empirismo exegético

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Empirismo Exegético * Significa que as experiências são capazes de gerar ideias e conhecimentos. Concepções legalistas e da interpretação e da aplicação do direito: A ciência do direito, no século XIX, encontra sua expressão mais característica no exegetismo. Para a escola da exegese, a totalidade do direito positivo se identifica por completo com a lei escrita; com isso a ciência jurídica se apegou à tese de que a função específica do jurista era ater-se com rigor absoluto ao texto legal e revelar seu sentido. O estudo do Código Civil seria a concretização desse ideal jusnaturalista. A lei e o direito constituem uma mesma realidade, pois a única fonte do direito é a lei e tudo o que estiver estabelecido na lei é direito. Inicialmente, os partidários da escola da exegese se atinham à interpretação literal do texto legal, deduzindo o sentido oculto da lei mediante procedimentos filológicos e lógicos. Ante a ineficiência desse processo interpretativo, tiveram de recorrer às fontes, isto é, aos trabalhos legislativos preparatórios, à tradição histórica e aos costumes, para desvendar a vontade do legislador, a fim de conhecer não apenas a letra da lei, mas também seu espírito. Com isso passou-se a admitir a interpretação histórica, isto é, o exame das circunstâncias que antecederam a lei. Posteriormente, essa escola veio a utilizar a interpretação lógico- sistemática, que consistia em descobrir o sentido da lei, tendo por base o lugar que ela ocupa dentro do sistema legislativo. Tal interpretação sistemática parte do princípio de que a legislação é um conjunto orgânico e Ciência jurídica, que as leis têm seus lugares específicos, de modo que umas preponderam sobre outras, por isso o jurista deve sistematizá-las, dando a cada uma seu significado dentro do ordenamento jurídico. Todavia, qualquer um desses processos interpretativos era empregado com muita prudência, para evitar a substituição da intenção do legislador por uma vontade estranha. Só havia um objetivo: entender os textos e nada mais. Mourlon afirmava que para o jurista, advogado e juiz, só existia o direito positivo e Valette ponderava, exaltando a omnisciência e omnicompreensão do legislador, que "muito se tem legislado, sobretudo nos últimos setenta anos, que seria surpreendente encontrar um caso que estivesse fora do alcance dos preceitos legais". Outros, porém, não chegaram a tal exagero, admitindo o emprego da analogia como procedimento de integração. Isto era assim porque o

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Empirismo Exegético

* Significa que as experiências são capazes de gerar ideias e conhecimentos.

Concepções legalistas e da interpretação e da aplicação do direito:

A ciência do direito, no século XIX, encontra sua expressão mais característica no exegetismo. Para a escola da exegese, a totalidade do direito positivo se identifica por completo com a lei escrita; com isso a ciência jurídica se apegou à tese de que a função específica do jurista era ater-se com rigor absoluto ao texto legal e revelar seu sentido.

O estudo do Código Civil seria a concretização desse ideal jusnaturalista. A lei e o direito constituem uma mesma realidade, pois a única fonte do direito é a lei e tudo o que estiver estabelecido na lei é direito.

Inicialmente, os partidários da escola da exegese se atinham à interpretação literal do texto legal, deduzindo o sentido oculto da lei mediante procedimentos filológicos e lógicos. Ante a ineficiência desse processo interpretativo, tiveram de recorrer às fontes, isto é, aos trabalhos legislativos preparatórios, à tradição histórica e aos costumes, para desvendar a vontade do legislador, a fim de conhecer não apenas a letra da lei, mas também seu espírito. Com isso passou-se a admitir a interpretação histórica, isto é, o exame das circunstâncias que antecederam a lei. Posteriormente, essa escola veio a utilizar a interpretação lógico-sistemática, que consistia em descobrir o sentido da lei, tendo por base o lugar que ela ocupa dentro do sistema legislativo. Tal interpretação sistemática parte do princípio de que a legislação é um conjunto orgânico e Ciência jurídica, que as leis têm seus lugares específicos, de modo que umas preponderam sobre outras, por isso o jurista deve sistematizá-las, dando a cada uma seu significado dentro do ordenamento jurídico.

