energia e evolução humana

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Energia e evolução humana A vida no Planeta Terra é sustentada pela energia. Os organismos autotróficos retiram a energia diretamente da radiação solar, e os organismos heterotróficos retiram energia dos autotróficos. A energia capturada lentamente por fotossíntese é armazenada na forma de densos reservatórios que foram sendo acumulados ao longo da história da Terra, ficando à disposição dos heterotróficos, que podendo usar mais energia, evoluíram para os explorar. O Homo Sapiens pertence ao tipo heterotrófico; na verdade, a habilidade para usar a energia extrasomaticamente (exterior ao corpo) permite ao humano usar muito mais energia do que quaisquer outros heterotróficos que tenham evoluído. O controlo do fogo e a exploração dos combustíveis fósseis tornaram possível ao Homo Sapiens libertar, num curto intervalo de tempo, vastas quantidades de energia acumuladas muito antes do aparecimento da sua espécie. Usando a energia extrasomática com o objectivo de modificar cada vez mais o seu ambiente, e para fazer face às suas necessidades, a população humana ampliou de tal maneira os seus recursos base, que durante longos períodos estes recursos excederam as suas exigências. Isto permitiu uma expansão de população de uma forma extrema, semelhante às situações criadas com a introdução de espécies não autóctones, propiciando assim novos habitats, tal como é o caso dos coelhos na Austrália ou dos besouros japoneses nos Estados Unidos. A actual população mundial de mais de 5,5 mil milhões é sustentada e continua a crescer devido ao uso de energia extrasomática. Mas o esgotamento dos combustíveis fósseis, de que provêem três quartos desta energia, está relativamente próximo, e nenhuma outra fonte de energia que os possa vir a substituir é tão abundante e barata. Numa perspectiva temporal, é previsível o colapso da humanidade, em apenas mais uns poucos

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Energia e evolução humana A vida no Planeta Terra é sustentada pela energia. Os organismos autotróficos retiram a energia diretamente da radiação solar, e os organismos heterotróficos retiram energia dos autotróficos. A energia capturada lentamente por fotossíntese é armazenada na forma de densos reservatórios que foram sendo acumulados ao longo da história da Terra, ficando à disposição dos heterotróficos, que podendo usar mais energia, evoluíram para os explorar. O Homo Sapiens pertence ao tipo heterotrófico; na verdade, a habilidade para usar a energia extrasomaticamente (exterior ao corpo) permite ao humano usar muito mais energia do que quaisquer outros heterotróficos que tenham evoluído. O controlo do fogo e a exploração dos combustíveis fósseis tornaram possível ao Homo Sapiens libertar, num curto intervalo de tempo, vastas quantidades de energia acumuladas muito antes do aparecimento da sua espécie.

Usando a energia extrasomática com o objectivo de modificar cada vez mais o seu ambiente, e para fazer face às suas necessidades, a população humana ampliou de tal maneira os seus recursos base, que durante longos períodos estes recursos excederam as suas exigências. Isto permitiu uma expansão de população de uma forma extrema, semelhante às situações criadas com a introdução de espécies não autóctones, propiciando assim novos habitats, tal como é o caso dos coelhos na Austrália ou dos besouros japoneses nos Estados Unidos. A actual população mundial de mais de 5,5 mil milhões é sustentada e continua a crescer devido ao uso de energia extrasomática.

Mas o esgotamento dos combustíveis fósseis, de que provêem três quartos desta energia, está relativamente próximo, e nenhuma outra fonte de energia que os possa vir a substituir é tão abundante e barata. Numa perspectiva temporal, é previsível o colapso da humanidade, em apenas mais uns poucos anos. Se houver sobreviventes, eles não poderão continuar as tradições culturais da actual civilização, as quais requerem fontes de energia abundantes. Porém, não é provável que as diversas comunidades possam persistir muito tempo sem energia, cuja utilização constitui uma parte muito importante do seu modus vivendi.

A espécie humana pode ser vista como tendo evoluído ao serviço da entropia, e não é expectável que sobreviva às acumulações densas de energia, que ajudou a configurar o seu meio. Os seres humanos gostam de acreditar que controlam o seu destino, mas quando se faz uma retrospectiva da história da vida na Terra, a evolução do Homo Sapiens é apenas um episódio passageiro que actua no sentido do promover o equilíbrio energético do planeta.

Desde Malthus, pelo menos, existe a noção clara de que os meios de subsistência não crescem tão rápido quanto a população. Ninguém alguma vez gostou da ideia de que a fome, a peste e a guerra são o modo de a natureza reparar o desequilíbrio

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-- o próprio Malthus sugeriu que a realização de "rastreios preventivos", os quais servem para reduzir a taxa de natalidade, poderiam ajudar a prolongar o intervalo entre tais eventos (1986, vol. 2, pág., 10 [1826, vol. 1, pág., 7]). [1]E no entanto, nos duzentos anos seguintes ao de Malthus pousar a caneta, não houve nenhum cataclismo mundial. Mas, simultaneamente, durante esses dois séculos, a população mundial cresceu exponencialmente, enquanto recursos insubstituíveis iam sendo consumidos. Será inevitável algum tipo de ajustamento.

