Émile zola - como se casa como se morre

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    Como Se Casa, Como Se Morre 1

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    Como Se Casa, Como Se Morre 3

    mile Zola

    COMO SE CASA

    COMO SE MORRE

    Traduo

    Duda Machado

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    mile Zola4

    EDITORA 34

    Editora 34 Ltda.Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000So Paulo - SP Brasil Tel/Fax (011) 816-6777

    Copyright Editora 34 Ltda., 1998

    AFOTOCPIADEQUALQUERFOLHADESTELIVROILEGAL,ECONFIGURAUMAAPROPRIAOINDEVIDADOSDIREITOSINTELECTUAISEPATRIMONIAISDOAUTOR.

    Ttulo original:Comment on se marie; Comment on meure

    Capa, projeto grfico e editorao eletrnica:Bracher & Malta Produo Grfica

    Imagem da capa:douard Manet, mile Zola, leo s/ tela, 1868 (detalhe)

    Reviso:Alexandre Barbosa de Souza

    1 Edio - 1999

    Catalogao na Fonte do Departamento Nacional do Livro(Fundao Biblioteca Nacional, RJ, Brasil)

    Zola, mile, 1840-1902Z41c Como se casa, como se morre / mile Zola;

    traduo de Duda Machado. So Paulo:Ed. 34, 1999136 p.

    Traduo de: Comment on se marie; Commenton meure

    ISBN 85-7326-124-2

    1. Literatura francesa. I. Machado, Duda.II. Ttulo.

    CDD - 840

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    Como Se Casa, Como Se Morre 5

    COMO SE CASA

    COMO SE MORRE

    Como se casa ............................................. 7

    Como se morre .......................................... 63

    Vida de mile Zola .................................... 129

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    Como Se Casa 7

    COMO SE CASA

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    No sculo XVII, o amor, na Frana, umsenhor de penacho, magnificamente vestido, que

    avana pelos sales precedido por uma msica

    grave. Obedece a um cerimonial muito complica-

    do, no arrisca um s passo que j no esteja re-

    gulamentado. Desta maneira, permanece perfeita-

    mente nobre, com uma ternura refletida, com uma

    alegria honesta.

    No sculo XVIII, o amor um velhaco que se

    desalinha. Ama como ri, pelo prazer de amar e de

    rir, almoando uma loura, jantando uma morena,

    tratando as mulheres como deusas boas, cujas mos

    abertas distribuem o prazer a todos os seus devo-

    tos. Um alento de volpia percorre a sociedade in-

    teira, conduz a ronda das pastores e das ninfas, seios

    decotados que fremem sob as rendas: poca ador-

    vel em que a carne era rainha, grande fruio cujo

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    sopro longnquo chega at ns ainda tpido, com

    o odor dos cabelos soltos.

    No sculo XIX, o amor um rapaz compor-

    tado, correto como um notrio, recebendo rendas

    do Estado. Freqenta a sociedade, ou vende algu-

    ma coisa numa loja. A poltica ocupa-o, os neg-

    cios tomam-lhe o dia das nove horas da manh sseis da noite. Quanto a suas noites, ele as entrega

    ao vcio prtico, a uma amante que ele paga ou a

    uma mulher legtima que o paga.

    Assim que o amor herico do sculo XVII,

    o amor sensual do sculo XVIII, tornou-se o amor

    positivo que tratado como uma ao na bolsa.

    Ouvi um industrial queixar-se ultimamente de

    que no se tentou inventar ainda uma mquina de

    fazer filhos. Constroem-se mquinas para moer o

    trigo, para tecer telas, para substituir os msculos

    humanos por engrenagens em todas as tarefas. No

    dia em que a mquina amar por eles, os grandes tra-

    balhadores do sculo, aqueles que do cada um de

    seus minutos atividade moderna, iro economizar

    tempo, tornar-se-o mais speros e mais viris na ba-

    talha pela vida. Desde o formidvel abalo da Revo-

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    Como Se Casa 11

    luo, os homens, na Frana, no reencontraram ain-

    da o lazer para sonhar com as mulheres. Sob Napo-

    leo I, o canho impedia os amantes de se ouvirem.

    Durante a Restaurao e durante a Monarquia de

    Julho, uma necessidade furiosa de fortuna apoderou-

    se da sociedade. Por fim, o reinado de Napoleo III

    s fez aumentar os apetites pelo dinheiro, sem tra-zer sequer um vcio original, uma nova devassido.

    E h uma outra causa, a cincia, o vapor, a eletrici-

    dade, todas as descobertas desses ltimos cinqen-

    ta anos. preciso ver o homem moderno com suas

    mltiplas ocupaes, vivendo l fora, devorado pela

    necessidade de conservar sua fortuna e aument-la,

    a inteligncia tomada por problemas sempre reno-

    vados, a carne adormecida pela fadiga de sua bata-

    lha cotidiana, ele prprio transformado em pura en-

    grenagem na gigantesca mquina social em plena ati-

    vidade. Ele tem amantes como quem tem cavalos,

    para exercitar-se. Se se casa, porque o casamento

    tornou-se uma operao como qualquer outra, se tem

    filhos porque sua mulher o quis.

    H uma outra causa para os casamentos de-

    plorveis de hoje, sobre a qual quero insistir, antes

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    de chegar aos exemplos. Esta causa o fosso pro-

    fundo que a educao e a instruo escavam entre

    ns, desde a infncia, entre rapazes e moas. Veja-

    mos a pequena Marie e o pequeno Pierre. At os

    seis ou sete anos, deixam-nos brincar juntos. Suas

    mes so amigas; eles se tratam com intimidade,

    trocam palmadas fraternais entre si, rolam peloscantos, sem qualquer vergonha. Mas, aos sete anos,

    a sociedade separa-os e toma conta deles. Pierre

    internado num colgio onde se esforam para en-

    cher-lhe o crnio com o resumo de todos os conhe-

    cimentos humanos; mais tarde, ingressa em esco-

    las especiais, escolhe uma carreira, torna-se um ho-

    mem. Entregue a si mesmo, largado entre o bem e

    o mal durante esse longo aprendizado da existn-

    cia, ele bordejou as vilezas, provou dores e alegrias,

    teve sua experincia das coisas e dos homens. Marie,

    ao contrrio, passou todo esse tempo enclausurada

    no apartamento de sua me; ensinaram-lhe o que

    uma moa bem educada deve saber: a literatura e a

    histria expurgadas, a geografia, a aritmtica, o ca-

    tecismo; alm disso, ela sabe tocar piano, danar,

    desenhar paisagens com dois lpis. Assim, Marie

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    Como Se Casa 13

    ignora o mundo, que viu somente pela janela, e mes-

    mo assim fecharam-lhe a janela quando a vida pas-

    sava barulhenta demais pela rua. Jamais se arriscou

    sozinha pela calada. Guardaram-na cuidadosamen-

    te, qual uma planta de estufa, administrando-lhe o

    ar e o dia, desenvolvendo-a num meio artificial,

    longe de todo contato. E agora, imagino que, unsdez ou doze anos mais tarde, Pierre e Marie voltam

    a se encontrar. Tornaram-se estranhos, o reencon-

    tro fatalmente cheio de constrangimentos. J no

    se tratam com intimidade, no se empurram mais

    nos cantos para rir. Ela, ruborizada, permanece in-

    quieta, diante do desconhecido que ele traz consi-

    go. Ele, entre os dois, sente a torrente da vida, as

    verdades cruis, das quais no ousa falar alto. Que

    poderiam dizer um ao outro? Possuem uma lngua

    diferente, no so mais criaturas semelhantes. Es-

    to reduzidos banalidade das conversas comuns,

    cada um se mantendo na defensiva, quase inimigos,

    j mentindo um ao outro.

    Claro, no pretendo que nossos filhos e nos-

    sas filhas devam ser criados juntos como as ervas

    selvagens de nossos jardins. A questo desta dupla

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    educao grande demais para um simples obser-

    vador! Contento-me em dizer o que se passa: nos-

    sos filhos sabem tudo, nossas filhas no sabem nada.

    Um dos meus amigos me contou vrias vezes a es-

    tranha sensao que experimentou em sua juven-

    tude ao sentir pouco a pouco que suas irms iam

    se tornando estranhas para ele. Quando voltava docolgio, a cada ano sentia o fosso mais profundo, a

    frieza cada vez maior. Um dia, enfim, no tinha mais

    nada para dizer a elas. E depois de abra-las com

    todo afeto, s lhe restava pegar seu chapu e ir em-

    bora. O que acontecer ento no caso bem mais

    importante do casamento? A, os dois mundos se

    encontram num choque inevitvel, e o embate amea-

    a sempre vergar a mulher ou o homem. Pierre es-

    posa Marie sem poder conhec-la, sem poder se

    fazer conhecer por ela, pois no se permite uma

    tentativa mtua. A famlia da jovem noiva em ge-

    ral est feliz por cas-la finalmente. Entrega-a ao

    noivo, pedindo-lhe para reparar que ela est sendo

    entregue em bom estado, intacta, tal como deve ser

    uma noiva. Agora, o homem ir cuidar de sua mu-

    lher. E eis Marie atirada bruscamente ao amor,

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    Como Se Casa 15

    vida, a segredos escondidos h tanto tempo. De um

    minuto para o outro, o desconhecido se revela. At

    as melhores esposas guardam s vezes um longo

    abalo. Mas o pior que o antagonismo das duas

    educaes persiste. Se o marido no refaz sua mu-

    lher sua imagem, ela permanecer para sempre

    uma estranha para ele, com suas crenas, a inclina-o de sua natureza, a estupidez incurvel de sua

    instruo. Que estranho sistema, dividir a humani-

    dade em dois campos, os homens de um lado, as

    mulheres do outro; assim, depois de ter armado os

    dois campos um contra o outro, uni-los dizendo-

    lhes: Vivam em paz!.

    Em suma, o homem dos dias atuais no tem

    tempo para amar e se casa com sua esposa sem co-

    nhec-la, sem ser conhecido por ela. Estes so os

    dois traos distintivos do casamento moderno. Evi-

    to complicar o dado geral especificando-o de ante-

    mo, e passo aos exerccios.

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    I.

    O conde Maxime de La Roche-Mablon temtrinta e dois anos. Pertence a uma das mais antigas

    famlias de Anjou. Seu pai foi senador durante o

    Imprio, sem ter abandonado, segundo afirma, uma

    s sequer de suas convices legitimistas. Os La

    Roche-Mablon, alis, no perderam um s pedao

    de terra durante a emigrao, e ainda so citados

    entre os grandes proprietrios da Frana. Quanto

    a Maxime, teve uma bela juventude, alistou-se como

    zuavo pontifical1, depois voltou para Paris onde

    circulou; ele jogou, teve amantes, bateu-se em duelo,

    sem poder alarde-lo. um rapago louro, bom

    cavaleiro, com uma inteligncia mdia, sem paixes

    1Os zuavos eram os soldados da infantaria argelina a

    servio da Frana. Aqui, h referncia guarda papal. (N.

    do T.)