Todavia, qualquer um desses processos interpretativos era empregado com muita prudência, para evitar a substituição da intenção do legislador por uma vontade estranha. Só havia um objetivo: entender os textos e nada mais.

Mourlon afirmava que para o jurista, advogado e juiz, só existia o direito positivo e Valette ponderava, exaltando a omnisciência e omnicompreensão do legislador, que "muito se tem legislado, sobretudo nos últimos setenta anos, que seria surpreendente encontrar um caso que estivesse fora do alcance dos preceitos legais". Outros, porém, não chegaram a tal exagero, admitindo o emprego da analogia como procedimento de integração. Isto era assim porque o positivismo legal apresentou a concepção do sistema jurídico, como sistema fechado e completo, do que decorre a ausência de lacunas no direito.

Kantorowicz (Historiador alemão de origens judaicas, marcado pelo romantismo e, muito especialmente, por Nietzsche) descrevia esta concepção legalista do direito e mecânica da jurisprudência da seguinte forma: "A opinião dominante imagina um jurista ideal como um funcionário de carreira de certa categoria, munido de uma máquina de pensar da mais fina espécie, tendo à sua frente o Código do Estado. Entregar lhe um caso qualquer, real ou não, e, conforme seu dever, pode aquele funcionário, por meio de operações meramente lógicas e de uma técnica secreta, que lhe é própria, chegar a uma solução preconizada pelo legislador no Código, com exatidão absoluta".

Este positivismo legal, estatista e a valorativo é o traço dominante dessa escola, que se encontrava em condição mais propícia do que a jusnaturalista para fundamentar uma ciência neutral do direito.

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A escola da exegese, da França, correspondeu ao pandectismo (o aparecimento do pandectismo, procurou aplicar o antigo direito romano às condições sociais de então, o que fomentou, por sua vez, novas incursões na história do direito, de Roma e das sociedades) da Alemanha, e à escola analítica (Analytical School) de Austin, da Inglaterra. Como se vê, tal orientação exegética também foi adotada em países que não cuidaram da codificação das leis, como a Alemanha e os países do common law, no século XIX, que apregoavam a concepção mecânica da função judicial.

Na Alemanha", num certo momento histórico, deu-se a incorporação do direito romano à ordenação jurídica alemã, e os juristas alemães, os pandectistas do século XIX, dentre eles Windscheid, Brinz, Glück, passaram a ter uma atitude rigorosamente exegética em relação aos textos do Corpus luris, bem semelhante à que os franceses tinham relativamente ao Código Napoleônico. Todavia, havia uma diferença entre a posição dos pandectistas e a dos exegetas franceses. O ponto de partida dos franceses era a lei, considerada como princípio racional formulado para sempre pelo legislador, devido à idolatria dos códigos e das leis, retirando dos textos a cadeia de deduções silogísticas. Já o ponto de partida da escola dos pandectistas era, Exclusivamente, os textos de direito romano; logo, só as fontes romanas importavam. Esta escola abeberava a tradição jurídica alemã a partir das fontes romanas, cultivando a história do direito romano e a interpretação dos textos da compilação justiniânea com o escopo de aplicá-los como fonte direta do direito alemão. Apesar da diferença do ponto de partida, havia uma semelhança de atitude: tanto a École d'Exégèse como o pandectismo desembocaram, por igual, num sistema rígido de fetichismo pelos textos e de construção sistemática, apregoando o uso do método dedutivo, exigindo a aplicação das leis de acordo coro um processo rigorosamente silogístico.

