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História da Educação em Minas Gerais: DA COLÔNIA À REPÚBLICA VOLUME 1 COLÔNIA Carlos Henrique de Carvalho Luciano Mendes de Faria Filho coordenadores Thais Nívia de Lima e Fonseca organizadora do volume

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História da Educaçãoem Minas Gerais:DA COLÔNIA À REPÚBLICA

VOLUME 1 COLÔNIACarlos Henrique de CarvalhoLuciano Mendes de Faria Filhocoordenadores

Thais Nívia de Lima e Fonsecaorganizadora do volume

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a

Somente a partir do início dos anos 2000 é que o chamado período colonial começou a ganhar destaque e a captar o interesse dos pesquisadores da História da Educação. Minas Gerais é, atualmente, o mais fecundo polo de produção historiográfica sobre a educação no século XVIII e início do XX. Os estudos mais recentes muito esclarecem sobre os processos de implantação do ensino régio na capitania de Minas Gerais e os seus impactos, tanto para o estado quanto para a população; sobre a atuação de instituições religiosas; sobre as relações dos diferentes grupos sociais com as alternativas de educação disponíveis para as crianças e os jovens; sobre o papel da aquisição de conhecimentos e habilidades – escrita, leitura, técnicas, doutrina – para a construção dos lugares sociais dos indivíduos. Alguns desses aspectos são os temas privilegiados dos capítulos que compõem esta obra. A sua organização levou em consideração perspectivas que se relacionam pela preocupação com dois aspectos importantes: o papel das instituições e a relação da sociedade mineira colonial com a cultura escrita.

COLÔNIAHistória da Educação em Minas Gerais

www.seer.ufu.br/index.php/campoterritorioISSN 1809-6271 Baixe

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História da Educaçãoem Minas Gerais:DA COLÔNIA À REPÚBLICA

VOLUME 1 COLÔNIACarlos Henrique de CarvalhoLuciano Mendes de Faria Filhocoordenadores

Thais Nívia de Lima e Fonsecaorganizadora do volume

Apoio

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Equipe de Realização

Editora de publicações Maria Amália Rocha Assistente editorial Leonardo Marcondes Alves Revisão Lúcia Helena Coimbra Amaral Cláudia de Fátima Costa Revisão ABNT Una Assessoria Linguística Projetográfico,capaeeditoração EduardoM.Warpechowski

Av. João Naves de Ávila, 2121Campus Santa Mônica – Bloco 1S Cep 38408-100 | Uberlândia – MGTel: (34) 3239-4293

UniversidadeFederal deUberlândia

www.edufu.ufu.br

ReitorValderSteffenJr.

Vice-reitorOrlando César Mantese

Diretor da EdufuGuilherme Fromm

Conselho EditorialAndré Nemésio de Barros PereiraCristina Ribas FürstenauDécio Gatti JúniorEmerson Luiz GelamoFábio Figueiredo CamargoFrederico de Sousa SilvaHamiltonKikutiRicardo Reis SoaresSônia Maria dos Santos

Copyright 2019 © Edufu Editora da Universidade Federal de Uberlândia/MGTodos os direitos reservados. É proibida a reprodução parcial ou total por qualquer meio sempermissãodaeditora.

DOI:10.14393/EDUFU-978-85-7078-486-5

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)SistemadeBibliotecasdaUFU,MG,Brasil.

H673eV.1

História da Educação em Minas Gerais : da Colônia à República : volume 1 : Colônia / organizadora dovolume1,ThaisNíviadeLimaeFonseca;coordenadoresdacoleçãoCarlosHenriquedeCarvalho,LucianoMendesdeFariaFilho.–EDUFU–2019.180p.(vol.1):il.

ISBN:978-85-7078-492-6:obracompletaISBN:978-85-7078-486-5:vol.1Disponível também online: http://www.edufu.ufu.br/ Incluibibliografia.Váriosautores.

1.Educação–MinasGerais–História.2.Educação–MinasGerais–Periodocolonial.I.Fonseca,ThaisNíviadeLimae,(org.).II.Carvalho,CarlosHenriquede,(coord.).III.FariaFilho,LucianoMendesde,(coord.).

CDU:37(815.1)(091)

GloriaAparecida–CRB6-2047

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Sumário

5 OscaminhosdapesquisaemHistóriadaEducaçãonoBrasil Luciano Mendes de Faria Filho Carlos Henrique de Carvalho

19 Aspectos da educação na capitania de Minas Gerais Thais Nívia de Lima e Fonseca

23 ConcepçõesepráticasdeeducaçãoemMinasGeraiscolonial:reflexõescombaseemfontesdepesquisa

Thais Nívia de Lima e Fonseca

45 Overboeacarne:discursoseagentesnaconversãodosgentiosemMinasGerais,1755-1831

Álvaro de Araújo Antunes

77 Pela “unidade da causa do interesse público”: o subsídio literário e sua institucionalização em Minas Gerais (1772-1800)

Christianni Cardoso Morais

107 Redigir “por outras mãos”: os usos da escrita em Minas Gerais no período colonial

Sílvia Maria Amâncio Rachi Vartuli

131 ReligiãocatólicaeinstituiçõeseducativasnacapitaniadeMinasGerais Ana Cristina Pereira Lage

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153 Saberesúteisparaaeducaçãodospovos:livrosdeagriculturaeacirculaçãodetextostécnicosemMinasGerais(finaldoséculoxviii e início do século xix)

José Newton Coelho Meneses

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oS caminhoS da peSquiSa em hiStória da educação no BraSil

Luciano Mendes de Faria Filho1

Carlos Henrique de Carvalho2

Promover cruzamentos de olhares entre passado(s) e pre-sente(s) foioquenosmotivouaproporaorganizaçãodolivro História Geral da Educação em Minas Gerais: da Colônia à República. Certamente os nossos objetivos são

ambiciosos,poisbuscampromoverumainterrogaçãosobreotempoeseusvestígios(materiaiseimateriais,passadosepresentes),inscritosnapluralidadedeescalaseambientesquehabitamotempohistóricoeoterritóriomineiros.

Tendoemvistaessaperspectiva,éintençãodaobraestabelecer/constituirumespaçodereflexãosobreasrelaçõeseducacionaisemMinasGerais,istoé,fazeraflorarinformaçõeseinterpretaçõesnovasdosfenô-menoshistóricos,emparticulardaquelesrelacionadosàsformaseduca-tivas,desenvolvidasnassuasinter-relações/implicaçõescomasocieda-denosmúltiplostemposhistóricos,doPeríodoColonialaoRepublicano.Objetiva-se,também,debateropanoramahistórico-educativodasdi-ferentes experiências educacionais vivenciadas no contexto mineiro.

1DoutoremEducaçãopelaUSP,professortitulardaFaculdadedeEducaçãodaUFMGecoordenadordoprojetoPensaraEducaçãoPensaroBrasil–1822/2022.2DoutoremHistóriapelaUniversidadedeSãoPaulo(USP),professordaFaculdadedeEducação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia(UFU).

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6•História da Educação em Minas Gerais | Volume 1: Colônia

Para alcançar essa finalidade, reunimos historiadores de dife-rentes instituições e de diversos matizes teórico-metodológicos quetrabalhamnostempos,espaçosetemáticasreferidos,procurandoesta-belecer uma interpretação/compreensão alargada das muitas realida-desna“longaduração”daHistóriadaEducaçãoemMinasGerais.Emsuma,busca-seacompreensãodasaproximações/tensõesdaeducaçãono interiordasociedade,bemcomoexplicitaros interessespolíticos,culturais, ideológicos, antropológicose religiosos quepermearamasintenções,osconflitoseasrealizaçõesnocampoeducacional.

A coletânea tem o propósito de possibilitar, aomesmo tempo,umasíntesedaquiloquejáseconheceeoestabelecimentodenovosolha-ressobreoespaçohistórico-educacional.Pretende,também,fomentaradiscussãoeaelaboraçãodeinstrumentoscomunsdepesquisa,comootratamentodefonteseadelimitaçãodecategoriasquepossamserutili-zadaspelosinvestigadoreseprofessoresquetrabalhamcomaHistóriadaEducação,desdeaorganizaçãodaEducaçãonaColônia,passandopeloImpérioeconcluindoaabordagemcomoPeríodoRepublicano.

Portanto,caberessaltarqueaimportância da coletânea História Geral da Educação em Minas Gerais: da Colônia à República é se constituiremumaobrade referêncianãoapenaspara todosaquelesqueensinamepesquisamnocampodaHistóriadaEducação,mastam-bém,pelasuarobustez,profundidadedostextoseabrangênciatemáti-ca,paratodosaquelesqueseinteressampeladiscussãosobreahistó-ria,amemóriaeosrumosdaeducaçãoemnossasociedade.

Comessehorizonte,olivroqueoleitortememmãosrepresentaumasíntesedosestudosemHistóriadaEducaçãoquetomaramMinasGeraiscomofocodeanálise.Obramultifacetada,reúneotrabalhode33autoresquesededicamaestudarosprocessospelosquais,noterri-tóriomineiro,seproduziuesebuscoutransmitiracultura.AHistóriadaEducaçãocontadanolivronãoserestringeàescola,mastemnessainstituiçãoumadesuasmaismarcantesreferências.

Apreocupaçãocomonossopassadoeducacionalnãoénova.Jáem1933,oentãodiretordoArquivoPúblicoMineiro,TheófiloFeudeCarvalho,publicounarevistadainstituiçãoquedirigiaumpioneiroes-tudo sobre as “primeiras aulas e escolas instituídas em Minas Gerais”

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(Carvalho, 1933).Bacharel emDireito,FeudeCarvalho,baseadoemseusestudossobreasfontesqueseencontravamsobaguardadopróprioAPM,apresentadadosestatísticosetececonsideraçõessobreasaulaseescolasmineirasnolongoperíodoquevaide1721até1860.Oestudo,apesardeincompletoebastantedatadodopontodevistahistoriográfi-co,demonstra,aumsótempo,ariquezadadocumentaçãodoArquivopara a História da Educação de Minas Gerais e a preocupação em es-tabelecerahistóriadoprocessodeescolarizaçãonas terrasmineiras.

Mas o esforço pioneiro de Feu de Carvalho parece não ter tido continuidadenemcontinuadores,etivemosqueesperaratéofinaldosanosde1959paraoaparecimentodaquelequepodeserconsideradooprimeirolivrodeHistóriadaEducaçãomineiro.Trata-sedeO ensino em Minas Gerais no tempo do Império,dePauloK.CorreaMourão,pu-blicadosobosauspíciosdoCentroRegionaldePesquisasEducacionais–CRPE(Mourão,1959).

O livro de Paulo Mourão pode ser visto dentro da tradição inau-guradaporPrimitivoMoacyrnosanosde1930que,numesforço in-vestigativosemparparaaquelemomento,produziuumaobramonu-mentaldeHistóriadaEducaçãobrasileira.FormadoemEngenharia,PauloMourão,domesmomodoquePrimitivoMoacyrfizera comasprovínciasbrasileirasdoImpério,buscouidentificar,copiar,organizarepublicar,naformadelivro,umconjuntoexpressivodefontesparaaHistóriadaEducação.Masnãoapenasisso,fezumahistóriacronológicada educação mineira baseando-se fundamentalmente na legislação do períodoenosrelatóriosdospresidentesdeProvínciadeMinasGerais.

Nãohaviasepassadotrêsanosdesdeoaparecimentodolivroso-breoImpérioquandoomesmoCRPEtrouxeàluzoutrolivrodePauloMourão,agoradedicadoàescolarepublicana(Mourão,1962).Publicadocom o título de O ensino em Minas Gerais no tempo da República (1889-1931), no livro o autor dá continuidade aos procedimentos detranscrever e organizar informações legislativas sobre as reformas educacionais mineiras no período e a forma como elas repercutiam nosrelatóriosedocumentosdopresidentedoestadodeMinasGerais.

Dadaariquezadeinformaçõesededetalhes,nãoéporacasoqueosdoislivrosdePauloMorãotiveramvidalongacomoreferênciaparaa

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HistóriadaEducaçãomineira,sendoaindahojemuitoutilizadoscomofontes para muitos estudos sobre os mais variados temas referentes à escolamineira.

Foiaindanessamesmadécadade60queJoséFerreiraCarratopublicou, também na Coleção Brasiliana, Iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais(Carrato,1968),obraquechamaaatençãoparaaespecificidadenoconjuntodascapitaniasdoImpérioPortuguês.Noli-vro,JoséCarrato,quejáhaviapublicado,em1963,namesmacoleção,As Minas Gerais e os primórdios do Caraça(Carrato,1963),ressaltaaformadeorganizaçãoeatuaçãodaIgrejaCatólicanoterritóriomineiro,aborda a preocupação da elite mineira com a formação de sua prole e a forma de organização da educação escolar em Minas Gerais tanto via aulas“avulsas”quantonaquelasorganizadasnoColégiodeMariana,amaisimportantedenossasinstituiçõeseducacionaisnoperíodo.

Dez anos depois, em 1978, veio à luz outro livro importanteparaaHistóriadaEducaçãomineiranoqueserefere,agora,aoensinosuperior.Trata-sedo livroA Escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória,docientistapolíticoehistoriadorJoséMurilodeCarvalho(Carvalho,1978).Nolivro,oautorbuscaestudarahistóriadaEscoladeMinasdeOuroPretorelacionando-aaocontextopolíticoeeconômicomineiro,chamandoaatençãoparaseuprojetopioneiroeinovadornoquetangeàformaçãodeespecialistaseàproduçãodeumaexpertisesobreamineraçãonoestadoenopaís.