Hoje, muitas pessoas que se preocupam com as elevadas taxas de crescimento demográfico e com a degradação ambiental, acreditam que as acções humanas podem evitar uma catástrofe. As opiniões dominantes, sustentam que uma população estável, que não ponha em causa a "capacidade de encaixe" ambiental, seria indefinidamente sustentável, e que este estado de equilíbrio pode ser alcançado por uma combinação do controlo da natalidade, conservação ambiental e confiança nos recursos "renováveis". Infelizmente, a implementação mundial de um programa rigoroso de controlo de natalidade é politicamente impossível. A conservação ambiental não é eficaz enquanto as taxas demográficas continuarem a aumentar. E nenhum recurso é verdadeiramente renovável. [2]

Além disso, o ambiente não tem a obrigação de manter constante a população de qualquer espécie de organismo vivo por um período indefinido de tempo. Se toda natureza estivesse em equilíbrio perfeito, todos as espécies teriam uma população constante, sustentada indefinidamente pela sua própria capacidade de sobrevivência. Mas a história da vida envolve a competição entre espécies, com espécies novas que evoluem, e velhas que desaparecem. Neste contexto, seria de esperar que as populações das diversas espécies fossem variáveis, e para as que foram estudadas, isso, na realidade, acontece (textos de ecologia como Odum 1971, e Ricklefs 1979).

A noção de equilíbrio na natureza é uma parte integrante da cosmologia ocidental tradicional. Mas a ciência não encontrou tal equilíbrio. De acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica, a energia flui de áreas de maior concentração para áreas de menor concentração, e os processos locais seguem este comportamento. Os organismos vivos podem acumular energia temporariamente, mas com o decorrer do tempo o que prevalece é a entropia. As diversas formas de vida que cobrem a Terra têm vindo a acumular energia desde há três mil milhões de anos, não o podendo fazer indefinidamente. Cedo ou tarde, a energia acumulada deverá ser libertada. Este é o contexto bioenergético no qual o Homo Sapiens evoluiu, e que é determinante tanto para o crescimento selvagem de população humana, como para o seu colapso iminente.

9/3/2015 ENERGIA EM EVOLUÇÃO

Nós estamos sujeitos, enquanto seres orgânicos, ao processo natural pelo qual a Terra aceita energia do sol para posteriormente a libertar. Existe vida na Terra há pelo menos 3500 milhões anos e tem havido, durante este período de tempo, uma evolução clara e constante no modo como a energia tem sido

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utilizada. As primitivas formas de vida podem ter obtido energia através de moléculas orgânicas que se tenham acumulado no ambiente, mas os autotróficos fotossintéticos, capazes de processar por fotossíntese a energia da luz solar, evoluíram rapidamente, tornando possível às diversas formas de vida escaparem ao seu limitado nicho. A existência de autotróficos criou um espaço para os heterotróficos, que processam a energia que foi antes capturada pelos autotróficos.

Não está claro o mecanismo pelo qual se iniciou a fotossíntese, embora consista numa combinação de dois sistemas que podem ser encontrados isoladamente em algumas formas de vida ainda existentes. No entanto as algas azul-verdes que estão entre os organismos mais antigos documentados por via fóssil, já utilizavam este processo a duas fases, eventualmente extensivo até às plantas verdes. Esta é uma sucessão complexa de eventos que têm um resultado simples. O dióxido de carbono (que havia em abundância na atmosfera primitiva da terra) reage com a água, por intermédio da energia proveniente da luz, fixando carbono e libertando oxigénio, sendo que uma parte dessa energia é retida enquanto o carbono e o oxigênio permanecerem separados. As plantas libertam esta energia, em função das necessidades do seu processo metabólico. (Starr & Taggart, 1987).

Com o decorrer do tempo, a vida na Terra expandiu-se, de forma que, independentemente do momento que se considere, cada vez mais energia era armazenada na matéria viva. Assim, a energia adicional, em pequenos incrementos, proveniente da matéria viva, foi acumulada abaixo da superfície terrestre em depósitos que se tornaram carvão, petróleo e gás natural, como também em pedras sedimentares que contêm cálcio e carbonato de magnésio derivados de conchas. De todo o carbono que teve um papel no processo da vida, apenas uma reduzida quantidade foi separada deste modo, mas no decurso de milhões e milhões de anos, acabou por atingir um montante considerável. Cada vez mais carbono foi acumulado debaixo do chão, conjuntamente com um crescimento de oxigênio na atmosfera da terra. Esta separação de carbono e oxigênio numa atmosfera primitiva, na qual gás carbónico e água eram abundantes, representa uma vasta acumulação da energia solar do passado terrestre.

A vida evolui no sentido de explorar todas as possibilidades disponíveis, e da mesma maneira que os autotróficos desenvolveram melhores técnicas para capturar e armazenar a energia do sol, os heterotróficos desenvolveram melhores técnicas para se aproveitarem disso. A locomoção independente estava adaptada à procura de nutrientes, embora isso consumisse um pouco mais de energia, quando comparado com a situação de estar sujeito à acção dos elementos. Na linha evolutiva, aos peixes de sangue frio e aos anfíbios seguiram-se as espécies de sangue quente, que colhem os benefícios de permanecerem activas em ambientes de mais baixas temperaturas, consumindo ainda mais energia no processo. O desenvolvimento da predação abriu acesso a uma provisão de alimento de alta energia com um investimento

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energético adicional para obter isso. Ao longo da história da vida, e na medida em que reservatórios crescentemente densos de energia iam ficando disponíveis, as espécies que utilizaram quantidades crescentes de energia, evoluíram (veja Simpson, 1949, pp. 256-57). Este é o contexto natural do Homo Sapiens, a espécie mais consumidora de energia que o mundo já conheceu.