Críticas contra o Exegetismo

A interpretação preconizada pela escola da exegese, pelo pandectismo e pela escola analítica não se coadunou com a realidade dos tempos modernos, devido ao processo evolutivo das nações. As descobertas da ciência moderna, que modificaram até mesmo a noção de liberdade humana, e as conquistas extraordinárias da técnica, determinaram a alteração da vida humana. Novos fatores econômico-sociais fizeram surgir novas condições de vida social; consequentemente, operou-se a mudança do sistema de referência. Velhos problemas já resolvidos hão de exigir soluções novas e novos problemas jamais cogitados hão de surgir, requerendo uma solução jurídica imediata. Com isso, houve a necessidade de enquadrar a ordem jurídica vigente no sistema de referência dos novos tempos. Gaston Morand retratou isso no seu famoso panfleto "A revolta dos fatos contra os Códigos". Deveras, a extraordinária exuberância da vida não cabe nos limites de um Código. Novas necessidades, novos meios de transporte, novos usos, novos ideais, mostram quão vã é a esperança de que se possam elaborar normas jurídicas definitivas, que solucionem sempre todas as questões jurídicas. Daí as sábias palavras de Recaséns Siches: "Uma lei indeformável somente existe numa sociedade imóvel". O malogro da orientação exegética resultou da necessária adequação da lei às novas circunstâncias, em virtude da evolução social.

Utilitarismo de Jeremy Bentham

Jeremy Bentham (foi um filósofo e jurista inglês, juntamente com John Stuart Mill, difundiu o utilitarismo, teoria ética que responde todas as questões acerca do que fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximização da utilidade e da felicidade), em sua doutrina utilitarista do direito, critica, implicitamente, o uso do método dedutivo na aplicação e interpretação jurídicas e, consequentemente, se opõe à concepção mecânico-silogística, voltando-se contra Austin e a Analvtical School.

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Para Bentham não se deve, a partir de princípios abstratos, extrair, ilimitadamente, por meio de inferências lógicas, certas consequências. Deve-se, isto sim, interpretar as normas sob o ponto de vista dos efeitos reais por elas produzidos quando aplicadas. Seriam justas as normas que ao serem aplicadas produzissem efeitos bons, enquanto seriam injustas as que, em sua aplicação, originassem consequências desfavoráveis. O critério objetivo, segundo Bentham, para qualificar aqueles efeitos, era a utilidade, segundo a qual bom é o que produz prazer e mau o que causa dor e, sob o prisma social, bom ou justo é o que tende a aumentar a felicidade de todos ou de um grande número de pessoas. Bentham, portanto, critica o legalismo da escola analítica, em nome do utilitarismo, que defende o lema da maior felicidade para o maior número de pessoas. Tal ética hedonística, que procura o prazer e evita o sofrimento, teve grande influência no direito inglês. O método para estimar objetivamente a utilidade e o prejuízo social era por ele designado "cálculo", que não consistia numa fórmula matemática, mas numa engenhosa classificação das espécies do agradável e do desagradável, e das mútuas relações existentes entre elas.

Para tanto, Bentham criou teorias sobre a causação social e métodos valorativos das vantagens e desvantagens sociais. Com isso firmou a ideia de que a função da ciência do direito consistia em determinar, no conjunto dos interesses de uma sociedade, quais os valiosos, isto é, os que devem ser levados em consideração, estabelecendo uma hierarquia entre eles e fórmulas para conciliar o maior número possível de interesses lícitos.

Teologismo de Rudolf Von Lhering

A orientação teleológica de Lhering (que foi um jurista alemão, ocupa ao lado de Friedrich Karl von Savigny lugar ímpar na história do direito alemão, e cuja obra influenciou diversas outras em todo o mundo cidental) voltava-se contra o pandectismo ante o rigor lógico-formal do pensamento científico que ensejava uma atitude cética do jurista.

Em sua obra, há uma crítica à jurisprudência conceitual, rechaçando o abstracionismo dos conceitos jurídicos e o emprego do método dedutivo silogístico na aplicação do direito, salientando o caráter finalístico das normas jurídicas. A concepção do direito é prática, resulta da vida social e da luta contínua que é o meio de realização do direito; sua finalidade é a paz. Tem uma concepção essencialmente teleológica do mundo jurídico. Logo, para ele, a ciência jurídica deve interpretar normas de acordo com os fins por elas visados. A letra da lei é importante, porém não tem o condão de fundamentar interpretação contrária aos fins visados pela norma.