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    Como Se Casa 17

    extremas, e que nesse momento pensa em entrar

    para a diplomacia, para mudar de vida.

    O crnio dos La Roche-Mablon uma tia, a

    baronesa de Bussire, uma velha senhora buliosa,

    metida no mundo acadmico e no mundo poltico.

    Desde que seu sobrinho Maxime passou a lhe con-

    fiar seus projetos, ela proclama que, como primei-ro passo, ele deve se casar, o casamento sendo a base

    de todas as carreiras srias. Maxime no tem nenhu-

    ma objeo grave contra o casamento. Nunca pen-

    sou nele; preferia ficar solteiro, mas enfim, se abso-

    lutamente necessrio que se case, para ter seu lu-

    gar na sociedade, passar por essa formalidade co-

    mo por todas as outras. Apenas confessa rindo que,

    no tendo nenhum amor no corao, por mais que

    vasculhe sua memria, todas as moas com quem

    danou nos sales lhe do a impresso de ter o mes-

    mo vestido branco e o mesmo sorriso. Madame de

    Bussire ficou encantada. Ir encarregar-se de tudo.

    Dois dias depois, a baronesa fala a Maxime da

    senhorita Henriette de Salneuve. Fortuna conside-

    rvel, antiga nobreza da Normandia, convenincia

    perfeita de um lado e do outro. E ela sublinha o lado

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    mile Zola18

    correto desta unio. No se poderia encontrar um

    partido mais satisfatrio face s exigncias do mun-

    do. Ser um desses casamentos que no surpreen-

    dem ningum. Maxime balana a cabea com um

    ar complacente. Com efeito, tudo isto lhe parece

    muito razovel. Os nomes se equivalem, as fortu-

    nas so quase as mesmas, as alianas se apresentamcomo muito preciosas, caso ele persista em querer

    entrar para a diplomacia.

    Ela loura, creio ele acaba perguntando.

    No, morena responde a baronesa.

    Mas no sei muito bem!

    Alis, pouco importa. O que h de seguro

    que Henriette tem dezenove anos. Maxime supe

    ter danado com ela, a no ser que tenha sido com

    sua irm mais moa. No se fala de sua educao,

    intil: ela foi educada por sua me, e isto basta.

    Quanto a seu carter, no h o que discutir, nin-

    gum o conhece. Madame de Bussire afirma que

    a ouviu tocar, um dia, uma valsa de Chopin com

    muita alma. E, quanto ao resto, noite, haver um

    encontro num salo neutro.

    Quando, noite, Maxime percebe a senhorita

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    Como Se Casa 19

    de Salneuve, fica surpreso por ach-la bonita. Dana

    com ela, cumprimenta-a por causa de seu leque,

    recebe como agradecimento um sorriso. Quinze dias

    mais tarde, faz-se o pedido oficial e o contrato

    debatido diante dos notrios. Maxime viu Henriette

    cinco vezes. Ela bonita de fato, a pele branca, a

    cintura redonda, e saber vestir-se quando puderlivrar-se de seus vestidos de moa. Quanto ao resto,

    parece amar a msica, detesta o odor do almscar,

    teve uma amiga que se chamava Claire que mor-

    reu. tudo. Maxime, alis, acha que o bastante:

    ela uma Salneuve, ele a recebe das mos de uma

    me rgida. Mais tarde, tero tempo para se conhe-

    cer. Enquanto espera, ele pensa nela sem desprazer.

    Positivamente no est apaixonado, mas no o abor-

    rece que ela seja agradvel, porque, se ela fosse feia,

    iria evidentemente despos-la da mesma maneira.

    Oito dias antes do casamento, o jovem conde

    despede-se de sua vida de solteiro. Est com a mag-

    nfica Antonia, uma antiga amazona que voltou do

    Brasil coberta de diamantes. Ele renova seu mobi-

    lirio e rompe com ela de modo amistoso, depois

    de uma ceia onde se bebe sua felicidade conjugal.

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    Ele paga seu camareiro, queima cartas inteis, man-

    da abrir as janelas para que sua manso seja venti-

    lada. E est pronto. No entanto, bem no fundo, h

    horas de sua vida que ele guarda e em relao s

    quais cr suficiente ter fechado para sempre as por-

    tas de seu corao.

    Os notrios das duas famlias redigiram o con-trato. Toda essa baixa negociao de dinheiro foi-

    lhes poupada. Em suma, nada mais simples, as co-

    tas dos esposos so conhecidas, o casamento deve

    ocorrer dentro do regime dotalcio. Durante a leitura

    do contrato, as duas famlias permanecem mudas:

    depois, assina-se, sem nenhum comentrio, enquan-

    to a pena muda de mos entre sorrisos. E fala-se de

    outra coisa, de uma festa de caridade da qual a ba-

    ronesa teve a idia, de um sermo no qual o padre

    Dulac mostrou verdadeiramente bastante talento.

    O casamento civil foi celebrado numa segun-

    da-feira, um dia em que geralmente no h casa-

    mentos na prefeitura. A noiva usa um vestido de

    seda cinza, muito simples; o noivo est de sobrecasa

    e cala clara. Nenhum convite foi feito, s est pre-

    sente a famlia e quatro testemunhas, personagens

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    Como Se Casa 21

    considerveis. Enquanto o prefeito l os artigos do

    Cdigo, os olhares de Maxime e de Henriette se

    encontram, e sorriem um para o outro. Que lngua

    brbara a lngua da lei! Ser que de fato o casamento

    uma coisa to terrvel assim? Um aps o outro,

    eles pronunciam o sim solene, sem a menor emo-

    o, o prefeito sendo um homem baixo quase cor-cunda, cuja pessoa acanhada carece de majestade.

    A baronesa, com uma toalete escura, olha a sala com

    um binculo, acha que a lei est pobremente aloja-

    da. Ao sair da prefeitura, Maxime e Henriette dei-

    xam, cada um deles, mil francos para os pobres.

    Mas toda a pompa, todas as lgrimas de en-

    ternecimento ficam reservadas para a cerimnia re-

    ligiosa. A fim de no ser confundida com npcias

    vulgares, escolheu-se uma igreja privada, a peque-

    na capela das Missions. Isto d imediatamente ao

    casamento um perfume de piedade superior. Mon-

    senhor Flibien, um bispo do Midi, algo aparenta-

    do com os Salneuve, que deve abenoar a unio.

    Chega o grande dia, a capela se revela pequena de-

    mais; trs ruas vizinhas ficam bloqueadas pelas car-

    ruagens; no interior, na penumbra dos vitrais, um

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    mile Zola22

    roar de tecidos ricos, um murmrio discreto de

    vozes. Colocaram tapetes por toda parte. H cinco

    fileiras de poltronas diante do altar. Toda a nobre-

    za da Frana sente-se em casa, com seu Deus. No

    entanto, Maxime, com uma roupa irrepreensvel,

    parece um pouco plido. Henriette chega, toda bran-

    ca numa nuvem de tule; ela tambm est muito emo-cionada, os olhos esto vermelhos, chorou. Quan-

    do Monsenhor Flibien estende as mos sobre suas

    cabeas, todos os dois permanecem inclinados por

    alguns segundos, com um fervor que produz a me-

    lhor das impresses. Depois, o bispo fala dos deve-

    res dos esposos com uma voz cantada. E a famlia

    enxuga as lgrimas, sobretudo Madame de Bussi-

    re, que foi muito infeliz no casamento. A cerimnia

    termina, em meio aos odores do incenso, com a mag-

    nificncia dos crios acesos. No de forma alguma

    um luxo burgus, mas uma distino suprema, refi-

    nando a religio para o uso das pessoas bem-nasci-

    das. At os ltimos apertos de mo trocados, aps

    a assinatura das peas, a igreja permanece um salo.

    noite, janta-se em famlia, com portas e ja-

    nelas fechadas. E bruscamente, l pela meia-noite,

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    quando Henriette tirita em seu leito de esposa, o

    rosto voltado para a parede, sente o cheiro de Ma-

    xime que lhe d um beijo nos cabelos. Ele entrou,

    atrs dos pais, sem fazer barulho. Ela d um grito,

    suplica-lhe que a deixe s. Quanto a ele, sorri, tra-

    ta-a como uma criana que se procura tranqilizar.

    um homem demasiadamente galante para no prem uso todos os expedientes possveis. Mas conhe-

    ce as mulheres, sabe de que maneira deve-se proce-

    der com elas. Por isso fica por ali, beijando as mos

    dela, com carcias de palavras. Ela nada tem a te-

    mer, ele no o marido dela, no deve zelar por

    sua querida existncia? Depois, como ela se sobres-

    salta cada vez mais e se pe a soluar chamando por

    sua me, ele acha que deve endurecer um pouco as

    coisas, para evitar que a situao caia no ridculo.

    Alm do mais, continua sendo um homem de socie-

    dade, afasta a lmpada, lembra-se bem a propsi-

    to da maneira como comeou com a pequena Lau-

    rence, do Folies2, que no o queria, depois de uma

    ceia. Henriette muito mais bem educada do que

    2Referncia ao Folies Bergres. (N. do T.)

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    mile Zola24

    Laurence, ela no o arranha, no lhe d pontaps.

    Mal se debate com um arrepio de medo; e ela lhe

    pertence chorosa, febril, no ousando mais abrir os

    olhos. Chora a noite toda, colando a boca no tra-

    vesseiro para que ele no a oua. Este homem es-

    tendido a seu lado lhe causa uma repugnncia ater-

    rorizada. Ah! que coisa horrvel, por que nunca lhefalaram sobre isso? Ela no teria se casado. Essa

    violao do casamento, sua longa juventude rgida

    e ignorante culminando nessa iniciao brutal lhe

    parece uma infelicidade irreparvel da qual jamais

    se consolar.

    Catorze meses depois, o senhor no entra mais

    no quarto da senhora. Tiveram uma lua-de-mel de

    trs semanas. A causa do rompimento foi muito

    delicada. Maxime, habituado magnfica Antonia,

    quis fazer de Henriette uma amante, e esta, com os

    sentidos ainda adormecidos, de natureza fria, re-

    cusou-se a certos caprichos. Por outro lado, eles des-

    cobriram, desde o segundo dia, que jamais se en-

    tenderiam. Maxime tem um temperamento sang-

    neo, violento e teimoso. Henriette tem um grande

    langor, uma tranqilidade de gestos enervante, ao

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    Como Se Casa 25

    mesmo tempo em que mostra, no mnimo, uma tei-

    mosia semelhante. Assim, os dois acusam um ao

    outro de uma crueldade sombria. Mas como pes-

    soas de sua categoria devem sempre salvar as apa-

    rncias, vivem em termos de grande polidez. Pedem

    notcias um do outro cada manh, separam-se

    noite com uma saudao cerimoniosa. So maisestranhos do que se habitassem a milhares de lguas,

    quando apenas um salo separa os seus quartos.