O ANIMAL HUMANO

A quantidade de energia utilizada pela humanidade, é uma consequência da capacidade que tem de adaptação à sua característica extrasomática. Esta capacidade torna possível aos seres humanos ajustarem-se a uma grande variedade de circunstâncias modernas, sem que tenham de esperar, durante o processo evolutivo, pelo passar de muitas gerações, com o objectivo de mudar ou adaptar os seus próprios organismos. Uma comparação entre as formas somáticas e extrasomáticas de adaptação à vida, mostrará quão notável uma habilitação deste tipo é importante, isto é: Se dentes longos e afiados forem adequados a um predador, animais com dentes que são ligeiramente mais longos e mais afiados, terão uma ligeira vantagem reprodutiva, de forma que os genes responsáveis pelo aparecimento de dentes mais longos e mais afiados, terão maior probabilidade de vingar, e assim, ao longo do tempo, os dentes de uma população virão a ser, pouco a pouco, mais longos e mais afiados. Em contraste, um caçador humano pode imaginar uma ponta da flecha mais longa, mais afiada; ele pode fabricar, facilmente esta ponta de flecha, com base na sua destreza manual; e se esta for realmente mais eficiente que as pontas de flecha rombas, que eram as mais utilizadas até então, os seus semelhantes, adoptarão, desde logo, o novo modelo. A diferença principal entre os dois meios de adaptação é a rapidez: A espécie humana pode adaptar-se, em termos relativos, num reduzido instante de tempo.

A adaptação extrasomática é possível porque a espécie humana é, na linguagem actual da era do computador, programável. A adaptação somática, é semelhante à construção de um computador de geração antiga para executar melhor uma determinada tarefa, face a um computador, dessa mesma geração, previamente programado para esse objectivo. A adaptação extrasomática, equivale à escrita de um programa novo para executar melhor a tarefa, sem ter que construir hardware novo. O uso de idiomas, com a sua relação arbitrária entre sinais e referências, torna possível uma variedade larga de software diferente. A programabilidade -- a capacidade para aprender -- não é exclusiva dos seres humanos, mas eles desenvolveram muito mais essa capacidade adicional, do que qualquer outra espécie. A programabilidade, provavelmente, desenvolveu-se como uma resposta evolutiva face à necessidade de flexibilidade. A capacidade para tirar partido de uma variedade de recursos diferentes, é uma característica marcante da espécie humana, sendo que para mamíferos placentários, esta capacidade surgiu de formas ancestrais da ordem insetívora que presumivelmente comiam insectos, sementes, rebentos, ovos, e outros animais. Quando os nossos antepassados hominídeos desceram das árvores para explorar as savanas africanas, a flexibilidade era novamente vantajosa. O Homo Habilis e os seus companheiros

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eram pequenos caçadores furtivos, que aproveitavam o que podiam das carcaças que sobejavam do repasto dos leopardos, complementando a sua dieta, com frutas e raízes (veja Binford, 1981); Eles viveram com base no seu engenho, e a seleção natural favoreceu o hardware que permitiria um rápido percurso da inteligência.

A programabilidade -- e a respectiva capacidade para a adaptação extrasomática -- tornou possível, para os seres humanos, anteciparem uma longa tendência evolutiva, tornando-a imensamente mais rápida. A humanidade, constitui o grupo mais recente, do tipo heterotrófico, que utiliza quantidades crescentes de energia, mas difere de outras espécies, nessa capacidade para utilizar mais energia sem recurso a um processo evolutivo, necessariamente longo. No decurso da breve história da humanidade, maiores quantidades de energia foram progressivamente utilizadas pelas mesmas espécies biológicas (ver White, 1949, capítulo 13).

ENERGIA EXTRASOMÁTICA

Algumas inovações humanas determinaram o destino da energia, canalizado-a através de processos metabólicos. O desenvolvimento das armas por exemplo, tornou esse processo possível pois possibilitou a concentração de energia somática para obter alimentos de alto teor energético e com muita maior eficiência. O homem tornou-se um caçador. Esta pode ter sido a inovação que permitiu ao Homo Erectus prosperar e sair do seu berço africano, prosseguindo o processo até aos trópicos do Velho Mundo (Binford, 1981, pág., 296). Da mesma forma, o uso de roupas proporcionou a conservação da energia corporal que ajudou a tornar possível a conquista de regiões mais temperadas.

Mas a inovação mais notável do ser humano foi o uso da energia extrasomática, em que a energia é produzida para a realização de fins humanos, mas externos aos corpos de seus utilizadores. E a fonte mais importante de energia extrasomática, sem dúvida, é o fogo. O fogo foi usado pelo Homo Erectus no norte da China há mais de 400 mil anos, e existem evidências claras que sugerem que possa ter sido usado ainda muito antes disso (Gowlett, 1984, pp. 181-82). Com o uso de fogo, deixou de ser necessário um grande esforço para rasgar a carne; ela poderia então ser cozinhada até ficar tenra. O fogo poderia ser usado para escavar um tronco ou endurecer a ponta de uma vara. O fogo poderia ser utilizado como cobertura numa acção de defesa e poderia servir para afugentar abelhas. O fogo poderia manter os animais ferozes à distância.