O critério relativo de finalidade é o norteador da interpretação jurídica, que deve buscar o fim pretendido pela norma jurídica em um caso concreto. Para lhering, deve-se, portanto, interpretar a norma levando em conta seus fins, esclarecendo que a norma jurídica não é um fim em si mesma, mas um meio a serviço de uma finalidade, que é a existência da sociedade. Se a sociedade não pode subsistir sob o regime jurídico dominante numa determinada época, e se o direito se mostrar ineficaz para manter a sociedade de forma adequada, a força entra em ação abrindo caminho para uma nova ordem jurídica, que se mostre como meio idôneo e apropriado para realizar aquela finalidade. O fato de as normas se apresentarem desta ou daquela maneira não depende de exigências lógicas, mas, precisamente, da circunstância de que no modo como se apresentam possam satisfazer as necessidades da vida social. Nenhuma lei de determinada época de um certo povo pode ser compreendida sem o conhecimento efetivo das condições sociais deste povo e desta época, porque o sentido da norma depende das circunstâncias sociais dentro das quais foi elaborada. Ihering classifica aquelas condições gerais da vida em: a) extrajurídicas, relativas ao meio físico e que impõem condicionamentos que não podem ser disciplinados pelo direito; b) mistas, as atinentes à conservação da vida, ao trabalho e a certas relações sociais. Denominam-se mistas porque são, em certa escala, regulamentadas pelo direito, apesar de não ser por causa do direito que o homem vive, trabalha e participa da vida de relação; e c) jurídicas, as

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dependentes, exclusivamente, do direito, como a aquisição e gozo dos direitos civis. Todas essas condições são necessárias à vida social e reguladas pelo poder estatal. Apenas pelo conhecimento das condições gerais da vida se pode explicar a existência das normas de direito e compreender seu significado.

Experiência prática de Oliver Wendell Holmes

Oliver Wendell Holmes (foi um médico americano, professor, palestrante e autor. Considerado por seus como um dos melhores escritores do século 19, ele é reconhecido como um importante reformador da medicina), baseado em sua experiência como juiz, afirmou que a dedução silogística mecânica não é a única força operante no conhecimento e desenvolvimento do direito, mas sim a experiência, ou seja, as necessidades de cada época, as teorias morais e políticas predominantes, as intuições que inspiraram a ação política. Não há dúvida que a decisão judicial deve apresentar forma lógica, que dá a impressão de manter o princípio da certeza e da segurança jurídica. Todavia, tal impressão é ilusória, porque sempre que surge um problema jurídico há um conflito entre dois interesses sociais, ou entre duas normas vigentes incompatíveis uma com a outra, total ou parcialmente, e o aplicador deve esforçar-se para manter, até onde for possível, os princípios norteadores daqueles preceitos legais.

No desenvolvimento do direito, sobretudo no processo de sua aplicação, há um tipo de razão designada "bom sentido", que não pertence à lógica tradicional, nem à lógica matemática. O direito é o resultado de um conflito entre a lógica e o bom sentido.

A prática jurídica, ao resolver um caso concreto, procede por inferências lógicas, deduzindo das normas as possíveis soluções, mas, para Holmes, deve assentar-se em premissas corretas, sejam elas de princípio, sejam relativas aos fatos, sopesando as vantagens sociais dos desejos conflitantes. A experiência vital desempenha, para ele, um importante papel. O raciocínio do jurista e do aplicador é valorativo e deve levar em conta a razão vital. Para Holmes, a ciência positiva é o único meio válido para o conhecimento do direito. Nota-se em sua concepção um certo ceticismo, ante o seu desinteresse em encontrar orientações definitivas que pudessem ser decantadas da vida social e das modificações dos fatos socioeconômicos. Seu ceticismo manifesta-se como um relativismo axiológico, revelando sua descrença em valores absolutos. Funda-se, como observa Friedmann, no exame meticuloso do problema em causa e na consideração escrupulosa dos valores em oposição e dos interesses em jogo.