    Entretanto, Maxime reatou com Antonia. Re-

    nunciou completamente idia de entrar para a

    diplomacia. Era estpida, esta idia. Um La Roche-

    Mablon no tem necessidade de comprometer-se

    com a poltica, nesses tempos de multido demo-

    crtica. O que o faz sorrir s vezes, quando encon-

    tra a baronesa de Bussire, pensar que se casou

    de maneira to absolutamente intil. Alis, no la-

    menta nada. O ttulo, a fortuna, tudo continua. De

    novo, est de volta vida mundana, passa suas noi-

    tes no crculo, leva a grande vida de um fidalgo de

    alta estirpe.

    No incio, Henriette ficou muito entediada. De-

    pois saboreou vivamente a liberdade do casamen-

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    to. Faz atrelar a carruagem dez vezes por dia, per-

    corre as lojas, vai ver as amigas, desfruta a vida. Tem

    todas as vantagens de uma jovem viva. At aqui,

    sua grande tranqilidade de temperamento salvou-

    a de erros graves. No mximo deixou que beijas-

    sem seus dedos. Mas h momentos em que se acha

    muito tola. E pe-se a discutir consigo mesmo, cal-mamente, se no deve ter um amante, no prximo

    inverno.

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    II.

    O senhor Jules Beaugrand filho do clebreBeaugrand, o advogado, o clebre orador de nos-

    sas assemblias polticas. Antoine Beaugrand, o av,

    era um pacfico burgus de Angers, de uma famlia

    de notrios muito estimada em sua provncia. Mas

    ele no tinha tocado no notariado, e devorava suas

    rendas tranqilamente. Seu filho mais velho, o c-

    lebre Beaugrand, muito ativo e muito ambicioso,

    pelo contrrio, fez uma bela fortuna. Quanto a Jules

    Beaugrand, tem os grandes objetivos de seu pai, a

    vaidade de um homem de alta situao, a necessi-

    dade de um luxo principesco. Infelizmente, acaba

    de completar trinta anos, e comea a se sentir me-

    docre. No incio, sonhou com a carreira de depu-

    tado, os sucessos na tribuna, uma pasta de minis-

    tro na primeira catstrofe governamental. Mas, na

    associao dos jovens advogados onde tentou a elo-

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    qncia, descobriu em si mesmo um tartamudeio

    de lngua intolervel, uma preguia de idias e de

    palavras que lhe interditavam absolutamente triun-

    fos polticos. Em seguida, hesitou por um instante,

    refletindo se deveria talvez entrar para a indstria.

    Os estudos especiais lhe deram medo. E, finalmen-

    te, decidiu-se simplesmente por um cartrio de ta-belio. Seu pai, que se sentia muito embaraado com

    ele, comprou-lhe por um preo muito caro um dos

    melhores cartrios, cujo ltimo titular ganhara al-

    guns milhes.

    H seis meses, Jules portanto um tabelio.

    O cartrio foi instalado num apartamento escuro

    da rua Sainte-Anne. Mas ele mora numa manso

    da rua dAmsterdam, passa suas noites na socieda-

    de, coleciona quadros, afeta ser tabelio o mnimo

    possvel. No entanto, acha a fortuna lenta. Precisa,

    sua volta, de uma expanso do luxo, um jantar a

    cada semana, por exemplo, oferecido a pessoas de

    prestgio, ou ainda ter um salo aberto na tera-feira

    noite, reunindo os amigos polticos de seu pai.

    Persuade-se mesmo de um passo maior, recepes,

    cinco cavalos em sua cavalaria, enfim, uma am-

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    pliao de toda a sua manso, seria uma coisa ex-

    celente que dobraria sua clientela.

    Casa-te diz-lhe seu pai, a quem pede con-

    selho. Uma mulher vai te dar mpeto, brilho...

    Escolhe-a rica, porque uma mulher, nestas condi-

    es, custa muito caro. A est, a senhorita Des-

    vignes, filha do manufatureiro... Tem um milho dedote. Mos obra.

    Jules no se apressa, amadurece a idia. Sem

    dvida um casamento consolidaria sua posio; mas

    um negcio grave, que no deve ser concludo le-

    vianamente. Avalia por conseguinte as fortunas

    sua volta. Seu pai, com sua viso superior, tinha

    razo: mesmo a senhorita Marguerite Desvignes

    o partido mais slido. Ento, toma informaes

    precisas sobre a prosperidade da usina Desvignes.

    Faz habilmente com que o notrio da famlia fale.

    O pai d, com efeito, um milho: talvez chegue a

    um milho e duzentos mil francos. Se o pai chegar

    a um milho e duzentos mil francos, Jules est de-

    cidido: ir casar-se.

    Durante quase trs meses, a operao con-

    duzida sabiamente. O clebre Beaugrand desempe-

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    nha um papel decisivo. ele que entra em contato

    com Desvignes, um de seus antigos colegas na Cons-

    tituinte, e que, pouco a pouco, o seduz, leva-o a

    oferecer sua filha, com os um milho e duzentos mil

    francos.

    Agarrei-o! diz ele rindo a Jules. Ago-

    ra, podes fazer a corte.Jules conhecera no passado Marguerite, quan-

    do ela era ainda uma criana: as duas famlias pas-

    savam o vero no campo, para os lados de Fon-

    tainebleau, e eram vizinhos. Marguerite j tem vinte

    e cinco anos. Mas, bom Deus! Como ele a acha

    enfeiada quando a rev. Ela nunca foi bonita, sem

    dvida; antes era escura como uma jovem toupeira;

    s que se tornou quase corcunda e tem um olho

    maior que o outro. Quanto ao resto, a moa mais

    amvel do mundo, muito espirituosa, pelo que se

    diz, e de uma exigncia extraordinria em relao

    s qualidades que exige de um homem; recusou os

    melhores partidos, o que explica porque ficou sol-

    teira at to tarde, com seu milho. Quando Jules

    se despede dela, depois do primeiro encontro, de-

    clara-a inteiramente aceitvel: ela se veste de ma-

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    neira admirvel, fala de tudo com uma elegncia

    soberba, parece mulher capaz de manter superior-

    mente um salo, como uma parisiense a quem sua

    feira d, simplesmente, um toque de originalida-

    de. Pois, na verdade, uma mulher de um milho e

    duzentos mil francos pode se permitir ser feia.

    As coisas so, a partir da, conduzidas apro-priadamente. Os noivos no so pessoas para per-

    der tempo com bagatelas. Um e outro sabem per-

    feitamente que tipo de negcio esto concluindo.

    Compreenderam-se com um sorriso. Marguerite foi

    educada num pensionato aristocrtico; tinha per-

    dido sua me aos sete anos, e seu pai no pde cui-

    dar de sua educao. Assim, ficou na penso at os

    dezessete anos, aprendendo tudo o que uma moa

    rica no pode ignorar, a msica, a dana, as boas

    maneiras, at mesmo um pouco de gramtica, his-

    tria e aritmtica. Mas sua educao se fez sobre-

    tudo em companhia de suas camaradas, meninas

    vindas de todos os bons bairros de Paris. Neste mun-

    do estreito, que era a imagem em miniatura do vasto

    mundo, entre as quatro paredes do jardim onde

    cresceu, ela conheceu, desde os catorze anos, as del-

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    cias da fortuna, o esprito prtico do sculo, o po-

    der da mulher, tudo aquilo que torna nossa civili-

    zao avanada. Se hesita sobre uma questo de

    economia domstica, distingue com um nico olhar

    todos os pontos de renda imaginveis, fala das mo-

    das como uma grande costureira, conhece as atri-

    zes por seus apelidos, aposta nas corridas e avaliaos cavalos com palavras tcnicas. E sabe ainda ou-

    tra coisa, alis com toda honestidade, pois levou

    uma vida de rapaz desde que deixou o pensionato

    h oito anos.

    Jules, entretanto, envia-lhe todo dia um buqu

    de trs luses.3Quando vai v-la, mostra-se muito

    galante. Mas a conversa limitada, voltam sempre

    sua prxima instalao. Fora dois ou trs cum-

    primentos usuais, s falam do tapeceiro, do car-

    roceiro, de todos os tipos de fornecedores. Mar-

    guerite decidiu finalmente aceitar Jules, porque ele

    lhe pareceu de uma mediocridade suficiente, e por-

    que ela se entediou demais em casa de seu pai, no

    3Luses: antiga moeda francesa de ouro, cunhada no

    reinado de Lus XIII. (N. do T.)

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    ltimo inverno. O primeiro passeio amoroso deles

    foi visitar a manso da rua dAmsterdam. Ela achou-

    a um pouco pequena; mas far com que derrubem

    duas divisrias, e ir mudar as portas de lugar. Em

    seguida, discute a cor das moblias, inquieta-se em

    saber onde ser seu quarto de dormir, desce at as

    cavalarias, com as quais se declara satisfeita. Vol-ta ainda duas vezes manso, para dar ela prpria

    ordens ao arquiteto. Jules est encantado, encon-

    trou a mulher que precisava.

    Oito dias antes da cerimnia, as duas famlias

    esto estafadas. O clebre Beaugrand e o velho Des-

    vignes j tiveram trs conferncias com os notrios.

    Vigiam as menores clusulas, na condio de ho-

    mens desconfiados, sem iluses sobre a probidade

    humana. Jules, de seu lado, padece at no mais

    poder por causa do presente de casamento. Mar-

    guerite, contra todas as convenincias, com um sor-

    riso de menina mimada, lhe pediu para ela prpria

    escolher as jias e as rendas. E l se foram eles,

    acompanhados apenas por uma parente pobre, vi-

    sitando as lojas, avaliando os diamantes e as ren-

    das valencianas desde a manh at a noite. Isto di-

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    verte-os, alis. No andam como os apaixonados

    ingnuos, de mos dadas, ao longo das sebes; sor-

    riem um para o outro, sentados diante dos balces

    dos joalheiros, passando anis e broches um para

    o outro, os dedos esfriados pelas pedras preciosas.

    Finalmente, o contrato foi assinado. Durante

    a leitura, houve uma ltima discusso entre o cle-bre Beaugrand e Desvignes. Mas Jules interveio,

    enquanto Marguerite escutava, com grandes olhos

    atentos, pronta a defender com palavras seus inte-

    resses, se os achasse comprometidos. O contrato

    muito complicado: deixa a metade do dote dis-

    posio do marido, e constitui, com a outra meta-

    de, um bem inalienvel cuja renda entrar na co-

    munho de bens, com a condio todavia de que

    uma soma de doze mil francos por ano seja conce-

    dida mulher para seu vesturio. O clebre Beau-

    grand, que o autor desta obra-prima, est encan-

    tado por ter enrolado seu velho amigo Desvignes.