A década seguinte assistirá a renovação dos estudos sobre a História da Educação em Minas Gerais por meio da realização e publi-cação de pesquisas desenvolvidasnosProgramasdePós-GraduaçãoemEducação.Oprimeirodeles,publicadoem1983,éodeAnaMariaCasasantaPeixoto,Educação no Brasil, anos 20(Peixoto,1983).Nesselivro,resultadodedissertaçãodefendidadoisanosantesnomestradoemEducaçãodaUFMG,aautoraanalisapelaprimeiravez,edetida-mente,umadasmaisimportantesreformaseducacionaisbrasileirasdoperíodo:aReformaFranciscoCampos,realizadaemMinasGeraisnosanosde1927e1928.Notrabalhojáaparecem,notratamentoteórico,nomanejodasfontesenasanálisesrealizadas,asmarcasdapós-gra-duaçãoemEducaçãodoperíodo.Neleocontextoéimportante,masse

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sobressaioobjetoestudado,reformadaeducação,emsuastemporali-dadeseespecificidades.

Não demorará muito e aparecerá o livro Colonizador-colonizado: uma relação educativa no movimento da história, de ElianeMartaSantosTeixeiraLopes,frutodetesededoutoramentoemFilosofiadaEducaçãodefendidanaPUC-SPnoanoanterior.Ateseeolivro,bas-tante inovadores para os padrões acadêmicos do momento, lançamum olhar sobre as relações entre colonizados e colonizadores na Minas Setecentista,ebuscacaptar,comoobjetodaHistóriadaEducação,oprocessoeducativoqueaíseestabelece.Tambémaquiamarcadapós-graduação:abuscadorigorteórico-metodológico,otratocomasfonteseaescritadotextocomopossibilidadededarinteligibilidadeàtramahistórica.

Nosanosseguintes,jásobaorientaçãodeumasegundageraçãodeprofessoresdepós-graduação,aumentaráonúmerodedefesasdedissertaçõesetesessobreaHistóriadaEducaçãomineira,sobretudonomestradoe,depois,nodoutoradoemEducaçãodeváriasinstituiçõesdeMinasGerais,dopaísoudoexterior.Taisproduçõespassarãoaserinfluenciadas,jánadécadade1990,pelosnovosmodosdeorganizaçãodaproduçãodoconhecimentoemHistóriadaEducaçãoque,gradati-vamente,deixadeserrealizadadeformaisoladapelopesquisador(e,nomáximo,porseusalunos),epassaaserdesenvolvidaemgruposdepesquisa.Essanovadinâmica,bemcomoacrescenteafirmaçãoeinsti-tucionalizaçãodaHistóriadaEducaçãocomocampodepesquisa,comseusmodosprópriosecadavezmaisamplosdeconsagração(grupos,sociedadesdepesquisa,periódicos,eventos,coleçõesdelivrosetc.),vaimarcarapesquisanaáreaeredundarnumaumentobastanteexpres-sivo da produção de conhecimentos sobre a História da Educação em nossoestado.

Os caminhOs para a cOnsOlidaçãO da história da EducaçãO Em minas GErais

Fazer o retrospecto sobre o caminho do processo de nascedou-ro,desenvolvimentoeconsolidaçãodoseventoscientífico-acadêmicos

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ligadosàHistóriadaEducação,mesmoconsiderandoaslimitaçõesine-rentesaumtrabalhoapenasdenaturezaquantitativa,dadaamagni-tudequetaiseventosganharamnoBrasilnosúltimos30anos,exigepelo menos algumas palavras preliminares historiando certos aspectos relevantesquemarcaramessemovimentoemMinasGerais.Poroutrolado,éimportantetambémcompreendercomoocampohistórico-edu-cacionalseconstituiuequaisforamasinfluênciasexternasaele(aquiforamconsideradossomenteoscongressospromovidospelospesqui-sadoresdaáreadeHistóriadaEducação).

AsinvestigaçõespertinentesàHistóriadaEducaçãotêmsemul-tiplicadonasGeraisapartirdadécadade1990,emvirtudeprincipal-mentedaaçãodegruposdepesquisaqueseformaramnointeriordosProgramasdePós-GraduaçãoemHistóriaeemEducação,edoapoiosistemáticodasagênciasde fomentoà sustentaçãodesse esforço.NaáreadeHistória,cadavezcommaisintensidade,aspesquisasvoltam-separaaHistóriadaEducaçãoaobuscarem,porexemplo,acompre-ensão de políticas públicas, do disciplinamento do social, da forma-çãodasrepresentações,darelaçãotrabalhoeeducação.NocampodaEducação,osestudosmonográficoseasdiscussõesteóricasenvolvemaformaçãodossistemasdeensino,asinstituiçõesescolares,aculturaescolar,aresponsabilidadesocialdaeducação,aformaçãoeorganiza-çãodosprofessores.

Complementarmente,destacam-se,naHistóriaeHistoriografiadaEducação,dois fenômenos interessantes:a inserçãocrescentedehistoriadoresde formaçãonessaárea,bemcomoaproduçãodoco-nhecimento nesse campo respaldada em diferentes linhas historio-gráficas, notadamente de cunho cultural. Essas constatações, entreoutras,explicitamacrescenteintegraçãodestasduasáreasdoconhe-cimento:HistóriadaEducaçãoeHistória.Assim,aprimeiravaidei-xandodeserumespaçoprivilegiadodospesquisadoresdaEducação,enquantoestesvãoutilizando,cadavezmais,asferramentasdehisto-riadoresemsuasanálises.

Convémaindadestacarqueosnovosestudospromoveramummapeamentodas fontesde interesseparaaHistóriadaEducação,asquaisvêmse tornandomatrizesparadissertaçõese teses,ao ladoda

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publicaçãode livros, artigos edaapresentaçãode trabalhos emcon-gressosnacionaiseinternacionais.Umadasconsequênciastemsidoosensível aumento do conhecimento sobre a trajetória e o papel da edu-caçãonasociedadebrasileira,emespecialnosséculosXIXeXX;outra,amultiplicaçãodeestudosregionaiselocais,permitindoumacompre-ensãomaisabrangenteediversificadadoespaçohistórico-educacionalbrasileiro.Aomesmotempo,essestrabalhostêmdesencadeadoumdi-álogocomoutrasáreasdoconhecimentohistórico,namedidaemqueidentificamediscutemaimbricaçãoentreo“mundo”daeducaçãoeos“mundos”dotrabalho,dacultura,daética,dasrelaçõesdepoderedasrepresentaçõesemuma“sociedadeescolarizada”.

Toda essa vitalidade germinou na constituição de vários gru-posdepesquisaque,por suavez, geraramumasériede fórunsde/paraadiscussãodaspesquisasproduzidasnaárea.Assim,foramseconstituindo,aolongodosúltimos30anos,muitoscongressosespe-cíficossobreaHistóriadaEducaçãobrasileira,tantoosdeamplitudenacionalcomoregional.Ouseja,concomitanteaessemovimentona-cional,observam-seváriasiniciativasdecunhoregionalcapitaneadaspor pesquisadores dos Programas de Pós-Graduação em Educaçãoquetêmaintençãodefortalecerosgruposdepesquisaeestabelecerparcerias interinstitucionaisnaesferaregional.Tendoemvistaessehorizonte, foram organizados congressos científicos de abrangênciaestadualcomointuitodedivulgarnovosconhecimentosederefletirsobre aHistória daEducação emMinasGerais. Ainda é importan-tedestacaraaberturadeintercâmbiosmaispróximosentreasáreasde História e Educação pelos investigadores dedicados aos estudos histórico-educacionais.ÉexemplodessaaproximaçãoaparticipaçãodepesquisadoresligadosàsFaculdadesdeEducaçãoeaosProgramasde Pós-Graduação em Educação – no âmbito da então AssociaçãoNacional dos Professores Universitários de História (Anpuh), hojetransformadaemAssociaçãoNacionaldeHistória–nacriação, em1997,doGrupodeTrabalhovoltadoàdiscussãodatemática.Masaamplitude desse movimento pode ser aquilatada pela abertura doSimpósiodeHistóriadaEducaçãonaAnpuhde2003,realizadaemJoãoPessoa,naParaíba,queapartirdaípassouacatalisardiscussões

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em torno das questões histórico-educacionais, estendidas tambémparaasregionaisdaAnpuh,comonocasodeMinasGerais3.

Foi na esteira desse movimento renovador na História da Educação emMinas Gerais que se criou o Congresso de Pesquisa eEnsino de História da Educação em Minas Gerais (Copehe) como um coletivo localdepesquisaquearticuloue fomentouaparticipaçãodegruposdetrabalhoemváriasinstituiçõesdoestado.Suaprimeiraedi-çãoocorreuem2001,nacidadedeBeloHorizonte,conformeédemons-tradopeloQuadro1,umasíntesedessescongressos.

Quadro 1: Dados sobre o Congresso de Pesquisa e Ensino de História daEducação em Minas Gerais (Copehe)

Evento realizado bienal-mente por Instituições de Educação Superior do es-tado de Minas Gerais

Edição Ano Cidade Estado

1ª 2001 Belo Horizonte

Minas Gerais

2ª 2003 Uberlândia

3ª 2005 São João del-Rei

4ª 2007 Juiz de Fora

5ª 2009 Montes Claros

6ª 2011 Viçosa

7ª 2013 Ouro Preto

8ª 2015 Belo Horizonte

9ª 2017 Uberlândia

Com o estabelecimento e a consolidação de todos esses fóruns científicosdaáreaocorreuumamelhor,porquenãodizer,aproxima-ção e articulação dos estudos na área de História da Educação com outrosespaçoscientíficos.Assimfoipossívelampliarodebateeafor-maçãodenovos grupos interinstitucionais de pesquisa emdiversasinstituições do país, o que permitiu estabelecer intercâmbios maispróximosentreasáreasdeHistóriaeEducaçãopelosinvestigadoresdedicadosaosestudoshistórico-educacionais,comopodeserobser-vadonoQuadro2.

3 Considerando apenas a Seção da Anpuh de Minas Gerais, ocorreram os seguintesSimpósiosdeHistóriadaEducação:emJuizdeFora(2004);emSãoJoãodel-Rei(2006);emBeloHorizonte(2008);emUberlândia(2010);emMariana(2012);novamenteemJuizdeFora(2014);eoúltimoencontro,emUberaba(2016).

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OscaminhosdapesquisaemHistóriadaEducaçãonoBrasil•13

Quadro2:GruposeNúcleosdeEstudosePesquisasemHistóriadaEducaçãoem Minas Gerais

Grupo Sigla Vínculo Institucional

GrupodeEstudosePesquisaemHistóriadaEducação Gephe UFMG

GrupodeEstudosePesquisassobreaProfissãoDocente Geppdoc PUC MINAS

GrupodeEstudosePesquisasemHistória,EducaçãoeSociedade Ghes Unimontes

Núcleo de Estudos Sociais do Conhecimento e da Educação Nesce UFJF

NúcleodeEstudosePesquisasemHistóriadaEducação Nephe UFU

GrupodeEstudosePesquisasemHistóriadaEducação Gephe Ufop

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados contidos no Portal Mineiro de História da Educação.Disponível em: http://www.fae.ufmg.br/portalmineiro/index.html

Essadinâmicatempropiciadoaformaçãodegruposdepesqui-saquesedebruçamsobreosproblemasdaeducaçãodeformaconti-nuada, com resultados significativos.NasUniversidades Federais deUberlândia(UFU)edeMinasGerais(UFMG),oNúcleodeEstudosePesquisasemHistóriaeHistoriografiadaEducação(Nephe)eoGrupodeEstudosePesquisasemHistóriadaEducação(Gephe)desenvolvemestudosdeHistóriadaEducaçãoquetêmgeradodiversaspublicações,além da participação constante dos seus membros em todos os congres-sos listadosnoQuadro 1. Inclusive, esse esforço coletivopossibilitoua publicação de vários livros e periódicos devotados às discussões da HistóriadaEducação,conformetabelas1,2,3e4.

Tabela 1: Coleção História da Educação,EditoraAutêntica

Ano Título Autor Páginas

2006 Culturaescolar–práticaseproduçãodosgru-pos escolares em Minas Gerais Irlen Antônio Gonçalves 200

2007 CincoestudosemHistóriaeHistoriografiadaEducação

Marcus Aurélio Taborda de Oliveira(Org.) 128

2007

2007 HistóriadaEducação–ensinoepesquisaChristianniCardosoMorais,ÉcioAntônioPortes,MariaAparecidaArruda(Org.)

176

2007 Para a compreensão histórica da infânciaAlbertoLopes,LucianoMendesFariaFilho,RogérioFernandes(Org.)

304

2008Escolasemreforma,saberesemtrânsito–atrajetória de Maria Guilhermina Loureiro de Andrade(1869-1913)

Carla Simone Chamon 216

2008 Livrodidáticoesaberescolar–1810-1910 Circe Bittencourt 240

Fonte: elaborado pelos autores a partir de informações disponíveis em: https://grupoautentica.com.br/autentica/colecoes/22

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14•História da Educação em Minas Gerais | Volume 1: Colônia

Tabela2:LivrosdocatálogodaEditoraAutênticasobreHistóriadaEducação(não constam os livros da Coleção História da Educação)

Ano Título Autor Páginas

2007 Presença de Francisco Iglésias JoãoAntôniodePaula(Org.) 136

2007 Trajetóriadefeminizaçãodomagistério–ambi-guidadeseconflitos Magda Chamon 184

2007 Dicionário de História da África séculos VII a XVI

NeiLopes,JoséRivairMacedo 320

2007 Ainfânciaesuaeducação–materiais,práticaserepresentações (Portugal e Brasil)

Luciano Mendes Faria Filho (Org.) 232

2007 Oaparecimentodaescolamoderna–umahistória ilustrada Maria Lúcia Spedo Hilsdorf 232

2007 AOrdem–umarevistadeintelectuaiscatólicos(1934-1945) Cândido Moreira Rodrigues 240

2007 Aeducaçãoexilada–ColégiodoCaraça Mariza Guerra de Andrade 216

2007 500 anos de educação no BrasilCynthiaGreiveVeiga,ElianeMartaTeixeiraLopes,Lucia-no Mendes Faria Filho

608

2010 Pesquisa,educaçãoeformaçãohumana:nostrilhos da História

Regina Célia Passos Ribeiro deCampos(Org.) 176

2011 BoletimVidaEscolar–umafonteemúltiplasleiturassobreaeducaçãonoiníciodoséculoXX

Ana Maria de Oliveira Gal-vão,ElianeMartaTeixeiraLopes(Org.)