Com Holmes, no common law, houve a sociologização do direito e a consideração da conduta do órgão judicante como f ator decisivo, o mais importante elemento experiencial do direito. Em tal conduta judicial, não se deve vislumbrar a prevalência de um certo psicologismo, mas se deve considerá-la em atenção às leis, às sentenças e escritos teóricos dos juristas, submetidos a uma manipulação parcialmente lógica, parcialmente histórica e parcialmente axiológica.

Livre investigação científica de François Geny

François Geny (foi um jurista francês e professor de Direito na Universidade de Nancy , que introduziu a noção de "pesquisa científica livre" para a interpretação do direito positivo). Suas obras, Méthode d'interprétation et sources en droit privé positif e Science et technique en droit priw'é positif, procuram solucionar os problemas enfrentados pelo jurista prático.

O pensamento integral e definitivo de Geny não está exposto em sua primeira obra (Méthode d'interprétation et sources --n droit privé positif), escrita na época em que predominava, na França, a tese de que as disposições dos códigos compreendiam todas as normas necessárias para resolver quaisquer problemas jurídicos. Neste

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livro, afirma que a lei não é obrigatoriamente a expressão de um princípio lógico-racional imposto pela força da razão. A lei seria, segundo ele, uma manifestação da vontade do legislador, que nem sempre expressa o que racionalmente deveria exprimir. Como o legislador manifesta na lei a sua vontade e não sua razão, a interpretação jurídica deve buscar a vontade do legislador, desvendando qual o seu propósito ao elaborar a norma, remontando às suas origens para conhecer o seu verdadeiro e autêntico sentido. Na aplicação da lei exige-se que se descubra a mens legislatoris. Ora, diz François Geny, a experiência demonstra que a lei escrita é incapaz de solucionar todos os problemas suscitados pelas relações sociais e até mesmo os casos que caem sob sua égide, isto porque a sua solução não depende somente da letra da lei mas também de ponderação dos fatos sociais concretos, por ser necessário investigar as realidades sociais concretas, para que a aplicação da lei produza os resultados perseguidos pelo legislador. Com isso Geny opõe-se, radicalmente, à escola da exegese. Na ausência de normas para resolver um caso concreto, o intérprete, segundo Geny, deverá lançar mão de fontes supletivas, ordenadas hierarquicamente: a) o costume, que era negligenciado ante o entusiasmo da codificação e racionalização do direito;

b) a autoridade e a tradição, quando consagradas pela doutrina e jurisprudência dos tribunais, que passam a assumir grande papel na adequação das normas aos casos concretos, ante sua contribuição para estender e modificar os princípios estabelecidos pelos códigos; e

c) a livre investigação científica.

Ofensiva sociologista de Eugen Ehrlich Eugen Ehrlich (foi um austríaco jurista e sociólogo do direito), dizia que o ordenamento jurídico-positivo é incompleto ante a complexa realidade. A vida é muito mais rica do que tudo o que a totalidade das normas jurídico-positivas pôde prever. Os interesses apresentam infinitos matizes diferentes, que não encontram expressão nas normas jurídicas gerais, o que dificulta o intérprete e, principalmente, o aplicador que pretende julgar corretamente o caso, levando em consideração as suas peculiaridades. Se se ordena ao órgão judicante que leve em conta os fatos que aparecem como suposto legal, corre o perigo de prolatar sentença que não capte a verdadeira índole do interesse em tela. As normas que compõem a ordem jurídica não podem prever todos os fatos presentes, e muito menos os supervenientes, de maneira que a tese da completude do sistema resulta numa exacerbação lógica, na tentativa malograda de equiparar sistemas normativos, vinculados a relações fáticas, aos sistemas formais, independentes e sem vazios. O problema que levanta o mencionado autor é que se se codificar normas, estabelecendo tipos de associação ou de contratos, se há de concluir que outros tipos, que a vida social exija, posteriormente, estão proibidos? Se surgirem novas formas de sociedade, novos tipos de contrato que não cabem nos modelos previstos e que não encontram previsão legislativa deverão ser afastados? Ehrlich entende que a realidade jurídica é composta de três categorias de direito: a) normas abstratas do direito estatal ou leis; b) normas de direito da sociedade extra-estatal; e c) regras de decisão judicial, em casos de conflito.