    Para a prefeitura, convida-se no mximo dez

    pessoas. O prefeito um primo de Jules; ele reto-

    ma seu ar srio para ler o Cdigo, mas, assim que

    pe de lado o livro, esmera-se em voltar a ser ho-

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    Como Se Casa 35

    mem de sociedade, cumprimenta as damas, faz ques-

    to de entregar ele prprio a pena s testemunhas,

    entre as quais h dois senadores, um ministro e um

    general. Marguerite disse o sim sacramental com

    uma voz um pouco forte, ar srio, pois ela conhece

    a lei. Todos os presentes permanecem graves, como

    se ajudassem com sua presena concluso de umnegcio envolvendo grandes capitais. Cada esposo

    deixa mil e quinhentos francos para os pobres. E

    noite, h, na manso dos Desvignes, um jantar para

    o qual foram convidadas as testemunhas; s o mi-

    nistro no pde vir, o que deixou as duas famlias

    vivamente contrariadas.

    O casamento religioso ocorreu na Madeleine.4

    Trs dias antes, Jules e seu pai foram combinar os

    preos. Quiseram todo o luxo possvel e discutiram

    certas cifras: tanto para a missa no altar principal,

    tanto para os rgos, tanto para os tapetes. Ficou

    combinado que um tapete ir estender-se por vinte

    4A igreja da Madeleine em Paris, cuja construo foi

    iniciada na segunda metade do sculo XVIII e s foi conclu-

    da em 1840. (N. do T.)

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    degraus, e vir at a calada; ficou combinado igual-

    mente que os rgos saudaro com uma marcha

    triunfal a entrada do cortejo; so cinqenta fran-

    cos a mais, mas isto causa um grande efeito. Foram

    expedidos mil convites. Quando as carruagens che-

    gam em uma comprida fila correta, a igreja j est

    cheia com uma multido, os homens de casaca, asmulheres com sua melhor toalete. Por um milagre

    do coquetismo, Marguerite quase no est mais feia,

    sob seu vu branco, e sua coroa de flores de laran-

    jeira. Jules est inflado de importncia, ao ver que

    incomodou tanta gente. Entretanto, os rgos soam,

    os cantores tm vozes metlicas, a cerimnia dura

    quase uma hora e meia, sob a majestade das abba-

    das. Est tudo muito bonito. Depois, na sacristia,

    comea um desfile interminvel. Os conhecidos, os

    convidados, at mesmo os desconhecidos, entram

    por uma porta, e saem por outra, depois de terem

    apertado as mos dos esposos e das duas famlias.

    Esta formalidade requer ainda mais uma hora. Aqui

    esto muitos polticos, advogados, procuradores,

    grandes industriais, artistas, jornalistas; e Jules d

    um aperto de mo particularmente cordial num ra-

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Casa 37

    pazinho plido que ele conhece pouco, e que escre-

    ve numa folha dos bulevares onde colocar talvez

    uma nota sobre o casamento.

    Como nem os Beaugrand nem os Desvignes

    tm um salo bastante amplo para dar um banquete,

    come-se e dana-se noite no Hotel do Louvre. A

    comida medocre. O baile, na sala de festas dohotel, est cheio de brilho. meia-noite, uma car-

    ruagem leva os casados para a rua dAmsterdam; e

    eles se divertem ao longo do caminho, no meio de

    Paris s escuras, enquanto as sombras das mulhe-

    res rondam pelos cantos das ruas. Quando Jules

    entra no quarto nupcial, v que Marguerite o espe-

    ra tranqilamente, com o cotovelo apoiado no tra-

    vesseiro. Ela est um pouco plida, com um sorri-

    so contrafeito, nada mais. E o casamento se consu-

    ma bastante naturalmente, como uma coisa h mui-

    to tempo esperada.

    Eis que os Beaugrand esto casados h dois

    anos. No romperam, mas h seis meses esquece-

    ram-se um do outro. Quando Jules revisitado por

    um capricho por sua mulher, deve cortej-la uma

    semana inteira, antes de ser admitido no quarto dela;

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    na maior parte das vezes, para economizar seu tem-

    po que precioso, ele vai satisfazer seu capricho em

    outra parte. Ele tem tantos negcios! Hoje em dia

    um homem bem posto; no se contenta mais com

    seu cartrio, pertence a vrias sociedades, chega

    mesmo a jogar na Bolsa. Sua alegria que Paris se

    ocupe com ele, os jornais lhe atribuem ditos espiri-tuosos. Alm disso, no explora sua mulher, e ain-

    da no pde encontrar o meio, apesar dos conse-

    lhos de seu pai, de tocar nos seiscentos mil francos

    imobilizados pelo contrato.

    Por sua vez, Marguerite uma mulher encan-

    tadora. A moa manteve suas promessas. Fez da

    manso da rua dAmsterdam um endereo do luxo

    e de festas. Toda a prodigalidade louca de Paris, as

    toaletes de mil escudos estragados numa s noite;

    as notas bancrias torcidas para acender as velas,

    a imprimir um brilho de riqueza extraordinria. Da

    manh noite, as carruagens rolam sob sua ab-

    bada; e, certas noites, o quarteiro, at a aurora,

    ouve uma msica longnqua acalentando os risos

    adocicados dos danarinos. Marguerite mostra-se

    resplandecente em sua feira; ela se cuidou para ser

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Casa 39

    mais desejvel do que uma mulher bonita; ela mais

    do que bela, ela pior, como ela prpria diz rindo.

    Os um milho e duzentos mil francos de seu dote

    ardem como um fogo de palha. Ela arruinaria seu

    marido antes de um ano se no possusse uma inte-

    ligncia rara. Sabe-se que ela dispe de apenas mil

    francos por ms para seus vestidos: mas ningumtem o mau gosto de espantar-se, vendo-a gastar em

    um ms o que ela tem num ano. Jules est encanta-

    do, nenhuma mulher teria mantido sua manso num

    plano semelhante, e ele est sinceramente reconhe-

    cido por tudo quanto ela faz com o fim de ampliar

    o crculo de suas relaes. Neste momento, Mar-

    guerite se mostra filial com um dos senadores que

    lhes serviram de testemunhas; ela deixa-se beijar nas

    espduas, atrs das portas, e deixa que lhe ofere-

    am ttulos de renda nas caixas de pastilhas.

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    III.

    Louise Bodin j passou dos trinta anos. alta,nem bonita nem feia, com uma fisionomia comum,

    cujo celibato comea a empalidecer seu rosto. fi-

    lha de um pequeno dono de armarinho da rua Saint-

    Jacques estabelecido h mais de vinte anos numa

    loja obscura, onde s conseguiu poupar uma deze-

    na de mil francos, e para isto foi necessrio comer

    carne no mximo duas vezes por semana, usar as

    mesmas roupas durante trs anos, contar no inver-

    no as ps de carvo jogadas na lareira. H vinte

    anos, Louise fica ali, atrs do balco, vendo to-

    somente os fiacres salpicar os pedestres. Foi ao cam-

    po duas vezes, uma vez para Vincennes, outra para

    Saint-Denis. Quando fica na porta, avista, no fim

    da rua, a ponte sob a qual o rio passa. Alm disso,

    razovel, cresceu no respeito ao tosto das agu-

    lhas e aos dois tostes por fio que vende s oper-

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Casa 41

    rias do bairro. Sua me enviava-a para um peque-

    no pensionato vizinho, mas retirou-a com a idade

    de doze anos, para evitar empregar uma caixeira.

    Louise sabe ler e escrever, sem ser bem instruda na

    ortografia; o que ela sabe mais, so as quatro ope-

    raes. Como diz com sua voz pausada, sabe o su-

    ficiente para estar no comrcio.Seu pai, todavia, declarou que lhe dar dois mil

    francos de dote. Esta promessa se espalhou pelo

    bairro, ningum ignora que a senhorita Bodin ter

    dois mil francos. Tambm, no lhe faltam partidos.

    Mas Louise uma moa prudente. Diz claramente

    que no se casar jamais com um rapaz que no

    tenha nada. Ningum se junta para ficar de braos

    cruzados e ficar olhando um para o outro. Podem

    vir os filhos; depois, todos ficam contentes quando

    se pode ter um pedao de po na velhice. Quer por-

    tanto um marido que tenha pelo menos dois mil

    francos, como ela. Podero abrir uma pequena loja,

    ganhar honradamente a vida. Mas se os maridos de

    dois mil francos no so raros, eles ambicionam

    geralmente as mulheres que possuem o duplo ou o

    triplo. por isso que Louise corre o risco de ficar

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    solteirona. Ela afastou os tipos ruins, os homens que

    a rondavam, na expectativa de abocanhar o seu

    dote. Admite casar-se por causa de seu dinheiro, j

    que o dinheiro, em suma, tudo na vida. S que

    quer encontrar um marido que tenha, ele tambm,

    respeito pelo dinheiro.

    Por fim, falaram a Boudin sobre um bom rapaz,um relojoeiro, de excelentes costumes. Ele mora na

    vizinhana com sua me que vive com uma peque-

    na renda. A senhora Meunier guardou, por conta de

    prodgios de economia, a soma de mil e quinhentos

    francos, para facilitar o casamento de seu filho. Ale-

    xandre Meunier, um ano mais moo que Louise,

    muito tmido, inteiramente conveniente. Mas Louise,

    diante da cifra de mil e quinhentos francos, diz logo

    que intil levar as coisas adiante, ela vale dois mil

    francos, j fez todos os seus clculos. No entanto, es-

    tabelecem-se relaes entre as duas famlias. A senho-

    ra Meunier espera um casamento desejvel para seu

    filho; e, quando ela fica sabendo da soma exigida por

    Louise, aprova inteiramente esta resoluo sbia da

    moa, e promete, em dezoito meses, completar os dois

    mil francos. Desde a, tudo est resolvido.

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Casa 43

    As famlias vivem em intimidade estreita. Os

    filhos, Alexandre e Louise, esperam tranqilamen-

    te, trocando apertos de mo amistosos. Renem-se

    toda noite, e ficam ali, nos fundos da loja, dos dois

    lados da mesa, sem um rubor, sem um gesto de im-

    pacincia, conversando sobre o bairro, sobre a pros-

    peridade de uns tantos, o mau comportamento oua m sorte dos outros. Em dezoito meses, no tro-

    cam uma s palavra de amor. Louise acha Alexan-

    dre muito honesto, pois ela ouviu dizer, um dia, que

    ele no ousara reclamar os dez francos empresta-

    dos a um amigo h umas seis semanas. Alexandre

    afirma que Louise nasceu para o comrcio; o que

    , em sua boca, um grande cumprimento.

    No dia aprazado, como numa data de venci-

    mento, a senhora Meunier tem os dois mil francos.

    H um ano e meio que ela se priva de caf e poupa

    tostes na alimentao, na luz e no aquecimento.

