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COMUNICAÇÃO É 14 14 MEA CULPA? POR CAMILA MENDONÇA Após sustentabilidade, saúde e qualidade de vida dos consumidores passam a dar o tom das campanhas de grandes empresas fim de expediente quando um funcioná- rio caminha, no escri- tório já vazio, em di- reção a uma máquina de refrigerantes. Antes de pe- gar uma garrafa de Coca-Cola, uma voz lhe chama a atenção e o conduz a uma sala escura. A partir daí inicia-se uma con- versa entre ele e uma... cadeira. “Você sabe quem nós somos? Somos o poder”, “diz” a cadeira. É dessa forma que começa recente cam- panha da Coca-Cola, veiculada desde março na Espanha. Com o título “e se nos levantarmos?”, o comercial tem o intuito de in- centivar os consumidores a, lite- ralmente, se levantarem, como uma forma de protesto ao “poder” das cadeiras. Com o comercial, a companhia trata de uma questão cada vez mais frequente nas publicidades das empresas: a preocu- pação com a saúde 14 dos consumidores. Não é de hoje que há um debate no mercado a respeito da responsabilidade das companhias sobre a qualidade de vida das pessoas, principalmente em um cenário marcado pelo au- mento da obesidade e de doenças decorrentes do sedentarismo. Em relatório divulgado em 2012, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que a obesidade causa a morte de cerca de 2,8 mi- lhões de pessoas por ano e 12% da população mundial é obesa – situação que agrava problemas como diabetes, hipertensão arte- rial e doenças cardiovasculares. Diante dos números, os ór- gãos de saúde de diversos países empenham-se em dar cada vez mais informação às pessoas sobre os benefícios de uma alimenta- ção e de rotinas mais saudáveis.

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Revista Varejo & Oportunidades

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Page 1: Empresas investem em publicidade focadas em saudabilidade

COMUNICAÇÃO

É

1414

mea culpa?

POR CAMILA MENDONÇA

Após sustentabilidade, saúde e qualidade de vida dos consumidores passam a dar o tom das campanhas de grandes empresas

fim de expediente quando um funcioná-rio caminha, no escri-tório já vazio, em di-reção a uma máquina

de refrigerantes. Antes de pe-gar uma garrafa de Coca-Cola, uma voz lhe chama a atenção e o conduz a uma sala escura. A partir daí inicia-se uma con-versa entre ele e uma... cadeira. “Você sabe quem nós somos? Somos o poder”, “diz” a cadeira. É dessa forma que começa recente cam-panha da Coca-Cola, veiculada desde março na Espanha. Com o título “e se nos levantarmos?”, o comercial tem o intuito de in-centivar os consumidores a, lite-

ralmente, se levantarem, como uma forma de protesto ao

“poder” das cadeiras. Com o comercial, a

companhia trata de uma questão cada vez mais frequente nas publicidades das empresas: a preocu-pação com a saúde

14

dos consumidores. Não é de hoje que há um debate no mercado a respeito da responsabilidade das companhias sobre a qualidade de vida das pessoas, principalmente em um cenário marcado pelo au-mento da obesidade e de doenças decorrentes do sedentarismo. Em relatório divulgado em 2012, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que a obesidade causa a morte de cerca de 2,8 mi-lhões de pessoas por ano e 12% da população mundial é obesa – situação que agrava problemas como diabetes, hipertensão arte-rial e doenças cardiovasculares.

Diante dos números, os ór-gãos de saúde de diversos países empenham-se em dar cada vez mais informação às pessoas sobre os benefícios de uma alimenta-ção e de rotinas mais saudáveis.

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Conscientes, os consumidores passaram de agentes passivos para ativos e agora exigem do mercado produtos e serviços mais alinha-dos a essas questões.

“As pessoas buscam mais quali-dade de vida e as empresas precisam atender a esta demanda. Elas não têm escolha”, afirma o professor e coordenador dos cursos de pós--graduação na área de marketing da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), Richard vi-nic. “As empresas estão abordando essas questões porque não podem perder mercado”, completa a coor-denadora geral de pós-graduação da BSP (Business School São Paulo), Márcia Auriani.

