quinto (21,9 por cento) se encontram na Ásia (todas as sub-regiões) e no Pacífico. Nos Estados Árabes encontra-se mais de um décimo da população mundial de trabalhadores migrantes (figura 1.1). Esta é uma tendência que mudou nas últimas duas décadas. A maior proporção de trabalhadores migrantes em relação a todos os trabalhadores da mão-de-obra encontra-se nos Estados Árabes (um terço), seguida pela América do Norte (um quinto) e pela Europa do Norte, do Sul e Ocidental (um sexto).12

15. Desagregando os trabalhadores por sexo, 52,9 por cento de todas as mulheres trabalhadoras migrantes e 45,1 por cento de todos os homens trabalhadores migrantes trabalham na América do Norte e na Europa do Norte, do Sul e Ocidental, enquanto 17,9 por cento de todos os homens trabalhadores migrantes se encontram empregados nos Estados Árabes em comparação com apenas 4% de todas as mulheres trabalhadoras migrantes. Mais de um décimo de todas as mulheres trabalhadoras migrantes (11,1 por cento) estão a trabalhar na Europa Oriental. Dada esta distribuição, não é surpreendente constatar que quase 75 por cento de todos os trabalhadores migrantes se encontram em países de elevado rendimento. Com efeito,

8 OIT: World of Work Report 2014: Developing with Jobs, Genebra, 2014, p. 189.9 Divisão de População da ONU-DESA: Trends in International Migrant Stock: Migrants by Age and Sex, Base de dados da ONU, POP/DB/MIG/Stock/Rev.2015. 10 ILO global estimates, op. cit., pp. 5-6. Para os efeitos destas estimativas, a expressão “trabalhador migrante” refere-se a todos os migrantes internacionais atualmente empregados ou desempregados e a procurar emprego no atual país de residência habitual, ibid., p. 28. 11 ibid., pp. 6, 7 e 8 (tabela 2.3). 12 ibid., pp. 6, 7 e 19.

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4 CIT.106/IV

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

um em cada seis trabalhadores dos países de elevado rendimento é migrante.13 No entanto, como foi indicado na anterior secção 1.1.1, a migração Sul-Sul é a tendência de crescimento mais rápida.

16. A migração internacional cresceu significativamente em alguns dos principais corredores de migração. Por exemplo, o número de migrantes internacionais da Ásia para os Estados Árabes, muitos dos quais trabalhadores migrantes, mais do que triplicou, passando de 5,7 milhões em 1990 para 19 milhões em 2015.14 Nos dez países que pertencem à Associação das Nações do Sudeste Asiático (ANSA), o número de migrantes também triplicou desde 1990, com quase dois terços provenientes de outro Estado membro da ANSA.15 Além disso, as pessoas deslocadas à força por motivos de perseguição, situações provocadas por conflitos, pobreza e impactos ambientais ou climáticos totalizaram mais de 65 milhões no final de 2015.16 Estas tendências criaram grandes desafios para a governação.

1.1.3. Distribuição dos trabalhadores migrantes por setor 17. De acordo com as estimativas da OIT, os trabalhadores migrantes estão concentrados em determinados setores económicos. Em 2013, 106,8 milhões de migrantes estavam empregados no setor dos serviços, o que representava 71,1 por

13 ibid., p. 10.14 ONU-DESA: Trends in International Migrant Stock: The 2015 Revision, op. cit.15 ibid.16 Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados: Global Trends: Forced Displacement in 2015, Genebra, 2016, p. 2; Internal Displacement Monitoring Centre, http://www.internal-displacement.org/.

0,5

2,9

3. 6

4,7

5,3

5,8

7,8

9,2

11,7

23,8

24,7

América Latina e Caraíbas

Ásia Oriental

Ásia Central e Ocidental

África Subsaariana

Ásia do Sul

Europa de Leste

Europa do Norte, do Sul e Ocidental

América do Norte

0 5 10 15 20 25 30 Percentagem

Estados Árabes

Sudeste Asiático e Pacífico

Norte de África

Figura 1.1. Distribuição dos trabalhadores migrantes a viver em cada sub-região, em per-centagem do total de trabalhadores migrantes (homens e mulheres), 2013

Fonte: ILO global estimates, op. cit., p.17, figura 2.17

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

cento de todos os trabalhadores migrantes.17 Deste número, 7,7 por cento encontravam-se empregados como trabalhadores domésticos. Os restantes trabalham na indústria, nomeadamente em fábricas e na construção civil, e na agricultura (figura 1.2).

18. Existem algumas diferenças relevantes em função do sexo na distribuição dos trabalhadores migrantes por setor. Ambos os sexos representam quase exatamente a mesma proporção (cerca de 11 por cento) na agricultura. Na indústria, há uma maior proporção de homens do que de mulheres migrantes (19,8 por cento dos homens contra 15,3 por cento das mulheres), enquanto mais mulheres do que homens migrantes trabalham no setor dos serviços (73,7 por cento contra 69,1 por cento). No entanto, esta diferença no setor dos serviços é explicada por um envolvimento cada vez maior das mulheres no trabalho doméstico, uma situação que, como será abordado na secção 1.2, deverá aumentar devido às alterações demográficas. Por conseguinte, em termos relativos, encontra-se envolvida uma proporção maior de homens trabalhadores migrantes nos diferentes serviços do trabalho doméstico em comparação com as mulheres trabalhadoras migrantes (65,4 por cento dos homens contra 61 por cento das mulheres).18

19. No que diz respeito respeito ao trabalho doméstico, dos 67,1 milhões de trabalhadores domésticos estimados em todo em o mundo em 2013, 11,5 milhões ou 17,2 por cento eram trabalhadores migrantes, com 79,2 por cento concentrados no grupo de países de rendimentos elevados. Cerca de 73,4 por cento (ou 8,45 milhões)

17 ILO global estimates, op. cit., p. 8.18 ibid.

Agricultura , 11,1 %

Indústria, 17,8 %

Serviço doméstico, 7,7 %

Outros serviços, 63,4 %

Figura 1.2. Distribuição global dos trabalhadores migrantes por grande setor alargado de atividade económica, 2013 (percentagem)

Fonte: ILO global estimates, op. cit., p. 9 (figura 2.6).

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6 CIT.106/IV

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

50,8

2,5

3,6

0,7

2,1

0,6

1,9

11,3

6,8

10,9

8,9

19

2,1

11,7

0,7

8,1

0,6

6,9

22,1

24

1.2

3,6

27,4

2,2

9,5

0,7

6,5

0,6

5.5

19,2

19,4

3,8

5

0 10

20

30

40

50

60

Estados Árabes

Ásia Central e Ocidental

Ásia Oriental

Europa de Leste

América Latina e Caraíbas

Norte de África

América do Norte

Europa do Norte, do Sul e Ocidental

Sudeste Asiático e Pacífico

Ásia do Sul

África Subsaariana

Percentagem Total Feminino Mascu

lino

de todos os trabalhadores domésticos migrantes são mulheres.19 Os Estados Árabes têm a maior parte (27,4 por cento) do total mundial de trabalhadores domésticos migrantes e pouco mais de metade (50,8 por cento) do número global de homens migrantes trabalhadores domésticos, que representam mais de 10,4 por cento de todos os homens migrantes trabalhadores naquela região. Em relação ao número global de mulheres migrantes trabalhadoras domésticas, o Sudeste Asiático e o Pacífico acolhem a maior parte, pouco menos de um quarto (figura 1.3).20

1.2. Mudança demográfica e migração laboral

20. O envelhecimento das populações e o declínio da mão-de-obra nacional na maioria das economias avançadas e em algumas grandes economias emergentes sugerem que os trabalhadores migrantes irão representar um papel importante na

19 ibid., pp. 6-7, 10-11.20 ibid., p. 20. Para consultar mais dados sobre os migrantes trabalhadores domésticos em todo o mundo, ver M.-J. Tayah: Decent work for migrant domestic workers: Moving the agenda forward, OIT, Genebra, 2016.

Figura 1.3. Distribuição dos trabalhadores domésticos migrantes por sexo e grande sub-região.

Fonte: ILO global estimates, op. cit., figuras 2.21 e 2.22.

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manutenção da oferta de mão-de-obra e na redução da escassez de mão-de-obra, e também contribuir para o financiamento da proteção social nestes países.21 Com efeito, esta situação já se está a verificar, já que nos últimos anos os migrantes representaram 47 por cento do aumento da mão-de-obra nos Estados Unidos e 70 por cento na Europa.22 Nas economias avançadas, um quinto da população já tem 60 ou mais anos, e prevê-se que essa proporção aumente para mais de 30 por cento até 2050; por outro lado, em muitos países em desenvolvimento, menos de 10% da população tem 60 ou mais anos. A migração laboral poderá, portanto, compensar esta diferença nas estruturas de idade da população, beneficiando potencialmente tanto as economias desenvolvidas como as dos países em desenvolvimento.23 No entanto, embora a migração internacional contribua significativamente para o crescimento da população na América do Norte, Oceânia e Europa - onde a dimensão da população teria diminuído durante o período 2000-2015 caso não se tivesse verificado uma migração líquida positiva - e também possa desempenhar um papel na modificação dos índices de dependência de idosos, não conseguirá reverter a tendência de envelhecimento da população.24 Considerando que está previsto, para o período de 2015 a 2050, um aumento significativo do índice de dependência de idosos na Europa, América do Norte, América Latina e Caraíbas e Oceânia,25 a migração para trabalho doméstico e de prestação de cuidados também deverá crescer, reforçando assim a cadeia global de prestação de cuidados (caixa 1.2).

21 OIT, OCDE e Banco Mundial: The Contribution of Labour Mobility to Economic Growth, op. cit., p. 4.22 OCDE: Is migration good for the economy?, Debates Sobre Política Migratória, maio de 2014, p. 2.23 OIT: World of Work Report 2014, op. cit., p. 189.24 ONU-DESA: International Migration Report 2015: Highlights, op. cit., pp. 21 e 23.25 ibid., p. 23.

Caixa 1.2A cadeia global de prestação de cuidados

A feminização do trabalho doméstico e de prestação de cuidados cria uma cadeia global de prestação de cuidados, um termo proposto por Arlie Hochschild para descrever “uma série de ligações entre pessoas de todo o mundo com base no trabalho de presta-ção de cuidados remunerado e não remunerado”. O envelhecimento das populações e a crescente participação das mulheres na mão-de-obra global criam uma maior procura de trabalho doméstico e trabalho de prestação de cuidados remunerado pelas famílias que, num contexto de redução dos orçamentos públicos para os serviços de prestação de cuidados, ficam obrigadas a procurar soluções privadas para as necessidades a este nível. Por sua vez, as mulheres e os homens migrantes que ocup\am estas posições ficam dependentes de familiares ou trabalhadores informais e de baixa remuneração para prestar cuidados às suas próprias famílias, o que cria um efeito de cadeia. As famí-lias dos migrantes (sobretudo os elementos femininos, como as mães ou as irmãs mais velhas) que assumem o trabalho doméstico e o trabalho de prestação de cuidados sem remuneração podem ficar impedidas de aproveitar quaisquer oportunidades económi-cas ou educativas. Este fenómeno resulta na transferência das responsabilidades da prestação de cuidados das mulheres para outras mulheres, muitas vezes sem proteção e sob condições precárias, perpetuando assim a segregação do mercado de trabalho, as desigualdades de género e a discriminação. Fonte: Adaptado de T. O’Neill et al., Women on the move: Migration, gender equality and the 2030 Agenda for Sustainable Development, Relatório do Instituto de Desenvolvimento Ultramarino, ju-lho de 2016, p. 6.

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8 CIT.106/IV

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

1.3. Características da migração laboral

21. De uma forma geral, a migração laboral para procurar emprego pode ser altamente especializada ou pouco especializada, permanente ou temporária. Mais de um terço (60 milhões) de todos os trabalhadores migrantes são considerados migrantes qualificados.26 A migração laboral permanente é, em grande medida, uma característica dos países de rendimento elevado e médio e está a ser ultrapassada pela migração laboral temporária, sobretudo nos corredores caracterizados por fluxos migratórios crescentes, conforme referido na secção anterior 1.1.2. Os migrantes permanentes estabelecem-se normalmente no país de destino, onde alguns optam por se naturalizar, enquanto os migrantes temporários permanecem e trabalham no país durante um período de tempo definido, que pode ir de alguns meses a vários anos.27 Os trabalhadores migrantes com um nível de qualificação mais elevado têm normalmente mais facilidade em estabelecer-se no país de destino do que os trabalhadores pouco qualificados.28

22. Conforme referido no Capítulo 2, os trabalhadores migrantes menos qualificados ficam expostos com maior frequência aos défices de trabalho digno e suportam custos de migração laboral mais elevados. Constituem a grande maioria dos trabalhadores migrantes de todo o mundo e a sua proporção na migração total de mão-de-obra tem vindo a crescer nos últimos anos, suscitando sérias preocupações quanto à eficiência e equidade da migração laboral. Também é mais provável que se encontrem em situação irregular. Embora a migração irregular seja, por definição, difícil de quantificar, uma estimativa recente sustenta que aproximadamente um quinto (50 milhões) de todos os migrantes internacionais encontram-se em situação irregular.29

1.3.1. Migração laboral permanente 23. Os migrantes laborais permanentes deslocam-se sobretudo para os países

26 A.T. Fragomen, Jr.: The Business Case for Migration: The GFMD Business Mechanism’s Position Paper and Recommendations for Presentation at the Ninth GFMD Summit, Fórum Global sobre Migração Internacional e Desenvolvimento, Bangladesh, dezembro de 2016, p. 4.27 A Organização dos Estados Americanos (OEA) e a OCDE definem da seguinte forma as categorias alargadas de (i)migrantes temporários e permanentes: “Um imigrante temporário é uma pessoa de nacionalidade estrangeira que entra num país com um visto ou que recebe uma autorização que não é renovável ou que é renovável com limitações. Os imigrantes temporários são trabalhadores sazonais, estudantes internacionais, prestadores de serviços, pessoas em intercâmbio internacional, etc. Um imigrante permanente... é uma pessoa que entra com o direito de residência permanente ou com um visto ou uma autorização que é indefinidamente renovável. Regra geral, os imigrantes permanentes são imigrantes matrimoniais, familiares de residentes permanentes, refugiados, alguns migrantes laborais, etc.” Ver OEA e OCDE: International Migration in the Americas: Third Report of the Continuous Reporting System on International Migration in the Americas (SICREMI), Washington, DC, 2015, p. 3 (caixa 1).28 OIT: Fair migration: Setting an ILO agenda, Relatório do Diretor-Geral, Relatório I(B), CIT, 103ª Sessão, 2014, Genebra, parágrafos 72-74.29 J. Chamie: “Understanding Unauthorized Migration”, Inter Press Service, Nova Iorque, 15 de nov. 2016.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

que pertencem à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), para alguns países de rendimento médio da América do Sul e para a Federação Russa. De acordo com dados preliminares, os fluxos totais de migração permanente para os países membros da OCDE atingiram 4,3 milhões de entradas em 2014, com um aumento de cerca de 10% para 4,8 milhões em 2015. Pouco mais de 1 milhão de novos migrantes permanentes deslocaram-se para os Estados Unidos e 2,1 milhões de migrantes, metade dos quais cidadãos de países que não pertencem à União Europeia (UE), deslocaram-se para a UE. Em 2014, a Alemanha continuava a ser o segundo maior país de imigração a seguir aos Estados Unidos, recebendo mais de 13 por cento de todos os imigrantes permanentes para os países da OCDE. A migração familiar representa mais de um terço dos fluxos totais de migração permanente para os países da OCDE. Embora a migração laboral de cidadãos de países terceiros para países da OCDE represente apenas 14 por cento dos fluxos totais de migração permanente, a migração de livre circulação, que representa a segunda maior categoria de migração permanente (32 por cento) também inclui a mobilidade laboral (figura 1.4).30 Na América do Sul, além do Chile, a Argentina registou um aumento constante nos fluxos de imigração permanente, de 81.000 em 2008 para 139.000 em 201331 e, na Federação Russa, o Serviço Federal de Migração emitiu 149.000 autorizações de residência permanente em 2015.32

30 OCDE: International Migration Outlook 2016, Paris, 2016, pp. 15-18 (e tabela 1.1).31 OEA e OCDE: International Migration in the Americas, op. cit., p. 5 (tabela 1).32 OCDE: International Migration Outlook 2016, op. cit., p. 296.

Famíliaa 33 %

Livre circulação % 32

Trabalho 14 %

Família acompanhante dos trabalhadores 7 %

Humanitária % 9

Outra % 5

Fonte: OECD, International Migration Outlook 2016, op. cit., p. 19, figura 1.2, painel B.

Figura 1.4. Fluxos de migração permanente para países da OCDE por categoria de entrada, 2014 (em percentagem)

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10 CIT.106/IV

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

1.3.2. Migração laboral temporária 24. A migração laboral temporária ocorre em todas as partes do mundo. Em algumas regiões e sub-regiões, como o Sudeste Asiático, África e os Estados Árabes, os fluxos migratórios têm uma natureza essencialmente temporária, ao passo que a migração permanente é complementada pela migração laboral temporária em países considerados como países de imigração (como a Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Estados Unidos) e também em diversos países europeus. O valor atribuído à migração laboral temporária para os países de destino é a respetiva flexibilidade na satisfação da procura, de curto prazo, de qualificações de elevado e baixo nível, permitindo assim que os mercados de trabalho do país de acolhimento se adaptem às mudanças nas condições económicas.33 Algumas das consequências positivas para os países de origem são as remessas financeiras e o regresso dos migrantes com conhecimentos e iniciativas que contribuem para o seu desenvolvimento.34

25. Nos países da OCDE, os trabalhadores temporários migrantes constituem uma categoria heterogénea com diferentes níveis de qualificação, incluindo engenheiros altamente qualificados, consultores de TI, trabalhadores transferidos dentro das empresas e trabalhadores destacados, e também trabalhadores sazonais e turistas trabalhadores com baixas qualificações.35 Outros grupos de migrantes temporários, como os estudantes e os estagiários, também são normalmente autorizados a aceder ao mercado de trabalho até certo ponto. Em 2014 foram emitidos mais de 1 milhão de vistos de trabalho temporário só no Canadá e nos Estados Unidos (365.750 e 732.000, respetivamente).36 Outros países da OCDE que recebem um fluxo significativo de trabalhadores temporários migrantes são a Austrália, a República da Coreia, o México, a Nova Zelândia e a Polónia.37

26. Em relação aos países que não são membros da OCDE, no Brasil verificou-se um aumento nos fluxos temporários de migração (geralmente para trabalhar ou estudar) de 51.000 em 2009 para 103.500 migrantes em 2013.38 A migração laboral temporária para a Federação Russa também é significativa, com a emissão de 3,7 milhões de autorizações a cidadãos de Estados que não necessitam de vistos e autorizações de trabalho em 2014.39 Em 2013, os Estados do Golfo receberam mais de 22 milhões de trabalhadores migrantes, o que coloca a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos respetivamente na quarta e quinta posições dos principais destinos

33 OCDE: International Migration Outlook 2015, Paris, 2015, p. 21; OIT: Labour migration and development: ILO moving forward, Documento de base para discussão na Reunião Técnica Tripartida da OIT sobre Migração Laboral, Genebra, 4-8 novembro, 2013, p. 4.34 C. Dustmann e J.-S. Görlach: The Economics of Temporary Migrations, Londres, Centro de Investigação e Análise da Migração, Documento de Reflexão 03/15, p. 35.35 OCDE: International Migration Outlook 2015, op. cit., pp. 21-22.36 OCDE: International Migration Outlook 2016, op. cit., pp. 246 e 312.37 ibid., pp. 238, 274, 282, 286 e 290 respetivamente.38 OEA e OCDE: International Migration in the Americas, op. cit., p. 5 (tabela 1).39 OCDE: International Migration Outlook 2016, op. cit., p. 296.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

mundiais dos trabalhadores migrantes. A proporção de migrantes na população total é superior a 50 por cento em quatro dos seis países do Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo (CCG), com proporções de migrantes particularmente pronunciadas nos Emirados Árabes Unidos (88 por cento), Qatar (86 por cento) e Kuwait (69 por cento). A maioria dos trabalhadores que migra atualmente para o CCG é proveniente de países do sul asiático, como o Bangladesh, a Índia e o Paquistão; Egito, Etiópia e Filipinas são alguns dos outros países de origem mais relevantes.40 A África do Sul também é um país que recebe mais migrantes temporários do que migrantes permanentes. Entre 2010 e 2013 foram recebidos mais de 91.000 pedidos de residência temporária relacionados com trabalho, sendo que 65% destes pedidos foram feitos por cidadãos da China, Zimbabué, Índia, Paquistão e Nigéria.41

1.3.3. Migração altamente qualificada 27. A migração laboral altamente qualificada pode ser tanto temporária como permanente e muitos países de rendimento elevado têm políticas para atrair migrantes altamente qualificados. Por exemplo, em 2014-15, dois terços do Programa de Migração da Austrália envolveram vistos concedidos através do fluxo de Qualificação (127.800 vistos), enquanto em 2014 mais de metade (52 por cento) dos residentes permanentes com idades entre 25 e 64 anos admitidos no Canadá tinham concluído os estudos pós-secundários.42 Nos Estados Unidos, foram emitidos 161.400 vistos em 2014 aos trabalhadores temporários migrantes em profissões qualificadas (vistos H-1B), sobretudo a cidadãos da Índia (67 por cento) e da China (9 por cento), e foram aceites 164.600 funcionários transferidos dentro de empresas em 2015.43

28. Embora os défices de qualificações ao nível mundial exijam uma série de medidas ao nível de políticas que também abordem o desenvolvimento dos recursos humanos ao nível nacional, a migração temporária altamente qualificada pode fazer parte da resposta global. A este respeito, a identificação das necessidades de qualificações através da cooperação bilateral e regional, como se analisa nos Capítulos 3 e 4, representa uma resposta ao nível das políticas. Outra possibilidade corresponde às práticas de recrutamento justo que façam corresponder efetivamente as qualificações dos migrantes aos empregos disponíveis (Capítulo 5). Também há uma necessidade de compreender melhor os atuais requisitos ao nível de qualificações face às mudanças na natureza do trabalho. Alguns analistas estimam que haverá uma potencial escassez mundial de até 85 milhões de trabalhadores de elevada e média qualificação em 2020.44 A Comissão Europeia identificou que, até

40 M.-J. Tayah e H. van de Glind: The Situation of Migrant Workers in the Countries of the Gulf Cooperation Council, Relatório Interno da OIT, out. 2015 (não publicado), pp. 13-15.41 Governo da África do Sul, Departamento da Administração Interna: Green Paper on International Migration, 24 de junho de 2016, p. 27.42 OCDE: International Migration Outlook 2016, op. cit., pp. 238 e 246 respetivamente.43 ibid., p. 312.44 R. Dobbs et al.: The world at work: Jobs, pay, and skills for 3.5 billion people, Instituto Global McKinsey, set. 2012, Sumário Executivo, p. 2.

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12 CIT.106/IV

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

2020, 16 milhões de empregos na UE irão exigir um elevado nível de qualificações.45 Em alguns setores, como a enfermagem, a escassez é particularmente elevada tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento.46 Os empresários consideram que “ter o talento certo é o fator mais importante para o crescimento das empresas”.47 Desta forma, serão necessárias soluções inovadoras para atrair, reter e integrar os melhores trabalhadores qualificados ao nível mundial, um processo que as empresas já estão a empreender através do apoio à formação dos trabalhadores desde a educação pré-escolar até ao ensino universitário, e os regulamentos e os procedimentos burocráticos devem ser simplificados para facilitar para promover a admissão de trabalhadores migrantes altamente qualificados.48 Ao mesmo tempo, as políticas de migração laboral melhoradas, que abranjam todos os níveis de qualificação, não poderão substituir as reformas efetivas na educação e na formação ao nível nacional. As políticas de migração laboral devem complementar e estimular as inovações nos sistemas educativos, tanto a nível nacional como regional.

1.4. Conclusão

29. As atuais tendências globais e regionais demonstram o dinamismo e a complexidade da migração laboral. Os fluxos migratórios Sul-Sul, incluindo a migração para os países vizinhos, são tão significativos quanto os fluxos Sul-Norte, e constituem efetivamente a tendência de crescimento mais rápido. Entretanto, os países que tradicionalmente foram países de origem também se tornaram, num período de tempo curto, países de destino e de trânsito.

30. Dada a mudança na dinâmica da migração laboral, foram criadas novas oportunidades - e também novos desafios.

45 Comissão Europeia: Europe 2020: Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, comunicado da Comissão, 3 mar. 2010, p. 18.46 M.A. Clemens: Global Skill Partnerships: A Proposal for Technical Training in a Mobile World, Centro de Desenvolvimento Global, Documento de Política 040, Washington, DC, maio de 2014, p. 2.47 Organização Internacional de Empregadores (OIE): Position Paper: International Labour Migration, nov. 2014, p. 2.48 ibid., pp. 2-3.

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Capítulo 2 Desafios da governação da migração laboral

31. Este capítulo aborda as principais vantagens e os custos da migração laboral, especialmente os suportados pelos trabalhadores menos qualificados. Dá particular importância ao papel decisivo que as instituições nacionais de mercado de trabalho, as políticas ativas de mercado de trabalho e de emprego e os mecanismos de diálogo social podem e devem desempenhar para proteger os trabalhadores migrantes de abusos e do tratamento injusto, protegendo também os trabalhadores nacionais e assegurando o cumprimento dos requisitos do mercado de trabalho dos países de destino e dos empregadores. Destaca igualmente a importância da cooperação entre países.

2.1. Vantagens da migração laboral e custos para os tra-balhadores migrantes

2.1.1. Vantagens da migração laboral 32. A migração laboral tem vantagens para os trabalhadores migrantes e para as respetivas famílias. O Banco Mundial observou que “os migrantes dos países mais pobres conseguem alcançar, em média, um aumento de 15 vezes no rendimento, uma duplicação dos índices de escolarização e uma redução de 16 vezes da mortalidade infantil depois de emigrarem para um país desenvolvido”.1 As remessas financeiras são uma fonte importante de redução da pobreza para as famílias e para as comunidades dos migrantes. Os fluxos de remessas financeiras dos migrantes foram estimados em cerca de 441 mil milhões de dólares para os países em desenvolvimento em 2015, quase três vezes o montante da ajuda pública ao desenvolvimento.2 Os três principais países destinatários destas remessas foram a Índia, a China e as Filipinas, enquanto que, em relação ao produto interno bruto (PIB), os países mais pequenos, como o Tajiquistão (42 por cento), o Quirguistão (30 por cento), o Nepal (29 por cento), Tonga (28 por cento) e a República da Moldávia (26 por cento) foram os maiores destinatários.3 As remessas financeiras podem ajudar a reduzir o trabalho

1 Banco Mundial: Migration and Development: A Role for the World Bank Group, Washington, DC, set. 2016, p. 15.2 Banco Mundial: Migration and Remittances Factbook 2016, Washington, DC, 2016, p. v.3 ibid., pp. v-vi.

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infantil e a financiar a escolarização e os cuidados de saúde quando estes não são totalmente abrangidos ao nível nacional.

33. A migração internacional tem efeitos diretos e indiretos sobre o crescimento económico. Dada a estrutura etária dos fluxos de entrada, a migração tende a aumentar a mão-de-obra, contribuindo assim para o crescimento agregado do PIB.4 Os imigrantes em idade ativa tendem a contribuir positivamente para as finanças públicas, desde que sejam integrados no mercado de trabalho. Isto acontece, em grande parte, devido à sua idade relativamente jovem e, portanto, aos anos de contribuições previstos e à reduzida necessidade de recurso aos serviços de educação e saúde. Se os migrantes forem devidamente integrados no mercado de trabalho, a migração pode aumentar o rendimento per capita das economias de receção através do aumento do índice emprego-população e da produtividade laboral.5 A produtividade laboral também pode ser melhorada através do aumento da diversidade das qualificações - complementaridade e especialização das qualificações - e do fomento da qualificação dos trabalhadores nacionais através da disponibilização de novas oportunidades. Quando regressam aos países de origem, os migrantes de todos os níveis de qualificação também têm potencial para contribuir positivamente para o desenvolvimento económico dos seus países de origem através de investimentos financeiros, e também com o capital humano e social que adquiriram no estrangeiro, com novas competências, ideias e conhecimentos.6

34. Na maioria dos países de destino, os imigrantes pagam mais em impostos e contribuições sociais do que recebem, aliviando assim a pressão sobre os sistemas de pensões das sociedades desenvolvidas e envelhecidas, e contribuem substancialmente para as economias dos países de destino, fornecendo a mão-de-obra e as qualificações necessárias em profissões e setores fundamentais,7 como a agricultura, construção civil, trabalho doméstico, hotelaria, serviços de saúde, engenharia e tecnologias de informação. O número crescente de imigrantes altamente qualificados tem implicações importantes para a produtividade, inovação e empreendedorismo. Os migrantes também podem desempenhar uma função na promoção dos fluxos comerciais e de investimento e na transferência do conhecimento e da tecnologia para outros países; enquanto consumidores de bens e serviços, também impulsionam a procura no mercado interno.8

35. Os estudos centrados nos países de destino de rendimentos elevados concluem que a migração apenas tem um efeito limitado sobre a remuneração média e o emprego

4 OIT, OCDE e Banco Mundial: The Contribution of Labour Mobility to Economic Growth, op. cit., p. 12.5 Ver, por exemplo, Fundo Monetário Internacional (FMI): “Spillovers from China’s Transition and from Migration”, em World Economic Outlook October 2016, Washington, DC, 2016; F. Jaumotte et al.: Impact of Migration on Income Levels in Advanced Economies, IMF Spillover Notes, Edição 8, Washington, DC, out. (revisto dez.) 2016.6 OIT, OCDE e Banco Mundial: The Contribution of Labour Mobility to Economic Growth, op. cit., p. 1.7 ibid., pp. 1 e 11.8 ibid., p. 1; Banco Mundial: Migration and Development, op. cit., p. x e pp. 15-26.