    Fixa-se ento a data do casamento para daqui a trs

    meses, para dar tempo preparao. Ficou decidi-

    do que Alexandre se estabelecer como relojoeiro

    numa pequena loja, descoberta na prpria rua Saint-

    Jacques, a loja de uma vendedora de frutas cujo

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    mile Zola44

    comrcio fracassou. E trata-se, antes de tudo, de pr

    a casa em ordem. Por fim, todos se contentam em

    lavar o teto e lixar as pinturas, pois o pintor pedia

    duzentos francos para refazer tudo. Quanto s mer-

    cadorias, consistiro inicialmente em algumas jias

    comuns e alguns pndulos de segunda mo. Alexan-

    dre comear por fazer os consertos no bairro; e,pouco a pouco, quando se tornarem conhecidos,

    com muita ordem, chegaro a ter uma das lojas mais

    bonitas e mais enfeitadas da rua. Feitas as contas,

    a loja pronta, os custos de instalao pagos, sobra-

    ro para eles trs mil francos, com os quais podero

    aproveitar as boas compras. Estes arranjos ocupam-

    nos at a vspera do casamento.

    Quando se falou num contrato, Louise deu de

    ombros e Alexandre ficou rindo. Um contrato custa

    pelo menos duzentos francos. Eles compartilharo

    tudo, e tero tudo pela metade, muito mais na-

    tural. Entretanto, decidiram fazer as coisas corre-

    tamente. Alexandre, alm da aliana, uma aliana

    de ouro de quinze francos, d a Louise uma cor-

    rente de relgio. A boda deve ocorrer num res-

    taurante do subrbio, em Saint-Mand, no Panier

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Casa 45

    Fleuri.5Mas os Bodin declararam que as despesas

    do banquete ficaro por conta deles.

    O casamento foi marcado para um sbado,

    porque, deste modo, tem-se o domingo todo para

    descansar. O cortejo inclui cinco carruagens, alu-

    gadas pelo dia inteiro. Alexandre mandou fazer uma

    sobrecasaca e uma cala pretas. A prpria Louisefez seu vestido branco; e foi uma tia quem lhe deu

    a coroa e o buqu de flores de laranjeira. Todos os

    convidados, de resto, cerca de vinte pessoas, usam

    traje a rigor; as mulheres usam toaletes de seda,

    rosas, verdes, amarelas; os homens esto de sobre-

    casaca, um antigo comerciante de mveis usa at

    mesmo uma casaca. Mas as duas damas de honra,

    sobretudo, fazem com que os transeuntes se virem,

    duas mocetonas louras de musseline branca, a cin-

    tura apertada por grandes cintos azuis. E, desde as

    onze horas da manh, o cortejo se pe em movi-

    mento, parte para a prefeitura, onde a boda invade

    a sala de casamentos. O prefeito se faz esperar du-

    rante trs quartos de hora. um sujeito grandalho

    5Cesto Florido. (N. do T.)

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    mile Zola46

    de ar entediado, que despacha os artigos do Cdi-

    go olhando continuamente o relgio sua frente:

    tem de comparecer a um encontro de negcios. A

    senhora Bodin e a senhora Meunier choram mui-

    to. Os noivos respondem sim, dirigindo ao pre-

    feito um cumprimento polido. Enquanto isso, o an-

    tigo comerciante de mveis permite-se pilhrias, quefazem os senhores dar risadas; Alexandre e Louise

    separam cada um deles uma moeda de cinco fran-

    cos para os pobres. Depois, o cortejo sobe de novo

    nas carruagens, atravessa a praa e torna a descer

    diante da igreja. Na vspera, o senhor Bodin e Ale-

    xandre vieram para combinar a cerimnia; escolhe-

    ram o que h de mais simples, porque no h ne-

    cessidade de engordar os padres; o senhor Bodin,

    que livre pensador, chegou a querer que no se

    fosse igreja e, se cedeu, foi por convenincia. O

    padre conduz rapidamente a missa, uma missa sim-

    ples no altar da Virgem. Os presentes se levantam

    e voltam a sentar-se quando o sacristo lhes faz um

    sinal. S as mulheres tm missais, que no lem. Os

    noivos permanecem graves, com rostos vagamente

    entediados e distrados, como se no pensassem em

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    Como Se Casa 47

    nada. Enfim, quando o cortejo sai da igreja, todo

    mundo suspira aliviado. Agora acabou, j se pode

    rir um pouco.

    L pelas duas horas, as carruagens chegam a

    Saint-Mand. O jantar s vai sair s seis horas. To-

    dos caminham at o bosque de Vincennes. E, duran-

    te trs horas, um passeio endomingado em meios rvores; as damas de honra correm como garoti-

    nhas, as senhoras procuram a sombra, os senhores

    acendem os charutos. Como todo o cortejo est ar-

    rebentado de fadiga, todos terminam por sentar-se

    no meio de uma clareira e a esquecem, a escutar

    os clarins de um forte vizinho, o apito agudo das

    locomotivas que passam, o estrondo longnquo de

    Paris no horizonte.

    Entretanto, a hora do banquete se aproxima,

    todos voltam para o restaurante. A mesa est posta

    numa grande sala iluminada por dez bicos de gs,

    como num caf, h grandes buqus artificiais cujo

    uso murchou as flores. E o servio comea, em meio

    ao rudo das colheres nos pratos de sopa. Depois,

    todos se aquecem, brincam de uma extremidade

    outra da mesa. O momento mais alegre da noite

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    mile Zola48

    aquele em que um rapaz, um caixeiro de artigos no-

    vos, escorrega para debaixo da mesa e vai desatar

    a liga da noiva, um fluxo de fitas cujos pedaos so

    divididos entre os senhores, para ornamentar suas

    lapelas. Louise queria ser poupada desta brincadeira

    clssica, mas seu pai lhe mostrou que isto entristece-

    ria as bodas, e ela se conformou ao costume comseu bom senso comum. Alexandre ri muito alto,

    transborda com uma alegria de rapaz srio que no

    se diverte com freqncia. A liga, alis, suscitou pi-

    lhrias bem atrevidas. Quando h uma muito forte,

    as senhoras escondem o rosto nos guardanapos,

    para poder rir vontade.

    So nove horas. Os garons do restaurante pe-

    dem ao cortejo para passar a uma sala vizinha. En-

    quanto isso, tiram rapidamente a mesa, e a grande

    sala de refeies se transforma num salo de dan-

    a. Dois violes, um piston, uma clarineta e um

    contrabaixo so instalados em cima de um estra-

    do. O baile comea; os vestidos das damas de hon-

    ra, fustigados pelo azul de seus cintos, flutuam de

    uma ponta da sala outra, em meio a sobrecasacas

    pretas. Est muito quente, as senhoras abrem uma

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    Como Se Casa 49

    janela, respiram o ar puro de fora. Serve-se em ban-

    dejas de vidro xarope de groselha. Por volta das duas

    horas, procura-se a noiva por toda a parte, mas ela

    desapareceu, voltou para Paris com sua me e seu

    marido. O senhor Bodin ficou para representar a

    famlia e para entreter o bom humor dos convivas.

    preciso danar at o dia nascer.Na rua Saint-Jacques a senhora Bodin e duas

    outras damas cuidam da toalete noturna da casa-

    da. Elas vo deit-la na cama e, juntas, as trs se

    pem a chorar. Louise, que elas deixam impacien-

    te, despede-as, depois de se ver, ela prpria, fora-

    da a encoraj-las. Ela est muito tranqila, apenas

    fatigada, com uma grande vontade de dormir. E com

    efeito, como Alexandre, intimidado, demora demais

    para aparecer, ela termina dormindo, afundada em

    seu lugar no leito. Alexandre, no entanto, aproxi-

    ma-se na ponta dos ps. Pra, olha-a por um ins-

    tante a dormir, aliviado. Depois, com mil precau-

    es, tira a roupa, escorrega para baixo do lenol

    evitando os encontres. Ele nem mesmo ir beij-

    la. Fica para amanh de manh. Tm o tempo todo,

    j que esto casados pela vida inteira.

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    mile Zola50

    E levam uma vida bem feliz. Tm a sorte de

    no ter filhos; filhos iriam perturb-los. O comr-

    cio deles prospera, a pequena loja cresce, as vitri-

    nes se enchem de jias e pndulos. Louise que

    toma conta do negcio. Ela fica, durante horas, no

    balco, sorrindo para os clientes, assegurando-lhes

    que jias fora de moda foram fabricadas na vspera; noite, com a pena na orelha, verifica as contas.

    Muitas vezes, passa o dia inteiro correndo os qua-

    tro cantos de Paris, por causa das encomendas. Toda

    a sua existncia transcorre na preocupao constan-

    te com o comrcio; a mulher desapareceu, resta ape-

    nas uma caixeira ativa e astuciosa, sem sexo, inca-

    paz de um descuido, com a idia fixa de aposentar-

    se com cinco ou seis mil francos de renda, para ir

    com-los, em Suresnes, numa casa construda em

    forma de chal suo. Por sua vez, Alexandre de-

    monstra uma serenidade absoluta, uma confiana

    cega em sua mulher. Ele ocupa-se apenas com os

    trabalhos de relojoaria, com o conserto de relgios

    e pndulos; e parece que a prpria casa um gran-

    de relgio, cujos ponteiros eles acertaram entre si

    para sempre. Jamais iro saber se se amaram. Mas

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Casa 51

    sabem, com toda certeza, que so scios honestos,

    vidos pelo dinheiro, que continuam a dormir jun-

    tos para evitar uma dupla lavagem de lenis.

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    mile Zola52

    IV.

    Valentin um rapago de vinte e cinco anos,marceneiro de profisso, que nasceu em pleno bairro

    de Saint-Antoine. Seu pai e seu av eram marcenei-

    ros. Cresceu no meio de aparas, jogou bola, at os

    doze anos, na calada da praa da Bastilha, ao re-

    dor da coluna de Julho. Agora, dorme na rua da

    Roquette, num imvel de m fama, onde tem, por

    dez francos ao ms, um buraco sob os tetos, to-

    somente o lugar para um leito e uma cadeira; e ain-

    da, para deitar-se no leito, obrigado a abaixar-se,

    se no quiser bater com a cabea no teto. Alis, ele

    prprio brinca com isso. No recebe ningum em

    seu apartamento; volta para se deitar s dez horas,

    e desde as cinco horas da manh, no inverno e no

    vero, sacode as suas pulgas. Diz apenas que fica

    vexado, pois quando conhece algum, no ousa tra-

    zer a dama para seu quarto. to pequeno que, se

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Casa 53

    dois se deitassem, certamente um teria que deixar

    suas pernas na escada.

    Um bom sujeito, este Valentin! Trabalha du-

    ro, porque ainda jovem e acredita no trabalho.

