empresÁrio industrial e a revoluÇao brasileiraprocesso industrial eda extensão à agricultura de...

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o EMPRESÁRIO INDUSTRIAL E A REVOLUÇAO BRASILEIRA LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA "A preocupação de trabalho, que domina (9& indus- triais), não nos torna egoístas; ao contrário, aumen- ta nossa capacidade de compreensão dos problemas nacionais, alonga as antenas da nossa sensibilidade, para tudo quanto diz respeito a política geral do País e à posição que vamos conquistando no con- cêrto das nações." ROBERTO SIMONSEN, 1943 "Ernprâsa já não é mais sinônimo de fábrica ou de loja de comércio; emprêsa é hoje tOGOum sistema sócio-econômico integrado, com planos de produção, estratégia mercadclógica, diretrizes administrativas globais, intrincados contrôles financeiros e até mes- mo uma bem organizada e ativa plataforma poli- tica ." RAPHAEL DE SoUSA NOSCHESE, 1963 As últimas três ou quatro décadas poderão ser considera- das no futuro como a época em que ocorreu a Revolução Brasileira. O País passou nesse período por uma revo- lução sem sangue, por uma profunda transformação de sua estrutura econômica, de seu sistema social. Indus- trializou-se, suas classes sociais diversificaram-se, sua cul- tura tornou-se mais nacional, sua estrutura política modi- ficou-se, novas ideologias surgiram como expressão de grupos sociais em formação, e também para refletir as transformações por que passava o cenário político inter- nacional. LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA - Professor-Adjunto da Escola de Adminis- tração de Emprêsas de São Paulo, Departamento de Administração Geral 8- Relações Industriais.

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Page 1: EMPRESÁRIO INDUSTRIAL E A REVOLUÇAO BRASILEIRAprocesso industrial eda extensão à agricultura de métodos capitalistas de produção. A população brasileira deixava aos poucos

o EMPRESÁRIO INDUSTRIALE A REVOLUÇAO BRASILEIRA

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

"A preocupação de trabalho, que domina (9& indus-triais), não nos torna egoístas; ao contrário, aumen-ta nossa capacidade de compreensão dos problemasnacionais, alonga as antenas da nossa sensibilidade,para tudo quanto diz respeito a política geral doPaís e à posição que vamos conquistando no con-cêrto das nações."

ROBERTO SIMONSEN, 1943

"Ernprâsa já não é mais sinônimo de fábrica oude loja de comércio; emprêsa é hoje tOGOum sistemasócio-econômico integrado, com planos de produção,estratégia mercadclógica, diretrizes administrativasglobais, intrincados contrôles financeiros e até mes-mo uma bem organizada e ativa plataforma poli-tica . "

RAPHAEL DE SoUSA NOSCHESE, 1963

As últimas três ou quatro décadas poderão ser considera-das no futuro como a época em que ocorreu a RevoluçãoBrasileira. O País passou nesse período por uma revo-lução sem sangue, por uma profunda transformação desua estrutura econômica, de seu sistema social. Indus-trializou-se, suas classes sociais diversificaram-se, sua cul-tura tornou-se mais nacional, sua estrutura política modi-ficou-se, novas ideologias surgiram como expressão degrupos sociais em formação, e também para refletir astransformações por que passava o cenário político inter-nacional.

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA - Professor-Adjunto da Escola de Adminis-tração de Emprêsas de São Paulo, Departamento de Administração Geral 8-Relações Industriais.

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Durante essas três décadas o desenvolvimento econômicoe social brasileiro foi acelerado. Três grupos sócio-econô-micos de secundária importância no Brasil do Impérioe da Primeira República surgiram: os empresários indus-triais, a nova classe média ligada à indústria e ao comérciointerno, e os operários urbanos. Tomou-se consciência docaráter semicolonial e semifeudal de sua sociedade, e, soba liderança dos novos grupos sociais, ganhou impulso oprocesso de transformação dêsse estado de coisas. O cen-tro de decisões sôbre os problemas nacionais passou do ex-terior para o País . Nossa dependência dos grandes paísesindustriais diminuiu consideràvelmente. O sistema de la-tifúndios passou a ceder paulatinamente às pressões doprocesso industrial e da extensão à agricultura de métodoscapitalistas de produção. A população brasileira deixavaaos poucos de ser simples massa, para transformar-se empovo que participa das decisões políticas da vida nacional.O Brasil, no decurso de trinta anos, deixava de ser umpaís semifeudal, para transformar-se em capitalista, aban-donava seu estado semicolonial para configurar-se comouma Nação.

