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JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades 3 EMPRESAS PÚBLICAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS E O ALCANCE DO DIREITO AOS BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS Cleucio Santos Nunes Advogado. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos Professor Universitário. Consultor Jurídico do Ministério das Cidades Sumário: 1. Introdução. 2. Os campos materiais de serviços ou atividades públicas imunes à tributação. 3. Ponderações acerca da isenção ao pagamento das contri- buições previdenciárias para prestadoras de serviços públicos. 4. O alcance do di- reito a benefícios tributários para empresas estatais prestadoras de serviço público. 5. A adequada exegese da vedação a privilégios fiscais para companhias estatais prestadoras de serviços públicos não extensíveis ao setor privado. 6. Conclusão. 1. Introdução De acordo com o artigo 150, VI, c, da Constituição Federal, as institui- ções de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, desde que atendidos os requisitos da lei, são imunes a impostos incidentes sobre a renda, prestações de serviços e patrimônios. Além da imunidade quanto aos impostos referidos, a Constituição da Re- pública também concede o mesmo benefício às entidades de assistência social que, não possuindo finalidade lucrativa, observem requisitos definidos em lei (CF, art. 195, § 7º). Apesar de o dispositivo constitucional referir-se a “isenção”, existe certo consenso jurisprudencial de que a Carta Magna não outorga exatamente isenções tributárias. 1 A função da Constituição em matéria tributária, dentre outras, é a de distribuir competências, e a imunidade, no fundo, é uma limitação do exercício da competência tributária, pois, para certas pessoas ou bens, não há como os entes competentes cobrarem tributos. 1 RMS 22.192, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28-11-95, DJ de 19-12-96

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EMPRESAS PÚBLICAS PRESTADORAS DE SERvIÇOS PÚBLICOS E O ALCANCE DO

DIREITO AOS BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS

Cleucio Santos NunesAdvogado. Mestre em Direito pela Universidade Católica de SantosProfessor Universitário. Consultor Jurídico do Ministério das Cidades

Sumário: 1. introdução. 2. os campos materiais de serviços ou atividades públicas imunes à tributação. 3. Ponderações acerca da isenção ao pagamento das contri-buições previdenciárias para prestadoras de serviços públicos. 4. o alcance do di-reito a benefícios tributários para empresas estatais prestadoras de serviço público. 5. A adequada exegese da vedação a privilégios fiscais para companhias estatais prestadoras de serviços públicos não extensíveis ao setor privado. 6. Conclusão.

1. Introdução

De acordo com o artigo 150, Vi, c, da Constituição Federal, as institui-ções de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, desde que atendidos os requisitos da lei, são imunes a impostos incidentes sobre a renda, prestações de serviços e patrimônios. Além da imunidade quanto aos impostos referidos, a Constituição da re-pública também concede o mesmo benefício às entidades de assistência social que, não possuindo finalidade lucrativa, observem requisitos definidos em lei (CF, art. 195, § 7º). Apesar de o dispositivo constitucional referir-se a “isenção”, existe certo consenso jurisprudencial de que a Carta Magna não outorga exatamente isenções tributárias. 1 A função da Constituição em matéria tributária, dentre outras, é a de distribuir competências, e a imunidade, no fundo, é uma limitação do exercício da competência tributária, pois, para certas pessoas ou bens, não há como os entes competentes cobrarem tributos.

1 rMS 22.192, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28-11-95, DJ de 19-12-96

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Por outro lado, subsiste ponto encontradiço que torna o tema intrigante. Trata-se da missão de concluir se os benefícios tributários dados pela Constituição devem ser entendi-dos restritivamente. Como se sabe, o Código Tributário Nacional, no artigo 111, em síntese, refere-se à aplicação da interpretação gramatical para os casos de isenção de obrigações tribu-tárias e suspensão do crédito tributário. Nessa linha, em se tratando de empresas públicas, so-ciedades de economia mista e subsidiárias, todas pessoas jurídicas de direito privado segundo definição legal (Decreto-lei 200/67), o tratamento tributário a ser dado para esse tipo de en-tidade, em leitura preliminar da Constituição Federal, deve ser o mesmo que é dispensado às empresas particulares da iniciativa privada (CF, art. 173, § 1º, ii).

Essa constatação, por si só, enseja inegável duelo entre normas constitucionais con-juntamente com o próprio Código Tributário e as noções conceituais que se erguem a partir do sentido jurídico possível das locuções “empresa pública prestadora de serviços” e “empresa pública prestadora de serviços públicos”. Caso caiba interpretação literal nessa matéria, ainda que em sede constitucional, o ponto é saber se existe distinção suficiente entre as duas locu-ções mencionadas que permita concluir se uma ou outra podem ficar de fora das imunida-des.

Para os propósitos deste texto, há que se definir, primeiramente, se empresa pública pode desempenhar atividade de educação ou de assistência social nos limites do que prevê a Constituição no artigo 173. Em seguida, há que se investigar a situação das companhias estatais prestadoras de serviços públicos diversos dos conceitos de educação e de assistência social, mas que gozam ou podem vir a gozar de isenções tributárias.

refletidos esses pontos, desdobra-se a necessidade de se saber se os benefícios fis-cais insertos na Constituição Federal alcançam as empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias, apesar da igualdade de tratamento tributário pretendida pelo constituin-te entre empresas da iniciativa privada e as empresas estatais (CF, art. 173, § 1º, ii). Essa pos-sível concessão de benefício fiscal deve ser contextualizada com as noções de serviço público e atividade econômica, sob pena de se confrontar, mais especificamente, com a vedação de favores fiscais para entes estatais não extensíveis ao setor privado (CF, art. 173, § 1º).

2. Os campos materiais de serviços ou atividades públicas imunes à tributação

Somente é compreensível que empresas estatais devam se sujeitar ao mesmo regi-me jurídico tributário das empresas particulares quando se constatar que o Estado, por meio de entidade por ele criada, desempenhe atividade econômica em inegável concorrência com o setor privado (CF, art. 173, § 1º). Deve-se distinguir, com efeito, atividade econômica de-

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senvolvida pelo Estado, de prestação de serviços públicos. Aquela atividade há de ser desem-penha excepcionalmente, conforme, aliás, reza o Texto Constitucional; esta, por sua vez, é dever do Poder Público executar, quer diretamente, quer por meio de entidades criadas para tal fim.