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dos trabalhadores nacionais.9 O impacto fiscal da migração também é normalmente pequeno na maioria dos países, embora o emprego seja o maior determinante da contribuição fiscal líquida dos migrantes, sobretudo nos países que têm sistemas de segurança social generosos.10 Esta contribuição depende do rendimento dos migrantes e da sua integração no mercado de trabalho, e ainda do funcionamento do sistema de segurança social nas economias de acolhimento.11 As conclusões preliminares de uma investigação da OIT-OCDE que avalia o impacto económico da

9 Ver OCDE, OIT, Banco Mundial e FMI: Towards a Framework for Fair and Effective Integration of Migrants into the Labour Market, Documento para o G20, previsto, 2017, p. 9.10 OCDE: “The fiscal impact of immigration in OECD countries”, in International Migration Outlook 2013, Paris, 2013, p. 161; OCDE: “Is migration good for the economy”, op. cit., p. 3.11 OCDE, OIT, Bando Mundial e FMI: Towards a Framework for Fair and Effective Integration of Migrants into the Labour Market, op. cit., pp. 9-10.

Caixa 2.1 Projeto OIT-OCDE: Avaliação da contribuição económica da migração laboral nos países em desenvolvimento enquanto países de destino

A avaliação do impacto económico da migração nos países de destino, sobretudo nos países em desenvolvimento, cujos mercados de trabalho e demais infraestruturas sociais não se encontram, em muitos casos, tão bem desenvolvidas como nas econo-mias mais ricas, pode ser uma tarefa difícil. Muitas vezes, os impactos económicos que a migração tem a curto e a longo prazo são muito diferentes. Por exemplo, de acordo com a teoria, a curto prazo, os mercados de trabalho respondem aos choques da oferta de mão-de-obra através de um ajustamento das taxas de emprego ou através de um ajus-tamento dos salários, algo que se dissipará a longo prazo à medida que a mão-de-obra residente e as empresas se ajustam a um novo equilíbrio. No entanto, até os efeitos a curto prazo são difíceis de isolar empiricamente. A investigação disponível demonstrou que a imigração pode ter tanto impactos negativos como positivos para as perspetivas de emprego dos trabalhadores nacionais, mas as conclusões dependem muito da es-colha da metodologia e do período que é examinado. Além disso, a maioria das conclu-sões em relação aos impactos da migração laboral baseia-se em estudos realizados em países de elevado rendimento com estruturas de mercado de trabalho relativamente bem desenvolvidas. Estes estudos demonstram que determinadas estruturas do mer-cado de trabalho, como as regulamentações do salário mínimo ou as oportunidades de melhoria dos níveis de educação, podem servir para moderar os impactos da migração laboral sobre os mercados de trabalho nacionais. Porém, a existência e a qualidade de tais estruturas diferem bastante entre os países em desenvolvimento e também em relação às mesmas estruturas nas economias mais desenvolvidas, o que significa que ainda são necessários muitos estudos relativamente às combinações ideais de políticas que permitam maximizar as vantagens da migração laboral para os países em desen-volvimento. O projeto OIT-OCDE emprega uma série de metodologias diferentes para estudar o impacto da migração laboral para os países em desenvolvimento, consideran-do os impactos económicos e do mercado de trabalho, entre outros. Por exemplo, no caso da Tailândia, as conclusões da investigação do projeto em relação aos impactos da migração estão, em grande medida, alinhadas com as conclusões da investigação já existente, nomeadamente no que diz respeito a existirem repercussões positivas mode-radas para a taxa de emprego pago ao nível nacional, mas, em simultâneo, em relação ao facto de haver uma concentração elevada de trabalhadores migrantes em empregos de baixa qualificação.

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migração laboral nos países de baixo e médio rendimento demonstram que, embora o impacto possa ser semelhante ao que se verifica nas economias avançadas, depende das estruturas do mercado de trabalho, dos ajustamentos efetuados no conjunto da economia alargada e do ambiente de investimento (caixa 2.1).

2.1.2. Défices de trabalho digno e custos da migração laboral 36. Apesar dos benefícios da migração laboral, os trabalhadores migrantes, especialmente os menos qualificados, continuam a ser vítimas de défices significativos de trabalho digno, incluindo violações de princípios e direitos fundamentais no trabalho e outras infrações, quando procuram emprego no estrangeiro e durante a sua permanência no país do emprego. Estes défices podem ser descritos, de forma geral, como “custos da migração laboral” (figura 2.1; ver também o Capítulo 5). Os trabalhadores migrantes com baixas qualificações são mais suscetíveis de ser sujeitos a custos da migração laboral mais elevados do que os trabalhadores migrantes altamente qualificados, que são encarados como um recurso escasso e para os quais existe concorrência entre os países. Por outro lado, a muito maior oferta de trabalhadores menos qualificados em relação aos postos de trabalho disponíveis no estrangeiro significa que, em muitos casos, estes trabalhadores são recrutados no âmbito de regimes de migração temporária, muitas vezes depois de pagarem taxas aos recrutadores de mão-de-obra, e para setores caracterizados por formas de emprego atípicas e por uma maior informalidade, e nos quais os défices de trabalho digno são mais comuns.

Custos da documentação ( como passaportes, vistos) /

taxas do serviço de recrutamento Custos de transporte

Custos associados à estadia e ao trabalho no d estino

Custos associados ao processo de regresso

e reintegração

Fonte: Adaptado de M. Aleksynska et al.: Deficiencies in conditions of work as a cost to labour migration: Concepts, extent and implications, OIT, previsto, 2017

Figura 2.1. Tipologia dos custos da migração laboral no processo de migração

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Negação dos princípios e direitos fundamentais no trabalho37. Apesar de representarem apenas 4,4 por cento da mão-de-obra mundial, os trabalhadores migrantes correm um risco muito maior de serem vítimas de trabalho forçado do que os outros trabalhadores. De acordo com a estimativa global da OIT de 2012, 44 por cento de todas as vítimas de trabalho forçado (9,1 milhões de um total de 20,9 milhões) tinham-se deslocado internamente ou internacionalmente.12 O trabalho forçado pode ser mais comum em alguns setores, como a agricultura, o trabalho doméstico,13 a pesca14 e a indústria eletrónica.15 As condições em que as crianças migram nos países em desenvolvimento deixam-nas particularmente vulneráveis ao trabalho infantil. Além disso, as crianças trabalhadoras são normalmente sujeitas a piores condições de trabalho e de acesso à educação e aos cuidados de saúde do que as crianças trabalhadoras locais.16 Muitas crianças migrantes também acabam por trabalhar na agricultura ou em serviços como o trabalho doméstico, e algumas tornam-se vítimas do tráfico de seres humanos e do trabalho forçado, que estão entre as piores formas de trabalho infantil.17

38. Embora a maioria dos países reconheça o direito à liberdade sindical e à negociação coletiva para os trabalhadores migrantes, na prática os trabalhadores migrantes sofrem restrições no exercício deste direito com base na sua nacionalidade ou residência.18 Os trabalhadores migrantes com baixos salários são muitas vezes privados deste direito “devido à sua situação irregular ou às barreiras estruturais dos canais legais que sistematicamente os marginalizam”.19

12 OIT: ILO Global Estimate of Forced Labour: Results and methodology, Genebra, 2012, p. 17.13 OIT: Giving globalization a human face, Exame de Conjunto sobre as Convenções fundamentais relativas aos direitos no trabalho com base na Declaração de Justiça Social para uma Globalização Justa da OIT, 2008, Relatório do CEACR, CIT, 101ª Sessão, 2012, Genebra, parágrafos 294-295.14 OIT: Employment practices and working conditions in Thailand’s fishing sector, Escritório Nacional da OIT na Tailândia, Camboja e República Democrática Popular do Laos, 2013.15 Em 2014, um relatório da organização não-governamental Verité concluiu que um terço dos trabalhadores migrantes da indústria eletrónica na Malásia se encontrava a trabalhar em condições de trabalho forçado, o que levou a Coligação de Cidadania da Indústria Eletrónica (EICC), uma coligação global sem fins lucrativos constituída por algumas das maiores empresas de eletrónica dedicadas à responsabilidade da cadeia de fornecimento, a criar um programa piloto para proteção dos operários na Malásia. Ver, respetivamente, Verité: Forced Labour in the Production of Electronic Goods in Malaysia: A Comprehensive Study of Scope and Characteristics, set. 2014; e EICC: “Electronics Industry Pilots Factory Worker Protection Program in Malaysia”. No entanto, continuam a verificar-se alegações de trabalho forçado contra trabalhadores migrantes. Ver K. Hodal e A. Kelly: “Malaysia: forced labour casts dark shadow over electronics industry”, in The Guardian, 21 nov. 2016.16 H. van de Glind e A. Kou: “Migrant children in child labour: A vulnerable group in need of attention”, in OIT: Children on the Move, Genebra, 2013, pp. 28-43, p. 30.17 Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da OIT: Migration and child labour; Convenção (N.º 182) Relativa às Piores Formas de Trabalho das Crianças, 1999, da OIT, Art. 3(a).18 OIT: Giving globalization a human face, op. cit., parágrafo 79; OIT: Promoting fair migration, Exame de Conjunto sobre os instrumentos dos trabalhadores migrantes, Relatório da CEACR, CIT, 105ª Sessão, 2016, Genebra, parágrafo 289.19 ONU: Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association, Assembleia Geral, 71ª Sessão, A/71/385, 14 set. 2016, parágrafo 28.

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39. Os trabalhadores migrantes também são vítimas de discriminação no emprego, incluindo discriminação por motivos múltiplos, como a raça, etnia, religião e nacionalidade.20 A Comissão de Peritos para a Aplicação das Convenções e Recomendações da OIT (CEACR) salientou a importância de tomar medidas específicas para combater a xenofobia e os estereótipos sociais e culturais que contribuem para a discriminação dos migrantes, nomeadamente no emprego e na profissão.21 Os trabalhadores migrantes em situação irregular são particularmente vulneráveis à exploração e à discriminação, especialmente no que se refere às condições de trabalho e à segurança e saúde no trabalho.22 Enfrentam também obstáculos quando tentam exercer os seus direitos laborais, por derecearem a expulsão e sofrerem outras consequências. Esta situação enfatiza a necessidade de melhorar a cooperação entre os ministérios do interior/imigração e do trabalho.

40. As mulheres trabalhadoras migrantes têm maior probabilidade do que os homens de sofrerem discriminação em razão do sexo, nacionalidade e estatuto de migrante, entre outros motivos de discriminação proibidos.23 As mulheres migrantes, sobretudo as jovens trabalhadoras domésticas migrantes, são especialmente vulneráveis à violência física e sexual no local de trabalho.24 Além disso, as mulheres trabalhadoras migrantes “enfrentam uma dupla penalização em termos de segregação e discriminação no mercado de trabalho; são mais suscetíveis de trabalhar nos setores mais mal remunerados e recompensados da economia por causa do seu sexo e é mais provável que desempenhem cargos de baixa qualificação nesses setores devido à sua etnia e estatuto trabalhadoras migrantes”.25 Estes factos são confirmados por um recente estudo da OIT, que demonstra que os migrantes - especialmente as mulheres migrantes - se encontram sobre-representados nos empregos atípicos, como o trabalho temporário de agências e os empregos a tempo parcial, o que também resulta da discriminação, da fraca capacidade de transferência das qualificações e do reduzido poder de negociação.26 Os estudos por amostragem realizados pela OIT e pelo Banco Mundial sob os auspícios da Parceria de Conhecimento Global das Migrações e Desenvolvimento (KNOMAD), que examinam os custos da migração para os trabalhadores migrantes, demonstram que as trabalhadoras domésticas migrantes trabalham um número de horas substancialmente superior ao dos outros trabalhadores. Por exemplo, no corredor África-CCG, algumas mulheres migrantes trabalhadoras domésticas referiram que trabalham, em média, cerca de 115 horas

20 OIT: Igualdade no trabalho: Um desafio continuo, Relatório Global no seguimento à Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, Relatório do Diretor-Geral, Relatório I(B), CIT, 100ª Sessão, 2011, Genebra, parágrafo 129.21 OIT: Promoting fair migration, op. cit., parágrafos 290-292.22 OIT: Giving globalization a human face, op. cit., parágrafo 778.23 Cf. OIT: Igualdade no trabalho: Um desafio contínuo, op. cit., parágrafos 69-75 e 129.24 O’Neill et al., op. cit., p. 7 (caixa 2).25 ibid., p. 9.26 OIT: Non-standard employment around the world: Understanding challenges, shaping prospects, Genebra, 2016, pp. 144-152.

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por semana, em comparação com as 70 horas dos homens migrantes no setor da construção civil.27

41. Algumas leis e regulamentos relativos ao emprego dos trabalhadores em todos os níveis de qualificações também podem resultar em discriminação contra os trabalhadores migrantes, como os sistemas de autorização de trabalho e os sistemas de patrocínio que limitam seriamente a possibilidade de os trabalhadores migrantes mudarem de local de trabalho, empregador ou patrocinador, o que os coloca numa situação particularmente vulnerável e proporciona aos empregadores uma oportunidade de exercerem um poder desproporcionado sobre os trabalhadores.28 Além disso, tais leis e regulamentos podem também impulsionar os empregadores a preferir os trabalhadores migrantes em detrimento dos trabalhadores nacionais, promovendo-se assim o “dumping social” e a degradação das condições de trabalho.

42. Os limites à mobilidade interna no mercado de trabalho não só impedem a proteção dos direitos dos trabalhadores migrantes como também resultam em mercados de trabalho ineficazes e contribuem para custos de recrutamento elevados (ver Capítulo 5), que são exacerbados pela incapacidade das empresas em obter prontamente trabalhadores com as qualificações adequadas na mão-de-obra local disponível. Uma maior mobilidade interna no mercado de trabalho poderia também reduzir a “retenção de mão-de-obra”, através da qual as empresas mantêm os trabalhadores durante o maior período possível, e algumas práticas dos empregadores que visam impedir a “evasão”, como a retenção de salários, o confisco de passaportes e a proibição de saída da casa nos dias de folga.29 Na Declaração de Bali, adotada na 16ª Reunião Regional da OIT para a Ásia e Pacífico, os constituintes identificaram como uma das prioridades para a política e ação nacionais o melhoramento das políticas de migração laboral com base nas normas internacionais do trabalho relevantes, nomeadamente a necessidade de “reparar as relações empregador-trabalhador que limitam a liberdade de movimentos dos trabalhadores, o seu direito à rescisão do contrato de trabalho ou à mudança de empregadores, considerando todas as obrigações contratuais que possam ser aplicáveis, e o seu direito a regressar livremente aos seus países de origem”.30

27 M. Aleksynska et al.: Deficiencies in conditions of work as a cost to labour migration: Concepts, extent and implications, OIT, previsto, 2017.28 OIT: Giving globalization a human face, op. cit., parágrafo 779.29 OIT: Employer-migrant worker relationships in the Middle East: Exploring scope for internal labour market mobility and fair migration, Escritório regional da OIT para os Estados Árabes, Livro Branco, previsto 2017. No que diz respeito especificamente ao sistema kafala, as propostas de reforma incluem: (a) acabar com associação da relação empregador-trabalhador ao estatuto de imigração do trabalhador migrante; (b) assegurar que a relação de trabalho é regida por contratos de trabalho normalizados com base no direito do trabalho; (c) explicitar as condições de rescisão contratual nos contratos normalizados; e (d) respeitar os direitos laborais básicos em todos os casos. Ver OIT: Realizing a Fair Migration Agenda: Labour Flows between Asia and Arab States - Summary Report of the Interregional Experts’ Meeting, 3-4 December 2014, Kathmandu, RO-Estados Árabes e RO-Ásia e Pacífico, 2015, p. 10.30 OIT: Declaração de Bali, adotada na 16ª Reunião Regional da OIT para a Ásia e Pacífico, Indonésia, a 9 de dezembro de 2016, parágrafo 8(e).

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Penalizações salariais 43. Além das penalizações salariais com base no sexo, continuam a verificar-se disparidades salariais significativas entre os trabalhadores migrantes e os nacionais, tanto nos salários altos como nos baixos, sendo que tais disparidades apenas são explicadas parcialmente pelas diferenças de experiência, educação (incluindo os conhecimentos linguísticos), função, nível de qualificação e outras características do mercado de trabalho. A parte dessas disparidades salariais que não está explicada pode ser atribuída a uma série de fatores: discriminação contra os migrantes pelos empregadores; diferenças nos retornos da educação adquirida no exterior; a perceção falsa de que os migrantes, sobretudo os migrantes solteiros, têm necessidades de rendimento inferiores aos seus colegas nacionais que têm famílias a cargo; ou a sub-representação ou a falta de representação através de estruturas de representação coletiva.31 Na Europa há uma diferença salarial global de 17,5 por cento entre cidadãos nacionais e migrantes, da qual 11,3 por cento não está explicada e pode ser atribuída à discriminação. No Chipre, na Grécia, em Itália, em Portugal e em Espanha, a diferença salarial entre os migrantes e os cidadãos nacionais é superior a 25 por cento, com diferenças salariais inexplicáveis de 17 por cento e mais no Chipre, na Dinamarca, na Polónia e na Holanda.32 Em alguns países, como a Argentina e a Alemanha, a diferença salarial entre migrantes e cidadãos nacionais com rendimentos elevados não se encontra minimamente explicada.33 Estas conclusões indicam que é necessária uma investigação mais aprofundada sobre a eficácia das políticas de apoio à integração dos migrantes no mercado de trabalho, consideradas na secção 2.2. No entanto, espera-se que as diferenças salariais explicadas diminuam para os migrantes com maior tempo de residência, uma vez que, com o tempo, têm maior probabilidade de adquirir a educação, os diplomas e as competências linguísticas necessárias e estabelecer redes sociais.

Más condições de trabalho 44. Os inquéritos OIT-KNOMAD demonstram que as condições de trabalho como o estatuto contratual, o nível salarial, a periodicidade de pagamento dos salários, o número de horas de trabalho e as questões de segurança e saúde no trabalho, bem como a participação sindical e a igualdade de tratamento, são todas áreas nas quais os trabalhadores migrantes assinalam défices significativos de trabalho digno. Em termos monetários, as perdas agregadas representam pelo menos 30 por cento do total dos salários prometidos aos migrantes antes da sua partida e 27 por cento do salário real.34

31 OIT: Global Wage Report 2014/15: Wages and income inequality, Genebra, 2015, pp. v e 50-52.32 ibid., pp. 52-53 (e figura 40).33 ibid., p. 52. Uma exceção a este padrão é o Brasil, país no qual os migrantes com rendimentos elevados ganham mais do que os cidadãos nacionais, por motivos tanto explicados como inexplicados.34 Aleksynska et al., op. cit.

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45. É frequente que os trabalhadores migrantes sejam afetados de forma desproporcional por lesões profissionais quando comparados com a população não migrante. A CEACR realçou várias vezes que, em vários países, os trabalhadores migrantes que se encontram em setores perigosos, como a construção civil, podem não receber formação, equipamento de proteção, controlo médico e seguro em caso de acidente de trabalho.35 Por exemplo, de acordo com dados do Conselho de Promoção do Emprego Estrangeiro do Governo do Nepal, morreram 4322 trabalhadores migrantes nepaleses em 24 países de destino entre 2008-09 e 2014-15, dos quais 4235 eram homens e 85 mulheres.36 Estes números correspondem a um aumento de 90 mortes no ano 2008-09 (no qual foram emitidas quase 220.000 autorizações de trabalho) para um total de 1004 mortes em 2014-15 (ano no qual foram emitidas quase meio milhão de autorizações de trabalho).37 Embora a taxa de mortalidade dos trabalhadores migrantes nepaleses no estrangeiro seja semelhante à dos trabalhadores da mesma faixa etária no Nepal, os trabalhadores migrantes são sujeitos a um teste médico para que as respetivas autorizações de trabalho sejam aprovadas e, por conseguinte, deveriam apresentar melhores condições de saúde e melhor forma do que a média da população.38

46. Os inquéritos OIT-KNOMAD também revelaram que se verifica uma grande variação nos pagamentos por baixa médica, incluindo os casos de doença ou lesão profissional. Aproximadamente 30 por cento dos trabalhadores migrantes entrevistados comunicaram que sofreram de doenças ou lesões durante a permanência no estrangeiro, e dois em cada cinco desses trabalhadores referiram que não lhes foi pago qualquer valor pelos dias em que não puderam trabalhar devido a doença ou lesão. A maior proporção de migrantes não remunerados foi observada no corredor Sul Asiático-CCG, sendo os trabalhadores masculinos da construção civil os mais afetados (figura 2.2).39

47. Muitos migrantes também experienciam condições de vida indecentes em alojamentos superlotados, que podem não incluir infraestruturas básicas e serviços como saneamento, eletricidade e água potável.40

35 Ver, por exemplo, os comentários adotados pela CEACR em relação à Convenção (N.º 167) sobre a Segurança e a Saúde na Construção, 1988: China, observação 2013, Brasil, observação 2012; República Dominicana, observação 2012 e pedido direto 2014; Noruega, observação 2015; e Sérvia, pedido direto 2016.36 OIT: When the safety of Nepali migrant workers fails: A review of data on the numbers and causes of the death of Nepali migrant workers, OIT Kathmandu, 2016, p. 9. Segundo o relatório, não foi especificado o sexo de dois trabalhadores migrantes para o ano de 2014-15. Também foram facultados dados equivalentes (mas apenas com os números relativos a 2013-14) pelo Governo do Nepal à CEACR. Ver OIT: Promoting fair migration, op. cit., para. 48.37 ibid., p. 9 (tabela 1).38 ibid., p. 10.39 Aleksynska et al., op. cit.40 ONU: Report of the Special Rapporteur on the human rights of migrants, François Crépeau: Labour exploitation of migrants, Conselho de Direitos Humanos, 26ª sessão, A/HRC/26/35, 3 Apr. 2014, parágrafo 43.

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0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

100

Feminino Feminino

Etiópia - Arábia Saudita

Nepal - Qatar Paquistão - Arábia Saudita

Paquistão - Emirados Árabes

Unidos

Filipinas - Qatar

Vietname - Malásia

Vietname - Malásia

Percentagem

Construção civil

Indústria Serviços domésticos Agricultura e serviços

Masculino Masculino Masculino Masculino Masculino

Não correspondência das qualificações 48. O acesso aos processos de reconhecimento das qualificações é muitas vezes limitado, especialmente no caso dos trabalhadores migrantes com baixas e médias qualificações. A não correspondência das competências ou a sua falta de reconhecimento pode resultar na desqualificação ou no “desperdício de competências”, que representam mais um custo específico da migração laboral.41 Os migrantes deparam-se com dificuldades em traduzir as suas experiências dos países de destino em melhores oportunidades de desenvolvimento de recursos humanos quando regressam. Um estudo da OIT de 2014 concluiu que há pouca correspondência de qualificações de todos os trabalhadores em pelo menos metade dos países europeus avaliados. Por exemplo, entre 25 e 45 por cento dos trabalhadores na Europa são sub ou sobre-qualificados para o trabalho que fazem, o que origina uma disparidade significativa entre a oferta e a procura nos mercados de trabalho42 da região e a uma redução da produtividade das empresas. Esta tendência poderá tornar-se ainda mais pronunciada para os trabalhadores migrantes nos setores da economia que são altamente dependentes destes trabalhadores, como o trabalho doméstico, outras áreas da indústria dos serviços e a construção civil. Estes setores podem sofrer um “dumping social”, sobretudo nos salários, e uma maior segmentação do mercado de trabalho, tornando-se os empregos de baixas qualificações e baixa remuneração o domínio exclusivo dos migrantes.43

41 R. Cholewinski e M.-J. Tayah: Promoting decent work for migrant workers, Documento de reflexão da OIT, fev. 2015, p. 7.42 OIT: Skills mismatch in Europe: Statistics brief, Genebra, 2014, p. 12.43 G. Lemaître: “The demography of occupational change and skill use among immigrants and the native-born”, in OCDE: Matching Economic Migration with Labour Market Needs, Paris, 2014, p. 113.

Fonte: Aleksynska et al., op. cit.

Figura 2.2. Percentagem de migrantes não remunerados pelos dias em que não puderam trabalhar devido a lesão ou doença

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49. Uma vez que os trabalhadores de baixa ou média qualificação não possuem geralmente qualificações formais, são necessários sistemas que permitam avaliar facilmente as suas competências. Um bom exemplo de um sistema deste género foi referido na Recomendação do Conselho da UE de 20 de dezembro de 2012 sobre a validação da aprendizagem não formal e informal.44 O reconhecimento das aprendizagens anteriores e das capacidades e competências dos trabalhadores migrantes permite-lhes aceder a melhores oportunidades de emprego, reduzindo simultaneamente o risco de desqualificação. Para este efeito, a OIT está a elaborar um guia do utilizador que abrange os trabalhadores com qualificações baixas e médias.45 O reconhecimento das competências contribuirá igualmente para melhorar o potencial de desenvolvimento dos países de origem, permitindo que os repatriados se reintegrem com êxito no mercado de trabalho nacional.

50. O trabalho de aperfeiçoamento da identificação e correspondência das competências deve ser combinado com esforços mais vastos no sentido de reforçar a coerência entre as políticas ao nível de emprego, competências e migração, com a participação ativa das instituições governamentais e dos parceiros sociais. Estes esforços coordenados também resultarão num melhor intercâmbio de informações entre o sistema educativo e o mercado de trabalho, criando assim a base para um sistema atualizado de informação e previsão das competências.

Ausência de proteção social 51. Os trabalhadores migrantes enfrentam desafios significativos no acesso à proteção social, incluindo os cuidados de saúde e outros apoios da segurança social. Embora seja verdade que “todos, enquanto membros da sociedade, têm direito à segurança social”,46 os migrantes deparam-se com dificuldades consideráveis no exercício deste direito em comparação com os cidadãos nacionais que trabalham a vida inteira num único país. Os migrantes podem ser impedidos de aceder ou apenas ter um acesso limitado aos serviços da segurança social no país de acolhimento devido à sua nacionalidade, estatuto ou a períodos insuficientes de emprego e residência,47 o que também pode constituir discriminação direta ou indireta, nomeadamente no contexto da migração laboral temporária ou sazonal. Este acesso também pode ser limitado devido à falta de conhecimento que os migrantes têm dos seus direitos e obrigações. Por outro lado, podem perder direitos aos apoios da segurança social no seu país de origem devido à ausência temporária. Os princípios da territorialidade

44 Conselho da União Europeia: Recomendação do Conselho de 20 de dezembro de 2012 sobre a validação da aprendizagem não formal e informal (2012/C 398/01).45 OIT: Guia do utilizador e notas dos facilitadores sobre “Facilitating transitions to decent work: The importance of recognizing prior learning of migrant workers”, previsto, 2017.46 ONU: Declaração Universal dos Direitos Humanos, Assembleia Geral, resolução 217A, 10 dez. 1948, Artigos 22º e 25º; ver também ONU: Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Assembleia Geral, resolução 2200A (XXI), 16 dez. 1966, Art. 9º.47 G. Binette et al.: Migrant access to social protection under selected bilateral labour arrangements, OIT, previsto, 2017, p. 10.

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e da nacionalidade são características inerentes e problemáticas da legislação nacional de muitos países. Além disso, a falta de mecanismos de coordenação entre os países, um problema abordado nos Capítulos 3 e 4, pode impedir os migrantes de conseguirem aceder aos regimes de proteção social. Além disso, quando existem acordos bilaterais de segurança social, estes abrangem essencialmente os trabalhadores do setor formal, deixando desprotegidos os trabalhadores migrantes da economia informal.

52. Em algumas partes do mundo, e particularmente no corredor de migração Sul Asiático-Estados Árabes,48 os trabalhadores migrantes têm de submeter-se a testes médicos obrigatórios, incluindo testes de VIH e de gravidez, como condição para entrarem ou permanecerem no país de destino. O teste e a divulgação obrigatórios do estatuto de VIH para efeitos de emprego são proibidos pela Recomendação (n.º 200) relativa ao VIH e SIDA de 2010 da OIT.49 A exigência de um teste de gravidez ou de uma certidão deste teste quando uma mulher se candidata a um emprego é proibida nos termos da Convenção (N.º 183) sobre Proteção da Maternidade, 2000, da OIT.50 Além disso, os estudos demonstram que muitos migrantes, especialmente as mulheres trabalhadoras migrantes, são discriminados no âmbito de cuidados de saúde e que não têm acesso às medidas de proteção da maternidade e a outras medidas de apoio às suas responsabilidades familiares.51

2.2. Papel das instituições do mercado de trabalho e das políticas ativas de mercado de trabalho

53. Prevenir a exploração dos trabalhadores migrantes e assegurar o seu contributo positivo para as sociedades de acolhimento e de origem são metas que exigem uma governação justa e eficaz da migração laboral a todos os níveis, e as instituições nacionais do mercado de trabalho desempenham um papel importante neste processo. O sistema de governação é mais eficaz quando os serviços públicos de emprego, os ministérios do trabalho, as empresas e as organizações de empregadores e de trabalhadores são sólidos e todas as partes interessadas têm a capacidade de contribuir para o diálogo ao nível nacional. Isto, só por si, permite melhorar a confiança e o apoio públicos às políticas de migração laboral.

