“emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “emprego assistido de...

30
www.ts.ucr.ac.cr XVI Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social “La Globalización y su Impacto en el Trabajo Social hacia el Siglo XXI” Santiago de Chile, 9 -13 Novvembre 1998 “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho trabalho e desafios à intervenção profissional” Myrtes de Aguiar Macêdo Professora Doutora Departamento do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio Ponencia: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho e desafios à intervenção profissional”

Upload: doananh

Post on 10-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr

XVI Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social

“La Globalización y su Impacto en el Trabajo Social hacia el Siglo XXI”

Santiago de Chile, 9 -13 Novvembre 1998

“Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho

trabalho e desafios à intervenção profissional”

Myrtes de Aguiar Macêdo

Professora Doutora

Departamento do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio

Ponencia: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho e desafios à

intervenção profissional”

Page 2: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 2

INTRODUÇÃO

Esta comunicação tem como objetivo examinar os programas de formação e

incorporação de adolescentes no mercado de trabalho na cidade do Rio de Janeiro,

resgatando algumas questões postas por uma pesquisa que coordenei, no período

de agosto de 1995 a fevereiro de 1997. Esta pesquisa teve como unidades de

análise 9 projetos de inserção de adolescentes no mercado de trabalho localizados

nesta cidade e desenvolvidos por organizações não governamentais.Cabe assinalar

que o trabalho formal desse segmento da população, mesmo resguardado por uma

legislação específica de proteção, configura-se como um processo que alcança

apenas os adolescentes pobres, acarretando distorções na concretização da

proposta de trabalho educativo preconizada pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), promulgado em 1990. Desta forma, o trabalho do adolescente,

nesse contexto, pode ser identificado como mecanismo de aproveitamento de mão

de obra barata e desqualificada, com precários vínculos empregatícios, não

sintonizados com às necessidades físicas, sociais, psicológicas e afetivo-

emocionais desta faixa etária. Os projetos aqui estudados resultam de uma parceria

entre entidades assistenciais e empresas empregadoras, ficando as primeiras com

a responsabilidade pelo recrutamento, preparação, contratação e acompanhamento

dos adolescentes nos locais de trabalho; enquanto as segundas oferecem as vagas

e arcam com o pagamento do salário e de outras obrigações constantes da

regulamentação dos contratos. Com essa configuração, a inserção desses jovens no

mercado de trabalho adquire a forma de emprego assistido.

Para uma reflexão sobre a intervenção profissional nesse campo é

necessário procurar entender à iniciação do jovem no trabalho no contexto da

reestruturação produtiva e globalização excludente, caracterizada pela crise

estrutural do trabalho assalariado. Desta forma, a incerteza do trabalho aparece

como um dado novo que impacta o processo atual de formação para o trabalho. A

questão que se coloca é como pensar a formação dos jovens para o trabalho em um

Page 3: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 3

cenário onde o desemprego é crescente e a situação do trabalho torna-se cada vez

mais incerta. Portanto, a indagação central nesta reflexão consiste: o que significa a

formação/incorporação de adolescentes no mercado de trabalho num mundo como

este? Levando em conta os movimentos contraditórios e os limites da própria

sociedade, é possível distinguir no amplo e diversificado campo da formação e

inserção de adolescentes no mundo do trabalho, as experiências das ONGs, cujas

iniciativas se constituem alternativas de formação profissional ao desemprego e que

são contruidas na perspectiva da educação pelo trabalho como parte integrante de

um projeto maior de transformação da sociedade.

Os questionamentos aqui levantados quanto ao emprego assistido de

adolescentes se increvem em dois planos interrelacionados de análise: o interno que

se refere às condições objetivas nas quais se constroem a relação entre trabalho e

educação no âmbito de cada projeto; e o externo que envolve a nova configuração

do trabalho no contexto da crise do capitalismo hoje.

Considerando que o trabalho infanto-juvenil é uma das expressões da

questão social enfrentada contemporaneamente pelos assistentes sociais no Brasil,

é necessário que este fenômeno seja decifrado em suas novas mediações o que

implica entendê-lo tanto nas suas manifestações no cotidiano dos sujeitos

envolvidos, como nas formas de enfrentamento engendradas por setores distintos da

sociedade movidos por interesses divergentes.Esta dupla perspectiva no trato da

questão social, na atualidade, vem sendo defendida por Iamamoto (1997), quando

afirma que a questão social: “sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver

sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opõem.” Nesta

reflexão a autora ressalta como de fundamental importância para o Serviço Social

“tanto apreender as várias expressões que assumem, na atualidade, as

desigualdades sociais - sua produção e reprodução ampliada - quanto projetar e

forjar formas de resistência e de defesa de vida”. Isto supõe evidentemente a

compreensão da reação dos sujeitos envolvidos com as manifestações da questão

social.

Page 4: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 4

A motivação para esta reflexão vincula-se às inquietações provocadas pela

crise do trabalho e seu impacto na intervenção profissional que se inscreve no

campo da educação para o trabalho.

CRISE E TRABALHO NO BRASIL

Várias pesquisas recentes mostram alterações marcantes no mercado de

trabalho no Brasil (Baltar, Dedecca e Henrique, 1996). Nesses estudos, o

desemprego aparece como o fenômeno que mais assusta o segmento da

população que vive do trabalho. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística) mostra que o índice de desemprego em dezembro de 1997 era de

4,84%, passando em março deste ano para 8,18% (Jornal Folha de São Paulo de 1º

de maio de 1998). Esse mesmo periódico, com base na pesquisa do professor da

UNICAMP, Márcio Pochmann, afirma que a década de 90, além de ter criado uma

multidão de desempregados, piorou a qualidade das ocupações. O que esta

matéria chama atenção é para o crescimento tanto do desemprego como do

trabalho assalariado sem carteira assinada, revelando desta forma, a face perversa

do mercado de trabalho brasileiro. A isto se acrescenta, segundo a matéria

divulgada, que os efeitos da crise nos anos 90, em decorrência da abertura da

economia ao exterior foram ampliados, chegando a produzir 3,3 milhôes de

desempregados. Nesse quadro de crise, uma série de direitos e mecanismos de

proteção passa a ser questionado na esteira de uma flexibilização nas relações de

trabalho, mudanças essas que impactam profundamente àqueles que vivem do

trabalho e consequentemente à intervenção do assistente social.