144

2012 Pensadoressociaisehistóriadaeducação–volume 2

ElianeMartaTeixeiraLopes,Luciano Mendes Faria Filho (Org.)

320

2012 D.MariadaCruzeaSediçãode1736 ÂngelaViannaBotelho,CarlaAnastasia 176

2013 Anelencarnado–biografia&históriaemRai-mundo Magalhães Júnior Mariza Guerra de Andrade 320

2013 Dicionário de História do Mundo EdmundWright,JonathanLaw 784

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de informações disponíveis em: https://grupoautentica.com.br/autentica/colecoes/22

Tabela3:ColeçãoPensar a educação Pensar o Brasil,MazzaEdições

Ano Título Autor Páginas

2011 História da Educação: temas e problemas ThaisNiviadeLimaeFonseca,Cynthia Greive Veiga 560

Entre o Seminário e o Grupo EscolarJulianaCesárioHamdan,MarcusViníciusFonseca,Rosana Areal de Carvalho

165

ArquivoseHistóriadoensinotécniconoBrasil AdalsonNascimento,Carla Chamon 182

Progresso,trabalhoeeducaçãoprofissionalemMinas Gerais Irlen Antônio Gonçalves 232

Moderno,modernidadeemodernização:aedu-caçãonosprojetosdeBrasil–SéculoXIXeXX

NatáliaGil,MatheusdaCruzeZica,LucianoMendesFariaFilho(Org.)

240

A escola primária noturna em Minas Gerais Vera Lúcia Nogueira 200

As reformas pombalinas no Brasil Thais Nívia de Lima e Fonseca 272

História da Educação Física na escola Tarcísio Mauro Vago 200

Políticos,literatos,professores,intelectuais:odebate público sobre educação em Minas Gerais

LucianoMendesFariaFilho,MarcilaineSoaresInácio(Org.) 256

Populaçãonegraeeducação:operfilracialdasescolasmineirasnoséculoXIX Marcus Vinícius Fonseca 248

Continua na página 15

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OscaminhosdapesquisaemHistóriadaEducaçãonoBrasil•15

Ano Título Autor Páginas

Nas dobras de Clio: história social e história da educação

IlkaMigliodeMesquita,RosanaArealdeCarvalho,Luciano Mendes Faria Filho (Org.)

216

Moderno,modernidadeemodernização:aeducaçãonosprojetosdeBrasil–séculoXIXeXX–volume2

IoneRibeiroValle,JulianaCesárioHamdan,MariadasDoresDaros(Org.)

288

Fonte: elaborado pelos autores a partir de informações disponíveis em: http://www.mazzaedicoes.com.br/

Tabela4:NúmerosdeCadernosdeHistória da Educação,Nephe/UFU

(2002-2017)

Ano Volume Números

2002 1

2003 2

2004 3

2005 4

2006 5

2007 6

2008 7

2009 8 12

2010 9 12

2011 10 12

2012 11 12

2013 12 12

2014 13 12

2015 14123

2016 15123

2017 16 12

palavras finais...

A constituição desta coletânea coloca em relevo as contri-buições, bem como as inovações teórico-metodológicas da área daHistória daEducação emMinasGerais.Onúcleo de pesquisadores

Continuaçãodapágina14

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16•História da Educação em Minas Gerais | Volume 1: Colônia

aglutinadosemtornodestelivrotambémpossibilitouaemergênciadeoutraspreocupaçõescomaextensãodeseusolharesaoutroscenários,épocasetemáticasatéentãopoucoprivilegiadas.Oconjuntodeestu-dosdesenvolvidostrouxeàtonainvestigaçõesdevotadasàcompreen-sãodarealidadeeducacionalmineira,noâmbitodaqual,ostrabalhosdedicadosàlegislaçãodescentralizadoradoensino,oquedesvelouasoutras fases da constituição do sistema de instrução pública em Minas Gerais para além das análises macroestruturais (postura normalmen-teassumidapelachamada“historiografiatradicional”).Esseadensa-mentodaspesquisas centradas emespaços “menores”decorreu emrazão da formação e consolidação de grupos de pesquisa (de seuspesquisadores), estando estes devotados à investigação de “novos”aspectos sobrea formaçãopolítico-educacionaldo estado, tomandocomo referência as regiões, osmunicípios, as instituições escolares(públicaseprivadas),osmateriaisdidáticos(manuaispedagógicos),aimprensa(especializadaounão).

No estadodeMinasGerais, ospesquisadoresda educaçãode-senvolvemestudosnosentidodacontinuidadedessaperspectiva,mastambémcomdesdobramentodastemáticasmaisespecíficasnasdiver-saslocalidadesdoestado,estudosessesquesearticulamàsproblemá-ticasdeâmbitomacrorregionalenacional,vistoqueelasremetemàspeculiaridades formativas de cada região por terem como foco as carac-terísticashistóricasdasregiõesmineiras,istoé,aformadeorganizaçãopolítica, asmotivaçõesparaa criaçãodas instituiçõesescolares,bemcomodasdisciplinasedaspráticasdeensino.Ouseja,naregião,comonoBrasil,háummovimentodeestímuloàsreflexões,àproduçãoeàdifusãodenovosconhecimentosnaáreadaEducação,queabrenovosespaçosaospesquisadores,quesofrem,desfrutam,fazem,aprendem,ensinam,oumelhor, contribuemparaacompreensãodasdimensõeshistórico-educacionaisque“formataram”afisionomiadaeducaçãomi-neiranoséculoXX.

Comessehorizonte,acriaçãodaHistória Geral da Educação em Minas Gerias: da Colônia à República procura demarcar as linhas de transversalidadequealinhavaramaformaçãodaeducaçãoemMinasGeraisaoproporeincorporaras“novasabordagens”,os“novosobje-

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OscaminhosdapesquisaemHistóriadaEducaçãonoBrasil•17

tos” eos “novosproblemas”àspesquisas educacionais.Desta forma,emergem debates em torno dos estudos relacionados aos aspectos lo-cais versus os fatores macroestruturantes em termos de política educa-cionaldoestado.Portanto,aobrabuscadiscutiremquecenárioaflo-raramasmúltiplasrealidadesetendênciasequaissãoasperspectivasatuaisparaocampodaEducaçãoemMinasGerais.

Em suma, busca-se a compreensão das aproximações/tensõesentreosváriosespaçosmineiros,edecomoasquestõesligadasaospro-blemas educacionais foram “acomodadas” no decorrer da promoção da educaçãonointeriordasociedade,alémdatentativadeexplicitaçãodosinteressespolíticos,culturais,ideológicoseantropológicosqueperme-aramalutapelaconstituiçãodosistemadeensinonoestado.

rEfErências

CARRATO,JoséFerreira.As Minas Gerais e os primórdios do Caraça.SãoPaulo:Cia.EditoraNacional,1963.(SérieBrasiliana,v.317)

CARRATO,J.F.Igreja, Iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais: notas sobre a cultura dadecadênciamineirasetecentista.SãoPaulo:Cia.EditoraNacional/Edusp,1968.

ARAUJO, José Carlos Souza;GATTI JR,Décio (Orgs.).Novos temas em História da Educação Brasileira:instituiçõesescolareseeducaçãonaimprensa.Campinas:AutoresAssociados/Edufu,2002.

CARVALHO,TheophiloFeude.InstruçãoPública–Estudohistórico-estatístico,resumi-do,dasprimeirasaulaseescolasinstituídasemMinasGerais(1721-1860).In:Revista do Arquivo Público Mineiro.BeloHorizonte,ImprensaOficialdeMinasGerais,AnoXXIV,IVolume,p.345-391,1933.

CARVALHO,JoseMurilode.A Escola de Minas de Ouro Preto:opesodaglória.SãoPaulo:Cia.EditoraNacional,1978.

LOPES,ElianeMartaSantosTeixeira.Colonizador-colonizado: uma relação educativa no movimento da história.BeloHorizonte:EditoraUFMG,1985.

MOURÃO,PauloK.C.O ensino em Minas Gerais no tempo do Império.BeloHorizonte:CentroRegionaldePesquisasEducacionais,1959.

______.O ensino em Minas Gerais no tempo da República (1889-1931).BeloHorizon-te:CRPE,1962.

PEIXOTO,AnaMariaCasasanta.Educação no Brasil, anos 20.SãoPaulo:Loyola,1983.

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aSpectoS da educação na capitania de minaS GeraiS

Thais Nívia de Lima e Fonseca

O período colonial marca fortemente a história de Minas Gerais.Campodedisputasderepresentações,1 essa histó-ria tem transitado das visões românticas de colorido heroi-coaodesvendamentodascomplexasfacetasdasociedade

desenvolvidanaregiãodasMinas.Aescritadessahistória,mesmosobasmaisdiversasperspectivas,nuncadeixoudesubentenderumacertadimensãoépica,fundadanasaventurasdacorridadoouro,nosdramasdaescravidão,nas intensaseconflituosaspráticas religiosas,napro-duçãoartística,naslutaspelopoder,nosesforçosdiáriospelasobrevi-vênciaepeloreconhecimentonumasociedademarcadapelabuscadadistinçãoedosfavoresdosmaispoderosos.Masnemtodososaspectosenvolvidosnessecenáriocomplexomereceramaatençãodahistorio-grafiadesdequeahistóriadeMinasGeraiscomeçouaserpesquisadaeescrita.Aeducaçãoéumdeles,eessaobservaçãoéválida tambémparaoutraspartesdaentãoAméricaportuguesa.NãoobstanteestudosproduzidospontualmenteaolongodoséculoXX,somenteapartirdoiníciodosanos2000équeochamadoperíodocolonialcomeçouaga-nhardestaqueeacaptarointeressedospesquisadoresdaHistóriada

1RealizeidiscussõessobreessaquestãoemFonseca(2001ae2001b).

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20 • HistóriadaEducaçãoemMinasGerais|1.Colônia

Educação.2Enão temosdúvidasdequeMinasGeraisé, atualmente,omaisfecundopolodeproduçãohistoriográficasobreaeducaçãonoséculoXVIIIeiníciodoXX.

Conjugandoesforçosdepesquisadores–professoreseestudan-tesdegraduaçãoepós-graduação–deváriasuniversidadesdoesta-do,quasetodosintegrantesdoGrupodePesquisaCulturaeEducaçãonaAméricaPortuguesa,3 essa produção tem revelado um dinamismo educacionalque,observadonascondiçõesespecíficasdaquelasocieda-de, apresenta umquadro que ultrapassa emmuito as interpretaçõesmaistradicionaisquenãovirammuitoalémdaatuaçãodeunspoucosmestresedaausênciadasordensreligiosas.Osestudosmaisrecentesmuito esclarecem sobre os processos de implantação do ensino régio na capitaniadeMinasGeraiseosseusimpactos,tantoparaoestadoquan-toparaapopulação;sobreaatuaçãode instituições religiosas; sobreas relações dos diferentes grupos sociais com as alternativas de educa-çãodisponíveisparaascriançaseosjovens;sobreopapeldaaquisiçãode conhecimentos e habilidades – escrita, leitura, técnicas, doutrina–paraaconstruçãodoslugaressociaisdosindivíduos.Algunsdessesaspectossãoostemasprivilegiadosdoscapítulosquecompõemestase-çãodolivro.Asuaorganizaçãolevouemconsideraçãoquatroperspecti-vasque,paraalémdesuasnaturaisespecificidades,serelacionampelapreocupação com dois aspectos importantes: o papel das instituições e arelaçãodasociedademineiracolonialcomaculturaescrita.

Abrindoestaseção,ocapítulo“Concepçõesepráticasdeeduca-çãoemMinasGeraiscolonial:reflexõesapartirdasfontesdepesquisa”,deThaisNíviadeLimaeFonseca,procuraabrirocaminhodosestu-dosqueseseguemtendoporfundamentoadiscussãoconceitualsobreeducação e instrução realizada por meio dos elementos constantes na documentaçãodaépoca,particularmenteaquelaproduzidanosâmbi-tosadministrativoejurídico,notarialeprivado.Arejeiçãoàsnoçõesdeeducação e instrução como conceitos universais e atemporais está na

2 Balanços analíticos sobre essa produção estão em Fonseca (2015 e 2009) e Antunes (2015).3Paramaisinformações,acessaraspáginassobreogrupo.Disponívelem:<http://www.grupoceap.net/site/index.asp>;<http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2752103468623511>.Acessoem:18ago.2018.

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Aspectos da educação na capitania de Minas Gerais • 21

origemdadiscussãosobreasuahistoricidade:comoeramentendidos,comoexpressavamações e estratégiaspolíticas e sociais, comoeramutilizadoscomomeiosparaaconquistadeposiçõesededistinção.

