endometriose: papel da superfamília do fator transformador de

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REVISÃO Resumo A endometriose é uma condição ginecológica, que atinge mulheres em idade reprodutiva e pode ser causa de dor e infertilidade. A patogênese da doença é multifatorial e envolve a perda da capacidade de diferenciação das células endometrióticas, moléculas de adesão celular para adesão do endométrio ao peritônio, neoangiogênese, características do fluido peritoneal e alterações do sistema imune. A superfamília do fator transformador de crescimento β (TGF-β) parece exercer papéis importantes na implantação e manutenção do tecido ectópico na endometriose. Ativinas, inibinas, folistatina, hormônio anti-mülleriano e as proteínas morfogenéticas ósseas são membros da superfamília do TGF-β. Estas moléculas são expressas no endométrio humano e apresentam ações importantes na proliferação celular, diferenciação celular, função imune, regulação da apoptose e remodelamento dos tecidos, apresentando, por conseguinte, um importante papel no ciclo menstrual, decidualização do endométrio e no início da gestação. Este artigo objetiva rever os achados sobre tais proteínas no endométrio e seus possíveis papéis na gênese e fisiopatologia da endometriose. Abstract Endometriosis is a gynecological pathological entity typical of women in reproductive age, associated with pelvic pain and infertility. The pathogenesis of the disease is multifactorial and it involves loss of the endometriotic cell differentiation, cell adhesion, neo-angiogenesis, peritoneal fluid characteristics, and changes in the immune system. The transforming growth factor β (TGF-β) superfamily seems to play important roles in the implementation and maintenance of ectopic tissue in endometriosis. Activin, inhibin, follistatin, anti-Mullerian hormone, and bone morphogenetic proteins are members of the superfamily of TGF-β. The TGF-β and family members are expressed by human endometrium and act on cell proliferation, differentiation, immune function, apoptosis and tissue remodeling, playing a role in menstrual cycle, decidualization, and early pregnancy. The aim of this study is to review the findings about these molecules in the endometrium and their possible roles in the genesis and pathophysiology of endometriosis. Ana Luiza Lunardi Rocha 1 Márcia Cristina França Ferreira 2 Palavras-chave Endometriose Fator transformador de crescimento Endométrio Keywords Endometriosis Transforming growth factor Endometrium 1 Professora Convidada do Departamento de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Laboratório de Reprodução Humana Professor Aroldo Fernando Camargos, Hospital das Clínicas da UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil. 2 Professora Adjunta do Departamento de Ginecologia da Faculdade de Medicina da UFMG; Laboratório de Reprodução Humana Professor Aroldo Fernando Camargos, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte (MG), Brasil. Endereço para correspondência: Laboratório de Reprodução Humana Professor Aroldo Fernando Camargos – Avenida Professor Alferdo Balena, 110 – 9º andar – Santa Efigênia – Belo Horizonte (MG), Brasil – E-mail: [email protected] Endometriose: papel da superfamília do fator transformador de crescimento β Endometriosis: the role of transforming growth factor β superfamily

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Page 1: Endometriose: papel da superfamília do fator transformador de

revisão

Resumo A endometriose é uma condição ginecológica, que atinge mulheres em

idade reprodutiva e pode ser causa de dor e infertilidade. A patogênese da doença é multifatorial e envolve a

perda da capacidade de diferenciação das células endometrióticas, moléculas de adesão celular para adesão do

endométrio ao peritônio, neoangiogênese, características do fluido peritoneal e alterações do sistema imune. A

superfamília do fator transformador de crescimento β (TGF-β) parece exercer papéis importantes na implantação

e manutenção do tecido ectópico na endometriose. Ativinas, inibinas, folistatina, hormônio anti-mülleriano e

as proteínas morfogenéticas ósseas são membros da superfamília do TGF-β. Estas moléculas são expressas no

endométrio humano e apresentam ações importantes na proliferação celular, diferenciação celular, função imune,

regulação da apoptose e remodelamento dos tecidos, apresentando, por conseguinte, um importante papel

no ciclo menstrual, decidualização do endométrio e no início da gestação. Este artigo objetiva rever os achados

sobre tais proteínas no endométrio e seus possíveis papéis na gênese e fisiopatologia da endometriose.