No caso dos serviços de saúde e assistência social, os incisos ii e V do artigo 23, da Constituição Federal prescrevem, respectivamente, que é competência dos entes federados “cuidar da saúde e assistência pública”. Adiante, fixando a atribuição da execução dos serviços de saúde e assistência social, a Constituição é categórica:

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. [grifamos]

Quanto à assistência social, a Constituição Federal evitou o vocábulo serviço. De fato, o conceito de assistência social é fluido o bastante a ponto de fazê-lo escapar da no-ção substancial de serviço público, que se assenta no significado das palavras utilidade e comodidade.2

Consoante Sérgio Pinto Martins, a assistência social “é um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer uma política social aos hipossuficientes, por meio de atividades particulares e estatais, visando à concessão de pequenos benefícios e serviços, independentemente de contribuição por parte do próprio interessado”.3

Logo se observa que a noção de assistência social é transcendente ao Direito en-quanto arcabouço de regras e regimes normativos. A assistência social está intimamente rela-cionada à ação, que pode ser por parte do Estado ou do particular. Trata-se, pois, de atitude de proteção à pessoa carente do mínimo existencial que lhe permita ultrapassar a linha da indignidade. Daí por que a assistência social ser mais bem definida como política pública de promoção dos mínimos sociais (Lei 8742/1993, art. 1º). os serviços públicos são instrumen-tos de alcance das políticas. A assistência social é a própria política.

2 Para Celso Antonio Bandeira de Mello, sotoposto ao conceito de serviço público há um substrato material, que compõe a noção desse conceito. Daí por que refere: “[...] cumpre observar que a atividade estatal denominada serviço público é a prestação consistente no oferecimento, aos administrados em geral, de utilidades ou comodidades materiais”. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. pp. 655-656.3 Direito da seguridade social: custeio da seguridade social, benefícios, acidente do trabalho, assistência social e saúde. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 486.

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Não existe, entretanto, incoerência sistêmica em se inserir a assistência social no conceito amplo de serviço público lembrado por Maria Sylvia Zanella di Pietro ao citar vários tratadistas. 4 Por essa acepção, lastreada nas primeiras escolas sobre serviço público desen-volvidas pelo Direito francês, toda atividade do Estado, ou dos seus delegados, de caráter essencial, era entendida como serviço público.�

Seja como for, a assistência social não se adaptada com propriedade ao conceito de ser-viço, simplesmente porque é medida de proteção à pessoa desprovida dos serviços públicos ou privados, daí sua situação de vulnerabilidade que justifica a ação protetora. os serviços, por sua vez, pretendem oferecer ao interessado benefícios que pressupõem, ainda que não necessaria-mente, sua situação fora do campo de vulnerabilidade social que justifica a ação de assistência.

Voltando-se ao ponto, não se pode perder de vista que a necessidade de se distinguir saúde de assistência social, reside no fato de a Constituição da república aludir à imunidade tributária para entidades de assistência social e de educação sem fins lucrativos (art. 150, Vi, c e art. 195, § 7º). Note-se que a Constituição não se referiu expressamente ao direito à imuni-dade para as entidades da área da saúde. Por essa razão, o intérprete se obriga a desvendar, sob o ponto de vista da materialidade dos conceitos, o que se compreende por saúde e assistência social. A omissão do constituinte em chamar assistência social de serviço público, deve-se ao fato de aquela ser mais abrangente do que este, levando a crer que as ações no campo da saúde, podem constituir também modo de operação de assistência social, na medida em que oferecem proteção à infância, à maternidade, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência. No campo do conceito de assistência social a proteção poderá se dar meramente por meio de benefícios pecuniários; a proteção social, dada por intermédio das ações de saú-de, o que também significa assistência social, pode ser feita na forma de serviço público.

Em resumo, apesar de saúde, assistência social e previdência integrarem o gênero adotado pela Constituição Federal conhecido por seguridade social, entre as duas primeiras espécies não existem divisões estanques, quando analisadas na perspectiva da materialidade de suas ações.

o serviço público de saúde, por sua vez, será prestado pelo Estado diretamente ou mediante terceira pessoa, que poderá ser constituída pelo Poder Público exclusivamente para esse fim.

4 Direito administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 96.5 De acordo com Maria Sylvia Zanella di Pietro, na França destacaram-se como protagonistas da corrente do serviço público em sentido amplo, Leon Duguit e Roger Bonnard; no Brasil, Mário Mazagão, José Cretella Júnior e Hely Lopes Meirelles.

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Fica a critério do ente governamental constituir empresa pública destinada à comu-nidade, o que revela sua finalidade de prestador de serviço de saúde pública, que não concorre com o particular.

ressalte-se que para a empresa pública não concorrer com os hospitais privados na execução dos serviços de saúde há que se separarem as atividades. o serviço de saúde é públi-co quando prestado pelo Estado de forma direta ou por seus entes criados para esse fim. Será particular quando desempenhado por sociedades particulares. Não existindo confusão entre os regimes de prestação do referido serviço, segue-se que os hospitais públicos e particulares não competem no mesmo mercado.

Por outro lado – mas não longe dessa temática –, não é adequado sustentar que em matéria de saúde se esteja diante de um mercado concorrente. o pressuposto da con-corrência é a liberdade de oferecimento de bens de consumo ou de serviços. Significa dizer que, para a concorrência, o bem ou serviços oferecidos devem ser suscetíveis ao estímulo de suas respectivas aquisições. o consumidor de tais bens, mesmo que não os necessite, poderá ser estimulado a adquiri-los por meio da propaganda ou outras formas de se atrair o consumidor. 6

Não se pode admitir que com a saúde ocorra o mesmo fenômeno. o consumidor de serviços médicos demanda o fornecedor por necessidades vitais de manutenção de sua inco-lumidade física. Daí por que os serviços médicos não são alvos do que se vulgarizou chamar de marketing, característica emblemática da concorrência.

Não é nenhum despautério concluir que empresas estatais da área da saúde (hospi-tais) não “disputam mercado” com hospitais privados, simplesmente porque, em matéria de saúde, não há que se falar em mercado, mas em atividade de relevância pública na qual é lícita a atuação do particular (CF, art. 199). isso, entretanto, não impede a estatal de lograr receita com os serviços médicos que presta. Não pode, evidentemente, distribuir lucro, porque assim se iguala à empresa particular.