Êsse processo, a Revolução Brasileira, está longe de serconcluído. O Brasil ainda se encontra em uma fase detransição. Seus rumos e estrutura ainda não foram per-feitamente definidos. E é dentro dêsse contexto que nósnos perguntamos: qual foi o papel dos empresários brasi-leiros dentro dessa Revolução? O que realizou? Que par-tidos tomou? Que bandeiras levantou? E quais as perspec-tivas políticas que o momento presente oferece? São estasperguntas que tentaremos responder sumàriamente naspáginas que se seguem. (1)

1) 1tste é um artigo de análise política global. Dada a amplitude, Inclusiveno tempo, dos temas que trata, não se baseia em pesquisa formal, mas naobservação cotidiana da realidade brasileira, no contacto com pessoas, na lei-tura de jornais e outros meios de divulgação. Demos especial atenção aosdiscursos, manifestos e outras declarações públicas realizadas por empresários,seja individual, seja organizados em associações de classe. De qualquer forma,as afirmações feitas neste artigo têm o caráter de hipóteses exploratórias.Por sua própria natureza, prestam- se a controvérsias,

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o principal aspecto dêste fenômeno que estamos chaman-do de Revolução Brasileira, desta grande transformaçãoeconômica, política e social por que passou o País nos úl-timos trinta anos, foi a Revolução Industrial. Quase du-zentos anos após a Grã-Bretanha, cêrca de cem anos atra-sados em relação aos Estados Unidos e a França, nós realizamos a nossa Revolução Industrial. E, sem dúvida, foiessa transformação econômica radical por que passou oSul do País e principalmente São Paulo, foi essa passagemde uma fase agrícola para uma fase industrial já conside-ràvelmente desenvolvida, o elemento dinâmico por exce-lência dêsse processo global de transformação a que nosestamos referindo.

o papel que coube aos empresários brasileiros, dentro daindustrialização do País, foi indiscutivelmente o de lide-rança. Uma série de fatôres favoráveis, surgidos mais oumenos por obra do acaso, abriram no País, especialmentea partir de 1930, oportunidades para investimentos lucra-tivos na indústria. Essas oportunidades se consubstancia-vam, em têrmos sumários, na existência, dentro de nossasfronteiras, de um mínimo de capital disponível, de umprincípio de mercado interno, de uma impossibilidade efe-tiva de importar os produtos industriais de consumo queo mercado exigia, a qual era devida, inicialmente, à depres-são mundial dos anos 30, e logo após, à Segunda GuerraMundial. E essas oportunidades não foram perdidas. OBrasil dispunha naquele momento de um grupo de ho-mens, que uniam um mínimo de habilitação técnica paraacelerar um processo industrial, a um enorme desejo deascensão e afirmação social. Êstes homens transforma-ram-se ràpidamente em empresários no sentido Schum-peteriano do têrmo, em inovadores que recombinavam osfatôres de produção e· lideravam o processo de acumulaçãode capital, promovendo assim o aumento da produtivida-de e conseqüente desenvolvimento econômico. (2)

2) Para uma análise do conceito de empresário e de suas relações com odesenvolvimento econômico e com o Estado vide: Luiz Carlos Bresser Pereira,

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Essa classe de empresários capitalistas que assim surgiano País contou inicialmente com pouco auxílio por partedo Govêrno. Êste passara por profunda transformação porocasião da Revolução de 1930, e era constituído princi-palmente por elementos oriundos de grupos sociais e eco-nômicos novos, que se opunham ao domínio secular do:País pela velha aristocracia rural de cafeicultores e se-nhores-de-engenho. Êsse Govêrno, embora marcado pelocompromisso, pelas concessões parciais aos grupos de pres-são em choque, era constituído, em grande parte, de ho-mens da classe média, que ou viam com bons olhos, ou en-tão participavam diretamente do processo de industriali-zação. Entretanto, êsse Govêrno não estava tecnicamentepreparado para auxiliar efetivamente a indústria. Poucomais pôde fazer, além de não criar obstáculos ao cresci-mento industrial, além de não dar ouvidos à velha aristo-cracia, que se via ameaçada em sua posição de liderançana sociedade brasileira face à ascensão de um grupo deempresários industriais.