Sendo essa crise de abrangência mundial no sistema capitalista, o estudo de

Antunes (1995) traz elementos de análise bastante importantes para se entender, o

que na sua ótica, se denomina metamorfoses no mundo do trabalho no capitalismo

contemporâneo. Das contribuições do autor, nos chama atenção a sua percepção a

respeito da existência de uma mùltipla processualidade no mundo do trabalho,

caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização do trabalho industrial, fabril” e

Page 5: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 5

de outro, por uma “subproletarização intensificada” que se expressa pela expansão

do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado e terceirizado. Na visão de

Antunes, trata-se de uma processualidade contraditória e multiforme que resulta

numa grande heterogeneidade, fragmentação e complexificação da classe que vive

do trabalho. Assim, a crise no mundo do trabalho instalada nos países de

capitalismo avançado, na década de 80, no ponto de vista do autor, atingiu a

materialidade, a objetividade da classe trabalhadora como uma consequência da

derrocada do padrão fordista de produção fabril e da lógica taylorista de

organização do trabalho (Antunes, 1996). A dupla tendência no processo de

transformação no trabalho,por um lado, na direção da intelectualização do trabalho, e

por outro lado, no sentido da precarização, desqualificação e subproletarização vem

provocar grande impacto na questão da qualificação.

Voltando nossa atenção para o Brasil, e em particular para a região

metropolitana do Rio de Janeiro, os dados do IBGE são reveladores de uma

realidade muito adversa quanto às possibilidades de inserção dos jovens no

mercado de trabalho (Anexo 1). Os índices de desemprego nessa faixa etária, nos

anos 90, indicam a incapacidade do país de produzir ocupações suficientes para as

novas gerações que atingem a idade de trabalhar.

Do ponto de vista de Souza (1986) a taxa de deemprego, apesar de ser o

indicador do funcionamento do mercado de trabalho mais difundido, não mede

adequadamente o problema da escassez de empregos ante a oferta de

trabalhadores que caracteriza as economias capitalistas atrasadas. Essa análise

pretende mostrar que os índices de desemprego aberto não traduzem a realidade

por não considerar o setor informal.

A evidência do crescimento da informalização do trabalho no Brasil atual

expressa-se pelas mais variadas formas de mobilização e organização do trabalho

fora das relações de assalariamento, configurando-se como um conjunto pouco

definido e de difícil determinação empírica. Essas formas sociais de “produção da

sobrevivência” determinadas pelo processo de exclusão do mercado formal de

trabalho se constituem em novos desafios aos agentes de formação para o trabalho.

Page 6: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 6

“Educar para o emprego levou ao reconhecimento (trágico para alguns, natural para

outros) de que se devia formar também para o desemprego, numa lógica de

desenvolvimento que transforma a dupla trabalho/ausência de trabalho num

matrimônio inseparável” (Gentilli, 1998). Esta declaração elucida o maior desafio

colocado, na atualidade, aos agentes da educação profissional.

FORMAÇÃO E INCORPORAÇÃO DE ADOLESCENTES NO MERCADO DE

TRABALHO: breve análise das experiências do Rio de Janeiro

Nesse tópico procuramos introduzir elementos de configuração dos projetos

de inserção de adolescentes no mundo do trabalho realizados por entidades

assistenciais no Rio de Janeiro, além de algumas questões evidenciadas na

pesquisa.

A partir de 1995, o governo federal, através da Secretaria de Formação e

Desenvolvimento Profissional do Ministério do Trabalho, vem implementando o

PLANFOR (Plano Nacional de Educação Profissional) com o objetivo declarado de

“mobilizar, articular e otimizar, gradualmente, toda a capacidade e competência da

rede de educação profissional do país” .

Nessa rede de educação profissional compete às organizações não

governamentais, especialmente, uma atuação junto a comunidades pobres, voltada

para o atendimento “a jovens e adolescentes em situação de risco social”. Dados do

IBGE revelam que mais da metade da população infanto-juvenil brasileira vive em

famílias com renda mensal per capita igual ou inferior a meio salário mínimo. A

inserção precoce de crianças e jovens no mercado de trabalho e a baixa

escolarização desse segmento da população se incluem entre os efeitos mais

perversos dessa situação. A PNAD/95 estima que crianças e adolescentes na faixa

de 10 a 19 anos representam cerca de 12% da população economicamente ativa

(PEA), calculada em 74 milhões de trabalhadores. Conforme estudos do PLANFOR

(1996), embora a maior incidência do trabalho infanto juvenil se localize nas regiões

mais desenvolvidas do país (Sul-Sudeste) “este fato não indica necessarimente uma

Page 7: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 7

opção das famílias e seus filhos, mas se deve, em grande parte, ao maior elenco de

oportunidades de trabalho que existe nessas regiões - inclusive para crianças”.

Cabe ressaltar que vem sendo priorizado, como um dos objetivos do PLANFOR:

“estimular e apoiar a ampliação da oferta de emprego e de oportunidades de

geração de renda, buscando alternativas de trabalho autogerido , associativo ou em

micro e pequenos empreendimentos”. Assim, a política de educação profissional,

delineada pelo PLANFOR, deixa evidente o seu direcionamento para atividades de

geração de emprego e renda na economia informal.

Daqui para frente, concentraremos nossa atenção nos projetos de

formação/incorporação de adolescentes pesquisados na cidade do Rio de Janeiro.

Nesta cidade, registra-se um crescimento significativo dos projetos de

atendimento a crianças e adolescentes, sob a responsabilidde de ONGs, a partir do

final dos anos 80. O catálogo de ONGs, organizado por Lícia Valladares e Flávia

Impelizieri e publicado pelo IUPERJ em 1992, registra a existência de mais de 600

projetos de assistência infanto-juvenil. Já em 1994, outro cadastro, desta vez,

organizado pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente

indicava a existência de 370 ONGs que prestavam, no conjunto, 850 serviços

diversos de atendimento a crianças e adolescentes. Entre esses serviços, o de

profissionalização compreendendo cursos profissionalizantes, grupos de produção e

inserção de adolescentes no mercado de trabalho envolvia 260 ONGs. Diante desse

grande espectro de programas sociais no campo da educação profissional na

cidade do Rio de Janeiro e das limitações de recursos humanos na pesquisa, o

universo da investigação ficou restrito às entidades que realizavam projetos de

inserção de adolescentes no mercado de trabalho, localizadas no centro, zona sul,

zona Tijuca e arredores, conforme o zoneamento apresentado no Catálogo do

Projeto Roda Viva (1995). A partir dessa delimitação, foram mapeados 10 projetos,

com capacidade de atendimento para 3.165 adolescentes em, aproximadamente,

577 empresas conveniadas (Anexo 2).