Noblocoseguinteapresentamostrêscapítulosdedicadosàdis-cussãosobreaatuação,naeducação,dasinstituiçõesdominantesnasMinassetecentistas,istoé,oEstadoeaIgrejaCatólica.Em“ReligiãocatólicaeinstituiçõeseducativasnacapitaniadeMinasGerais”,AnaCristina Pereira Lage analisa as relações entre religião e educação num contextodeestreitoenvolvimentoentreoEstadoportuguêseaIgreja,especialmente após o Concílio de Trento e seus efeitos no processo de expansãoportuguesanaAmérica.Ocapítuloenfatizaasespecificida-des da capitania das Minas e os diversos meios de atuação institucio-nalnaeducaçãodehomensedemulheres.Voltadaparaoprocessode institucionalização da educação de natureza escolar decorrente das chamadas reformas pombalinas iniciadas em 1759, ChristianniCardoso de Morais debruça-se sobre a construção da estrutura de ma-nutenção das aulas régias implantadas com as reformas por meio da instituiçãodotributoconhecidocomosubsídioliterário.Nocapítulo“Pela ‘unidade da causa do interesse público’: o Subsídio Literário e suainstitucionalizaçãoemMinasGerais”,aautoraacompanhaopro-cessodeinstituiçãodotributo,analisandoasparticularidadesdesuacobrançaeaplicaçãonofinanciamentodaeducaçãonacapitaniadeMinasGerais.Em“Overboeacarne:discursoseagentesnaconversãodosgentiosemMinasGerais,1755-1831”,ÁlvarodeAraújoAntunesapresentaumquadropormenorizadodosesforçosempreendidospeloEstado,masparticularmentepelaIgreja,naconversãodosíndiosdasMinas.Partindosobretudodosrelatosdosreligiososregistradosemdiferentestiposdedocumentos,oautoranalisaousodosrecursosquepodemosconsiderarcomopedagógicos–nocampodaculturaescritaedaoralidade– comafinalidadeúltimade converter e civilizarosíndiosnessapartedaAméricaportuguesa.

No último bloco desta seção tratamos do “universo” da cultura escritaedosmodospelosquaisdiferentesgrupossociaiscomelasere-lacionavamnasMinassetecentistas.JoséNewtonCoelhoMeneses,nocapítulo “Saberes úteis para a educação dos povos: livros de agricultura

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22 • HistóriadaEducaçãoemMinasGerais|1.Colônia

eacirculaçãodetextostécnicosemMinasGerais(finaldoséculoXVIIIeiníciodoXIX)”,tratadeumtipoespecíficodeformaçãovoltadaparaainstruçãoprática,preocupadacomapreparaçãodedeterminadosgru-pos sociais vistos como fundamentais para a sustentação material e mo-raldasociedade.Partindodealguns“livrosúteis”editadosemPortugalecirculantesnacapitaniadeMinasGerais,oautorrevelaadifusãodes-sessabereseopapelmediadordonaturalistamineiroJoaquimVelosodeMirandanesse processo. Fechando o bloco, e apropriando-se dasdiscussõesdosestudossobreletramento,SilviaMariaAmâncioRachiVartuli avança pelo universo feminino no capítulo “Redigir ‘por outras mãos’:osusosdaescritaemMinasGeraisnoperíodocolonial”.Aau-tora analisa a relação das mulheres das Minas com a escrita e como se apropriavamdesta–nemsempresabendoescrever–pormeiodosseustestamentos, afimde construírem soluçõesparaquestõesde impor-tânciaparaofuturodeseusgruposfamiliareserelacionados,deixandoentrever,nesseprocesso,aspectosimportantesdesuasvidas,valores,costumes,expectativas.

rEfErências

ANTUNES,ÁlvarodeAraújo.O inventário críticodasausências: aproduçãohistorio-gráficaeasperspectivasparaaHistóriadaeducaçãonaAméricaportuguesa.História e cultura,Franca,v.4,n.2,p.100-113,set.2015.

CULTURAeeducaçãonosimpériosibéricos.DiretóriodosgruposdepesquisanoBrasil.ApresentainformaçõessobreogrupodepesquisasCEIbero.Disponívelem:<http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2752103468623511>.Acessoem:18ago.2018.

FONSECA,ThaisNiviadeLimae.Da infâmia ao altar da pátria: memória e represen-taçõesdaInconfidênciaMineiraedeTiradentes.2001.Tese(DoutoradoemHistóriaSo-cial)–FaculdadedeFilosofia,LetraseCiênciasHumanas,UniversidadedeSãoPaulo,SãoPaulo,2001a.

FONSECA,ThaisNiviadeLimae.Ouroeheróisnas representaçõesda InconfidênciaMineira.Varia Historia,BeloHorizonte,n.24,p.228-244,jan.2001b.

FONSECA,ThaisNiviadeLimae.HistoriografiadaeducaçãonaAméricaportuguesa:balançoeperspectivas.Revista Lusófona de Educação,v.14,n.14,p.111-124,fev.2009.

FONSECA,ThaisNiviadeLimae.HistóriaehistoriografiadaeducaçãonaAméricapor-tuguesa:aCapitaniadeMinasGerais.Revista Eletrônica Documento/Monumento,Cuia-bá,v.15,p.13-38,2015.

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concepçõeS e práticaS de educação em minaS GeraiS colonial: reflexões com base em fontes de pesquisa

Thais Nívia de Lima e Fonseca1

A necessidade de superar visões anacrônicas sobre as formas deeducaçãopresentesnasociedadedoAntigoRegime,emPortugaleseusdomínios,nosobrigaareverasconcepçõesdeeducaçãodominantesnahistoriografiaeadeterminara

historicidadedessesconceitos,conformeoscontextosdesuaproduçãoecirculação.2Comessepropósito,reuniaquipartesdedoisartigos3queme permitem organizar a discussão em sintonia com os demais capítu-losdestaseçãosobreaeducaçãoemMinasGeraiscolonial.Emtalpers-pectiva,estetrabalhoseorganizaemtornodedoisproblemas:comoaeducação e a instrução eram compreendidas e como se apresentavam na construção de discursos produzidos nos âmbitos administrativo e

1Doutora emHistória pelaUniversidadede SãoPaulo (2001), é professora associadada Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, onde exerce afunçãodecoordenadoradoCentrodePesquisaemHistóriadaEducaçãoeprofessoradoProgramadePós-Graduação emEducação.É coordenadoradoGrupodePesquisaCulturaeEducaçãonaAméricaPortuguesaebolsistadeProdutividadeemPesquisadoCNPqedoProgramaPesquisadorMineirodaFapemig.2 Embora esta análise possa apresentar algumas semelhanças com a metodologia proposta porReinhartKoselleck(1992,p.134-146,1997),nãosetrataaquidedesenvolverumahistóriadoconceitodeeducaçãotalcomoaentendeaqueleautor.3 Educação na América portuguesa: sujeitos, dinâmicas, sociabilidades (2014) eWritings and representations of education in Portuguese America(Sisyphus–JournalofEducation,noprelo).TodaapesquisadaqualderivamestesestudosfoifinanciadapeloCNPqepelaFapemig.

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24•HistóriadaEducaçãoemMinasGerais|1.Colônia

jurídico;comoimpactavamasrelaçõesentreosindivíduoseasinstitui-ções,sobretudooEstadoeaIgreja.

Énecessárioindagar,emprimeirolugar,quaiseramasconcep-ções de educação correntes no mundo luso-americano entre o século XVIeoiníciodoséculoXIX,quandooBrasilintegravaosdomíniosportugueses.Análisessobreessetematendoporfontesobrasdepen-sadoreseuropeusproduzidasnosséculosXVIIeXVIII,emlegislaçãorelativaàeducaçãoproduzidapeloEstadonoséculoXVIIIenoiníciodoXIX,emobrasdecaráterpedagógicoecatequético,emdocumen-tação produzida pelos órgãos da administração central em Portugal enaAmérica indicamasprincipais linhasdedefinição sobreoqueseriam a educação e a instrução e suas funções naquela sociedade(Fonseca,2009;Denipoti;Fonseca,2011).Aeducaçãoeraentendidacomo função primeira da família e da Igreja e voltada para a formação da civilidade, o que envolvia, necessariamente, a formação do bomsúditoedobomcristão.

DeautorescomoComeniuseLaSalle,LockeeRousseau,pas-sando por autores portugueses como Luís Antonio Verney e Antonio RibeiroSanches,aeducaçãofoi,entreosséculosXVIeXVIII,objetode esforços de conceituação com o objetivo de fundamentar propostas sobrequalseriaasuamelhorforma.Entendida,emgeral,comoopro-cesso de formaçãodos indivíduos para o convívio social, a educaçãoeradefinidacomo fundamentalparaadeterminaçãodaordemedashierarquias sociais, para amanutenção dos bons costumes e para aobservânciadospreceitosdareligião.Algunsautoresdestacavamdife-renciadamente a educação e a instrução,aproximandoessaúltimadoprocessodeaprendizadodeconhecimentospráticosquedariamaindamaiorsentidoàutilidadesocialdosindivíduos.Essasconcepçõestam-bémestavampresentesemobrascomodicionários,enciclopédias,ma-nuaisdecivilidadeedecatecismo,compêndiosparaoaprendizadodasprimeirasletras,alémdepermearemalegislaçãoeosdocumentospro-duzidospelasinstânciasadministrativaejurídicadoEstadoedaIgreja.

É importanteobservarqueessasconcepçõesnemsempreen-volviamainstituiçãoescolarporque,comoformaçãodoindivíduo,aeducaçãopoderia serdesenvolvidapraticamenteemqualquerespa-

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Concepções e práticas de educação em Minas Gerais colonial • 25

çosocial:nafamíliaenaIgrejaemprimeirolugar,mastambémnoslocais de aprendizadode ofícios, nas atividades cívicas e religiosas,naapreciaçãodasartes,nasrelaçõesentreossenhoreseosescravos,entreoshomenseasmulheres,entreasautoridadesdegovernoeapopulação. Somente a partir da segundametade do século XVIII équecomeçaramasiniciativassistemáticasdeintervençãodoEstadoquando,movidaspela influênciade ideias iluministas,diversasmo-narquiaseuropeias–entreelasaportuguesa–realizaramreformasadministrativas a fim de fazerem com que parte da educação esco-larsetornasseumassuntodeEstado.EmPortugal,talprocessoteveinícionoreinadodeD.JoséI(1750-1777)comofimdodomíniodaCompanhia de Jesus no campo educacional e a criação das aulas ré-gias,financiadasecontroladaspeloEstado.

A educação como processo de formação aparece em diferentes tiposdeescritaadministrativarelativaàAméricaportuguesa,eumadesuas representações mais recorrentes diz respeito à sua função para o “bempúblico”,oquequerdizerparaobemdoEstado.Presenteemor-densrégias,emcartastrocadasentreautoridadesdaadministraçãoco-lonial,emrequerimentosepetições,entreoutrosdocumentos,essare-presentaçãodaeducaçãoajudavaalegitimardecisõesdecaráteroficial.Os primeiros documentos relativos ao processo de reformas realizadas pela Coroa portuguesa no campo educacional já apresentavam argu-mentosconstruídosemtornodessarepresentação.OAlvaráde28dejunhode1759,quemarcouofimdodomínioeducacionaldaCompanhiadeJesusnoimpérioportuguêstraziaoentendimentosobreaimportân-ciada“culturadasciências”para“afelicidadedasMonarquias,conser-vando-seporelasaReligião,eaJustiçanasuapureza,eigualdade”.4

Esses mesmos princípios eram replicados ao longo da “cadeia” administrativa,daCorteatéosdomíniosdeultramar.OconteúdodaInstrução (1788) recebida por Luiz Antonio Furtado de Mendonça ao

4Disponívelem:<http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=105&id_obra=73&pagina=955>.Acessoem:9 jan.2016.Todasas transcriçõesdedocumentosnestetextoseguemalgumasreferênciasdosestudosdeLingüísticaHistóricaaoconsideraraconcordânciavariável,nãosendo,portanto,utilizadoselementosindicativosdeerrosnodocumentooriginal(comoosic,porexemplo).Sobreessaquestão,verMendes(2009)eDoreseMendes(2015).

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assumirocargodegovernadordacapitaniadeMinasGeraisnãodeixadúvidasquantoàideiadequeautilidadepúblicaimplicava,também,ocombateaoócio.Nodocumento,osecretáriodeEstadodaMarinhaeUltramar,MartinhodeMeloeCastro,detalhavaasordensquedeve-riamserseguidaspelonovogovernador,umadasquaisseriaincenti-varaproduçãomineraleagrícolaeevitarocontrabando.LembrandoaimportânciadeseanimarospovosdacapitaniadeMinasGerais,osecretárioafirmavanãohaverdúvidas

queoshabitantesquefazemasriquezasdosEstadossãoosúteiselabo-

riosos,enãoosociososevadios,quesãoaruínadosmesmosEstados;

enestacertezatantoosprimeirosmerecemseranimadoseprotegidos,

quantoossegundosdevemserdesterradoseproscritos.

Aassociaçãoentreoócioeasdesordenseramumaconstante,etemsidoobjetodahistoriografiasobreMinasGeraisnoséculoXVIII5 Cabe-nos realizar a análise dessas associações do ponto de vista das concepções e das práticas educativas, evidenciando a circulação e asapropriações delas no contexto cultural de que nos ocupamos aqui.Alémdaescritaadministrativa,essarepresentaçãodoóciocomoori-gem da desordem circulava recorrentemente nas cartilhas e nos manu-aisdestinadosàeducaçãoeàinstruçãodascriançasedosjovens.Umadas modalidades mais comuns eram as obras organizadas na forma de “questionários”catequéticos,comovemosemPrincípios da educação dos meninos (Princípios...,1807):

P.Queéaperguiça?

R.OaborrecimentoparaotrabalhoqueaNatureza,easociedadenos

impõe.

P.AquemalesseexpõemosPerguiçosos?

R.OPerguiçoso faltodebensexpõe-seàmiséria,eoRicoexpõe-sea

perderassuasriquezas,eaodesprezodosbonsCidadãos.

5Algunsautoressedestacam,hámuito,nestesestudos:LauradeMelloeSouza,LucianoFigueiredo, Marco Antônio Silveira, Júnia Ferreira Furtado, Adriana Romeiro, JoséNewtonCoelhoMeneses,entreoutros.

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Concepções e práticas de educação em Minas Gerais colonial • 27

P.OHomemociosoéinjusto?

R.Semdúvida;porqueemumasociedadeondetodostrabalhamnin-

guémsepodeentregaràociosidadeseminjustiça.DemaisoPobreocio-

soabusadacompaixãodosRicos,queéopatrimôniodosDesgraçados

quenãopodemtrabalhar.