    Por isso, nada de bebedeiras, nem de jogo, um pou-

    co mulherengo, talvez. As mulheres, eis sua gran-

    de fraqueza. Quando, de manh, impulsiona suaplaina com uma mo sobre o papel mach, os ca-

    maradas ficam a goz-lo, gritam que ele viu a se-

    nhorita Lise. Isto acontece porque uma ex-namo-

    rada de Valentin se chamava Lise, e porque, nos

    dias em que a preguia o assaltava, ele tinha o h-

    bito de dizer: Por tudo que sagrado, isto no

    anda, vi Lise ontem noite!. Nas salas de baile

    do bairro, ele conhecido como o belo marcenei-

    ro. Tem uma grande fisionomia alegre, cabelos on-

    dulados; e, quando dana, chega a arregaar as

    mangas da camisa para sentir-se mais vontade,

    o que diz, mas na realidade para mostrar seus

    braos fortes, que so brancos como os de uma mu-

    lher. Teve as moas mais bonitas, a grande Nana,

    a pequena Augustine, e a gorda Adle que s tem

    um olho, e at mesmo a Bordalesa, uma encader-

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    mile Zola54

    nadora pela qual dois militares se mataram. Toda

    noite, faz a ronda dos bailes, uma espiada aqui,

    outra ali, unicamente para ver se h, nos cantos,

    senhoritas que ele no conhece.

    Uma noite, ao entrar noJardin de Flore, uma

    sala de bailes da rua da Charonne, eis que avista

    Clmence, uma florista de dezesseis anos, cujos beloscabelos louros lhe parecem um sol aceso na sala.

    Na mesma hora, sente-se tocado. Durante toda a

    noite banca o amvel, dana com a pequena, paga

    uma jarra de vinho francesa. Depois, l pelas onze

    horas, quando Clmence volta para casa, ele a acom-

    panha e, naturalmente, quer subir. Mas ela recusa

    com voz firme. Ela passa de boa vontade uma noi-

    te no baile; s que no vai mais longe do que isso.

    E ela bate a porta no nariz dele. No dia seguinte,

    ele toma informaes. Clmence j teve um aman-

    te, que a abandonou ali mesmo, deixando-a com

    dois aluguis nas costas. Ento, ela jurou vingar-se

    no primeiro homem que fizesse a tolice de am-la.

    No entanto, nos dias seguintes, Valentin espe-

    ra-a na calada, arrisca-se a subir para lhe dar bom-

    dia, persegue-a por toda parte.

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Casa 55

    E ento, esta noite? grita para ela, rindo.

    Mas ela responde com voz alegre:

    No, fica para amanh!

    Todos os domingos, ele a encontra noJardin

    de Flore. L est ela, sentada perto da orquestra dos

    msicos. Ela aceita o vinho francesa, dana com

    ele, mas, assim que ele quer beij-la, ela lhe acertaum tapa; e, se ele fala em ficarem juntos, ela lhe diz

    com um ar muito razovel que ele faz mal em obs-

    tinar-se, que ela no quer porque isto no a agra-

    da. Durante seis semanas, ficam brincando assim,

    sem parar de rir.

    No fim do segundo ms, Valentin torna-se

    sombrio. No consegue mais dormir noite, no seu

    buraco, sob os tetos. Sente-se asfixiado. Quando

    est deitado, os grandes olhos abertos, percebe no

    escuro o rosto louro de Clmence, cujos cabelos

    brilham, com seu esplendor de sol. Ento a febre

    toma conta dele, fica a se revirar at de manh, co-

    mo se estivesse de p sobre carves; e no dia seguin-

    te, na oficina, no faz nada, os olhos perdidos, os

    instrumentos caindo das mos. Os camaradas gri-

    tam para ele: Ento voc viu a senhorita Lise?

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    mile Zola56

    No, infelizmente no, no viu a senhorita

    Lise. Foi trs vezes at o quarto de Clmence, ajoe-

    lhou-se, suplicando-a para que ela o aceitasse. Mas

    ela disse no, sempre no: de modo que ele acabou

    chorando como um idiota, na rua. Pensa em ir dor-

    mir diante da porta dela, no patamar, porque lhe

    parece que iria se sentir melhor ali, ouvindo o levesopro dela, pelas fendas. O desejo por esta moa

    a quem ele torceria o pescoo com dois dedos, co-

    mo a uma galinha, tira-lhe da boca a bebida e a

    comida.

    Por fim, uma noite, sobe at o quarto de Cl-

    mence e lhe prope bruscamente casar-se com ele.

    Ela fica surpresa, mas aceita rapidamente. Ela pr-

    pria ama-o com todo o corao; s que ela tinha

    chorado demais, quando o primeiro a abandonou.

    Mas desde que se trata de ficarem juntos para sem-

    pre, ela aceita de corao.

    No dia seguinte, vo at a prefeitura para sa-

    ber. A extenso das formalidades consterna-os.

    Clmence no sabe onde encontrar o atestado de

    bito de seu pai. Valentin corre de escritrio em es-

    critrio antes de obter o documento atestando sua

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Casa 57

    liberao do servio. Eles se vem todos os dias, ago-

    ra, vo passear nas fortificaes e comer bolacha

    nas festas de subrbio. noite, quando voltam pe-

    las ruas compridas do subrbio, no dizem nada,

    vo docemente de braos dados. O corao est

    cheio de uma alegria da qual no sabem nem co-

    mo falar. Clmence cantou, certa vez, para Valentinuma romana, em que se falava de uma dama num

    balco e de um prncipe que beijava os cabelos de-

    la; e Valentin gostou tanto que ficou com os olhos

    midos de lgrimas.

    As formalidades foram cumpridas, o casamen-

    to foi fixado para um sbado. Iro casar-se com toda

    a tranqilidade. Valentin foi ver a igreja, mas como

    o padre lhe pedia seis francos, respondeu-lhe que

    no tinha necessidade de sua missa, e Clmence de-

    clarou que o casamento na prefeitura era o nico

    vlido. No incio, falaram em no realizar a boda;

    depois, para no parecer que se escondiam, orga-

    nizaram um piquenique a cem tostes por cabea,

    num comerciante de vinhos na fronteira do Trne.

    Sero dezoito mesa, Clmence deve trazer trs

    amigas suas que se casaram. Valentin recrutou um

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    mile Zola58

    bando inteiro de marceneiros e de ebanistas, com

    as damas. O encontro, no comerciante de vinhos,

    ser s duas horas, porque h o projeto de se dar

    um passeio antes do jantar.

    Na prefeitura, Valentin e Clmence apresen-

    tam-se acompanhados apenas por suas testemunhas.

    Valentin mandou limpar sua sobrecasa. Clmence,h trs dias, passa as noites a consertar um velho

    vestido azul que uma de suas amigas, maior que ela,

    lhe vendeu por dez francos. Ela usa um bon enfei-

    tado de flores vermelhas. E est to bonita, com sua

    cara branca de mocinha, sob as mechas soltas de

    seus cabelos louros, que o prefeito sorri paternal-

    mente para ela. Quando chega sua vez de dizer

    sim, sente que Valentin lhe d uma cotovelada,

    e explode numa risada. Todo mundo ri na sala, at

    os empregados do escritrio. como um sopro de

    juventude atravs das folhas amarelecidas do C-

    digo. Depois, quando se trata de assinar o registro,

    as testemunhas se esforam. Valentin traa uma

    cruz, porque no sabe escrever. Clmence faz um

    grande borro. Na subscrio para os pobres, to-

    dos do dois tostes. Apenas a casada, depois de

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    Como Se Casa 59

    ter dado uma longa busca em seus bolsos, termina

    por dar dez tostes.

    s duas horas, a sociedade se rene no comer-

    ciante de vinhos da praa do Trne. De l saem

    todos, vo para as fortificaes, caminham juntos;

    depois os homens organizam um jogo de cabra-cega,

    no fosso. Quando um dos marceneiros agarra umadama, ele a retm por um instante em seus braos,

    belisca-a nos quadris; a dama solta gritinhos, diz que

    isto proibido, que no se deve beliscar. Toda a

    gente ri s gargalhadas; este canto deserto fica to

    perturbado com todo esse alarido que os pardais

    assustados saem voando das rvores, ao longo do

    caminho em volta. No retorno h trs meninos que

    os pais so obrigados a carregar nas costas, porque

    no podem mais andar.

    O que no impede ningum de dar garfadas

    furiosas, noite, no jantar. Cada um quer comer

    os seus cem tostes. Foi tudo pago, no mesmo?

    Pode-se limpar tranqilamente os pratos. Seria pre-

    ciso ver com que cuidados os ossos so depenados.

    No se deixa nada que se possa levar de volta para

    a cozinha. Valentin, que os camaradas querem em-

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    bebedar, de brincadeira, vigia seu copo; mas Cl-

    mence, que no bebe vinho puro habitualmente, es-

    t muito vermelha e fala como um papagaio, com

    gritos de pssaro. Na sobremesa, comeam as can-

    es. Cada um canta a sua. Durante trs horas,

    um arrulho de coplas interminveis. Um canta uma

    romana, o outro uma histria onde se fala de Ve-neza e das gndolas; o outro tem como especialidade

    canonetas cmicas e narra os estragos do vinho

    barato, deixando o homem brio no refro; um ter-

    ceiro enceta uma chocarrice, um pouco salgada, que

    as damas, rindo muito alto, acompanham com os

    cabos das facas nos copos. No entanto, quando se

    trata de pagar, todos se aborrecem. O comerciante

    do vinho reclama acrscimos. Como! Acrscimos?

    Combinaram cem tostes, portanto so cem tostes,

    sem mais nada! E como o comerciante de vinho

    ameaa chamar os sargentos da cidade, a coisa de-

    sanda, trocam-se murros, uma parte da boda vai

    terminar a noite na guarda. Felizmente, os casados

    tiveram a sabedoria de sair pela porta, assim que

    comeou a disputa.

    So quatro horas da manh, quando Valentin

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Casa 61

    e Clmence entram no quarto dela, que decidiram

    manter at o prximo aluguel. Desceram todo o

    bairro de Saint-Antoine a p, em meio a um venti-

    nho frio que nem sentiam, de tal modo caminha-

    vam rpido. E, assim que a porta foi fechada, Va-

    lentin toma Clmence em seus braos, cobre-lhe o

    rosto de beijos, com uma brutalidade apaixonadaque a faz rir. Ela se pendura no pescoo dele, beija-

    o com todas as suas foras, para provar-lhe que o

    ama. S que o leito no est pronto, ela se apres-

    sou tanto de manh que simplesmente estendeu o

    cobertor. E ele a ajuda a virar o colcho. Assim o

    dia j est nascendo, quando eles se deitam. O ca-

    nrio de Clmence, cuja gaiola est pendurada perto

    da janela, tem um trinado muito doce. No quarto

    pobre, sob os cortinados gastos do leito, o amor in-

    troduz como que um bater de asas.