Com a constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de

julho de 1990, redefine-se o paradigma que orienta a relação da sociedade com a

Page 8: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 8

infância e a juventude, colocando a questão do trabalho juvenil no contexto do “direito

do adolescente à profissionalização e proteção no trabalho”. Conforme o modelo de

proteção integral preconizado pelo estatuto, torna-se proibido qualquer trabalho para

criança menor de 14 anos, a não ser na condição de aprendiz, ou seja, como

estágio profissionalizante. Por outro lado, essa legislação faculta às ONGs a

possibilidade de criação de programas sociais de trabalho educativo, mediante a

inserção de adolescentes no mercado de trabalho.

O trabalho educativo, segundo o ECA, consiste numa “atividade laboral em

que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do

educando prevalecem sobre o espectro produtivo”. Neste sentido, o trabalho

educativo abrange dois processos interrelacionados: o de educação e o de trabalho.

Esta relação tem sido objeto de grandes polêmicas entre os educadores que

distinguem aí, dois tipos diferenciados de leituras representadas pelas equações

seguintes: 1) educação para o trabalho; 2) educação pelo trabalho. A primeira

identifica-se com a teoria do capital humano que privilegia o treinamento técnico,

enquanto a segunda, busca predominantemente o desenvolvimento do processo

educativo apoiado no trabalho. Na prática, muitas distorções são evidenciadas

pelos críticos. Neste sentido, Ferreti (1995) formula sua crítica às agências e

instituições públicas e privadas que desenvolvem programas ditos “educativos” e

dirigidos a parcelas da população de baixo poder aquisitivo: “a dimensão educativa

do trabalho, neste caso, é reduzida a mera condição moral. Como é fácil perceber,

não se trata nem de educação para o trabalho, nem educação pelo trabalho, mas, de

distorção de ambas as proposições”. Para o autor essas experiências reproduzem a

separação entre a educação escolar, como ensino de caráter geral e propedêutico,

e a formação profissional, como ensino técnico profissionalizante.

Tendo em vista o objetivo desta investigação, procurou-se através de

interpretação do discurso sobre trabalho e educação dos agentes envolvidos nos

projetos de profissionalização o desvendamento do processo de mediação

viabilizado pelas ONGs, no campo do trabalho juvenil. Assim, tentamos apreender as

representações elaboradas pelos três segmentos que protagonizam os processos

Page 9: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 9

de mediação no âmbito de cada unidade pesquisada: os profissionais

(educadores), os instrutores ou supervisores das empresas e os adolescentes

participantes dos projetos.

A metodologia adotada permitiu reconhecer cada ONG, enquanto espaço de

profissionalização, como um campo de mediação para o qual convergem interesses

diversos que se revelam propostas de educação profissional distintas.

Segundo Colbari (1995), as representações sobre trabalho, até o começo do

século no Brasil, tiveram como substrato a escravidão, a degradação do trabalho

manual e o aviltamento da condição do trabalhador. É interessante incorporar

nessas considerações a matriz ideológica, formulada pela polarização entre a

fábrica/mundo do trabalho/mundo da ordem versus a rua/mundo do não

trabalho/mundo da desordem como definidora da representação sobre trabalho na

sociedade urbana, na virada do século. Nas reflexões da autora, a dinâmica da

realidade na contemporaneidade vem impondo uma acomodação entre o estatuto

negativo do trabalho, sua necessidade e até sua valorização. As mudanças nas

representações elaboradas sobre trabalho são entrecruzadas por referenciais,

marcados por disposições de caráter político, ético, religioso, técnico e até afetivo.

Com Colbari reconhecemos que as disposições ideológicas e culturais que

envolvem as representações do trabalho na sociedade brasileira determinando a

adesão ao trabalho, são forjadas nas trajetórias de vida a partir de processos

desencadeados em instituições responsáveis pela socialização, como a família, a

escola e os meios de comunicação. Na sociedade atual, as ONGs enquanto

instituições engajadas na tarefa de socializar o indivíduo para o processo de

trabalho e qualificá-lo profissionalmente, também partilham desse processo de

socialização ao lado da escola. A exposição que se segue pretende esboçar uma

interpretação das representações sobre trabalho e educação dos adolescentes e

profissionais entrevistados por cada unidade pesquisada:

No contexto das ONGs pesquisados na cidade do Rio de Janeiro, as

representações sobre trabalho e educação se expressam diversamente, conforme

Page 10: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 10

as particularidades de cada projeto. Três entidades foram selecionadas para o

estudo de natureza qualitativa, daqui para frente identificadas como A, B e C.

ENTIDADE A - Esta ONG destaca-se pelo seu empenho em privilegiar a dimensão

educativa do projeto de inserção. Neste sentido, estabelece convênios,

preferencialmente, com empresas que contratam por tempo parcial de trabalho (4

horas), fazendo um acompanhamento sistemático do adolescente no local de

trabalho, inclusive quanto ao seu aproveitamento escolar.

Os adolescentes, vinculados à entidade A percebem o trabalho,

predominantemente, como fonte de realização pessoal, ascenção e reconhecimento

sociais.

“O trabalho é importante, no tempo em que eu não trabalhava quase ninguém me

respeitava, depois que eu comecei a trabalhar todo mundo me respeita, fica com

mais moral”. (C. E. C )

“O trabalho é um meio de você progredir, manter sua família, manter seu

relacionamento bom dentro de casa, porque geralmente a pessoa que não

trabalha, não mantém um bom relacionamento com pai e com a mãe ... é criticado

por todos” (E.F.D )

“Ajuda a você desenvolver ... ter uma noção como é a vida. Ajuda a conviver com

as pessoas”. ( D. C. S)

“O trabalho é importante, não preciso depender de ninguém, e ajudo em casa” (F.