As condições econômicas gerais, entretanto, eram favorá-veis à industrialização, e esta se realizou, em uma primei-ra fase, mesmo sem um apoio mais direto do Govêrno.Após a Segunda Guerra Mundial, porém, a nascente indús-tria nacional se viu ameaçada pela importação, a baixopreço, dos mesmos artigos produzidos internamente. Ênesse momento, especialmente a partir de 1948, que oGovêrno Federal, então tecnicamente melhor aparelhado,e sob pressão das novas fôrças, passa a desenvolver umapolítica cada vez mais coerente e deliberada de apoio àindústria, através de sua proteção contra as importaçõesde similares do exterior e da transferência de renda dosetor cafeeiro '(através principalmente do confisco cam-bial) para o setor industrial.

Foi, portanto, só em um segundo momento do processoindustrial brasileiro em uma fase antes de consolidação

"Desenvolvimento Econômico e o Empresário", em REVISTA DE ADMINIS-TRAÇÃO DE EMPRÊSAS, voI. 11, n.? 4, maio/agôsto de 1962, págs. 79e seguintes.

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do que de surgimento do grupo empresarial, que o Govêr-no surge de forma efetiva. O aparecimento dos empresa-rios nacionais ocorreu mais por obra do acaso, daquelaconjugação de fatôres favoráveis acima referida, do queda deliberação e do cálculo, mais devido à iniciativa, aopioneirismo e ao desejo de maiores lucros de alguns ho-mens com espírito empresarial, do que ao planejamento.

O EMPRESÃRIO E A REVOLUÇÃO IDEOLÓGICA

Um segundo aspecto de grande importância da Revolu-ção Brasileira, e que nos interessa particularmente nesteartigo, foi a Revolução Ideológica. O estabelecimento dasbases industriais da economia brasileira foi acompanhadode modificações, às vêzes radicais, no modo de pensar, nosvalôres e crenças da sociedade brasileira. Se compararmoso Brasil de hoje com o de há trinta ou quarenta anos atrás,sob o ponto de vista das idéias políticas mais em evidên-cia, verificaremos que as diferenças são enormes. Duran-te êsse período, um grande número de. idéias novas sur-giu, para se chocar com as idéias tradicionais. E o Paísfoi então o cenário de uma série de lutas ideológicas, querefletiam os interêsses dos grupos em choque. Foramlutas sem derramamento de sangue, batalhas de palavras,travadas nos parlamentos, na imprensa, na praça pública,em reuniões sociais; mas foram sem dúvida choque cujoresultado era de vital importância para o desenvolvimentoeconômico e social do País.

Entre essas lutas ideológicas salientamos quatro: o indus-trialismo versus o agriculturalismo, o desenvolvimentismointervencionista versus o liberalismo, o nacionalismo ver-sus o cosmopolitismo (3), e o reformismo versus o con-servadorismo. Em tôdas elas era o velho que se chocavacom o nôvo, o Brasil jovem e dinâmico do Século XX

3) A expressão "cosmopolitismo" é usada por Hélio Jaguaribe,. "Desenvolvi.mento Econõmico e Político", Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1962. Pre-ferimos essa expressão à mais comumente usada "entreguismo", por ter carátermenos valorativo e faccioso.

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que se via em confronto com seu passado semicoloniale semifeudal. Em tôdas essas lutas, o papel dos empre-sários nacionais, como grupo nôvo que era, foi sempre damaior relevância. Raramente êles eram os mais extrema-dos na defesa das idéias novas, mas se punham claramen-te a favor das mesmas.

Industrialismo versus agriculturalismo foi provàvelmentea mais importante das lutas ideológicas, e sem dúvidaaquela em que os empresários intervieram mais direta-mente. Durante séculos havia-se desenvolvido no Brasila idéia de que éramos "um País essencialmente agrícola" .Nossos recursos naturais e nossa população adaptavam-semelhor ao trabalho agrícola do que ao industrial. Nuncaseríamos capazes de produzir bens manufaturados tão efi-cientemente quanto o café. Seria portanto um êrro pro-mover o desenvolvimento industrial. Assim se pronun-ciava o agriculturalismo, que tinha por maiores interes-sados os senhores de terra brasileiros, os importadores na-cionais, e os exportadores estrangeiros de produtos manu-faturados. A sacramentação da teoria era dada pela leide Economia Internacional das vantagens comparativas.Não cabe aqui nos estendermos na discussão do problema.Basta dizer que foi uma grande batalha ideológica, queteve entre seus pioneiros o industrial Roberto Simonsen.A vitória do industrialismo, da crença nas possibilidadeseconômicas da indústria nacional, era essencial para o de-senvolvimento do País. E a disposição de. luta dos em-presários brasileiros foi fundamental para que essa vitó-ria fôsse alcançada.