Abstract Endometriosis is a gynecological pathological entity typical of women

in reproductive age, associated with pelvic pain and infertility. The pathogenesis of the disease is multifactorial

and it involves loss of the endometriotic cell differentiation, cell adhesion, neo-angiogenesis, peritoneal fluid

characteristics, and changes in the immune system. The transforming growth factor β (TGF-β) superfamily seems

to play important roles in the implementation and maintenance of ectopic tissue in endometriosis. Activin, inhibin,

follistatin, anti-Mullerian hormone, and bone morphogenetic proteins are members of the superfamily of TGF-β.

The TGF-β and family members are expressed by human endometrium and act on cell proliferation, differentiation,

immune function, apoptosis and tissue remodeling, playing a role in menstrual cycle, decidualization, and early

pregnancy. The aim of this study is to review the findings about these molecules in the endometrium and their

possible roles in the genesis and pathophysiology of endometriosis.

Ana Luiza Lunardi Rocha1

Márcia Cristina França Ferreira2

Palavras-chaveEndometriose

Fator transformador de crescimentoEndométrio

KeywordsEndometriosis

Transforming growth factorEndometrium

1 Professora Convidada do Departamento de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Laboratório de Reprodução Humana Professor Aroldo Fernando Camargos, Hospital das Clínicas da UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil.

2 Professora Adjunta do Departamento de Ginecologia da Faculdade de Medicina da UFMG; Laboratório de Reprodução Humana Professor Aroldo Fernando Camargos, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte (MG), Brasil.

Endereço para correspondência: Laboratório de Reprodução Humana Professor Aroldo Fernando Camargos – Avenida Professor Alferdo Balena, 110 – 9º andar – Santa Efigênia – Belo Horizonte (MG), Brasil – E-mail: [email protected]

Endometriose: papel da superfamília do fator transformador de crescimento β

Endometriosis: the role of transforming growth factor β superfamily

Page 2: Endometriose: papel da superfamília do fator transformador de

Rocha ALL, Ferreira MCF

FEMINA | Julho 2011 | vol 39 | nº 7352

Introdução

A endometriose é uma condição ginecológica que atinge mulheres

em idade reprodutiva e pode causar dor e infertilidade1. É definida

como a presença de glândulas e/ou estroma endometrial, viáveis fora

da cavidade uterina. A doença acomete principalmente o peritônio da

pelve, mas pode ocorrer também nos ovários, no septo reto-vaginal

e em outros locais1. Estima-se que 6 a 10% das mulheres em idade

reprodutiva tenham endometriose. Entre as mulheres com inferti-

lidade, a prevalência de endometriose pode atingir até 40%1.

A manifestação clínica da mais comum doença é a presença

de dismenorreia e dispareunia de caráter progressivo1. Não existe

clara correlação entre a intensidade dos sintomas e o grau de

acometimento pélvico e/ou o estadiamento da doença, conforme

a classificação da Associação Americana de Medicina Reprodutiva

(ASRM)2. A infertilidade também é uma manifestação comum

da doença e parece estar relacionada com o comprometimento

da anatomia pélvica (pela presença de aderências e alterações

estruturais da pelve), com a disfunção tubária, menor qualidade

oocitária e menor receptividade endometrial, observadas em

algumas pacientes com endometriose2.

A gênese das lesões endometrióticas e a fisiopatologia da

doença ainda são fonte de grande controvérsia na literatura.

Várias teorias foram propostas no passado, mas, atualmente,

acredita-se que a doença seja multifatorial, envolva um fluxo

menstrual retrógrado, associado à perda de diferenciação das

células endometrióticas, alteração na expressão de moléculas

de adesão celular para adesão do endométrio ao peritônio,

aumento da capacidade de invasão do peritônio, capacidade de

neoangiogênese, características alteradas do fluido peritoneal

e alterações do sistema imune1-3. Vários estudos têm sugerido

tais alterações, além de diferenças moleculares no endométrio

eutópico de mulheres com endometriose. Desta forma, um

grande número de moléculas tem implicado no surgimento das

lesões endometrióticas, embora não se possa estabelecer ainda

um papel definitivo para cada uma delas na doença.