6 Após demonstrar que o mercado não consegue se apresentar em regime de concorrência perfeita, isto é, aquele que se caracteriza pela fixação natural dos preços em patamar ideal, sem a presença de externalidades, ou de elementos sub-jetivos que conduzem a decisão dos consumidores, a doutrina econômica aduz à existência da concorrência imperfeita. Nesta, externalidades e fatores subjetivos (como é o caso da propaganda), dão a essência desse tipo de mercado que pre-domina nas economias modernas. Daí por que a característica central do mercado concorrencial é a oferta de produtos e serviços que se apresentam sob formas e condições diversas. Um dos fatores que leva a essa diversidade é a propaganda que procura inculcar na mente do consumidor que determinado produto é útil para suas necessidades. Cf. NUSDEO, Fabio. Curso de economia. 4ª ed. São Paulo: RT, 2005. pp. 269-270.

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Em caso parelho, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se a favor de imunidade fiscal a empresa pública, justamente porque sua atividade não implicava o exercício de ativi-dade econômica, mas serviço público de caráter relevante.

rECUrSo EXTrAorDiNário 407.099-5/rSrECorrENTE: EMPrESA BrASiLEirA DE CorrEioS E TELÉGrAFoS

– ECTrECorriDo: MUNiCÍPio DE SÃo BorJAEMENTA: CoNSTiTUCioNAL. TriBUTário. EMPrESA BrASiLEirA DE CorrEioS E TELÉGrAFoS: iMUNiDADE rECÍProCA: CF., art. 150, Vi, a EMPrESA PÚBLiCA QUE EXErCE ATiViDADE ECoNÔMiCA E EMPrE-SA PÚBLiCA PrESTADorA DE SErViÇo PÚBLiCo: DiSTiNÇÃo.i – As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, Vi, aii – r.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido.7

Eros roberto Grau, em estudo percuciente, distingue atividade econômica de ser-viço público, por meio de critérios explícitos e implícitos no texto da Constituição Federal. 8 Para o autor, no artigo 173, a Constituição prevê a possibilidade de o Estado exercer atividade econômica em sentido estrito, devendo observar, para tanto, imperativos da se-gurança nacional ou relevante interesse coletivo. No artigo 170, a Constituição estabelece as diretrizes para o exercício da atividade econômica em sentido amplo, nas quais se incluem os serviços públicos. igualmente, quando a atividade exercida pelo Estado tiver por fim atender ao interesse social e não exatamente ao interesse coletivo, tem-se a presença de ser-viço público.

o ponto central a ser observado é saber se, ao desempenhar atividade econômica em sentido estrito, poderá o Estado prestar serviços públicos a partir da noção de serviço público proposta por Duguit, por meio da qual se tem o serviço público como atividade necessária ao desenvolvimento coeso e interdependente da sociedade.9

7 RE 407.099-5/RS, Rel. Min. Carlos Velloso.8 GRAU, Eros Roberto e GERRA FILHO, Willis Santiago (org.). Constituição e serviço público. In: Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2003. pp. 249-267. 9 DUGUIT, Leon. Trate de droit Droit Constitutionnel. 3 ed. t.2. Paris: E. de Boccard, 1928. p. 61 apud GRAU, Eros Roberto, op. cit., p. 267.

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observe-se que o alinhamento ao conceito de serviço público proposto pelo trata-dista francês não deriva de mera opção acadêmica ou ideológica. Não existe outro sentido ao que se pode considerar serviço público: ou este corresponde a algo que a sociedade não consegue sobreviver desprovida, porquanto sua ausência compromete o desenvolvimento e manutenção da sociedade, ou se trata de atividade facultativa que pode ou não ser prestada. Ao desempenhar atividade econômica em sentido estrito, ainda que a título de pres-tação de serviço, o Estado, necessariamente, não executa serviço público caracterizado como atividade necessária ao desenvolvimento coeso e interdependente da sociedade. Certamente por isso o § 1º do artigo 173 da Constituição, ao se referir na parte final a prestação de serviços, não a qualifica como prestação de serviços públicos. Diferentemente, o artigo 175 é claro ao se referir a serviço público. A omissão do constituinte quanto ao vocábulo público no artigo 173 não pode ser casual, sob pena de o texto constitucional tornar-se tautológico. Afinal, não haveria nenhuma utilidade em se argumentar que no artigo 173 trata-se de serviço público enquanto atividade econômica desenvolvida pelo Estado; e no artigo 175 falar-se a mesma coisa, apenas acrescentando-se a possibilidade de o serviço público ser delegado a particu-lares. Note-se, porque é relevante, que o artigo 175 também estabelece que o serviço poderá ser prestado diretamente pelo Estado, o que não é mencionado no artigo 173. É evidente que se trata de conceitos e situações diferentes. o artigo 173 versa sobre atividade econômica em sentido estrito; o artigo 175, por sua vez, de serviços públicos, os quais podem ser executados pelo Poder Público por meio dos seus órgãos (prestação direta) ou por terceiros delegados (concessão e permissão). realmente, cuidam-se de disposições diferentes, tanto assim que o artigo 173 da Constituição Federal omite o qualificativo público e fica simplesmente com a locução pres-tação de serviço para tornar claro que o Estado poderá prestar serviços que são inerentes ao setor privado e, neste caso, será atividade econômica em sentido estrito, como afirma Eros roberto Grau.10

retomando-se o ponto central, há que se observar se o serviço de saúde é público ou atividade econômica em sentido estrito que poderá ser exercida pelo Estado na forma do artigo 173 da Constituição Federal. Evidentemente que, senão por razões óbvias, ao menos pelo que dispõe a Constituição Federal nos artigos 196 e 197, as ações e serviços de saúde são, indubitavelmente, atividades necessárias não apenas ao desenvolvimento coeso e interdepen-dente da sociedade, como também é imprescindível à sua manutenção em condições dignas.

