energia elétrica e políticas públicas

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ENERGIA ELÉTRICA E POLÍTICAS PÚBLICAS: A EXPERIÊNCIA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO NO PERÍODO DE 1934 A 2005 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO USP Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia PIPGE (EP/FEA/IEE/IF) Mônica Landi São Paulo 2006

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Energia Elétrica e Políticas Públicas -Tese de Doutorado.

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  • ENERGIA ELTRICA E POLTICAS PBLICAS: A EXPERINCIA DO SETOR ELTRICO BRASILEIRO

    NO PERODO DE 1934 A 2005

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO USP

    Programa Interunidades de Ps-Graduao em Energia

    PIPGE (EP/FEA/IEE/IF)

    Mnica Landi

    So Paulo 2006

  • 2

    MNICA LANDI

    Energia eltrica e polticas pblicas: a experincia do setor eltrico brasileiro

    no perodo de 1934 a 2005

    Tese apresentada ao Programa Interunidades de Ps-Graduao em Energia da Universidade de So Paulo (Escola Politcnica / Faculdade de Economia e Administrao / Instituto de Eletrotcnica e Energia / Instituto de Fsica) para obteno do ttulo grau de doutora em energia.

    Orientao: Prof. Dr. Clio Bermann

    So Paulo 2006

  • 3

    AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE

    TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA

    FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    FICHA CATALOGRFICA

    LANDI, Mnica. Energia eltrica e polticas pblicas: a experincia do setor eltrico brasileiro no perodo de 1934 a 2005 / Mnica Landi; orientador: Dr. Clio Bermann So Paulo, 2006. 219p. : il.; 30 cm Tese (Doutorado Programa Interunidades de Ps-Graduao em Energia) EP / FEA / IEE / IF da Universidade de So Paulo.

    1. Polticas Pblicas 2. Setor eltrico reestruturao 3. Setor eltrico regulao 4. Setor eletrointensivo I. Ttulo.

  • 4

    TITA, AO CAIO E AO FBIO PELA SORTE DE T-LOS AO MEU LADO.

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    A finalizao do presente trabalho s foi possvel graas ao apoio recebido por

    diversas pessoas que, direta ou indiretamente, contriburam para que eu pudesse vencer este

    desafio.

    Dentre os professores do IEE, registro um agradecimento especial ao Professor Dr.

    Ildo Sauer que, ao me convidar para participar do processo seletivo de 2001, possibilitou a

    minha entrada formal no Instituto, bem como aos Professores Dr. Francisco Anuatti Neto e

    Dr. Sinclair Guerra que enriqueceram a compreenso do tema escolhido, atravs de seus

    esclarecimentos e comentrios, durante a fase de qualificao.

    Do ponto de vista institucional, deve ser assinalado o apoio recebido da PUC/SP,

    atravs da disponibilizao da bolsa de capacitao docente/CEPE (Comisso de Ensino de

    Pesquisa) durante o ano letivo de 2004, bem como pela Fundap (Fundao do

    Desenvolvimento Administrativo) e Secretaria de Estado de Economia e Planejamento, em

    particular no perodo de concluso desse trabalho. Ressalte-se, contudo, que nessas

    instituies, eu tive a sorte de ter podido contar com o constante estmulo de duas grandes

    amigas, Margret Althuon e Mirna Ayres Issa Gonalves, cuja cumplicidade eu receio nunca

    conseguir retribuir.

    Registro, ainda, um carinho especial a todos os familiares e amigos que

    acompanharam a evoluo da presente tese e que, assim como eu, nos ltimos tempos,

    torceram para a sua concluso. Como a lista enorme, no explicitarei nomes, como de

    costume, para no magoar ningum por uma eventual omisso, mas tenham certeza de que

    a todos deixo consignada a minha eterna gratido. minha me, entretanto, faltam palavras

    para agradecer o carinho e a dedicao dispensados aos meus filhos, durante meus longos

    perodos de ausncia, que espero poder compensar daqui para frente.

    Ao Fbio, companheiro de todas as horas, ao Caio e Tita, meus queridos filhos, s

    me resta agradecer pela pacincia que tiveram comigo, em particular nos ltimos meses, e

    dividir com vocs a sensao de dever cumprido. Muito obrigada.

    Por fim, gostaria de registrar meu profundo agradecimento ao meu orientador,

    Professor Dr. Clio Bermann, por seu estmulo e eterna disposio em ajudar para a

    concluso do meu projeto. Os erros e omisses, contudo, como de praxe, so de inteira

    responsabilidade da autora.

  • 6

    RESUMO

    LANDI, M. Energia eltrica e polticas pblicas: a experincia do setor eltrico brasileiro no perodo de 1934 a 2005. 2006. 194 p. Tese de doutorado. Programa Interunidades de Ps-Graduao em Energia. Universidade de So Paulo. O presente trabalho foca-se na anlise do processo de reestruturao do setor eltrico brasileiro, em particular nas mudanas ocorridas do ponto de vista institucional e regulatrio, entre os anos de 1995 a 2004. Tendo como pano de fundo esse cenrio, a tese preocupa-se em analisar a evoluo do papel do Estado e sua relao com as polticas pblicas orientadas para esse segmento da infra-estrutura nacional. Analisa-se, de um lado, a passagem do padro de interveno estatal para o modelo mercantil privado, institudo a partir de 1995, e de outro, as diversas adaptaes vivenciadas pelo setor ao longo do binio 2003/2004. Neste particular, destaca-se o novo papel atribudo s agncias reguladoras e ao Estado, bem como a nova poltica mercantil, de preos e de planejamento redefinida para o setor. Por fim, luz de toda a discusso abordada sobre Estado, polticas pblicas e setoriais, planejamento e modelo regulatrio, caracteriza-se a poltica industrial brasileira, divulgada em novembro de 2003, e sua possvel articulao tanto com as premissas levantadas no modelo de reestruturao do setor eltrico brasileiro em curso no Pas, quanto com a reviso da insero do Brasil no cenrio internacional, dado o peso que os produtos ligados a empresas eletrointensivas, vm ganhando na pauta de exportao brasileira. Neste particular, so analisadas as estratgias adotadas por tais empresas na tentativa de reduzir o custo do insumo energia, em seus processos produtivos, no mbito das regras vigentes no pas, em especial, no Ambiente de Contratao Livre (ACL). Conclui-se que a articulao entre poltica industrial e setor eltrico s ser possvel, se for definida com clareza uma nova estratgia de desenvolvimento sustentvel para o Brasil, capaz de superar os limites impostos pela poltica macroeconmica de curto prazo.

  • 7

    ABSTRACT

    LANDI, M. Electricity and public policies: the experience of the Brazilian electrical sector, 1934 to 2005. 2006. 210 f. Doctoral Thesis. Inter-departmental Graduate Program in Energy. Universidade de So Paulo.

    This study analyzes the restructuring of the Brazilian electrical sector, in particular the institutional and regulatory changes between 1995 and 2005. With this context as a backdrop, the dissertation analyzes the evolution of the role of the State and its relation with public policies related to this sector of national infrastructure. It analyzes, the shift from the pattern of state intervention to free market model, implemented starting in 1995, as well as the various adaptations the sector underwent in 2003-2004. In this regard, attention is given to the new role attributed to regulatory agencies and to the State, as well as the new commercial, price and planning policies implemented for the sector. Finally, in light of the discussion of the State, public and sectoral policies, planning and regulatory model, a description is provided of the Brazilian industrial policy announced in November of 2003, and its possible connection with the premises revealed in the model of restructuring of the electrical sector under way in Brazil, as well as the rethinking of the role of Brazil in the international context, given the weight that electricity-intensive products have been gaining in terms of exports. In this regard, the strategies of such companies to reduce energy costs in their production process, in the context of Brazilian rules and regulations, and in particular, the Free Contracting Environment (ACL), are analyzed. It is concluded that coordination of industrial policy and the electrical sector will only be possible if there is a clearly defined sustainable development strategy for Brazil, able to overcome the limitations of short-term macroeconomic policies.

  • 8

    SUMRIO INTRODUO 15 CAPTULO 1: ESTADO, REGULAO ECONMICA E POLTICAS PBLICAS: a evoluo da abordagem econmica para o setor eltrico 23 1.1 - Mercado ou interveno estatal 23 1.2 - Regulao econmica e servios pblicos 31 1.2.1 - Regulao econmica e as agncias reguladoras 35 1.2.2 - Mecanismos de regulao: a questo do regime tarifrio 37 1.2.2.1. Tarifao pela taxa de retorno 38 1.2.2.2. Tarifao pelo custo marginal 38 1.2.2.3. Price Cap 39 1.2.2.4. Regulao por desempenho (yardstick competition ou benchmark) 40 1.2.2.5. Tarifa pelo preo 40 1.3 - Regulao econmica e polticas pblicas 40 CAPTULO 2: O ESTADO E O DESENVOLVIMENTO DO SETOR ELTRICO BRASILEIRO: as polticas pblicas durante o perodo de 1934 1989 47 2.1 - Introduo 47 2.2 - A formao do setor eltrico brasileiro: do nacionalismo implacvel do Presidente Getlio Vargas criao da Eletrobrs 47 2.3 - O desenvolvimento do setor de energia eltrica e as reformas do perodo 1964/79 71 2.4 - A crise dos anos 80 e os efeitos das polticas de ajustamento para o setor eltrico nacional 88 CAPTULO 3: A REESTRUTURAO DO SETOR ELTRICO BRASILEIRO: a adoo de um novo modelo institucional durante os anos 90 e a reviso no binio 2003-2004 95 3.1 - Um cenrio em mutao: a nfase liberal da poltica econmica dos anos 90 95

    3.2 - A reestruturao do setor eltrico e sua regulamentao bsica: da Lei n. 8.631/93 Lei n 9.648/98 100