    Feitas as contas, Valentim e Clmence torna-

    ram-se um casal com vinte e trs tostes. Na segun-

    da-feira, voltam tranqilamente ao trabalho, cada

    um de seu lado. E os dias transcorrem, e a vida pas-

    sa. Com trinta anos, Clmence est feia, seus cabe-

    los louros se tornaram de um amarelo sujo, os trs

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    mile Zola62

    meninos que ela amamentou deformaram-na, Va-

    lentin caiu no vinho, o bafo forte, seus belos bra-

    os endurecidos e emagrecidos pela plaina. Nos

    dias de pagamento, quando o marceneiro volta b-

    bado, com os bolsos vazios, o casal troca bofeta-

    das, enquanto os midos berram. Pouco a pouco,

    a mulher se habitua a ir buscar seu homem no co-merciante de vinhos; e ela termina por se sentar

    mesa, toma sua dose de litros, no meio da fumaa

    dos cachimbos. Mas ela ama seu homem assim

    mesmo, desculpa-o quando ele lhe d algum tapa.

    Alm disso, ela continua honesta; no se pode acus-

    la de deitar-se com o primeiro que aparece, como

    certas criaturas. E, nesta vida de brigas e de mis-

    ria, na sujeira do domiclio freqentemente sem la-

    reira e sem po, na lenta degradao do casal, h,

    at a morte, sob os cortinados em farrapos do lei-

    to, noites em que o amor traz a carcia de seu bater

    de asas.

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    Como Se Morre 63

    COMO SE MORRE

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    Como Se Morre 65

    I.

    O conde de Verteuil tem cinqenta e cincoanos. Pertence a uma das mais ilustres famlias da

    Frana, e possui uma grande fortuna. Enfastiando-

    se com o governo, ocupou-se como pde, entregou

    artigos para revistas srias, que o fizeram entrar para

    a Academia de Cincias Morais e Polticas, lanou-

    se aos negcios, apaixonou-se sucessivamente pela

    agricultura, pela criao de animais, pelas belas-

    artes. Chegou mesmo a ser, por algum tempo, depu-

    tado, e distinguiu-se pela violncia de sua oposio.

    A condessa Mathilde de Verteuil tem quaren-

    ta e seis anos. Ainda citada como a loura mais

    adorvel de Paris. A idade parece embranquecer sua

    pele. Era um pouco magra: agora, suas espduas,

    ao amadurecer, assumiram a redondeza de um fru-

    to sedoso. Nunca foi to bela assim. Quando entra

    num salo, com seus cabelos dourados e o cetim de

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    mile Zola66

    seu pescoo, parece um astro ao nascer; e as mu-

    lheres de vinte anos a invejam.

    O casamento do conde e da condessa um

    desses sobre os quais no se diz nada. Casaram-se

    como se casa em geral no mundo deles. Chega-se a

    afirmar que viveram muito bem juntos durante seis

    anos. Nesta poca, tiveram um filho, Roger, que tenente, e uma filha, Blanche, a quem casaram no

    ano passado com o senhor de Bussac, regente dos

    requerimentos. Eles se unem por causa de seus fi-

    lhos. Depois de terem rompido h anos, continuam

    bons amigos, com um grande fundo de egosmo.

    Consultam-se, so perfeitos um com o outro dian-

    te da sociedade, mas trancam-se em seguida em seus

    apartamentos, onde recebem os ntimos de acordo

    com sua vontade.

    Entretanto, uma noite, Mathilde volta de um

    baile l pelas duas horas da manh. Sua camareira

    despe-a; depois, na hora de sair, diz:

    O senhor conde ficou um pouco indispos-

    to, esta noite.

    A condessa, semi-adormecida, volta preguio-

    samente a cabea.

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    Como Se Morre 67

    Ah! murmura.

    Ela se deita, acrescentando:

    Acorde-me amanh s dez horas, espero a

    modista.

    No dia seguinte, no caf da manh, como o

    conde no aparece, a condessa pede em primeiro

    lugar notcias sobre ele; em seguida, decide subirpara v-lo. Encontra-o muito plido em seu leito,

    muito correto. Trs mdicos j vieram, conversa-

    ram em voz baixa e deixaram instrues; devem

    voltar noite. O doente est sendo cuidado por dois

    empregados, que se agitam graves e mudos, abafan-

    do o rudo de seus calados sobre o tapete. O quarto

    amplo dormita, numa severidade fria; no se arrasta

    sequer uma s pea de roupa, no se mexe em ne-

    nhum mvel. a doena asseada e digna, a doena

    cerimoniosa, que espera visitas.

    Est sofrendo, meu amigo? pergunta a

    condessa.

    O conde faz um esforo para sorrir.

    Ah!, um pouco de fadiga responde.

    S preciso de repouso... Agradeo-lhe por ter se in-

    comodado.

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    mile Zola68

    Passam-se dois dias. O quarto permanece dig-

    no; cada objeto est em seu lugar, os remdios de-

    saparecem sem manchar um mvel. Os rostos bar-

    beados dos empregados no se permitem sequer

    exprimir um sentimento de tdio. No entanto, o

    conde sabe que corre perigo de morte; exigiu a ver-

    dade dos mdicos, e deixa-os agir, sem uma quei-xa. Na maior parte das vezes, fica com os olhos

    fechados, ou ento olha fixamente sua frente, co-

    mo se refletisse sobre sua solido.

    Em sociedade, a condessa diz que seu marido

    est doente. Ela no mudou nada em sua vida, come

    e dorme, passeia nas horas habituais. Toda manh

    e toda noite, ela prpria vem perguntar ao conde

    como ele est passando.

    E ento? Est melhor, meu amigo?

    Sim, muito melhor, obrigado, minha que-

    rida Mathilde.

    Se quiser, ficarei a seu lado.

    No, intil. Julien e Franois bastam...

    Para que cans-la?

    Os dois se compreendem, viveram separados

    e querem morrer separados. O conde tem este pra-

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    Como Se Morre 69

    zer amargo do egosta, desejoso de ir embora sozi-

    nho, sem ter ao redor de seu leito o tdio das co-

    mdias de dor. Abrevia o mais possvel, para si e

    para a condessa, o desconforto do supremo cara-

    a-cara. Sua ltima vontade desaparecer adequa-

    damente, na condio de homem de sociedade que

    no quer incomodar nem repugnar a ningum.No entanto, uma noite, ele mal consegue respi-

    rar, sabe que no passar dessa noite. Ento, quando

    a condessa sobe para fazer sua visita habitual, ele

    lhe diz achando um ltimo sorriso:

    No saia... No me sinto bem.

    Ele quer evitar para ela os comentrios mun-

    danos. Ela, por sua vez, esperava este aviso. E ela

    se instala no quarto. Os mdicos no abandonam

    mais o agonizante. Os dois empregados terminam

    seu servio, com a mesma diligncia silenciosa. Os

    filhos, Roger e Blanche, foram chamados, permane-

    cendo perto do leito, ao lado de sua me. Os ou-

    tros parentes ocupam um aposento vizinho. A noite

    se passa deste modo, numa espera grave. De ma-

    nh, os ltimos sacramentos so ministrados, o con-

    de comunga diante de todos, para dar um ltimo

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    mile Zola70

    apoio religio. O cerimonial est cumprido, ele

    pode morrer.

    Mas ele no tem pressa, parece reencontrar

    foras, a fim de evitar uma morte convulsiva e ba-

    rulhenta. Sua respirao, no amplo quarto severo,

    emite apenas o rudo interrompido de um relgio

    enguiado. um homem bem educado que vai em-bora. E, depois de ter abraado sua mulher e seus

    filhos, afasta-os com um gesto, cai do lado da pa-

    rede, e morre s.

    Ento, um dos mdicos se debrua, fecha os

    olhos do morto. Depois, diz em voz baixa:

    Acabou.

    Suspiros e lgrimas elevam-se no silncio. A

    condessa, Roger e Blanche se ajoelharam. Choram

    entre suas mos juntas; no se v seus rostos. De-

    pois, os dois filhos levam sua me, que, na porta,

    querendo assinalar seu desespero, balana a cintu-

    ra num ltimo soluo. E, a partir deste instante, o

    morto pertence pompa de suas exquias.

    Os mdicos se foram, curvando as costas e

    assumindo uma compostura vagamente desolada.

    Chamaram um padre na parquia, para velar o cor-

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    Como Se Morre 71

    po. Os dois empregados ficam com este padre, sen-

    tados nas cadeiras, rgidos e dignos; o que se es-

    pera de seus servios. Um deles percebe uma colher

    esquecida sobre um mvel, e a faz escorregar rapi-

    damente em seu bolso, para que a bela ordem do

    quarto no seja perturbada.

    Ouve-se embaixo, no grande salo, um rudode martelos: so os tapeceiros que dispem esta pea

    na capela funerria. O dia todo tomado pelo em-

    balsamamento; as portas so fechadas, o embal-

    samador fica s com seus ajudantes. Quando des-

    cem o conde, no dia seguinte, e ele fica exposto, est

    de casaca, tem um frescor de juventude.

    Desde as nove horas, na manh das exquias,

    a manso se enche de um murmrio de vozes. O

    filho e o genro do defunto, num salo ao rs do

    cho, recebem a multido; inclinam-se, mantm a

    polidez muda de pessoas afligidas. Todas as figu-

    ras ilustres compareceram, a nobreza, o exrcito, a

    magistratura; h at mesmo senadores e membros

    do Instituto.

    s dez horas, finalmente, o enterro se pe a

    caminho da igreja. A carreta uma carruagem de

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    mile Zola72

    primeira classe, empenachada de plumas, ornada

    de tapearias com franjas de prata. As alas do cai-

    xo esto seguradas por um marechal da Frana,

    um duque, velho amigo do defunto, um antigo mi-

    nistro e um acadmico. Roger de Verteuil e o sr. De

    Bussac esto de luto. Em seguida, vem o cortejo,

    uma onda de pessoas de luvas e gravatas pretas,personagens importantes que respiram na poeira

    e caminham com o andar surdo de um rebanho

    dispersado.

    O bairro alvoroado est nas janelas; pessoas

    formam alas nas caladas, tiram o chapu e vem

    passar com inclinaes de cabea o enterro triun-

    fal. A circulao interrompida pela fila intermi-

    nvel de carruagens enlutadas, quase todas vazias;

    os nibus, os fiacres se amontoam nas encruzilha-

    das; ouve-se as imprecaes dos cocheiros e os es-

    talidos dos chicotes. E durante esse tempo, a con-

    dessa de Verteuil, que ficou em casa, trancou-se em

    seu apartamento, mandando dizer que as lgrimas

    haviam-na deixado prostrada. Estendida num cana-

    p, brincando com as borlas de seu cinto, olha para

    o teto, aliviada e sonhadora.

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Morre 73

    Na igreja, a cerimnia dura cerca de duas ho-

    ras. Todo o clero est ocupado desde a manh, s

    se v padres atarefados correndo de sobrepeliz, dan-

    do ordens, enxugando a fronte e assoando-se com

    barulho retumbante. No meio da nave coberta de

    preto, um catafalco resplandece. Por fim, o cortejo

    assentou-se, as mulheres esquerda, os homens direita; e os rgos despejam suas lamentaes, os

    cantores gemem surdamente, as crianas do coro

    tm soluos agudos; enquanto, nas tocheiras, ardem

    altas chamas verdes, que acrescentam sua palidez

    fnebre pompa da cerimnia.