10 Constituição e serviço público. In: Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides, p. 251.

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Daí por que as ações e serviços na área da saúde são serviços públicos. Cumpre salien-tar, entretanto, que o fato de a atividade (serviço) possuir materialidade (substrato) de serviço público, não afasta o particular da possibilidade de executar essa mesma atividade. Por isso a classificação sugerida por Eros roberto Grau de serviço público privativo e não-privativo. 11 Na primeira modalidade, o serviço deverá ser prestado pelo Estado diretamente. Se for conve-niente, a Administração poderá delegá-lo ao particular, o que não desnatura o caráter privati-vo do serviço, porquanto permanece com a titularidade do Poder Público, sendo transferida ao particular somente a execução do serviço. No caso dos serviços públicos não-privativos, na hipótese da prestação do serviço se dar pelo particular, a titularidade do serviço não chega a ser do Poder Público, daí por que, não é caso de delegação do serviço, mas execução deste pela pessoa de direito privado. Compete ao Poder Público, entretanto, autorizar sua prestação ao particular, justamente porque o serviço guarda em sua materialidade a característica essencial de ser necessário ao desenvolvimento coeso e interdependente da sociedade. Assim, quando executado pelo setor privado, o serviço público não-privativo será atividade econômica em sentido estrito. 12 A escolha de ser um serviço público privativo ou não-privativo é feita pela Constituição Federal. Por conseguinte, esses modos-de-ser dos serviços públicos (privativo ou não-privativo) não estão na atividade em si mesma, mas no momento histórico em que se verificam. No caso do serviço de saúde, a Constituição vigente permitiu sua exploração pelo particular (CF, art. 199) independentemente de delegação (concessão ou permissão). Logo não é caso de serviço público privativo, mas o oposto.

Feitas estas considerações, fica evidente que, no caso das empresas públicas que rea-lizam serviços públicos de saúde, o que se tem é a prestação de serviço público não-privativo (serviço de saúde) por empresa pública que, por possuir essa condição, desempenha o serviço no lugar do Estado por razões de conveniência e eficiência administrativas. Verificando-se que a materialidade do serviço de saúde corresponde à característica de coesão e interdependência social a que alude a doutrina de Duguit, outra inferência não se pode ter, a não ser que os Hos-pitais Públicos, vinculados a Universidades Públicas, por exemplo, prestam serviços públicos e não atividade econômica em sentido estrito. Desse modo, sua atuação não corresponde à hipótese do artigo 173 da Constituição Federal, mas a do artigo 197 da mesma Carta.

Em caso semelhante, o TrT 4ª da região, apreciando o tema da impenhorabilida-de de bens do Hospital de Clínicas de Porto Alegre enquanto empresa pública prestadora

11 Em geral, a doutrina chama os serviços privativos e não-privativos de próprios e impróprios. Maria Sylvia Di Pietro alerta para a designação: serviço público exclusivo e não exclusivo, apesar de reconhecer a impropriedade deste último, na medida em que falta um elemento integrante de seu conceito, qual seja, a presença do Estado para poder qualificar o serviço como público. Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2005. pp. 106-107.12 GRAU, Eros Roberto, op. cit., p. 252.

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de serviço público na área de saúde, ao distinguir atividade econômica em sentido estrito (CF, art. 173) de prestação de serviço público (CF, art. 197), decidiu afastar alegação de inconstitucionalidade de Medida Provisória que tornava impenhoráveis os bens do hospi-tal.

TriBUNAL rEGioNAL Do TrABALHo DA 4ª rEGiÃoAC: 06716.006/89-3 APEMENTA: MEDiDA ProViSÓriA. ArGÜiÇÃo iNCiDENTAL DE iN-CoNSTiTUCioNALiDADE. iMPENHorABiLiDADE DE BENS. HoSPi-TAL DE CLÍNiCAS DE PorTo ALEGrE. Não é inconstitucional, por vul-neração do disposto no art. 173, par. 1º, da Constituição, o art. 9º da Medida Provisória nº 2.216-37, de 31.08.2001, que declara impenhoráveis os bens do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA. Análise da matéria à luz da distinção, firmada na doutrina, entre os serviços públicos que exercem atividade econômica em sentido estrito daqueles que atendem ao interesse social e que, embora podendo desempenhar atividade econômica em sentido amplo, dada a sua constituição sob a forma de empresa pública, não deixam, ainda assim, de possuir a essência de atividade prestada em regime público. Consideração de que o HCPA não desenvolve atividade econômica típica, antes funcionando em claro e ostensivo exercício de serviço público. A interpretação sistemática do conjunto de normas da Constituição permite concluir que está conformada a esse siste-ma a norma jurídica editada com o fim de declarar impenhoráveis os bens de entidade paraestatal que presta serviço público existencial, voltado ao interesse social. observância dos precedentes do Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade de norma legal que torna impenhoráveis os bens de ente paraestatal prestador de serviço público típico. Necessidade de adequação da jurisprudência deste Tribunal regional à orientação já pacificada pela Supre-ma Corte na apreciação da matéria. Declaração de inconstitucionalidade que se rejeita. ViSToS e relatados estes autos de AGrAVo DE PETiÇÃo, interposto de de-cisão do Exmo. Juiz da 6ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo agravante HoSPiTAL DE CLiNiCAS DE PorTo ALEGrE e agravada ViLMA MAriA FiGUErÓ DA FoNToUrA. [grifamos]

Apesar de não ter julgado matéria exatamente tributária, o aresto transcrito demons-trou que o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, ainda que seja empresa pública, não se vincu-la às restrições do artigo 173 da Constituição Federal, justamente em razão dos serviços que presta e não pelo critério formal de sua constituição jurídica.

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É judicioso admitir que a proteção à tributação sobre renda, patrimônio e prestação de serviços das empresas estatais prestadoras de serviços públicos decorre da interpretação sistemática da Constituição, com base nos artigos 150, Vi, c combinado com art. 173 e 175.