54. Os trabalhadores migrantes são mais bem protegidos na legislação e na prática quando são abrangidos pelas instituições do mercado de trabalho - como a inclusão

48 Iniciativa Conjunta das Nações Unidas sobre Migração, Saúde e VIH na Ásia: Three Country Assessment on Health Screening of Migrant Workers and its Impact on Right to Health and Right to Work, 2014. 49 Parágrafos 25, 27-28.50 Art. 9º.51 OIT: “Meeting the needs of my family too”: Maternity protection and work-family measures for domestic workers, Relatório Sobre Políticas de Trabalho n.º 6, Genebra, 2013, p. 6; M. Bandyopadhyay e J. Thomas: “Women migrant workers’ vulnerability to HIV infection in Hong Kong”, in AIDS Care, ago. 2002, Vol. 14(4), pp. 509-521.

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na negociação coletiva, salários mínimos, inclusão na segurança social e legislação de proteção do emprego - em pé de igualdade com os trabalhadores nacionais.52 Em todo o mundo existem exemplos nos quais a legislação laboral nacional exclui determinados setores, como a agricultura e o trabalho doméstico,53 o que tem um impacto desproporcional sobre o grande número de trabalhadores migrantes a trabalhar nesses setores (muitos trabalham na economia informal). Também há exemplos de casos em que a legislação relativa ao ordenado mínimo não é aplicável aos trabalhadores migrantes ou a determinados setores, ou estipula um valor mais reduzido para os trabalhadores migrantes.54

55. Uma consideração importante é a formulação e implementação de políticas de mercado de trabalho ativas, coerentes e alinhadas com as políticas de migração no que se refere ao reforço do papel dos serviços públicos de emprego, à avaliação das necessidades de qualificação atuais e futuras e à formação e ensino profissionais. A adaptação dos serviços públicos de emprego para que prestem serviços e apoio mais inclusivos aos migrantes recém-chegados é um dos fatores que podem contribuir para a sua integração no mercado de trabalho e para a mobilidade ascendente.55 Os serviços públicos de emprego também podem contribuir para o recrutamento justo dos trabalhadores migrantes e reduzir os custos da migração laboral (ver Capítulo 5). Outras instituições do mercado de trabalho, como os observatórios do mercado de trabalho, podem desempenhar um papel importante na recolha, processamento e análise dos dados da migração laboral. Em vários países de destino, como a Austrália e a Nova Zelândia, a avaliação de competências e as informações de previsão são usadas para criar listas de escassez de competências que asseguram uma via rápida para a admissão de trabalhadores migrantes com as competências mais procuradas.56 Estes exemplos também evidenciam uma boa colaboração entre ministérios diferentes (como o da educação e o do trabalho) e com os parceiros sociais.57

52 C. Kuptsch: “Inequalities and the impact of labour market institutions on migrant workers”, in J. Berg (ed.): Labour Markets, Institutions and Inequality: Building Just Societies in the 21st Century, Edward Elgar e OIT, Cheltenham, Reino Unido, e Genebra, 2015, pp. 340-360.53 ibid., pp. 352-353.54 OIT: Labour protection in a transforming world of work: A recurrent discussion on the strategic objective of social protection (labour protection), Relatório VI, CIT, 104ª Sessão, 2015, Genebra, parágrafo 115; Kuptsch, op. cit., pp. 348-349.55 M. Benton et al.: Aiming Higher: Policies to Get Immigrants into Middle-Skilled Work in Europe, Instituto de Política Migratória e Organização Internacional do Trabalho, Washington, DC, nov. 2014.56 OCDE: Getting Skills Right: Assessing and Anticipating Changing Skills Needs, Paris, 2016, p. 61.57 ibid., pp. 74-75. Contudo, o questionário que apoia esta pesquisa revelou que a falta de consulta das partes interessadas no processo de identificação das necessidades de qualificação ainda é considerado um obstáculo por 75 por cento dos parceiros sociais (ibid., p. 67).

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2.2.1. Inspeção do trabalho e acesso à justiça 56. Os serviços de inspeção do trabalho e os mecanismos de apresentação de queixas são cruciais. Os sistemas de inspeção do trabalho, que realizam inspeções regulares, facultam orientação e aconselhamento tanto a empregadores como a trabalhadores, incluindo os trabalhadores migrantes, e asseguram a aplicação efetiva nos casos de incumprimento desempenham um papel fundamental para a redução dos défices de trabalho digno. A CEACR realçou especificamente a situação particularmente vulnerável dos trabalhadores migrantes em situação irregular, que podem não aceitar colaborar com os serviços de inspeção do trabalho por recearem as consequências negativas, como a perda do emprego ou a expulsão do país. Neste contexto, a CEACR sublinhou que o principal objetivo do sistema de inspeção do trabalho é proteger os direitos e os interesses de todos os trabalhadores e melhorar as suas condições de trabalho, e não aplicar a legislação relativa à imigração, e que, por conseguinte, qualquer colaboração entre os serviços de inspeção do trabalho e as autoridades de imigração deve ser sempre realizada cuidadosamente.58

57. Os trabalhadores migrantes devem poder apresentar queixas junto do ministério do trabalho, por exemplo, para recuperar salários em dívida e as taxas de recrutamento pagas, sem que sintam medo de intimidação ou retaliação e com a garantia de que serão tomadas medidas proativas para investigar e verificar as alegações através de investigações credíveis. Neste âmbito, devem receber informações sobre os seus direitos e sobre a forma de aceder e utilizar os procedimentos de apresentação de queixas e resolução de conflitos, e deve-lhes ser oferecida assistência jurídica gratuita ou a preços acessíveis e os serviços adequados de tradução linguística. Para garantir que o acesso à justiça é real e eficaz, os trabalhadores migrantes com uma situação de imigração insegura devem ter o direito a permanecer no país com um visto válido até à resolução das queixas apresentadas. Além disso, se o empregador for considerado culpado, os trabalhadores em causa têm direito à reintegração e a receber os salários em atraso, e a procurar outros empregos dentro do setor no qual se encontravam anteriormente empregados ou no mercado de trabalho em geral.59

2.3. Diálogo social

58. O diálogo social é a base do mandato da OIT e é considerado a chave para “o desenvolvimento de legislação e políticas de migração laboral baseadas em direitos e caracterizadas pela transparência e coerência, tendo em conta as necessidades do mercado de trabalho.”60 No seu Exame de Conjunto de 2016, a CEACR enfatizou

58 OIT: Promoting fair migration, op. cit., parágrafo 482.59 OIT: Employer-migrant worker relationships in the Middle East, op. cit.60 OIT: Reunião Técnica Tripartida sobre Migração Laboral, Genebra, 4-8 de novembro de 2013, Conclusions, parágrafo 8. Ver também: ILO Multilateral Framework on Labour Migration: Non-binding principles and guidelines for a rights-based approach to labour migration, Genebra, 2006, p. 13, Princípio 6: “O diálogo social é essencial para o desenvolvimento de uma política sólida de migração laboral e deve ser

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o “papel decisivo” desempenhado pelos parceiros sociais na governação efetiva da migração laboral, nomeadamente no “desenvolvimento, implementação e adaptação contínua da legislação e das políticas relativas à regulamentação da migração laboral e à promoção da igualdade de oportunidades e do tratamento justo para os trabalhadores migrantes”.61 A CEACR facultou exemplos nos quais as organizações de empregadores e trabalhadores participam em fóruns nacionais tripartidos, órgãos governamentais e comissões consultivas sobre migração laboral, e participam em procedimentos e mecanismos específicos de consulta que abordam questões como a reforma da legislação e das políticas relativas à migração, à integração dos trabalhadores migrantes e ao emprego não autorizado de cidadãos estrangeiros.62

59. No entanto, as políticas de muitos países em relação à migração, incluindo as que têm enfoque na migração laboral, pertencem sobretudo ao domínio dos ministérios do interior, da imigração ou dos negócios estrangeiros, que se centram de forma mais geral nos critérios de admissão de estrangeiros e nas questões relacionadas com a segurança, mas não têm uma cultura de envolvimento regular e sistemático com os parceiros sociais e outros intervenientes não governamentais. Apesar de haver um claro interesse das empresas na política de migração,63 um inquérito de 2016 sobre migração e mobilidade dos profissionais realizada junto de 210 organizações mundiais de todas as regiões e em representação de um vasto conjunto de setores concluiu que apenas 27 por cento das organizações que responderam participam em debates sobre políticas públicas, e apenas 17 por cento admitiram ter conseguido influenciar as políticas nacionais de migração.64

60. O diálogo social institucionalizado sobre a migração continua a ser a exceção e não a regra. Para que se consiga superar esta lacuna política, é necessário um maior envolvimento dos ministérios do trabalho na conceção, implementação e monitorização e avaliação das políticas relacionadas com a migração laboral; o estabelecimento de abordagens coerentes à migração que englobem todo o governo de forma a reunir todas as suas partes relevantes, as organizações de trabalhadores e de empregadores e os restantes intervenientes não governamentais; e o reconhecimento de que a colaboração com os parceiros sociais pode conferir legitimidade às políticas de migração laboral adotadas e neutralizar as perceções negativas através da consolidação da confiança pública e do apoio a tais políticas.

promovido e implementado”.61 ILO: Promoting fair migration, op. cit., parágrafos 131 e 189, respetivamente.62 ibid., parágrafos 133-136.63 OIE: Posição Escrita, op. cit., p. 2.64 A.T. Fragomen, Jr.: The Business Case for Migration: The GFMD Business Mechanism’s Position Paper and Recommendations for Presentation at the Ninth GFMD Summit, Bangladesh, dez. 2016, pp. 3 e 21.

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2.4. Cooperação internacional

61. Embora os governos sejam responsáveis, nos termos do direito internacional, pela proteção de todas as pessoas que se encontram na sua jurisdição, incluindo os trabalhadores migrantes, nenhum país consegue governar efetivamente a migração sozinho. Por conseguinte, a cooperação internacional é essencial. Este aspeto foi reconhecido nas normas e quadros de políticas da OIT e foi sublinhado nas discussões sobre migração global (caixa 2.2).

62. Apesar deste apelo a uma melhor cooperação em matéria de migração internacional, as condições políticas, económicas e do mercado de trabalho ao nível nacional podem ter um impacto negativo na sua eficácia. As pressões políticas e económicas que se verificam em muitos países de baixos rendimentos em relação ao envio de cidadãos nacionais para o estrangeiro para obterem emprego podem estimular uma concorrência pouco saudável entre os países de origem, o que resultaria na aceitação de níveis inferiores de tratamento para os trabalhadores migrantes no país de destino. Além disso, a cooperação bilateral e multilateral em matéria de migração laboral entre os países de destino de rendimento elevado e médio e os países de origem de baixo rendimento raramente ocorrem em pé de igualdade, uma vez que os primeiros possuem um maior poder de negociação no acesso aos

Caixa 2.2 A importância da cooperação internacional em relação à migração

Além das disposições específicas relativas à cooperação ao nível bilateral (ver Capítulo 3), a Convenção (N.º 97) sobre Trabalhadores Migrantes (revista), 1949, e a Convenção (N.º 143) sobre Trabalhadores Migrantes (Disposições Complementares), 1975, e as Recomendações associadas às mesmas incluem disposições que salientam a importância da cooperação internacional, por exemplo, no que se refere à prevenção da propaganda enganosa, à criação de serviços públicos de emprego, às formas de contrariar a migração irregular e garantir os direitos de segurança social.1 O Quadro Multilateral sobre Migrações de Mão-de-obra de 2006 apoia, sempre que for adequada, a promoção de “acordos bilaterais e multilaterais entre os países de destino e de origem que abordem diferentes aspetos da migração laboral, como os procedimentos de ad-missão, os fluxos, as possibilidades de reunificação familiar, a política de integração e o retorno, incluindo as tendências específicas de cada sexo”.2

A Declaração de Nova Iorque sobre os Refugiados e os Migrantes, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro de 2016, reiterou a necessidade de uma melhor cooperação em matéria de migração a todos os níveis. Os Estados--Membros comprometeram-se a “consolidar os atuais mecanismos bilaterais, regionais e mundiais de cooperação e parceria, em conformidade com o direito internacional, para facilitar a migração de acordo com a Agenda 2030”, e reconheceram a importância desta cooperação para garantir uma migração segura, regular e ordenada, e para garantir a proteção dos direitos humanos dos migrantes.3 Notas: 1 Convenção N.º 97, Artigos 3 e 7; Convenção N.º 143, Parte I; Recomendação N.º 151, Parágrafo 34(1)(c)(ii).2 ILO Multilateral Framework on Labour Migration, op. cit., p. 7, Diretriz 2.3.3 New York Declaration for Refugees and Migrants, op. cit., parágrafo 54 e Anexo II, parágrafo 5.

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seus mercados de trabalho. Mesmo quando se verificam claras necessidades de trabalhadores migrantes no mercado de trabalho, as políticas migratórias restritivas, baseadas mais nas falsas perceções do público e na xenofobia do que em dados reais, criam um ambiente que dificilmente favorece uma boa cooperação no que se refere à migração. Finalmente, a cooperação internacional nem sempre envolve os intervenientes governamentais mais indicados, sendo que, em muitos casos, os ministérios dos negócios estrangeiros e do interior assumem a gestão das questões relativas ao trabalho e cria-se um espaço reduzido ou nulo para os parceiros sociais, sobretudo em fóruns intergovernamentais como o Fórum Global sobre Migração Internacional e Desenvolvimento (ver Capítulo 4).

Caixa 2.3 Grupo Global sobre as Migrações

O Grupo Global sobre as Migrações, um grupo interagências composto por 21 entidades da ONU e que se reúne ao nível dos diretores das agências, foi criado pelo Secretário-Geral da ONU após o primeiro Diálogo de Alto Nível sobre Migração Interna-cional e Desenvolvimento em 2006. Tem por objetivo promover a aplicação generalizada de todos os instrumentos e normas internacionais e regionais pertinentes em relação à migração, e incentivar a adoção de abordagens mais coerentes, abrangentes e mais bem coordenadas à migração internacional.

O Grupo promove a colaboração interagências, incluindo o desenvolvimento de ferramentas e orientações conjuntas sobre questões como o planeamento do desenvol-vimento nacional (orientação do Quadro de Assistência ao Desenvolvimento da ONU), a migração irregular e a resposta às crises. Trabalha numa série de questões pertinentes para a migração internacional através dos seus cinco grupos de trabalho e grupos de missão sobre: dados e pesquisa; integração da migração nas estratégias nacionais de desenvolvimento; migração, direitos humanos e igualdade de género; desenvolvimento de capacidade; e migração e trabalho digno. Este último grupo de missão é copresidido pela OIT e pela OIM e iniciou o trabalho sobre recrutamento justo. A OIT presidiu o Grupo Global sobre as Migrações em 2014; o atual presidente é a Universidade das Nações Unidas.

O Grupo Global sobre as Migrações foi mandatado pela Assembleia Geral para a produção de contribuições para as consultas temáticas relativas ao Pacto Global para Migrações Seguras, Ordeiras e Regulares (caixa 0.1).

O Representante Especial do Secretário-Geral para as Migrações Internacionais desempenhará um papel fundamental na coordenação do acompanhamento do sistema das Nações Unidas à Declaração de Nova Iorque e às contribuições para o Pacto Global, trabalhando em estreita colaboração com o Grupo Global sobre as Migrações e promo-vendo uma colaboração mais próxima com o Fórum Global sobre Migração Internacional e Desenvolvimento, que também contribuirá substancialmente para os Pactos Globais. A OIT prestou apoio técnico ao Fórum Global, no qual os constituintes da OIT podem partilhar normas, práticas, ferramentas e orientações com os Estados-Membros e outras partes interessadas. À medida que a mobilidade da mão-de-obra ganha maior importân-cia no Fórum, os constituintes da OIT podem desempenhar um papel mais importante na contribuição para as questões e para o diálogo a que se referem. Fontes: http://www.globalmigrationgroup.org/; Modalities for the intergovernmental negotiations of the Global Migration Compact, op. cit., parágrafo 15.

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63. A cooperação internacional aos níveis bilateral e regional em relação a todo o espectro das questões de governação da migração laboral analisadas acima é abordada especificamente nos Capítulos 3 e 4. O Capítulo 5 é dedicado a um desafio de governação único e urgente, nomeadamente a forma de assegurar o recrutamento justo, que requer uma ação multifacetada de diversos intervenientes e a vários níveis e a sua cooperação nos corredores de migração. A cooperação em relação à migração, incluindo a migração laboral, é também o objeto dos esforços entre agências levados a cabo sob coordenação do Grupo Global sobre as Migrações (caixa 2.3).

2.5. Conclusão

64. A migração laboral tem vantagens para os migrantes e para as suas famílias e também para os países de origem e de destino. No entanto, também implica custos, sobretudo para os trabalhadores migrantes com baixas qualificações. Com efeito, a migração de baixa qualificação é essencialmente de natureza temporária. Embora os regimes de migração laboral temporária e circular sejam encarados como um meio flexível para preencher lacunas de mão-de-obra e qualificações a curto prazo, a sua formulação, implementação e monitorização devem ser planeadas cuidadosamente em colaboração com os ministérios do trabalho e com as organizações de trabalhadores e empregadores, de forma a assegurar que cumprem o objetivo específico para o qual foram concebidos, que não estão usados para ocupar postos de trabalho a longo prazo ou permanentes e que os trabalhadores que migram ao abrigo de tais regimes não são injustamente numa situação de desvantagem em termos de igualdade de tratamento no que diz respeito aos direitos sindicais, salários, condições de trabalho e proteção social.65

65. Para que se possa aproveitar as vantagens e reduzir os custos, é fundamental que haja uma boa governação da migração laboral. Conforme foi acordado pelos constituintes da OIT no último debate geral sobre migração laboral na Conferência Internacional do Trabalho em 2004, tal governação deve ser baseada nos direitos, abordando os défices de trabalho digno e os custos que são sobretudo suportados pelos trabalhadores menos qualificados. No entanto, também tem de abordar as necessidades do mercado de trabalho em relação a trabalhadores migrantes. A combinação adequada de políticas consiste em assegurar que as instituições do mercado de trabalho e as políticas ativas do mercado de trabalho consagrem suficiente atenção aos trabalhadores migrantes e à migração laboral, institucionalizar o papel do diálogo social na conceção e implementação de políticas relacionadas com a migração laboral, aumentar a coordenação entre os ministérios da imigração/interior e do trabalho para garantir que os trabalhadores migrantes não são penalizados

65 OIT: Fair migration: Setting an ILO agenda, op. cit., parágrafos 76-78; J. Fudge e F. MacPhail: “The Temporary Foreign Worker Program in Canada: Low-Skilled Workers as an Extreme Form of Flexible Labor”, in Comparative Labor Law and Policy Journal, Vol. 31, 2009, pp. 101-139; P. Wickramasekara: Circular Migration: A Triple Win or a Dead End, Global Union Research Network Discussion Paper No. 15, Bureau para as Atividades dos Trabalhadores (ACTRAV) da OIT, Genebra, 2011, p. 90.

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quando reivindicam os seus direitos laborais, e desenvolver uma cooperação internacional mais relevante e inclusiva em matéria de migração. O aprofundamento da coordenação e da colaboração da OIT com outras agências e partes interessadas das Nações Unidas, incluindo o Grupo Global sobre as Migrações e o Fórum Global sobre Migração Internacional e Desenvolvimento, pode ser importante para assegurar uma compreensão e um envolvimento mais abrangentes das normas, ferramentas e orientações da OIT aos níveis global e do terreno.

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Capítulo 3 Acordos bilaterais sobre migração laboral

66. Os acordos bilaterais de migração laboral ganharam uma nova vida desde a década de 1990.1 Evoluíram essencialmente em duas fases distintas. A “primeira geração” deixou a sua marca na Europa no final da década de 1940 e concentrou-se principalmente no recrutamento de mão-de-obra para a reconstrução das economias europeias no pós-guerra, e incluiu atenção aos refugiados e às pessoas obrigadas a deslocar-se que foram afetadas pela guerra. No entanto, a crise do petróleo e a recessão na Europa na década de 1970 puseram termo aos fluxos migratórios de mão-de-obra, incluindo os decorrentes de acordos bilaterais. No período pós-1990 assistiu-se a um ressurgimento dos acordos bilaterais de migração laboral de “segunda geração” em todo o mundo, inclusivamente em novos países de origem e destino, com um pico observado entre 2005 e 2009. A crise económica mundial que se seguiu resultou num declínio na celebração de novos acordos bilaterais desde 2010.2 O interesse é especialmente evidente em certos corredores de migração (como da Ásia e da África para os Estados Árabes e dentro da Ásia), em resposta ao contínuo crescimento económico e à procura de trabalhadores migrantes nos países de destino em questão, o que reflete um desejo de promover novos fluxos de migração laboral e também de regular os fluxos existentes. Deste facto, aumentou também a procura da assistência técnica da OIT. Tendo em conta estes desenvolvimentos, as conclusões da Reunião Técnica Tripartida de 2013 sobre Migração Laboral recomendaram a criação de um repositório em linha da OIT para acordos bilaterais de migração laboral e para as boas práticas neste âmbito.3 A Organização analisou um grande número desses acordos em preparação para um estudo de 2015, que constitui a base deste capítulo.4

67. Embora os acordos bilaterais possam desempenhar um papel importante na garantia da proteção dos direitos laborais dos trabalhadores migrantes, na prática apresentam uma série de lacunas em termos de conceção, conteúdo, monitorização,

1 OCDE: Migration for employment: bilateral agreements at a crossroads, Paris, 2004; OIT: Labour migration, Conselho de Administração, 316ª Sessão, novembro de 2012, GB.316/POL/1, parágrafo 6.2 OIT-KNOMAD: Bilateral Agreements and Memoranda of Understanding on Migration of Low Skilled Workers: A Review, Relatório de Pesquisa, 2015, pp. 1-2.3 OIT: Reunião Técnica Tripartida sobre Migração Laboral, Genebra, 4-8 de novembro 2013: Conclusions, parágrafo 9(ii) e (iii).4 P. Wickramasekara: Bilateral Agreements and Memoranda of Understanding on Migration of Low Skilled Workers: A Review, Genebra, julho de 2015.

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implementação e impacto. Este capítulo examina as tendências recentes e os principais desafios relativos tanto ao seu conteúdo como à sua implementação. Analisa os obstáculos subjacentes, refere algumas experiências promissoras, incluindo do trabalho de cooperação para o desenvolvimento da OIT, e apresenta conclusões sobre as formas de aumentar a eficácia destes instrumentos de política.

3.1. Tipologia e tendências dos acordos bilaterais sobre mi-gração laboral

68. Neste capítulo, “acordo bilateral de migração laboral” é uma expressão usada genericamente para designar os acordos bilaterais que estipulam direitos e obrigações juridicamente vinculativos e regidos pelo direito internacional, e constituem normalmente Memorandos de Entendimento (MdE) mais específicos, não vinculativos, orientados para as medidas práticas e que definem um quadro geral de cooperação para lidar com preocupações comuns, e também outros acordos, nomeadamente entre organismos governamentais competentes ou agências dos países de destino e de origem.5 Os acordos-quadro mais gerais ou os acordos de cooperação que incluem a migração laboral e outros tópicos de migração, como a migração irregular, a readmissão e a migração e desenvolvimento, também estão incluídos nesta tipologia. Cerca de 70 a 80 por cento dos acordos bilaterais de

5 Ver OIT: Promoting fair migration, Exame de Conjunto sobre os instrumentos dos trabalhadores migrantes, Relatório da CEACR, CIT, 105ª Sessão, Genebra, 2016, parágrafo 155, nota de rodapé 59, referindo-se a um MdE entre o Conselho Nacional Indonésio para a Colocação e Proteção de Trabalhadores Indonésios no Estrageiro e a Corporação Internacional dos Serviços de Assistência Social do Japão e também a um MdE entre as inspeções de trabalho de Espanha e Portugal.

Tipo Ásia* África Europa e Américas Total

Memorando de enten-dimento 69,2 3,1 3,7 31,8

Memorando de acor-do 1,5 0,0 3,7 2,0

Acordo bilateral 15,4 71,9 79,6 50,3Entendimento intera-gências 9,2 0,0 0,0 4,0

Acordo-quadro 0,0 21,9 1,9 1,9Protocolo 4,6 3,1 11,1 6,6

Total 100 100 100 100Nota: Com base em 144 acordos analisados e sete acordos não analisados da Europa e das Américas. * Inclui os países do CCG.

Fonte: P. Wickramasekara: Bilateral Agreements and Memoranda of Understanding on Migration of Low Skilled Workers: A Review, Genebra, julho de 2015, p. 21.

Quadro 3.1. Tipos de acordos bilaterais de migração laboral por região (percentagem)

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

migração laboral em África, na Europa e nas Américas são acordos juridicamente vinculativos, enquanto quase 70 por cento deste tipo de acordos na Ásia são MdE (tabela 3.1).

69. A preferência pelos MdE na Ásia pode ser explicada por diversos fatores nos países de destino do CCG, Ásia Oriental e Sudeste Asiático, nomeadamente pelo facto de serem mais fáceis de negociar e implementar do que os acordos juridicamente vinculativos, que são mais complexos, e pelo facto de poderem ser adaptados mais facilmente à evolução das condições económicas e do mercado de trabalho.6

3.2. Acordos bilaterais sobre migração laboral no contexto internacional

70. No seu Exame de Conjunto de 2016, a CEACR realçou que os acordos bilaterais podem desempenhar um papel importante para garantir que os trabalhadores migrantes de todos os níveis de qualificação beneficiam com as proteções incluídas nas Convenções n.º 97 e 143.7 A Convenção n.º 97 exige que, sempre que for necessário ou desejável, as autoridades competentes dos Membros celebrem acordos no sentido de regulamentar as questões de interesse comum “nos casos em que o número de migrantes que se deslocam do território de um Membro para o território do outro é suficientemente grande”.8 A Recomendação (N.º 86) sobre Trabalhadores

6 Wickramasekara, op cit., p. 21.7 OIT: Promoting fair migration, op. cit., parágrafo 163.8 Convenção (N.º 97), Art. 10.

Caixa 3.1 Principais elementos de um acordo bilateral de migração laboral

Previamente à partida e recrutamento notificação das oportunidades de emprego e das necessidades ao nível das

competências; pré-seleção e seleção final dos candidatos; processo de recrutamento; exame médico; vistos de entrada; residência e autorizações de trabalho; transporte para a viagem e condições do transporte;

Emprego e residência no destino igualdade de tratamento; contratos de trabalho; termos do emprego, incluindo a possibilidade de mudar de emprego; condições de trabalho, incluindo segurança e saúde no trabalho; sindicatos; segurança social;* impostos, incluindo medidas para evitar a dupla tributação;*

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

fornecimento de alimentação; alojamento; reunificação familiar; educação e formação profissional; reconhecimento de competências; atividades de associações de caráter social e religioso supervisão das condições de habitação e trabalho, incluindo a inspeção do

trabalho; transferência de remessas financeira; acesso às ações de resolução de conflitos e aos tribunais, e medidas de re-

curso eficazes;

Regresso e reintegração condições de regresso; transporte de regresso e condições do transporte; reintegração no mercado de trabalho;

Cooperação identificação das autoridades governamentais competentes nos países de

origem e nos países de destino; troca de informações entre as autoridades competentes; acordo sobre a lei aplicável e local de jurisdição;

Implementação, monitorização e acompanhamento constituição de uma comissão/comité conjunto para: monitorizar a implementação do acordo, incluindo a resolução de conflitos

entre as partes, propor alterações e debater o acompanhamento.

* Na prática, as questões de segurança social e de dupla tributação são muitas vezes reguladas separadamente, embora a inclusão da referência a ambas neste contexto destaque a sua especial importância para os trabalhadores migrantes e para os seus familiares.

Fonte: Adaptado de R. Cholewinski: “Evaluating Bilateral Migration Agreements in the Light of Human and Labour Rights”, in M. Panizzon et al. (eds): The Palgrave Handbook of International Labour Migration: Law and Policy Perspectives, Palgrave Macmillan, Basingstoke, 2015, pp. 231-252, p. 242.

Migrantes (Revista), 1949, um modelo de acordo aplicável à migração temporária e permanente para emprego, incluindo a migração de refugiados e pessoas deslocadas. Os Estados-Membros da OIT, incluindo aqueles que não ratificaram os instrumentos para trabalhadores migrantes da OIT, têm usado amplamente o modelo como base para estipularem as suas próprias disposições.9 Usando o modelo de acordo como base, torna-se possível identificar uma série de disposições abrangentes (caixa 3.1).

71. As normas da OIT também se referem a acordos bilaterais no contexto da regulamentação do recrutamento. Por exemplo, a Convenção (n.º 181) Sobre as Agências de Emprego Privadas, 1997, inclui um requisito que prevê que, quando o recrutamento é internacional, os Estados-Membros devem considerar a celebração de acordos bilaterais para prevenir abusos e práticas fraudulentas.10

9 OIT: Towards a fair deal for migrant workers in the global economy, Relatório VI, CIT, 92ª Sessão, 2004, Genebra, parágrafo 427.10 Convenção (N.º 181), Art. 8(2). Ver também a Convenção (N.º 97), Anexos I e II, Art. 3(3) (em ambas).