S. A.)

Page 11: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 11

A educação na visão dos entrevistados é representada pela escola que, por

sua vez, é percebida positivamente pela associação direta que os mesmos fazem

entre capacitação e melhores oportunidades de emprego.

“Pra mim, se eu não estudar não vou arrumar emprego em lugar nenhum”(CEC )

“É muito importante a escola ... as coisas hoje tá difícil com estudos mas sem

estudo fica pior”. (E.C.S.)

“A escola é fundamental pra criança e para o adolescente, porque se não tem o

estudo não consegue nada ... “Como office - boy, se ele não estuda vai ser sempre

um office boy”. (R. S. F.)

A relação trabalho/educação, no ponto de vista dos profissionais

(educadores) e ins trutores das empresas, vinculadas à entidade A é formulada como

se segue.

“O trabalho é fundamental. Acho que tem muita criança na rua, se tivesse um

trabalho que atendesse essas crianças poderia ficar melhor”. (Educador)

“O trabalho dignifica as pessoas, cria responsabilidades, faz as pessoas se

desenvolverem desde o início pontualidade, assiduidade até o crescimento

profissional mesma”. Sobre a escola: “O convênio cobra ... o bom desempenho

escolar e o bom desempenho no trabalho. Então, eu acho que no caso do

adolescente, ele tem que saber dividir ... Porque ele tem 4 horas diárias pra

estudar, se diminuiu a carga horária (no trabalho) para isto”. ... O convênio coloca

bem claro isto, o objetivo dos adolescentes estarem aqui é de aprendizagem e não

de exploração de mão de obra barata” ... (Assistente Social).

Page 12: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 12

“Para os que precisam trabalhar, o trabalho começa ser uma coisa importante...

necessária... tira eles (adolescentes) do lado ruim da vida deles, que nem são eles

os culpados disso acontecer, mas, eles acabam vivenciando; então o trabalho

mostra o lado da vida, o lado bom, vamos dizer assim, da vida”. Sobre o projeto:

“eles saindo daqui, eles não têm uma profissão, porque office boy não é uma

profissão”. (Supervisor 1).

“Na crise que estamos, o adolescente tem que trabalhar e estudar, trabalhar para

ajudar em casa. Então, eu acho que de certa forma, (o trabalho) até ajuda eles

amadurecerem mais rápido” . Sobre a entrada do mercado de trabalho: “Quando

eles saem daqui vão para o quartel, saem do quartel e o emprego aonde fica? Tá

difícil o emprego, hoje em dia e o que acontece, voltam pra mim, pra ver se eu

consigo alguma coisa aqui dentro pra eles” (Supervisor 2).

“Todo mundo tem que trabalhar para sobreviver. Tem também a realização né?

(Sem trabalho) fica muito vazio... Não se pode deixar garoto, nesta idade 15, 16 e

17 com a cabeça vazia não, em qualquer classe social”... “Aqui com a gente...eles

vêem que existe vida diferente daquela... que aquilo lá (tráfico de drogas) o cara

ganha dinheiro... mas é tudo bandido, vivem a margem da lei. Aqui o cara

trabalha, vive dentro da lei e vive bem. “Sobre a entrada no mercado de trabalho:

“Acho que falta muito... os cursos não são cursos preparando pra vida, não dá uma

profissão para eles. Quando eles saem daqui, eles ficam um pouco perdidos lá

fora. (A contribuição) e tirá-los lá da vida deles, botá-los aqui, fora daquela

garotada lá, para conhecer outra coisa... Quando eles chegam garoto de 14 e 15

anos com salário e tickets, eles ficam deslumbrados... depois na hora de sair eles

Page 13: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 13

vão ficando desorientados, perturbados, porque sabem que quando saírem não

vão arrumar nada não” (Supervisor 3).

O caráter moralizante e disciplinador do trabalho é enfatizado tanto na fala

dos supervisores das empresas como nos depoimentos do Assistente Social e dos

adolescentes trabalhadores. Fica claro também como justificativa para o trabalho

juvenil, a necessidade de sobrevivência, na ótica dos instrutores. Na visão do

Assistente Social manifesta-se, nessas experiências, o dualismo do sistema

educacional brasileiro através da dissociação evidente e reproduzida através dos

projetos de trabalho educativo, entre a formação profissional e formação escolar.

Assim, o trabalho educativo mediado pelas ONGs ainda está longe de garantir uma

relação orgânica entre esses dois planos de formação ou seja, assumir a

perspectiva de uma escola unitária. No entanto, há movimentos no sentido de

reverter essa tendência, garantindo na maioria dos convênios uma jornada de

trabalho diária de 4 horas o que revela por parte da entidade uma postura de

valorização da educação da medida que tenta criar condições de compatibilizar

trabalho / escola.

ENTIDADE B – Trata-se de uma ONG vinculada à ação católica que atua através de

vários programas no campo da assistência a crianças e adolescentes. No campo de

interesse desta pesquisa, desenvolve dois projetos: um, que atua na área de estágio

profissionalizante e outro, organizado como um banco de dados, que atende

adolescentes de 16 a 17 anos. Sua proposta de ação inclui tanto encaminhamentos

para o trabalho no mercado formal como informal.

A maioria dos adolescentes participantes do projeto I, caracterizado como

estágio profissionalizante, tiveram uma experiência anterior como meninos e

meninas de rua.

As representações desses adolescentes são elaboradas como seguem:

Page 14: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 14

“Eu agradeço muito a Deus, porque pessoas que mora na rua é muito triste.

Procurava trabalho e não conseguia. Em firma eu não conseguia, porque quem

trabalha na rua eles não dá. Sobre a escola: “se não tiver estudo, chega numa

firma, o cara manda você fazer uma prova você não passa, é preciso ter boa

vontade, e ir todo dia e não brincar tanto pra aproveitar as aulas ... porque se a

senhora não tem estudo não vai poder trabalhar, e se não tem trabalho vai

vagabundar” (R. A. G- Projeto I).

(O trabalho) “é importante porque você adquire experiência e, tem este negócio de

você ter seu dinheiro, e ter mais responsabilidade” (AL-Projeto I)...

“Sem trabalho a gente não vai viver . Depois, quando eu ficar maior, poxa, tenho

que começar de agora”... “se não estudar cara, pode até ter uma profissão, mas,

se tu não tem estudo, não vai adiantar, é importante, pra aprender, ter educação,

aprender a comunicar com o próximo”. (J.A.S - Projeto I).