P.Estaspaixõespodemfazer-nosinfelizes?

R.Sim,porelasmesmas,oupelassuasconsequências.

P.Comonospodemfazerinfelizesporelasmesmas?

R.Porquesãosentimentostristes:atimidez,acólera,oódio,eainveja

sãoqualidadesquecausamsofrimento.

P.Estaspaixõesproduzemalgumprazer?

R.Podemproduziralgumprazermomentâneo,seguidodearrependi-

mento,ederemorsos.

P.Asoberba,eaperguiçasãosentimentosmaus?

R. Posto que as paixões não pareçamperigosas no principio, os seus

efeitossãoquasesemprefunestos.

P.Queefeitosproduzemnasociedadeaspaixõesmás?

R.Adeacorromper,econduziràsuaruina,quandosetornamhabitu-

ais;porissosedevemevitar.

Oócioidentificadoàpreguiçadeveriasercombatidopordiver-sosmeios,comooensinodadoutrinacristã,epelosbonsexemplosaseremdados.Era,alémdisso,objetodaspreocupaçõesdejuízesdeór-fãosedetutores.Inúmerasprestaçõesdecontasdetutoriaapresentaminformaçõessobreessaquestão, indicandoseresperadaadefesadasvirtudesdosórfãosdiantedaameaçadoócio.IndagadosobreoestadodosórfãosdeManoelCaetanodosSantosCruz,sobseuscuidados,oal-feresThomédaCostaValerespondiaàsinquiriçõesdojuizdeórfãosdeSabaráedeclaravaestarseocupandodaeducaçãoedainstruçãodeles.PerguntadoseaherdeiraAnnaestava“entregueàociosidade”,ouseestava“ocupadaemalgummister”,otutorrespondeuqueaórfãseocu-pava“nogovernoeserviçodacasaprópriodoseusexoeatéemcozi-nhar,etambémemfazeralgumarendaparavenderquandotemalgumfioeoseuprodutoempregaemalgumamiudezaparasi(Inventário...,1793).OsirmãosdeAnna,BazilioeIgnácio,forampostosaaprender

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28 • HistóriadaEducaçãoemMinasGerais|1.Colônia

asprimeirasletrascomummestreparticular,masotutorqueixava-sedafaltaderecursosparamantê-losnesseaprendizadoenodeofícios,oquepoderiacomprometerasuaeducação.Preocupaçõesdessetipoficavammaisevidentesquandosetratavadeórfãosdemenoresposses,ecujasobrevivênciafuturadependeriadoaprendizadodeofíciosedaeducaçãomoralmentealinhadacomosprincípioscristãos.Mantê-losocupados,era,portanto,condiçãoparaisso.

Ocontrolesobreoócionãoeraoúnicoquesitonabuscapelacivi-lidade.Nesseponto,diversoseramossegmentosdasociedadecolonialquemereceriamaatençãodasautoridadestemporaiseespirituais.Nãoapenas os colonos “contaminados” pelo desprezo ao trabalho manual –claramenterelacionadoàpresençadaescravidão–,mastambémosindígenas,seriamoalvoprivilegiadodacatequese.Aescritaquedis-corria sobre a necessidade e a utilidade de uma educação formadora e civilizadoraparaos índiosévastaebemestudadapelahistoriografiabrasileira.Basta-nosaquiindicarcomoasrepresentaçõesdaeducaçãocomo agente de civilização estavam presentes na escrita produzida pelo clero.NacapitaniadeMinasGerais,ondeasordensreligiosas foramproibidasdeseinstalaremdesde1711,houveiniciativasdesacerdotesseculares cujas ideias sobre a educação dos índios foram detalhadas em documentosenviadosàCoroa.Numdeles,opadreFranciscodaSilvaCampos solicitava um cargo e recursos para se manter educando os ín-diosdaquelaCapitania.Emseuplanodeeducação,elepretendia

empregarosofíciosdecadaum,ostrabalhosdosíndios,oseuensino

deArtes,eofíciosrespectivos,aagriculturadoPaís,ecivilizaçãodeles,

fundadotudosobreaprobidade,eboafémaisabalizadaparaatrairos

ânimosdaquelesbárbarosqueumavezescandalizadossetornamindo-

máveis,quandooamoreCaridadeforsempremaisdoqueaforçadas

Armas.(Campos,1897).6

ÉimportanteressaltarqueofatodeaCoroateriniciadoopro-cessodeatuaçãodiretanaeducaçãoapartirde1759nãosignificaqueo

6 Sobre o discurso e a ação de religiosos na educação e civilização dos índios em Minas Gerais,ver,nestacoletânea,otextodeÁlvarodeAraújoAntunes.

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Concepções e práticas de educação em Minas Gerais colonial • 29

fizessemovidapelaconvicçãodequeopovoteria“direito”àeducação.Essa é uma ideia que só sedesenvolveumais tarde, sob a influênciadopensamentoilustrado,sobretudoapartirdaRevoluçãoFrancesa.7 A expulsãodaCompanhiadeJesuseofechamentodesuasescolasvisava,antesdetudo,retirardosjesuítasocontroledaeducaçãodenaturezaescolar.Asaulasrégiaseramgratuitasparaquemquisessefrequentá-las,masnãosepodedizerquehouvessequalquerestímuloexplícito,ecertamentenãosecogitava,ainda,aobrigatoriedadedaescolarização.Umavezqueaconcepçãodominantedeeducaçãoeraada formaçãoparaacivilidade,oaprendizadodeconhecimentoserafrequentemen-teentendidocomofinalidadesecundáriaoupropedêuticaparaaquelesqueingressariamnossemináriosounauniversidade.

Muitos autores da época compreendiam a dimensão pedagógi-cadosbons exemplos a seremdados,preferencialmentepelas elites.Mas outros segmentos da sociedade eram também conclamados à ta-refa,comoosmilitares,ocleroe,obviamente,osprofessoresdequal-querqualidade.Algunsdocumentossãoclarosarespeito,comooden-so Relatório do Marquês do Lavradio,vice-reidoRiodeJaneiro.Aocomentar a utilidade dos destacamentos militares denominados terços auxiliares,omarquêsentendiaqueasuaorganizaçãoajudariasoldadoseoficiaisasecolocaremno“costumedasubordinação”,equeporseremmaispróximosdopovo,ajudariamacomporacadeiadeexemplosdeobediênciaerespeitoàsleiseaorei,semoqueseria“impossívelopo-dergovernarcomsossegoesujeição”(Lavradio,1842,p.424).

Aosmembrosdoclerotambémcaberiapapeleducador,nãoape-nascomoresponsáveispeladifusãodadoutrina–pormeiodascele-brações,sermões,catecismos–,mastambémpelosexemplosdecon-dutapessoalecumprimentodesuasobrigaçõeseclesiásticas.NacitadaInstrucçãodadaaoViscondedeBarbacenaem1788(p.5),osecretárioMartinho de Melo e Castro destacava as obrigações do clero como a primeira das sete partes mais importantes para o governo da capitania de Minas Gerais:

7UmadiscussãosobreodireitoàeducaçãoestáemMonteiro(2005).

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queoseclesiásticoseministrosdaIgrejacumpramcomasobrigações

queamesmaIgrejalhesprescreve”,devendoparaissoensinar aos po-

vos os preceitos da lei que professam, pregar-lhes o evangelho, admi-

nistrar-lhes os sacramentos e conduzi-los com o zelo, desinteresse, e

regular comportamento de um bom e exemplar pastor ao grêmio da

igreja, de que são filhos.

Abusoscometidospelocleroerammotivosdequeixasdapopu-laçãoedepreocupaçãoparaaCoroa,comoosrelacionadosàcobrançaexcessivade taxasparaoexercíciodas funçõeseclesiásticas,alémdoenvolvimentonodesvio de ouro.Assim, o recurso às representaçõesdocleroexemplarebompastordeseurebanhonãoapenasexpressavaa imagem desejável como também destacava os desvios de conduta e justificavamedidasdecontrole.Oprincípiodaobediênciaaosoberanoerafrequentementelembradonaescritaoficialecobradodecivis,mi-litares,clérigos,ocupantesdosmaisvariadoscargosdaadministraçãocolonialemsuasdimensõespolítica,jurídicaemilitar.Esseprincípiomarcavafortementearepresentaçãodepoderedashierarquiassociais,eseuexercíciosignificavatambémaexposiçãodeatosexemplaresqueestavamimbuídosdesentidospedagógicos.

A importância da presença do clero na América portuguesa ul-trapassava suas funções estritamente religiosas. A criação das aulasrégias e o consequente estabelecimento da carreira dos professoresrégios– “funcionários”admitidosemconcursospúblicose comseussaláriospagoscomosrecursosdaCoroa–atraiunúmeroexpressivodesacerdotessecularesparaoensinodagramáticalatina,daleituraedaescrita.8Sobretudonesseúltimocaso,osprofessores,clérigosouleigosestavamobrigadosaensinartambémocatecismoeadoutrinacristã.Suascondutaspessoaiseprofissionaiseramparticularmenteimportan-tes,conformeficavaestabelecidonasescritaslegaleadministrativaqueobrigavam os professores a um determinado padrão de comportamen-to.OAlvaráde1759,porexemplo,indicavaalgunsdospré-requisitospara a admissão dos professores ao serviço: além do conhecimento ne-

8SobreosprofessoresrégiosnaCapitaniadeMinasGerais,verFonseca(2010).

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ConcepçõesepráticasdeeducaçãoemMinasGeraiscolonial•31

cessárioaoexercíciodomagistério régio,deveriamter “bonseapro-vadoscostumes”.Essasseriamexigênciasrepetidasnoseditaisquesepublicariam para o preenchimento dos empregos do magistério régio equeseconsolidariamnoprocessodefiscalizaçãoecontrolesobreotrabalhodosprofessores.

Apriorizaçãodasqualidadesmoraisdoscandidatosaprofessoresrégioseracoerentecomasconcepçõesdeeducaçãocorrentesàépoca.Ascompetênciasparaoensinodasdiversasmatérias–leituraeescrita,gramáticalatina,retórica,filosofiaougrego–nãoeramdesprezadas,massemasqualidadesmoraisasdemaisqualificaçõesnãoseriamsufi-cientes.Há,contudo,umaspectoqueprecisaserlembrado:nãohavia,àquelaépoca,processosespecíficosparaaformaçãodosprofessores,oqueatribuíamaiorimportânciaàexperiênciaeaosconhecimentosemsi,nãoimportandomuitocomohaviamsidoadquiridos.Aexperiênciaquepudessevirdoexercíciodomagistériopodiaserconsiderada,casoopretendentedemonstrassequalidadespotenciais.

Nãoparecequeasatividadesmanuaisjáestivessemclaramenteassociadasaprocessoseducativos,emboraosofíciosmecânicosfossemimportantes para o aperfeiçoamento dos comportamentos ao evitar o ócio, sempre perigoso. Pode-se afirmar que as atividadesmecânicaseram mais associadas à ideia de instrução,voltadaparaocampodosconhecimentos práticos, conforme as definições predominantes naépoca.Issoexplicariaporquea instrução costumava ser associada ao ensino,eaeducação à formação,emboranãofosseumaregrageralemuitomenosumanoçãoconsolidadaedefinitiva.Masésugestivoper-ceberque,quandooensinoeraidentificadocomoeducação,diziares-peitoaosconhecimentosdenaturezaintelectual;quandoeraidentifica-do como instrução,referia-se,emgeral,aosconhecimentospráticos,denaturezatécnicae/oumecânica.

Nocontextodavidacotidianaessasdistinçõespodemserencon-tradasnaescritanotarial,principalmenteaquelarelativaaosprocessosde inventários post mortemeàscontasdetutoriadeórfãos.Quandosetratadasrepresentaçõesdeeducaçãoqueincluemoensinodeconhe-cimentos,omaiscomumerareferir-seaoaprendizadodasprimeirasletrasparaórfãosdemelhorcondiçãoeconômicajáque,emgeral,isso

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implicavaopagamentodemestresparticulares,comoseobservanoin-ventáriodotenenteCustódioJosédeAlmeida,daComarcadoRiodasVelhas.NasContas (1799,fl.19),ocontratado,paraensinaraoórfãoem1796,capitãoJosédaCostaFerreira,reclamavaopagamentodasaulasinformandoque

pormortedoTenenteCustódioJosédeAlmeida,deixouumherdeiro

menor e como este morreu intestado foi por este Juízo nomeado para

seututoroAlferesEulelioManoelTeixeiraoquelogo cuidou da educa-

ção do dito herdeiro pondo aprender a ler e escrever e a doutrina cris-

tãocomosuplicanteajustando,pormeiapatacadeouropormês,que

teve seu princípio no dia vinte e cinco de abril e como são já passados

dezmesesporissorequerosuplicanteaV.M.querespondendoodito

tutorsobreaverdadeexpendidalhemandesatisfazerotempovencido

comotambémumfeitiodeumacasacãoquelhefezeemportemeiaoita-

vadeouroquejuntocomoquetemvencidodoensinodelereescrever

fazocomputode3/8as deouro.

Essedocumentoapresentaoentendimentodequeoensinodaleitura e da escrita constituía parte da educação de uma criança ou jo-vem, principalmente quando havia condições econômicas para isto.Sabemosquecuidardaeducaçãodosórfãoseraumaobrigação legaldostutores,definidanasOrdenações do Reino,oqueexplicaascons-tantesreferênciasàeducaçãonaescritanotarialrelativaaosprocessosdetutoria.Masoimportanteaquiéverificaraquetipodeconceituaçãodeeducaçãoessaescrita se refere, eque representaçõesdeeducaçãoestãopresentesnela.