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72. A Agenda para uma Migração Justa da OIT observa que a análise dos acordos bilaterais deve constituir a base para uma maior cooperação entre os Estados-Membros para promover as práticas de migração justa, com referência específica à conceção de regimes para a deslocação temporária de trabalhadores ou para a deslocação de trabalhadores com competências específicas.11 O Quadro Multilateral sobre Migrações de Mão-de-obra da OIT faculta orientações sobre como usar os acordos bilaterais para cobrir áreas importantes da migração laboral, como “desenvolver o intercâmbio de informações sobre o mercado de trabalho”; “estabelecer políticas e procedimentos [sempre que for adequado] para facilitar a circulação de trabalhadores migrantes”; e disponibilizar “cobertura e apoios da segurança social [aos trabalhadores migrantes], bem como a portabilidade dos direitos à segurança social”.12

3.3. Desafios de governação

73. Apesar do seu potencial, a eficácia dos acordos bilaterais de migração laboral tem enfrentado desafios. As diferentes posições de negociação dos países de origem em relação aos países de destino na negociação dos acordos podem criar pressões para que os primeiros aceitem padrões mais baixos ou para que não discutam ou desenvolvam determinadas questões importantes.13 Esta situação pode ser agravada por tensões, sobretudo nos países de origem, entre o desejo de, por um lado, garantir o emprego dos seus cidadãos no estrangeiro e reduzir o elevado desemprego e o emprego informal no país, e, por outro, de cumprir as suas responsabilidades ao nível da proteção dos seus cidadãos a trabalhar nos países de destino. A diversidade dos acordos bilaterais em termos do estatuto juridicamente vinculativo, âmbito e conteúdo constitui outro desafio à sua implementação, monitorização e acompanhamento eficazes. Além disso, os países de origem e de destino têm muitas vezes motivações e objetivos diferentes para a negociação. Por este motivo, é importante que os princípios que regem a cooperação fiquem claramente definidos no acordo. Esta é uma boa prática dos entendimentos interagências celebrados entre a Nova Zelândia e os países do Fórum do Pacífico em apoio à Política de Empregadores Sazonais Reconhecidos da Nova Zelândia, permitindo ao setor da horticultura e da viticultura recrutar trabalhadores pouco qualificados das ilhas do Pacífico. Por exemplo, o entendimento interagências com o Kiribati é sustentado pelos princípios de equidade no acesso e oportunidades, transparência dos processos e tomada de decisões, responsabilização, enfoque no desenvolvimento e mitigação

11 OIT: Fair migration: Setting an ILO agenda, Relatório do Diretor-Geral, Relatório I(B), CIT, 103ª Sessão, 2014, Genebra, parágrafos 119-120.12 OIT: ILO Multilateral Framework on Labour Migration: Non-binding principles and guidelines for a rights-based approach to labour migration, Genebra, 2006, Diretrizes 3.4, 5.3 e 9.9.13 R. Cholewinski: “Evaluating Bilateral Migration Agreements in the Light of Human and Labour Rights”, in M. Panizzon et al. (eds): The Palgrave Handbook of International Labour Migration: Law and Policy Perspectives, Palgrave Macmillan, Basingstoke, 2015, p. 237.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

de riscos.14

74. Embora a primeira geração de acordos bilaterais tenha sido concluída durante um período em que a migração laboral, incluindo o recrutamento, era organizada principalmente pelos governos,15 a segunda geração opera num contexto em que o recrutamento de trabalhadores migrantes em determinados corredores migratórios é realizado, em grande parte, por empresas privadas (ver Capítulo 5). Embora a maioria dos atuais acordos bilaterais se aplique a muitas formas de migração laboral, independentemente da forma como ocorre o recrutamento, há uma exceção notável nos acordos celebrados pela República da Coreia com os países que empreguem trabalhadores ao abrigo do Sistema Coreano de Autorizações de Trabalho, que apenas prevê o envolvimento dos serviços de emprego dos respetivos países.16 Como foi referido no Capítulo 5, esta prática contribuiu para uma redução substancial dos custos de recrutamento para os trabalhadores migrantes em causa. Por conseguinte, a medida em que os acordos bilaterais contribuem para anular as práticas de recrutamento abusivas e fraudulentas deve constituir uma medida importante do seu êxito.

75. Os acordos bilaterais de migração laboral também têm de estar em sintonia com políticas nacionais de emprego coerentes. Alguns dos principais componentes dessas políticas relevantes para a migração laboral são a criação de mais oportunidades de emprego, tendo devidamente em conta as necessidades nacionais ao nível da educação, qualificações e formação; a criação de melhores condições de trabalho nos países de origem de forma a reduzir a necessidade de migrar por motivo de emprego;17 a colaboração na luta contra a discriminação nos processos e instituições antidiscriminação e de integração no mercado de trabalho dos países de destino; e a transição dos trabalhadores migrantes da economia informal para a formal.18 Deve ser dada especial atenção aos fatores impulsionadores subjacentes e aos processos de migração, incluindo o recrutamento (conforme abordado no Capítulo 5), as necessidades de competências no destino, o tratamento e a integração no mercado de trabalho dos migrantes que chegam ao país de destino, e a reintegração no mercado

14 Ver, por exemplo, o entendimento interagências entre o Departamento do Trabalho da Nova Zelândia e o Ministério do Trabalho e o Departamento de Recursos Humanos do Kiribati em apoio à Política de Empregadores Sazonais Reconhecidos da Nova Zelândia, item 4.1.15 Wickramasekara, op. cit., p. 17.16 Memorandum of Understanding between the Department of Labor and Employment, Republic of the Philippines and the Ministry of Labor, Republic of Korea on the Sending and Receiving of Workers under the Employment Permit System of Korea, 30 de maio de 2009.17 Política de Emprego da OIT (Disposições Complementares) Recomendação (N.º 169), 1984, Parte X (Migração Internacional e Emprego), Parágrafo 39.18 A Recomendação (N.º 204) para a Transição da Economia Informal para a Formal, 2015, da OIT, inclui, como uma das suas diretrizes, a necessidade de os Membros prestarem especial atenção a estas pessoas, incluindo os migrantes e os trabalhadores domésticos, “que são especialmente vulneráveis aos défices de trabalho digno mais graves na economia informal”, Parágrafo 7(i).

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de trabalho dos cidadãos que regressam ao seu país.19

76. Para além destes desafios da governação, a eficácia prática dos acordos bilaterais depende do grau de acessibilidade dos seus conteúdos aos migrantes, da existência de um controlo adequado da sua implementação, do acesso aos mecanismos de aplicação e do acesso ao diálogo social.20 Os acordos devem também abster-se de enfraquecer a proteção nas normas internacionais e nas leis nacionais, concretamente os princípios e direitos fundamentais no trabalho.21 A este respeito, o Comité de Aplicação das Normas (CAS) da CIT, na discussão do Exame de Conjunto de 2016, propôs que a Organização “realizasse uma análise mais aprofundada da compatibilidade dos...acordos bilaterais com...as normas internacionais do trabalho”.22 Com efeito, a eficácia dos acordos bilaterais depende em grande medida do nível de desenvolvimento dos sistemas nacionais de governação da migração em ambos os conjuntos de países e da medida em que as leis nacionais do trabalho, baseadas nas normas internacionais do trabalho, facultam uma proteção abrangente dos trabalhadores em todos os setores. A secção que se segue apresenta uma descrição geral das conclusões de uma análise da OIT realizada em 2015 a um elevado número de acordos bilaterais em diversas regiões, e aborda algumas dessas áreas com maior detalhe.

3.4. Boas práticas e acordo-tipo na Recomendação N.º 86

77. O estudo da OIT de 2015 avaliou os acordos bilaterais de migração laboral de acordo com: (1) a sua abrangência e alcance, com referência à cobertura das disposições do modelo de acordo anexo à Recomendação n.º 86; e (2) a sua qualidade, com base em 18 critérios de boas práticas no que se refere à governação da migração laboral e à proteção dos trabalhadores migrantes, elaborados a partir de normas internacionais e em consulta com peritos da OIT.23

78. O estudo concluiu que nenhum acordo incorporava todas as 27 disposições relevantes do modelo de acordo, sendo que, em média, os acordos apenas incluíam 11 das disposições. As disposições relativas à igualdade de tratamento foram mais prevalecentes nos acordos celebrados na Europa e nas Américas, ao passo que foi mais fácil encontrar disposições relativas ao contrato de trabalho nos acordos da Ásia.

19 Recomendação da OIT N.º 169, parágrafos 41-43. Neste contexto, a Política Nacional de Emprego da República da Maurícia, que está a ser desenvolvida em colaboração com a OIT, inclui uma secção sobre migração laboral que contém estratégias para a migração laboral interna e externa e também para a mobilização da diáspora maurícia no estrangeiro. Ministério do Trabalho, Relações Industriais e Emprego da República da Maurícia: National Employment Policy for Mauritius (Fourth Draft), set. 2014.20 OIT: Promoting fair migration, op. cit., parágrafo 163.21 ibid., parágrafo 190.22 Conclusões do debate pelo Comité de Aplicação das Normas do Exame de Conjunto relativo aos instrumentos dos trabalhadores migrantes, CIT, Registo Provisório n.º 16-1, 105.ª Sessão, 2016, parágrafo 106(12).23 Wickramasekara, op. cit.

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6 6

85

3 9 47

6 2

2 1

30

4 9

34

86

6 7

30

49

25

38

19

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

100

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18

Percentagem

Número de boas práticas

Boas práticas em acordos analisados:1 Transparência2 Publicidade 3 Provas de bases normativas e respeito pelos direitos dos migrantes, com base nos instrumentos internacionais 4 Referência específica à igualdade de tratamento dos trabalhadores migrantes 5 Disposições para a promoção de práticas justas de recrutamento 6 Abordar as preocupações de género e as preocupações dos trabalhadores migrantes mais vulneráveis 7 Diálogo social que envolve empregadores e trabalhadores e outras partes interessadas, como as organizações da sociedade civil 8 Medidas de proteção salarial 9 Disposições concretas e vinculativas em relação aos contratos de trabalho e à proteção no local de trabalho 10 Assegurar o desenvolvimento dos recursos humanos e a melhoria das competências através da formação em serviço 11 Procedimentos concretos de implementação, monitorização e avaliação 12 Proibição de confiscar os documentos de viagem e identidade 13 Assegurar o reconhecimento das competências e qualificações no país de destino 14 Assegurar a atribuição de apoios da segurança social e o acesso aos cuidados de saúde para os trabalhadores migrantes em pé de igualdade com os trabalhadores locais 15 Definição de responsabilidades claras entre os parceiros 16 Incorporação de mecanismos concretos para os procedimentos de apresentação de reclamações e resolução de conflitos e acesso à justiça 17 Assegurar a transferência gratuita de poupanças e remessas financeiras 18 Cobertura do ciclo de migração completo

Fonte: Wickramasekara, op. cit., p. 29 (gráfico 2).

Figura 3.1. Percentagem de acordos bilaterais de migração laboral que incluem cada uma das boas práticas (n=144)

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79. No que diz respeito ao segundo conjunto de critérios de avaliação baseados nas 18 boas práticas, a figura 3.1 apresenta um resumo dos resultados.

80. Algumas das percentagens elevadas das boas práticas da lista são enganosas. Embora 86 por cento dos acordos incluam procedimentos concretos de implementação e monitorização e avaliação (boa prática 11) através da criação de uma comissão conjunta de agentes do estado, há poucas informações sobre o funcionamento e resultados concretos de tais comités, sendo que os comités foram criticados por falta de transparência. Por exemplo, o estudo da OIT refere a aceitação pelo Kuwait de um modelo de contrato de trabalho como um dos resultados concretos do MdE com a Índia. Além disso, apesar da referência ao recrutamento em 62 por cento de todos os acordos (boa prática 5), há poucas provas de que existam compromissos para promover as práticas de recrutamento justo, harmonizar a regulamentação do recrutamento entre os países de origem e de destino ou reduzir os custos da migração laboral.

81. Entre outras conclusões notáveis, não está disponível quase nenhuma informação sobre a função do diálogo social na elaboração, negociação e implementação dos acordos bilaterais (boa prática 7). A ausência de referências aos parceiros sociais nas disposições de monitorização e acompanhamento é particularmente difícil de explicar, uma vez que os ministérios do trabalho dos países de origem e de destino estiveram envolvidos na negociação e celebração de muitos acordos.24 Porém, há alguns exemplos das atividades de cooperação para o desenvolvimento da OIT, onde as organizações de trabalhadores e de empregadores participaram nas negociações dos acordos e na sua implementação (ver ponto 3.5 seguinte).

82. Em segundo lugar, apenas 39 por cento dos acordos incluem referência ao respeito pelos direitos dos migrantes, com base nos instrumentos internacionais relevantes (boa prática 3); no entanto, tais referências verificam-se mais em África (50 por cento) do que na Ásia (38 por cento) e na Europa e Américas (32 por cento).

83. Uma terceira omissão significativa aplicável aos acordos em todas as regiões refere-se à ausência de quase qualquer referência às mulheres migrantes ou a outras categorias de trabalhadores migrantes, como os migrantes com baixas qualificações, que enfrentam um risco maior de sofrer abusos (boa prática 6). A falta de atenção às questões de género e a ausência de mecanismos de monitorização sensíveis ao género é uma preocupação séria.25 Uma exceção importante diz respeito aos acordos

24 Por exemplo, em países de destino como o CCG, Alemanha, Itália, Jordânia, República da Coreia e Tailândia, e em países de origem como o Camboja, República Democrática Popular do Laos, Nepal, Indonésia, Filipinas e Vietname.25 L.L. Lim: Gender sensitivity in labour migration-related agreements and MOUs, Programa de Ação Global relativo aos Trabalhadores Domésticos e aos Seus Familiares, Série de Pesquisa, OIT, 2016, p. 1; Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE): Guide on Gender-Sensitive Labour Migration Policies, Viena, 2009, pp. 53-54.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

específicos que regem a migração dos trabalhadores domésticos (como a Jordânia e a Malásia com a Indonésia e a Arábia Saudita com quatro países asiáticos),26 alguns dos quais incluem um modelo de contrato de trabalho baseado nas disposições da Convenção (n.º 189) Sobre os Trabalhadores e Trabalhadoras do Serviço Doméstico, 2011.27 No entanto, a inclusão deste tipo de modelos de contrato é rara e, nos casos em que foram incluídos, a sua eficácia prática foi questionada; esta questão requer uma investigação mais aprofundada.28

84. Durante a negociação dos acordos bilaterais de migração laboral, podem ser considerados vários aspetos e medidas relacionadas com o género, nomeadamente a inclusão de cláusulas específicas de género, não discriminatórias e baseadas em direitos que promovam a igualdade de género, como a proibição explícita dos testes de gravidez; o reconhecimento das vulnerabilidades específicas das mulheres, por exemplo, através do estabelecimento de medidas de proteção relativas à violência contra as mulheres no processo de migração; e a concessão de cuidados de saúde e apoios de segurança social adequados às mulheres trabalhadoras migrantes.29

85. Em quarto lugar, os acordos bilaterais geralmente omitem a proibição do confisco e/ou retenção dos documentos de viagem e de identidade (boa prática 12), algo que não seria de esperar uma vez que se trata de um problema reconhecido em alguns países de destino na Ásia e nos Estados Árabes e um dos indicadores do trabalho forçado.30

86. Em quinto lugar, a disposição relativa ao reconhecimento das competências e qualificações (boas prática 13) está ausente na maioria dos casos. Uma vez que o estudo da OIT se concentrou nos trabalhadores de baixa qualificação, esta conclusão pode refletir o facto de os governos atribuírem menor importância a estas questões no caso destes trabalhadores do que no caso dos trabalhadores altamente qualificados.31

87. Por último, a concessão de segurança social, incluindo os apoios ao nível dos serviços de saúde (boas prática 14) apenas foi encontrada em 30 por cento de todos os acordos analisados e principalmente na Europa e nas Américas, e existem deficiências no que se refere à garantia de igualdade de acesso dos trabalhadores aos serviços de saúde.32 Além disso, o estudo limitou-se a identificar se as disposições

26 Wickramasekara, op. cit., p. 26.27 Lim, op. cit., p. 6 (caixa 4), com referência ao acordo entre as Filipinas e a Arábia Saudita em relação aos trabalhadores domésticos.28 Wickramasekara, op. cit., p. 28.29 OSCE: Guide on Gender-Sensitive Labour Migration Policies, op. cit., p. 55.30 Wickramasekara, op. cit., p. 30; OIT: ILO Indicators of Forced Labour, Genebra, 2012, p. 17, retenção de documentos de identidade.31 Wickramasekara, op. cit., p. 30.32 Ver também ONU: Report of the Special Rapporteur on the right of everyone to the enjoyment of the highest attainable standard of physical and mental health, Anand Grover, Conselho de Direitos Humanos, A/

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

relativas à segurança social foram incluídas; não analisou a sua abrangência (riscos cobertos, tipo e nível dos apoios) nem a sua aplicação concreta. Conforme explicado na secção 3.6 seguinte, o acesso dos trabalhadores migrantes à segurança social é muitas vezes regido por outros acordos bilaterais.

3.5. Apoio da OIT na conceção e implementação de acordos bilaterais de migração laboral

88. Os constituintes da Organização pedem com frequência ao Bureau que lhes preste assistência técnica e aconselhamento durante a formulação e negociação de acordos bilaterais de migração laboral. No entanto, a eficácia dessa assistência depende da inclusão dos representantes dos ministérios do trabalho de ambos os governos, juntamente com os parceiros sociais (caixa 3.2).33

90. A OIT também pode desempenhar uma função importante na aproximação dos representantes dos governos dos países de origem e de destino aos parceiros sociais com o objetivo de discutir as práticas e as experiências da migração laboral, incluindo as que são relativas a acordos bilaterais. Em dezembro de 2014, a OIT e o Grupo de Trabalho Temático da KNOMAD Sobre Migração Laboral de Baixa Qualificação organizaram conjuntamente um seminário técnico em Catmandu, no Nepal, no qual foram discutidos os resultados preliminares da investigação realizada no âmbito do estudo de 2015 da OIT.34 Em maio de 2016, a cooperação governamental bilateral

HRC/23/41, 15 de maio de 2013, parágrafo 12.33 Discutido no âmbito do projeto “Promoção do Trabalho Digno Além Fronteiras: Um Projeto para os Profissionais de Saúde Migrantes e Trabalhadores Qualificados (2011-2014)”, um projeto da OIT financiado pela UE.34 Ver a nota da OIT-KNOMAD que resume as deliberações do workshop em: http://www.knomad. org/powerpoints/low_skilled_labor_migration/KNOMAD%20TWG3%20BLA%20workshop%20summary.pdf.

Caixa 3.2 Acordo bilateral de migração laboral entre a República da Moldávia

e Israel no setor da construção civil Em novembro de 2012, a República da Moldávia, concretamente o Departamento

de Política Migratória do Ministério do Trabalho, Proteção Social e Família, celebrou com o Governo de Israel um acordo relativo ao emprego temporário de trabalhadores molda-vos em Israel. O objetivo era conceder melhores oportunidades para a migração regular e reduzir os efeitos negativos da migração irregular, assegurando a proteção laboral e a proteção social dos trabalhadores. O acordo foi elaborado em consulta com os parceiros sociais de ambos os países e abrangeu 1000 postos de trabalho no setor da construção. Os trabalhadores moldavos foram selecionados através dos escritórios locais da Agên-cia Nacional para o Emprego, tendo sido dada prioridade aos trabalhadores inscritos no Fundo de Desemprego. A seleção final foi realizada pelo Governo de Israel e o primeiro grupo de trabalhadores partiu para Israel em julho de 2013. Os custos dos seus exames médicos, viagens de ida e volta e documentação foram pagos por Israel. Fonte: Projeto financiado pela UE e OIT sobre o tema “Effective Governance of Labour Migration and its Skill Dimensions” (2011-14).

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

foi discutida num fórum inter-regional de intercâmbio de conhecimentos sobre boas práticas e experiências na promoção da cooperação internacional e parcerias, para criar uma agenda de migração justa para os trabalhadores internos domésticos migrantes em África, Estados Árabes e Ásia, que teve lugar em Antananarivo, Madagáscar. Além de destacarem os desenvolvimentos na conclusão de acordos de migração laboral novos ou iminentes, especialmente entre países africanos e países do CCG, os debates realizados no workshop concluíram que, em muitos casos, tais acordos não abordam os problemas específicos de proteção enfrentados pelos trabalhadores domésticos migrantes, incluindo a discriminação de género. Os debates também abordaram outras preocupações, como a falta de transparência dos acordos e a participação limitada dos parceiros sociais e de outras partes interessadas relevantes, incluindo os próprios trabalhadores domésticos migrantes. A implementação eficaz dos acordos bilaterais de migração laboral é dificultada pela ausência de vontade política, pela falta de capacidade e de recursos tanto nos países de origem como nos de destino, e pela exclusão dos trabalhadores domésticos migrantes da legislação laboral nacional.35

3.6. Acesso dos trabalhadores migrantes à proteção social ao abrigo de acordos bilaterais

91. Como foi abordado no Capítulo 2, os trabalhadores migrantes enfrentam obstáculos no acesso à proteção social no país de destino. Por conseguinte, a inclusão das disposições relativas à segurança social nos acordos bilaterais de migração laboral ou a celebração de outros acordos bilaterais ou multilaterais de segurança social podem contribuir em grande medida para a extensão da proteção social, de forma legal e efetiva, aos trabalhadores migrantes e às suas famílias. Este

35 Relatório do Workshop, p. 10. Para consultar todos os documentos relativos a esta reunião, ver: http://www.ilo.ch/global/ topics/labour-migration/events-training/WCMS_454724/lang--en/index.htm.

Caixa 3.3Acordo bilateral entre a Alemanha e as Filipinas

para os trabalhadores do setor da saúde Celebrado em março de 2013, o acordo entre a Alemanha e as Filipinas facilita a

entrada de enfermeiros filipinos no sistema de saúde alemão através de um esquema de contratação entre governos. As suas principais características são o recrutamento ético dos trabalhadores filipinos, a igualdade de tratamento para os profissionais de saúde estrangeiros e a cooperação no desenvolvimento dos recursos humanos.

O acordo entre a Alemanha e as Filipinas foi também o primeiro a estabelecer uma comissão mista responsável pela monitorização e avaliação da implementação do acordo, constituída pelos ministérios do trabalho e da saúde e representantes sindicais de ambos os países. Fonte: Adaptado do Simpósio da Public Services International, PSI, sobre o Acordo Bilateral Ale-manha-Filipinas para os Trabalhadores do Setor da Saúde, julho de 2015, http://www.world-psi.org/en/psi-symposium-german-philippinesbilateral-agreement-health-workers.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

aspeto também deve ser considerado no contexto de uma abordagem mais global que abranja as seguintes ações:36

ratificação e aplicação das Convenções e Recomendações da OIT relativas aos trabalhadores migrantes e à sua proteção social,37 que apoiam igualmente a celebração de acordos bilaterais e multilaterais de segurança social38 e a integração de princípios importantes, sobretudo a igualdade de tratamento, na legislação nacional e nos acordos de migração laboral ou segurança social;

adoção de medidas unilaterais para conceder ou melhorar o acesso à proteção social dos migrantes. Por exemplo, os países de destino podem reconhecer unilateralmente a igualdade de tratamento entre cidadãos nacionais e estrangeiros, inclusivamente para grupos específicos como os trabalhadores domésticos e os trabalhadores independentes, e também o princípio do pagamento de prestações no estrangeiro. Os países de origem podem também decidir unilateralmente alargar a proteção social aos seus cidadãos nacionais que trabalham no estrangeiro através de seguros voluntários (como no Equador) ou através de fundos de segurança social (como nas Filipinas e no Sri Lanka);

criação de pisos nacionais de proteção social em conformidade com a Recomendação (n.º 202) relativa às Pisos de Proteção Social, 2012, para assegurar unilateralmente o acesso aos cuidados de saúde e segurança de rendimento para todos, incluindo os migrantes e as suas famílias;

implementação de iniciativas práticas para facilitar o acesso efetivo à segurança social, por exemplo através da tradução de textos, das campanhas de sensibilização e da garantia de acesso aos sistemas de reclamação.

92. Dada a exclusão de grupos específicos de trabalhadores da proteção social ao nível nacional e a ausência de disposições em matéria de segurança social nos acordos bilaterais de migração laboral ou a sua aplicação limitada quando

36 G. Binette et al.: Migrant access to social protection under selected bilateral labour arrangements, OIT, previsto, 2017, p. 10.37 Ver, entre outras, a Convenção (N.º 102) relativa à Norma Mínima de Segurança Social, 1952; a Convenção (N.º 118) relativa à Igualdade de Tratamento (Segurança Social), 1962; a Convenção (N.º 19) de Igualdade de Tratamento na Compensação por Acidentes, 1925, a Convenção (N.º 121) relativa às Prestações em caso de Acidentes de Trabalho, 1964; a Convenção (N.º 128) relativa às Pensões de Invalidez, de Velhice e de Sobrevivência, 1967; a Convenção (N.º 130) sobre a Assistência Médica e os Subsídios de Doença, 1969; a Convenção (N.º 157) relativa à Manutenção dos Direitos em matéria de Segurança Social, 1982; a Convenção (N.º 168) sobre a Promoção do Emprego e a Proteção contra o Desemprego, 1988; a Convenção (N.º 183) de Proteção da Maternidade, 2000; a Recomendação (N.º 167) de Manutenção dos Direitos de Segurança Social, 1983 ; e a Recomendação (N.º 202) sobre Pisos de Proteção Social, 2012. Os instrumentos relativos aos trabalhadores migrantes e aos trabalhadores domésticos também contêm disposições de segurança social.38 A Recomendação N.º 167 contém um modelo de acordo de segurança social no respetivo Anexo.

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46 CIT.106/IV

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

efetivamente existem, deve ser considerada com seriedade a celebração de acordos bilaterais e multilaterais de segurança social de forma a assegurar a coordenação da segurança social, com o envolvimento dos parceiros sociais na elaboração e governação. Um acordo bilateral de segurança social é considerado abrangente na garantia dos direitos de segurança social dos trabalhadores migrantes e dos seus familiares se visar cinco objetivos: (i) igualdade de tratamento; (ii) pagamento de prestações no estrangeiro (“portabilidade” ou “exportabilidade” das prestações); (iii) determinação da legislação aplicável; (iv) manutenção de direitos no percurso de aquisição (“totalização”); e (v) assistência administrativa.39 No entanto, a conclusão e a implementação bem-sucedida dos acordos de segurança social dependem, entre outros fatores, das capacidades administrativas e de gestão das instituições de segurança social envolvidas,40 o que provavelmente também constitui o motivo pelo qual a celebração de acordos bilaterais de segurança social diverge muito entre regiões.41

93. A segurança social para os trabalhadores migrantes tem vindo a ser gradualmente coordenada através de acordos multilaterais ao nível regional, o que é encarado como uma boa prática porque garante normas e regras comuns para a coordenação dos sistemas de segurança social de todos os países signatários do acordo, e igualdade de tratamento para os trabalhadores migrantes. Os acordos regionais também podem proporcionar um nível de proteção mais elevado do que uma rede de acordos bilaterais de migração laboral que inclua os mesmos países e regiões, na qual os direitos e as obrigações dependem dos termos do acordo bilateral individual de migração laboral.42 São apresentados exemplos de diferentes tipos de acordos regionais de segurança social no Capítulo 4.

94. No entanto, o advento dos acordos regionais de segurança social não exclui a necessidade dos acordos bilaterais de segurança social, que permitem resolver melhor a situação de uma população específica de trabalhadores migrantes com carências e também podem ser negociados e celebrados mais rapidamente do que os acordos multilaterais.43 Em alguns casos, a celebração de um acordo bilateral de

39 K. Hirose et al.: Social Security for Migrant Workers: A rights-based approach, OIT, Budapeste, 2011, pp. 25-37.40 Associação Internacional da Segurança Social (AISS): Handbook on the extension of social security coverage to migrant workers, Genebra, 2014, p. 8. Um dos principais desafios identificados na implementação eficiente dos acordos de segurança social é quando existe um número significativamente maior de imigrantes do que emigrantes, o que pode ter implicações financeiras ou administrativas para uma das instituições de segurança social. Alguns dos outros obstáculos são as definições diferentes das prestações por incapacidade (como no caso das condições médicas e da incapacidade parcial), acesso a informações relevantes entre diferentes agências ao nível nacional e de outros países, e diferenças na estrutura e nos níveis das prestações, ibid., pp. 40-41.41 R. Sabates-Wheeler: Social security for migrants: Trends, best practice and ways forward, Documento de Trabalho n.º 12, AISS, Genebra, 2009, p. 10, em referência à celebração de 1628 acordos bilaterais de segurança social por países da UE por oposição a 181 pelos países da Ásia Oriental e Pacífico, e apenas três pelos países do Sul Asiático.42 K. Hirose et al., op. cit., p. 38.43 Ibid., p. 39.

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CIT.106/IV 47

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

segurança social representa uma etapa preliminar que estabelece a base para futuros acordos multilaterais, dando em simultâneo uma resposta imediata às necessidades de proteção social dos trabalhadores migrantes.

3.7. Acordos bilaterais entre sindicatos

95. Nos últimos anos, assistiu-se a um reforço da cooperação bilateral relativamente à proteção dos trabalhadores migrantes entre os sindicatos dos países de origem e de destino, com base num modelo de acordo sindical relativo aos direitos dos trabalhadores migrantes (caixa 3.4), que é considerado uma boa prática.44

44 Ver ILO Multilateral Framework on Labour Migration, op. cit., Diretriz 2.6.

Caixa 3.4 Modelo de acordo sindical relativo aos direitos dos trabalhadores

migrantes O modelo de acordo sindical do Bureau para as Atividades dos Trabalhadores

(ACTRAV) da OIT e da Confederação Sindical Internacional (CSI) reafirma que a liber-dade de associação é um princípio fundamental e não negociável, e que a participação dos trabalhadores migrantes nos sindicatos contribui para a sua integração nos países de destino. Os signatários comprometem-se a promover a ratificação e o cumprimento das Convenções da OIT relativas aos trabalhadores migrantes. O acordo sublinha que a situação dos trabalhadores migrantes deve ser abordada através dos princípios da solidariedade sindical internacional, justiça social, igualdade de tratamento, igualdade de oportunidades e igualdade de género.