    3.3 - Os (des)ajustes da reestruturao do setor eltrico: de 1998 at 2002 121 3.3.1 - As tentativas de correo: as propostas do Relatrio Kelman e da Cmara de Gesto da Crise de Energia Eltrica 130 3.3.2 - As principais medidas implementadas durante o racionamento e a Lei n 10.438/2002 138 3.4 - O novssimo modelo institucional do setor eltrico brasileiro: a reviso ocorrida entre 2003/2004 e os resultados dos leiles de energia existente, realizados em 2004 e 2005 141

  • 9

    3.5 - A proposta de mudana na legislao relativa s agncias reguladoras: o Projeto de Lei n 3.337/2004 152

    CAPTULO 4: SETOR ELTRICO E POLTICA INDUSTRIAL: uma estratgia de articulao para o Brasil 159 4.1 - Introduo 159 4.2 - O enfoque dado ao tema Poltica Industrial e de Comrcio Exterior, durante o perodo compreendido entre 1990-2002, e seus efeitos na pauta de exportao brasileira 161 4.3 - A Poltica Industrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior PITCE, divulgada em novembro de 2003 167 4.4 - A PITCE e o Setor Eltrico Brasileiro: uma resposta do setor eletrointensivo 174 4.4.1 - O setor eletrointensivo e a opo pela autoproduo de energia eltrica 175 4.4.2 - O setor eletrointensivo e o Ambiente de Contratao Livre (ACL) 184 4.4.2.1 - Participao no leilo de compra de excedente de energia eltrica 185 4.4.2.2 - Ambiente de contratao livre e os leiles de compra de energia para uso prprio 189 CONSIDERAES FINAIS 193 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 198 ANEXO: AS EXPERINCIAS INSTITUCIONAIS E REGULATRIAS DE PASES SELECIONADOS: os casos ingls, noruegus e argentino 205

  • 10

    LISTA DE TABELAS .

    Tabela 1.1. - Taxas mdias anuais de crescimento de economias capitalistas

    avanadas (1960/1978) 26 Tabela 1.2. - Taxas mdias anuais de crescimento de economias em

    desenvolvimento (1960/1985) 27 Tabela 2.1. Mudanas na estrutura de importaes brasileiras, em percentagens anuais mdias (1901-1929) 49 Tabela 2.2. - A estrutura industrial brasileira em 1919 e 1939 (distribuio percentual do valor agregado total) 50 Tabela 2.3. - Grupo Light: consumo de energia eltrica, para anos selecionados 51 Tabela 2.4. - Evoluo de indicadores econmicos selecionados (1925-1945) 52 Tabela 2.5. - Principais rubricas do balano de pagamentos brasileiro (1937-1947), em US$ milhes 55 Tabela 2.6. - Comisso Mista Brasil - Estados Unidos - Programa de Energia Eltrica (1952- 1957) 59 Tabela 2.7. - Plano de Metas - previso de acrscimo de potncia instalada de energia eltrica, por grupos de obras (1957-1965) 65 Tabela 2.8. - A evoluo da capacidade instalada de energia eltrica, por categoria de concessionrio (1952-1961) 66 Tabela 2.9. - Participao do BNDE na expanso da capacidade instalada de energia eltrica (1954-1962) 67

    Tabela 2.10. - Tarifas de energia eltrica (1963-1973) 75 Tabela 2.11. - Arrecadao do IUEE e do emprstimo compulsrio (1961-1970) 76 Tabela 2.12. - Participao (%) das fontes de recursos do setor de energia eltrica (1967/1973) 77 Tabela 2.13. - Setor eltrico: evoluo da capacidade instalada e do consumo de energia eltrica (1963-1973) 78

  • 11

    Tabela 2.14. - Energia Eltrica: Inverses, em Cr$ Milhes (1969 1973) 81

    Tabela 2.15. - Taxa de inflao, evoluo do PIB e balana comercial (valores FOB) 83 Tabela 2.16. - Energia eltrica: inverses Cr$ Milhes (1974-1980) 85 Tabela 2.17. - Estrutura dos ingressos brutos anuais, segundo a propriedade do capital por tomador, com destaque para participao do setor de energia (1972-1980) em % 86 Tabela 2.18 - Fontes de recursos do setor de energia eltrica (1974-1984) em % 87 Tabela 2.19. - Setor eltrico: evoluo da capacidade instalada e do consumo de energia eltrica (1973-1979) 88 Tabela 2.20. - Tarifa de fornecimento, taxa de remunerao mdia, IUEE, EC, CRC e RGR (1980-1991) 91 Tabela 2.21. - Perfil do endividamento do setor eltrico, por moeda e prazo em US$ milhes, a preos constantes de 1989 92 Tabela 2.22. Indicadores selecionados par o perodo 1980-1991 93 Tarifa 3.1. - Preos mdios de energia eltrica nas gestes Collor e Itamar Franco, em R$ dez/95 98 Tabela 3.2. - Principais resultados do balano de pagamentos do Brasil (1984-1998) 99 Tabela 3.3. - Preos mdios de energia eltrica para 1995-1998, mdia mensal de R$ julho/98 103 Tabela 3.4. - Resultados dos leiles de privatizao do setor eltrico (1995-2000) 120 Tabela 3.5. - Abrangncia das agncias estaduais conveniadas 124 Tabela 3.6. - Valores previstos e repassados, 1998-2002 125 Tabela 3.7. - Preos Mdios de energia para 1999-2002 141

    Tabela 3.8. - Valores previstos e repassados, 2003-2005 158

  • 12

    Tabela 4.1. - Previso de consumo de energia eltrica (MWh) dos setores industriais eletrointensivos 175

    Tabela 4.2. - Capacidade instalada de gerao eltrica de autoprodutores em MW, em 31/12/2004 182 Tabela 4.3. - Principais compradores do leilo de excedente de energia eltrica, vinculados ao setores eletrointensivos. 186 Tabela 4.4. - Principais compradores do leilo de excedente de energia eltrica por setores 187 Tabela 4.5. - Vendedores do leilo de excedente de energia eltrica 188 Tabela 4.6. - Distribuio do total ofertado, por submercado de entrega 189

  • 13

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1.1. - Modelos estruturais propostos para o setor 29 Quadro 2.1. - Prioridades de Governo 84 Quadro 3.1. - Sumrio dos principais problemas apontados no Relatrio Kelmann e os temas que deveriam ser investigados 130 Quadro 3.2. - Sntese dos Relatrios de Progresso do Comit de Revitalizao do Setor Eltrico 132 Quadro 3.3. - Principais Agentes e suas Funes 145 Quadro 3.4. Resultados dos leiles de energia existente, realizados em 2004 e 2005 151 Quadro 4.1. - Sumrio do PITCE Balano 2005 172 Quadro 4.2. - Usinas licitadas pela ANEEL para autoproduo (AP)/Produo Independente (PI) de propriedade de setores industriais eletrointensivos: 1995 2002 177 Quadro 4.3. - Outras usinas hidreltricas licitadas para autoproduo (AP)/Produo Independente (PI) de propriedade de setores industriais eletrointensivos, com anuncia da ANEEL: 1995 2002 179 Quadro 4.4. - Situao das usinas fiscalizadas pela ANEEL julho/2006 181

  • 14

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 3.1. - Agncias reguladoras criadas no Brasil e os convnios firmados com a ANEEL 123 Figura 3.2. - Convivncia do Mercado Regulado e do Mercado Competitivo 149 Figura 3.3. - Mecanismos licitatrios 150

  • 15

    INTRODUO

    O presente trabalho procura relacionar a evoluo do setor eltrico brasileiro com a

    orientao predominante de polticas pblicas no perodo compreendido entre 1934 e 2005,

    de maneira a demonstrar que existe, de fato, forte associao entre a poltica estabelecida

    para esse importante segmento da infra-estrutura nacional e o encaminhamento dado aos

    demais instrumentos de poltica econmica definidos para o Pas. Dessa forma, o objetivo

    central do trabalho o de mostrar como se processa essa articulao e seus efeitos sobre o

    modelo institucional e econmico-financeiro organizado para o setor ao longo desses anos.

    O texto preocupa-se, tambm, em avanar no sentido de sinalizar uma possvel

    correlao entre a poltica energtica em curso e a poltica industrial divulgada em

    novembro de 2003, pela equipe do Ministrio do Desenvolvimento, da Indstria e do

    Comrcio Exterior, uma vez que s ser possvel uma transio sintonizada em direo a

    uma trajetria de desenvolvimento, caso sejam intensificados os estudos voltados juno

    de diversas polticas ativas de governo. Neste particular, sugere-se a ampliao da

    discusso, ainda tmida, sobre o papel das fontes de energia renovveis, em especial os

    biocombustveis, onde o Brasil poderia se transformar em um grande exportador no

    apenas do produto em si, mas tambm, de capacidade tecnolgica, abrindo espao para a

    reviso da estratgia, por exemplo, de outras cadeias de exportaes, tais como a de setores

    eletrointensivos. Na ausncia, entretanto, de tal reviso, o estudo aponta as sadas

    encontradas pelas empresas vinculadas a esse segmento da industrial nacional, no ambiente

    regulatrio definido para o setor eltrico, tendo em vista a posio assumida por tais

    commodities na pauta de exportaes brasileiras, em especial ao final dos anos 90.

    A motivao para a escolha do tema, por outro lado, centra-se na evidente

    importncia que o insumo energia assume no processo de desenvolvimento dos pases. No

    caso brasileiro, pode-se constatar que, desde o incio do processo de industrializao, os

    gargalos diagnosticados para a rea so sempre entendidos como fortes barreiras ao

    crescimento da economia nacional, levando formulao, em distintas oportunidades, de

    polticas especficas, com o propsito de superar tais limites.