3. Ponderações acerca da isenção ao pagamento das contribuições previdenciárias para prestadoras de serviços públicos

A locução tributos federais, habitualmente utilizada para conceder isenções de tribu-tos de competência da União, além dos impostos, taxas, contribuições de melhoria e emprés-timos compulsórios, poderá englobar as contribuições federais, quais sejam, contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais e econômicas (CF, art. 149).

o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do rE n. 146733-9/SP, rel. Min. Moreira Alves, pacificou que as contribuições, inclusive as destinadas ao custeio da se-guridade social (CF, art. 195) são espécies do gênero tributo:

rECUrSo EXTrAorDiNário N° 146733-9/SPrel. Min. Moreira AlvesrECorrENTE: UNiÃo FEDErALrECorriDA: ViAÇÃo NASSEr S.A

Ementa: Contribuição Social sobre o Lucro das pessoas jurídicas. Lei 7689/88.Não é inconstitucional a instituição da contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, cuja natureza é tributária. Constitucionalidade dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei 7689/88. refutação dos diferentes argumentos co que se pretende sustentar a inconstitucionalidade desses dispositivos legais.Ao determinar, porém, o artigo 8º da Lei 7689/88 que a contribuição em causa já seria devida a partir do lucro apurado no período-base a ser encerrado em 31 de dezembro de 1988, violou ele o princípio da irretroatividade contido no arti-go 150, iii, “a”, da Constituição Federal, que proíbe que a lei que institui tributo tenha, como fato gerador deste, fato ocorrido antes do início da vigência dela. recurso extraordinário conhecido com base na letra “b” do inciso iii do artigo 102 da Constituição Federal, mas a que se nega provimento porque o mondado de segurança foi concedido para impedir a cobrança das parcelas da contri-buição social cujo fato gerador seria o lucro apurado no período-base que se encerrou em 31 de dezembro de 1988. Declaração de inconstitucionalidade do artigo 8º da Lei 7689/88.

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...................................................................................................................................Sendo, pois, a contribuição instituída pela Lei 7.689/88 verdadeiramente con-tribuição destinada ao financiamento da seguridade social, com base no inciso i do artigo 195 da Carta Magna, segue-se a questão de saber se essa contribuição tem, ou não, natureza tributária em face dos textos constitucionais em vigor. Perante a Constituição de 1988, não tenho dúvida em manifestar-me afirmati-vamente. De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas. No tocante às contribuições sociais – que dessas duas modalidades tributárias é a que interessa para este julgamento –, não só as referidas no artigo 149 – que se subordina ao capítulo concernente ao sistema tributário nacional – têm natureza tributária, como re-sulta, igualmente, da observância que devem ao disposto nos artigos 146, iii, e 150, i e iii, mas também as relativas à seguridade social previstas no artigo 195, que pertence ao título “Da ordem social”. Por terem esta natureza tributária é que o artigo 149, que determina que as contribuições sociais observem o inciso iii do artigo 150 (cuja letra b consagra o princípio da anterioridade) exclui dessa observância as contribuições para a seguridade social previstas no artigo 195, em conformidade com o disposto no par. 6º deste dispositivo, que, aliás, em seu par. 4º, ao admitir a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, determina se obedeça ao dis-posto no art. 154, i, norma tributária, o que reforça o entendimento favorável á natureza tributária dessas contribuições sociais. Deve-se considerar, entre-tanto, que a norma prevista no artigo 15 da lei em referência é concessiva de isenção. A isenção, como modalidade de exclusão do crédito tributário (CTN, art. 175), depende de critérios estabelecidos pelo legislador. [grifamos]

Assim, cabe ao Código Tributário Nacional estabelecer “normas gerais” em matéria tributária, o que inclui as isenções. As normas gerais não podem, com efeito, distender o que a lei específica restringir.

De acordo com a Constituição Federal em vigor, o artigo 195, § 7º concede imunida-de ao pagamento de contribuições ao custeio da seguridade social às instituições de assistên-cia social que atenderem aos requisitos definidos em lei.

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Como se sabe, boa parte da tributação destinada à seguridade social, cobrada das empresas, tem por fato gerador e base de cálculo a receita destes entes. As contribuições que incidem sobre a receita das pessoas jurídicas, são, notadamente, as contribuições ao PiS e a CoFiNS, regulamentadas pelas Leis 9.718/98, 10.637/2002 e 10.833/2003. Além dessas, tam-bém se conhece a incidência de contribuições sobre a remuneração paga a terceiros, as quais estão previstas no artigo 22, iii e iV da Lei 8.212/1991.

No caso das companhias estatais que prestam serviços públicos o objetivo de eventual desoneração dessas contribuições sociais é, evidentemente, propiciar a elevação dos resulta-dos operacionais da entidade, de modo a ensejar maior mobilidade financeira para investi-mentos nas finalidades essenciais da instituição.

Apesar de o artigo 195, § 7º, da Constituição Federal, ter se referido ao direito de isenção das contribuições à seguridade pelas entidades de assistência social, existe consenso na jurisprudência do STF de que a norma constitucional que concede favor fiscal o faz por meio de imunidade, como ficou pacificado no rMS 22192/DF, rel. Min. Celso de Melo.

EMENTA: MANDADo DE SEGUrANÇA - CoNTriBUiÇÃo PrEViDEN-CiáriA - QUoTA PATroNAL - ENTiDADE DE FiNS ASSiSTENCiAiS, FiLANTrÓPiCoS E EDUCACioNAiS - iMUNiDADE (CF, ArT. 195, § 7º) - rECUrSo CoNHECiDo E ProViDo. - A Associação Paulista da igreja Ad-ventista do Sétimo Dia, por qualificar-se como entidade beneficente de assistên-cia social - e por também atender, de modo integral, as exigências estabelecidas em lei - tem direito irrecusável ao benefício extraordinário da imunidade subje-tiva relativa às contribuições pertinentes à seguridade social. - A cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Carta Política - não obstante referir-se impropriamente à isen-ção de contribuição para a seguridade social -, contemplou as entidades beneficen-tes de assistência social, com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei. A jurisprudência constitucio-nal do Supremo Tribunal Federal já identificou, na cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Constituição da República, a existência de uma típica garantia de imuni-dade (e não de simples isenção) estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social. Precedente: RTJ 137/965. - Tratando-se de imunidade - que decorre, em função de sua natureza mesma, do próprio texto constitucional -, revela-se evidente a absoluta impossibilidade jurídica de a autoridade executiva, mediante deliberação de índole administrativa, restringir a eficácia do preceito inscrito no art. 195, § 7º, da Carta Política, para, em função de exegese que cla-ramente distorce a teleologia da prerrogativa fundamental em referência, negar,