O modelo de acordo também obriga os signatários a: fazer um levantamento dos problemas específicos dos trabalhadores migran-

tes nas suas comissões de trabalho nacionais tripartidas e incentivar os sin-dicatos filiados a integrá-los na negociação coletiva com os empregadores; e garantir que a legislação laboral e os acordos coletivos de trabalho protegem integralmente todos os trabalhadores migrantes, incluindo os trabalhadores envolvidos em programas temporários de migração laboral;

desenvolver iniciativas destinadas a assegurar o envolvimento dos sindica-tos no desenvolvimento de acordos bilaterais de migração laboral entre os governos dos países de origem e de destino, e o estabelecimento de me-canismos nacionais de consulta tripartida e fóruns de cooperação bilateral para discutir e formular políticas migratórias com base nos direitos, tendo em conta as necessidades do mercado de trabalho e a possível expansão e facilitação dos canais regulares de migração laboral como forma de eliminar a exploração e as condições abusivas dos trabalhadores em situações irre-gulares;

promover a cooperação entre os governos dos países de origem e de destino de forma a melhorar a governação das migrações no que diz respeito a: cria-ção de vias legais para a migração laboral; reforço da inspeção do trabalho; cooperação jurídica em casos de tráfico e abuso; manutenção dos direitos à segurança social; supervisão rigorosa e controlo das atividades das agências de emprego privadas de acordo com a Convenção n.º 181, e dos subcontra-tantes; e eliminação de abusos nos esquemas de patrocínio.

Fonte: Adaptado de OIT: Good practices database - Labour migration policies and programmes.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

96. Existem cada vez mais exemplos de acordos entre os sindicatos dos países de origem e de destino no âmbito da proteção dos trabalhadores migrantes com base neste modelo.45 Em agosto de 2015 foi assinado um MdE inter-regional único pela Confederação Árabe de Sindicatos, pelo Conselho Sindical da ANSA e pelo Conselho Sindical Regional do Sul Asiático com o objetivo de promover a cooperação baseada em direitos no âmbito da migração, através da organização e apoio aos trabalhadores migrantes. O MdE identificou uma série de ações imediatas, nomeadamente: a proteção dos trabalhadores migrantes através da oferta de serviços diretos, tanto através dos sindicatos como dos centros de recursos para migrantes; as questões de género, o confisco de passaportes e a regularização do estatuto dos trabalhadores migrantes; e a facilitação dos acordos bilaterais de migração laboral entre países de origem e de destino.46

97. Embora a cooperação bilateral entre os sindicatos dos países de origem e de destino seja uma boa prática, não substitui a obrigação que os governos de ambos os países têm de salvaguardar os direitos dos trabalhadores migrantes de acordo com a legilação nacional e as normas internacionais do trabalho.47

3.8. Conclusão

98. A Organização já recolheu e analisou um grande número de acordos bilaterais sobre migração laboral. Uma plataforma de partilha de conhecimento da OIT na região da Ásia e Pacífico, a AP Migration, disponibilizou publicamente os acordos dessa região.48 Esta ação serve de ponto de partida para desenvolver um conhecimento aprofundado da implementação efetiva dos acordos de migração laboral.

99. Os constituintes indicaram que seria necessário dar seguimento ao trabalho nesta área. Para isso seriam necessárias mais orientações, especialmente tendo em conta a evolução da natureza da migração laboral e da sua governação desde a adoção do modelo de acordo anexo à Recomendação n.º 86.

100. Embora o CAS tenha relembrado que a CEACR salientara que o objetivo dos instrumentos de migração da OIT era tão relevante agora como quando os instrumentos foram adotados, indicou também estar ciente de que se poderia considerar que os pormenores de certas disposições tinham “perdido a sua relevância, não dando uma resposta plena, ou não sendo necessários, no atual contexto da migração”. Por conseguinte, o CAS considerou que, no âmbito da discussão geral sobre migração

45 OIT: Labour migration and development: ILO moving forward, Documento de base para discussão na Reunião Técnica Tripartida da OIT sobre Migração Laboral, Genebra, 4-8 novembro 2013, p. 20 (tabela 4.1); ILO programme implementation 2014-15, Relatório do Diretor-Geral, CIT, 105ª Sessão, 2016, Genebra, parágrafo 197.46 T. Connell: “Unions in Asia, Gulf Sign Migrant Worker Agreement”, Centro de Solidariedade, 8 ago. 2015.47 Cholewinski, op. cit., p. 245.48 Ver: http://apmigration.ilo.org.

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laboral na 106.ª Sessão da Conferência, os constituintes tripartidos poderão desejar esclarecer a eventual necessidade de revisão ou consolidação das Convenções n.º 97 e 143, e também a necessidade de complementar as atuais normas internacionais do trabalho.49

101. O modelo de acordo anexo à Recomendação n.º 86 que acompanha a Convenção n.º 97 é um exemplo de como pode ser necessária uma abordagem mais atualizada e flexível que sirva de orientação e tome em consideração a evolução da migração laboral, incluindo a maior importância da função do setor privado no recrutamento de trabalhadores migrantes (ver Capítulo 5). Há outros desafios no esforço de garantir a implementação, a transparência e a monitorização eficazes nos corredores de migração. Foram apontados outros problemas importantes em relação à mudança nos padrões de mobilidade das mulheres trabalhadoras migrantes, ao papel do diálogo social nos acordos bilaterais de migração laboral e à melhor forma de incluir as disposições de segurança social na ausência de acordos de segurança social específicos. A função dos acordos bilaterais de migração laboral, na melhoria do desenvolvimento dos recursos humanos em geral e no desenvolvimento das competências dos trabalhadores migrantes em particular, é uma questão adicional que poderia beneficiar com mais orientações.50

49 OIT, Resultado da discussão, op. cit., parágrafo 15.50 Ver também as recomendações em Wickramasekara, op. cit., p. 48.

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Capítulo 4 Migração laboral e mobilidade regional

102. Este capítulo examina os desenvolvimentos na governação da migração laboral e na mobilidade ao nível intrarregional, e também através da cooperação inter-regional. Uma vez que a migração laboral e a mobilidade estão a ocorrer ao nível intrarregional,1 a governação regional é fundamental para melhorar os resultados do desenvolvimento sustentável nos contextos regional e sub-regional, sobretudo onde há um consenso político para avançar na direção de uma maior integração económica.

103. Entre os intervenientes regionais do Sul global, a experiência da UE, mais concretamente a sua implementação do direito de estabelecimento, tem sido particularmente influente na promoção da ideia de “livre circulação” como principal motor do crescimento económico e da redução das disparidades salariais ao nível regional. No entanto, ainda há um conhecimento muito limitado do impacto real da migração laboral individualmente nos países em desenvolvimento,2 e ainda menos ao nível regional.

104. No que se refere à governação, existem grandes disparidades entre as regiões e dentro destas, com diferentes opções que vão desde a reciprocidade ad hoc dos vistos que apenas facilita a mobilidade de curta duração aos protocolos avançados de livre circulação que permitem a residência, o estabelecimento e a integração no mercado de trabalho. A migração laboral e a mobilidade coordenadas continuam a representar grandes desafios para muitas regiões devido à resistência política à abertura recíproca dos mercados de trabalho, sobretudo nos países com elevados índices de desemprego; fragilidade das organizações regionais; ou grandes lacunas na capacidade, mais concretamente ao nível nacional.

105. Este capítulo analisa os principais obstáculos que continuam a impedir o fortalecimento da governação da migração laboral e da mobilidade aos níveis

1 OIT: ILO global estimates on migrant workers: Results and methodology, Genebra, 2015.2 Ver Capítulo 2, caixa 2.1. Embora este relatório incida sobre os trabalhadores migrantes, é importante considerar igualmente o desenvolvimento e a expansão das vias de mobilidade laboral para os refugiados e outras pessoas obrigadas a deslocar-se, inclusivamente ao nível regional. Ver OIT: Guiding principles on the access of refugees and other forcibly displaced persons to the labour market, in Third Supplementary Report: Outcome of the tripartite technical meeting on the access of refugees and other forcibly displaced persons to the labour market (Genebra, 5-7 julho 2016), GB.328/INS/17/3(Rev.), Parte F.

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regional e sub-regional em África, nos Estados Árabes, na região da Ásia e Pacífico e na América Latina e Caraíbas.3 O capítulo centra-se em cinco áreas particularmente decisivas e desafiantes e na forma como essas áreas estão a ser abordadas pelas comunidades económicas regionais, incluindo através das intervenções da OIT.4

106. O capítulo analisa ainda duas outras dinâmicas que têm influência e refletem diferentes abordagens à migração laboral e à mobilidade regionais: em primeiro lugar, a interação entre as comunidades económicas regionais e os processos consultivos regionais relativos à migração;5 em segundo lugar, os acordos comerciais regionais que incluem componentes de mobilidade laboral.

4.1. Governação da migração laboral e integração regional: Tendências e desafios

4.1.1. Tendências históricas e importância estratégica das normas in-ternacionais do trabalho para a integração regional 107. As economias desenvolvidas continuam a ser os principais destinos dos migrantes de todo o mundo. No entanto, embora a proporção de migrantes que vivem nas economias desenvolvidas continue a subir, a taxa de crescimento desacelerou em relação às décadas anteriores (e em 2014 foi constante em relação a 2010), provavelmente uma consequência da recente crise económica.6

108. Há uma grande diferença histórica entre a migração laboral para as regiões de destino no período de reconstrução que se seguiu à Segunda Guerra Mundial e a mobilidade laboral dentro dos blocos regionais (sobretudo no processo de integração da UE) e a migração Sul-Sul ao longo das últimas duas décadas. Enquanto as primeiras duas ocorreram simultaneamente com a consolidação das leis do trabalho e dos sistemas de proteção social, a atual migração laboral para as economias emergentes está a ocorrer, em muitos casos, num contexto de sistemas muito mais frágeis.7

109. Este nível crescente de mobilidade contemporânea para os países com sistemas de governação mais frágeis tem pelo menos duas implicações fundamentais. A primeira é uma necessidade ainda mais premente de disseminação

3 Uma vez que a UE é amplamente reconhecida como o sistema regional de mobilidade laboral mais desenvolvido, este capítulo não abrange a própria UE mas faz referências a desenvolvimentos e práticas da UE quando necessário.4 Seleção das questões feita com base numa análise dos atuais acordos, protocolos e planos de ação das comunidades económicas regionais no âmbito da migração laboral.5 Os processos consultivos regionais são processos consultivos intergovernamentais, em muitos casos apoiados pela OIM.6 OIT: World of Work Report 2014: Developing with jobs, Genebra, p. 183.7 B. Deacon et al.: “Globalisation and the emerging regional governance of labour rights”, in International Journal of Manpower, Vol. 32, n.º. 3, 2011, pp. 334-365.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

e integração generalizada das normas internacionais do trabalho e da assistência técnica sustentável, de forma a assegurar a boa governação e a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Embora a migração laboral Sul-Sul tenha o potencial de gerar benefícios positivos para os trabalhadores migrantes e para os seus familiares, os custos sociais e económicos continuarão a ser elevados e os benefícios para o desenvolvimento serão reduzidos se não houver uma legislação laboral e sistemas de proteção social muito mais fortes, e também mecanismos funcionais de intermediação do mercado de trabalho.

110. A segunda implicação é o facto de as comunidades económicas regionais e os processos consultivos regionais desempenharem um papel estratégico mais significativo na prestação de orientação política e quadros técnicos aos Estados-Membros para a promoção da adoção e implementação de políticas harmonizadas em conformidade com as normas internacionais do trabalho. Podem fomentar a confiança, a unidade e a solidariedade entre os países de origem, em vez de permitirem uma concorrência desenfreada.

4.1.2. Aspetos comuns na governação da migração laboral 111. Uma perspetiva geral dos últimos 20 anos revela alguns atributos comuns que sobressaem da consolidação das comunidades económicas regionais e que estabelecem as bases para o reforço do diálogo e da cooperação regionais:

um grau de abertura do mercado de trabalho à mão-de-obra e às qualificações não nacionais, nomeadamente através dos quadros de reconhecimento de competências;

uma perceção de que a migração laboral bem governada funciona a favor tanto das economias de origem como das de destino, aumentando assim o desenvolvimento regional;

uma necessidade de que a migração laboral ocorra no âmbito de sistemas nacionais reforçados de proteção laboral e social, que devem estar cada mais harmonizados;

uma exigência de um diálogo sustentado sobre migração laboral, pelo menos ao nível intergovernamental;

o fortalecimento dos serviços públicos de emprego e das respetivas capacidades de cooperação com outros prestadores de serviços, nomeadamente as agências de emprego privadas;

uma necessidade de criar mecanismos de proteção eficazes para os trabalhadores migrantes.

112. Alguns destes fatores, como o reconhecimento de competências e a proteção social, representam desafios significativos para os acordos negociados, dadas

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

as diferenças nos sistemas nacionais. Além disso, quase todas as comunidades económicas regionais dos países em desenvolvimento enfrentam os seguintes desafios e tentam resolvê-los de formas muito distintas, conforme descrito na secção 4.2:

implementação de acordos regionais sobre migração laboral de forma eficaz e atempada;

recolha de dados harmonizados sobre a migração laboral;

promover estruturas de coordenação e de monitorização e avaliação mais eficazes, tanto ao nível nacional como regional;

contrariar a pouca vontade política de melhorar a governação da migração laboral ao nível nacional;

regulamentar a conduta do número crescente de recrutadores de mão-de-obra privados que dificultam o desenvolvimento de práticas de recrutamento mais equitativas;

resistir à opinião pública cada vez mais negativa contra o alargamento do acesso ao mercado de trabalho e aos sistemas de proteção social aos cidadãos estrangeiros (como aconteceu, por exemplo, na Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em relação à violência xenófoba ou, mais recentemente, durante a campanha de saída da UE que ocorreu no Reino Unido).

113. Estes desafios constituem uma oportunidade para a OIT reforçar a sua função de reforço de capacidades técnicas em matéria de normas internacionais do trabalho e outras abordagens.

4.1.3. Tendências gerais da governação da migração laboral e da mo-bilidade nas comunidades económicas regionais 114. Embora o âmbito deste relatório não inclua uma descrição pormenorizada dos recentes desenvolvimentos em matéria de migração nas comunidades económicas regionais, podemos identificar aqui algumas tendências gerais. As comunidades económicas regionais e os organismos de cooperação regional de todo o mundo adotaram diversos modelos de governação da migração laboral. De uma forma geral, incluem a livre circulação, que implica o levantamento gradual de todos os obstáculos à circulação, residência e estabelecimento (o modelo da UE, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) ou o Mercado Comum (MERCOSUL); facilitação da deslocação para categorias específicas de trabalhadores (ANSA, Comunidade das Caraíbas (CARICOM), SADC); acordos simples de reciprocidade de vistos ou intercâmbio regular de informações (União do Magrebe Árabe (UMA)); ou proteção dos trabalhadores da sub-região em países

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

de destino fora da região (Associação da Ásia do Sul para a Cooperação Regional (SAARC)) (ver tabela 4.1).

115. Cada comunidade económica regional tem a sua trajetória, o seu sistema de governação, o seu ritmo e os seus objetivos próprios, que são normalmente determinados pela história de cada região ou sub-região. Na maior parte dos casos, as comunidades económicas regionais foram estabelecidas muito tempo depois de os fluxos históricos de migração laboral moldarem as economias políticas específicas. Embora a migração laboral seja normalmente uma questão secundária para as comunidades económicas regionais (como no caso da Comunidade dos Estados do Sael e do Sara (CEN-SAD), UMA e SAARC), estas tentam resolver as consequências não intencionais dos fluxos de migração laboral já existentes.

116. Outra característica da migração laboral e da governação da mobilidade ao nível das comunidades económicas regionais é a extrema diversidade da dimensão e da hierarquia destas comunidades. Embora a América Latina e Caraíbas e a Ásia e Pacífico tenham um número limitado de comunidades económicas sub-regionais, os Estados Árabes têm uma única entidade de integração regional, o CCG. A África tem uma organização regional (a União Africana (UA)) e um total de oito organizações sub-regionais incorporadas nessa organização, com sobreposições de membros, mas sem qualquer descentralização do poder supranacional, seja ao nível da UA ou ao nível regional.

117. Por último, e talvez o mais importante, existem diferenças nos modelos de financiamento e nos recursos das comunidades económicas regionais. Enquanto em África, da UA às organizações sub-regionais, as comunidades económicas regionais dependem em grande medida do financiamento de doadores (que representavam 67 por cento do orçamento da UA, por exemplo, em 2015), outras comunidades económicas regionais tornaram-se ou sempre foram autossustentadas (ASEAN, UE, CCG, MERCOSUL, SAARC). Esta situação indica que a dependência do financiamento externo no apoio aos planos de migração laboral parece dificultar a coordenação e implementação eficazes ao nível do secretariado nas comunidades regionais, ao passo que, nos Estados-Membros das regiões com excedentes orçamentais, há maior probabilidade de haver ministérios de tutela, sobretudo os ministérios do trabalho e da administração interna, com capacidade para desenvolver e implementar planos regionais de forma eficaz.

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56 CIT.106/IV

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

Tipo de regime de migração intrar-regional e mobilidade aplicado

Aplicado e funcional Desenvolvimento contínuo

Princípios adotados

Livre circulação com base no levantamento gradual de to-dos os obstáculos à circula-ção, residência e estabeleci-mento

UE, MERCOSUL CEDEAO, EAC UA, COMESA, CAN, CEEAC, IGAD, UNA-SUL

Facilitação da circulação para categorias específicas de tra-balhadores

ANSA, CCG SADC, CARICOM

Reciprocidade de vistos para mobilidade de curta duração e intercâmbio de informações

APEC CEN-SAD, UMA

Proteção dos trabalhadores da comunidade económica re-gional com emprego fora des-sa comunidade

SAARC

Nota: APEC — Cooperação Económica Ásia-Pacífico CAN — Comunidade Andina CAO — Comunidade da África Oriental CEEAC — Comunidade Económica dos Estados da África CentralIGAD — Autoridade Intergovernamental para o DesenvolvimentoUNASUL — União de Nações Sul-Americanas

4.2. Desafios e respostas à governação regional da mi-gração laboral e da mobilidade

118. Embora continuem a enfrentar numerosos desafios relacionados com as tensões políticas e sociais e, por vezes, com a limitação da capacidade financeira e humana a dificultar o seu próprio desenvolvimento, as comunidades económicas regionais tornaram-se invariavelmente intervenientes na governação da migração laboral. A relação entre os níveis nacional e regional é de importância decisiva para a criação de estratégias de intervenção: por vezes, o processo regional será um impulsionador através do qual os processos nacionais poderão ser acelerados e harmonizados, como, por exemplo, no caso dos quadros regionais de qualificações que podem ajudar os países que não têm quadros nacionais (como o quadro regional de qualificações da SADC); noutros casos, um conjunto de sistemas robustos e bem sucedidos ao nível nacional dará o impulso necessário a um grupo sub-regional muito mais amplo na criação de “coligações de interessados” (por exemplo, como nos casos da Argentina, Brasil, Chile e Uruguai no MERCOSUL, em relação à extensão da segurança social).

Quadro 4.1. Evolução dos regimes de migração intrarregional e mobilidade aplicados pelas comunidades económicas regionais (em outubro de 2016)

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CIT.106/IV 57

Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

4.2.1. Melhorar a recolha de dados para a criação de políticas aos níveis regional e nacional 119. Para que a migração laboral e a mobilidade dentro das comunidades económicas regionais sejam bem-sucedidas, é fundamental dispor de dados harmonizados. A comunidade económica regional é uma escala particularmente pertinente e razoável para a harmonização, uma vez que, em muitos casos, os Estados-Membros partilham semelhanças nos métodos de recolha estatística e um interesse em indicadores específicos. No entanto, a relutância em partilhar os dados relativos ao controlo das fronteiras e as disparidades nos recursos, a frequência dos inquéritos e os mecanismos de coordenação estatística continuam a constituir obstáculos importantes a uma melhor integração. No entanto, algumas comunidades económicas regionais alcançaram progressos importantes na coordenação.

120. Um dos exemplos mais avançados nesta área é a Base de Dados de Estatísticas da Migração Laboral Internacional da ANSA, um dos destaques da Ação Tripartida da OIT para a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes no Projeto da Região da ANSA (ASEAN TRIANGLE). A base de dados é a primeira deste tipo em toda a região e foi replicada nos Estados Árabes.8 Recolhe dados oficiais dos governos a partir de uma série de fontes estatísticas em relação aos volumes e fluxos dos trabalhadores migrantes na região, e também sobre os cidadãos nacionais dos diversos países que vivem ou trabalham no estrangeiro. A base de dados preenche um importante vazio de conhecimento, criando uma poderosa ferramenta de pesquisa através da qual os decisores políticos e outros intervenientes podem conhecer e monitorizar as características da mão-de-obra migrante internacional na região.9

121. Outro exemplo é a harmonização dos módulos de migração laboral pelos Estados-Membros da SADC nos estudos relativos à mão-de-obra e a formação dos agentes de estatística dos 15 Estados-Membros na elaboração de relatórios normalizados, no âmbito do quadro do Plano de Ação para a Migração Laboral da SADC para 2013-15, que terá continuação no Plano de Ação 2016-19.10

122. A assistência da OIT às comunidades económicas regionais poderia ser reforçada através de uma maior disponibilidade sistemática de estatísticas e recursos no ILOSTAT e NORMLEX, agrupados pelas comunidades económicas regionais. Além disso, a sensibilização dos constituintes e do pessoal de secretariado ao nível da comunidade económica regional poderia ser realizada de forma mais sistemática, para assegurar a familiarização com os instrumentos da OIT para além das administrações nacionais do trabalho.

8 Rede de Migração e Governos (MAGNET), atualmente instalada no ILOSTAT.9 A base de dados de Estatísticas da Migração Laboral Internacional da ASEAN e os materiais associados à mesma, como um manual e um relatório analítico, estão disponíveis na Rede de Migração da Ásia e Pacífico, em: http://apmigration.ilo.org/aseanlabour-migration-statistics.10 OIT: Report on SADC Capacity-Building Workshop on Work Statistics (19th ICLS Resolution) and Labour Migration Statistics, 15-19 dezembro de 2014, Joanesburgo.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

123. Para a elaboração de políticas, são importantes tanto os dados quantitativos como os qualitativos. A este respeito, a CEDEAO optou por uma série de estudos orientados e guias sobre questões como a implementação dos protocolos existentes, sistemas de informação do mercado de trabalho, coordenação da segurança social, proteção efetiva dos trabalhadores migrantes e harmonização das políticas, com o objetivo de melhorar os seus processos de integração regional. A OIT apoiou este esforço através da participação no programa de Livre Circulação de Pessoas e Migração na África Ocidental (2013-18), financiado pela Comissão Europeia.

4.2.2. Proteção dos direitos dos trabalhadores migrantes, incluindo os princípios e direitos fundamentais no trabalho. 124. A proteção dos direitos dos trabalhadores migrantes é uma área na qual a implementação continua a ser demasiado limitada. No entanto, alguns desenvolvimentos são encorajadores. A Declaração sobre a Proteção e Promoção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes, assinada pelos líderes da ANSA em 2007, estipula, entre outras, condições de vida e de trabalho dignas e proteção no emprego para os trabalhadores migrantes na região da ANSA. A ANSA comprometeu-se a negociar um instrumento para implementar esta Declaração até abril de 2017. A OIT apoiou os esforços da ANSA neste domínio. Tendo por base o seu trabalho regional, o projeto ASEAN TRIANGLE (2012-16) da OIT centrou-se no apoio à ANSA na redução da exploração dos trabalhadores migrantes na região através do aumento da migração regular e segura e de uma melhor proteção laboral. O seu objetivo foi tornar as abordagens regionais mais eficazes e reforçar a capacidade das instituições da Associação. Outros dois projetos, ASEAN TRIANGLE Phase II (2017-20) e TRIANGLE II (2016-26) têm objetivos complementares e estão ligados através de uma teoria regional combinada de mudança.11

125. As questões de proteção são, por vezes, muito específicas de certas profissões e categorias de trabalhadores, que é onde uma abordagem de corredor de migração dentro das comunidades económicas regionais pode ser útil. O Programa de Ação Global da OIT relativo aos Trabalhadores Domésticos (2013-16) adotou uma abordagem original, associando critérios de proteção a uma abordagem de corredor de migração. O programa culminou na organização de um fórum tripartido inter-regional de partilha de conhecimentos sobre boas práticas e lições retiradas da promoção da cooperação internacional e parcerias para a realização de uma agenda de migração justa para os trabalhadores domésticos migrantes em África, nos Estados Árabes e na Ásia, realizada em Madagáscar em maio de 2016 (ver Capítulo 3).12

11 O projeto ASEAN TRIANGLE Phase II terá lugar no período 2017-20 e será financiado pelo Canadá. O projeto TRIANGLE II terá lugar no período 2016-26 e será financiado pela Austrália: http://www.ilo.org/asia/whatwedo/projects/WCMS_428584/lang-en/index.htm. Para consultar exemplos concretos de resultados de proteção, ver o projeto Greater Mekong Subregion TRIANGLE (2010-15) em: http://www.ilo.org/asia/whatwedo/projects/WCMS_304802/lang-en/index.htm.12 Os resultados do programa de ação global estão disponíveis em: http://www.ilo.org/global/topics/

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

126. Os países do CCG estão também a enfrentar dificuldades com um modelo de mobilidade e migração laboral que, apesar de bastante liberal ao nível da entrada de trabalhadores, foi criticado por não abordar as condições de trabalho inaceitáveis enfrentadas por muitos migrantes. Entretanto ocorreram algumas mudanças. Em 2014, a Terceira Consulta Ministerial do Diálogo de Abu Dhabi entre países de origem asiáticos e países de destino árabes adotou a Declaração do Kuwait, que faz referência à Agenda da Migração Justa da OIT e à importância do recrutamento justo. A Quarta Reunião de Altos Funcionários do Diálogo de Abu Dhabi, em maio de 2016, recomendou que a próxima Quarta Consulta Ministerial assuma a cooperação bilateral e multilateral para o desenvolvimento, certificação e reconhecimento de competências, e o aproveitamento do reconhecimento das competências no desenvolvimento de políticas de admissão e mobilidade. Além disso, o projeto da OIT Migração Regional Justa no Médio Oriente (FAIRWAY) (2016-18) centra-se na situação difícil dos trabalhadores mais vulneráveis, nomeadamente daqueles que se encontram no trabalho doméstico e na construção civil. O projeto visa promover a mudança de políticas com recurso a pesquisas baseadas em provas, apoiar uma melhor implementação das leis e políticas e resolver as atitudes discriminatórias em relação aos trabalhadores migrantes.

127. Os constituintes da OIT também desenvolveram ferramentas para a proteção dos trabalhadores migrantes. Entre essas ferramentas inclui-se a utilização do modelo de acordo sindical bilateral da ACTRAV-CSI e de um manual para sindicalistas sobre a proteção dos trabalhadores migrantes13 no desenvolvimento do Plano de Ação de 2015-19 relativo à Proteção dos Trabalhadores Migrantes pela Comissão de Sindicatos do Oceano Índico, uma plataforma sub-regional de sindicatos.14 Outro exemplo é o desenvolvimento de um manual para os sindicatos no âmbito do projeto ASEAN TRIANGLE.15

4.2.3. Harmonização das competências e qualificações dos tra-balhadores migrantes com os empregos disponíveis além-fron-teiras 128. O reconhecimento das competências e qualificações e a correspondência das mesmas com as profissões adequadas são medidas fundamentais para a mobilidade efetiva dos trabalhadores migrantes dentro de uma região, e ganharam importância na agenda de muitas comunidades económicas regionais. Ainda existem grandes obstáculos devido aos diferentes sistemas e tradições educacionais ao nível nacional e, além disso, é também colocada uma ênfase excessiva nas qualificações académicas

labourmigration/events-training/WCMS_454724/lang--en/index.htm.13 Ver Capítulo 3, caixa 3.4.14 OIT: In search of Decent Work - Migrant workers’ rights: A manual for trade unionists, OIT-ACTRAV, Genebra, 2008.15 OIT: Good practices on the role of trade unions in protecting and promoting migrant workers’ rights in Asia, RO-Ásia e Pacífico, Banguecoque, 2014.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

formais em detrimento dos trabalhadores migrantes que têm experiência profissional e artesanal. A harmonização dos processos de reconhecimento de competências ao nível sub-regional ou regional continua a ser um desafio.

129. Uma vez que os trabalhadores de baixas ou médias qualificações são frequentemente negligenciados nos modelos-quadro de qualificações formais, é necessária uma “ferramenta de tradução” de reconhecimento regional que permita avaliar facilmente as competências, independentemente das qualificações dos trabalhadores migrantes. Este é o princípio subjacente às Normas do Modelo de Competência Regional para a região da Ásia e Pacífico, que não definem os níveis de qualificação, mas antes conjuntos de competências em agrupamentos lógicos que podem ser traduzidos no sistema de classificação de cada país, conforme necessário. O último guia deste tipo, relativo ao trabalho doméstico,16 irá potencialmente ajudar mais de 20 milhões de trabalhadores domésticos na região da Ásia e Pacífico.