    Partindo-se dessa percepo, identificam-se dois momentos particulares de

    orientao no encaminhamento dessas polticas. Na primeira fase, compreendida entre 1934

  • 16

    a 1989, prevalece a forte atuao do Estado, tanto na consolidao de desenho institucional

    e econmico-financeiro para o setor, em especial entre os anos de 1964, com a criao da

    Eletrobrs, at 1979, quando o setor viveu seu grande perodo de expanso, quanto como

    agente responsvel e indutor dos investimentos na rea. A segunda fase, por sua vez, inicia-

    se em 1990, quando h a passagem de um padro de interveno estatal para um modelo

    mercantil privado, apesar das adaptaes vivenciadas pelo setor ao longo do binio

    2003/2004.

    Essa periodizao, entretanto, revela, tambm, estreita relao com os princpios e

    fundamentos econmicos dominantes no contexto internacional, em cada uma das etapas

    demarcadas, tornando de extrema valia entender de que forma ocorre esta relao para o

    caso brasileiro e seu impacto para o setor eltrico nacional.

    Isto porque, na primeira fase, dado o entendimento predominante poca de que se

    a economia fosse abandonada lgica do mercado correria um srio risco de funcionar em

    crise, a interveno direta do Estado, preconizada pelos fundamentos da teoria keynesiana,

    prevalece na maioria dos pases centrais e em desenvolvimento. Assim, o amplo consenso

    acerca das limitaes do mercado permitiu a adoo de uma orientao de poltica

    econmica centrada na presena do Estado na atividade econmica interna, em uma poltica

    fiscal garantidora da execuo de polticas de renda e de administrao da demanda

    agregada, e nas despesas pblicas, como principal motor de uma fase continuada de

    expanso econmica, com destaque inclusive para a atuao das empresas estatais,

    viabilizando, dentro desse paradigma, o desenvolvimento do setor eltrico brasileiro.

    Tal comportamento, entretanto, a partir da dcada de 80, d sinais de forte

    descompasso, em particular dado o esgotamento do padro de financiamento anterior que,

    para os pases da Amrica Latina, acaba intensificando o endividamento externo e rolagem

    da dvida interna. Nesse ambiente, ganha destaque o retorno s prticas de polticas

    econmicas mais ortodoxas, centradas em um enfoque monetrio restritivo e na austeridade

    fiscal, atravs de expressivos cortes nos gastos pblicos correntes, incluindo seus

    investimentos produtivos. Reforma tributria, da previdncia e do prprio Estado

    estimulada de maneira a contribuir para a reduo do dficit pblico, neutralizando, assim,

    seu efeito sobre a demanda global e o processo inflacionrio.

    Em paralelo, assumem papel de destaque, de um lado, os programas de privatizao,

  • 17

    dado o elevado estoque de ativos produtivos estatais transacionveis, capazes de minimizar

    o estoque da dvida pblica, e de outro, a reviso dos prprios modelos institucionais,

    regulatrios e econmico-financeiros organizados para os principais setores da infra-

    estrutura nacional, sob os argumentos da perda de eficincia produtiva e a busca pela

    ampliao do atendimento com maior qualidade e menores tarifas1.

    Ressalte-se, entretanto, que essa nfase fiscal, na articulao da privatizao s

    demais medidas de poltica econmica, priorizando a transferncia de seus ativos pblicos

    para a iniciativa privada, acaba se sobrepondo a uma racionalidade setorial. Abandona-se,

    assim, a opo de aliar a privatizao a uma poltica mais ampla de reestruturao

    industrial, que exigiria a reviso prvia do aparato institucional/regulatrio, a partir de um

    novo entendimento do papel do Estado e de sua insero na economia nacional.

    Dessa forma, neste contexto que se inicia o segundo perodo de evoluo do setor

    eltrico brasileiro, cujo processo de reestruturao vivenciado, particularmente, entre 1995

    e 2002, vai ao encontro da nova ordem econmica que, ao defender a competitividade e a

    globalizao das economias, coloca o Estado na posio de agente regulador de modos

    mais efetivos e eficientes de produo de bens e servios, at ento sob as mos de

    monoplios pblicos, dentro dos mecanismos e da dinmica do mercado.

    Nessa linha, identificam-se os segmentos de mercado potencialmente competitivos,

    desverticalizando o modelo integrado anterior que, para o caso do setor eltrico, passa pelo

    reordenamento das reas de negcios em produo de energia (gerao), transporte nas

    tenses mais altas (transmisso), transporte com o especfico objetivo de atendimento a

    consumidores finais (distribuio) e vendas no varejo, com a funo de medir e faturar os

    consumidores finais (comercializao). Com isso, o setor passa a ser visto como um

    negcio, capaz de permitir a entrada de recursos no curto prazo, contribuindo para o

    ajuste fiscal e do balano de pagamentos, sob a justificativa da falncia do poder de

    financiamento do Estado.

    1 Assim, o Estado abandona suas funes empresariais, responsveis em grande parte pelo desenvolvimento industrial desses pases, acreditando que as desestatizaes, articuladas s demais medidas voltadas para a diminuio das necessidades de financiamento do setor pblico, venham a garantir a entrada de recursos no curto prazo, com a pretenso de se reduzir a demanda futura por gastos fiscais, liberando, assim, recursos para a rea social. Dessa forma, o elevado estoque de ativos produtivos estatais transacionveis possibilitaria a troca patrimonial de um crescente e rgido estoque de dvida pblica.

  • 18

    Completando tal orientao e como forma de contornar eventuais falhas de

    mercado, entendidas como assimetria de informao, externalidade negativa,

    comportamento colusivo ou no otimizante dos agentes, indivisibilidades e outras violaes

    das hipteses neoclssicas para o equilbrio geral competitivo, tenta-se montar um novo

    sistema institucional relacionado regulao econmica dos servios pblicos, com a

    introduo de um novo regime tarifrio e formas contratuais efetivas, capazes de repassar

    para o mercado a arbitragem da maior parte dos riscos assumidos pelos agentes

    econmicos.

    A partir desse entendimento, a metodologia empregada neste trabalho recorreu a

    diversos autores que, ao longo dos ltimos anos, preocuparam-se em caracterizar a

    evoluo do setor eltrico brasileiro, com nfase em seus aspectos institucionais, padro de

    financiamento, incluindo a questo tarifria, bem como as mudanas setoriais ocorridas ao

    longo do perodo em questo, com a incluso de textos que contriburam para identificar as

    principais medidas de poltica econmica utilizadas como pano de fundo na anlise do

    contexto estudado.

    Particularmente, no que se refere discusso sobre a defesa de uma poltica

    industrial para o Pas, foi de grande valia o texto de Erber (2002), que conseguiu, em meio

    a vozes discordantes, introduzir o debate sobre o tema, ao colocar que o Estado deva se

    manter como agente estruturante nas novas foras produtivas, atravs de aes especficas,

    voltadas para a introduo de inovaes tecnolgicas e o aprimoramento das capacitaes

    locais, tanto em empresas como em cadeias produtivas. A partir desta viso, foi possvel

    alinhavar uma relao entre a poltica industrial brasileira e o modelo do setor eltrico

    brasileiro, reforando o pressuposto de que o projeto de desenvolvimento nacional deva ser

    marcado, por exemplo, pela busca da sustentabilidade energtica2 e pela preocupao de

    reavaliar a importncia que o insumo energia pode assumir para a sociedade3.

    2 A noo de sustentabilidade energtica pode ser entendida como sendo a busca pela incorporao de fontes renovveis de energia (biomassa, elica, solar, etc...) no processo de produo, respeitando o meio ambiente, de forma a assegurar s geraes futuras os recursos naturais e energticos, ainda disponveis, e criar um novo conceito de sociedade, revendo a lgica do consumo e desperdcio presentes na sociedade capitalista. Essa noo de sustentabilidade energtica foi amplamente explicitada em Bermann (2002), captulo 1. 3 Sabe-se que a energia representa tanto um insumo bsico, no processo produtivo, quanto um determinante do padro de qualidade de vida da sociedade, por ser um bem pblico. Dessa forma, tarefa do Estado, seja atravs da definio de suas polticas setoriais e/ou mecanismos de regulao, auxiliar na busca do acesso a esse servio, minimizando o processo de excluso social, bem como, na identificao de tarifas diferenciadas,

  • 19

    Foi pesquisada, ainda, a legislao que cobre o setor, com destaque para as

    alteraes verificadas do ponto de vista institucional e regulatrio, alm das informaes

    constantes na ANEEL (Agncia Nacional de Energia Eltrica) e na CCEE (Cmara de

    Comrcio de Energia Eltrica), de maneira a contribuir para a elaborao de quadros

    especficos utilizados ao longo do texto. O trabalho recorreu, tambm, a consultas e pginas

    eletrnicas especializadas, com o propsito de identificar diferentes posicionamentos afetos

    aos agentes e grupos de interesse envolvidos com o setor, com particular ateno sobre a

    ABRACE (Associao Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de

    Consumidores Livres).

    Assim, o presente trabalho ser distribudo em quatro captulos, alm desta

    introduo e das consideraes finais. O primeiro captulo tem a preocupao central de

    analisar a evoluo do papel do Estado e sua relao com as polticas pblicas orientadas

    para o setor eltrico, a partir de suas principais caractersticas, lembrando que, como bem

    coloca Guimares (2000, p.20), as polticas setoriais deveriam ser capazes de atender aos

    seguintes objetivos prioritrios: a) o aumento de produtividade; b) a reduo de custos; c) a

    melhoria da qualidade dos produtos; e d) o repasse desses ganhos ao consumidor.

    Nessa abordagem, a nfase ser discutir, com base nos principais fundamentos

    predominantes ao longo do perodo estudado, em que contexto d-se a passagem do padro

    de interveno estatal para o modelo mercantil privado e as mudanas regulatrias atreladas

    a esse movimento, com destaque para os mecanismos de regime tarifrio. Na seqncia,

    feita uma breve associao entre os princpios que norteiam a regulao econmica e sua

    possvel articulao com outras aes pblicas, particularmente com a conduo de uma

    poltica industrial para o pas.

    O segundo captulo destaca a evoluo do setor eltrico brasileiro, resgatando desde

    a criao do Cdigo de guas, em 1934, at a fase de endividamento externo e a crise dos

    anos 80, que culminou com a implantao de diversas polticas de ajustamento para o setor.