o choque do desenvolvimentismo intervencionista contrao liberalismo econômico acha-se intimamente relacionadoà luta anterior. Foi a partir do fim da Segunda GuerraMundial que começou a ficar claro - não apenas aosgrupos de extrema esquerda, que apoiavam a imediata so-cialização do País, mas a todos aquêles para os quais odesenvolvimento econômico se tornava um objetivo fun-damental - que o liberalismo econômico estava supe-rado, era um fenômeno que se justificara no Século XIX,

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e que uma maior participação do Estado se impunha comocondição de um maior desenvolvimento. Um determina-do grau de intervenção do Estado na economia, planejan-do-a e realizando investimentos em setores básicos comoos serviços públicos, a indústria do aço, do petróleo, naverdade não criava embaraços ao desenvolvimento capi-talista, mas era condição para que êste se efetivasse. A in-dustrialização,a superação da fase agrícola e semifeudalem que nos encontrávamos, o crescimento rápido e con-tínuo de nossa economia não seria possível se emprêsase Estado não se aliassem na realização de uma obra co-mum, se ao último não fôsse confiado um papel maior do.que vinha tendo na promoção do desenvolvimento na-cional.

Entre os grupos que compreenderam êste fato situa-se,.indiscutivelmente, a maioria dos empresários brasileiros.Viram êles com lucidez que a sorte de suas emprêsas e ofuturo da industrialização brasileira estariam em sério pe-rigo se não contasse com o amparo do Govêrno. Teoriasabstratas a respeito dos perigos que a intervenção gover-namental representava para o sistema da livre iniciativanão os impressionaram. Mantinham, é claro, um posiçãocautelosa, moderando o grau de intervenção do Estado.Mas isso não os impedia de não só apoiar mas inclusivepromover tal intervenção, seja para que o Estado inves-tisse no setor da energia elétrica, por exemplo, seja paraque realizasse uma política cambial, tarifária e creditíciade acôrdo com os interêsses da indústria.

A luta do nacionalismo versus o cosmopolitismo está tam-bém ligada às anteriores. A Revolução Industrial brasi-leira e o surgimento de uma classe empresarial abriu parao País a perspectiva de sua afirmação como Nação, comopaís autônomo, independente. Nossa independência polí-tica, em 1822, só nos levara a passar do estágio colonialpara o semicolonial. A economia brasileira continuavana dependência estrita das decisões tomadas no exterior.O desenvolvimento econômico não tinha qualquer caráterautônomo: era função dos impulsos positivos ou negati-

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VOS originados fora do País _ Continuâvamos exportadoresde produtos primários e importadores de produtos manu-faturados _ E os ganhos em produtividade verificados naprodução de manufaturas não importavam em preço muitomenores para nós, já que eram transformados em maioressalários e maiores lucros, respectivamente para os operá-rios e capitalistas estrangeiros _ A lei das vantagens com-parativas deixava de operar, mas continuava a nos ser im-posta como artigo de fé _ A aliança do capitalismo inter-nacional ao latifundiarismo local subjugava o País, impe-dindo seu desenvolvimento _ E não percebíamos isto por-que nossa própria cultura era alienada e inautêntica, trans-plantada que era do exterior -

Foi a partir dos anos 50 que êste problema começou aser cada vez melhor compreendido pelos novos grupos só-cio-econômicos que então surgiam, pela nova classe médialigada à indústria e ao comércio interno, pelos operáriose pelos empresários industriais. A luta pela proteção àindústria nacional contra a concorrência estrangeira, pelocontrôle dos investimentos estrangeiros realizados no País,pelo monopólio estatal do petróleo e das areias monazíti-cas, pela encampação dos serviços públicos controladospor capitais estrangeiros, pela execução de uma políticainternacional independente fazem parte da ideologia na-cionalista _ Infelizmente, o nacionalismo foi também ado-tado como bandeira por grupos extremados, inclusive oscomunistas, de tal forma que seu sentido altamente posi-tivo para a realização da Revolução Brasileira foi, às vêzes,deturpado, e tornou-se alvo fácil de ataques indiscrimina-dos de seus opositores partidários do cosmopolitismo.

A posição dos empresários em relação a esta luta ideoló-gica foi contraditória _ Apoiavam o nacionalismo quaseque totalmente quando se tratava de proteger a indústrianacional, mas dividiam-se em relação aos demais proble-mas _Viam no nacionalismo a ideologia que mais se adap-tava às condições do País, mas preferiam não adotar tôdasas suas teses, ou porque algumas eram realmente extre-madas e perigosas para o regime capitalista, ou porque,

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embora sem os prejudicar, nem tôdas estavam mais dire-tamente ligadas a seus interêsses.