“Se não trabalhar a gente não tem nada dentro de casa... se tu não estudar, não

arruma trabalho nem emprego” (J.L.S.- Projeto I).

“É muito importante, porque a gente tem que sobreviver, aí pode ajudar em casa e

a si próprio... a escola é fundamental, mas tem que ter força de vontade. Não tem

como só fazer um ou outro (Trabalho ou escola), pra quem é pobre” (L.F.S - Projeto

II).

“O trabalho me ajuda a desenvolver como pessoa, como gente, me faz aprender

coisas novas” sobre a escola: É de importância fundamental, porque se a gente

Page 15: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 15

quer ter uma vida melhor sem estudar não vai dar, não sobe na vida” (A.D.B -

Projeto II).

Os adolescentes participantes dos projetos de treinamento profissional da

entidade B fazem apologia ao trabalho como fonte de sobrevivência e de

desenvolvimento pessoal. Suas representações valorativas do trabalho estão

associadas a necessidade de escolaridade como condição para se conseguir um

bom emprego. A condição de meninos que viveram na rua, parece reforçar a idéia

de trabalho como elemento de construção de identidade social e mecanismo para

reverter o processo de exclusão social, a que estão submetidos. Cabe considerar

também, que algumas casas de acolhida têm como norma básica para permanência

do adolescente, sua participação em projetos de profissionalização e inserção de

adolescente no mercado de trabalho.

REPRESENTAÇÕES DOS PROFISSIONAIS DA ENTIDADE B

Trabalho/Educação

“Hoje, precisa-se diferenciar trabalho e emprego. Para nós, o trabalho jamais

acabará. Fala-se de crise do trabalho, a crise é do emprego. Trabalho é inerente

ao homem, tem a ver com seu crescimento, realização pessoal, relação com a

vida. Trabalho deve promover a criatividade, a realização da pessoa, além é claro

da questão financeira, é meio de provimento”. Sobre a escola: “A escola está

distante da realidade do aluno... não dá ao adolescente o conhecimento

necessário da realidade de trabalho... daí é desinteressante para ele. Hoje (no

projeto II) nossa preocupação já não é o emprego e sim prepará-lo para

experiências autônomas de trabalho.... estamos investindo muito na valorização

desses adolescentes como pessoa, no despertar de sua criatividade, nosso intuito

Page 16: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 16

é que eles busquem alternativas de trabalho autônomo e assim enfrentem a

realidade que esta aí com maiores possibilidades” (Coordenadora Projeto II).

“O trabalho é um complemento da vida do homem. Antecede o homem como

cidadão e pessoa. (No Projeto I) nos preocupamos com o aprendizado, numa

perspectiva futura para o adolescente, nossa preocupação é a profissionalização

adequada a realidade do adolescente. A grande maioria de nossos jovens, não

tem acesso a cursos de profissionalização normal, SENAI, SENAC, etc..., por isso

não vemos o Projeto I como um fim, mas, como meio é a possibilidade de

trabalhar o adolescente enquanto sujeito/Cidadão, despertar sua auto-estima para

a partir daí, eles possam desenvolver um trabalho futuro, para a manutenção dele

como cidadão”. Sobre a parceria com as Empresas: “Se você tem uma proposta

pedagógica séria que sinalize os entraves que possue e que os trabalhe... esta

construção é uma sabedoria quando bem articulada, todos ganham. Não negando

que a troca existe, a empresa está investindo porque tem seu retorno, mas o

adolescente também se quiser aproveitar, se sairá bem. Há pesquisas no juizado

que constatam que quase 90% dos adolescentes dizem querer muito trabalho”.

(Coordenadora Projeto I).

Os projetos mencionados, pela ênfase dada ao processo educativo mais

amplo construiram uma proposta de capacitação profissional que se aproxima da

proposição de “educação pelo trabalho”, embora apresentem uma cobertura

limitada, no sentido de atendimento dos adolescentes, atuam na perspectiva de

superação da dualidade do sistema educacional brasileiro. Uma particularidade da

proposta da entidade B, em relação as demais, consiste no redirecionamento de

seus projetos no sentido de estimular experiências autônomas de trabalho como

alternativa ao emprego formal.

Page 17: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 17

ENTIDADE C – A proposta desta entidade tem como eixo central a prevenção da

marginalidade. Articulando-se a outras unidades congêneres de ação, forma uma

rede de 30 agentes no Rio de Janeiro, cuja estratégia principal é a inserção de

adolescentes no trabalho através do estágio profissionalizante.

REPRESENTAÇÕES DOS ADOLESCENTES DA ENTIDADE C

Trabalho/Escola

Os depoimentos dos entrevistados estão identificados de acordo com as

empresas onde os mesmos estão localizados.

“Sem o trabalho você nunca vai aprender nada ... acho também que é um meio de

ganhar dinheiro ... porque eu quero comprar as coisas sem dar satisfação de

quanto foi de quanto não foi”. Sobre a escola: “Muito importante, eu tenho muita

preguiça, eu não gosto de estudar ... Fica cansativo demais, porque eu saio daqui

às vezes vou pra escola, as vezes vou direto pra casa, porque você já esta

cansada daqui, com o monte de conta na cabeça, um mundo, escuta tudo de novo,

aprender coisas novas cansa demais, não no sentido do corpo é a mente”. (N. C.

S. OTIS)

“O trabalho é muito importante para mim, e um meio de ser independente, e eu

penso no futuro, o que eu posso aprender aqui, é ser uma boa profissional

amanhã”. Sobre a escola: “Muito importante, eu acho que a escola é um meio de

me levar pro futuro, por exemplo, eu trabalho hoje, ,mas se eu não estudar não vou

conseguir uma profissão melhor, se não, um dia nem aqui, eu vou poder

Page 18: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 18

trabalhar”... “Nós que somos pobres estudamos com muita força de vontade. Eu

saio de casa, só volto depois de 10 horas da noite, é cansativo, tomo merenda lá,

me esforço muito, porque quero estudar” (RMS. OTIS)

(O trabalho) “ajuda as pessoas a comprar, as coisas pra minha mãe”. Sobre a

escola: (importante) porque todo tipo de trabalho tá pedindo estudo. (AV. N. OTIS)

“Quando eu comecei a trabalhar, me tornei um pouco independente da minha

mãe, quando eu precisava comprar algo, não preceisava mais pedir, me dá.