    Na verdade, a distribuio do captulo tenta ser fiel s diversas fases por que

    passaram o setor, mapeando as principais medidas adotadas durante o nacionalismo do

    Presidente Getlio Vargas, a importncia que a criao da Eletrobrs assumiu para o setor, para garantir a competitividade de setores produtivos selecionados. Essa preocupao foi explicitada em Bermann (2002, p. 18).

  • 20

    com nfase nas reformas conduzidas no perodo entre os anos de 1964 a 1979, e as

    modificaes relacionadas estrutura de financiamento do setor, no qual a participao dos

    recursos prprios acaba, progressivamente, sendo substituda pela de origem externa,

    levando a constrangimentos no superados na dcada seguinte.

    Isto porque, ao final do ciclo de crescimento ficam evidentes os limites da atuao

    do Estado no setor eltrico brasileiro, explicados, de um lado, pela sua subordinao aos

    interesses da poltica macroeconmica, nem sempre sintonizada aos objetivos setoriais, e de

    outro, dadas s contradies internas do prprio modelo institucional e econmico-

    financeiro organizado para o setor, que acabou se revelando inadequado, em razo da

    intensificao dos conflitos federativos.

    Dessa forma, o terceiro captulo buscar levantar o modelo de reestruturao

    desenhado para o setor eltrico brasileiro, ao longo da dcada de 90, cujo processo teve

    incio em 1993, quando regras de seu funcionamento passaram por modificaes

    importantes e vrias propostas de remodelao institucional e financeira do setor

    comearam a ser discutidas4.

    Na seqncia, exposto o modelo final para o setor apresentado, em 1997, durante

    a gesto do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a partir da proposta formulada pelo

    Consrcio liderado pela empresa Coopers & Lybrand, contratado pelo Ministrio das

    Minas e Energia e pela Eletrobrs, para a execuo do estudo. Centrando sua anlise na

    elaborao de um modelo regulatrio/institucional, bem como um modelo mercantil e de

    financiamento para o setor eltrico brasileiro, a proposta buscou atingir dois objetivos

    bsicos, quais sejam: a) manter, a princpio, as funes poltica e de regulamentao nas

    mos do Governo e; b) transferir, ao setor privado, a responsabilidade sobre operao e

    investimento, anteriormente a cargo do setor pblico. Com isso, o Estado, de um lado,

    concentraria suas aes na formulao de polticas para o setor, delineando, inclusive, a

    base de atuao do agente regulador e, de outro, transferiria a responsabilidade sobre a

    operao e investimento ao setor privado e de benefcios aos usurios, decorrentes do novo

    arranjo mercantil.

    4 Dentre tais medidas merecem destaque: a) Lei 8.631/93, que eliminou o regime tarifrio pelo custo do servio; e b) Decreto 1.009/93, que criou o SINTREL, sugerindo a desverticalizao contbil das concessionrias, ambas analisadas no Captulo 3.

  • 21

    A partir da descrio do modelo e da regulamentao bsica a ele vinculada, em

    particular no que se refere s mudanas institucionais/regulatrias e ao modelo mercantil, o

    captulo tenta identificar alguns limites dessa opo, que aos poucos foi se mostrando

    inadequada para o setor eltrico brasileiro. A crise de racionamento de energia, vivenciada

    ao longo de 2001, tambm mapeada no terceiro captulo, acaba por reforar os limites dessa

    reforma, tornando-se alvo de inmeros questionamentos. Nesse cenrio, sobressai a

    fragilidade do aparato regulatrio/institucional, bem como a ausncia de uma clara poltica

    energtica capaz de responder aos objetivos centrais da reforma, mergulhando o setor em

    um ambiente de incertezas, resultado tanto da forma prematura com que foi encaminhada

    sua desverticalizao e privatizao, quanto da falta de regras claras de atuao dos

    diversos agentes envolvidos. Conforme explicita Sauer (2002, p. 2), a renncia, pelo

    Estado, de seu papel de planejador e orientador de polticas em um setor de vital

    importncia para o desenvolvimento social e econmico do pas, acaba por acentuar os

    limites impostos pela reforma.

    Completando o captulo, so apresentadas as tentativas de correo, propostas no

    mbito do Relatrio Kelmann e pela Cmara de Gesto da Crise de Energia Eltrica, alm

    das diversas adaptaes vivenciadas pelo setor eltrico brasileiro, ao longo do binio

    2003/2004, sob administrao do Presidente Lus Incio Lula da Silva, particularmente no

    que se refere ao novo papel das agncias reguladoras e do Estado, com destaque para a

    atuao do Ministrio das Minas e Energia, bem como nova poltica mercantil, de tarifas

    e de planejamento redefinida para essa rea da infra-estrutura nacional.

    Por fim, o quarto captulo visa, inicialmente, mapear, luz de toda a discusso

    levantada sobre Estado, polticas pblicas e setoriais, planejamento e modelo regulatrio, a

    poltica industrial, divulgada em novembro de 2003, e a sua possvel articulao tanto com

    as premissas levantadas no novssimo modelo de reestruturao do setor eltrico

    brasileiro5, quanto com a reviso da insero do Brasil no cenrio internacional, tendo em

    5 Registre-se que o termo novssimo aqui utilizado, conforme ser explicitado no captulo terceiro, visa apenas diferenciar a reviso implementada, em especial durante os dois primeiros anos da gesto do Presidente Lus Incio Lula da Silva e ainda em curso no pas, com a reestruturao conduzida ao longo da dcada de 90, por entender que ambas retratam tentativas muito recentes de rearticular o setor eltrico brasileiro, no buscando, portanto, revelar nenhum tipo de conotao pejorativa ao termo.

  • 22

    vista que nos ltimos anos, vm ganhando espao, na pauta de exportao brasileira, os

    produtos ligados a empresas eletrointensivas, que possuem baixo valor agregado.

    Na seqncia, sero analisadas, ainda, as estratgias adotadas por tais empresas na

    tentativa de reduzir o custo do insumo energia, em seus processos produtivos, no mbito

    das regras vigentes no pas, em especial, na participao em empreendimentos de usinas

    hidreltricas de energia, como autoprodutores e/ou produtores independentes, no Ambiente

    de Contratao Livre (ACL).

  • 23

    CAPTULO 1: ESTADO, REGULAO ECONMICA E POLTICAS PBLICAS: a evoluo da abordagem econmica para o setor eltrico

    1.1. Mercado ou interveno estatal

    O perodo ps-guerra foi marcado por uma elevada e sistemtica ampliao e

    interveno estatal na economia, fundamentada na crtica terica de Keynes6 s doutrinas

    associadas defesa do capitalismo laissez-faire, ainda presentes em fins do sculo XIX e

    incio do sculo XX, cujos principais elementos ideolgicos, sintetizados por Hunt (1982,

    p. 426), eram:

    (1) a teoria da distribuio baseada na produtividade marginal, que retratava o capitalismo concorrencial como um ideal de justia distributiva; (2) o argumento da mo invisvel, que retratava o capitalismo como um ideal de racionalidade e eficincia; e (3) a f na natureza automtica e auto-regulvel do mercado, que demonstrava que as principais funes do Governo deveriam ser fazer cumprir os contratos e defender os poderes e privilgios da propriedade privada.

    Tais elementos assegurariam os argumentos em favor dos mercados auto-ajustveis,

    expressos, particularmente, na Lei de Say7, em que toda oferta cria sua prpria demanda,

    limitando-se, assim, as funes do governo da poca, regido pelo rigor oramentrio do

    Estado Mnimo, ou seja, poucas despesas poucos impostos. Infelizmente, depresses, cada

    vez mais freqentes, minaram essa base terica, levando sua reviso.

    nesse ambiente, que legitimada a interveno econmica direta do Estado,

    defendida por Keynes, em dois vetores bsicos de atuao: i) na expanso e generalizao

    dos mecanismos de garantia de renda, expressa no sistema de transferncia, bem como na

    ampla expanso da prestao de servios sociais, principalmente educao, sade e infra-

    estrutura urbana; e ii) no envolvimento crescente do Estado, direto e indireto, na produo

    de bens e servios. 6 John Maynard Keynes (1883-1946), em sua obra intitulada A Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda, publicada em 1936, procura mostrar o que teria acontecido com o modo de produo capitalista, particularmente no perodo entre a primeira guerra mundial e a grande depresso de 1929. Ao demonstrar que as premissas relativas ao mercado auto-ajustvel tinham perdido sua utilidade ideolgica, passa a defender uma nova orientao de poltica econmica, onde a interveno estatal torna-se fundamental instrumento na luta para preservar o sistema. 7 Jean-Baptiste Say (1767-1832) foi autor da obra Um Tratado de Economia Poltica, cuja finalidade central era demonstrar que o resultado natural de uma economia capitalista era a harmonia social e no o conflito de classes. Considerava-se discpulo de Adam Smith, autor de A Riqueza das Naes.

  • 24

    Como expressa Brunhoff (1991), para Keynes o importante induzir um processo

    de colocao da mo-de-obra, de distribuio das rendas e de absoro dos produtos,

    defendendo, no apenas o financiamento pblico de obras que criem empregos, mas

    tambm, investimentos privados.

    Na verdade, abandonada lgica do mercado, Keynes acreditava que a economia

    correria o risco de funcionar em crise. Por esse motivo, defendia a interveno econmica

    direta do Estado sobre o volume de investimentos, de maneira a induzir a criao de

    empregos, compensando, assim, a eventual insuficincia das empresas privadas.

    Dessa forma, o envolvimento do Estado, como bem sintetiza Prado (1994, p. 12),

    esteve relacionado a motivaes referentes criao, utilizao e sustentao de parcelas

    do sistema produtivo, em quatro pontos centrais, a saber: 1) implantao de setores

    econmicos estratgicos em economias com baixa disponibilidade de capital; 2) interesse

    em controlar/interferir na composio e no volume de demanda agregada e setorial; 3)

    garantia de oferta de insumos bsicos e estratgicos; e 4) sustentao de indstrias e/ou

    empresas em dificuldades econmicas e financeiras, seja por se tratar de setores

    estratgicos, seja por envolver polticas regionais e/ou de emprego.