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à entidade beneficente de assistência social que satisfaz os requisitos da lei, o benefício que lhe é assegurado no mais elevado plano normativo. [grifamos]

Daí por que é lícito admitir que o § 7º do artigo 195 da Constituição Federal previu imunidade das instituições que menciona à obrigação de pagar contribuições à seguridade social, devendo a lei regular a extensão do exercício desse direito.

o artigo 55 da Lei 8.212/1991 estabelece as condições aludidas no texto da Consti-tuição, como se vê:

Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente: (Vide Lei nº 9.429, de 26.12.1996)i - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;ii - seja portadora do Certificado e do registro de Entidade de Fins Filantrópi-cos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; (redação dada pela Lei nº 9.429, de 26.12.1996) (Vide Medida Provisória nº 2.187-13, de 24.8.2001)iii - promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social bene-ficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e porta-dores de deficiência; (redação dada pela Lei nº 9.732, de 11.12.98) iV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou ben-feitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer tí-tulo;V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando, anualmente ao órgão do iNSS competente, relatório circunstanciado de suas atividades. (redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)§ 1º ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este artigo será requerida ao instituto Nacional do Seguro Social-iNSS, que terá o prazo de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.§ 2º A isenção de que trata este artigo não abrange empresa ou entidade que, tendo personalidade jurídica própria, seja mantida por outra que esteja no exercício da isenção.§ 3º Para os fins deste artigo, entende-se por assistência social beneficente a prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar. (incluído pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)

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§ 4º o instituto Nacional do Seguro Social - iNSS cancelará a isenção se ve-rificado o descumprimento do disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)§ 5º Considera-se também de assistência social beneficente, para os fins deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos sessenta por cento ao Sistema Único de Saúde, nos termos do regulamento. (Incluído pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)

Para a efetividade do benefício a essa imunidade, a entidade deverá voltar sua atua-ção ao segmento da assistência social para atender à determinação constitucional.

Não é comum o Estado constituir empresa pública ou sociedade de economia mista para desenvolver esse tipo de atividade. Na área da saúde, entretanto, existem exemplos de empresas públicas que atendem tanto ao SUS quanto a demandas particulares. Assim, obtêm receitas pagas por ambas as fontes.

Pelo critério da finalidade, não é difícil concluir que um hospital público, ainda que constituído na forma de empresa pública, desempenhe atividade de assistência social, uma vez que o conceito decorrente dessa locução não pode se restringir a um aspecto isolado de amparo à pessoa em situação vulnerabilidade social. A interpretação sistemática do artigo 195, § 7º da Constituição Federal leva à conclusão de que entidade beneficente de assistência social é toda aquela que entregar à sociedade bens sociais que o Estado poderia fazê-lo como instrumento de alcance do bem-estar de todos. A saúde, inegavelmente, é um bem social, tan-to que o capítulo da Constituição Federal que disciplina essa matéria pertence ao Título Viii, que trata da “ordem social”.

Seguindo esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, empresa pública criada pela Lei 5.604/1970 está enquadrado nos conceitos de instituição educacional e de assistência social, fazendo jus aos benefícios dos arts. 150, Vi, c e 195, §7º, ambos da Constituição Federal.

rECUrSo ESPECiAL N° 273.135/rSrel. Min. José DelgadoTriBUTário. iPi E ii. EQUiPAMENToS HoSPiTALArES. iSENÇÃo. HoSPiTAL DE CLÍNiCAS DE PorTo ALEGrE. EMPrESA PÚBLiCA. LEi Nº 5.604/70, rEVoGADA PELo DECrETo-LEi Nº 1.726/79. EXCEÇÃo À ATiViDADES CiENTÍFiCAS, EDUCACioNAL E DE ASSiSTÊNCiA So-CiAL. PrECEDENTES.

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1. recurso Especial interposto contra v. Acórdão segundo o qual o Decreto-Lei nº 1.726/79, ao revogar as isenções concedidas às importações realizadas por entidades da Administração indireta Federal, Estadual e Municipal, excepcio-nou as operações de importação realizadas por instituições científicas, educa-cionais e de assistência social, o que abrangeria o Hospital de Clínicas de Porto Alegre. [grifamos](...)7. recurso especial improvido.

Desde que a companhia estatal preencha todos os requisitos estabelecidos pelo ar-tigo 55 da Lei 8.212/1991, não haverá empecilho jurídico para que usufrua a imunidade fiscal.

isso ocorrendo, não se pode chegar a outra conclusão, senão a de que os hospitais públicos constituídos como empresas públicas gozam também de imunidade ao recolhimento de contribuições sociais destinadas à seguridade social, o que inclui: a) contribuição patronal (CF, art, 195, “a” e art. 22, i e ii da Lei 8.212/1991); b) contribuição ao Programa de Integração Social – PiS (CF, art. 239, Lei 9.718/1998 e Lei 10.637/2002); c) contribuição para o Financia-mento da Seguridade Social – CoFiNS (CF, art. 195, i, “b”, Lei 9.718/1998 e Lei 10.833/2003); d) contribuição Social sobre o Lucro – CSL (CF, art. 195, i, “c” e Lei 7.689/1988); e) contribuição sobre a remuneração de terceiros (CF, art. 195, i “a” e art. 22, iii e iV da lei 8.212/1991; f) con-tribuição social sobre importação de produtos estrangeiros e serviços (CF, art. 149, § 2º , ii e arts. 2º, Vi e art. 10 da Lei 10.865/2004). 4. O alcance do direito a benefícios tributários para empresas estatais prestadoras de serviço público

A lei que autoriza a criação de empresa estatal pode prever que a entidade fique isenta do pagamento de “tributos federais”. Essa locução deve ser contextualizada. Antes da Constituição Federal vigente, tomando-se por base a Carta anterior (1967 e a EC n 1 de 1969), consideravam-se espécies tributárias as que estavam definidas no artigo 5º do Código Tribu-tário Nacional, quais sejam, impostos, taxas e contribuições de melhoria.

o empréstimo compulsório, apesar de constar do texto constitucional revogado (CF/1967, art. 21, § 2º, ii), não era classificado, exatamente, como espécie tributária, porquanto possuía – como ainda possui – a característica da devolução em espécie, o que gera polêmicas na seara das finanças públicas, pois pode não ser caracterizado como receita.