A exploração da força animal teve um importante papel na densificação da população, estando por isso na raiz daquilo a que chamamos hoje de civilização. Os animais puxaram o arado, transportaram os produtos para comercializar, e forneceram o complemento enriquecido de proteína a uma dieta de cereais. A força do vento foi utilizada desde muito cedo para transporte de carga através da água. Mas o fogo permaneceu a fonte mais importante de energia extrasomática, e tornou possível o desenvolvimento da cerâmica e da metalurgia.

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Porém, até muito recentemente, não houve nenhuma inovação significativa na utilização do combustível usado para fazer fogo. Durante centenas de milhares de anos o fogo era feito com tecidos de organismos recentemente mortos, principalmente madeira. O desenvolvimento do carvão aumentou a densidade energética da madeira sem a tratar, e deu uma contribuição importante para a metalurgia. Só alguns milénios depois, é que foi aplicado este mesmo processo de queima em atmosfera redutora ao fabrico de carvão. Em Inglaterra, desde a conquista normanda que o carvão tem vindo a ser usado para o aquecimento dos espaços de habitação, mas o desenvolvimento do carvão e a sua consequente utilização no fabrico do aço, veio a originar a revolução industrial. Passado um curto período de evolução, começaram também a ser explorados o petróleo e o gás natural, e o Homo Sapiens iniciou a dissipação dos ricos depósitos de energia orgânica que haviam sido acumulados desde o surgimento da vida na Terra. Se o lento crescimento destes depósitos, face à entropia universal, pode ser comparado ao armazenamento de água a montante de uma represa, então o aparecimento de espécies capazes de dissiparem aquela energia, rebentaram com a represa.

ENERGIA E RECURSOS

De acordo com o American Heritage Dictionary, recurso é "Uma provisão disponível que pode ser utilizada quando necessária" e ainda são "Meios que podem ser usados com vantagem". Por outras palavras, os recursos incluem todas as coisas encontradas na natureza, e que as pessoas usam para sua sobrevivência, mas também para qualquer outro propósito. Trata-se de um conceito muito amplo, tal como é requerido pela natureza da definição de "animal". Os recursos usados por outros animais consistem primariamente em alimentos e mais uns quantos materiais tais como aqueles que são usados na construção dos ninhos. Mas para o Homo Sapiens, quase tudo pode "ser usado com vantagem".

Para que algo possa ser considerado um recurso, deve estar concentrado ou organizado de um modo particular, e separado ou separável da sua matriz. O minério de ferro é considerado um recurso de modo distinto da terra de jardim, embora ambos contenham ferro. De igual forma, a madeira de um tronco de carvalho é, de certo modo, um recurso distinto daquele que é a madeira dos seus ramos.

Usar um recurso significa dispersá-lo. Quando extraímos pedra calcária de uma pedreira e as utilizamos na construção de monumentos públicos, ou quando mineramos carvão e o queimamos para mover turbinas, estamos a usar um recurso concentrado, e seguidamente a dispersá-lo. Quanto à grande massa contínua de pedra calcária extraída, depois é pulverizada na forma de vários blocos discretos dispersos em redor e por diferentes locais; e quanto ao carvão, depois de uma forma breve, emitir calor e iluminar, transforma-se numa pequena quantidade de cinza e numa grande quantidade de gás. Podem ser acumulados e armazenados recursos temporariamente, mas o seu uso real resulta sempre na sua dispersão.

Os recursos são usados pelas suas propriedades materiais ou pela energia neles

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contida. A bauxita é um recurso material, enquanto o carvão é um recurso energético. Alguns recursos podem ser usados de qualquer modo; por exemplo, a madeira pode ser usada como um material de construção ou queimada num fogão de lenha, e pode ser usado petróleo no fabrico de plásticos ou na alimentação dos motores de automóveis.

A exploração de qualquer recurso requer um investimento em energia; consome-se energia na exploração de uma pedreira ou de um poço de petróleo. A exploração de recursos energéticos requer que exista um retorno do investimento aplicado; a menos que a energia que eles libertam seja consideravelmente maior do que a energia consumida para os explorar, eles não terão um valor suficiente para serem explorados.

Considera-se que nada é um recurso a menos que possa ser usado; os recursos são definidos pela tecnologia que torna possível a sua exploração. Desde sempre que a exploração de um recurso exigiu o consumo de energia, e a evolução da tecnologia significa a aplicação de energia num crescente número de substâncias de forma que elas possam ser "usadas com vantagem". Desde o curto espaço de tempo em os humanos começaram a viver nas cidades, tem sido usada cada vez mais energia na exploração de cada vez mais recursos.