    Essa interveno estatal, como bem coloca Brunhoff (1991, p. 22), assumiu o nome

    de poltica econmica, ao representar um conjunto de medidas discricionrias que afetavam

    a economia nacional atravs do oramento (poltica financeira), da poltica monetria (ao

    sobre o crdito e a taxa de cmbio), da poltica social (regulamentao dos salrios,

    instalao de regimes de seguro), da poltica comercial (concesso de subsdios) e da

    poltica industrial (adoo de incentivos fiscais e creditcios em setores selecionados).

    Em outras palavras, o amplo consenso acerca das limitaes do mercado permitiu a

    adoo de uma orientao de poltica econmica centrada, principalmente, na presena do

    Estado na atividade econmica nacional, em uma poltica fiscal garantidora da execuo de

    polticas de renda e de administrao da demanda agregada, e nas despesas pblicas,

    mesmo que em gastos militares, como principal motor de uma fase continuada de expanso

    econmica.

    Essa tendncia reforada, ainda mais, dado o forte dinamismo apresentado,

    especialmente pelo grande capital monopolista norte americano, que introduz sua estrutura

  • 25

    industrial e seus padres de consumo, atravs de uma nova articulao da economia

    mundial. Conforme colocam Coutinho e Belluzzo (1998, p. 23):

    Essa articulao se processou em vrios planos. Pelo seu peso e caractersticas, a economia americana assegura uma dinamizao generalizada de todo o conjunto das economias avanadas, abrindo brechas, em seu mercado interno, notadamente para a penetrao de produtos alemes e japoneses, cujos setores exportadores eram fundamentais para a manuteno de seus respectivos ritmos de crescimento.

    Alm disso, as empresas americanas, ao se instalarem no Mercado Comum

    Europeu, levam os grandes capitais europeus a se fortalecerem, com o objetivo de, tambm,

    consolidarem suas posies nesse mercado.

    Evidentemente que esse movimento, de internacionalizao do capital monopolista,

    acaba avanando para os pases perifricos, que esto iniciando seus processos de

    industrializao, muitos desses tambm com uma forte presena do Estado, dada a

    fragilidade do capital privado domstico. Assim, os pases em desenvolvimento passam a se

    beneficiar da entrada desses investimentos externos, representando um dos principais

    elementos que viabilizou esse rpido processo de acumulao8.

    Como resultado, por quase trinta anos, as principais economias capitalistas

    conseguiram manter os nveis adequados de demanda efetiva, em decorrncia da crescente

    atuao estatal, tendo os gastos pblicos como principal fator anticclico do perodo,

    mesmo que determinadas aes exigissem a presena do Estado apenas por um perodo de

    tempo especfico e limitado.

    A partir de meados da dcada de 70, contudo, esse receiturio keynesiano d

    mostras de que incapaz de impedir a crise. A economia mundial mergulha em uma etapa

    descendente de um longo ciclo de crescimento, marcada pela desacelerao dos

    investimentos, em parte explicada por Coutinho (1998, p.50), como sendo resposta

    exausto da etapa acelerada de internacionalizao das grandes empresas, especialmente

    dos oligoplios internacionais, que acabou por gerar uma crise global de superacumulao

    industrial aps 1974, levando crescente ampliao da capacidade ociosa existente9.

    8 Oliveira, F. (1984) em seu livro A Economia da Dependncia Imperfeita faz uma brilhante abordagem da articulao existente entre padres de acumulao, oligoplios e Estado, para o caso brasileiro. 9 Coutinho (1998), em seu artigo intitulado Percalos e problemas da economia mundial capitalista. Estado,

  • 26

    A Tabela 1.1. retrata as quedas percentuais no patamar de crescimento econmico

    vivenciadas pelas principais economias capitalistas avanadas, durante o perodo

    compreendido entre 1960 e 1978.

    Tabela 1.1 Taxas mdias anuais de crescimento das economias capitalistas avanadas para o

    perodo 1960/1978 Pases Mdia 1960/73

    (%) Mdia 1974/78

    (%) Queda do patamar de

    crescimento (%)

    Estados Unidos 3,9 2,2 -44 Japo 10,5 3,7 -65

    Alemanha 4,9 1,7 -65 Frana 5,7 2,8 -51

    Inglaterra 3,2 1,0 -69 Canad 5,0 3,4 -32 Itlia 5,2 1,9 -63

    Fonte: OCDE, extrado de Coutinho (1998, p. 46).

    Ademais, conforme argumenta Coutinho (1998, p. 50), a prpria quadruplicao do

    preo do petrleo, nesse momento, comprometeu ainda mais as taxas de acumulao,

    levando a uma forte reao inflacionria e colocando a crise energtica em destaque, ao

    revelar outro aspecto da crise estrutural do padro tecnolgico dominante desde o incio do

    sculo XX, isto , a massificao do consumo de bens durveis (automveis,

    eletrodomsticos etc.) que superimps um determinado padro de uso de recursos

    energticos e matrias-primas, com um fluxo de demanda crescente..., e disparos nos

    preos relativos.

    Nesse ambiente, caracterizado pela estagnao, isto , alta de preos com

    recesso, logo, desemprego, era de se esperar que as bases da poltica econmica

    keynesiana fossem questionadas, ressuscitando os velhos princpios liberais abandonados

    em meados do sculo XX, marcados pelo discurso: Estado intervencionista ou mercado

    regulador; gastos pblicos e desperdcios ou iniciativa privada eficiente.

    Assim, a crise de superacumulao, decorrente do processo de acumulao do

    estagnao e riscos financeiros, detalha as diferentes variveis que interferiram no enfraquecimento do dinamismo da economia mundial capitalista durante essa fase.

  • 27

    capital das principais economias avanadas, alm de revelar uma crise social ao rebaixar o

    valor real dos salrios, em razo das presses inflacionrias aceleradas, transforma-se,

    tambm, em uma crise do prprio Estado, ao evidenciar os limites de sua atuao.

    Este cenrio, conforme se verifica na Tabela 1.2., impacta nos pases da Amrica

    Latina, um pouco mais tarde, porm de forma mais perversa, uma vez que os governos

    perderam o controle de seus oramentos, enquanto polticas monetrias flexveis haviam

    conduzido a uma inflao galopante, como assinala Stiglitz (2002, p.43).

    Tabela 1.2 Taxas mdias anuais de crescimento de economias em desenvolvimento, selecionadas

    para o perodo 1960/1983, em % Pases Mdia

    1961/73 (A)

    Mdia 1974/78

    (B)

    Mdia 1979/85

    (C)

    Queda do patamar de crescimento

    (B/A)

    Queda do patamar de crescimento

    (C/A) Argentina 3,9 1,2 0,3 -69 -92

    Brasil 7,6 6,4 3,1 -16 -59 Mxico 6,7 5,7 4,1 -15 -39

    Fonte: Corecon/SP, extrado do Banco Mundial. Elaborao prpria.

    Dessa forma, a partir de meados dos anos 80, enfatizado o retorno s prticas de

    polticas econmicas mais ortodoxas, centradas em um enfoque monetrio restritivo e na

    austeridade fiscal, atravs de expressivos cortes nos gastos pblicos correntes, incluindo

    seus investimentos produtivos. Reforma tributria, da previdncia e do prprio Estado

    estimulada de maneira a contribuir para a reduo do dficit pblico, neutralizando, assim,

    seu efeito sobre a demanda global e o processo inflacionrio10.

    Completando esse conjunto de medidas, programas de privatizao so conduzidos

    e/ou a reestruturao de vrias indstrias so defendidas, na busca de uma adaptao,

    conforme destaca Pontes (1999), nova era de competitividade e globalizao das

    10 Esse conjunto de medidas pode ser sintetizado no que, em novembro de 1989, passou a ser denominado Consenso de Washington, representando uma corrente de pensamento, centrada na defesa de regras tcnicas em favor da economia de mercado, que visavam, em tese, a recuperao econmica dos pases latino-americanos, formulada a partir de um texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy. As dez regras que sintetizam o Consenso de Washington so: disciplina fiscal, reduo dos gastos pblicos, reforma tributria, juros de mercado, cmbio de mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto, com eliminao das restries, privatizao das estatais, desregulamentao (afrouxamento das leis econmicas e trabalhistas) e direito de propriedade.

  • 28

    economias, na qual o desafio centra-se em encontrar modos mais efetivos e eficientes de

    produzir bens e servios, at ento sob as mos de monoplios pblicos, dentro dos

    mecanismos e da dinmica do mercado.

    Na verdade, como aponta Arajo (1997), a onda de inovaes tecnolgicas,

    centrada, basicamente, nos avanos experimentados nos segmentos da microinformtica e

    das telecomunicaes, contribui para reforar a tese de que muitos dos servios de utilidade

    pblica poderiam ser radicalmente reestruturados, desde que mantidas reguladas as partes,

    que permanecessem monoplios naturais, e retirado o controle do Estado, das demais,

    tendo em vista sua incapacidade em responder, prontamente e de forma eficiente, s

    mudanas em curso.

    Baseada na teoria dos mercados contestveis11, a ascenso do pensamento

    neoliberal, defendido inclusive pelas principais instituies globais, particularmente, Fundo

    Monetrio Internacional (FMI) e Banco Mundial (BIRD), passa a questionar a presena da

    interveno estatal, em qualquer setor da atividade econmica. A lgica que prevalece :

    menos Estado, mais mercado.