Escola do Direito Livre

Hermann Kantorowicz, sob o pseudônimo (nome falso) de Gnaeus Flavius, foi o pertencente da escola do direito livre, na Alemanha, contestando o primado da lei. Colocou, como sendo rincipal, no direito, as normas jurídicas que brotam, espontaneamente, dos grupos sociais.

O direito livre não é o direito estatal, contido nas leis, mas aquele que está constituído pelas convicções predominantes que regulam o comportamento, em um certo lugar e tempo, sobre aquilo que é justo. Para ele é inaceitável a construção do direito por meio de conceitos abstratos, porque não se funda em realidades concretas, sendo incompatível com a simples necessidade da existência. Logo, condena a elaboração do direito

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positivo por meio de uma jurisprudência de conceitos. O juiz deve ouvir o sentimento da comunidade, não podendo decidir, exclusivamente, no direito estatal ou com base em lei.

A interpretação jurídica, segundo ele, deve seguir quatro diretrizes: a) se o texto da lei é unívoco e sua aplicação não fere os sentimentos da comunidade, deve-se aplicá-lo; b) se o texto legal não oferece solução pacífica, ou se conduz a uma decisão injusta, o magistrado deverá ditar a sentença, que, segundo sua convicção, o legislador ditaria se tivesse pensado no caso; c) se o magistrado não puder formar convicção sobre como o legislador resolveria o caso concreto, então deve inspirar-se no direito livre, ou seja, no sentimento da coletividade; e d) se ainda não encontrar inspiração nesse sentimento, deverá, então, resolver discricionariamente. Para esse autor, toda técnica jurídica se rege segundo a vontade do juiz ou do intérprete, chegando até a dizer que a sentença é uma lex specialis.

Jurisprudência de interesses

A Jurisprudência de interesses, desenvolvida na Alemanha por Philipp Heck, Max Rümelin, Paul Oertmann, Soll, Müller-Erzbach, dentre outros, fixou princípios que deviam ser seguidos pelos juízes na elaboração de suas sentenças, e conheceu a ordem jurídica como um conjunto de leis que produzem efeitos na vida real, afetando a vida humana, que está sempre se modificando, de modo que os interesses cambiantes estão sempre em competição, apresentando demandas contraditórias. Para tornar mais compreensíveis as normas jurídicas e os interesses da vida, surge a ciência jurídica, classificando-os em conceitos gerais.

Os mandamentos jurídicos resultam das necessidades práticas da vida, da variação e do ajuste dessas necessidades feito pelo legislador. A função judicial é também a de ajustar os interesses, como o legislador o faria se tivesse de legislar sobre aquele caso.

Jurisprudência Sociológica Norte-Americana

A escola da Jurisprudência sociológica teve, nos Estados Unidos, como prosélitos, dentre outros, Roscoe Pound, Benjamin N. Cardozo e Louis Brandeis, que procuraram solucionar os problemas práticos da função judicial, que surgiam na dinâmica e na aplicação judicial do common law.

A sociological jurisprudente ao constatar que o common law era uma ordem jurídica inadequada para solucionar, de modo justo, os problemas surgidos nos novos tempos, entendeu não só que eram necessárias novas normas como também que as velhas disposições normativas requeriam uma nova interpretação, ao serem relacionadas com os novos fatos, o que seria impossível pelo emprego do método dedutivo. Para tanto era imprescindível uma operação prévia, que consistia na análise compreensiva da realidade dos tempos atuais e numa correta ponderação valorativa das realidades sociais produzidas na época presente. O conhecimento social da realidade atual era a base para a formulação de normas gerais e individuais realmente inspiradas num critério de justiça. Assim sendo, o trabalho do jurista teórico, do legislador e do juiz não devia limitar-se a um processo lógico, mas conter um conhecimento sociológico da realidade presente.