A EXPLOSÃO DA POPULAÇÃO

O custo da energia limitou o desenvolvimento tecnológico até ao momento em que os combustíveis fósseis começaram a ser utilizados, ou seja, até há pouco menos de trezentos anos. Os combustíveis fósseis contêm tanta energia que, mesmo quando ineficientemente utilizados, possibilitam aos investimentos realizados, obter importantes lucros. Quando se queima carvão para mover dínamos, por exemplo, apenas 35% de sua energia é transformada em energia eléctrica no final da cadeia de transformação energética (Ross & Steinmeyer, 1990, pág., 89). Apesar desse baixo rendimento, a quantidade de energia eléctrica correspondente à energia despendida por uma pessoa num dia de trabalho, e que corresponde à queima de cerca de 1.000 calorias obtidas através da alimentação por ela ingerida, pode ser comprada por menos de dez centavos (Loftness, 1984, pág., 2). [3]

A energia abundante e barata proporcionada pelos combustíveis fósseis tornou possível para os humanos a exploração de uma variedade incrível de recursos, ampliando efectivamente os seus recursos base. Em particular, o desenvolvimento da agricultura mecanizada permitiu que relativamente poucos agricultores conseguissem trabalhar vastas áreas de terra, produzindo abundância de produtos alimentares e tornando possível um crescimento descontrolado da população.

Todas as espécies têm tendência a se expandir na medida em que os recursos, os predadores, os parasitas, e as condições físicas, permitem essa expansão. Quando uma espécie é introduzida num novo habitat com recursos abundantes, acumulados antes de sua chegada, a população expande-se rapidamente até todos os recursos serem completamente usados. Na produção de vinho, por exemplo, a população de

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células do fermento no sumo de uva fresco cresce exponencialmente até que os nutrientes sejam esgotados, ou até que, resultantes do processo, se tornem tóxicos (Figura 1).

Um exemplo que caracteriza os mamíferos é dado pela rena da Ilha St. Matthew, no Mar de Bering (o Klein, 1968). Esta ilha teve um tapete de líquenes de mais de quatro polegadas [10 cm] de espessura, numa situação em que não existiam renas, até que em 1944 foi introduzida uma manada de 29 animais. Antes de 1957 a população tinha aumentado para 1.350 animais; e antes das 1963 o seu número era de 6.000. Mas os líquenes desapareceram entretanto, e ao longo do inverno seguinte a manada morreu. Com a chegada da primavera, apenas restavam 41 fêmeas e um macho aparentemente disfuncional.

[4]O uso da energia extrasomática, e especialmente a energia dos combustíveis fósseis, tornou possível aos humanos explorarem uma riqueza de recursos que fora acumulada antes da sua evolução. Esta situação teve como resultado o crescimento da população típico das espécies introduzidas.

Por volta de 8.000 AC, a população mundial seria cerca de cinco milhões. Pela altura do tempo de Cristo, era de 200 a 300 milhões. Antes de 1650, era de 500 milhões, e antes de 1800 era mil milhões. A população mundial atingiu os dois mil milhões em 1930. No início dos anos sessenta era de três mil milhões; em 1975 era quatro mil milhões; e apenas onze anos depois já era cinco mil milhões (McEvedy & Jones, 1978,; Ehrlich & Ehrlich, 1990, pp. 52-55). Esta evolução não pode continuar indefinidamente; o colapso é inevitável. A única pergunta é quando.

O ABASTECIMENTO ENERGÉTICO

Hoje, a energia extrasomática usada pelas pessoas por todo o mundo representa o trabalho de cerca de 280 mil milhões de homens. Ou seja, é como se cada homem, cada mulher, e cada criança em todo o mundo tivessem 50 escravos. Numa sociedade tecnológica, como os Estados Unidos, cada pessoa tem mais de 200 desses tais "escravos fantasma".

[5] A maior parte desta energia provém dos combustíveis fósseis que satisfazem quase 75% das necessidades energéticas mundiais (ver nota 5). Mas os combustíveis fósseis estão a ser esgotados cem mil vezes mais rapidamente do que estão a ser formados (Davis, 1990, pág., 56). Às taxas actuais de consumo, as reservas conhecidas de petróleo terão desaparecido em cerca de 35 anos; o gás natural em 52 anos; e o carvão em uns 200 anos, PRIMED, 1990, pág., 145). [6]

Não é de supor que as reservas adicionais, a serem ainda descobertas, venham a alterar significativamente esta situação. Recentes avanços nas ciências geológicas permitiram incrementar a fiabilidade dos diagnósticos de localização de hidrocarbonetos fósseis, e a superfície da Terra tem sido analisada com grande

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detalhe utilizando a informação recolhida dos satélites em órbita. Estes números são no entanto optimistas porque a procura de energia não permanecerá às taxas actuais; espera-se que cresça a um ritmo acelerado. Quanto mais concentrado estiver um recurso, tanto menos energia se consome na sua utilização; e quanto menos concentrado estiver um recurso, tanto mais energia se consome na sua utilização. Por conseguinte, os depósitos mais ricos de qualquer recurso são os primeiros a serem usados, sendo a seguir explorados os depósitos crescentemente menos concentrados, mas a um custo cada vez mais elevado. Quando um minério de alto teor vai desaparecendo, vai sendo necessária cada vez mais energia para minerar e refinar os minérios de baixo teor. Quando vai desaparecendo a madeira antiga, será necessário cada vez mais energia para fazer madeira e papel de árvores mais pequenas. Quando os recursos piscatórios mundiais vão desaparecendo, será necessário cada vez mais energia para encontrar e pescar o peixe restante. E quando a camada superior da terra mundial é perdida — a uma taxa de 75 mil milhões de toneladas por ano (Myers, 1993, pág., 37) — será necessário cada vez mais energia para compensar a fertilidade diminuída, da terra agrícola remanescente.