A última luta ideológica a que nos referimos é a do refor-mismo versus o conservadorismo. Em um sentido geral,o reformismo engloba tôdas as ideologias ascendentes -o industrialismo, o desenvolvimentismo e o nacionalismo- que acabamos de discutir. Em uma acepção mais es-pecífica, traduz-se na luta por reformas sociais. No pri-meiro perícdo da Revolução Brasileira deu-se mais ênfaseao aspecto trabalhista das reformas sociais. Ultimamente,a atenção dos reformistas tem sido voltada para proble-mas de caráter mais estrutural, como a reforma agrária,ou que digam respeito diretamente ao desenvolvimentoeconômico, como a própria reforma agrária, as reformas tri-butária, bancária e administrativa. Em relação ao traba-lhismo a posição dos empresários foi sempre de reserva,mas jamais chegou a transformar-se em uma atitude deresistência cega e inflexível. Quanto ao movimento refor-mista mais recente, deixamos para discutir o papel dosempresários mais adiante.

Em conclusão, observamos que o papel dos empresanosnas quatro lutas ideológicas a que nos referimos teve ge-ralmente um caráter renovador, embora não extremado.Os empresários constituíam uma classe nova que, parasobreviver e desenvolver-se, precisava lutar tanto no cam-po econômico, investindo e tornando eficiente suas emprê-sas, quanto no campo político, adotando posições ideoló-gicas novas, que transformassem o sistema de valôres vi-gentes. Assim êles fizeram, em ordem decrescente de de-dicação, em relação ao industrialismo, ao desenvolvimen-tismo, ao nacionalismo e ao reformismo. Seu papel nãochegou a ser revolucionário, na medida em que semprese pautou por uma certa prudência, e porque nunca se ma-nifestou politicamente com plena coesão e coerência; masindiscutivelmente, a contribuição dos industriais brasilei-ros foi positiva para a Revolução Ideológica por que oBrasil ainda hoje está passando.

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FATOS NOVOS MODIFICAM A SITUAÇÃO

o empresário foi um líder da Revolução Industrial, oumais freqüentemente um colaborador prudente da Revo-lução Ideológica. Perguntamos agora: continua êle, nomomento presente, merecedor dêstes títulos? Em relaçãoao desenvolvimento industrial já vimos que hoje êle divi-de e disputa as responsabilidades e iniciativas com o Go-vêrno, cujo papel nesse campo só pode sofrer contesta-ções na medida em que se torna incoerente no conjuntoou na seqüência das ações. E em relação à RevoluçãoIdeológica? Continuam os empresários a ter uma posiçãode vanguarda, continuam a representar um grupo em as-censão, que tem que combater os grupos tradicionais, par-ticularmente a velha aristocracia rural brasileira? Umasérie de fatos novos ocorridos todos êles durante o govêrnoJuscelino Kubitschek, nos levam a responder a esta per-gunta negativamente. Êsses fatos fazem crer que os in-dustriais brasileiros estão deixando de se colocar entre osprincipais promotores da Revolução Brasileira, que estãoperdendo seu espírito renovador e mesmo revolucionário,para se incluírem entre os grupos conservadores, que estãotendendo a acomodar-se face aos resultados até agora obti-dos e abandonar a liderança do processo social para outros.Vejmos quais são êsses fatos.

Em primeiro lugar, temos a vitória da luta pela indus-trialização, ocorrida durante o govêrno Kubitschek. Êstepresidente foi um promotor decidido da industrializaçãobrasileira e um defensor vigoroso da ideologia do indus-trialismo. Alguns intérpretes de seu govêrno pretendemver nêle o início da fase de decolagem, o início da Revo-lução Industrial brasileira. Isto não faz sentido. Já vi-mos que o comêço do processo de aceleração de nosso de-senvolvimento industrial data dos anos 30. JuscelinoKubitschek já encontrou indústria formada e uma classede empresários industriais já amplamente participante da.vida nacional. O que ocorreu em seu govêrno foi o acele-ramento do desenvolvimento econômico, e principalmen-te a consolidação da indústria nacional, pela introdução

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de planificação setorial, com prioridades representadas porexigências e favores em relação aos setores industriais bá-sicos.