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As contribuições também estiveram presentes na Constituição passada, tanto as destinadas ao custeio dos direitos sociais do trabalhador (CF/1967, art. 43, X) quanto as de intervenção no domínio econômico e corporativas (CF/1967, art. 22, § 2º, i).

Com lastro naqueles dispositivos, leis específicas podiam conferir isenções tributá-rias a diversas empresas estatais voltadas à prestação de serviços públicos. Como não havia dispositivo parelho ao artigo 173, § 1º, ii da atual Constituição na Carta revogada, o benefício fiscal outorgado às estatais convivia em objetiva harmonia com o ordenamento jurídico da época.

o advento da Constituição Federal de 1988 tornou o assunto controvertido, por-quanto há um número considerável de sociedades estatais que gozavam de isenções de tri-butos federais (impostos e contribuições em regra). igualmente, poderiam ser agraciadas também com isenções de tributos estaduais e municipais, caso houvesse relevante interesse social ou econômico nacional (CF/1967, art. 21, § 2º). Quanto a este último aspecto, tem-se que tais leis não foram recepcionadas. o artigo 151, iii, da Constituição em vigor veda que a União possa estabelecer isenções de tributos da competência dos demais entes federa-dos.

Por outro lado, ao igualar, no inciso ii do § 1º do artigo 173 o regime jurídico das empresas estatais ao regime do direito comum, a Constituição de 1988 não pretendeu, exa-tamente, confundir atividade econômica com serviços públicos. Cabe o exame concreto de quando se verifica uma ou outra atividade desenvolvida pelo ente. o fato de a Constituição Federal de 1988 ter previsto que a Lei estabeleceria o esta-tuto jurídico das empresas estatais sujeitando-as ao mesmo regime tributário das empresas particulares, não pode levar ao entendimento de que a Constituição não teria recebido as leis que concederam isenções às estatais. Consoante o dispositivo:

Art. 173. ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

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ii - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) [grifamos]

o artigo 173 da Constituição Federal não deve ser submetido a simples interpretação literal, sob pena de se distorcer a lógica que permitiu ao Constituinte ter incluído esse dis-positivo na Constituição. É necessário, conforme já se alertou, examinar o tipo de atividade exercido, se tal se encaixa na noção de serviço público como elemento de interdependência social, ou se é mera atividade econômica.

Daí a conclusão inevitável, nessa linha de argumentos, de que se a legislação in-fraconstitucional isentar a empresa do pagamento de tributos não ocorrerá incompatibi-lidade com a Constituição vigente, porquanto a empresa estatal beneficiária estará fora do alcance da norma do artigo 173 da Constituição. Além disso, ressalte-se, que a isenção a ser concedida pelo legislador poderá ser ampla, abrangendo, inclusive, qualquer espécie tributária.

�. A adequada exegese da vedação a privilégios fiscais para companhias estatais prestado-ras de serviços públicos não extensíveis ao setor privado

Não se ignora o fato de que se pode alegar a paridade de regimes entre estatais e empresas particulares com supedâneo no § 2º do artigo 173 da Constituição da república, que prescreve: as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

É evidente que a análise desse dispositivo depende da interseção dele com o § 1º do próprio artigo 173. o parágrafo em questão vincula as entidades que menciona (empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias) à exploração de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços.

Com lastro no que já se articulou, a locução prestação de serviços (sem o qualificativo público) está associada à atividade econômica em sentido estrito, qual seja, aquela atinente ao mercado no qual os interesses não se atrelam à noção de interdependência dos indivíduos que integram a sociedade. Daí por que, ao desempenhar atividade econômica por meio de entidades estatais que se dedicam à comercialização de bens ou prestação de serviços, o Estado comparece no domínio econômico como se fosse o particular. No fim, o Poder Público utiliza sua condição privilegiada de detentor da geração de capital e da produção de normas jurídicas oficiais para ingressar em seara que não lhe é própria. Deverá, nesse caso, ter atuação excepcional.

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isso não deve ser confundido com a prestação de serviços públicos, máxime por-que estes se subsumem a verificação de interdependência do todo que compõe a socie-dade. Noutras palavras, algumas atividades desenvolvidas pelo Estado têm caráter com-pulsório, sob pena de comprometer seu desenvolvimento coeso. A falta de determinados serviços, quer por desinteresse do setor privado em sua prestação, quer por incúria do Poder Público, obriga o indivíduo a criar alternativas de solução da carência que podem privar terceiros dessa mesma solução, ou, o que é pior, a solução empregada por uns pro-picia o prejuízo de outros. Com isso se tem um obstáculo ao desenvolvimento coeso da sociedade.

É o que ocorre, por exemplo, com os serviços de saneamento básico, limpeza pú-blica, saúde, educação ou transporte coletivo. A solução privada de esgotamento sanitário, por exemplo, diante da omissão da prestação do serviço público, normalmente implica no despejo de dejetos em locais usufruídos por outros. A prática de socialização das perdas não contribui, obviamente, para o desenvolvimento coeso da sociedade. o mesmo se diga sobre limpeza pública, a retirada de resíduos sólidos pelo particular em local por ele determinado, não implica na limpeza do ambiente em sua necessária totalidade, o que priva terceiros desse benefício. os casos de saúde e educação são emblemáticos, porquanto tratam de bens de aces-so ao desenvolvimento social em bases isonômicas. o fornecimento parcial desses bens por ausência de sua prestação para todos propicia efeitos que comprometem a convivência har-moniosa entre os integrantes da sociedade. isso porque, em condições de higidez e detentora de conhecimentos específicos, a pessoa terá, provavelmente, melhor desempenho econômico em relação a que ficou desprovida desses bens.

os exemplos dados, apesar de evidentes, servem para reforçar o argumento de que a prestação de serviços públicos se distingue do oferecimento de serviços como atividade pri-vada específica, porquanto, naquele caso, a ausência do serviço leva a prejuízos vividos por todos, direta ou indiretamente; a falta do serviço nesta última situação, privará de seu forne-cimento somente o interessado.