Os Autos de ContasdoInventáriodeJoãoCoelhodaSilva,mora-dordaComarcadoRiodasVelhas,indicamessasrepresentaçõescon-formeoscasosdecadaumdosquatrofilhosdofalecido.Aeducaçãodecaráterformadoratingiameninosemeninasque,noentanto,recebiaminstrução diferente: leitura e escrita para os meninos e atividades ma-nuaisparaasmeninas.NosAutos de Contas,otutorAntônioCoelhodaSilvarespondiaàsinquiriçõesdojuizdeórfãos:

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ConcepçõesepráticasdeeducaçãoemMinasGeraiscolonial•33

E logo sendo perguntado por ele dito Doutor Juiz de Órfãos a ele procu-

rador do Tutor Antonio Coelho da Silva pelo estado do órfão João res-

pondeu que este se achava de saúde e que andava na escola aprenden-

do a ler e escrever e que se achava em sua companhia ao qual trata e

veste e lhe dá educação precisa.

E sendo lhe perguntado mais por ele dito Doutor Juiz de Órfãos ao so-

bredito procurador do Tutor pelo estado da órfã Marianna respondeu

que esta se achava de saúde ao presente aprendendo a cozer e [ ] e o

mais que é preciso a uma mulherequeseachaemcompanhia[]do

Tutor.

E sendo lhe mais perguntado por ele dito Doutor Juiz de Órfãos ao so-

bredito procurador do Tutor pelo estado da órfã Maria respondeu ele

que esta se achava de saúde em poder do Tutor [ ] e criando por ser de

tenra idade a qual sustentava e tratava conforme a sua possibilidade

e lhe dá toda a boa educação que é preciso a uma criança de tão tenra

idade.

E sendo perguntado mais por ele dito Doutor Juiz de Órfãos ao sobredi-

to procurador do Tutor pelo estado da órfã Elena por ele foi respondido

que esta se achava de saúde criando-se em poder do mesmo Tutor por

ser de mais tenra idade a qual trata e lhe dá o ensino preciso que é

permitido a tão tenra idade.(Inventário...,1789,fl.58-59,grifonosso).

Nesse documento a educação está associada às ações de caráter domésticoqueseriamresponsabilidadeda famíliaoudeseussubsti-tutos/representantes:“trataevesteelhedáeducaçãoprecisa”,“lhedátodaaboaeducaçãoqueéprecisoaumacriançadetãotenraidade”sãoafirmaçõesindicativasdessarepresentaçãodaeducaçãocomoforma-çãodoindivíduoparasuaadequaçãoàvidaemsociedadeeenvolveriaa transmissãode valores,normasde comportamento eprincípiosdareligião.Naescritadessedocumentooensinodeconhecimentos–lei-turaeescrita,eatividadesmanuais–nãofoidefinidocomoaeducação propriamentedita.Essasdistinções estãopresentes emoutrosdocu-mentosdamesmanatureza,àsvezesdeformabastanteclara,comonaConta de tutoria dos órfãos de Pedro Rodrigues (Contadetutoria...,1772),daComarcadoRiodasVelhas,emqueotutordeclaravaque“os

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órfãos Joachim e Joseph estão em companhia de sua mãe na mesma casaondemoravaoditodefuntoPedroRodrigues, vivendo comboaeducação,eensino”.

Essas distinções conceituais, contudo, podem ser a expressãodo senso comum,amaneira comoamaioriadaspessoas lidava comasnoçõesdeeducação, instruçãoecriação.Há indíciosdequehaviapolêmicasnadadesprezíveis, comoencontramosem interessantedo-cumentonoqualumjuizdeórfãosdeSabaráentrouemdebatecomocuradordosórfãosdeJoséGonçalvesChaves.OcuradorJosédaRochaMachadohaviadeclaradoemsuaprestaçãodecontasquenãousaraosbensdosórfãosparapagaroensinodosmeninos,conformeprescreviaalei,justificandoqueoensino não estaria incluído nas despesas obri-gatórias,queseriamapenasalimentar,vestirecuidardasaúde.Esseargumentofoicontestadopelojuizque,apoiadonaleieemsuasinter-pretações,afirmava,aocontrário,que

nos alimentos não só se compreende o comer e beber mas também mui-

tasmaiscircunstâncias[...]porqueaondesemostracompreender-sede-

baixodosalimentosquandosãodados“juresanguinis”,tambémasdes-

pesasfeitasnoensinoeestudo.(Contatestamentária...,1772,fl.100).

As considerações do juiz estavam fundamentadas nas Ordenações do Reino, que estabeleciam os procedimentos sobre acriaçãoeaeducaçãodosórfãos,conformeasua“qualidadeecondi-ção” (Código..., 2004). Tutores e curadores teriam obrigações dife-rentesparacomosórfãosconformesuaorigemdenascimento,paraalémdaalimentação,dovestuárioeda“medicina”.Sefossemfilhosdelavradoresoudeoficiaismecânicos,seriammandadosaaprenderosofíciosdeseuspais;se fossemdeorigemabastada,poderiamsermandadosaaprenderalereescrever.OjuizdeórfãosdeSabará,beminformadosobrealegislaçãoeajurisprudência,contestavaosargu-mentos do curador com base não apenas nas Ordenações como tam-bémemseuscomentaristas.Citadopelojuiz,odesembargadorPayvaePona(1761,p.163-164)afirmavaque

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ConcepçõesepráticasdeeducaçãoemMinasGeraiscolonial•35

OPainãoéobrigadoaprincipioamandaroseufilhoparaoestudo,por-

quenenhumaleiseacha,queobrigueopaiaisto,estandoofilhoemseu

poder:seopaiporsuavontademandouofilhoaoestudodasprimeiras

letras,dasquaisseconheça,quetemengenhoaptoparaadquirirasmais

ciências,entãoseobrigariaopaiasubministrar-lheasdespesasneces-

sárias,edamesmasorteotutor.[...]Istoregularmentesedeveobservar

comtodos,postoquesejamfilhosdehomemmecânico;porémquando

sãofilhosdelavradores,postoquenavidadeseupaionãomandasse

paraoestudo,contudovendoojuiz,ouotutor,queéaptoparaalcançar

asciências,odevemandarensinar,porqueoslavradoressãonobres,e

emdireitograndementeprivilegiadosdoexercíciodaqualarte,edoseu

usodependetodaarepublica,comode fontedosalimentosdetodaa

criaturahumana.

ConstaqueofalecidoJoséGonçalvesChaves,paidessesórfãos,eramercadorenegociante,oqueocolocava,emprincípio,nogruposocialmaisabastadodaregiãoemquehabitava.Deacordocomaleiecomocostume,portanto,seusfilhosórfãospoderiamsermandadosaaprenderalereescrever,oqueseriafeitoàcustadaherança.Oqueinteressa nesse caso são as diferentes formas de apropriação dos con-ceitos sobre educação,ensino e criação,conformeseinterpretavamasleis,econformeaspráticasdocostume.Comoafirmaodesembargadorcitadopelojuiz,frequentarosestudosnãoeraobrigatórioparanenhumsegmentodasociedade luso-americananaquelaépoca.Emesmoqueessa alternativa de educação fosse usual e até recomendada para os grupossociaismaisfavorecidos,haviaapossibilidadedequecriançase jovensde outras origens sociais fossemenviadas aos estudos, casoapresentassemhabilidadese/oucapacidade.

Temosencontradoexpressivosindíciossobreisso,especialmen-teemrelaçãoàsáreasmaisurbanizadas,comoéocasodacapitaniadeMinasGerais.Esseexercíciodeanálisesobrecomoapopulaçãodessasregiões se apropriava das representações de educação pode ser ainda acrescidodeoutrasescritasqueexpressavamessasapropriações,comoosdocumentosqueintermediavamasrelaçõesentreparcelasdapopu-laçãomaispobreediferentesinstituições.Umadasatribuiçõesdascâ-

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marasmunicipaiserapagarpelacriaçãodascriançasexpostas,abando-nadasnasportasdasigrejas,dascasasounasrodasdeexpostos.Muitosdaquelesqueerampagosparacriaressascriançaserammulheres,quefrequentementeenviavamàscâmarasrequerimentosreclamandodospagamentosatrasadosnosquaisindicavamosnomesdascriançasqueestavamcriandoeascondiçõesemqueestavam,numaescritaquedei-xavaclaraapresençadosentendimentossociais–equeeramtambémjurídicos–sobreaeducaçãoeseusdesdobramentos.JoannadeSouzaTeles foi uma dessasmulheres criadoras que, em 1802, se dirigiu àCâmaradaViladeSabará.Pedindopelospagamentos,elaexplicavaquetinhaconsigoummeninodenomeManoel,aquem

temcriado,eeducadoepresentementeo temnaEscoladePrimeiras

LetraseMusica,comotudoconstadaatestaçãoparoquialecomopor

beneficiodomesmomeninoparaseusvestuáriosnecessitadossalários

queesteSenadocostumapagar.(Contas...,1805,fl.49).

Énecessárioconsiderar,naanálisedessaescrita,aintermedia-çãodoescrivãodaCâmara,possivelmentemelhorinformadosobreosprocedimentos formais desses documentos e sobre as concepções legais relativasàcriação,educaçãoe instrução.Essebrevíssimodocumentoé exemplar sobre o registro desses entendimentos. Joanna de SouzaTelesexplicavaestarcumprindoessasetapas,provavelmentedesdequeo menino era muito novo: a criação era determinada legalmente até os trêsanosdeidade;aeducaçãonãoprecisavaterumaduraçãoestabe-lecida,masgeralmenteeraconsideradaatécercadosdozeouquatorzeanos;ainstruçãojápodiaseriniciadapelosseteanose,conformeana-lisadonoiníciodestecapítulo,estavaassociadaàaquisiçãodeconhe-cimentospráticos,preferencialmenteaquelesquepudessemserviraosustentodapessoaquandoalcançasseidadesuficienteparaotrabalho.NocasodomeninoManoel,soboscuidadosdeJoannaTeles,ainstru-ção estava se organizando em duas direções: o aprendizado da leitura e daescrita,edamúsica.Essaúltimaera,nacapitaniadeMinasGerais,atividadebastantesolicitadaemvistadoambientecultural,movimen-tadosobretudopelavidareligiosalocal.

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ConcepçõesepráticasdeeducaçãoemMinasGeraiscolonial•37

Paraoutraspessoas,aoportunidadedeeducaçãoestavalimitadaàobtençãodebenefíciosdaassistência,comofoiocasodoSemináriodoVínculodoJaguaraparameninospobres,atéomomentopoucoco-nhecidoequefuncionou,aoquetudoindica,entre1807e1811.9 Para seraceitocomoaluno,omenino,ouseuresponsável,deveriaapresen-tarumrequerimentonoqualcomprovariasuacondiçãoe justificariasuanecessidade.OsrequerimentosenviadosaoSemináriodoJaguaraapresentam indícios da possibilidade de uma criança ou jovem pobre receberumaeducaçãoque,àprimeiravista, seriaprivilégiodosgru-posabastados.Numdessesrequerimentos(Araújo,1807b,grifonosso),JoaquimJosédeAraújopedeparaseraceitonoSeminário,alegandoqueseupaiseachava

namaiordecadênciadebensepobreza,[...]commuitosfilhos,detal

sortequeatéagoranãotempodidomandarinstruir o suplicante nas pri-

meirasletrasnemaomenosassistir-lhecomopercisovestuário,como

aVossasMercêsébemconstante,eporqueosuplicantenãotemoutros

meios alguns de procurar a sobredita instruçãocomotantodeseja,re-

correaPiedadedeVossasMercêsparaquesedignemusarcomeleda

graçaconcedidaporSuaMajestadeembeneficiodapobreza,admitindo-

o ao seminário para ser instruídoaomenosnasprimeirasletras,deque

muitonecessita,emandandoparaissomatriculá-lonolivrocompetente.

Apobrezafoiatestadapeladificuldadedafamíliaemproverumdos itens elementares da educação conforme o entendimento da época: ela envolvia a alimentação,o vestuário e a saúdeda criança edo jo-vem.Anecessidadedainstruçãonaleituraenaescritapoderiaservistacomoumaoportunidadedefuturosustento,peloempregoemfunçõespúblicasouprivadasquerequeressemessahabilidadeouconhecimen-to. Mas a função do Seminário estava além da instrução,10 estando também associado às ideias sobre educação em virtude de sua origem comoinstituiçãodeassistência.Noentanto,comotemosobservadoemoutrosdocumentos,asduasdefiniçõeseramfrequentementerepresen-

9SobreesteSeminário,verFonseca(2009).10OSeminárioofereciaoensinodeleituraeescrita,edegramaticalatina.

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tadascomoamesmacoisa.OutrorequerimentoenviadoaoSeminárioexpressaessasduasfunçõesdainstituição,segundoopadrequeatestoua necessidade de José Simplício Guimarães de ser admitido para estu-dargramaticalatina,afirmandoqueojovemera

branco,delimposangue,órfãodepai,muitopobre,edebons costumes,

eporissosefazdigno,estánacircunstanciadeseradmitido,erecebera

graçadesereducadonosemináriodoJaguara,quedenovosetemcria-

do para instrução, educação da mocidade.(Atestado...,1807).

Masemoutrorequerimentoessadistinçãoéignorada,eaeduca-ção é representada abrangendo ambos os sentidos:

DizEugenioPereiraSilvério,moradornestaFreguesiadeSantaLuzia,

que ele suplicante é inteiramentepobre como constada atestaçãodo

ReverendoPároco e carregadode filhos, e entre eles temdois que já

estão em termos de poder se lhes dar a percisa educaçãoquevemaser

Silvério de idadede oito anos, e Felício de idadede seis, como se vê

da certidão que junto apresenta, comoVossasMercês vão executar a

ordemque aprovadasPias intenções do Instituidor desteVínculo em

beneficiodospobres,emcujacircunstanciasseachamosuplicantere-

correaPiedadedeVossasMercêsparaquesedignemadmitirosditos

seusfilhosnoSemináriodasprimeirasletraspara nele serem educados.