    Entretanto, como forma de contornar eventuais falhas de mercado12, a montagem ou

    o desenvolvimento de um sistema institucional eficiente relacionado regulao econmica

    dos servios pblicos, torna-se necessrio. Acredita-se que a flexibilizao operacional e a

    fragmentao das empresas prestadoras de servios pblicos, com a introduo de um

    nmero maior de operadores em cada sistema/segmento, em associao com a montagem

    de mecanismos operacionais de regulao, sejam suficientes para atrair mais facilmente o

    capital privado, aumentar a concorrncia e satisfazer as demandas especficas destes

    servios pblicos, por consumidores e cidados, de modo mais eficiente e barato que se

    possa obter em condies de mercado.

    No caso especfico do setor eltrico, o movimento de reforma de sua organizao

    11 A teoria dos mercados contestveis, que tem em Baumol (1982) um dos seus principais tericos, defende que, em determinadas condies, tais como a ausncia de barreiras entrada e sada, um monoplio poder ter comportamento aproximadamente competitivo, em decorrncia da simples ameaa de entrada de novas firmas. 12 Como ressalta Arajo (1997), a justificativa clssica para a regulao econmica a existncia de falhas de mercado, podendo ser entendida como: assimetria de informao, externalidade negativa, comportamento colusivo ou no otimizante dos agentes, indivisibilidades, e outras violaes das hipteses neoclssicas para o equilbrio geral competitivo.

  • 29

    industrial, iniciado ao final da dcada de 80, mantm essa mesma lgica, ao estabelecer

    como principal objetivo a introduo da concorrncia na gerao de eletricidade e na

    prestao de servios eltricos. Para atender a essa finalidade, passou a prevalecer a

    seguinte orientao:

    i) os capitais privados substituam o Estado na gesto da indstria de suprimento de energia; ii) as empresas eltricas sejam desverticalizadas para viabilizar a concorrncia no suprimento de seus servios; iii) o rgo regulador passe a atuar como interface entre o governo e os agentes do mercado eltrico e, tambm, como responsvel pela arbitragem de eventuais conflitos de interesses entre esses agentes; iv) seja introduzido um novo regime tarifrio, orientado para a busca da eficincia econmica; e v) seja estruturado um regime contratual, que repasse para o mercado a arbitragem da maior parte dos riscos assumidos pelos agentes econmicos (IPEA, 1997, p. 9).

    Evidentemente, que o grau de adoo destes princpios tem variado de pas para pas

    e dependido, em muito, da matriz energtica, da parceria pblico-privada pretendida para o

    setor luz de uma nova estrutura de mercado, da formatao do regime regulatrio, alm,

    claro, da prpria importncia que esse movimento de reestruturao setorial assume para o

    ajuste das contas internas e/ou para a ampliao da capacidade de oferta de energia eltrica

    do pas. De qualquer modo, a maioria dos modelos de reestruturao tem buscado

    minimizar a atuao do Estado, criando estruturas que induzam os atores eficincia

    econmica, a partir da competio no setor, com a transferncia para o mercado da

    responsabilidade pela sua expanso, conforme caracterizado no Quadro 1.1., que sintetiza a

    descrio de cada modelo estrutural passvel de ser utilizado.

    Quadro 1.1. Modelos estruturais propostos para o setor

    Caractersticas Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Definio Monoplio em

    todos os nveis Competio na

    gerao e comprador

    nico

    Competio na gerao e

    escolha para distribuidoras

    Competio na gerao e

    escolha para o consumidor

    final Competio na gerao No Sim Sim Sim Escolha para varejistas No No Sim Sim Escolha para consumidor final No No No Sim Fonte: Hunt e Shuttleworth (1996)

  • 30

    Em outras palavras, o chamado Consenso de Washington, como sinaliza Canuto

    (2000), ao se fixar em torno das bandeiras da privatizao, desregulamentao e

    liberalizao comercial, acabou dando pouca ateno s instituies e complementaridade

    entre as esferas pblica e privada na economia, tendo em vista que o automatismo de

    mercado tambm produz distores. Assim, entendendo que tanto os mercados como o

    Estado podem falhar, defende que o sucesso econmico depende do reforo mtuo e do

    aprimoramento simultneo de tais instituies.

    Neste ambiente, a reviso do modelo do setor eltrico e sua incluso no modelo de

    desenvolvimento no devem mais se limitar simples assuno dos pases emergentes ao

    processo de globalizao e ao seu receiturio de estabilidade monetria, austeridade fiscal e

    liberdade comercial/financeira, conforme preconiza a maioria das autoridades econmicas

    locais. Passa, sim, pela adequao da fora do Estado e do escopo de suas funes,

    conforme prope Fukuyama (2004), visando construir um Estado capaz de definir polticas

    pblicas ativas, que, de um lado, no eternizem privilgios nem mascarem ineficincias

    setoriais, e, de outro, minimizem a lgica imediata dos mercados de cristalizar situaes

    de baixo crescimento ou forte desigualdade social, Canuto (2000).

    Dessa forma, duas questes parecem ganhar relevncia na busca deste equilbrio,

    que prev um processo de reaparelhamento do Estado, em seus aspectos legais,

    institucionais, administrativos e mesmo operacionais, adequados s particularidades de

    cada pas. A primeira refere-se caracterizao da prpria evoluo da regulao

    econmica como um importante elemento integrador desse movimento ao assumir

    responsabilidades bastante especializadas e especficas, delimitadas em suas leis de

    constituio, com relao orientao, coordenao, regulamentao e fiscalizao de

    aspectos das polticas e dos procedimentos gerais de cada setor, como bem colocam os

    autores Cintra e Bonini (1997, p. 7). E a segunda centra-se na prpria atuao do Estado,

    com o intuito de definir polticas de carter estratgico para o desenvolvimento da

    economia nacional e, particularmente, para o setor eltrico.

    Dentro desta preocupao, os prximos itens tentaro mapear a evoluo da

    regulao econmica focada no setor eltrico, objeto da presente tese, para, na seqncia,

    discutir a sua articulao com uma estratgia de poltica industrial voltada para esse setor.

  • 31

    1.2. Regulao econmica e servios pblicos

    Evidentemente que a regulao das atividades econmicas no uma prtica que

    surge, somente ao final do sculo XX, acompanhando os processos de privatizao.

    Conforme lembra Arajo (1997, p.1),

    Desde as antigas civilizaes de Babilnia, Egito e China at os dias de hoje, parte significativa das normas e leis de cada sociedade visa ordenar a atividade econmica de modo a garantir a prosperidade geral. Na verdade, no existe mercado funcionando sem alguma base de leis, normas e convenes sociais, que lhe do sua forma especfica e at seu contedo.

    O sentido moderno, contudo, que ganha destaque, refere-se a rgos e regulamentos

    existentes para controlar a estrutura e o funcionamento de servios pblicos, em especial,

    transportes, energia eltrica, gs, comunicaes, gua e saneamento bsico. Segundo o

    autor,

    Estes setores tm em comum, no todo ou em parte, algumas caractersticas importantes: seus produtos so considerados bsicos para a vida econmica e social, nas sociedades modernas; apresentam significativas externalidades em seu funcionamento, ou seja, as transaes afetam terceiros e a prpria coletividade; dentro do prprio setor podem existir economias de escala e escopo (monoplios naturais), bem como complementaridades que favoream a coordenao sobre a competio; tendem a necessitar investimentos importantes, com longos prazos de maturao e esses investimentos so especficos ao setor, com irreversibilidade (custos irrecuperveis).

    Assim, essas caractersticas implicam a necessidade de algum tipo de interveno

    pblica, com o objetivo de garantir que tais servios pblicos sejam prestados, mesmo que

    pela iniciativa privada, de forma aceitvel, do ponto de vista econmico e social. Com o

    avano dos processos de privatizao, at mesmo os pases sem tradio nesse tipo de

    conduta, passam a incluir em seus modelos institucionais, agncias regulatrias, capazes de

    atender a essas exigncias, para cada um dos diferentes setores.

    Nesta linha, a misso regulatria, com base nas consideraes levantadas por Pires e

    Piccinini (1999), centra-se em:

    a) atingir a eficincia econmica, garantindo o servio ao menor custo para o

  • 32

    usurio13;

    b) impedir o abuso do poder de monoplio, assegurando a menor diferena entre

    preos e custos, de forma compatvel com os nveis desejados de qualidade do

    servio;

    c) garantir o servio universal, como direito de cidadania, e a qualidade do servio

    prestado;

    d) propiciar o estabelecimento de canais para atender a reclamaes dos usurios ou

    consumidores sobre a prestao dos servios, de forma a impedir discriminaes

    injustas entre consumidores;

    e) estimular a inovao (identificando oportunidades de novos servios, removendo

    obstculos e promovendo polticas de incentivo inovao);

    f) buscar a padronizao tecnolgica e a compatibilidade entre equipamentos; e

    g) preservar a segurana e a proteo ao meio ambiente, fiscalizando as externalidades.

    Em suma, do exposto parece ficar claro que a regulao teria como objetivo central

    garantir o bem estar da sociedade podendo ser, como ressaltam os autores, at mesmo,

    compreendida como uma resposta poltica do aparelho de governo s presses de grupos de

    interesse de consumidores e empresas, com objetivos conflitantes entre si ou com terceiros.

    13 Na verdade, como bem destacado por Possas, Ponde e Fagundes (1997, p.86), o objetivo central da regulao de atividades econmicas no promover a concorrncia como um fim em si mesmo, mas aumentar o nvel de eficincia econmica dos mercados correspondentes. Os autores lembram, ainda, que so utilizados na anlise econmica basicamente quatro conceitos de eficincia: produtiva, distributiva, alocativa e dinmica. O primeiro consiste na utilizao, com mximo rendimento e mnimo custo, da planta produtiva instalada e respectiva tecnologia. O segundo refere-se capacidade de eliminao, por meio da concorrncia ou de outro dispositivo, de rendas monopolsticas ou outros ganhos temporrios por parte dos agentes individuais. O terceiro, de eficincia alocativa, o mais controvertido tendo se tornado praticamente sinnimo de eficincia econmica. Isto porque, na viso das aplicaes normativas da anlise econmica, em particular a de origem paretiana, os chamados teoremas de bem estar mostram que s os mercados sob concorrncia perfeita, em equilbrio geral, permitem alcanar o timo de Pareto, ao igualar o preo do produto ao seu custo marginal. Dessa forma, as aes regulatrias estariam buscando, atravs de sua atuao, alcanar a condio paretiana, nas situaes em este ambiente de concorrncia perfeita no se verifica. Finalmente, a eficincia dinmica um conceito que considera o mercado como ambiente seletivo, ou seja, com a capacidade de selecionar inovaes de produto e de processo que resultem em reduo futura de custos e de preos e em melhoria da qualidade dos produtos.