130. Em janeiro de 2015, o mercado comum do CCG teve uma nova integração de forma a permitir a plena igualdade entre os cidadãos do CCG na cobertura ao nível do emprego, seguro social e reforma. Está igualmente em curso a interoperabilidade das qualificações profissionais. No entanto, os cidadãos que não pertencem ao CCG não são (ainda) incluídos nestes esforços. Foi criado um projeto conjunto da OIM e da OIT relativo ao reforço do reconhecimento das competências e à redução da vulnerabilidade dos trabalhadores da construção civil do Sri Lanka em países selecionados do CCG, com o objetivo de orientar a melhoria das competências desta diáspora de trabalhadores migrantes em toda a região. O projeto está a ser implementado nos Emirados Árabes Unidos.

4.2.4. Melhor proteção social, nomeadamente através da coordenação dos direitos e prestações de segurança social 131. Embora os trabalhadores migrantes contribuam para o sistema de segurança social do seu país de origem ou de destino, em muitos casos retiram poucos ou nenhuns benefícios desse sistema devido à falta de coordenação da segurança social na ausência de acordos bilaterais ou multilaterais, o que pode impedir esses trabalhadores de receber apoios dos sistemas dos países nos quais tenham trabalhado.

132. A escala regional é um nível particularmente adequado à melhoria da coordenação, geração de normas e regulamentos comuns, promoção da solidariedade e proteção dos trabalhadores migrantes. Uma vantagem importante dos acordos multilaterais em relação aos acordos bilaterais (abordados no Capítulo 3) é o facto de as mesmas disposições se aplicarem a todos os trabalhadores migrantes, independentemente do seu país de origem, dentro da área abrangida pelo acordo.

133. Foram registados progressos na adoção de quadros multilaterais aos níveis regional e inter-regional em todas as regiões, tendo a maioria recebido o apoio da

16 OIT: Domestic Work, Regional Model Competency Standards Series, Genebra, 2015.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

Caixa 4.1 Exemplos de acordos regionais de segurança social que contaram

com o apoio e os conhecimentos técnicos da OIT Regulamentos da UE sobre a coordenação dos sistemas de segurança so-

cial (Estados-Membros da UE, Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça) Declaração da ANSEA sobre o Reforço da Proteção Social Convenção Multilateral Ibero-Americana de Segurança Social (da qual são

signatários 12 países latino-americanos, Portugal e Espanha) Proposta da CAN para um estatuto migratório andino Acordo da CARICOM relativo à Segurança Social (13 países da região das

Caraíbas) Acordo Multilateral da CIPRES (Convenção Inter-Africana de Assistência So-

cial) relativo à Segurança Social (15 países francófonos da África Ocidental e da África Central e do Oceano Índico)

Convenção Geral da CEDEAO sobre Segurança Social (permite que os mi-grantes reformados e os trabalhadores migrantes que tenham trabalhado num dos Estados-Membros da CEDEAO exerçam o seu direito à segurança social no seu país de origem)

Acordo Multilateral de Segurança Social do MERCOSUL

OIT (caixa 4.1). No entanto, a implementação harmoniosa continua a ser um grande desafio, sendo necessário um maior apoio para reforçar a capacidade.

4.2.5 Papel do diálogo social na mobilidade laboral regional 134. A história da relação entre a migração laboral e o diálogo social diverge muito de país para país. Os desafios do diálogo social em relação às questões da migração laboral incluem a ausência de qualquer tradição tripartida entre os ministérios do Interior e dos Negócios Estrangeiros, que são ainda responsáveis pela governação em muitos países, e os obstáculos à liberdade sindical e ao direito de organização e negociação coletiva, tanto para os trabalhadores nacionais como para os trabalhadores migrantes. De uma forma geral, a governação da migração laboral tem sido caracterizada por um défice de diálogo social.17

135. A atual consolidação dos regimes de migração laboral nas comunidades económicas regionais deve ser encarada como uma oportunidade para incutir os princípios do diálogo social tripartido nos processos de governação da migração laboral, que deve ser apoiado pelo reforço das capacidades das instituições e parceiros sociais relevantes.

136. Embora ainda permaneçam desafios para melhorar o diálogo social sobre as questões da migração laboral, verificaram-se avanços substanciais em muitas comunidades económicas regionais (quadro 4.2). 4.2.6. Adaptação da OIT aos desafios da integração regional

17 OIT: International cooperation and social dialogue for well-governed national and international labour migration and regional mobility, documento de base para a Reunião Técnica Tripartida da OIT sobre Migração Laboral, Genebra, 4-8 de novembro de 2013 (por publicar).

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

Comunidade económica regional

Medidas adotadas

ANSEA O Fórum da ANSEA sobre Trabalho Migrante é um bom exemplo de um diálogo social tripartido sólido e funcional que aborda os problemas da migração laboral. O estabelecimento deste fórum foi apoiado pelo projeto ASEAN TRIANGLE I da OIT, que adotara uma abordagem tripartida desde o início, apoiando várias reuniões técnicas tripartidas da ANSEA. Estes es-forços serão mantidos no âmbito do projeto ASEAN TRIANGLE II da OIT.

CAN e MERCOSUL Tanto a CAN como o MERCOSUL possuem estruturas internas tripartidas que analisam regularmente os problemas da migração laboral, ou que são inteiramente dedicadas à governação da migração laboral, como o Instru-mento Andino de Migração Laboral da CAN ou o Subgrupo Técnico n.º 10 do MERCOSUL.

CARICOM Na CARICOM, os conselhos de empregadores e trabalhadores assinaram um MdE para facilitar a realização de negócios e a circulação de trabalha-dores através de uma legislação harmonizada.

CEDEAO Em dezembro de 2010, os Estados-Membros da CEDEAO adotaram o Projeto de Lei Suplementar que estabelece o Fórum de Diálogo Social da CEDEAO, que formalizou este organismo apoiado pela OIT.

SADC O Setor de Emprego e Trabalho da SADC funciona de modo tripartido: o Plano de Ação da SADC para a Migração Laboral (2016-19) e o Quadro de Políticas de Migração Laboral de 2014 são resultado de discussões e negociações "tripartidas alargadas" com o apoio da OIT.

137. A abordagem da OIT à ajuda ao desenvolvimento no domínio da migração laboral é determinada pelas suas normas, quadros de referência e prioridades. Tais normas, quadros de referência e prioridades foram concebidas principalmente para as intervenções ao nível nacional. Por conseguinte, a OIT teve de adaptá-las para dar resposta às crescentes necessidades de cooperação para o desenvolvimento das comunidades económicas regionais.

Normas internacionais do trabalho 138. As normas internacionais do trabalho continuam a ser uma ferramenta essencial para a harmonização e convergência da legislação e dos quadros orientadores aos níveis nacional e regional. Embora esta situação não se tenha necessariamente traduzido em taxas de ratificação mais elevadas das Convenções n.º 97 e 143 da OIT, as referências a estas Convenções e às Convenções e Recomendações relacionadas (como as Convenções n.º 181 e 189 e as Recomendações n.º 86 e 151) como modelo de legislação, criando uma referência de avaliação comparativa para as leis nacionais e de apoio à jurisprudência e litígios, têm continuamente servido de base às agendas de migração laboral entre as comunidades económicas regionais. Por exemplo, o Quadro de Políticas da SADC para a Migração Laboral de 2014, a Convenção Geral da CEDEAO sobre Segurança Social de 2012, a Declaração da ANSEA de 2007 sobre Proteção e Promoção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e o

Quadro 4.2. Diálogo social nas comunidades económicas regionais

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

Instrumento da CAN para a Saúde e Segurança no Trabalho são baseados diretamente nas Convenções e Recomendações da OIT relativas à migração.

139. A relevância contínua das normas internacionais do trabalho também pode ser observada nas recentes ratificações de novos instrumentos, como a Convenção (n.º 189) Sobre os Trabalhadores e Trabalhadoras do Serviço Doméstico, 2011, na América Latina, África e Ásia; na inclusão dos processos de ratificação das Convenções n.º 97 e 143 na agenda de várias comunidades económicas regionais, especialmente em África (como o Programa Conjunto de Migração Laboral da UA); e na referência às normas da OIT, como a Recomendação n.º 86 e o modelo de contrato bilateral de trabalho do anexo (ver Capítulo 4) como ferramentas de referência para a elaboração das linhas diretrizes regionais.18 Além disso, foram realizadas muitas discussões e formações, coordenadas pela OIT e por outras organizações, com recurso às ferramentas e às normas da OIT como material didático.19

Cooperação para o desenvolvimento e estratégias regionais de mi-gração laboral

140. Para além dos projetos de cooperação para o desenvolvimento (caixa 4.2), a OIT desenvolveu estratégias regionais de migração laboral com base nas prioridades para as políticas que foram identificadas pelos constituintes nas reuniões regionais da OIT. Por exemplo, a 16ª Reunião Regional da Ásia e Pacífico, realizada em Bali em dezembro de 2016, identificou o reforço das políticas de migração laboral com base nas normas internacionais do trabalho relevantes como prioridade para a política e ação nacionais.20 Estas estratégias são desenvolvidas através dos Escritórios Regionais e das Equipas de Trabalho Digno da OIT, com o apoio técnico da Delegação de Migração Laboral. A rápida emergência de múltiplos parceiros regionais, comunidades económicas regionais e parceiros sociais regionais aumentou o número de pedidos de intervenção e alargou o seu âmbito. A estrutura no terrreno da OIT foi otimizada de forma a maximizar os recursos existentes e permitir a assistência tanto ao nível nacional e regional como sub-regional.

141. Para orientar as intervenções da OIT e a organização interna, são realizados exercícios internos de diagnóstico regional em intervalos regulares. Foi encomendado um diagnóstico e uma estratégia para as atividades de migração laboral na região da

18 OIM: Regional Guidelines for the Development of Bilateral Labour Agreements in the Southern African Development Community, Genebra, 2016.19 Alguns exemplos recentes são: OIT-ACTRAV: Trade Union Manual on Export Processing Zones, Genebra, 2014; OIT: Achieving decent work for domestic workers: An organizer’s manual to promote ILO Convention No. 189 and build domestic workers’ power, Genebra, 2012.20 OIT: Bali Declaration, adotada na 16ª Reunião Regional da OIT para a Ásia e Pacífico em Bali, Indonésia, em 9 de dezembro de 2016, parágrafo 8. Ver também a Declaração de Addis Ababa da 13ª Reunião Regional Africana da OIT em 2015, que identificou, como prioridade política para todo o continente, o “reforço da governação migratória laboral aos níveis nacional, sub-regional, regional e internacional, e o desenvolvimento de políticas que tenham em conta as necessidades do mercado de trabalho”, com base nas normas internacionais do trabalho e em conformidade com o Quadro Multilateral sobre Migrações de Mão-de-obra da OIT, AFRM.13/D.8, parágrafo 13(l).

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

Caixa 4.2 Exemplos de projetos de cooperação para o desenvolvimento com o

objetivo de reforçar as ligações entre as comunidades económicas regio-nais e os Estados-Membros

Os projetos de cooperação para o desenvolvimento apoiados pela OIT têm tido enfoque em várias dimensões da governação da migração laboral, tanto ao nível das comunidades económicas regionais como ao nível nacional, reforçando a coesão de um quadro de comunidades económicas regionais ou a capacidade de os Estados-Mem-bros da comunidade cumprirem os quadros existentes. Têm sido uma importante área de foco do trabalho de assistência técnica da OIT em colaboração com outras organiza-ções internacionais. Seguem-se alguns dos exemplos mais recentes:

o Programa Conjunto de Migração Laboral, coordenado pela Comissão da UA com o apoio da OIT, da OIM e da Comissão Económica das NU para Áfri-ca (fase de mobilização de recursos);

apoio ao Programa de Livre Circulação de Pessoas e Migração na África Ocidental, financiado pela Comissão Europeia e coordenado pela CEDEAO, com o apoio da OIM, do Centro Internacional para o Desenvolvimento das Políticas Migratórias e da OIT (2013-18);

apoio ao Fórum da ANSEA sobre Trabalho Migrante, com a participação da OIT, OIM e ONU-Mulheres;

desenvolvimento e implementação do plano de ação da SAARC sobre migra-ção laboral, apoiado pela OIT e pela OIM.

África em 2012.21 Os Escritórios Regionais da OIT na Ásia e Pacífico e na América Latina e Caraíbas produziram relatórios de situação e planos estratégicos para o biénio 2016-17,22 enquanto os recursos humanos da OIT atribuídos ao apoio técnico à migração laboral aumentaram de um especialista regional em 2012 para cinco em 2016 (na América Latina, Ásia e Estados Árabes).

142. A OIT também estendeu recentemente o princípio dos seus Programas de Trabalho Digno, inicialmente realizados apenas ao nível nacional, às sub-regiões. Estes planos estabelecem prioridades mutuamente acordadas em ciclos de quatro a cinco anos. Embora apenas tenham existido, até à data, três Programas de Trabalho Digno sub-regionais, dois deles, na CAO (2010-15) e na SADC (2013-19), incluem fortes componentes de migração laboral entre as prioridades.

21 A. Segatti e Z. Jinnah: Diagnostic Exercise for an ILO Strategy on Labour Migration in Africa, Centro Africano para a Migração e Sociedade, Joanesburgo, 2014.22 OIT: La migración laboral en América Latina y el Caribe. Diagnóstico, estrategia y líneas de trabajo de la OIT en la región [Migração laboral na América Latina e Caraíbas: Diagnóstico, estratégia e linhas de trabalho da OIT], RO-América Latina e Caraíbas, Lima, 2016; OIT: Labour Migration in Asia and the Pacific: Office Strategy Paper for 2016-17, Banguecoque, RO-Ásia e Pacífico, 2016 (por publicar).

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

4.3. Comunidades económicas regionais, processos con-sultivos regionais sobre migração e acordos comerciais que incluam componentes de mobilidade laboral

143. Além dos regimes de migração laboral cada vez mais formalizados aplicados nas comunidades económicas regionais, devem ser também considerados pelo menos dois processos para a definição da atual governação da migração laboral ao nível regional. O primeiro é o papel dos processos consultivos regionais intergovernamentais, que contribuem para os diálogos regionais sobre os problemas da migração laboral há décadas. O segundo é a emergência de um regime de proteção laboral paralelo nos acordos comerciais internacionais e as consequências para o tratamento dos trabalhadores migrantes que já é possível observar.

4.3.1. Processos consultivos regionais sobre migração: Ensinamentos para a assistência técnica 144. Os processos consultivos regionais, definidos como “fóruns restritos de partilha de informações e de debate para os estados com interesse na promoção da cooperação no domínio da migração”,23 têm recebido continuamente atenção desde que foram criados em meados da década de 1980 e início da década de 1990.

145. Os processos consultivos regionais não substituem nem duplicam as atuais organizações de integração regional; desempenham um papel diferente das organizações formais que já existem.24 O seu papel é mais relativo ao consenso entre culturas organizacionais muito distintas (em muitos casos, entre os ministérios da segurança e do trabalho).25

146. Os processos consultivos regionais que ocorrem dentro ou na proximidade das comunidades económicas regionais ou órgãos semelhantes26 têm um elevado potencial para gerar acordos regionais formais sobre migração (como parecem confirmar os recentes desenvolvimentos na CEDEAO em relação ao Diálogo de

23 C. Harns: Regional Inter-State Consultation Mechanisms on Migration: Approaches, Recent Activities and Implications for Global Governance of Migration, Série de Pesquisa da OIM sobre Migração, n.º 45, OIM, Genebra, 2013, p. 19.24 Segundo dois estudos encomendados pela OIM realizados em 2010 e 2013. Ver ibid. e R. Hansen: An Assessment of Principal Regional Consultative Processes on Migration, Série de Pesquisa da OIM sobre Migração, n.º 38, OIM, Genebra, 2010.25 F. Channac: “The evolution of international decision-making processes concerning migrations: A comparison between formal and informal multilateral fora”, in G. Zincome (ed.): Immigration Politics: Between Centre and Periphery; National States and the EU, ECPR Press, Colchester, Reino Unido, 2002.26 É importante distinguir os processos consultivos regionais autónomos, cujo desenvolvimento e funcionamento têm sido distintos dos das organizações de integração regional, dos processos consultivos regionais de base, reconhecidos como um dos pilares das organizações de integração regional (sendo o Mercado Comum da África Oriental e Austral (COMESA) e a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD) casos ilustrativos) ou os atuais processos formais entre estados. Harns, op. cit., pp. 19, 28-32.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

Migração para a África Ocidental e na SADC em relação ao Diálogo de Migração para a África Austral). Da mesma forma, o potencial para passar de uma situação de facto para uma coerência de jure na governação das migrações é mais forte nas comunidades económicas regionais centradas no comércio e na utilização comum dos recursos humanos regionais (como a ANSEA e o seu Fórum sobre Trabalho Migrante).27

147. Tendo em conta a sua convergência ao nível da finalidade, cooperação política, familiaridade dos serviços públicos com os seus homólogos regionais e um conjunto de soft skills de coordenação, os processos consultivos regionais poderão representar plataformas úteis para a informação dos quadros regionais de governação da migração laboral. Uma vez que a OIM funciona como um secretariado e convoca reuniões do processo consultivo regional global,28 a OIT pode procurar reforçar a sua cooperação com estes processos para garantir que as abordagens e normas da OIT possam ser mais facilmente consideradas, e para melhorar a participação dos constituintes.

148. Até à data, os processos consultivos regionais não conseguiram criar as melhores condições para o diálogo social tripartido. São sobretudo dominados por questões relativas ao potencial de desenvolvimento dos fluxos migratórios, que revelaram ser, em grande medida, determinantes.29 No entanto, noutros casos, como as Consultas Intergovernamentais sobre Migração, Asilo e Refugiados e o Processo de Bali sobre Contrabando de Pessoas, Tráfico de Seres Humanos e Criminalidade Transnacional Relacionada, predominam os paradigmas de controlo e segurança da migração. Os princípios associados à abordagem tripartida de diálogo social da OIT, que pressupõe não só a inclusão mas também a igualdade de participação entre os parceiros tripartidos, diferem do princípio da inclusão alargada incluída nos processos consultivos regionais. Por vezes, esta situação resulta em diferenças de representação entre as estruturas tripartidas (sob a liderança dos ministérios do trabalho, por exemplo) e os processos consultivos regionais nos quais os parceiros sociais não estão representados (como nas Consultas Intergovernamentais e no Diálogo de Abu Dhabi) ou não lhes é dada a mesma importância enquanto entidades governamentais. Por conseguinte, a OIT poderia contribuir para promover o diálogo social nestes processos, especialmente quando a discussão é relativa às questões laborais.

27 ibid., pp. 87-88.28 Para mais informações sobre a função da OIM, ver: http://www.iom.int/global-rcp-meetings.29 Harns, op. cit., p. 87.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

4.3.2. Acordos comerciais e mobilidade laboral 149. Verificou-se um aumento generalizado das disposições laborais nos acordos comerciais regionais e bilaterais, como foi observado num relatório recente da OIT.30 Apesar do crescente número de pesquisas, os estudos disponíveis31 não se concentraram diretamente no impacto que estes acordos têm sobre as condições de trabalho dos trabalhadores migrantes. Uma exceção é um relatório recente do Relator Especial das Nações Unidas sobre os direitos humanos dos migrantes.32

150. Este relatório alerta para o facto de os acordos comerciais terem o potencial de exacerbar as vulnerabilidades dos migrantes com baixos salários e violarem direta e sistematicamente os seus direitos humanos. Embora a maioria dos governos tenha celebrado, nas duas últimas décadas, acordos que incluem disposições relativas aos direitos humanos, esta medida resultou numa “maior fragmentação na interpretação das normas internacionais dos direitos humanos, e também numa aplicação prejudicial dos acordos de mobilidade laboral e das leis da imigração, infringindo efetivamente os direitos humanos dos trabalhadores migrantes e das suas famílias”.

151. O Relator Especial propõe a elaboração e a adoção de um quadro de mobilidade global nos acordos comerciais multilaterais e bilaterais, para reforçar a proteção dos migrantes. Este quadro poderia basear-se nas proteções especificadas no Quadro Multilateral sobre Migrações de Mão-de-obra e no modelo de acordo da Recomendação n.º 86 da OIT (ver Capítulo 3).33 O Relator Especial afirma que apenas com “medidas ativas que permitam associar os direitos humanos às considerações comerciais... [será possível] mitigar os desequilíbrios de poder inerentes na economia global e a ênfase assimétrica na eficiência económica e nos ganhos de curto prazo em detrimento dos trabalhadores migrantes”.34 É possível que esta questão seja abordada em discussões relativas aos novos mecanismos de governação no novo Pacto Global para as Migrações. A OIT poderá sem dúvida refletir sobre a melhor forma de participar em tais discussões.

30 OIT: Assessment of labour provisions in trade and investment arrangements, Genebra, 2016, p. 11.31 S. Lavenex e F. Jurje, em “The Migration-Trade Nexus: Migration Provisions in Trade Agreements”, in L.S. Talani e S. McMahon (eds), Handbook of the International Political Economy of Migration, Elgar, Instituto Mundial, 2016, comparam as intenções iniciais ao abrigo do Acordo Global sobre Comércio de Serviços da Organização Mundial do Comércio, de 1995, com as atuais disposições de uma perspetiva teórica; o relatório Trabalho digno nas cadeias de abastecimento mundiais da OIT, nos parágrafos 125-126, refere-se apenas de passagem às disposições laborais e aos acordos regionais de comércio; o relatório Assessment of labour provisions in trade and investment arrangements da OIT, op. cit., documenta o impacto das disposições laborais sobre o comércio e não sobre as condições de trabalho dos trabalhadores; e a Research note: Labour and social policy components in current trade agreements in Asia and the Pacific da OIT-ACT/EMP, de março de 2015, tem enfoque no impacto dos acordos de comércio livre sobre a adoção de leis de trabalho nacionais insustentáveis.32 ONU: Report of the Special Rapporteur on the human rights of migrants on the impact of bilateral and multilateral trade agreements on the human rights of migrants, Conselho de Direitos Humanos, 32ª sessão, A/HRC/32/40, 4 de maio de 2016.33 ibid., parágrafo 70.34 ibid., parágrafo 91.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

4.4. Conclusão

152. É indiscutível que a integração dos mercados de trabalho tem progredido globalmente, resultando na facilitação da migração laboral e da mobilidade ao nível regional, com múltiplas abordagens agora relativas a objetivos diferentes nas diversas regiões.

153. Uma lição fundamental para a intervenção é o facto de os projetos nacionais serem fundamentais para apoiar os esforços ao nível da comunidade económica regional e, inversamente, é muito pouco provável que os quadros adotados ao nível da comunidade económica regional sejam implementados de forma eficaz sem administrações públicas nacionais eficientes e parceiros sociais com a capacidade de assumir, coordenar e apresentar relatórios ao nível regional.

154. Além disso, embora tenham sido implementados quadros tendo em vista facilitar a migração e da mobilidade em quase todas as regiões, tais quadros encontram-se em fases de implementação muito diferentes. Por conseguinte, será essencial acompanhar esta implementação para verificar se estes instrumentos asseguram soluções adequadas e, se não for o caso, apoiar os esforços dos constituintes no sentido de reforçar os aspetos essenciais, como o diálogo social nos processos das comunidades económicas regionais.

155. A cooperação para o desenvolvimento e as competências da OIT em matéria de normas internacionais do trabalho são procuradas em muitos destes processos, com diversos graus de êxito. No entanto, continuam a existir grandes desafios em algumas áreas importantes, nomeadamente no que se refere:

à eliminação efetiva dos obstáculos à migração e à mobilidade nos quadros legislativos nacionais;

à coordenação das administrações públicas; e

à adoção de quadros de reconhecimento mútuo de competências.

156. Os constituintes da OIT e a Organização também devem trabalhar de forma mais concertada na criação das capacidades das comunidades económicas regionais e dos parceiros sociais.

157. Os processos consultivos regionais têm confirmado que são extremamente úteis para a transformação da abordagem dos governos e das partes interessadas da sociedade civil às questões da migração e do desenvolvimento, especialmente quando são baseados em pequenos grupos de Estados participantes com a estabilidade e a capacidade necessárias para assumir a liderança numa região. No entanto, os processos consultivos regionais não se têm adaptado da melhor forma à representação tripartida.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

158. A inclusão mais sistemática das disposições laborais nos acordos comerciais internacionais é uma tendência crescente. No entanto, ainda é escassa a investigação disponível sobre trabalhadores migrantes enquanto categoria individual de trabalhadores. Por conseguinte, é necessária uma investigação mais orientada para que se consiga compreender melhor o tipo de mecanismos de proteção que poderiam ser aplicados ao abrigo destes acordos.

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Capítulo 5

Recrutamento justo

159. Garantir o recrutamento justo de todos os trabalhadores tem sido o objetivo das normas e do trabalho da OIT nas últimas décadas. Mais recentemente, os constituintes da OIT pediram um reforço dos compromissos e das ações da OIT neste domínio. Esta situação levou ao lançamento, em 2014, da Iniciativa de Recrutamento Justo com múltiplas partes interessadas, que é atualmente um componente integrante da Agenda de Migração Justa da OIT, e à aprovação, pelo Conselho de Administração na sua 328ª Sessão (novembro de 2016), dos princípios gerais e das diretrizes operacionais da OIT para o recrutamento justo.1 O recrutamento justo é também um elemento importante do compromisso assumido pela comunidade internacional de reduzir os custos da migração laboral, conforme indicado na Agenda 2030.

160. O âmbito deste capítulo é o quadro normativo e de políticas da OIT relativo ao recrutamento de trabalhadores, em especial de trabalhadores migrantes, e aos princípios e diretrizes da OIT para o recrutamento justo, que reúnem as normas aplicáveis num único recurso orientador e definem as responsabilidades de todos os intervenientes relevantes no recrutamento de trabalhadores nacionais ou migrantes. O capítulo também apresenta uma perspetiva geral sobre algumas das políticas e práticas emergentes para combate ao recrutamento abusivo e fraudulento, com enfoque na proteção dos trabalhadores migrantes com baixas qualificações e referência aos princípios e diretrizes da OIT e à Iniciativa de Recrutamento Justo.

5.1. Importância do recrutamento justo

161. O recrutamento internacional abrange um vasto conjunto de ações: a contratação direta por empregadores ou pelos seus representantes; as operações realizadas pelos recrutadores de mão-de-obra públicos e privados; a contratação de potenciais migrantes num país por conta de um empregador de outro país ou quando um recrutador de um país se compromete a dar emprego a migrantes de outro país;

1 OIT: Fourth Supplementary Report: Outcome of the Meeting of Experts on Fair Recruitment (Geneva, 5-7 September 2016), “Anexo: Princípios gerais e diretrizes operacionais para o recrutamento justo”, GB.328/INS/17/4, pp. 3-13. Também disponível em: http://www.ilo.org/global/topics/labour-migration/projects/WCMS _536263/lang--en/index.htm. As referências feitas neste capítulo às diretrizes e aos princípios são relativas a este documento.

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e as diversas operações associadas ao processo de recrutamento, como a seleção, a introdução e a colocação dos trabalhadores migrantes, e o seu retorno ao país de origem no final de um contrato de trabalho.2

162. De acordo com a CEACR, “a regulamentação do recrutamento é um componente importante de uma governação equitativa e eficaz da migração laboral, beneficiando de uma abordagem de múltiplas partes interessadas com raízes no diálogo social”.3 A instituição de processos de recrutamento justo também pode contribuir para: melhorar a proteção dos trabalhadores migrantes, nomeadamente contra o trabalho forçado e o tráfico de seres humanos, e reduzir as desigualdades e as práticas discriminatórias com base em vários motivos; um funcionamento mais eficaz dos mercados de trabalho; melhores empregos e correspondência de qualificações; uma concorrência mais saudável entre as empresas; e melhores resultados de desenvolvimento sustentável para os trabalhadores migrantes e para os seus familiares, bem como para os países de origem e de destino.

163. O atual contexto de recrutamento de migrantes é cada vez mais complexo e envolve um grande número de intervenientes, tanto regulamentados como não regulamentados. Em alguns casos, o recrutamento de trabalhadores migrantes é realizado por serviços públicos de emprego, e os regulamentos podem exigir que estas sejam as únicas entidades autorizadas para o efeito.4 Contudo, o recrutamento de migrantes é cada vez mais realizado por agências de emprego privadas. A influência destas agências tem vindo a crescer, sendo que, atualmente, são já um componente globalizado dos mercados de trabalho.5 Em 2013, havia quase 260.000 agências de emprego privadas em todo o mundo, das quais 56 por cento localizadas na região da Ásia e Pacífico,6 embora nem todas essas agências se encontrassem envolvidas em atividades transfronteiriças. Quando adequadamente regulamentadas, muitas vezes através de licenciamento e/ou certificação, as agências de emprego privadas podem operar em condições de igualdade, reduzindo a incerteza comercial e aumentando a eficiência e a produtividade das empresas,7 e desempenham um papel importante na melhoria do funcionamento do mercado de trabalho: “Com a disponibilização

2 OIT: Promoting fair migration, Exame de Conjunto sobre os instrumentos dos trabalhadores migrantes, Relatório da CEACR, CIT, 105ª Sessão, 2016, Genebra, parágrafo 197.3 ibid., parágrafo 194. Ver também as conclusões do debate realizado pelo Comité de Aplicação das Normas do Exame de Conjunto relativo aos instrumentos dos trabalhadores migrantes, CIT, Registo Provisório n.º 16-1, 105.ª Sessão, 2016, parágrafo 106(3).4 Conforme discutido no Capítulo 3 e na secção 5.4.4, em alguns países os serviços públicos de emprego continuam a desempenhar um papel fundamental na colocação dos trabalhadores em empregos além-fronteiras, no âmbito dos programas de trabalhadores temporários facilitados por acordos bilaterais de migração laboral.5 OIT: Fair migration: Setting an ILO Agenda, Relatório do Diretor Geral, Relatório I(B), CIT, 103ª Sessão, 2014, parágrafo 85.6 Confederação Internacional de Empresas de Trabalho Temporário: Economic Report: 2015 Edition, p. 14. A Confederação mudou de nome em setembro de 2016, tornando-se a Confederação Mundial do Emprego.7 OIT: Report for Discussion at the Tripartite Meeting of Experts on Fair Recruitment: Principles and Operational Guidelines, 5-7 setembro de 2016, MEFR/2016, parágrafo 11.