Agora, é o contrário eu é que compro minhas coisas e até dou pra minha mãe”.

Sobre a escola - “se não fosse por ela, eu hoje, não estaria aqui. Aquele negócio

de matemática, continha, eu uso muito aqui”. (R. H. G. Macabu)

Os adolescentes da entidade C elaboram o significado do trabalho em

associação à possibilidade que este lhes oferece de independência e de consumo.

De maneira geral, eles reconhecem a importância da escolaridade para obter um

bom emprego, mas consideram que face à exigência de uma jornada de trabalho de

8 horas diárias, torna-se difícil a compatibilização do trabalho com a escola. Cabe

ressaltar, que nessa entidade a maioria dos convênios são firmados para atender

um número extremamente reduzido de adolescentes, o que concorre para que essa

mão de obra, no espaço de trabalho, seja considerada como se fosse mão de obra

adulta.

REPRESENTAÇÕES DOS PROFISSIONAIS DA ENTIDADE C

Trabalho/Educação

“O trabalho eu vejo por este aspecto de contribuição familiar, e hoje em dia,

também, como forma de ocupação positiva, que evita muitos outros problemas ... é

Page 19: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 19

fonte de renda e também satisfação pessoal. Quando você trabalha, você exerce

uma atividade laborativa, você está sendo útil a você, a sua sociedade e sua

família, aos núcleos a que você pertence mais diretamente, então eu acho o

trabalho muito necessário e de muita valia prá todos nós “.Sobre a empresa -” Por

enquanto a carga horária é de 8 horas, todas as atividades aqui, visam prepará-las

para o trabalho”. Sobre a disciplina no curso preparatório: É um programa

eficientíssimo, responde à necessidade da clientela, satisfaz muito nosso ego,

porque você vê o crescimento da pessoa humana, você vê o menino respeitando

seu superior, seu colega, prepara esse menino prá vida. Você pega esse menino

prepara, dá oportunidade a ele, você vê esse menino crescer. Vê que esse menino

entrou como mensageiro, saiu como mensageiro, mas que, neste período, ele

ganhou um dinheiro honesto, que ele ganhou ele mesmo, você ajudar uma

pessoa fazer o que ele é capaz de fazer”. (Assistente Social)

É evidente no depoimento acima, a ênfase dada na experiência, à dimensão

disciplinadora e moralizante do trabalho, ficando negligenciada até mesmo o

treinamento técnico.

“O trabalho é fundamental ... evita de ficar fazendo outras coisas que não deve” ...

“A escola não pode faltar, a criança vai aprender aquilo que não sabe em casa.

Sobre a compatibilização trabalho/escola: “As duas coisas são importantes, o

trabalho e o estudo, a gente consegue adequar as duas. Não atrapalha”. Sobre o

trabalho na empresa: “ele tem, aqui facilidade, ou em qualquer empresa, de

desenvolver a parte profissional se houver interesse também ... A avaliação é boa,

porque facilitou a empresa a admitir uma pessoa com ônus menor ... achamos

Page 20: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 20

positivo a idéia até moças também, meninas trabalhando. As meninas podem

atender telefone, então, de um modo geral, é muito válido, o projeto”. (supervisor )

O depoimento do supervisor confirma a idéia de trabalho como ocupação e

explicita o interesse da empresa na utilização de mão de obra barata.

“(O trabalho) enobrece qualquer pessoa, e você não entra em depressão, acho que

quando você está trabalhando, você está fazendo terapia prá você mesmo”.

Trabalho infantil: “Triste ... mas é necessário quando ele está passando fome, está

na rua fazendo coisas que não é própria para a idade dele, quando está se

prostituindo e se marginalizando, então é necessário que trabalhe mais cedo”.

Sobre educação: “O adolescente precisa de ter uma formação pedagógica, pra que

ele possa ter o futuro dele ... O analfabeto não vai ter nada na vida futura”.

(Supervisor 2)

Os depoimentos dos supervisores deixam evidente que as empresas não se

responsabilizam pelas condições de aprendizagem dos adolescentes, na maioria

dos casos o projeto de capacitação é prejudicado, por que os adolescentes

realizam tarefas repetitivas, que em nada contribuem para sua formação

profissional. Nesta situação, nem mesmo o aprendizado de um ofício técnico parece

se efetivar a contento.

Fica claro assim, que a mediação da entidade C na realização do projeto de

inserção de adolescente no mercado, tem o trabalho como um fim em si mesmo. Os

depoimentos relatados confirmam uma postura, na qual, o treinamento dos

adolescentes é comprometido pelos interesses da empresa. É evidente, por outro

lado, a prioridade dada aos aspectos de disciplinarização para mundo do trabalho.

O depoimento dos adolescentes evidencia também a grande dificuldade em termos

Page 21: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 21

de compatibilizar o trabalho e a escola, visto que, nas empresas conveniadas, os

adolescentes são obrigados a cumprir uma jornada de trabalho de 8 horas diárias.

O problema do emprego está sempre presente nas representações sobre

trabalho dos adolescentes do Rio de Janeiro e os discursos sobre esta questão se

respaldam em suas vivências nos projetos de inserção. A empresa é considerada a

referência central na procura de um emprego, entre os adolescentes. Nos

depoimentos aparecem as inquietações acerca do mercado de trabalho e do

salário.

INTERVENÇÃO PROFISSIONAL: novos desafios e perspectivas

O material recolhido nesta pesquisa pelo seu volume e diversidade,

possibilita muitas leituras. A título de síntese, busca-se pontuar algumas questões de

relevância para a intervenção profissional do assistente social no campo de

educação profissional e trabalho.