O diagnóstico definitivo da doença permanece ainda invasivo,

necessitando que a paciente seja submetida à videolaparoscopia4,5. A

necessidade de métodos diagnósticos invasivos permanece como um

fator de limitação para o diagnóstico correto e oportuno da endo-

metriose. Marcadores bioquímicos precisos e confiáveis trariam um

grande avanço nessa área5. O CA125 é o marcador sorológico mais

comumente utilizado para o diagnóstico de endometriose, apesar

de não apresentar ótimas sensibilidade e especificidade6. O uso de

marcadores sorológicos efetivos no diagnóstico da endometriose

beneficiaria não só as pacientes como também seus médicos, uma

vez que auxiliaria no diagnóstico não invasivo da doença.

A superfamília do fator transformador de crescimento β (TGF-β)

constitui um grande grupo de proteínas, com mais de 30 membros

descritos em vertebrados e cerca de 12 moléculas descritas em inver-

tebrados. O primeiro membro, TGF-β1, foi descoberto há mais de

20 anos. Desde então, novas moléculas têm sido descritas, envolvidas

no controle de várias funções celulares. Mutações nos ligantes desta

superfamília são responsáveis por um número de doenças humanas, e

disfunções na sinalização do TGF-β também se relacionam à progressão

de cânceres, atividade antiproliferativa ou promotora de tumores.

No aparelho genital feminino, estas moléculas parecem exercer

papéis importantes na remodelação cíclica do endométrio, na

implantação do embrião e na manutenção do tecido ectópico

na endometriose. Ativinas, inibinas, folistatina, hormônio anti-

mülleriano e as Bone Morphogenetic Proteins (BMP) são membros

da superfamília do TGF-β7. Tais moléculas são expressas no

endométrio humano e apresentam ações importantes na proli-

feração celular, diferenciação celular, função imune, regulação

da apoptose e remodelamento dos tecidos, apresentando, por

conseguinte, um importante papel no ciclo menstrual, na de-

cidualização do endométrio e no início da gestação8.

Esta revisão tem como objetivo analisar o papel da família

TGF-β na fisiopatologia e no diagnóstico da endometriose.

Metodologia

A pesquisa bibliográfica foi feita tendo como estratégia

principal a pesquisa de trabalhos que contemplassem a família

dos TGF-βs e a endometriose, nos últimos dez anos. A pesquisa

iniciou-se pelo acesso ao site do Pubmed e às bases de dados:

LiLACS, SciELO, MEDLiNE e Biblioteca Cochrane.

A estratégia de busca utilizou as palavras-chave “endome-

triose”, “TGF-β”, “ativina” e “folistatina”, com diferentes com-

binações, e seus correspondentes em inglês quando da consulta

à MEDLiNE e Biblioteca Cochrane.

inicialmente, utilizou-se a classificação proposta pela Associação

Médica Brasileira (AMB) para classificação dos trabalhos, que está

disponível no site http://www.amb.org.br, e foram selecionados

os mais relevantes (ensaios clínicos e revisões sistemáticas) e mais

recentes (últimos dez anos), quando existentes.

O grau de recomendação e a força de evidência científica são,

assim, definidos: A – estudos experimentais ou observacionais de

melhor consistência (metanálises ou ensaios clínicos randomi-

zados); B – estudos experimentais ou observacionais de menor

consistência (outros ensaios não randomizados, estudo observa-

cional, caso-controle); C – relatos ou séries de casos (estudos não

controlados); D – opinião desprovida de avaliação crítica, baseada

em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

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Endometriose: papel da superfamília do fator transformador de crescimento β

FEMINA | Julho 2011 | vol 39 | nº 7 353

Mecanismo de sinalização da família tgf-B

Os efeitos biológicos dos membros da família do TGF-β são

mediados por receptores específicos (TβR), codificados por dife-

rentes genes – TβRi e TβRii8 (B). As células-alvo dos membros

da família do TGF-β precisam expressar ambos os receptores do

TGF-β para responder aos sinais dessa família9 (B). Os ligantes se

ligam a esses receptores transmembrana, de maneira sequencial,

desencadeando uma cascata de fosforilação proteica intracelular.