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de candidatos e vagas de emprego, fazendo corresponder a oferta de mão-de-obra à procura e ao criar soluções relativas à força de trabalho, as agências funcionam como um trampolim para o emprego, aumentam a participação e a diversidade no mercado de trabalho, transformam o trabalho disponível em oportunidades de emprego e promovem a inclusão no local de trabalho”.8

164. Ao mesmo tempo, as práticas abusivas caracterizam também um segmento deste setor, que inclui intermediários informais, subagentes não autorizados e outros que operam na economia informal e fora do quadro legal e regulamentar. Os trabalhadores com baixas qualificações são particularmente vulneráveis às práticas de recrutamento abusivas e fraudulentas, especialmente durante os períodos de elevado desemprego, nos quais a concorrência na procura de emprego é intensa,9 e quando existem lacunas na proteção prevista na lei e na sua aplicação.10 Este segmento do setor do recrutamento, que trabalha em colaboração com alguns empregadores, gera lucros elevados com base no pagamento insuficiente de salários e na cobrança de taxas de recrutamento,11 que são cobradas, em muitos casos, aos trabalhadores com baixas qualificações e salários, uma vez que os empregadores estão mais dispostos a pagar pelo recrutamento dos trabalhadores de elevada qualificação. Foram registados outros abusos, como os depósitos e as deduções ilegais de salários; violência, incluindo violência sexual; engano em relação à natureza e às condições do trabalho no estrangeiro; retenção de passaportes e outros documentos de identidade, que podem ter impacto no acesso aos serviços de saúde;12 servidão por dívida associada ao reembolso das taxas de recrutamento; e ameaças quando os trabalhadores querem deixar o empregador. Os testes obrigatórios de gravidez e VIH/SIDA também são usados rotineiramente por alguns recrutadores privados, o que constitui discriminação em violação das normas internacionais reconhecidas.13

8 Confederação Mundial do Emprego: Code of Conduct, 2015, p. 1.9 Como acontece, por exemplo, em relação à disponibilidade de um grande grupo de mão-de-obra pouco qualificada no Sul Asiático em relação aos empregos no Médio Oriente.10 OIT: Report for Discussion at the Tripartite Meeting of Experts on Fair Recruitment, op. cit., parágrafo 1.11 OIT: The cost of coercion, Relatório Global no âmbito do seguimento à Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, CIT, 98ª Sessão, 2009, Genebra, parágrafos 12 e 150, que estima que o “custo da oportunidade” da coerção aos trabalhadores afetados pelas práticas de recrutamento abusivas, em termos de perda de rendimentos, tenha sido de 21 mil milhões de dólares, dos quais 19,6 mil milhões de dólares foram relativos ao pagamento insuficiente de salários e 1,4 mil milhões de dólares foram atribuídos às taxas de recrutamento.12 ONU: Report of the Special Rapporteur on the human rights of migrants, Mr François Crépeau, Assembleia Geral, 70ª Sessão, A/70/310, 11 ago. 2015, parágrafos 19 e 24: Nos casos em que os empregadores não emitem documentos de identidade, também pode ficar comprometido o acesso dos trabalhadores migrantes aos serviços de saúde.13 OIT: In search of Decent Work - Migrant workers’ rights: A manual for trade unionists, OIT-ACTRAV, Genebra, 2008, p. 45.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

5.2. Reduzir os custos de recrutamento da migração laboral

165. Os custos de recrutamento são um subconjunto importante dos custos da migração laboral (ver figura 2.1 acima). Abrangem uma série de custos monetários, como as taxas pagas ao recrutador ou agente de trabalho, o preço do transporte interno e internacional, os pagamentos para exames médicos e seguros, e as taxas para a emissão de passaportes e vistos (quadro 5.1).14

14 Uma prática abusiva concreta é o “comércio de vistos” que ocorre em muitos países do Golfo, na qual os vistos são emitidos em bloco a empresas ou fornecedores de mão-de-obra e depois vendidos a recrutadores de mão-de-obra, que passam os custos aos trabalhadores no processo de recrutamento no país de origem. Uma vez que estes vistos podem fazer com que os trabalhadores não tenham um emprego específico no destino, os trabalhadores podem também ficar sujeitos a encargos adicionais para conseguirem regularizar a permanência

Vietnamitas para a Malásia

Etíopes para a Arábia Saudita

Filipinos para o Qatar

Indianos para o Qatar

Nepaleses para o Qatar

Paquistaneses para a Arábia Saudita e Emirados

Árabes Unidos

Agente 1 248 553 492 551 874 271

Transporte interno 69 128 106 70 108 61

Transporte internacional 88 281 (a) 296 402 249

Exame médico 28 37 67 52 34 45

Passaporte 18 19 29 46 75 46

Autorização (d) 2.5 1 5 – – 1

Sessões informativas (d) – – 4 24 9 7

Teste de competências (e)

– – – 11 – –

Seguro 13 – 40 7 37 11

Visto (b) 307 – – – 319 2 823

Outro (c) 30 604 – – – 31

Total 1 803.5 1 623 743 1 057 1 858 3 489

(a) Viagem internacional paga maioritariamente pelos empregadores. (b) Reflete o preço dos vistos vendidos e não o custo oficial. (c) Outros tipos de custos são as taxas pagas aos responsáveis pelo contrabando de pessoas e por subornos. (d) Não foram referidos custos pelos trabalhadores, possivelmente por terem sido incluídos num montante fixo pago aos agentes de recrutamento. (e) No caso dos migrantes de baixa qualificação incluídos nestes estudos, nem sempre foram exigidos testes de competências. Fonte: Estudos OIT-KNOMAD, 2015, citados no Documento de base elaborado pela OIT no Fórum Global sobre Migração Internacional e Desenvolvimento, Mesa Redonda 1.1, Redução dos custos da migração.

Quadro 5.1. Média dos custos de recrutamento pagos por trabalhadores migrantes em corredores de migração laboral selecionados (média em dólares), 2015

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

166. Os dados do inquérito preliminar por amostragem preliminar da OIT-KNOMAD sobre os custos da migração demonstram que, no corredor de migração laboral do Sul Asiático para o CCG, os custos de recrutamento podem representar nove meses ou mais do salário médio mensal. No entanto, os trabalhadores migrantes que se deslocam para Espanha incorrem em custos de recrutamento inferiores à média de um mês de remuneração. Esta disparidade demonstra que o corredor de migração é um dos fatores determinantes mais importantes para os custos de recrutamento suportados pelos trabalhadores. Os resultados podem ser explicados parcialmente por fatores estruturais, como os tipos de regimes de migração laboral em vigor, o grau de harmonização das regulamentações nacionais e dos respetivos mecanismos de aplicação entre os países de origem e de destino, e o tipo de recrutadores de mão-de-obra envolvidos. Outra conclusão relacionada é o facto de os custos poderem divergir significativamente dentro do mesmo corredor de migração, em função do país de origem dos trabalhadores.

167. Além disso, o nível dos custos de recrutamento não está relacionado com a qualidade dos empregos nem com o nível dos salários no destino. Por exemplo, os trabalhadores que migram para a República da Coreia e para Espanha, onde os salários são consideravelmente mais elevados, pagam geralmente custos de recrutamento mais baixos em termos de rendimentos médios mensais do que aqueles que se verificam noutros corredores de migração. A investigação também revela que os trabalhadores com mais instrução, vínculos com redes sociais ou experiência prévia em trabalho no estrangeiro, e também as mulheres trabalhadoras, pagam menos do que os migrantes sem vínculos com as redes de migração, e que os migrantes irregulares incorrem em custos mais elevados do que os migrantes regulares.15 Porém, como foi observado no Capítulo 2, os custos de recrutamento inferiores incorridos pelas mulheres trabalhadoras domésticas são contrabalançados pelos custos mais elevados no que se refere aos horários de trabalho mais prolongados e às condições mais precárias. domésticas. No trabalho doméstico, os custos da migração relacionados com as condições de trabalho e os salários são duas vezes mais elevados do que os custos de recrutamento e viagem.16

168. Como foi observado na Introdução, o compromisso internacional de reduzir os custos da migração laboral, incluindo os custos de recrutamento, faz agora parte da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, especialmente as metas 10.7 (migração segura e ordeira) e 10.c (remessas financeiras). Com o objetivo de avaliar a primeira destas metas, a OIT e o Banco Mundial são as agências responsáveis pelo desenvolvimento de uma metodologia para o indicador 10.7.1 relativo ao custo do recrutamento dos trabalhadores migrantes.17

e o emprego. R. Jureidini: Ways forward in recruitment of low-skilled migrant workers in the Asia-Arab States corridor, Livro Branco da OIT, RO-Estados Árabes, Beirute, 2016, p. 30.15 M. Abella et al.: “Why are Migration Costs High for Low-Skilled Workers? Evidence from Migrant Surveys”, Documento de Trabalho da KNOMAD, 2016 (por publicar), pp. 3, 10-17.16 M. Aleksynska et al.: Deficiencies in conditions of work as a cost to labour migration: Concepts, extent and implications, OIT, previsto, 2017.17 Indicador 10.7.1: “Custo de recrutamento suportado por um trabalhador em proporção do rendimento

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

5.3. Quadro normativo e de políticas da OIT

169. A regulamentação do recrutamento faz desde há muito tempo parte da acão normativa da OIT. Muitas das anteriores disposições da OIT relativas ao recrutamento foram incorporadas nos Anexos I e II da Convenção (N.º 97) e na Recomendação (N.º 86), cujo principal objetivo é proteger os trabalhadores migrantes, facilitar o controlo e a regulamentação do recrutamento e impedir o emprego não autorizado.18

170. As normas internacionais do trabalho específicas aplicam-se ao recrutamento de trabalhadores, tanto dentro dos países como além-fronteiras, pelos serviços públicos de emprego e pelas agências de emprego privadas. A Convenção (N.º 88) sobre o Serviço de Emprego, 1948, impõe que os Estados-Membros que a ratificaram mantenham um serviço público gratuito de emprego, que deve cooperar com outros organismos públicos e privados relevantes para assegurar a melhor organização possível do mercado de trabalho.19 A Convenção (N.º 181) sobre as Agências de Emprego Privadas, 1997, e a Recomendação (N.º 188) associada são as atuais normas internacionais aplicáveis às agências de emprego privadas. A Convenção (N.º 181) estabelece o princípio de que não devem ser cobradas aos trabalhadores “direta ou indiretamente, na totalidade nem parcialmente, quaisquer taxas ou custos”.20 Exige também que os Membros assegurem uma proteção adequada e previnam os abusos contra os trabalhadores migrantes recrutados ou colocados no seu território por agências de emprego privadas, incluindo no âmbito da celebração de acordos bilaterais.21 Outros instrumentos específicos dos setores incluem disposições relativas ao recrutamento além-fronteiras, como a Convenção sobre Trabalho Marítimo, 2006 (MLC, 2006), relativa aos marítimos, a Convenção (N.º 188) sobre o Trabalho na Pesca, 2007, e a Convenção (N.º 189) sobre os Trabalhadores e Trabalhadoras do Serviço Doméstico, 2011.22

171. Com vista à prevenção do trabalho forçado ou obrigatório, o Protocolo de 2014 à Convenção sobre o Trabalho Forçado, 1930, exige, entre outras, medidas que “protejam as pessoas, concretamente os trabalhadores migrantes, de eventuais práticas abusivas e fraudulentas durante o processo de recrutamento e colocação” e “que apoiem a devida diligência pelos setores público e privado no sentido de

anual auferido no país de destino”. Conselho Económico e Social da ONU, Comissão Estatística: Report of the Inter-agency and Expert Group on Sustainable Development Indicators, 47ª sessão, E/CN.3/2016/2/Rev. 1, 19 fev. 2016, p. 9.18 OIT: Promoting fair migration, op. cit., parágrafo 195.19 Convenção n.º 88, Art. 1º.20 Art. 7(1). No entanto, o Art. 7(2) apresenta uma exceção: “No interesse dos trabalhadores em questão, e após consulta das organizações de empregadores e de trabalhadores mais representativas, a autoridade competente pode autorizar exceções [ao Art. 7(1)] em relação a determinadas categorias de trabalhadores, bem como a tipos específicos de serviços prestados por agências de emprego privadas.”21 Art. 8º.22 MLC, 2006, Art. V(5) e Regulamento 1.4; Convenção N.º 188, Art. 22º; e Convenção N.º 189, Artigos 8º e 15º.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

prevenir e responder aos riscos do trabalho forçado ou obrigatório”.23 São avançadas outras medidas preventivas na Recomendação (N.º 203), como as campanhas de sensibilização orientadas dirigidas aos trabalhadores mais expostos ao risco de trabalho forçado, a promoção dos esforços coordenados pelos órgãos governamentais pertinentes com os órgãos de outros Estados para facilitar a migração segura e regular, e a orientação e apoio às empresas e empregadores para que tomem medidas eficazes para enfrentar os riscos de trabalho forçado nas suas operações.24

172. O recrutamento também foi o tema de iniciativas não vinculativas específicas da OIT. Alguns meses antes da CIT ter adotado a Convenção (N.º 181), o Conselho de Administração da OIT convocou uma Reunião Tripartida de Peritos sobre as Atividades Futuras da OIT na área das Migrações, na qual foram produzidas diretrizes sobre medidas especiais de proteção para os trabalhadores migrantes recrutados por agentes privados.25 Além disso, o Princípio 13 do Quadro Multilateral sobre Migrações de Mão-de-obra da OIT exorta os governos dos países de origem e de destino a darem “a devida atenção ao licenciamento e à supervisão dos serviços de recrutamento e colocação de trabalhadores migrantes” de acordo com a Convenção (N.º 181) e a Recomendação (N.º 188),26 e é acompanhado por uma série de diretrizes relativas à proteção dos trabalhadores migrantes no processo de recrutamento e medidas regulamentares.

173. A Agenda para a Migração Justa da OIT, de 2014, identificou os “processos de recrutamento justo” como um dos seus componentes fundamentais, reconhecendo a necessidade de “esforços renovados e cooperação com os governos para assegurar a regulamentação adequada das agências [privadas] e disponibilizar aos trabalhadores que forem vítimas de abusos acesso às medidas de correção”.27 Além disso, as conclusões da discussão geral da CIT em 2016 sobre trabalho digno nas cadeias de abastecimento globais exortaram as empresas, de acordo com as Diretrizes das NU sobre empresas e direitos humanos, a “realizar a devida diligência em matéria de direitos humanos de forma a identificar, prevenir, mitigar e identificar a forma como abordam os respetivos impactos adversos para os direitos humanos”.28

174. O desenvolvimento mais recente foi a adoção pelo Conselho de Administração da OIT, em novembro de 2016, dos princípios gerais e das diretrizes operacionais para o recrutamento justo (caixa 5.1), que respondem à recomendação dos constituintes na Reunião Técnica Tripartida sobre Migração Laboral.29

23 Art. 2(d) e (e).24 Recomendação n.º 203, Parágrafo 4(b), (i) e (j).25 OIT: Report of the Tripartite Meeting of Experts on Future ILO Activities in the Field of Migration, Genebra, 21-25 de abril de 1997, Anexo II.26 OIT: ILO Multilateral Framework on Labour Migration: Non-binding principles and guidelines for a rights-based approach to labour migration, Genebra, 2006, p. 24.27 OIT: Fair migration: Setting an ILO agenda, op. cit., parágrafo 122.28 OIT: Conclusões sobre o trabalho digno nas cadeias de fornecimento, CIT, 105ª Sessão, 2016, parágrafo 18.29 OIT: Reunião Técnica Tripartida sobre Migração Laboral, Genebra, 4-8 de novembro de 2013, Conclusions, parágrafo 5(iii).

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

Caixa 5.1 Princípios gerais e diretrizes operacionais da OIT

para o recrutamento justo O objetivo dos princípios gerais e das diretrizes operacionais para o recrutamen-

to justo é “servir de guia no trabalho atual e futuro da OIT e de outras organizações, assembleias legislativas e parceiros sociais em relação à promoção e garantia de um recrutamento justo”. São 13 princípios gerais que orientam a implementação a todos os níveis, e 31 diretrizes operacionais que identificam as responsabilidades dos principais intervenientes no processo de recrutamento e que contêm possíveis intervenções e ins-trumentos de políticas.

Características essenciais dos princípios e diretrizes: São baseados nas normas existentes, incluindo os instrumentos de direitos

humanos, as normas internacionais do trabalho e instrumentos relacionados da OIT, e boas práticas que foram reunidas pela primeira vez num único re-curso orientador.

Incluem definições dos termos essenciais. Têm um âmbito geral, são aplicáveis ao recrutamento de todos os trabalhado-

res dentro e fora do país, e abrangem todos os setores da economia. Os princípios gerais sublinham que o recrutamento deve ocorrer de forma que

respeite e cumpra os direitos humanos e as normas internacionais do traba-lho, mais concretamente os princípios e direitos fundamentais no trabalho.

Os princípios também exigem medidas contra as práticas de recrutamento abusivas e fraudulentas, incluindo as práticas que possam resultar em traba-lho forçado e tráfico. É enfatizado o princípio de que as pessoas que procu-ram emprego e os trabalhadores não devem pagar taxas nem custos relacio-nados com o emprego. É dada especial atenção ao papel da transparência nos contratos de trabalho e à inspeção do trabalho, bem como à utilização de sistemas normalizados de registo, licenciamento e certificação.

As diretrizes operacionais identificam as responsabilidades específicas dos governos, dos serviços públicos de emprego e das empresas, incluindo os recrutadores de mão-de-obra e os empregadores.

Na secção 5.4 são apresentados exemplos da aplicação prática de algumas des-tas diretrizes. A OIT pretende implementar estas diretrizes em colaboração com outras agências do Grupo de Migração Global, como a OIM, que indicou que constituirão a base da sua iniciativa International Recruitment Integrity System (Sistema Internacional de Integridade no Recrutamento),1 bem como o Gabinete sobre as Drogas e a Crimina-lidade da ONU (UNODC), o Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACDH) e outros parceiros que participam na Iniciativa de Recruta-mento Justo da OIT. 1 Ver: https://iris.iom.int/.

Fonte: Princípios e diretrizes da OIT para o recrutamento justo, op. cit.

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

5.4. Políticas e práticas de recrutamento justo emergentes

175. Esta seção aborda uma série de políticas e práticas emergentes relacionadas com o recrutamento justo que podem ser adequadas à replicação em diferentes contextos.30 Neste âmbito, consideram-se os princípios gerais e diretrizes da OIT em relação ao recrutamento justo e o trabalho realizado ao abrigo da Iniciativa de Recrutamento Justo (caixa 5.2).

30 O termo “prática emergente” é usado em vez de “boa prática” porque “ainda não é possível estabelecer boas práticas em relação a aos modelos de regulamentação e execução que visam limitar as práticas abusivas e fraudulentas de recrutamento, porque a prática é demasiado recente e/ou porque o seu impacto ainda não foi testado com uma pesquisa rigorosa”. B. Andrees et al.: Regulating labour recruitment to prevent human trafficking and to foster fair migration: Models, challenges and opportunities, OIT, Genebra, 2015, p. 13.

Caixa 5.2 A Iniciativa de Recrutamento Justo da OIT

A Iniciativa de Recrutamento Justo da OIT, lançada em 2014, é um exemplo do trabalho coeso da OIT em resposta a uma crescente preocupação global. A iniciativa tem três objetivos: ajudar a prevenir o tráfico de seres humanos e o trabalho forçado; proteger os direitos dos trabalhadores, incluindo os trabalhadores migrantes, contra as práticas abusivas e fraudulentas no processo de recrutamento; e reduzir os custos da migração laboral e melhorar os resultados do desenvolvimento. Trata-se de uma ini-ciativa com múltiplas partes interessadas, implementada em estreita colaboração com os governos, a CSI e a OIE e respetivas afiliadas, agências do Grupo Global sobre as Migrações, em particular a OIM (que copreside, com a OIT, o Grupo de Missão sobre Migração e Trabalho Digno), o UNODC, o ACDH e o Banco Mundial, e organizações não governamentais. Assiste os constituintes da OIT e as outras partes interessadas na identificação de práticas inovadoras em conformidade com as normas internacionais do trabalho pertinentes.

A iniciativa é baseada numa abordagem de quatro vertentes, que coloca o diálogo social no centro e que consiste em:

1. reforçar o conhecimento global sobre as práticas de recrutamento internacio-nais e nacionais; 1

2. melhorar as leis, as políticas e os mecanismos de execução para promover as práticas justas de recrutamento;

3. promover as práticas comerciais justas;

4. capacitar e proteger os trabalhadores. 1 Este aspeto da iniciativa resultou na publicação dos seguintes estudos, entre outros: Andrees et al., op. cit.; J. Gordon: Global Labour Recruitment in a Supply Chain Context, OIT, Genebra, 2015; K. Jones: For a fee. The business of recruiting Bangladeshi women for domestic work in Jordan and Lebanon, OIT, Genebra, 2015.

Fonte: http://www.ilo.org/global/topics/fair-recruitment/lang--en/index.htm.

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5.4.1. Eliminação das taxas de recrutamento e dos custos associados 176. Conforme indicado previamente, o recrutamento abusivo e fraudulento é muitas vezes associado aos recrutadores que cobram aos trabalhadores taxas não autorizadas e custos relacionados. Com a afirmação de que “não devem ser cobradas aos trabalhadores nem às pessoas que procuram emprego, nem de qualquer forma suportadas por estas, quaisquer taxas de recrutamento ou custos relacionados”,31 os princípios e orientações da OIT reiteram o princípio da Convenção (N.º 181).

177. No entanto, na negociação das orientações, os peritos reconheceram que subsiste uma lacuna no facto de não existir um consenso global sobre o âmbito e a definição das taxas e custos de recrutamento. Os governos regulamentam de muitas formas diferentes o recrutamento e os custos relacionados. Foi acordado que a definição de taxas e custos relacionados “é um assunto que o trabalho futuro da OIT poderá ter de tornar mais preciso”.32 As orientações sobre esta questão permitirão eliminar a ambiguidade e ajudar as partes interessadas a operacionalizar melhor as diretrizes sobre o recrutamento justo.

178. Nos corredores de migração laboral com elevado número de trabalhadores com baixas qualificações, as regulamentações divergem em muitos casos. Por exemplo, alguns países de destino estipulam que as taxas e os custos de recrutamento devem ser pagos pelo empregador, ao passo que os regulamentos do país de origem podem permitir que os recrutadores de mão-de-obra cobrem aos trabalhadores, mas estabelecem um limite para o montante da taxa. No contexto desta disparidade regulamentar, outros fatores contribuem para os elevados custos de recrutamento, como a oferta quase ilimitada de trabalhadores pouco qualificados dispostos a trabalhar no estrangeiro, a aplicação ineficaz das regras existentes, as alegações de práticas corruptas e o conluio entre recrutadores de mão-de-obra e funcionários do governo, e o número reduzido de agências de emprego que trabalham nestes corredores e cumprem as leis nacionais que proíbem a cobrança de taxas ou custos relacionados aos trabalhadores com baixas qualificações.33

179. Por conseguinte, a melhoria da cooperação entre os países de destino e os países de origem nos corredores de migração, de forma a reduzir os custos de recrutamento e os custos da migração laboral de forma mais geral, e harmonizar os quadros regulamentares, constituiria um importante passo em frente. Como foi observado nos princípios e diretrizes da OIT e no Capítulo 3, os acordos bilaterais de migração laboral podem desempenhar um papel importante na facilitação dessa cooperação, com a inclusão de mecanismos de supervisão e participação ativa dos

31 Princípio 7 e Diretrizes 6 e 17.32 OIT: Final report: Meeting of Experts on Fair Recruitment (Geneva, 5-7 September 2016), março de 2017, parágrafo 44.33 Por exemplo, ver Jureidini, op. cit., p. 21, que observa que são poucas as agências que não passam os respetivos custos para os trabalhadores de baixa qualificação no corredor Ásia-Estados Árabes.

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parceiros sociais.34 35 As leis e os regulamentos que proíbem a cobrança de taxas e custos relacionados aos trabalhadores também têm de ser complementados com esforços para mudar a cultura das “expetativas de pagamento”, que prevalece, por exemplo, no corredor de migração Ásia-CCG.

180. A dívida resultante das taxas de recrutamento pode também afetar a capacidade dos trabalhadores migrantes, em particular das mulheres, para saírem de situações de abuso, o que pode aumentar a sua vulnerabilidade à violência ou aos abusos.36 Para além da aplicação de medidas de execução adequadas, uma resposta prática é garantir que os recrutadores de mão-de-obra participem em programas de sensibilização e formação sobre os direitos das mulheres trabalhadoras migrantes, discriminação baseada no género, exploração das mulheres e responsabilidades dos recrutadores em relação às mulheres.37

5.4.2. Quadros regulamentares inovadores 181. As normas internacionais do trabalho estabelecem condições que regem o funcionamento das agências de emprego privadas nos países de origem e de destino, que devem ser determinadas por um regime normalizado de registo, licenciamento ou certificação, exceto quando são regulamentadas ou determinadas pela legislação e prática nacionais adequadas. Esta medida é apoiada pelos princípios e diretrizes da OIT.38 As boas práticas emergentes incluem o estabelecimento de quadros regulamentares em diversas províncias do Canadá, que exigem o licenciamento das agências que recrutam trabalhadores estrangeiros e o registo dos empregadores, bem como mecanismos proativos de aplicação.39 Outro exemplo é o sistema de licenciamento aplicado pela UK Gangmasters Licensing Authority (Autoridade Referente aos Angariadores de Mão-de-obra), que consagra oito normas fundamentais num código de prática de licenciamento que devem ser cumpridas pelas agências de emprego privadas, incluindo as sediadas nos países de origem e que fornecem trabalhadores aos empregadores do Reino Unido, para que lhes possa ser concedida uma licença ou para que possam conservar essa licença.40

5.4.3. Mecanismos de denúncia eficazes 182. Os princípios e diretrizes da OIT salientam que todos os trabalhadores, independentemente da sua presença ou estatuto legal no país, devem ter acesso a

34 Diretriz 13.35 Jureidini, op. cit., pp. 8, 15 e 35.36 Comissão da ONU para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres: Recomendação Geral n.º 26 sobre mulheres trabalhadoras migrantes, CEDAW/C/2009/WP.1/R, 5 de dez. 2008, parágrafo 15.37 ibid., parágrafo 24(b)(iv).38 Convenção n.º 181, Art. 3(2); Princípio 5 e Diretriz 4.2.39 Por exemplo, a Lei do Recrutamento e Proteção dos Trabalhadores de Manitoba, 2008, citada em Andrees et al., op. cit., pp. 47-48 (caixa 3.2).40 ibid., pp. 79-80 (caixa 3.9).

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procedimentos de denúncia gratuitos ou a um preço acessível e a outros mecanismos de resolução de conflitos que permitam resolver o alegado tratamento abusivo no processo de recrutamento, e devem ser garantidas medidas de correção eficazes e adequadas caso tenha ocorrido algum abuso.41 A Organização avaliou os mecanismos de reclamação de vários países asiáticos e sugeriu melhorias, o que resultou num aumento das reclamações (caixa 5.3).

183. A Organização está também a desenvolver, em colaboração com a CSI, uma ferramenta para a Internet com o objetivo de permitir aos trabalhadores aceder a informações essenciais sobre os seus direitos durante o processo de recrutamento e avaliar os recrutadores de mão-de-obra. Além disso, está a trabalhar num sistema de comunicação de infrações em parceria com a organização não-governamental Fórum dos Migrantes na Ásia com o objetivo de fortalecer o acesso às medidas de correção.

184. O papel das organizações de trabalhadores na promoção do recrutamento justo é decisivo. Com efeito, teria sido útil abordar as responsabilidades das organizações de trabalhadores no âmbito das diretrizes de recrutamento justo, mas não houve tempo suficiente para os peritos desenvolverem e chegarem a um acordo em relação a tais diretrizes. Porém, foi acordado que este poderá ser um assunto pertinente para um futuro trabalho da OIT.42

5.4.4. Recrutamento entre governos 185. Os princípios e diretrizes da OIT também se aplicam aos serviços públicos de

41 Princípio 13 e Diretrizes 2.1, 8, 15.5 e 27.42 OIT: Final report: Meeting of Experts on Fair Recruitment (Geneva 5-7 September 2016), op. cit., parágrafo 137.