Cabe registrar como primeiro ponto para discussão, a questão do que se

configura aqui, como “emprego assistido”, suas formas e significados no contexto

de transformação das relações de trabalho no Brasil. As relações que configuram

essa modalidade de emprego se estabelecem numa triangulação em que uma

empresa (mediante convênio) repassa recursos para uma entidade assistencial, que

assumindo o papel de contratante, funciona como agente de recrutamento,

treinamento, contratação e acompanhamento dessa força de trabalho na empresa

conveniada. Nessas práticas assistenciais, as estratégias articuladas pelos

profissionais no sentido de criar as condições de aprendizagem requeridas pela

política de direito à profissionalização e à proteção ao trabalho, preconizada pelo

ECA, enfrentam a subordinação das entidades assistenciais face às empresas

repassadoras de recursos, como uma determinante fundamental. É exatamente essa

relação de subordinação que faz do emprego assistido um tipo de capacitação para

o trabalho, fortemente ambíguo, escapando aos modelos de formação construídos a

partir de outras mediações na articulação direta entre trabalho e educação. Nesse

Page 22: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 22

contexto de ambiguidades, o emprego assistido pode variar, assumindo por vezes,

um perfil mais assemelhado às relações típicas do trabalho assalariado e por outras

vezes, ficando mais próximo de um estágio profissionalizante.

No campo do trabalho juvenil, as ONGs pesquisadas apresentam distintas

mediações, consubstanciando teses divergentes sobre a relação trabalho/educação.

Segundo o entendimento de campo como um espaço onde entram em ação sujeitos

portadores de interesses diversos, as maiores contradições se localizam nas ONGs

onde se verifica uma maior dependencia financeira em relação às empresas

conveniadas.

Os projetos de “emprego assistido” para adolescentes, na forma

desenvolvida pelas ONGs do Rio de Janeiro, de uma maneira geral, se caracterizam

como uma assistência preventiva, ao encaminhar os adolescentes dos segmentos

mais pobres da população dentro de uma estratégia em muitos casos reforça a

visão de trabalho como uma alternativa à vadiagem. No percurso da pesquisa

interrogações diversas nos são colocadas diante da tentativa de se proporcionar ao

adolescente uma formação técnico profissional através do emprego mediado por

entidades sociais, em convênios com empresas. Para alguns, esses projetos

buscam executar uma assistência preventiva encaminhando os adolescentes para o

trabalho dentro de uma estratégia do primeiro emprego. No entanto, parece

consenso o reconhecimento de que, a grande contribuição destas instituições, além

de oferecer uma alternativa de renda aos treinados, consiste no desenvolvimento da

capacidade, de disciplina dos adolescentes de acordo com as exigências do mundo

do trabalho.

Observa-se, nestas esperiências, não obstante algumas tentativas de

superação, a reprodução do distanciamento entre a formação profissional

perseguida e a formação escolar dos adolescentes. Em alguns casos, a jornada de

trabalho por si só, compromete o processo educativo causando um desempenho

insatisfatório desses adolescentes na escola.

A pesquisa revela a grande heterogeneidade no que tange a construção da

relação trabalho/educação no âmbito desses projetos, bem como a sua dinâmica

Page 23: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 23

face às exigências impostas pelo mundo do trabalho e suas transformações

recentes. Neste sentido, merece destaque, a preocupação da Entidade B que vem

questionando seus projetos de capacitação profissional enquanto direcionados para

o emprego. Tendo em vista as mudanças nas relações de trabalho no Brasil, os

projetos dessa entidade, tendo como pressuposto a existência de uma crise no

emprego, redirecionam suas propostas de formação profissional no sentido de

estimular experiências autônomas de trabalho. Quanto aos projetos da entidade C,

parece evidente sua ênfase no trabalho a partir de uma ótica moralizadora, enquanto

antídoto à desordem, bastante identificada com a visão que promove o trabalho

como uma arma no combate à ociosidade aos vicios e à marginalidade que

ameaçam a Sociedade. Nesta postura, os profissionais admitem que o simples fato

de manter esses “adolescentes de risco” ocupados, já significa uma grande

contribuição à sociedade.

Uma grande preocupação recorrente nos depoimentos dos profissionais e

instrutores entrevistados diz respeito ao desligamento dos adolescentes desses

projetos aos 18 anos, sem perspectiva de nova entrada no mercado de trabalho.

Esse vazio, após o “emprego assistido” na visão dos entrevistados, representa um

grande risco, dado que as frustações acumuladas na busca,sem sucesso, de um

novo emprego, pode empurrar esse jovem para a marginalidade, nos grandes

centros. Aí se localiza outra contradição dos projetos que preconizam a prevenção à

marginalidade.

Para finalizar, cabe reconhecer que a relação/trabalho/educação permanece

uma discussão em aberto e que hoje os projetos de formação profissional estão

diante de novos desafios como resultado das transformações no mundo do trabalho.

Estas reflexões realçam o caráter contraditório dessas experiências, as quais

movendo-se em um campo de confronto de interesses, supõem dos profissionais

envolvidos a definição de estratégias de intervenção em sintonia com os projetos de

educação profissional em disputa na sociedade brasileira.

Apesar dos determinantes sócio-históricos desse tipo de intervenção

reforçarem a tendência de homogeneização dessas experiências, os dados da

Page 24: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 24

pesquisa mostram que essas práticas apresentam uma grande diversidade que

precisa ser estudada. Neste sentido, concordamos com Iamamoto (1997) ao

considerar que o trabalho do assistente social requer “um banho de realidade

brasileira”, o que significa “munir-se de dados, informações e indicadores que

possibilitem identificar as expressões particulares da questão social, assim como os

processos que as reproduzem”. Concluindo, acrescentamos, conforme Souza

Martins (1996) que a complexidade da vida social requer um recurso metodológico

capaz de identificar as temporalidades desencontradas e coexistentes que

configuram as relações sociais que se constituem objeto da intervenção do Serviço

Social.

Page 25: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 25

Anexo 1

Tabela A - Taxa de desemprego por faixa etária na RMRJ - (%)

-----------------------------------------------------------------------------------

Médias anuais 15-24 25-49 +=50 TOTAL

-----------------------------------------------------------------------------------

1991 8,0 2,8 0,8 3,6

1992 8,8 3,2 1,2 4,0

1993 9,3 3,2 1,0 4,1

1994 8,4 3,5 1,1 4,1

1995 7,8 2,7 1,0 3,4

1996 8,1 3,0 1,0 3,7

----------------------------------------------------------------------------------

Média jan/96-set/96 8,4 3,1 1,1 3,8

----------------------------------------------------------------------------------

Fonte: Secretaria Especial doTrabalho- Prefeitura do Rio de Janeiro, O mercado de

trabalho do Rio de Janeiro: conjuntura e análise - Ano 1 - Dez 1997.