(Requerimento...,1807a).

Opropósitoaquinãoédeterminaraexistênciadeconceitospre-cisosedefinitivos sobreeducaçãoe instrução,masanalisaraprodu-ção de sentidos sobre essas duas dimensões e como foram apropriadas em diferentes tipos de escrita no mundo luso-americano entre o século XVIII e os primeiros anos do séculoXIX.Nos campos administrati-vo,eclesiásticoe jurídico,verificou-seexpressivaproduçãodeescritae, nela, representações de educação caracterizadas por seus vínculoscom a produção intelectual europeia mais influente naquela época,mas também pelas interposições dos ambientes culturais nas diversas regiõesdaAméricaportuguesaedasexperiênciasdossujeitosnessas

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regiões.Esseesforçoanalíticoéimportanteparaajudaraesclarecerahistoricidadedeumadimensãodavidasocial–aeducação–tãonatu-ralizadaemnossosdias,masqueemoutrostemposassumiasentidosquenemsemprecorrespondiamàideiageneralizadadequeaeducaçãoestávinculada,necessariamente,àinstituiçãoescolarequeé,obrigato-riamente,funçãodoEstado.

Passemos, então, ao segundo problema proposto para análisenestetexto,ouseja,comoaeducaçãoeainstruçãoimpactavamasre-laçõesentreos indivíduoseas instituições.Nessaperspectivaé rele-vanteoestudodaspráticaseducativasnumaabordagemidentificadaàhistóriasocial,sendonecessárioconsideraraconstruçãodeproblemasdepesquisaqueenfocamgrupossociaisespecíficosesuasrelações,osefeitosquepráticaseducativasdistintasteriamsobreelesesobresuasposiçõesnasociedadecolonial,alémdetratarderelaçõesentreosin-divíduos e as instituições tendo as atividades educacionais como me-diadoras.Coloca-seofocodosproblemasdepesquisasobreoseventoseducativoseemsuasrelaçõescomossujeitosnelesenvolvidos,anali-sando-seosimpactosdesseseventosnoscomportamentossociais,naconstrução de estratégias para a obtenção de posições e privilégios e paraagarantiadasobrevivência.Essaperspectivainvestigativaavançaem relação à tradição dos estudos focados nos processos de escolari-zaçãoefundadossomentenasfontesoficiaisadministrativaselegais,emboranãosepossaprescindirdelas.11Damesmaforma,apesquisaso-breaeducaçãodirigidadiretaouindiretamentepelaIgreja,envolvendoordens religiosas ou instituições como os recolhimentos femininos e as obrasdeassistência,consideraaspectosqueampliamavisãoparaalémdosprincípiosfilosófico-teológicosepedagógicos,explorandotambémas práticas culturais e a cultura escolar das instituições educacionais dirigidas por tais instituições e os impactos sociais de suas ações nesse campo.12Avançamos,assim,paraalémdeumanarrativasobreaevolu-çãojurídicaeadministrativadaeducação.

11 Em relação a Minas Gerais, destaque-se os estudos de Álvaro de Aráujo Antunes,ChristianniCardosodeMorais(2009)eThaisNíviadeLimaeFonseca.12EmMinasGeraisalgumasdessasinstituiçõestêmsidoobjetodoestudodeAnaCristinaPereiraLageeThaisNíviadeLimaeFonseca.

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As fontes mais utilizadas foram produzidas pela administração central em Portugal e pelos órgãos locais nas diversas capitanias da Américaportuguesa.A legislação– leis,decretos,alvarás,ordensré-gias, cartas de lei – temmantido sua função tradicional de ajudar aconstruiroprocessonormativo,sobretudodepoisde1759,quandodaexpulsãodosjesuítasedoiníciodoprocessodereformasqueimplan-touoensinoestatal,embriãodoprocessodeescolarizaçãoqueganhariamaisforçaapartirdoséculoXIX.Essasfontesganhamnovoscontor-nosquandocolocadasemconfrontocomoutras,destacandoasrelaçõesqueospovosdaAméricaportuguesaconstruíramcomosefeitosdessasaçõessobreelesesuasvidascotidianas.

Um aspecto relevante diz respeito aos desdobramentos da criação dasaulasrégias,sobretudorelacionadosàcriaçãodoSubsídioLiteráriodestinado à instalação de novas aulas e ao pagamento dos salários dos professores.13Sobrecarregadosdetributos,ospovosdaAméricaportu-guesaseviramdiantedemaisum,enemsempreeramcontempladoscomocorrespondentebenefíciodasaulas,conformeprescreviaa lei.MediadospelasCâmaras,queixavam-secomfrequênciaàCoroa,cobran-dooqueconsideravamseremseus“direitos”.Requerimentos,petiçõese representações dirigidos ao Conselho Ultramarino permitem perce-berasrelaçõesexistentesentreosdiferentesgrupossociais,eentreeleseoscentrosdepoder,bemcomoastensõesnessasrelações.Osautoresdesses documentos se viam obrigados a construir breves relatos sobre avidadesuascomunidades,afimdejustificarelegitimaroobjetodesuasqueixas,edeixavamentreversuasvisõesdemundo,preconceitos,expectativaseambições,bemcomosuasposiçõesnasrelaçõesdepoder.

O funcionamento das aulas régias pode ser compreendido por meiodasfontesfazendárias,documentosproduzidosporeparaosór-gãos responsáveis pela arrecadação e administraçãodos impostos.AReal Fazenda era responsável pelo recebimento do Subsídio Literário arrecadado pelas Câmaras e fazia o pagamento dos salários dos profes-soresrégios.OrdensrégiasexpedidasduranteoreinadodeD.MariaI(1777-1799),relativasàcapitaniadeMinasGerais,determinavamque,

13AcriaçãodoSubsídioLiteráriointegrouoconjuntodeaçõesdoEstado,entre1771e1773,queexpandiuasaulasrégiaseinstituiusuaformadefinanciamento.

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parareceberemseussalários,osprofessoresrégiosteriamqueapresen-tar à Junta da Fazenda documentos emitidos pelas Câmaras das vilas a quepertencessem,nosquaisseatestariaofuncionamentodasaulas,afrequênciadoprofessor,asatisfaçãodacomunidadecomoseutraba-lho,bemcomoindicaçõessobreasuacondutamoral.Ocasionalmentetambémeramanexadosdocumentosemitidospelopárocolocal,con-firmandoaresidênciaeocumprimentodasobrigaçõesreligiosas.UmavezqueossalárioserampagosnaCapital,VilaRica,muitosprofessoresqueviviamemlocalidadesdistantesnomeavamprocuradoresparare-ceberemseussalários,easprocuraçõeseramanexadasaosatestados.Em todos esses documentos evidenciava-se a ativação das redes de so-ciabilidades para a produção de pareceres favoráveis ou para instituir representantes juntoaosórgãosdaadministraçãocolonial.Nãoraro,essasredesenvolviamoutrosprofessores,sendotambémdemarcadasporidentidadesétnicas–casodospardos,porexemplo–oudenatura-lidade,queaproximavaindivíduosnascidosnamesmaregião,ouaindaquetivessemfrequentadooSemináriodeMariana,ou,maisraramente,aUniversidadedeCoimbra(Fonseca,2013).

Uma dimensão importante do processo de estabelecimento e fun-cionamento do ensino régio na América portuguesa diz respeito a como os professores ingressavam e permaneciam no serviço: suas motivações enecessidades,ospercursospercorridos,asrelaçõesestabelecidascomasautoridadesadministrativas,civiseeclesiásticas.Integrantesdeumanova categoria de “funcionários” do Estado oscilavam entre o desejo de seremadmitidosnoempregodomagistério,asdificuldadesenfrentadasdevidoàbaixaremuneraçãoeaatrasosconstantesnopagamentodosordenados e o uso das posições ocupadas para a obtenção de privilégios ebenefíciosdeordemsimbólica,importantesparaaconstruçãodelu-garesdemaiordistinção.Naelaboraçãodosdocumentosproduzidospara a comunicação entre os professores e os órgãos administrativos destacam-se elementosquepermitemperceberosmecanismosorga-nizadoresdasrelaçõesentreelesequetinhamimpactodiretosobreasreformaseducacionais.

A criação das primeiras aulas régias e das primeiras regras para ingresso nesse magistério foi acompanhada do estabelecimento de van-

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tagensebenefíciosparatornaroofícioatraente.Ossaláriosnãoforamumaprioridadenessemomento,jáqueseusvaloreseramaindavarian-tesnãosomenteconformeacadeira,massobretudoconformearegião,senoReinoounosdomíniosultramarinos,emesmoentrediferentesáreas desses últimos.O principal atrativo inscreve-se no âmbito dosvalores e das práticas sociais doAntigoRegime, ligadas à concessãodeprivilégiosemercêspeloEstado,equeforamestendidas,comlimi-tes,aosprofessoresdeGramáticaLatina,Grego,Retórica,FilosofiaeDesenho.Taisprivilégioseramosdachamada“pequenanobreza”,eobenefíciosóteriavalorenquantoosprofessoresocupassemseuscargos,masquedelesexigiaquevivessem“nobrementeemabstinênciatotaldeexercíciosplebeos”(Oliveira,1806,p.170-171).

Tenhoconsideradoahipótesedequeeramessesprivilégios,ouapossibilidadedeobtê-los,oquemaismotivavaalgunshomensasecandidataremàscadeirasdoensinorégio,14tantonoReinoquantonosdomíniosdeultramar.Ossalários,alémdenãoserematraentesquantoaosvalores,eramsistematicamentepagoscomlongosatrasos,eessasituação colocava os professores em recorrente condiçãode penúria,salvoaquelesquenãodependiamdessesordenadosparaseusustento,comoosquevinhamdefamíliasabastadas,reforçandoahipóteseaquiapresentada.Masissonãoajudaaexplicarocasodosdemaisprofesso-res,nãoincluídosentreaquelescomdireitoaosprivilégiosdepequenanobreza,ou seja,osprofessoresdePrimeirasLetrasquenão tinhamgrausacadêmicos.Tem-seentãooproblemadeprocurarcompreendercomoseprocessavaoingressonomagistério,paraalémdasregrasre-lativasaosconcursoseexamesedamelhordefiniçãodosvaloresdossaláriosapartirdacriaçãodoSubsídioLiterário.

A legislação atinente à reforma da educação estabeleceu a neces-sidadedarealizaçãodeexamesparaaadmissãodeprofessorese,con-formeoAlvaráde28dejunhode1759,nãoseriapermitidaaatuaçãodeprofessores,públicosouprivados,semlicençadaDiretoriaGeraldos

14Asaulasrégiasparameninasforamcriadasem1790,easprimeirasmestrassóforamadmitidas, em Portugal, em 1816. No Brasil, elas começam a aparecer nas folhas depagamento na segundametade da década de 1820, já nos anos finais de vigência do“sistema”doensinorégio.

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Estudos,concedidamedianteavaliaçãodosconhecimentosecostumesdopretendente.Assituaçõesenvolvendoospedidosdoempregodepro-fessorrégioeramvariadas,tantoquantoasmotivaçõesdeclaradasdosindivíduosqueseapresentavam.Nemmesmoumfracassomomentâ-neodiminuíaadeterminaçãodeobteraposição,principalmentequan-dosetratavadacadeiradeGramáticaLatina,maisdesejadadevidoaomaiorsalárioeaosprivilégiosatribuídosporleiaosseusprofessores.

Comoasexigênciasemrelaçãoaosconhecimentosdasmatériasaseremensinadasnãoerammuitoelevadas,pessoasquesabiamlereescrever, realizarasquatrooperações fundamentais e conheciamru-dimentosdedoutrinacristãestavam,emprincípio,aptasaseremad-mitidasnoensinodasPrimeirasLetras.ParaascadeirasdeGramáticaLatina as exigências eram, naturalmente,maiores,mas um conheci-mentobásicojáerasuficienteparaaprovarumcandidato.Porisso,al-mejaraconquistadesseempregocomomeiodemelhorarascondiçõesmateriais de vida lançando mão de poucos conhecimentos não era algo improvável,enemsempreessascapacidadeseramapresentadaspelospostulantes comoasprincipais razõesqueos faziammerecedoresdaposição.Apenúriamaterialeraumdosmotivosdabuscapelomagis-tério régio e um argumento forte na construção das candidaturas de muitosprofessores.

OpadreManoeldaPaixãoePaiva,moradordaViladeSãoJoãodelRei,usouemseufavorargumentosfundadosemsuasdificuldadesfinanceiras,mastambémemsuasqualidadesprofissionaisaorequereraoPríncipeRegenteD. João a propriedadeda cadeira deGramáticaLatinadaquelavila,quejáocupavacomoprofessorsubstituto.Emseurequerimentoanexouatestaçõesemitidasporautoridades locaiscomointuitodeatribuirmaiorlegitimidadeàmercêquepostulava.Ocapi-tão-mordaVila,LuisFortesdeBustamenteeSá,formadoemCoimbra,afirmavaseropadre“grandeesingularmestre”,descrevendoemdeta-lhesseueficientemétododeensino.AatestaçãopassadapelaCâmaraexaltavaaatuaçãodopadreManoelnoexercíciodesuasfunçõescomoprofessorsubstituto,afirmandoqueeletrabalhava“comboaeinteirasatisfaçãodosseusdeveres,comasisudeza,ecomportamento,queodistinguenoseuestado,eempregocomainteligência,eerudição,que

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otemacreditado”.Alémdisso,osoficiaiscamaráriosafirmaramqueoempregodeprofessorrégioeranecessárioaopadreManoelporqueelesustentava

suamãeviúva,suairmãdemaioridade,umirmãocego,umacunhada

viúva e paralítica, duas sobrinhasmenores e sobrinhos, que esperam

todosdasuapiedosaliberalidadeosalimentos,quenecessitam,semque

eletenhamaisqueofrutodesuasOrdens,comasquaisnãopodesatis-

fazertãoonerosaspensões.(Requerimento...,1803).