Caixa 5.3 Violações no recrutamento e mecanismos de reclamação na Ásia: Assistência da OIT

Para lidar com as violações no recrutamento, os países de origem têm de estabe-lecer um mecanismo de reclamações. A OIT avaliou os mecanismos de reclamação no Bangladesh, Camboja, Sri Lanka e Tailândia e concluiu que, para que um mecanismo seja eficaz, alguns dos principais fatores são: disponibilidade de serviços de apoio com sensibilidade às questões de género que ajudem os trabalhadores a usar o mecanismo (estes serviços podem ser disponibilizados pelos sindicatos, organizações da socieda-de civil ou pelo governo); agentes de conciliação com a devida formação; e uma abor-dagem unificada para evitar duplicações. Com a ajuda ao desenvolvimento da OIT, o Camboja introduziu legislação e estabeleceu um mecanismo de reclamações em 2013. Em simultâneo, foram abertos centros de recursos para trabalhadores migrantes. Após estas medidas, verificou-se uma elevada utilização do mecanismo de reclamações pe-los trabalhadores migrantes. Fonte: N. Baruah: “Labor Migration Infrastructure and Services in Countries of Origin in Asia”, in Instituto do Banco Asiático de Desenvolvimento, OCDE e OIT: Labour Migration in Asia: Building Effective Institutions, Tóquio, Paris, Banguecoque, p. 27.

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emprego (caixa 5.1). Os acordos entre governos que autorizam o recrutamento de trabalhadores migrantes apenas através de serviços públicos de emprego, tanto nos países de destino como nos países de origem, podem contribuir para um recrutamento mais justo. Um exemplo notável é o MdE celebrado pela República da Coreia com 15 países de origem para regulamentação da admissão de trabalhadores em setores selecionados (agricultura, construção civil, indústria, pescas e serviços) ao abrigo do Sistema de Autorizações de Trabalho, sob a condição, entre outras, de os candidatos obterem aprovação num teste de língua coreana.43 Esta disposição entre governos também reduziu significativamente os custos da migração laboral para a República da Coreia,44 principalmente nos testes de língua coreana e no transporte.45

5.4.5. Excluir os intermediários laborais 186. A exclusão dos intermediários laborais através do recrutamento direto pelos empregadores é outra prática que poderia ser promovida, desde que fossem aplicadas as regulamentações e as condições adequadas. A possibilidade de haver um recrutamento direto pelo governo e pelas empresas também é reconhecida nos princípios e diretrizes da OIT.46 Nos Estados Unidos, o Código de Conduta para a Justiça nos Alimentos, que surgiu através de uma ação sustentada por parte da Coligação dos Trabalhadores de Immokalee, uma organização de direitos humanos constituída por trabalhadores agrícolas associados, e é apoiado por diversas grandes empresas, proíbe os intermediários laborais e obriga os produtores de tomate a contratar diretamente os trabalhadores para trabalhar no campo. Se uma infração não for resolvida no prazo de quatro semanas, os compradores participantes são obrigados a interromper a compra ao produtor em questão.47 O recrutamento direto também pode ser facilitado através das tecnologias da informação, por exemplo, através da realização de entrevistas online entre empregadores e trabalhadores,48 através de aplicações de redes sociais como o LinkedIn, ou com a criação de bancos de dados de emprego com o objetivo de fazer corresponder as ofertas de emprego aos trabalhadores disponíveis, como acontece com o Portal Europeu da Mobilidade Profissional implementado no espaço da UE.49

43 Ver: https://www.eps.go.kr/ph/index.html; M.J. Kim: The Republic of Korea’s Employment Permit System (EPS): Background and Rapid Assessment, Documentos sobre Migração Internacional n.º 119, OIT, Genebra, 2015; e OIT: Pioneering a system of migration management in Asia: The Republic of Korea’s Employment Permit System approach to decent work, RO-Ásia e Pacífico, Banguecoque, set. 2010.44 OIT: Pioneering a system of migration management in Asia, op. cit., p. 9, que observa que o custo médio do recrutamento desceu de 3509 dólares durante o Sistema de Formação Industrial da década de 1990 para 1097 dólares com o Sistema de Autorizações de Trabalho.45 Abella et al., op. cit., pp. 13-14 (figura 1c.) e 19. No entanto, a aprovação num teste de língua coreana apenas significa que o candidato aprovado ficará disponível para seleção, não oferecendo qualquer garantia de atribuição de emprego no país.46 Diretrizes 14.1 e 15.3.47 Gordon, op. cit., pp. 39-40.48 Jureidini, op. cit., pp. 32 e 36.49 Ver: https://ec.europa.eu/eures/public/homepage.

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5.4.6. Contratos de trabalho normalizados e pagamento eletrónico de salários 187. A oferta de contratos claros, transparentes e por escrito aos trabalhadores é uma característica importante dos princípios e diretrizes da OIT. No caso dos trabalhadores migrantes, tais contratos devem ser: redigidos numa língua que o trabalhador consiga compreender, disponibilizados com uma antecedência suficiente em relação à partida do país de origem, sujeitos a medidas que impeçam a substituição do contrato, e juridicamente vinculativos.50 O desenvolvimento, a utilização generalizada e a aplicação dos contratos de trabalho normalizados que contenham condições conformes às normas internacionais do trabalho permitem contrariar a prática da substituição ilegal de contratos,51 sobretudo em setores como o trabalho doméstico, que muitas vezes são total ou parcialmente excluídos do âmbito da legislação laboral.52 A capacidade dos trabalhadores e das trabalhadoras domésticas migrantes e de outras categorias de trabalhadores “em risco” de beneficiarem em pleno da proteção dos atuais quadros de direito laboral está inextricavelmente associada aos processos de recrutamento justo.53 Como foi observado no Capítulo 3, a vinculação de contratos de trabalho normalizados aos acordos bilaterais de migração laboral é encarada como uma prática promissora, embora sejam poucas as provas do uso real e da eficácia prática de tais contratos.54 O registo dos contratos de trabalho numa autoridade central do governo do país de destino pode ajudar a evitar a substituição de contratos; além disso, exigir que os empregadores depositem os salários dos trabalhadores diretamente na sua conta bancária, como é prática comum em alguns países do Golfo, é uma forma de ajudar a garantir o pagamento atempado dos salários prometidos aos trabalhadores nos respetivos contratos, desde que este sistema seja apoiado por uma monitorização e aplicação regulares de acordo com a Convenção (N.º 95) sobre a Proteção do Salário, 1949.55

5.4.7. Responsabilidade solidária 188. Vários países promulgaram regimes de responsabilidade solidária56 com o objetivo de assegurar que os recrutadores e os empregadores possam ser responsabilizados por violações dos direitos dos trabalhadores no processo de recrutamento. A promoção de quadros governamentais para este efeito é apoiada

50 Princípio 8 e Diretrizes 7 e 26.51 Cf. Jureidini, op. cit., p. 24.52 Ver OIT: Domestic workers across the world: Global and regional statistics and the extent of legal protection, Genebra, 2013.53 Relativamente aos trabalhadores domésticos migrantes, ver a Convenção n.º 189, Art. 15.54 Wickramasekara: Bilateral Agreements and Memoranda of Understanding on Migration of Low Skilled Workers: A Review, op. cit., p. 28.55 Jureidini, op. cit., p. 11.56 Por exemplo, Bangladesh, Etiópia, Filipinas, Eslováquia. Ver Andrees et al., op. cit., pp. 30, 70 e 78.

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pelos princípios e diretrizes da OIT.57 Pode afirmar-se que a complexidade das cadeias de abastecimento exige que um grau da responsabilidade jurídica pelo tratamento dos trabalhadores seja atribuído à empresa que está no topo da cadeia, uma vez que decidiu estruturar a sua empresa através de acordos de subcontratação, muitas vezes com o objetivo de reduzir os encargos e os riscos, mantendo simultaneamente o controlo funcional sobre os principais aspetos do trabalho contratado.58

189. Contudo, até à data, a investigação da OIT concluiu que “ainda existem desafios em relação aos regimes de responsabilidade solidária, particularmente no contexto transfronteiriço, no qual a implementação requer a colaboração tanto dos países de origem como dos de destino”.59 Por exemplo, no que diz respeito à responsabilidade pelo pagamento de taxas ou custos de recrutamento relacionados, existem dificuldades práticas na determinação do ónus da prova de pagamento, uma vez que raramente são fornecidos recibos ou, quando são fornecidos, apenas indicam o montante de pagamento máximo permitido por lei.60 Garantir o acesso dos trabalhadores migrantes, tanto no destino como na origem, a meios de reparação eficazes em caso de infrações ao abrigo desses acordos através de mecanismos de reclamação fáceis de utilizar é uma medida complementar importante.

5.4.8. Diligência devida nas cadeias de fornecimento 190. O exercício da diligência devida nas cadeias de abastecimento para assegurar que os empregadores, contratantes e subcontratantes não utilizam serviços de recrutadores envolvidos em práticas abusivas é uma prática emergente empreendida por várias empresas multinacionais e pelos recrutadores empenhados no recrutamento justo e ético.61 Os princípios e diretrizes da OIT contêm uma definição de diligência devida e apoiam fortemente esta prática, que é aplicável a todos os intervenientes relevantes no processo de recrutamento.62 Os requisitos de diligência devida também podem ser parte integrante da regulamentação e aplicação efetivas.63 Um exemplo ilustrativo é a legislação provincial do Canadá, que inclui medidas que exigem que os empregadores examinem os recrutadores e as suas cadeias de abastecimento de mão-de-obra, inclusivamente através de obrigações de apresentação de relatórios aprofundados. Outro exemplo é um recente regulamento dos Estados Unidos

57 Diretriz 5.2, que acrescenta que tais regimes “poderiam incluir iniciativas de responsabilidade partilhada e outras iniciativas que promovam as práticas de recrutamento justo”.58 Gordon, op. cit. p. 19.59 Andrees et al., op. cit., p. 82.60 Jureidini, op. cit., p. 16.61 Por exemplo, em maio de 2016, a Coca-Cola Company, a HP Inc., a Hewlett Packard Enterprise, a IKEA e a Unilever lançaram o Grupo de Liderança para o Recrutamento Responsável, com enfoque na promoção do recrutamento ético e no combate à exploração dos trabalhadores migrantes nas cadeias de fornecimento globais em diversos setores. Ver: http://www.ihrb.org/pdf/reports/IHRB-Statement-of-Intent-Employer-Pays-Principle-Leadership-Group-forResponsible-Recruitment.pdf. 62 Diretrizes 2.1, 11.1, 15 e 21.1.63 Diretriz 14.

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que exige que todos os contratantes e subcontratantes que apresentem propostas para concurso a contratos federais examinem as suas cadeias de fornecimento de mão-de-obra, de forma a garantir o cumprimento das leis antitráfico e para evitar práticas enganosas ou fraudulentas de recrutamento, incluindo a cobrança de taxas de recrutamento aos trabalhadores.64 Além disso, as propostas de projeto também devem incluir uma análise transparente e em separado dos custos do recrutamento laboral no âmbito das propostas de concurso, na qual deverão estar detalhados os custos variáveis e fixos do recrutamento, incluindo os custos dos subcontratantes, e as propostas mais baixas devem ser cuidadosamente analisadas de forma a determinar se as reduções no custo foram conseguidas à custa de trabalhadores migrantes recrutados.65

191. No âmbito do Programa Integrado de Recrutamento Justo,66 a Organização está a testar modelos que apoiam o exercício da diligência devida em determinados países e setores (caixa 5.4).

64 Ver Andrees et al., op. cit., p. 48 (caixa 3.2) sobre a abordagem Manitoba, e pp. 50-51 (caixa 3.3) com referência à Ordem Executiva 13627, Reforçar as Proteções Contra o Tráfico de Seres Humanos nos Contratos Federais.65 Jureidini, op. cit., pp. 19-20.66 Ver: http://www.ilo.org/global/topics/labour-migration/projects/WCMS_405819/lang--en/index.htm.

Caixa 5.4 Estabelecimento de um corredor de migração justa

entre o Nepal e a Jordânia No âmbito do Programa Integrado de Recrutamento Justo e em colaboração com

a Better Work Jordan, a Organização está a implementar um modelo de recrutamento piloto no setor do vestuário com o objetivo de estabelecer um corredor de migração de recrutamento justo entre o Nepal e a Jordânia. O modelo é baseado em diversas pistas de intervenção, incluindo:

colaboração com agências de emprego privadas que tenham um modelo de recrutamento justo comprovado;

desenvolvimento de sessões de aprendizagem com proprietários de fábricas e diretores de recursos humanos para aumentar a consciência sobre o recru-tamento justo;

envolvimento estratégico com os compradores internacionais para desenvol-ver e partilhar formas inovadoras de reduzir as práticas de recrutamento frau-dulentas e abusivas nas cadeias de fornecimento globais;

reforço da capacidade dos sindicatos de ambos os países, para melhorar a organização e a representação dos trabalhadores migrantes e monitorizar os abusos relacionados com o recrutamento; e

consulta com os governos de ambos os países para discutir a melhoria da regulamentação vigente e a sua aplicação, e para facilitar a celebração de um acordo bilateral de migração laboral em conformidade com as normas internacionais.

Fonte: http://www.ilo.org/global/topics/labour-migration/events-training/WCMS_464656/lang--en/index.htm

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Enfrentar os desafios da governação no contexto de mudança na migração laboral

5.5. Conclusão

192. O lançamento da Iniciativa de Recrutamento Justo da OIT ajudou a reunir as diferentes vertentes do trabalho realizado pela Organização nesta área tanto na sede como no terreno, em estreita colaboração com os constituintes tripartidos e outros parceiros. No entanto, é possível melhorar a base de conhecimentos, aos níveis nacional, bilateral, regional e global, em relação à forma como é realizado o recrutamento de trabalhadores migrantes, especialmente no contexto de cadeias de fornecimento de mão-de-obra progressivamente mais complexas, e em relação à melhor forma de promover e implementar modelos de negócio de recrutamento justo nos corredores de migração.

193. Esta discussão demonstrou que as normas da OIT relativas ao recrutamento estão dispersas numa vasta gama de instrumentos vinculativos e não vinculativos, o que levou ao desenvolvimento dos princípios gerais e das diretrizes operacionais da OIT para o recrutamento justo.

194. Os princípios e as diretrizes encontram-se ainda numa fase inicial de implementação e será necessária uma maior divulgação e uma monitorização do seu impacto. Contudo, permaneceram nas diretrizes várias questões pendentes como lacunas; por exemplo, o âmbito e a definição das taxas e dos custos de recrutamento, e também o papel e a responsabilidade das organizações de trabalhadores no domínio do recrutamento. Estas lacunas foram apontadas como áreas para futuros trabalhos da OIT.

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Capítulo 6

Conclusões e direção a tomar

195. A evolução dos modelos da migração e o aumento do nível da mobilidade humana que se verifica atualmente fizeram com que este assunto tenha alcançado o topo das prioridades dos constituintes ao nível das políticas. Estes factos também foram evidenciados pela adoção, pelos Estados-Membros das NU, da Declaração de Nova Iorque em 2016, e pelo seu compromisso de adotar pela primeira vez um Pacto Global para Migrações Seguras, Ordeiras e Regulares em 2018. Como foi indicado, o trabalho digno e a migração laboral e a sua governação serão um elemento fundamental do Pacto. Por conseguinte, a discussão geral constitui uma oportunidade atempada e valiosa para que os constituintes da OIT contribuam para o Pacto Global. É também uma oportunidade para a OIT afirmar a sua vantagem competitiva, refletida no seu legado histórico, na sua experiência e no seu quadro de normativo.

6.1. Principais conclusões

196. Este relatório chamou a atenção para uma série de áreas que são importantes para assegurar uma governação justa e eficaz da migração laboral, sobretudo no que se refere aos acordos bilaterais e regionais e ao recrutamento de trabalhadores migrantes. Destacou as normas relevantes da OIT, apresentou detalhadamente o trabalho da Organização nestas áreas, facultou exemplos de boas práticas e abordou as lacunas mais importantes e que exigem uma orientação adicional. Estes elementos serão importantes para que os constituintes possam traçar um rumo coerente.

197. As conclusões podem ser resumidas em três áreas principais para posterior consideração.

1. Proteger os trabalhadores migrantes e reduzir os custos da mi-gração laboral 198. A migração laboral pode ter vantagens económicas positivas substanciais se for bem governada e estiver alinhada com as normas internacionais do trabalho. Os governos são os principais responsáveis por assegurar a proteção dos trabalhadores migrantes - especialmente dos trabalhadores migrantes com baixa qualificação em setores como a agricultura, a construção civil e o trabalho doméstico, das mulheres

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e dos jovens migrantes - dos abusos e da discriminação e reduzir os défices de trabalho digno. Dar uma atenção especial à proteção destes trabalhadores migrantes é também a melhor forma de proteger os trabalhadores nacionais, evitando assim o “dumping social”. É também necessário dar muita atenção ao fomento da mobilidade laboral, que assegura uma correspondência adequada entre empregos e qualificações e, desta forma, permite satisfazer melhor as necessidades do mercado de trabalho e aumentar a produtividade económica.

199. A governação deficiente da migração laboral entre países dos corredores de migração e dentro das regiões tende a aumentar os custos sociais e económicos para os trabalhadores e para as empresas. No entanto, a governação apenas poderá ser mais eficaz se existirem instituições de mercado de trabalho sólidas nos países de destino e se os parceiros sociais se empenharem mais no diálogo sobre as migrações. A melhoria da cooperação entre os países aos níveis bilateral e regional, em colaboração com os parceiros sociais, ajudaria a criar regimes de migração que reduzissem estes custos. As áreas mais decisivas para esta cooperação dizem respeito à proteção dos direitos dos trabalhadores; aos processos de recrutamento justo; à melhor correspondência dos trabalhadores com os empregos disponíveis, nomeadamente através do estabelecimento de normas relativas às qualificações e sistemas de reconhecimento de competências; e ao reforço da coordenação dos sistemas de segurança social.

200. Fortalecer as instituições do mercado de trabalho: As instituições do mercado de trabalho são ferramentas fundamentais para desenvolver regimes de migração sustentáveis em todo o mundo. Garantir a igualdade de tratamento para os trabalhadores migrantes homens e mulheres em relação aos cidadãos nacionais, eliminar os mercados de trabalho duplos para migrantes e não migrantes e garantir que os migrantes conseguem realizar o seu potencial de desenvolvimento humano no destino e na origem são objetivos que requerem instituições sólidas de mercado de trabalho, que dediquem uma atenção específica às necessidades e aos interesses dos trabalhadores migrantes. É igualmente importante alinhar as políticas ativas do mercado de trabalho e do emprego, bem como outras políticas, com as políticas de migração, de forma a garantir que a migração laboral, tanto de entrada como de saída, responda melhor às necessidades de cada país em termos de competências.

201. Fortalecer a orientação nos acordos bilaterais: Os acordos bilaterais podem ser instrumentos úteis para apoiar uma governação justa e eficaz da migração laboral se incorporarem disposições alinhadas com as normas internacionais do trabalho. No entanto, como ficou demonstrado pela discussão, há preocupações significativas em relação à compatibilidade dos acordos bilaterais de migração laboral com estas normas. Os constituintes indicaram que seria necessário dar seguimento ao trabalho nesta área e, mais especificamente, é necessária uma orientação mais atualizada, como foi proposto pelo CAS na sua análise do Exame de Conjunto de 2016.1

1 Conclusões da discussão realizada pelo CAS em relação ao Exame de Conjunto relativo aos instrumentos dos trabalhadores migrantes, CIT, Registo Provisório n.º 16-1, 105.ª Sessão, 2016, parágrafo 106(12).

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202. Embora muitos elementos essenciais ao cumprimento das normas e boas práticas da OIT tenham sido incluídos no modelo de acordo anexo à Recomendação (N.º 86), são necessárias orientações para considerar a evolução do cenário da migração laboral e da sua governação, incluindo a maior importância da função do setor privado no recrutamento de trabalhadores migrantes. Os aspetos institucionais dos acordos bilaterais de migração laboral representam novos desafios no esforço de garantir a implementação, a transparência e a monitorização eficazes nos corredores de migração e o papel do diálogo social. Foram apontados outros problemas importantes em relação à mudança nos padrões de mobilidade das mulheres trabalhadoras migrantes, e à melhor forma de incluir as disposições de segurança social na ausência de acordos de segurança social específicos. A função dos acordos bilaterais de migração laboral, na melhoria do desenvolvimento dos recursos humanos em geral e no desenvolvimento das competências dos trabalhadores migrantes em particular, é uma questão adicional que poderia beneficiar com mais orientações.2

203. A Organização poderia envolver-se mais no desenvolvimento das capacidades que os serviços públicos de emprego têm para prestar serviços integrados e de qualidade a todas as pessoas que procuram emprego, com especial atenção à inclusão de migrantes e refugiados no mercado de trabalho. Além disso, poderia avaliar o papel e as atividades dos serviços de inspeção do trabalho na aplicação da legislação laboral em relação a todos os trabalhadores migrantes e, em particular, àqueles que se encontram em situações irregulares, bem como o seu acesso à justiça, incluindo mecanismos de reclamação eficazes e fáceis de utilizar e mecanismos de resolução de conflitos. A Organização também poderia examinar a extensão da organização e do envolvimento dos trabalhadores migrantes nos processos de negociação coletiva, tendo em conta a implementação do objetivo 8.8 da Agenda 2030 que preconiza a proteção dos direitos laborais de todos os trabalhadores, incluindo dos trabalhadores migrantes.

204. Fortalecer a participação dos parceiros sociais: O reforço da participação dos parceiros sociais nas comunidades económicas regionais e nos processos consultivos regionais e nas consultas entre regiões poderia melhorar a governação da migração laboral. O envolvimento dos parceiros sociais ao nível nacional poderá constituir a base para este processo. Como foi discutido no Capítulo 4, a sua participação é débil em muitas regiões e nos corredores inter-regionais, em parte devido à falta de capacidade das organizações de empregadores e de trabalhadores. No entanto, está a surgir uma participação reforçada em algumas regiões que aplicam modelos de boas práticas. Os constituintes poderão considerar formas de melhorar a participação dos parceiros sociais nos processos de migração regional e o papel da Organização neste contexto, nomeadamente no que se refere à capacidade dos constituintes para assegurar um envolvimento mais eficaz.

2 Ver também as recomendações em Wickramasekara: Bilateral Agreements and Memoranda of Understanding on Migration of Low Skilled Workers: A Review, Genebra, julho de 2015, p. 48.

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205. Por último, a OIT poderia apoiar programas públicos de sensibilização e educação mais concertados e orientados sobre a não discriminação e a contribuição dos trabalhadores migrantes para o desenvolvimento, sublinhados na Declaração de Nova Iorque sobre os Refugiados e os Migrantes de 2016 e na Agenda 2030, e participar de forma mais próxima na campanha global do Secretário-Geral de combate à xenofobia, aprovada pela Declaração de Nova Iorque.3

2. Promoção de corredores de migração com recrutamento justo 206. Como foi indicado pela discussão, uma vez que o recrutamento é o primeiro passo no estabelecimento de uma relação de trabalho, é essencial instituir processos de recrutamento equitativos nos corredores de migração para proteção dos trabalhadores migrantes homens e mulheres. É igualmente importante para os interesses das empresas que procuram condições de concorrência equitativas e uma maior produtividade dos trabalhadores, e em termos de melhoria dos resultados do desenvolvimento dos trabalhadores migrantes e das suas famílias, e ainda para os países de origem e de destino.

207. Os princípios e as diretrizes de recrutamento justo adotadas pela OIT constituem um bom passo em frente no sentido de reunir as diversas áreas cobertas pelas normas e boas práticas da OIT que estão a surgir neste domínio. As diretrizes encontram-se ainda numa fase inicial de implementação e será necessária uma maior divulgação e monitorização do seu impacto. No entanto, a discussão demonstra que ainda há algumas questões pendentes. Estas lacunas incluem o âmbito e a definição das taxas e dos custos de recrutamento, e também o papel e a responsabilidade das organizações de trabalhadores no domínio do recrutamento. Estas lacunas foram apontadas na reunião tripartida de peritos como áreas para trabalhos futuros da OIT. Por conseguinte, os constituintes poderão optar por examinar estas lacunas para determinar quais são as ações necessárias nesta fase para as resolver.

208. Além disso, como foi referido no presente relatório, a proteção dos migrantes exige o cumprimento dos compromissos assumidos no âmbito das metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8.8 sobre trabalho digno e 10.7 sobre a migração ordeira, segura, regular e responsável de pessoas. Um indicador fundamental identificado pela ONU (10.7.1) requer a medição dos custos de recrutamento. No entanto, a escassez de dados sobre o recrutamento sugere que abordar esta questão exige um empenho e um investimento mais robustos na recolha e monitorização de dados: uma das razões pelas quais a OIT e o Banco Mundial estão agora a conceber uma metodologia adequada. Esta será uma consideração importante para o Pacto Global para as Migrações, e uma área que os constituintes podem optar por examinar.

209. Além disso, a Iniciativa de Recrutamento Justo poderia ser aprofundada e reforçada através do envolvimento de um conjunto mais alargado de parceiros e

3 ONU: New York Declaration for Refugees and Migrants, Assembleia Geral, 71ª sessão, A/RES/71/1, 3 out. 2016, parágrafo 14. Ver também a campanha “Together” em: http://refugeesmigrants.un.org/together.

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intervenções, nomeadamente através de uma cooperação mais estreita com a OIM e o Banco Mundial, que liderem a conceção e implementação de corredores de migração de recrutamento justo com base numa abordagem isenta de taxas/custos. O grande interesse dos parceiros de desenvolvimento neste domínio poderia ser aproveitado para contribuir para este objetivo.

3. Melhorar as estatísticas e os dados para a criação de políticas com base em provas 210. Este relatório salientou que os dados harmonizados são fundamentais para que se possa alcançar uma migração e uma mobilidade laborais bem-sucedidas, o que é particularmente relevante para melhorar a governação regional. O nível da comunidade económica regional é uma escala muito pertinente e razoável para a harmonização dos dados e das estatísticas, uma vez que, em muitos casos, os Estados-Membros partilham semelhanças nos métodos de recolha estatística e um interesse em indicadores específicos. Estão a ser desenvolvidas diversas novas bases de dados a este nível com a assistência da OIT. No entanto, a relutância em partilhar os dados relativos ao controlo das fronteiras e as disparidades nos recursos, a frequência dos inquéritos e os mecanismos de coordenação estatística continuam a constituir obstáculos importantes a uma melhor harmonização dos dados e à integração regional.

211. A OIT poderia dar um contributo significativo para os défices de dados instituindo uma atualização mais consistente e regular das estimativas globais e regionais de 2015 sobre os trabalhadores migrantes, e aprofundando a informação recolhida, sobretudo nos setores em que trabalham migrantes, tanto altamente qualificados como pouco qualificados. Poderia ser dada especial atenção à recolha de dados relativos às condições de trabalho e

Conclusões e direção a tomar aos salários, bem como à cobertura da proteção social, em setores (como a agricultura, a construção civil, a indústria e o setor mineiro) nos quais os trabalhadores migrantes enfrentam desafios específicos. É particularmente importante o trabalho da OIT relativo ao desenvolvimento de uma norma internacional sobre estatísticas da migração laboral que permita a recolha sistemática de dados e assegure a comparabilidade dos dados dentro das regiões e entre regiões. Os estudos sobre a medição dos custos da migração laboral, incluindo os custos no destino no que se refere à remuneração, às condições de trabalho e ao acesso à proteção social dos trabalhadores migrantes, também devem ser prosseguidos com a participação das organizações de trabalhadores e de empregadores e em parceria com o Banco Mundial e outros organismos membros do Grupo Global sobre as Migrações.

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6.2. Pontos sugeridos para debate

212. O objetivo desta discussão geral é fazer com que os constituintes da OIT e a Organização examinem as tendências da migração laboral e os desafios relacionados com a governação, e que discutam as suas implicações para o trabalho futuro da OIT em relação à migração laboral, fazendo referência aos temas específicos deste relatório e ao debate global sobre a governação das migrações. Os resultados da discussão deverão levar a Organização a confirmar ou a ajustar as suas prioridades em consonância. Com o entendimento de que existe uma grande diversidade entre os trabalhadores migrantes e que as mulheres e os jovens representam uma grande proporção dos trabalhadores migrantes, os constituintes deverão considerar este aspeto para o debate das seguintes questões:

1. Quais são as principais oportunidades e desafios apresentados pela governação da migração laboral aos níveis global, regional, bilateral, nacional e local para que se consiga alcançar a justiça social para uma globalização justa?

2. De que forma é que é possível melhorar a coordenação e a coope-ração entre os ministérios do trabalho e outras entidades governamentais compe-tentes em matéria de migração (por exemplo, ministérios do interior, dos negócios estrangeiros e do planeamento do desenvolvimento) ao nível nacional, nos corre-dores e regiões de migração e ao nível global? Como é que se pode aprofundar e tornar mais eficaz a cooperação com outras instituições internacionais, incluindo o Grupo Global sobre as Migrações?

3. De que forma é que se pode fortalecer o diálogo social sobre a mi-gração laboral aos níveis local, nacional, bilateral, regional, inter-regional e glo-bal?

4. Será que os atuais quadros normativos e de políticas da OIT relati-vos aos acordos bilaterais e ao recrutamento justo são suficientes para enfrentar os desafios atuais e futuros relacionados com a governação da migração laboral e da mobilidade, tendo também em conta os debates globais em curso? Que medidas adicionais seriam necessárias para ultrapassar estes desafios e complementar estes quadros?

5. Quais as ações que os constituintes da OIT e a Organização deveriam tomar para refletir as preocupações e respostas da OIT identificadas neste debate, incluindo as que são relativas aos dados sobre migração laboral, e nos debates em curso sobre a migração global, nomeadamente no Pacto Global para Migrações Seguras, Ordeiras e Regulares e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável relacionados?