  • 33

    Dessa maneira, as agncias regulatrias surgiriam pela demanda de grupos sociais, como

    uma instituio extra-mercado par resolver conflitos econmicos, necessria para proteger

    tanto os usurios quanto os investidores.

    Nesses termos, embora certas adaptaes, na reorganizao ou na montagem do

    modelo regulatrio, sejam realizadas, na busca de torn-lo mais adequado estrutura

    setorial, jurdica e institucional existentes, entre os diversos pases, alguns pontos centrais

    parecem nortear a implantao das agncias regulatrias. Dentre eles destacam-se14, por

    exemplo:

    a) a independncia das agncias tanto em relao ao governo quanto no que diz

    respeito aos demais agentes do setor. Esse aspecto fundamental para que o

    regulador possa cumprir sua misso pblica de defesa do bem estar dos

    consumidores e tenha autoridade suficiente para fazer a arbitragem de conflitos

    entre acionistas, consumidores, empresas e governo. Essa independncia funo,

    inclusive, da autonomia de seus recursos financeiros, o que s poder ser possvel

    caso suas receitas sejam compostas por recursos oramentrios prprios,

    provenientes, em geral, da outorga de concesses e de taxas cobradas pela

    fiscalizao das atividades das firmas reguladas;

    b) a diretoria deve ser estvel para viabilizar sua independncia decisria, assim como

    bem definidas, por mecanismos estatutrios e regras estabelecidas pelo Poder

    Executivo e Legislativo, as funes e atribuies das agncias. Com isso, podero

    ser reduzidos os riscos dos investidores em relao a possveis atos discricionrios

    do poder concedente e ampliados a capacidade de fiscalizao da sociedade;

    c) a agncia deve ser suficientemente especializada para reduzir, ao mximo, as

    assimetrias de informao e os riscos de captura, dando legitimidade ao

    regulatria, uma vez que muitas vezes dever ser exercido o poder de arbitragem; e

    d) existncia de cooperao entre os diferentes rgos reguladores, setoriais ou no, no

    sentido de adoo de procedimentos, abordagens e ritos processuais similares, em

    especial no que diz respeito defesa da concorrncia e do consumidor. Desta forma,

    deve ser garantido o acesso s informaes necessrias para as adequadas

    14 Essas caractersticas foram extradas de Pires e Piccinini (1999).

  • 34

    investigaes sobre os casos de comportamento anticompetitivo e de neglicncia na

    qualidade do servio prestado.

    Completando os princpios bsicos relacionados ao regulatria, cumpre

    destacar, ainda, que so identificados, a partir da bibliografia pesquisada, dois padres de

    regulao. A regulao dos servios pblicos de infra-estrutura (utilities) e a regulao de

    mercados em geral, destinada preveno e represso de condutas anticompetitivas

    (antitruste).

    A primeira, denominada por Possas, Ponde e Fagundes (1997, p.87-88) como

    regulao ativa, constitui uma interveno voltada no a induzir maior concorrncia, mas a

    substitu-la por instrumentos e metas administrados publicamente, em atividades

    econmicas caracterizadas por falhas de mercados. Assim, atravs da atuao

    permanente e de carter interventivo, poderiam ser controlados, particularmente, os preos

    adotados por essas empresas, bem como a qualidade dos servios prestados.

    No outro lado, tem-se a regulao reativa, que, de acordo com os autores, atravs do

    monitoramento ad hoc, no sistemtico, seria acionada somente por iniciativa de interesses

    privados ou difusos ameaados, envolvendo condutas anticompetitivas previstas em lei, ou

    pela ocorrncia de atos de concentrao (fuses e aquisies), tambm previstos em lei,

    de forma a evitar o aumento substancial do poder de mercado das empresas envolvidas, e

    com isso, o risco de futuras condutas prejudiciais concorrncia.

    Para efeito da presente tese, a anlise cobrir apenas a regulao ativa, uma vez que

    sua preocupao avaliar a atuao das agncias regulatrias e, portanto, suas prticas

    preventivas, particularmente nos segmentos de energia eltrica mantidos em regime de

    monoplios, bem como sua capacidade de acompanhar e fiscalizar o desempenho dos

    agentes envolvidos, de forma a intervir em situaes de conflitos e inibir prticas abusivas

    de poder.

    Com esta preocupao, a seguir sero caracterizados alguns aspectos relacionados

    prtica regulatria, com destaque para os principais mecanismos de controle utilizados em

    segmentos monopolistas, em especial no que se refere aos regimes tarifrios, visando

    atingir, a partir do acompanhamento dos custos, dos lucros e da alocao de recursos

  • 35

    resultados de remunerao dos servios pblicos de energia eltrica, muito semelhante a

    ambientes mais competitivos, atendendo, assim, sua principal misso regulatria.

    1.2.1 Regulao econmica e as agncias reguladoras

    Do exposto, parece ficar claro que a regulao ativa pode ser compreendida,

    como um conjunto de leis e controles que se originam do governo e afetam o funcionamento do mercados, interferindo, deste modo, na eficincia interna e alocativa de empresas e de indstrias (Santana e Oliveira, 1999, p. 59).

    Dessa forma, a preocupao primria do sistema regulatrio criar mecanismos de

    incentivo, capazes de influenciar as aes dos agentes envolvidos, minimizando as falhas

    na operao dos mercados, expressas em termos de externalidades15, de poder e de

    assimetrias de informaes. Nesta linha, a ao regulatria costuma se concentrar em trs

    pontos, isto , qualidade, preos e condies de entrada e sada, de maneira a buscar

    padres de qualidade dos servios oferecidos, a garantir a eficincia produtiva e a impedir a

    discriminao entre os consumidores, visando o bem-estar da sociedade.

    Evidentemente, como ressaltam Santana e Oliveira (1999, p. 60), essa no uma

    tarefa fcil, uma vez que cabe, de um lado, ao regulador induzir a firma a tomar decises de

    preos, produo e investimentos que respondam aos interesses da sociedade, nas

    condies acima destacadas, e de outro, a firma maximizar seus lucros ou receitas.

    Como neste movimento h uma ntida divergncia de objetivos, de suma

    importncia consolidar um desenho institucional, no qual os reguladores possam atuar de

    forma independente, a partir de mandatos bem definidos e expressiva capacitao tcnico-

    operacional, tornando-os impermeveis s aes de captura. Isto porque, h uma forte

    tendncia captura do rgo regulador, em decorrncia de problemas de disponibilidade e

    acesso a informaes16, onde esse passa a confundir o interesse comum com os interesses

    da prpria indstria que por ele regulada, ou, da mesma forma, a subordinar suas decises

    15 Isto , quando o bem-estar de um agente econmico (empresas ou consumidores) diretamente afetado pelas aes de terceiros. 16 Dentre os vrios tipos de assimetrias de informaes, Salgado (2003, p.15/16) destaca dois em especial: a) permitir que a agncia estabelea compromissos com grupos de interesses (compartilhar rendas) s expensas dos consumidores; e b) dificuldade da agncia de avaliar custos e benefcios esperados, tendo em vista a falta de transparncia das empresas reguladas e do acesso s reais informaes.

  • 36

    a outros interesses do governo, inclusive sua instrumentalizao.

    Dentre as formas de inibir essa conduta, Salgado (2003, p. 16) sinaliza que, alm da

    autonomia financeira e administrativa da agncia, do mandato fixo e de exigncias de

    qualificao tcnica, e no indicao poltica, para o exerccio de postos de deciso, pode-

    se exigir da agncia reguladora, por exemplo, prestao de contas, de maneira a afinar suas

    decises com os objetivos previstos em lei.

    Alm disso, a transparncia das decises das agncias pode ser ainda maior se

    existir o prvio conhecimento das regras que orientam suas anlises, a publicao de

    manuais e guias, assim como de todos os procedimentos adotados pelo rgo, reduz as

    incertezas do pblico interessado e funciona como disciplinador de tendncias captura

    por interesses velados, Salgado (2003, p. 16).

    Outro ponto que merece destaque o consenso de que quanto mais imperfeito for o

    mercado maior ser a necessidade de se introduzir prticas regulatrias, uma vez que o pior

    cenrio o do monoplio no regulamentado. Isto porque, conforme destacam Santana e

    Gomes (1999, p. 80),

    quando no existem incentivos para reduzir custos, torna-se possvel, dado o poder de mercado do monoplio, repass-los para o consumidor, utilizando-se de uma estratgia de elevao de preos que lhe aumentaria as margens de lucro.

    Assim, para estes casos, a tarefa do regulador controlar a distribuio e quantidade

    do excedente social, garantindo concessionria um lucro razovel, mas inibindo o abuso

    do poder de mercado. Da mesma forma, a interveno estatal na prestao de servios

    pblicos deve-se limitar aos nveis indispensveis sua execuo, permitindo que a agncia

    reguladora tenha condies de liberdade de atuao.

    Por fim, deve-se registrar, ainda, que a regulao tambm pode influenciar a

    dinmica tecnolgica de uma indstria/setor ao introduzir incentivos de investimentos em

    pesquisa e desenvolvimento, estimulando inovao tecnolgica, a partir, por exemplo, da

    introduo de metas e padres internacionais de qualidade a serem perseguidos.