Primeiro, o TGF-β se liga ao receptor tipo ii (TβRii) e essa

ligação faz o recrutamento e a ativação do TGF-β Receptor Type i

(TβRi)10 (B). A ativação do TβRi inicia a fosforilação de uma

molécula de transdução da família Smad (Smad 2 ou Smad 3), que

interage com a Smad 4. Este complexo se desloca para o núcleo

celular de forma a promover a expressão gênica. O complexo ativado

de Smads promove a transcrição gênica, ligando-se diretamente

no DNA ou requerendo um cofator para essa ligação como, por

exemplo, o FAST (Forkhead Activin Signalling Transducer)10 (B).

tipos e localização dos tgf-Bs no endométrio

Existem três isoformas de TGF-β, TGF-β1, TGF-β2 e

TGF-β3, que são expressas no endométrio humano, assim

como seus receptores específicos9 (B). Os TGF-βs são expressos

no endométrio com variações durante o ciclo endometrial e são

secretados pelas células endometriais e pelos macrófagos. A

secreção dos membros da família do TGF-β pode ocorrer para

dentro da cavidade uterina, influenciando no ambiente propício

para implantação embrionária8 (B), ou para dentro da cavidade

peritoneal, podendo contribuir com a implantação das células

endometrióticas e a formação dos implantes ectópicos da endo-

metriose9 (B). As três isoformas são expressas diferentemente no

endométrio humano; TGF-β1 e TGF-β3 são expressos tanto nas

células epiteliais como nas estromais9 (B); e os TGF-β2 estão

mais presentes nas células estromais do endométrio9 (B).

As moléculas responsáveis pela sinalização intracelular dos membros

da família do TGF-β, como Smad 3, Smad 4 e Smad 7, também são

expressas no endométrio humano11 (B), o que reforça a ideia de que os

TGF-β realmente apresentam ações importantes no ciclo endometrial,

tais como o remodelamento e a proliferação celular.

Membros da família tfg-B e suas possíveis ações na endometriose

Ativina e inibina

As ativinas e inibinas apresentam ação central na regulação

do hormônio folículo estimulante (FSH), são glicoproteínas

diméricas resultantes de combinações diferentes das subuni-

dades α e β. Há dois tipos de subunidades β (βA e βB) e uma

subunidade α. As inibinas A e B são formadas pela junção entre

a cadeia α e a β correspondente (inibina A – α+βA; inibina

B – α+βB). As ativinas A, AB e B são formadas por diferentes

combinações de duas cadeias β, respectivamente, βA+βA,

βA+βB e βB+β10 (B).

Ativinas e inibinas foram identificadas originalmente como

fatores que agiam de forma antagônica, na hipófise, na regulação

endócrina da produção do FSH. Estudos mais recentes descreve-

ram a expressão das ativinas e inibinas em vários tipos celulares,

indicando diferentes funções dessas proteínas, principalmente

como moduladoras parácrinas da função reprodutiva, incluindo

a função ovariana e a tumorogênese gonadal.

A ativina A (βA+βA) é produzida no endométrio10,12 (B) e,

sob a modulação da progesterona e iL-1 (33), apresenta maior

expressão de mRNA na fase secretora do ciclo menstrual12 (B),

participando, possivelmente, do processo de decidualização

endometrial13 (B).

A ativina B (βB+βB) também é expressa pelo endométrio12 (B),

está relacionada com o grau de decidualização endometrial e sua

expressão está diminuída na gravidez tubária ectópica14 (B).

De forma idêntica ao que ocorre com o TGF-β, para o fun-

cionamento da sinalização das ativinas é necessário a presença

dos dois tipos de receptores transmembrana, que agem em

sequência, para transmitir os sinais das ativinas para dentro das

células, por meio das Smads.

Nodal e cripto são moduladores dos receptores da ativi-

na. Nodal é um membro da família do TGF-β que requer a

presença de um correceptor, o cripto, para se ligar ao receptor

da ativina9,12 (B). O nodal regula os processos de formação e

diferenciação que ocorrem no desenvolvimento embrionário

inicial15 (B), e a atividade de sua cascata de ação está aumentada

em vários cânceres humanos15 (B). O cripto é uma glicoproteína

de membrana celular que funciona como correceptor da ativina,

formando um complexo com os receptores, antagonizando os

efeitos da ativina9,12,16 (B). O cripto está envolvido em vários

aspectos da progressão de tumores, incluindo a proliferação,

migração, invasão e angiogênese9,12 (B).