Para a Coca-Cola, a questão não é apenas de participação de mercado, mas de posicionamento, de acordo com a diretora de ma-rketing da empresa no Brasil, Ana Paula Castello Branco. “Temos uma preocupação com a transparên-cia e em levar as verdades da marca para os consumidores”, afirma.

Segundo a executiva, tudo o que é feito em comunicação é ba-seado nas necessidades dos clien-tes. E tratar sobre temas relaciona-dos à saúde é uma delas. “Estamos começando a trabalhar a questão da obesidade porque entendemos que ela é crescente”, afirma Ana Paula.

Nos Estados Unidos, cam-panhas que discutem a questão começaram a ser veiculadas no início deste ano, após a cidade de Nova York proibir a venda de re-frigerantes em copos grandes, de quase meio litro. Em comunicado emitido pela empresa à época, a estratégia das campanhas em ter-ritório norte-americano visava esclarecer a quantidade de calo-rias em seus produtos.

Mas não é apenas em ações internacionais que a empresa aborda esses temas. No Brasil, a mais recente campanha da Coca--Cola, “Energia positiva”, reflete essa preocupação. O comercial informa a quantidade de calo-rias em uma lata e “maneiras di-

vertidas” de queimá-las, além de informar que existe uma opção sem calorias da bebida. “Queremos estimular as pessoas a ter um estilo de vida mais saudável e ativo. Que-remos fazer parte da solução e não do problema”, afirma Ana Paula.

IDENTIDADE Para não perder espaço no

mercado, algumas companhias sustentam um discurso em prol da saúde dos consumidores, mes-mo quando os produtos e servi-ços oferecidos não ajudam. “As empresas são fruto do ambiente em que estão inseridas. E se o merca-do aponta mudanças no compor-tamento do consumidor, elas é que vão determinar a sobrevivência do negócio. As empresas antenadas so-breviverão. O grande paradoxo nes-sa questão é quando o ‘core business’ da companhia não está alinhado a essa demanda”, diz o coordenador de CBA Marketing (Certificate in Business Administration) do

“As pessoas buscam mais qualidade de vida e as empresas precisam atender a esta demanda. Elas não têm escolha”

Richard Vinic, professor e coordenador dos cursos de pós-graduação na área de marketing da FAAP

“As empresas estão abordando essas questões porque não podem perder mercado”

Márcia Auriani, coordenadora geral de pós-graduação da BSP (Business School São Paulo)

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Ibmec, Eduardo Andrade. Esse paradoxo, segundo ele, pode criar uma crise de imagem e identida-de da empresa.

Segundo especialistas, a Co-ca-Cola tem se reposicionado ao longo dos anos, acompanhando as mudanças dos hábitos dos consumidores. E ainda que haja consenso de que refrigerante não é um produto saudável, a com-panhia conseguiu alinhar valo-res, discurso e necessidades dos clientes ao ampliar o mix e pas-sar a ser uma empresa de bebidas e não apenas de refrigerantes. “Ela vende estilo de vida e adotou

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questão sem perder a confiança do mercado. Tanto que é a marca preferida dos consumidores de 32 países, segundo ranking de 2012 da Kantar Worldpanel Global di-vulgado em maio.

Contudo, há mercados em que é mais difícil falar sobre saúde, como em alguns setores de alimentação. Nessa seara, há quem diga que marcas como a rede McDonald’s passam por problemas de posicionamento ao apresentar discursos a favor de uma vida mais saudável, ten-do como principal produto ali-mentos que não condizem com uma dieta equilibrada. “Não há nenhuma crise de identidade. Nosso direcionamento é claro: o de oferecer ao cliente variedade para atendê--lo melhor”, ressalta Celso Cruz, diretor de supply chain da Arcos Dorados, companhia que opera a marca McDonald’s no Brasil.