O sistema que sustenta a população mundial já está sob stress. O crescimento per capita do consumo de energia, que tem estado a aumentar continuamente desde o advento dos combustíveis fósseis, começou a desacelerar há cerca de 20 anos atrás — e o aumento crescente dessa desaceleração desde então, sugere que não haverá nenhum crescimento por volta do ano 2000 (Figura 4). A agricultura está em dificuldade; utiliza-se cada vez mais fertilizante para compensar a terra arável perdida (Ehrlich & Ehrlich, 1990, pág., 92), sendo que quase um quinto da população mundial é subnutrida (Corson, 1990, pág., 68). Na realidade, a taxa de crescimento da população humana da terra já começou a decrescer (Figura 5).

As pessoas que acreditam que uma população estável pode viver em equilíbrio com a capacidade produtiva do ambiente, devem considerar que a desaceleração do crescimento de população e do consumo de energia não senão uma evidência de se estar num processo de tendência para um equilíbrio. Mas quando se compreende o processo que foi responsável pelo crescimento da população, torna-se claro que o fim do crescimento representa o início do colapso. A população humana cresceu exponencialmente esgotando os limitados recursos, tal qual como o fermento num barril ou como as renas na Ilha St. Matthew, e, sendo assim, prevê-se um destino semelhante.

FALSAS ESPERANÇAS

Para a substituição dos combustíveis fósseis, e na medida em que vão escasseando, qualquer fonte de energia alternativa deverá ter como requisitos ser barata e abundante, e que a tecnologia para a sua exploração esteja completamente desenvolvida e capaz de ser utilizada em todo o mundo, de modo que fosse possível uma mudança de fonte energética num espaço de tempo bastante curto. Nenhuma fonte de energia conhecida satisfaz estas exigências.

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A segunda fonte de energia mais importante dos dias de hoje, depois dos combustíveis fósseis, é a conversão de biomassa. No entanto a queima de toda a madeira do mundo, de todo o etanol que se possa acrescentar à gasolina, e de todos os desperdícios agrícolas utilizados como combustível, só representam 15% da energia consumida mundialmente (WRI/IIED, 1988, pág., 111). Com a agravante de que a conversão de biomassa tem pouco potencial de crescimento, uma vez que compete por terra fértil com as colheitas de produtos alimentares e com a produção de madeira.

A produção hidráulica fornece actualmente cerca de 5,5% de toda a energia consumida. [ver nota 5] O seu potencial poderá ser até cinco vezes mais (Weinberg & Williams, 1990, pág., 147), mas isso não é suficiente para substituir os combustíveis fósseis, e por outro lado as grandes barragens submergiriam terras agrícolas férteis.

A produção de energia eléctrica através da cisão (fission) nuclear tem vindo a aumentar, mas este tipo de energia ainda só representa cerca de 5,2% de toda a energia que o mundo necessita [ver nota 5] . Os reactores de cisão nuclear poderiam ter uma cota parte bastante maior, especialmente se fossem utilizados reactores reprodutores rápidos (fast-breeder) [7] No entanto qualquer um com um reactor reprodutor rápido pode fabricar armas nucleares, pelo que existe uma considerável pressão política para impedir a sua proliferação. A confiança pública em todos os tipos de reactores é baixa, e o seu custo de construção é alto. Estes constrangimentos sociais tornam improvável a contribuição da cisão nuclear para a satisfação das necessidades energéticas mundiais que aumentarão quinze vezes nos próximos anos.

A fusão termonuclear controlada é uma solução atractiva para a resolução dos problemas de energia mundiais, pois o "combustível" a usar é o deutério que pode ser extraído da água dos oceanos. A energia de um por cento do deutério nos oceanos de todo o mundo seria aproximadamente 500 mil vezes superior a toda a energia disponível nos combustíveis fósseis. Mas a fusão controlada é ainda experimental, a tecnologia para sua comercialização não tem contudo sido desenvolvida, e a primeira unidade não estará operacional antes de 2040 (Browne, 1993, pág., C12).

Os visionários apoiam o potencial do vento, das ondas, das marés, da conversão da energia térmica dos oceanos, e das fontes geotérmicas. Todos estes tipos de aproveitamento energético poderiam fornecer uma porção da energia em determinadas localidades, mas nenhum pode fornecer 75% das necessidades energéticas mundiais. Os sistemas de colectores térmicos solares só são viáveis em lugares quentes e solarengos, e os fotovoltáicos são demasiado ineficientes para suplantar a energia barata disponível dos combustíveis fósseis.

Enquanto não existir uma fonte de energia capaz de tomar o lugar dos combustíveis fósseis, a sua disponibilidade diminuída poderá ser compensada através de um

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regime de conservação de energia combinada com uma utilização de fontes de energia alternativas. Porém isto não resolverá o problema. Enquanto a população continuar a crescer, é fútil pensar na conservação da energia; com a taxa de crescimento actual (1,6% por ano), uma redução de 25% de consumo dos recursos energéticos, seria anulada em apenas dezoito anos. Por outro lado, qualquer utilização combinada de fontes de energia alternativas que permita continuar o crescimento da população só pode adiar o dia do ajuste de contas.

OS MECANISMOS DO COLAPSO

Os mecanismos operativos do colapso da população humana serão a fome, o conflito social, e a doença. Estes desastres principais foram reconhecidos muito antes de Malthus e foram representados na cultura ocidental como os cavaleiros do apocalipse [8] . Eles são a consequência da escassez de recursos e da densidade populacional.