Por essa lógica, observa-se que não é conveniente que o intérprete confunda as lo-cuções empregadas pela Constituição. Serviço público deve ser executado em regime de di-reito público, salvo os casos de concessão em que pode pairar certo hibridismo de regimes. A prestação de serviços como instrumento de intervenção do Estado no domínio econômico congrega outras espécies de prestações, as quais devem ser examinadas à luz da técnica re-sidual ou de exclusão dos conceitos. Primeiramente, cabe ao exegeta observar se a prestação executada se insere nas características de interdependência. Não se verificando essa hipótese, é caso de prestação de serviço comum.

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Todo o artigo 173, consequentemente, presta-se a regular a presença do Poder Pú-blico no segmento privado, que não é exclusivo dos particulares. igualmente, a prestação de serviços reservada ao Estado não é privativa deste, podendo ser compartilhada com o setor privado, desde que tenha interesse. Eventuais isenções fiscais ao particular que atuar na seara da prestação de serviços públicos é medida de política fiscal a cargo do Legislador.

Quanto às companhias estatais que prestam serviços públicos, os benefícios fis-cais são os determinados pela Constituição a título de imunidade, quando o campo de atuação for a educação e assistência social, incluindo-se nesta última a atividade de saúde (CF, art. 150, Vi, c). Nos demais campos de atuação, os favores fiscais deverão ser outor-gados pela lei.

Diferentemente da atuação de entes estatais no setor produtivo, no caso da prestação de serviços públicos executados também por particulares, não haverá choque de legalidade na hipótese de uma companhia estatal possuir benefícios fiscais concedidos por lei e a empresa particular não contar com o mesmo favor tributário.

A regra do § 2º do artigo 173 da Constituição é dirigida para a prestação de serviços comuns que pode ser desempenhada pelo Poder Público em regime de direito privado. Nesses casos, não poderá haver diferença de tratamento tributário entre as empresas governamentais e as dos particulares. A outorga de benefícios fiscais para empresas públicas e sociedades de economia mista não extensíveis ao setor privado, quando o Estado estiver desempenhando atividade econômica em sentido estrito, implicará situação de desigualdade em relação à em-presa particular em segmento que é próprio do regime privado. Na essência, ficará evidente a disputa desleal de mercado entre Poder Público e particular, devendo aquele, possivelmente, lograr mais vantagens dessa situação.

Na hipótese inversa, isto é, a inserção do particular no segmento da prestação de serviços públicos, dá-se não exatamente pela lógica da disputa de mercado, mas pelo compar-tilhamento de atuações. observe-se, consoante se alertou no item anterior, há duas maneiras de o setor privado atuar no campo reservado à prestação de serviços públicos. o primeiro é através das concessões e permissões de serviço público. Nessas hipóteses, o Estado abre mão da execução direta do serviço preferindo transferi-lo ao particular. A outra forma tem a ver com os serviços não-privativos. Nesses casos, apesar de o setor privado poder prestar serviço ontologicamente público, na media em que assume essa execução, tem-se o desempenho de mera atividade econômica. Caso o Estado, por intermédio de companhias estatais, resolva também atuar nesse tipo de prestação, como ocorre com a prestação do serviço público de saúde através de hospitais (empresas públicas), trata-se de serviço público e não de atividade

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econômica. Para desempenhar atividade econômica o Estado tem que intervir no domínio econômico por meio de suas empresas (CF, art. 173). É o caso, portanto, da situação prevista no § 2º do artigo 173 da Constituição Federal, pois que, nessa hipótese, o Poder Público, por meio de companhias estatais decide desempenhar atividade econômica em sentido estrito, o que pode se dar através da prestação de serviços (privados).

Ainda que se possa argumentar que as leis que concederam isenções às estatais antes da Constituição vigente não tenham sido recepcionadas, essa asserção cai por terra quan-do se examina que o regime tributário das empresas estatais prestadoras de serviço público não pode ser o mesmo das empresas prestadoras de serviços sob a tutela do regime privado. Assim, ao legislador é lícito estabelecer regime tributário favorecido às companhias estatais prestadoras de serviços públicos, mesmo que igual benefício não seja concedido às empresas particulares.

6. Conclusão

A partir dos fundamentos apresentados, infere-se que as entidades estatais de eco-nomia mista, empresas públicas e subsidiárias, quando prestadoras de serviços públicos de saúde ou de atividades de assistência social são imunes aos impostos a que se refere o artigo 150 caput da Constituição Federal. Do mesmo modo, tais entes também estão protegidos à tributação por meio de contribuições sociais, ante a imunidade do artigo 195, § 7º da Carta Política.

Entende-se por serviço público a atividade caracterizada por elemento material que demonstre necessária relação de interdependência entre os usuários, sem a qual não se al-cança o desenvolvimento coeso da sociedade. Atividade econômica, por sua vez, é atuação no mercado privado de oferta de produtos ou serviços, com pretensão de lucro por parte de quem vende ou executa serviços, sem relação de interdependência entre todos os integrantes da sociedade. o inter-relacionamento dos agentes do mercado, por sua vez, dá-se apenas en-tre os integrantes das relações de troca daqueles bens. Por não desempenharem atividade econômica típica do setor privado, as empre-sas estatais quando prestadoras de serviços públicos não se sujeitam às normas estabeleci-das no artigo 173 da Constituição Federal, as quais igualam a empresa estatal ao regime jurídico comum das empresas particulares, em especial no que tange às obrigações tri-butárias. Somente estarão sujeitas ao regime tributário das empresas comuns, as estatais que desempenharem atividade econômica como instrumento de intervenção no domínio econômico.

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As isenções tributárias eventualmente outorgadas em favor de companhias estatais antes da Constituição vigente foram recepcionadas, conclusão que não se aplica aos casos de isenções cometidas por leis federais a tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Município, por força do artigo 151, iii da Carta Magna.

Não estando abrangidas pelo artigo 173 da Constituição Federal, e por prestarem serviços públicos, eventual receita decorrente das atividades executadas pelas empresas estatais é isenta de tributos federais, desde que exista previsão legal específica. Por tributos federais entendem-se os impostos insertos no artigo 153, taxas a que alude o artigo 145, ii, as contri-buições de melhoria do artigo 145, iii, empréstimos compulsórios referidos nos artigos 148, i e ii, as contribuições dispostas no artigo 149 e as contribuições para a seguridade social inseridas no artigo 195, todos da Constituição da república.

7. Referências

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MELLo. Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. pp. 655-656.

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PiETro, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 96.

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