Terminado o seu govêrno, o êxito dessa indústria ja eraum fenômeno tão evidente que ninguém mais se aventu-rava a defender as teses do agriculturalismo. Com sua vi-tória, o industrialismo perdia o caráter de uma ideologiarenovadora, revolucionária mesma. E os industriais per-diam uma das bases do caráter de vanguarda de suas po-sições políticas, perdiam um dos pontos de contatos queos identificavam com as fôrças políticas mais vivas e re-novadoras da Nação.

Um outro fato vem dar mais fôrça a êsse processo de con-solidação da indústria nacional, que passa a ser o grupoeconômico claramente dominante no País. A crise de su-perprodução do café, ocorrida a partir de 1957, arrebatada velha aristocracia brasileira, e particularmente dos ca-feicultores, seu maior argumento contra a indústria: o con-fisco cambial, que desviava a renda do setor agrícola deexportação para o Govêrno e para a indústria. Não queo confisco fôsse eliminado . Até hoje êle continua a exis-tir, mas o Govêrno Federal passa a compensá-lo atravésda compra dos excedentes de produção. A posição dos fa-zendeiros, que era de fôrça, passa a ser de fraqueza, le-vando-os gradativamente a reconhecer a liderança da in-dústria. Por outro lado, ambos os grupos, e especialmenteos industriais, começam a perceber que seus interêsses nãosão necessàriamente antagônicos. Muito pelo contrário.O desenvolvimento da indústria cria mais mercado paraa agricultura, e vice-versa. Para os agricultores dedica-dos exclusivamente à cultura de produtos de exportaçãotal fato não tinha grande significação. O que êles viamera sua renda, através do confisco, ser canalizada paraoutros setores da economia. Mas no momento em que aluta contra o confisco perde a maior parte do seu sentido,e que o processo industrial parecia um fato consumado, apossibilidade de união de industriais com os grandes agri-cultores e comerciantes em tôrno de interêsses comuns

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estava aberta. Realizando-se essa união os industriais dei-xavam novamente de ser um grupo de luta, um agente derenovação dentro do cenário político do País.

Um terceiro fato, relacionado com o anterior, que leva osindustriais a uma posição de defesa é o recrudescimentodo movimento sindical e o crescente grau de organizaçãoque êle atinge. No comêço dos anos 50 falava-se na possi-bilidade da união de operários e patrões na luta pela in-dustrialização. Pretendia-se que a união de partidos comoPTB e PSD fôsse um símbolo disto. Se tal possibilidadeera muito discutível naquela época, no fim do govêrnoKubitschek tornou-se clara sua inviabilidade. E os indus-triais sentiram a necessidade de unir-se, cada vez mais aosdemais ramos das classes produtoras para armar-se contrao adversário comum. O mesmo se diga em relação à revo-lução cubana de Fidel Castro em 1959. Embora as con-dições econômicas, políticas e sociais do Brasil sejam muitodiversas daquelas da Cuba de Batista, os empresários sen-tiram-se ameaçados, e passaram a acentuar suas posiçõesconservadoras.

Finalmente, o caráter nacionalista da ideologia dos em-presários brasileiros sofreu dois sérios impactos duranteo govêrno Kubitschek. Em primeiro lugar, o aspecto donacionalismo que era mais importante para os industriaisbrasileiros - o da proteção da indústria nacional contraa concorrência estrangeira - transformou-se em matériavencida com a aprovação, em 1958, da Lei de Tarifas peloCongresso Nacional. Os industriais já não dependiam demecanismos cambiais que poderiam ser modificados aqualquer momento ou de licenças de importação para pro-teger suas indústrias. Tinham a seu favor um instrumentolegal estável e poderoso. Vencida essa batalha, as demaisque os nacionalistas encetavam, e principalmente a do con-trôle da remessa de lucros, não interessavam particular-mente aos industriais brasileiros. Seu nacionalismo se es-vaziava de conteúdo. Êste fenômeno mais se acentua coma ocorrência de um segundo fato. A Instrução 113 daSUMOC, datada ainda do govêrno Café Filho, e o cres-

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cente fechamento do mercado brasileiro aos produtos ma-nufaturados no exterior, trazem para o País, e principal-mente para São Paulo, um grande volume de investimen-tos estrangeiros. Muitas vêzes, o capitalista estrangeirose associa ao nacional na realização de projetos. Em ou-tras ocasiões, o empresário nacional é fornecedor de em-prêsas estrangeiras instaladas no País. Enfim, as relaçõeseconômicas entre emprêsas nacionais e estrangeiras au-mentam decisivamente, tornando cada vez mais difícil atomada de posições nacionalistas por parte dos industriaisbrasileiros.