A ativina A é produzida pelo endométrio de mu-

lheres saudáveis10,12,16,17 (B) e pelo de mulheres com

endometriose10,12,16,17 (B). Além disso, a ativina A é produzida

pelas células endometrióticas16,17 (B). No endométrio, a ativina

A parece estar envolvida com a decidualização e o início da ges-

tação8 (B). Sua expressão é variável durante o ciclo menstrual,

sendo maior na fase secretora em mulheres sem endometriose12.

Alguns autores consideram a maior expressão de ativina A, na

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Rocha ALL, Ferreira MCF

FEMINA | Julho 2011 | vol 39 | nº 7354

fase secretora do ciclo menstrual, como um sinal de receptividade

endometrial ao embrião, promovendo a invasão trofoblástica

durante a implantação embrionária9,12,16,17. Além disso, a ativina

A pode estar envolvida com a patogênese da endometriose, uma

vez que essa glicoproteína está relacionada com a neoangiogêne-

se18 (B), o aumento da atividade das MMPs19 (B) e a infiltração de

macrófagos na membrana basal nos estados inflamatórios19 (B).

Um estudo recente demonstrou que a ativina A promoveu um

aumento significativo das taxas de invasão peritoneal por células

endometriais epiteliais e estromais in vitro, podendo influenciar

na gênese da lesão endometriótica10 (B).

Nodal e cripto são expressos no endométrio humano, e a ex-

pressão do cripto em células endometriais estromais e epiteliais é

mais alta durante a fase proliferativa do ciclo menstrual16 (B).

A maioria das ações biológicas das inibinas ocorre pelo

antagonismo das ativinas e de outras proteínas da família do

TGF-β9,10,12. As inibinas antagonizam as ações das ativinas, por

meio de uma ligação competitiva com os receptores tipo ii da

ativina, nodal e cripto9,10,12,16. A inibina α foi primeiramente

descrita nas células glandulares e no lúmen das células epiteliais

do endométrio humano. A inibina α apresenta maior expressão

na fase secretora do ciclo menstrual12 (B). Além disso, esta inibina

tem sua expressão regulada pela progesterona, uma vez que é

ainda mais expressa nas células estromais decidualizadas, durante

a fase secretora, e também após a administração de progestíni-

cos exógenos. A inibina α parece exercer papel importante na

implantação do embrião humano20 (B).

folistatina

A folistatina é um polipeptídeo monomérico rico em ciste-

ína, que atua como proteína ligante da ativina. A folistatina se

liga à ativina com alta afinidade, impedindo sua interação com

os ActRii, agindo assim, como um regulador da bioatividade

da ativina12,21,22 (B). A folistatina também se liga e modula as

ações de vários outros membros da família do TGF-β, como as

miostatinas e algumas BMPs9,12,21,22 (B). Apresenta ação endócrina

de inibição da síntese e secreção do FSH e da resposta do FSH

ao hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH).

Há três isoformas de folistatina: FS-315 e FS-288, geradas

por diferenças no processamento pós-transcricional, e FS-303,

por clivagem proteolítica a partir da FS-315. A principal forma

circulante é a FS-315, que, por ser a forma longa, não se liga

aos proteoglicanos de membrana. A isoforma FS-288 se liga aos

proteoglicanos de membrana e parece ter um papel importante

na regulação das ações da ativina, por internalização e degradação

do complexo folistatina-ativina. A folistatina apresenta maior

afinidade pela ativina A10,12,22 (B).