A fome será o resultado directo da diminuição dos recursos energéticos. A densa população de hoje está dependente da agricultura mecanizada e do transporte eficiente para o aprovisionamento dos seus bens alimentares. A energia é usada desde a produção, passando pela operação dos equipamentos agrícolas, e pelo transporte dos bens alimentares, até à sua comercialização final. Na medida em que vão sendo usados recursos energéticos menos eficientes, os bens alimentares tornam-se mais dispendiosos, e o círculo de consumidores privilegiados para os quais um fornecimento adequado irá estar disponível continuará a diminuir.

O conflito social é outra consequência do custo crescente da energia. Tudo o que as pessoas querem necessita de energia para as produzir, e quando a energia ficar mais cara, menos pessoas terão acesso aos bens que desejam. Quando os bens são abundantes, mas particularmente quando aumenta a capacidade individual de acesso aos bens, as tensões sociais são contidas: As populações etnicamente diversas sentem frequentemente que isso é a base para viver em harmonia, os governos nessa altura podem até ser ineficazes, podem reduzir a capacidade de reacção, sendo necessário dispender pouco esforço para manter a tranquilidade doméstica. Mas quando os bens se tornam escassos, e especialmente quando o acesso individual aos bens diminui continuamente, as tensões étnicas aparecem, os governos tornam-se autoritários, e os bens são adquiridos, cada vez mais, por meios criminosos.

Uma escassez de recursos também incapacita os sistemas de saúde pública, pois a concentração da população leva a uma proliferação de doenças contagiosas. O desenvolvimento de grandes densidades populacionais ao longo de história humana levou ao surgimento de doenças contagiosas que evoluíram para as dizimar. A varíola e o sarampo eram aparentemente desconhecidos até ao segundo e terceiros séculos DC, quando estas doenças devastaram a população da bacia mediterrânea (McNeill, 1976, pág., 105). No século XIV, uma grande concentração populacional na Europa e na China proporcionou um nicho hospitaleiro para a Peste Negra. Hoje,

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com uma população extremamente densa e com todas as partes do mundo ligadas através das viagens aéreas, novas doenças como SIDA difundiram-se rapidamente, e um vírus tão mortal quanto este, mas ainda mais facilmente transmissível, poderia aparecer a qualquer momento.

A fome, os conflitos sociais e a doença interagem de formas complexas. Se a escassez fosse o único mecanismo do colapso, as espécies poderiam ser extintas de modo bastante súbito. Uma população que cresce em resultado de recursos abundantes mas finitos, como é o caso da rena da Ilha de St. Matthew, tende a esgotar esses recursos completamente. Até que os indivíduos descubram que os recursos restantes não serão adequados para a próxima geração, a próxima geração já nasceu. E, na sua luta pela sobrevivência, a última geração consumirá até a última porção, de forma que nada restará que possa sustentar nem mesmo uma pequena população. Mas a escassez raramente actua só. Ela é exacerbada pelos conflitos sociais que interferem com a produção e distribuição dos bens alimentares, e que por sua vez debilitam as defesas naturais através das quais os organismos lutam para fugir à doença.

Paradoxalmente, a doença pode agir para poupar recursos. Por exemplo, se uma nova epidemia reduzir a população humana a um pequeno número de pessoas que foram resistentes a essa doença, antes de todos os recursos mundiais serem severamente esgotados, então as espécies podem ser capazes de sobreviver mais algum tempo.

APÓS A QUEDA

Mas mesmo que umas poucas pessoas consigam sobreviver ao colapso da população mundial, a civilização não conseguirá. A complexa associação das características culturais, das quais os humanos modernos são tão orgulhosos, é uma consequência da abundância de recursos, e não pode sobreviver muito tempo ao seu esgotamento.

Como civilização entende-se, numa deriva da sua definição, o hábito de viver em aglomerados densos, que surgem na medida do crescimento da população e em resposta à existência de recursos abundantes. Muitas coisas parecem fluir normalmente quando as pessoas vivem nas cidades, ou noutro qualquer lugar que se considere civilizado, o que significa a existência de um sistema político consolidado, de uma especialização económica, de uma estratificação social, de algum tipo de arquitectura monumental, e um florescimento de esforços artísticos e intelectuais (Childe, 1951).

Casos localizados de tal elaboração cultural sempre estiveram associados ao rápido crescimento populacional. As razões para a abundância de recursos que proporcionaram este crescimento variam de caso para caso. Em alguns exemplos, sucedeu que uma população se deslocou para uma nova região ainda com recursos por explorar; noutros casos deu-se o desenvolvimento ou a adopção de novas culturas agrícolas, de novas tecnologias, ou de novas estratégias sociais destinadas

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ao aumento da produção. Mas os sumérios, os gregos, os romanos, o maias, e até mesmo os habitantes da Ilha da Páscoa, todos eles experimentaram uma onda de actividade criativa à medida em que as suas populações cresciam rapidamente.