CONSEQÜÊNCIAS POLíTICAS

A influência da série de fatos que acabamos de citar nãose limitou ao comportamento político da classe de empre-sários industriais. Todos os grupos sofreram direta ou in-diretamente o impacto dêstes acontecimentos que, em últi,ma análise, modificaram o equilíbrio de fôrças da socie-dade brasileira, a favor da classe empresarial.

Êsses acontecimentos, aliados a uma crescente politizaçãodo povo brasileiro, auxiliam-nos, por exemplo, a compreen-der a eleição do Sr. Jânio Quadros, em 1960. A passagemdos industriais da posição de classe ideologicamente com-bativa, em ascensão, lutando por firmar-se, à situação declasse dominante, em um país em que a industrializaçãoera um fato consumado, provocou uma desorientação geralpor parte dos grupos políticos de esquerda e de direita.

A esquerda moderada tinha como uma de suas bandeirasa industrialização, que se identificava com o nacionalis-mo, e tinha nos industriais eventuais aliados. "A primeirafase da revolução social é a revolução burguesa, industrial",diziam êsses elementos. E passavam a apoiá-la. Subita-mente, verificaram que a Revolução Industrial já ocorrerae se consolidara, e que os industriais alinhavam-se cadavez mais claramente entre os grupos de direita, aliados aseus antigos adversários da aristocracia rural e do alto

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comércio importador e exportador. A esquerda tinha agora-que reformular totalmente suas posições. Alguns se radi-calizaram. Outros encontraram a solução na luta pelasreformas de base. Mas em 1960 êsse problema ainda não-estava claro. Estávamos ainda em pleno processo de mu-<lança. Não é surpreendente, portanto, que o "New York'Times", fazendo a cobertura jornalística da campanha pre-sidencial de 1960, afirmasse que o candidato de esquerda-era apoiado pelos grupos de direita e o candidato de di-reita contava com o apoio dos elementos de esquerda ...E não há dúvida que, embora simplificando o problema,a afirmação do grande jornal norte-americano era, em li-nhas gerais, correta. Dessa forma, a campanha presiden-cial de 1960 ilustra bem a confusão ideológica do País na--quele momento. Uma série de fatos novos havia introdu-zido modificações profundas nas relações políticas entre osdiversos grupos sociais. Em um primeiro momento, entre-tanto, esquerda e direita não se aperceberam das transfor-mações ocorridas, e tentaram aplicar seus antigos esque-mas conceptuais à realidade. O resultado foi que esquerda.e direita se confundiram ao ponto de apoiarem candida-tos realmente incompatíveis com suas posições políticas.

Sôbre a classe empresarial a influência de tôda aquela'série de fatos foi naturalmente mais direta. A vitória daideologia do industrialismo, a crise da agricultura de ex-portação e particularmente da cafeicultura, a perda de.significaçâo do confisco cambial, o recrudescimento domovimento sindical, a Lei de Tarifas e a associação emgrande escala de capitais nacionais e estrangeiros - todos.êsses fatos tiveram duas conseqüências fundamentais paraos industriais brasileiros.

Em primeiro lugar, tais fatos asseguraram-lhes uma posi-ção de liderança entre as classes produtoras. O caráter-positivo desta conseqüência é indiscutível. Mas em se-gundo lugar, aquêles fatos levaram os industriais a umprocesso de acomodamento político, a uma tendência delutar apenas pela manutenção das vantagens obtidas. Isto-os leva pender para a direita e os transforma em uma fôrça

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R.A.E./8 EMPRESÁRIO E REVOLUÇÃO BRASILEIRA 25---------------------------------------------não mais a favor mas contra ou indiferente à RevoluçãoBrasileira. Todo o caráter renovador, às vêzes mesmo revo-lucionário, de que os industriais estavam revestidos co-meça a se perder, quando a Revolução Brasileira tem aindatôda uma tarefa a cumprir, enquanto os desníveis de ri-queza, a miséria mesmo, a desigualdade de oportunidade,a liberdade de fachada continuam presentes dentro da,realidade brasileira. Teses tipicamente conservadoras;incompatíveis com um país em pleno processo de trans-formação social, começam a ser adotadas pelos industriais,O alarmismo político, a crença na iminência de uma revo-lução sangrenta de tipo comunista, é uma dessas tese~':)Na medida em que os grupos de direita mais extremadaconseguem convencer os industriais de tal fato, verifica-seimediatamente um processo de radicalização para a direi-ta. A excessiva prudência, senão a oposição decidida' àsreformas que ora se discutem, particularmente à reformaagrária e à tributária, implicam novamente na adoção deuma linha conservadora pelos industriais brasileiros.