Diante de uma demanda crescente por opções mais sau-dáveis, a companhia investiu na diversificação do cardápio e fez parcerias com fornecedores para reduzir em 10% a quantidade de sódio nos pães e em 40% a de

“Estamos começando a trabalhar a questão da obesidade porque

entendemos que ela é crescente. Queremos fazer parte da solução e não do problema”

Ana Paula castello Branco, diretora de marketing da Coca-Cola Brasil

“As empresas são fruto do ambiente em que estão inseridas. E se o mercado aponta mudanças no comportamento do consumidor, as empresas antenadas sobreviverão. O grande paradoxo nessa questão é quando o ‘core business’ da companhia não está alinhado a essa demanda”

Eduardo Andrade, coordenador de CBA Marketing do Ibmec

um caminho respeitando a identi-dade e o posicionamento da marca”, avalia vinic.

Ao estimular o consumidor a ter uma rotina mais ativa e es-clarecer dúvidas sobre os seus produtos, a companhia encon-trou uma forma de lidar com a

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Coca-Cola apresenta maneiras divertidas do consumidor queimar calorias

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“Não há nenhuma crise de identidade. Nosso direcionamento é claro: o de oferecer ao cliente variedade para atendê-lo melhor”

celso cruz, diretor de supply chain da Arcos Dorados

açúcar adicionado às bebidas de frutas, entre outras medidas. Não é de hoje essa preocupação em se alinhar ao novo comportamento dos consumidores, afirma Cruz. Em 1994, a rede passou a divul-gar as tabelas nutricionais dos lanches, e a introdução de itens mais saudáveis foi sendo feita aos poucos.

Agora, a marca está com cam-panha no Brasil sobre a origem dos alimentos vendidos nos restauran-tes. “É uma continuidade do nosso processo de transparência e da forma como fazemos negócio. O cliente não sabe o que existe atrás do balcão e é nossa obrigação mostrar o quanto so-mos preocupados com a qualidade dos nossos produtos”, afirma.

A campanha “além da cozi-nha” convida o consumidor, por meio de comerciais e da inter-net, a conhecer “de perto” toda a cadeia produtiva da rede, des-de a produção dos insumos, nos campos, granjas e hortas, até a entrega dos itens na bandeja do consumidor. A ação será veicu-lada ao longo de todo ano na América Latina.

Para Cruz, a campanha torna a marca ainda mais competitiva. “Sendo transparente, dando segu-rança e variedade para o cliente e oferecendo o ambiente que temos nos restaurantes, nos tornamos mais competitivos. Construímos uma plataforma que atende a todos os gostos, oferecendo variedade de pro-dutos e preços. Foi um processo lon-go”, afirma.

Apesar das ações, a rede é muitas vezes acusada de contri-buir para o aumento da obesida-de das pessoas. “O brasileiro vai ao restaurante em média 2,3 vezes por mês. Dizer que somos respon-sáveis pela obesidade de crianças e adultos, como muitas vezes somos

acusados, é um absurdo sem tama-nho”, avalia Cruz.

As mudanças introduzidas pela marca ao longo dos anos têm sido bem vistas pelo mercado, mas ainda há críticas quando o assunto é branding. “Dificilmente alguém vai ao McDonald’s comer maçã e salada. Oferecer algo que não condiz com a identidade original da rede, que é vender fast-food, pode ser prejudicial para a marca”, avalia Márcia, da BSP.

Para vinic, da FAAP, ao ofe-recer outras soluções, a rede de alimentação permitiu ao consu-midor escolher o que quer. “Se uma marca muda, ela mostra ao consumidor que está acompanhando suas necessidades e respeitando suas escolhas. E isso é positivo. Por en-quanto, tratar dessas questões não se

resume a uma estratégia de marke-ting, mas de sobrevivência”.

Andrade, do Ibmec, acredita que em mercados árduos para fa-lar sobre saúde, como os que estão inseridos gigantes como Coca--Cola e McDonald’s, é difícil sa-ber se o discurso apresentado em campanhas publicitárias reflete uma preocupação real ou um mea culpa. O que é fato, considera, é que empresas líderes de merca-do já capturaram sinais de que o tema pauta o consumidor.

“E quem não estiver alinhado vai entrar no efeito manada. Empresas fortes aplicam essa tendência, mas as mudanças devem ser graduais, para não haver desconstrução de marcas, que, por vezes, foram construídas ao longo de décadas. Mudanças drásticas causam ruptura de reputação”, diz.

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Campanha do McDonald’s mostra a origem dos alimentos

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