A expressão de folistatina (mRNA e proteína) está aumentada

em implantes endometrióticos do ovário em comparação com

o endométrio normal21 (B). Em pacientes com endometrioma,

a concentração da folistatina é maior no conteúdo cístico do

que no líquido peritoneal e no plasma, o que sugere a secreção

local de folistatina pelas células endometrióticas23 (B). O papel

da folistatina na patogênese da endometriose ainda é incerto. A

folistatina tem ação antagônica à ativina A, inibindo a decidu-

alização das células estromais in vitro13 e diminuindo a capaci-

dade de invasão de tecidos adjacentes por células endometriais

cultivadas in vitro10. Assim, a folistatina poderia estar envolvida

na patogênese da endometriose por participar da diferenciação

endometrial, invasão peritoneal, modulação do sistema imune

e angiogênese. Como a maioria das ações da folistatina resulta

de sua ação bloqueadora da ativina, é importante caracterizar,

nos mesmos tecidos e células, a expressão dos receptores e cor-

receptores de ativina, como o ActRii, nodal e cripto.

Recentemente, observou-se que a folistatina, quando compa-

rada ao CA125, apresenta maior sensibilidade e especificidade na

detecção do endometrioma23. A folistatina parece ser um ótimo

marcador para o diagnóstico de endometriose ovariana, uma vez

que o hormônio pode ser medido no soro facilmente, não requer

métodos radioativos ou procedimentos complicados para sua

medida, há kits ELiSA disponíveis comercialmente e os resulta-

dos são reprodutíveis. A concentração sérica de folistatina parece

não se alterar durante o ciclo menstrual, durante o dia ou após a

menopausa21-23 (B), o que facilita sobremaneira sua utilização como

marcador sérico do acometimento ovariano pela endometriose

A folistatina induz a angiogênese e sua expressão é maior

durante a migração e proliferação das células endoteliais21 (B).

A folistatina é abundantemente presente no endométrio e

em implantes endometrióticos ovarianos, regula processos ce-

lulares importantes para a fisiopatologia da doença e apresenta

concentrações elevadas em portadoras de endometrioma.

As evidências de que os tecidos endometrióticos expressam ati-

vina A12,17, receptor ActRii, nodal, cripto16 e folistatina21, e de que a

ativina A aumenta a capacidade de invasão das células endometriais

in vitro, sugerem que estas moléculas participem do desenvolvimento

e manutenção dos implantes na endometriose10.

Expressão da ativina a e proteínas relacionadas à ativina a no endométrio eutópico e ectópico na endometriose

O endométrio eutópico de pacientes com endometriose

apresenta diferenças importantes na expressão de alguns mem-

bros da família dos TGF-β, durante o ciclo menstrual, quando

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Endometriose: papel da superfamília do fator transformador de crescimento β

FEMINA | Julho 2011 | vol 39 | nº 7 355

comparado com o de mulheres saudáveis. A expressão da ativina

A é variável durante o ciclo menstrual, sendo maior na fase

secretora em mulheres saudáveis12. A expressão da inibina α

também é maior na fase secretora do ciclo menstrual12, e a ex-

pressão do cripto é maior na fase proliferativa12,16. No entanto, a

expressão destas moléculas não foi diferente durante as fases do

ciclo menstrual em pacientes com endometriose12 (B). Estudos

anteriores demonstraram que a expressão de folistatina não sofria

variação durante o ciclo menstrual no endométrio de mulheres

saudáveis21. No endométrio eutópico de pacientes com endome-

triose, a expressão de folistatina foi maior na fase secretora12. Este

estudo também demonstrou que o implante ectópico apresenta

comportamento semelhante ao endométrio eutópico de mulheres

com endometriose, no que tange à expressão de moléculas da

família do TGF-β e suas variações cíclicas12.

A maior expressão da ativina A, durante a fase secretora do

ciclo menstrual em pacientes saudáveis, parece se relacionar

com um endométrio receptivo ao embrião13,24 (B), promovendo

a invasão trofoblástica adequada no período da implantação.

Sendo assim, qualquer modificação na expressão adequada des-

ta molécula durante a fase secretora poderia contribuir para a

infertilidade nas pacientes com endometriose. Por outro lado,

a ativina A estimula a neovascularização18 (B), aumenta a ativi-

dade das metaloproteinases19 (B) e está envolvida na infiltração

de macrófagos na membrana basal durante a inflamação. Esses

fatores podem explicar possíveis papéis da ativina A na pato-

gênese da endometriose.

O endométrio das pacientes com endometriose não apresenta

maior expressão do cripto durante a fase proliferativa12, perdendo

o pico exibido neste período em pacientes saudáveis e contri-

buindo para o descontrole na proliferação celular12 (B).