    Ser que Faure no vai cantar? pergun-

    ta um deputado a seu vizinho.

    Sim, acho que sim responde o vizinho,

    um antigo prefeito, homem soberbo que sorri de

    longe para as damas.

    E, quando a voz do cantor se ergue na nave

    que estremece:

    Que mtodo, hein? Que amplitude! ele

    recomea em voz baixa, balanando a cabea com

    maravilhamento.

    Toda a platia est seduzida. As damas, com

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    mile Zola74

    um vago sorriso nos lbios, pensam em suas noites

    na pera. Este Faure tem mesmo talento! Um ami-

    go do defunto chega a dizer:

    Ele nunca cantou melhor!... pena que este

    pobre Verteuil no possa ouvi-lo, logo ele que gos-

    tava tanto dele!

    Os cantores, com capas pretas, passeiam ao re-dor do catafalco. Os padres, em nmero de vinte,

    complicam o cerimonial, fazem reverncias, reto-

    mam as frases latinas, agitam os hissopes. Por fim,

    at os que esto presentes circulam diante do caixo,

    os hissopes circulam. E todos comeam a sair, de-

    pois de apertos de mo na famlia. L fora, o dia

    claro cega a multido.

    um belo dia de junho. No ar quente, voam

    fios leves. Ento, diante da igreja, h empurres. O

    cortejo demora a se reorganizar. Aqueles que no

    querem seguir mais adiante desaparecem. A duzen-

    tos metros, no fim de uma rua, j se avista os pena-

    chos da carreta que balanam e se perdem, quando

    o local ainda est todo tomado pelas carruagens.

    Ouve-se os estalidos das portinholas e o trote brusco

    dos cavalos sobre os paraleleppedos. Enquanto isso,

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Morre 75

    os cocheiros formam fila, o enterro se dirige para o

    cemitrio.

    Nas carruagens, todos ficam vontade, pode-

    se acreditar que se vai ao Bois lentamente, no meio

    de Paris primaveril. Como no se avista mais a car-

    reta, esquece-se depressa do enterro; e as conver-

    sas comeam, as damas falam do veraneio, os ho-mens conversam sobre seus negcios.

    Diga-me, ento, minha cara, ainda vai a

    Dieppe, este ano?

    Sim, talvez. Mas s poder ser em agosto...

    Partimos sbado para a nossa propriedade em Loire.

    Ento, meu caro, ele deu pela letra de cm-

    bio, e eles se confrontaram, oh, muito gentilmen-

    te, um simples arranho... noite, jantei com ele

    no crculo. Chegou a ganhar vinte e cinco luses de

    mim.

    Ah! mesmo? A reunio dos acionistas ser

    depois de amanh... Querem nomear-me para o co-

    mit. Estou to ocupado, no sei se vou poder.

    O cortejo, depois de alguns instantes, segue por

    uma avenida. Uma sombra fresca cai das rvores,

    e as alegrias do sol cantam no verde. De repente,

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    mile Zola76

    uma dama atordoada, que se pendura numa porti-

    nhola, deixa escapar:

    Vejam s! Como isto aqui encantador!

    Neste momento o enterro entra no cemitrio

    Montparnasse. As vozes se calam, s se ouve o ran-

    gido das rodas na areia das alias. preciso ir at

    o fim, a sepultura dos Verteuil no fundo, esquer-da: um grande tmulo de mrmore branco, uma

    espcie de capela, bastante ornamentada com escul-

    turas. O caixo colocado diante da porta desta

    capela, e os discursos comeam.

    So quatro. O antigo ministro retraa a vida po-

    ltica do defunto, que ele apresenta como um gnio

    modesto, que teria salvo a Frana, se no tivesse des-

    prezado a intriga. Em seguida, um amigo fala das vir-

    tudes privadas daquele que todo mundo chora. De-

    pois, um senhor desconhecido toma a palavra como

    delegado de uma sociedade industrial da qual o conde

    de Verteuil era presidente honorrio. Por fim, um ho-

    mem baixo com feies envelhecidas diz os senti-

    mentos da Academia de Cincias Morais e Polticas.

    Enquanto isso, os presentes se interessam pe-

    los tmulos vizinhos, lem as inscries sobre as pla-

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Morre 77

    cas de mrmore. Aqueles que esticam as orelhas,

    captam apenas palavras. Um velho, de lbios aper-

    tados, depois de ter apanhado este fim de frase: ...

    as qualidades do corao, a generosidade e a bon-

    dade dos grandes carteres..., balana o queixo,

    murmurando:

    Pois sim, eu o conheci, era um cachorroperfeito!

    O ltimo adeus se dissipa no ar. Quando os

    padres terminam de abenoar o corpo, as pessoas

    se retiram, e s ficam, neste canto apartado, os co-

    veiros que descem o caixo. As alas fazem um ro-

    ar surdo, o atade de carvalho estala. O senhor

    conde de Verteuil est em sua casa.

    E a condessa, no canap, no se mexeu. Con-

    tinua a brincar com as borlas de seu cinto, os olhos

    no teto, perdida num devaneio que, pouco a pou-

    co, faz enrubescer seu rosto de loura bonita.

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    mile Zola78

    II.

    A senhora Gurard viva. Seu marido, que

    ela perdeu h oito anos, era magistrado. Ela per-tence alta burguesia e possui uma fortuna de dois

    milhes. Tem trs meninos, trs filhos, que, com a

    morte do pai, herdaram, cada um deles, quinhen-

    tos mil francos. Mas estes filhos, nesta famlia se-

    vera, fria e afetada, cresceram como rebentos sel-

    vagens, com apetites e falhas vindos de no se sabe

    onde. Em alguns anos, devoraram seus quinhentos

    mil francos. O mais velho, Charles, apaixonou-se

    pela mecnica e dissipou um dinheiro absurdo em

    invenes extraordinrias. O segundo, Georges, dei-

    xou-se devorar pelas mulheres. O terceiro, Maurice,

    foi roubado por um amigo, com o qual empreen-

    deu a construo de um teatro. Hoje, os trs filhos

    so mantidos pela me, que certamente deseja ali-

    ment-los e aloj-los, mas que guarda consigo, por

    prudncia, as chaves dos armrios.

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Morre 79

    Toda esta gente mora num vasto apartamen-

    to da rua de Turenne, no Marais. A senhora Gu-

    rard tem sessenta e oito anos. Com a idade, vieram

    as manias. Ela exige, em sua casa, uma tranqili-

    dade e um decoro de claustro. avara, conta os

    torres de acar, ela prpria fecha as garrafas que

    foram abertas, d a roupa e a baixela medida dasnecessidades do servio. Seus filhos, sem dvida,

    gostam muito dela, e ela manteve sobre eles, ape-

    sar dos trinta anos deles e de suas tolices, uma au-

    toridade absoluta. Mas, quando se v s no meio

    destes trs grandes diabos, tem inquietaes surdas,

    teme sempre pedidos de dinheiro, que no saberia

    como recusar. Assim tomou tambm a precauo

    de investir seu dinheiro em propriedades fundirias;

    possui trs casas em Paris e terrenos do lado de

    Vincennes. Estas propriedades lhe do um enorme

    trabalho; mas s assim fica tranqila, e acha des-

    culpas para no dar grandes somas.

    Charles, Georges e Maurice, alis, extorquem

    a casa tanto quanto podem. Ficam acampados ali,

    disputando os pedaos, reprovando-se mutuamen-

    te sua grande fome. A morte da me ir enriquec-

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    los de novo; sabem disso, e o pretexto lhes parece

    suficiente para esperar, sem fazer nada. Ainda que

    nunca conversem sobre isso, sua preocupao con-

    tnua saber como a partilha ser feita; se no se

    entenderem, ser preciso vender, o que sempre

    uma operao ruinosa. E pensam nestas coisas sem

    nenhum desejo ruim, unicamente porque precisoprever tudo. So alegres, bons meninos, de uma

    honestidade mdia; como todo mundo, desejam que

    sua me viva o maior tempo possvel. Ela no os

    incomoda. Eles esperam, eis tudo.

    Uma noite, ao sair da mesa, a senhora Gu-

    rard tem um mal-estar. Seus filhos foram-na a se

    deitar, e deixam-na com a camareira, quando ela

    os assegura de que est melhor, que teve apenas uma

    grande enxaqueca. Mas, no dia seguinte, o estado

    da velha senhora piorou, o mdico da famlia, in-

    quieto, pede outras consultas. A senhora Gurard

    est em grave perigo. Ento, durante oito dias, um

    drama se desenrola ao redor do leito da agonizante.

    O primeiro cuidado dela, ao se ver trancada

    em seu quarto pela doena, foi de ficar com todas

    as chaves e de escond-las debaixo de seu traves-

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    Como Se Morre 81

    seiro. Ela quer, de seu leito, governar ainda, prote-

    ger seus armrios contra o desperdcio. Lutas se

    desencadeiam nela, as dvidas dilaceram-na. Ela s

    se decide depois de longas hesitaes. Seus trs fi-

    lhos esto ali, e ela estuda-os com seus olhos vagos,

    espera de uma inspirao feliz.

    Um dia, em Georges que ela confia. Faz si-nal para que ele se aproxime, diz-lhe meia-voz:

    Veja, aqui est a chave do buf, pegue o

    acar... Feche bem e me traga a chave.

    Noutro dia, desconfia de Georges, segue-o com

    o olhar toda vez que ele se mexe, como se temesse

    que ele enfie os bibels da lareira em seus bolsos.

    Chama Charles, confia-lhe uma chave por sua vez,

    murmurando:

    A camareira vai com voc. Observe-a pe-

    gar os lenis e depois feche voc mesmo.

    Em sua agonia, este seu suplcio: no poder

    mais vigiar as despesas da casa. Lembra-se das lou-

    curas de seus filhos, sabe-os preguiosos, grandes

    comiles, cabeas ocas, mos abertas. H muito

    tempo no tem mais estima por eles, que no reali-

    zaram nenhum de seus sonhos, que ferem seus h-

  • 7/21/2019 mile Zola - Como Se Casa Como Se Morre

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    mile Zola82

    bitos de economia e rigidez. A afeio apenas so-

    brevive e perdoa. No fundo de seus olhos suplican-

    tes, l-se que ela lhes pede o favor de esperar que

    ela no esteja mais ali, antes de esvaziar suas gave-

    tas e de partilhar seus bens. Esta partilha, diante

    dela, seria uma tortura para sua avareza expirante.

    Entretanto, Charles, Georges e Maurice mos-tram-se muito bons. Combinam para que um deles

    esteja sempre perto de sua me. Uma afeio since-

    ra aparece