Êstes são apenas alguns exemplos do processo que ora severifica de transformação dos empresários brasileiros emum grupo conservador. Caso tal fato se consume, a con-seqüência mais significativa que daí advirá será provàvel-mente a perda de qualquer liderança do processo socialpor parte dos empresários. A Revolução Brasileira deverácontinuar, mas sob o impulso de outros grupos sociais, dosoperários, da parte. da classe média, dos estudantes, degrupos políticos de esquerda moderada. Será. uma revo-lução sem sangue - na medida em que ela. continue aocorrer sem obstáculos mais sérios, em que o alarmismodos grupos de direita não nos leva a uma ditadura para-fascista, expque o diálogo democrático seja suprimido, emque, reformas sociais sejam introduzidas, reduzindo os des-níveis sociais e na medida em que uma política huma-nista assegure Iiberdade..educação e oportunidade de auto."-realização para todos indiscriminadamente. Mas seráuma revolução pacífica sem o apoio e a liderança de umaclasse. que, poderia participar com grande eficiência dêsse-processo a classe empresarial.

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CONCLUSÃO

Em conclusão, portanto, vemos que a classe industrial,que adotou no passado posições políticas abertas, progres-sistas, tende agora, depois de consolidada sua posição eco-nômica no País, a adotar uma ideologia cada vez mais con-servadora. De elemento atuante e dinâmico no processosocial que chamamos de Revolução Brasileira, a classe in-dustrial tende agora a se retrair, procurando apenas con-servar suas próprias conquistas. Enquanto isso, a Revo-lução Brasileira continua - mas agora sem a liderançaou pelo menos a participação direta do industrial brasilei-ro. Sua contribuição positiva limita-se cada vez mais àação que exerce dentro de sua emprêsa, investindo, au-mentando a produtividade e a produção. Politicamente,entretanto, êle vai se transformando de defensor em opo-sitor, de incentivo em freio à Revolução Brasileira.

Pergunta-se, então: é esta tendência irreversível? Nãocremos. A existência dessa classe de empresários indus-triais no País nos assegura que o desenvolvimento econô-mico e social brasileiro pode ser realizado em têrmos capi-talistas. O Brasil está em posição muito diferente da doEgito, de Gana,da Indonésia, e de outros países de nívelde desenvolvimento extremamente baixo, em que, parase promover êsse desenvolvimento, é preciso antes criaruma classe de empresários. Nesses países, como não seconhece nenhum sistema seguro de se criar em tempo rela-tivamente curto essa classe de empresários, os políticose militares de classe média que assumem o poder em opo-sição às velhas aristocracias locais, são levados a transferira responsabilidade da ação empresarial para o Estado.Surgem então 'sistemas socialistas ou semi-socialistas. NoBrasil, porém, já existe essa classe de empresários capita-listas, aptos a continuar a liderar o processo de desenvol-vimento industrial brasileiro. Seria natural, portanto, queêles também liderassem o processo de desenvolvimentosocial do País.

E a nosso ver tal liderança é viável, pelo menos em parte .Ela só se efetivará, entretanto, se houver uma nova gui-

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nada nas tendências políticas dos industriais brasileiros;se êles abandonarem suas posições conservadoras, de pru-dência senão decidida resistência às reformas e transfor-mações em que se consubstancia o processo social, e ado-tarem uma atitude positiva para com tais reformas; seêles estiverem dispostos a sacrificar a curto prazo algumasdas vantagens de hoje se beneficiam, em favor da paz eda justiça social, de um desenvolvimento econômico maisrápido, de uma distribuição de renda. mais eqüitativa, deuma maior igualdade de oportunidade.

São essas as condições para que sua liderança se efetive.E embora admita que o atendimento na prática dessascondições é difícil, não vejamos por que seja impossível.Seria impossível se a adoção de uma política decidida dereformas sociais viesse realmente contrariar os interêssesda classe empresarial. Mas não cremos que tal aconteça.Se um maior bem-estar, seuma maior igualdade de opor-tunidade, se um maior grau de liberdade são ao mesmotempo o resultado final do processo social e a conseqüên-cia das reformas sociais, pode ocorrer aos empresários queé preferível estar à frente dessas reformas, que é melhor,apoiando-as, orientá-las e controlá-las, do que vê-las ocor-rer apesar de sua oposição e totalmente fora de seucontrôle .