A expressão da inibina α também se mostrou diferente no

endométrio de pacientes com endometriose, não exibindo o

aumento característico na fase secretora do ciclo menstrual em

pacientes saudáveis12 (B). Esta diferença poderia contribuir para a

disfunção endometrial das pacientes com endometriose12 (B).

Ainda, as pacientes com endometriose apresentam maior

expressão de folistatina durante a fase secretora do ciclo mens-

trual12, o que não é demonstrado em pacientes sem a doença21.

A folistatina aumentada durante a fase secretora poderia reduzir

os efeitos da ativina na fisiologia endometrial, diminuindo ainda

mais a receptividade endometrial ao embrião12. Além disso, a

folistatina pode promover a proliferação e a migração das células

endoteliais, estimulando a angiogênese e facilitando a invasão

e migração das células endometrióticas.

A infertilidade das mulheres com endometrioses é multi-

fatorial e pode estar associada à distorção da anatomia pélvica,

a anormalidades endócrinas e ovulatórias, a alterações hormo-

nais e imunológicas no endométrio1,2,25. É indiscutível que o

endométrio tópico de pacientes com endometriose apresenta

expressão aberrante de diversas moléculas importantes na fi-

siologia endometrial. Tais alterações moleculares podem estar

intimamente relacionadas à infertilidade observada em associação

com a endometriose, refletindo-se na receptividade endometrial

à implantação do blastocisto2,12 (B)

Membros da família tgf-B como marcadores séricos da endometriose

A dosagem da ativina A no fluido peritoneal não demonstrou

alterações significativas nas pacientes com endometriose21,23 (B).

A dosagem sérica de folistatina foi maior em pacientes com

endometrioma e, quando comparada ao CA125, apresentou

maior sensibilidade e especificidade na detecção da endometriose

ovariana23 (B). Nas pacientes com endometriose, a dosagem dos

TGF-β1 no líquido peritoneal é aumentada21,23 (B). Existem

ainda poucos estudos, com resultados controversos sobre o uso

de alguns membros da família do TGF-β como marcadores

séricos da endometriose. Novos estudos são necessários para

avaliar o uso de alguns membros desta família como marcadores

séricos da endometriose, auxiliando no seu diagnóstico precoce

e proporcionando melhor manejo das pacientes.

Conclusões

As moléculas da família do TGF-β parecem exercer vários

papéis na função endometrial, sendo importantes na fase da

implantação endometrial, invasão trofoblástica, proliferação

celular, inflamação e apoptose. Os membros da família do TGF-β

são expressos de maneira diferente durante o ciclo menstrual,

participando do processo de menstruação e do reparo tecidual.

Vários estudos demonstraram diferenças na expressão e secreção

de alguns membros da família do TGF-β em pacientes com

endometriose, sugerindo, pelo menos em parte, que a regula-

ção de mecanismos parácrinos, responsáveis pela proliferação,

invasão, apoptose, angiogênese e reação inflamatória às células

endometrióticas, estaria alterada nestas pacientes, favorecendo

o desenvolvimento da doença.

A expressão e a secreção alteradas de moléculas como a ativi-

na e a inibina α podem estar relacionadas com um endométrio

menos receptivo ao embrião e com invasão trofoblástica desfa-

vorável, contribuindo para a infertilidade das pacientes com a

endometriose. Essas características fazem destas moléculas fatores

possivelmente envolvidos na etiopatogênese da endometriose.

Page 6: Endometriose: papel da superfamília do fator transformador de

Rocha ALL, Ferreira MCF

FEMINA | Julho 2011 | vol 39 | nº 7356

Além disso, alguns estudos demonstraram que as moléculas

ativina e folistatina podem ser candidatas a marcadores séricos

da endometriose. O estudo destas moléculas vem contribuindo

para o esclarecimento da fisiopatologia de tal doença intrigante

e talvez possa contribuir também para a promoção dos meca-

nismos de diagnóstico mais precoce, favorecendo pacientes que

sofrem de dor, infertilidade e importante comprometimento da

qualidade de vida. Novos estudos devem ser encorajados para

melhor avaliação dos membros da família do TGF na fisiopato-

logia da endometriose.

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