E em todos os casos esta fase criativa, alimentada pela mesma abundância que promoveu o crescimento da população, acabou por terminar quando o crescimento cessou. Não há necessidade de procurar razões esotéricas para o declínio da Grécia ou a queda de Roma; em ambos os casos, o crescimento de população esgotou os recursos que haviam proporcionado tudo isto. Depois da Idade de Ouro a população da Grécia recuou continuamente durante mais de mil anos, de 3 milhões para aproximadamente 800 mil pessoas. A população do Império Romano caiu de 45 ou 46 milhões, no seu apogeu, para cerca de 39 milhões por volta do ano 600 DC, e a da parte europeia do império foi reduzida em 25% (McEvedy & Jones, 1978).

Mesmo se a população mundial pudesse ser mantida constante, em equilíbrio com os recursos "renováveis", o impulso criativo, que foi responsável pelas realizações humanas durante o período de crescimento, chegaria a um fim. E do rápido colapso, que é o mais provável que aconteça, restará no melhor dos casos um punhado de sobreviventes. Estas pessoas poderiam sobreviver, durante algum tempo, sustentando-se dos destroços de civilização, mas logo se aperceberiam de que teriam de mudar para um tipo de vida mais simples, tal como no passado aconteceu aos caçadores e agricultores das comunidades de subsistência. Eles não teriam recursos para construir grandes obras públicas ou avançar a investigação científica. Eles não poderiam deixar alguns indivíduos permanecerem improdutivos, a escrever romances ou compor sinfonias. Depois de algumas gerações eles poderiam mesmo vir a acreditar que os escombros entre os quais viviam seriam os restos de cidades construídas por deuses.

Ou pode-se demonstrar impossível, mesmo para uns poucos sobreviventes, subsistirem com os escassos recursos deixados na esteira de civilização. As crianças das sociedades altamente tecnológicas, nas quais cada vez mais por esse mundo afora as pessoas se inserem, não saberiam como subsistir por si mesmas através da caça e da agricultura de subsistência. Além disso, a riqueza representada pelos animais selvagens, que já foram o suporte das sociedades de caçadores, teriam desaparecido, e a camada superior da terra (topsoil) destruída pelos tractores teria um fraco rendimento com a utilização da enxada. As espécies que se tornaram dependentes de tecnologias complexas para mediar sua relação com o ambiente podem não sobreviver muito tempo à perda dessa tecnologia.

NA ESCURIDÃO

Para Malthus, o desequilíbrio entre o crescimento da população e os meios de subsistência poderia ser corrigido de vez em quando através de desastres naturais, mas a espécie humana poderia, em princípio, sobreviver indefinidamente. Malthus não sabia que o universo era governado pela Segunda Lei da Termodinâmica; não entendia a dinâmica populacional de espécies introduzidas; e não percebeu que os

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humanos, tendo evoluído para além dos recursos base aos quais agora recorrem, são efectivamente uma espécie introduzida no seu próprio planeta.

A curta estadia da espécie humana na Terra marca um momento decisivo na história da vida deste planeta. Antes do aparecimento do Homo Sapiens, ocorria a retenção da energia mais rapidamente do que a sua dissipação. Então deu-se a evolução dos seres humanos e, com a sua capacidade para dissipar muito da energia que fora armazenada, reestabeleceram parcialmente o equilíbrio energético do planeta. A evolução de espécies como o Homo Sapiens será provavelmente uma parte integrante do processo da vida, que pode acontecer em qualquer lugar no universo. Com o desenvolvimento da vida, os organismos autotróficos expandem-se criando assim um lugar para os organismos heterotróficos. Se a energia orgânica for armazenada em quantidades significativas, ligada a processos geológicos que levem a isso, então o aparecimento de uma espécie que possa libertar essa energia, será um elemento perturbador. Tal espécie, evoluiu ao serviço da entropia, e rapidamente recolocará o seu planeta num baixo nível energético. Num instante da evolução, a espécie explode e desaparece.

Se a passagem do Homo Sapiens pela fase de evolução alterar significativamente a atmosfera da Terra, então pode-se dar virtualmente a extinção rápida de todos os seres. Mas mesmo que isto não aconteça, a ascensão e a queda do Homo Sapiens eliminará muitas das espécies. Foi estimado que estão a ser extintas a uma taxa de 17.500 espécies por ano (Wilson, 1988, pág., 13), e nos próximos vinte e cinco anos podem ser extintas um quarto das espécies existentes em todo o mundo (Raven, 1988, pág., 121).

Trata-se de uma redução radical da diversidade biológica, embora a vida tenha sobrevivido a outros cataclismos, como o grande colapso no final do Permiano (último período da era Paleozóica). Porém, é improvável que qualquer coisa que se pareça bastante com o ser humano possa aparecer de novo. Os recursos que fizeram dos humanos aquilo que são actualmente, desaparecerão, e provavelmente não haverá tempo para que o sol possa repor novos depósitos de combustíveis fósseis de forma a ser possível o surgimento de novos seres inteligentes e carnívoros para evoluir. O universo parece ter tido um começo sem igual, uns dez ou vinte mil milhões de anos atrás (Hawking, 1988, pág., 108). Desde aquele tempo que uma estrela teve que viver e morrer para fornecer os materiais para o sistema solar -- o qual tem vários milhares de milhões de anos. Talvez a vida não pudesse ter acontecido mais cedo. Talvez o Homo Sapiens não pudesse evoluir mais cedo. Ou mais tarde. Talvez tudo tenha o seu próprio tempo, uma janela de oportunidade que se abre durante algum tempo, e que depois se fecha.