Page 26: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 26

Anexo 2

Projetos cadastrados, volumes de atendimentos e empresas conveniadas

Projetos Cadastrados Adolescentes Atendidos Empresas Conveniadas

1. APAR (Associação Patrulha do

Jovem do Rio)

758

300

2. BECA (Banco de Empresas, Cursos

e Acompanhamentos) Fundo Inter-

Religioso

250

03

3. Inserção do Adolescente no Mercado

de Trabalho – Associação Beneficente

São Martinho

606

23

4. PLEITEAR ( Plano de Emergência e

Integração dos Adolescentes de Rua)

Pastoral do Menor

135

10

5. CRT (Centro de Referência do

Trabalho Pastoral do Menor) Pastoral

do Menor

-

-

6. Encaminhamento para o Trabalho –

“Se Essa Rua Fosse Minha”

22

04

7. CAMP (Círculo de Amigos do

Menino Patrulheiro) Ipanema

250

17

8. CAMP ( Círculo de Amigos do

Menino Patrulheiro) Vila Izabel

322

202

9. Projeto Central da Juventude –

ACM (Associação Cristã de Moços)

162

03

10. Inserção no Mercado de Trabalho –

CESAM (Centro Salesiano do Menor)

660

15

Page 27: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 27

TOTAL 3165 577

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

ALVIN, Rosilene. 1995 - Infância das Classes Populares: A constituição da Infância

como Problema Social no Brasil in O Trabalhador Carioca - Estudos Sobre

Trabalhadores Urbanos do Estado do Rio de Janeiro, JC Editora, RJ.

--- 1994 - O Trabalho Infanto-Juvenil em discussão in Martins e Ramalho (Orgs.)

Terceirização - Diversidade e Negociação no Mundo do Trabalho, São Paulo,

Editora HUCITEC/CEDI NETS.

ANTUNES, R. 1995 - Adeus ao Trabalho ? Ensaio sobre as Metamorfoses e a

Centralidade do Mundo do Trabalho, 2a. ed. São Paulo, Cortez Editora.

---- 1996 - Dimensões da crise e as metamorfóses do mundo do trabalho. Revista:

Serviço Social e Sociedade, n° 50, ano XVII, SP, Cortez editora.

BALTAR, DEDECCA E HENRIQUE, 1996. Mercado de trabalho e exclusão social

no Brasil. In: MATTOSO E OLIVEIRA ( ORGS), Crise e Trabalho no Brasil –

Modernidade ou volta ao passado?, Campinas, ed. Scritta.

,CARNEIRO, L. O. e CAVALCANTI, I. C. 1990 - O ABC do Estatuto da Criança e do

Adolescente, BANERJ.

COLBARI, A. L. 1995 - Ética do trabalho, São Paulo, Ed. Letras e Letras.

Page 28: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 28

FERRETTI, C. J. 1995 - Educação para o Trabalho in O Trabalho no Limiar do

Século XXI, Ed. LTR, São Paulo.

S DE MORAES, A. C. 1992 - O Direito à Profissionalização e a Proteção no

Trabalho in Pereira, T. S. (Coord.) Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei

8.069/90 “Estudos Sócio-Jurídicos” Rio de Janeiro, Editora Renovar.

FRANCO, M. C., 1998. Formação profissional para o trabalho incerto: um estudo

comparativo Brasil, México e Itália. In: FRIGOTTO, G. (org), Educação e crise do

trabalho: perspectiva de final de século. Petrópolis, ed. Vozes.

FRIGOTTO, G. 1995 - Educação e a Crise do Capitalismo Real, São Paulo, Cortez

Editora.

GENTILLI, P., 1998 – Educar para o desemprego: a desintegração da promessa

integradora. In: FRIGOTTO, G. (org). Educação e crise do trabalho: perspectivas

de final e século, Petrópolis, ed. Vozes.

IAMAMOTO, M. V. 1997 – O Serviço Social na contemporaneidade: dimensões

históricas, teóricas e ético-políticas, Fortaleza, Debate CRESS-CE, n° 6.

IANNI, O. 1994 - O mundo do Trabalho, São Paulo em Perspectiva, Vol 8 No. 1

Jan/Março.

MACÊDO, M. de A. 1996 - Inserção de Adolescentes no Marcado Formal de

Trabalho - Mapeamento dos Programas das ONGs da Cidade do Rio de

Janeiro, PUC/RIO.

Page 29: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 29

MACÊDO, M. de A. 1996 - Job Training Apprenticeships mediated by NGOs in Rio

de Janeiro City, Conference Proceeding Vol 2 da 27th ICSW International

Conference, Hong Kong.

--- 1995 - O Trabalho Infanto - Juvenil no Quadro da Política de Proteção à Infância e

à Juventude no Brasil, Debates Sociais CBCISS, Nos. 54/55.

--- 1997 – Trabalho de adolescentes socialmente assistidos: avanço ou recuo de

uma política, revista: O Social em Questão, vol. 1, ano 1, DSS, PUC-Rio.

OLIVEIRA, F. 1995 - A questão do Estado - Vulnerabilidade Social e Carência de

Direitos, S. Paulo, Cadernos ABONG, Série Especial.

OLIVEIRA, O; PIRES, J. M. 1995 O trabalho da Criança e do Adolescente in O

Trabalho no Brasil no Limiar do Século XXI. Ed. LTR.

PROJETO RODA VIVA (1995) - Guia de Programas e Serviços para Atendimento à

Criança e ao Adolescente (Zona Tijuca e Arredores, Zona Centro e Zona Sul)

Rio de Janeiro, Associação Projeto Roda Viva.

SOUZA, M. J. 1996 - Henri Lefebvre e o Retorno à Dialética, São Paulo, Ed.

HUCITEC, 1996.

TELLES. V. - Pobreza e Cidadania: precariedade e condições de vida in Martins e

Ramalho (Orgs.) Terceirização - Diversidade e Negociação no Mundo do

Trabalho, São Paulo, Editora HUCITEC/CEDI - NETS, 1994.

VALLADARES, L. e Impelizieri. 1992 - Invisible Action - A guide to NON -

governmental Assistance for underprivileged and street Children of Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, IUPERJ.

Page 30: “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... · “Emprego assistido de adolescentes, crise do trabalho ... caracterizada, de um lado, por uma “desproletarização

www.ts.ucr.ac.cr 30