Lógica experimental de John Dewey

John Dewey, um dos maiores jusfilósofos norte-americanos do século XX, tratou em suas obras do tema da interpretação e aplicação do direito, procurando demonstrar que a lógica dedutiva, que tem no silogismo a sua

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expressão máxima, é imprestável para a elaboração de sentenças justas, porque se baseia em princípios gerais do direito, que são imutáveis e rígidos, levando à santificação do vetusto e, por consequência, à injustiça calamitosa. Muitas injustiças resultam da aplicação rígida de princípios gerais inflexíveis às situações variáveis e infinitas da vida humana. A lógica dedutiva é a causa do real abismo entre os princípios gerais do direito e as situações concretas presentes, o que ocasiona, muitas vezes, o sentimento de hostilidade contra o direito.

Por isso, segundo este autor, a lógica dedutiva deve ser abandonada como instrumento principal e decisivo para chegar à sentença judicial e deve ser substituída por uma lógica que, em lugar de levar em conta os antecedentes, tenha seu centro de gravidade na consideração das consequências. Seria uma lógica de previsão de probabilidades, cujo escopo constituiria averiguar os efeitos prováveis. A lógica do jurista

deve prever as consequências que decorrerão da aplicabilidade das normas. Logo, as consequências prováveis é que deverão constituir o cerne da lógica jurídica, ou seja, da interpretação do direito. Eis por que a lógica do jurista é denominada, por Dewey, lógica experimental. A verdadeira interpretação é, em suma, aquela que produziria consequências provavelmente justas em casos concretos.

Os princípios gerais existem e são necessários apenas como meio de trabalho do jurista, e precisam ser reajustados em razão dos efeitos que devem causar, para serem instrumentos de soluções verdadeiramente justas. Assim sendo, fácil é verificar que, para Dewey, tais princípios necessitam de constantes adaptações às novas situações sociais sobre as quais vão projetar- se, porque precisam ter utilidade prática para chegar àquelas soluções convenientes e justas. Isto é assim porque, com a evolução da realidade social, aqueles princípios absolutizados em fórmulas rígidas seriam obstáculos para ordenar com justiça as novas situações sociais. Logo, não se pode pretender a imutabilidade dos referidos princípios.

Teoria interpretativa de Joaquín Dualde

Joaquín Dualde, catedrático de direito civil da Universidade de Barcelona, influenciado pelo intuicionismo de Bergson e pela escola do direito livre, lançou a tese de que deveria ser aplicada ao direito uma interpretação intuitiva, pois a inteligência humana, limitada ao mundo estático do tempo espacializado, seria inidônea para a apreensão da qualidade pura. Logo, interpretar uma norma seria investigar a série causal em que ela se insere, visto que toda disposição normativa está incluída numa série de causas e efeitos, que é constituída por múltiplos fatores determinantes da elaboração da norma. Isto levará o intérprete ao estudo desses vários fatores e não à investigação da intenção do legislador, que lança o fiat lex da gênese jurídica, porque a norma não é apenas o resultado de um ato isolado de seu elaborador. Não sendo a lei o simples efeito de um fiat lex do legislador, a interpretação não pode, pura e simplesmente, relacionar a norma com a mens legislatoris, visto que tal atitude destruiria a série causal da lei e a interpretação seria, então, incompleta.

O legislador nem sempre tem uma noção clara da norma por ele próprio formulada, porque ele, segundo Dualde, é feito de consciência e inconsciência; principalmente desta última, porque o legislador, como ser humano, não pode conhecer tudo que o influencia ou que determina suas reações, decisões e ações. Todo legislador, tanto individual como coletivo, ignorante ou sábio, tem uma grande dose de inconsciência, devido ao condicionamento social das ideias, isto é, devido à circunstância de sofrer influência de vários fatores, como hábitos, meio ambiente etc. O legislador jamais poderá conhecer, com exatidão, a série causal que determina a lei.