    Em suma, esse conjunto de questes, de um lado, tenta sistematizar os diversos

    pontos que permeiam a discusso relativa concepo de um ambiente favorvel prtica

  • 37

    da misso regulatria, capaz de agir de forma isenta aos interesses particulares e ao mesmo

    tempo reduzir os riscos regulatrios e atrair investimentos. E de outro, revela a dificuldade

    de se introduzir tais mudanas, em especial em sociedades onde as prticas de

    representatividade no estejam to disseminadas tanto na esfera pblica como na prpria

    sociedade, ao limitar o nmero de canais de presso. Alm disso, a definio clara do papel

    das agncias reguladoras, incluindo neste caso a separao de suas funes entre a esfera

    federal e estadual, depende do desenho institucional e organizacional pretendido para o

    setor, que neste particular necessita precisar sua estratgia de insero no cenrio nacional,

    leia-se sua articulao com as demais polticas pblicas.

    Na ausncia de tal clareza, a simples criao de agncias reguladoras com a

    introduo de mecanismos de controle e de polticas tarifrias em um ambiente hbrido, no

    qual os agentes privados e pblicos atuantes no setor no saibam, de fato, suas funes,

    pode revelar um desenho institucional ineficaz e imprprio ao atendimento da prpria razo

    da criao de tais agncias, ou seja, minimizar as falhas de mercado.

    Apesar de tais ponderaes, o prximo item tenta registrar as principais prticas

    tarifrias utilizadas como mecanismos de incentivos no mbito da regulao econmica.

    1.2.2. Mecanismos de regulao: a questo do regime tarifrio17

    De incio, cumpre registrar, valendo-se da observao levantada por Pires e

    Piccinini (1998, p.10), que,

    sob a tica da regulao americana, uma tarifao bem sucedida aquela que, de maneira geral, tem os seguintes objetivos principais: a) evitar que os preos fiquem abaixo dos custos (incluindo um retorno razovel); b) evitar o excesso de lucros; c) viabilizar a agilidade administrativa no processo de definio e reviso das tarifas; d) impedir a m colocao de recursos e a produo ineficiente; e e) estabelecer preos no-discriminatrios entre os consumidores.

    Partindo-se dessa premissa, entre os autores pesquisados, foram identificados cinco

    modelos bsicos de tarifao para o setor eltrico, a saber: tarifao pela taxa de retorno ou

    pelo custo de servio; tarifao com base no custo marginal; price cap; regulao por

    17 Os conceitos bsicos utilizados neste item foram extrados dos trabalhos de Possas, Ponde e Fagundes (1997), Pires e Piccinini (1998) e Villela e Maciel (1999).

  • 38

    desempenho (yardstick competition ou benchmark) e tarifa pelo preo.

    1.2.2.1. Tarifao pela Taxa de Retorno

    Tambm conhecida como Tarifao pelo Custo do Servio, foi adotada por longo

    tempo nos EUA para regular tarifas de servios pblicos, ainda estruturados sob a forma de

    monoplio natural. Atravs deste critrio, os preos devem remunerar os custos totais e

    conter uma margem que proporcione uma taxa interna de retorno considerada adequada

    como custo de oportunidade, ou seja, atrativa para o investidor. Esta regra visa

    principalmente obteno da eficincia distributiva, uma vez que, ao serem igualados

    custos e receitas, buscam-se evitar que o produtor se aproprie de lucros extras.

    Os principais problemas detectados na adoo desse critrio so: a) a dificuldade de

    avaliar custos, que servem de base para a determinao do preo, especialmente devido

    assimetria de informaes entre empresa(s) e rgo regulador; b) o carter controvertido da

    definio dos custos (histricos e de reproduo); e c) a indefinio a priori sobre a taxa de

    retorno arbitrada. De modo geral, o mtodo criticado por induzir ineficincia (falta de

    estmulo reduo de custos, na ausncia de competidores) e possivelmente o sobre-

    investimento, alm de acarretar elevados custos de regulao (obteno e processamento de

    informaes, monitorao de desempenho, consultoria, etc).

    1.2.2.2. Tarifao pelo Custo Marginal

    Para superar as ineficincias acima destacadas, desenvolveu-se o mecanismo de

    tarifao com base no princpio do Custo Marginal, que procura transferir para o

    consumidor os custos incrementais necessrios para o seu atendimento. A preocupao

    central aproximar os preos dos multiprodutos - caracterstica bsica do setor eltrico -

    aos seus custos, reduzindo, assim, as ineficincias decorrentes da sub-utilizao da

    capacidade.

    As tarifas so, ento, diferenciadas de acordo com as distintas categorias de

    consumidores (residencial, comercial, industrial, rural etc.) com outras caractersticas do

    sistema, tais como estaes do ano, horrios de consumo, nveis de voltagem, regies

    geogrficas etc.

    As dificuldades principais referem-se a que critrio adotar para cobertura dos custos

  • 39

    fixos e complexidade necessria sobre custos em geral, com os tradicionais problemas de

    assimetria de informao envolvidos.

    1.2.2.3. Price Cap

    Introduzindo no contexto de reestruturao com a privatizao realizada na

    Inglaterra no setor eltrico, este mecanismo de fixao de tarifa compreende uma regra de

    reajuste por ndice pblico de preos (IP), acompanhada de previso de reduo de custos

    por aumento de produtividade (conhecido como fator X), para um perodo prefixado de

    anos, com o objetivo de estimular, de forma simples e transparente, a busca de aumento de

    eficincia microeconmica. A frmula bsica pode ser expressa por:

    p = IP - X,

    onde p a tarifa, IP o ndice de preos - originalmente ao consumidor, mas no

    estritamente necessrio - e X um redutor de produtividade predeterminado.

    Esse mecanismo pode ainda ser incrementado pelo acrscimo de um componente Y

    de choque de custos, isto , um fator de repasse de custos para os consumidores, no

    corriqueiro e basicamente imprevisvel, formando a seguinte equao: p = IP - X + Y.

    Segundo Pires & Piccinini (1998), o price cap passou a ser visto como um mtodo

    tarifrio de regra simples e transparente que poderia proporcionar maior grau de liberdade

    de gesto possvel para as empresas em regime de monoplio natural, alm de estimular

    ganhos de produtividade e sua transferncia para os consumidores.

    Dessa forma, acrescenta os autores, a adoo do price cap contribuiria para reduzir

    o risco de captura das agncias regulatrias (ao no exp-las a uma situao de assimetria

    de informaes) e para incentivar a ao eficiente das firmas, uma vez que, com preos

    fixos, estas poderiam apropriar-se da reduo de custos que viesse a ocorrer entre os

    perodos revisionais.

    Contudo, este mtodo de tarifao requer a definio pelo regulador, de uma srie

    de variveis relevantes de difcil mensurao, o que tambm pode comprometer o resultado

    final esperado. De qualquer maneira, vale a pena registrar tais variveis: indexador de

    preos e fator de produtividade; grau de liberdade para a variao de preos relativos; grau

    de extenso dos repasses dos custos permitidos para os consumidores; e formas de

  • 40

    incentivo aos investimentos e qualidade do atendimento.

    1.2.2.4. Regulao por Desempenho (yardstick competition ou benchmark)

    Baseia-se na introduo de incentivos maior eficincia pela eliminao de

    excessos de assimetria de informaes quando h vrias empresas reguladas, por exemplo,

    em um mesmo segmento, mas distribudas em diversas regies. O desempenho da(s)

    firma(s) regulada(s) aferido pela comparao com uma referncia mdia, um benchmark,

    que induza o acompanhamento de aumentos de produtividade e reduo de custos

    praticados por outras firmas do setor. Um inconveniente a possvel coluso entre essas

    firmas para apropriar-se de sobrelucros.

    1.2.2.5 Tarifa pelo Preo

    definida no mbito do processo de licitao para explorao dos servios,

    segundo o critrio do menor preo ofertado. O objetivo desse mecanismo, como sinaliza

    Pires e Piccinini (1998), garantir a prestao dos servios com preos reduzidos,

    assegurando, tambm, estmulos eficincia produtiva, uma vez que condies contratuais

    incentivaro reduo de custos.

    Apesar de ser um instrumento eficaz, no curto prazo, ao permitir que a explorao

    do servio seja executada pelo licitante que oferecer o menor preo, seus resultados, no

    mdio prazo, dependero de uma contnua tarefa de monitoramento e fiscalizao, por parte

    do regulador. Isto porque, a concessionria poder buscar a apropriao de lucros

    extraordinrios em detrimento de melhorias na qualidade do servio.

    1.3. Regulao econmica e polticas pblicas

    Com esse conjunto de informaes, visvel perceber que as transformaes,

    ocorridas nas ltimas dcadas, reduziram a interveno direta do Estado na atividade

    econmica. De fato, aquele Estado-empreendedor, responsvel pela produo de diversos

    bens e servios, conforme preconizava a teoria keynesiana, cedeu espao para o Estado-

    regulador,

    que se preocupa em manter o equilbrio entre os interesses privados (competio, respeito aos direitos dos usurios, admisso da explorao lucrativa de atividade econmica) com as metas e objetivos de interesse pblico (universalizao, reduo de desigualdades, modicidade de preos e tarifas, maiores investimentos etc.), Marques Neto (s/d, p. 13).

  • 41

    Essa mudana de funo do Estado na economia exige, contudo, no apenas o

    fortalecimento das agncias reguladoras, como forma de fortalecer a si prprio, mas clareza

    na conduo das demais polticas pblicas, de maneira a evitar que a tica de mercado

    prevalea nesse novo arranjo institucional.

    Como destacado anteriormente, o grande desafio passa pela articulao desses

    princpios, aceitos e implementados pela maioria dos pases em desenvolvimento, a partir

    das promessas advindas da nova ordem econmica, com uma estratgia prpria de

    crescimento para cada Pas, que preveja, conforme ressalta Tavares (1999, p. 149), uma

    poltica de insero internacional com a integrao produtiva nacional, dentro de um

    planejamento estratgico que contemple uma viso sistmica e holstica