Écuriosoqueopadretenhaacumuladobensconsideráveisape-nas com o “fruto de suas Ordens” e com o sempre atrasado salário de professorrégio,posiçãoafinalobtidaporprovisãopassadaem1805.Aomorrer,em1838,ManoeldaPaixãoePaivadeixoucasanaVila,fazen-dacomcriaçãodegadoecavalos,quasevinteescravos,fartapratariaemobiliário,alémdesetefilhosreconhecidosemtestamentoedecla-radosseusherdeiros.DanumerosaenecessitadafamíliamencionadapelaCâmaraem1803,elesódeixoubenefíciosparaduassobrinhasedoissobrinhos,enãomencionouirmãosoucunhados.Talvezjáestives-semtodosfalecidos(Testamento...,cx.99).

Avacânciadascadeirasatraíamuitospostulantes,movimentan-doumarededeinformaçõesquepoderiamvirtantodasnotíciasquecorriam nas localidades ou da comunicação entre os próprios professo-resquantodoconhecimentoderelatóriosoficiaissobreoquadrogeraldasaulasrégiasemcadaregião.Nofinaldadécadade1790,aCoroaordenou a realização de diagnósticos da situação das aulas régias em MinasGeraisparaquesetomassemprovidênciasquantoàotimizaçãoda relação entre a arrecadação do Subsídio Literário e a manutenção dascadeiraseseusprofessores.Entre1799e1800,D.BernardoJosédeLorena,governadordaCapitania,preparoulevantamentosdascadei-rasexistentes,ocupadasevagas,edosvalorespagosaosprofessores.15

15Há claras discrepâncias entre esse levantamento e dados obtidos em outras fontes,como os registros de pagamentos de professores régios pela Junta da Fazenda, e osatestadosdefuncionamentodeaulasrégias,emitidospelascâmaras,comoexigênciaparaorecebimentodosordenadospelosprofessores.VerFonseca(2010).

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Asvacânciaspodiamocorrerporcurtosperíodosporque,vencidasasprovisões,osprofessoresprecisavamaguardarsuarenovaçãoparacon-tinuar trabalhando. Em decorrência, avolumavam-se requerimentosparaaemissãodenovasprovisõesparaosquejáocupavamascadeiras,mastambémchegavampedidosdaquelesquedesejavamingressarnomagistériorégioemcadeirasvagaspordesistênciaouporfalecimento.

Requerimentos mais simples constavam apenas do pedido deprovisãocontendo,nomínimo,umaatestação favorávelao suplican-te e os despachos dados pelas instâncias competentes. Indicava-se acondiçãodevacânciadacadeirapretendida,asrazõesdeclaradasquemoviamo suplicante a se interessarpelo emprego e, eventualmente,algumas de suas qualidades, tanto em relação a seus conhecimentosquantoàcondutapessoalereputação.Osdocumentostambémindicamos caminhos percorridos e a percorrer pelo suplicante nos meandros da administraçãolocale/oucentralatéobteroempregodesejado.Aleitu-raatentamostraclaramentequeospostulantesaomagistériorégionãosomenteconheciamosrequisitosnecessáriosparasuascandidaturas,comosabiamquemeramasautoridades legitimadasparacomprovarsuascompetênciaseaquemdeveriamrecorrerquandooprocessoes-barravaemimprevistosoudificuldades.

Não obstante as ações da Coroa procurando centralizar nos go-vernadores e bispos as atribuições administrativas relativas ao ensino régio,nãocessouacomunicaçãoentreosprofessoreseaadministraçãocentral.Muitosvoltavam-sediretamenteparaoConselhoUltramarinoou para a Junta da Diretoria Geral dos Estudos em Coimbra em busca desoluçãodeproblemasvariados:queixassobreasdificuldadesemre-ceberemseusordenadosemdia;reclamaçõessobreadependênciaes-tabelecidaemrelaçãoàscâmaras,muitasvezesfaltosasemsuaobriga-çãodeatestaremofuncionamentodasaulas;pedidosdecartasdepro-priedadedascadeiras,paraalémdasprovisões temporárias;pedidosdenomeaçãoaindanãorealizadamesmoapósaprovaçãoemexames.

Esse universo de fontes produzidas no âmbito administrativo e quepermitemaaproximação comos sujeitoshistóricos e suasdinâ-micas sociais acaba por remeter o pesquisador a outros documentosna busca pela reconstrução das trajetórias dos indivíduos e de suas re-

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desdesociabilidades.Refiro-meàsfontesproduzidasforadaesferadoEstadoedesuaadministração,equedizemrespeitoàs instânciasdavidacotidiana,dasrelaçõespessoais,daspráticasculturais:fontesdenaturezanotarialeprocessual,civisoueclesiásticas,comoostestamen-tos,inventários,processosdegenere et moribus,justificações,notifica-ções,açõescíveis,autosdehabilitação,processosinquisitoriais,contasdetutoria,entreoutros.

O movimento de entrecruzamento desses dois conjuntos de fontes–oficialeprivado–tempermitidoacompanharastrajetóriasdeprofessoresrégios,incluindomomentosanterioreseposterioresaoperíodoemqueocuparamomagistério,eanalisarasrelaçõesestabe-lecidascomaeducaçãoeseusimpactos.Noscasosmelhordocumen-tadospercebe-seaconstruçãodasredesdesociabilidades,osconflitosdenaturezapessoal, profissional oupolítica, as estratégias elabora-das para a obtenção de posições e privilégios graças ao lugar ocupado comoprofessores,asingerênciasculturaisereligiosasnaconforma-çãodeideiasedepráticaseducativas.Aexploraçãodessasfontesaju-da a esclarecer muitas características de atos jurídicos e administra-tivos,alémdesemostrarfundamentalnaanálisedeoutradimensãoda história da educação no Brasil colonial: a das práticas educativas nãoescolares,observadasnocotidianodaspopulaçõescoloniaisequeenvolviamaprendizados,trocase/outransmissãodeconhecimentos,saberes,crenças.

Osbonsexemplos,apráticareligiosa,aocupaçãocontraoócio,orespeitoeaobediênciaaomonarcaeàreligiãoseriamasmaiseficazesdimensõeseducativasparaaformaçãodossúditos,eeramconsidera-das,muitasvezes,maisimportantesdoqueoaprendizadodaleituraedaescrita,emboraelenãofossedescartado,mesmoparaascamadasmaisbaixasdapopulação.Essesaspectosexigemolharatentosobreaspráticas culturais e sociais na atuação de homens e mulheres de diferen-tequalidadeecondiçãodiantedadiversidadedesituaçõesdavidaco-tidiana.Nestesentido,asfontesnãooficiaisrelacionadasàsinstânciasmais privadas e cotidianas da vida da população colonial impõem desa-fios.Emalgunscasosépossíveldar-lhestratamentoseriadoequanti-tativo,necessárioquandoofocorecaisobreasestratégiaseaspráticas

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educativasdediferentessegmentossociais,ouquandoacomparaçãosetorna importante para o esclarecimento dos comportamentos educacio-naisdaquelessegmentos.Nessescasos,tornam-senecessáriososrecor-tesdefinidospelacondiçãoeconômica,pelacondiçãojurídica(selivresouescravos),pelacor,pelosexo,pelaorigemgeográfica,pelaprofissãooupelaocupação.Ametodologiada construçãodediferentesplanosde escalas e a construção de trajetórias individuais permite vislumbrar aquelaspráticaseducativasdeformamaisdelineada.

Háváriasvertentespossíveisparaapesquisasobreaspráticaseducativas não escolares, e uma delas vem apresentando destacadopotencial: o estudo das estratégias utilizadas por diferentes segmentos dasociedadecolonialparaorganizaraeducaçãodecriançasejovens,conformeasprescriçõeslegais,ascondiçõessocioeconômicaseasre-ferênciasdenaturezacultural.Utilizandobasicamenteasfontesnota-riaiseprocessuaisderivadasdanormatizaçãodeherançaseorfandade,muitostrabalhostêmdemonstradoaspráticassociaiseestratégiasedu-cativas direcionadas a crianças e jovens órfãos colocados sob a respon-sabilidadedetutores,conformeestabeleciaalegislaçãoportuguesa.16 A despeitodasexigênciaslegais,jámencionadasnestetexto,eracomumnacapitaniadeMinasGeraisquefilhosnaturaisdehomensbrancosdeposses,nãoraroportugueses,emulheresnegras(escravasoulibertas),reconhecidosemtestamento,fossemenviadosaprofessoresparticula-resparaoaprendizadodasprimeirasletras,aomesmotempoemqueaprendiam ofícios mecânicos. A projeção de necessidades materiaisfuturas faziacomquemuitospais,aindaemvida,organizassemessaformadeeducaçãocombinada,equeostutoresresponsáveispelosór-fãosseguissemamesmaorientação.Podiam,assim,criaralternativasnoprocessoeducacionalsemdesobedeceràlegislação.

Essesdocumentospermitem,ainda,delinearastendênciasassu-midas pelos diferentes grupos sociais no estabelecimento das estraté-giaseducativasparaseusfilhos,conformefossem,também,homensoumulheres.MuitasdessasestratégiasdescendemdecostumessecularesvindosdaEuropa,maspouco foramestudadasnocampodahistória

16Ver,paraMinasGerais,Oliveira(2008),Silva(2011),Gorgulho(2011),Paula(2016)eMorais(2009).

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da educação brasileira até recentemente. Famílias mais abastadas ecomalgumaprojeçãopolíticalocal,porexemplo,almejavamoingres-sodeseusfilhoshomensnosseminários,fosseparaseordenaremnosacerdócio ou para se prepararem para os estudos na Universidade de Coimbra.ACoroaportuguesanãopermitiuacriaçãodeuniversidadesnaAmérica,oquetornouatradicionalinstituiçãoportuguesaoprin-cipal destinodos jovensde famílias abastadas que consideravames-tratégico para elas ter ao menos um de seus membros formados em Portugal.Eraoqueabririaasportasparaposiçõesimportantesnaes-truturajurídicaeadministrativadoImpério.Noentanto,paraexpres-sivo número de famílias abastadas, geralmente ligadas às atividadescomerciais emineradoras, a formaçãouniversitária emCoimbranãoerafundamental,valendomuitomaisoconhecimentodaleituraedaescrita,daaritméticaedeassuntosligadosaosnegócios.17 Seriam essas famílias as principais contratadoras do trabalho de professores parti-culareseaquelasquedepositaramalgumaconfiançanasaulasrégiascriadasapartirde1759,mesmoquedepois tenhamsedesencantadocomseusresultados.

Segmentossociaismaismodestos,constituídosdebrancos,ne-grosemestiçoslivres,vislumbravamalgumtipodeinserçãoeducacio-nalque lhespermitisseprocurarmelhoresposições.Aprendera lerea escrever ajudava no ingresso em atividades como a de escrivão em algumainstânciapública,ouescreventeeguarda-livros,cuidandodaescrita e da contabilidade de negócios no comércio ou em fazendas de agriculturaecriaçãodegado.Éclaroquetambémnessescasosoma-gistério régio ou a ocupação como professores particulares não somente representavapossibilidadesdeganhodasubsistência,comopoderiamconcederalgumprestígioaoindivíduopelosaberdoqualeleseapre-sentavacomodetentor.

O universo da educação feminina também pode ser vislumbra-dopormeiodasfontesdenaturezanotarialeprocessual,poisemboratenham menor visibilidade na documentação produzida até o início do séculoXIX,asmulheresdeixavamsuasmarcas, atuandocomomães

17DiscussãonestesentidofoirealizadaporValadares(2004).

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tutorasdeseusprópriosfilhos,aprendendoalereaescreverquandopossíveletambémenfrentandoasdificuldadesdaorfandadeedoaban-donoemsituaçãodepobreza.Nessescasos,aspráticasassistencialistasassociadas às ações dos poderes locais em relação às crianças órfãs po-breseàsexpostasenviavamasmulheresparaoaprendizadodeofícioscomoacostura,obordadoeatecelagem,meiosconsideradoseficazesparaafastarasmeninasdastentaçõesdomundoedopecado.Issosemcontarorecursoàeducaçãoquepoderiaocorrernosconventosenosrecolhimentos.Asaçõesdospoderes locaisnessescasosvariavamdaelaboraçãodecondiçõesdeassistência–comoopagamentoaoscria-doresdecriançasexpostaseaatençãoàsuaeducação–atéousodaviolênciadoEstadoedaleipararetirarosmarginaisdoconvíviosocial.Os documentos produzidos para e pelas câmaras são férteis em infor-madoresdasconcepçõesedaspráticasqueenvolviamessassituações,principalmentenosnúcleosurbanos.18

Oestudodepráticaseducativasrelacionadasagruposespecíficos–mulheres,órfãos,tutores,negrosemestiços,pobres,ricos,lavradores,oficiaismecânicos,entreoutrospossíveis–requeroseudelineamentocomopartesintegrantesdapopulaçãoparaquepossamserdevidamen-tecaracterizados,bemcomosuaspráticas.Éprecisodeterminardequesujeitossetrata,suasdiferentesposiçõessociais,suaorigemétnica,suacondiçãojurídica.Paraisso,orecursoametodologiasutilizadasnahis-tóriademográficaéfundamental,poisajudaaestabelecercritériosdediferenciaçãoeclassificaçãopormeiodosquaissequalificaaanálisedasdiferentespráticaseducativasconformeosgruposeaidentificaçãodepontosemcomum.Essessãoelementosimportantesparaumaaná-lise de fundo sobre as concepções educacionais e as práticas educativas presentesnumasociedadeemqueaescolaeraaindaumainstituiçãonascenteequeestavalongedeconsideraraeducaçãoumdireitoeumanecessidade.

Compreendendo-se a história da educação para além da histó-ria da educação escolar,movimento exigidopor quem sededica aoestudodoperíodocolonialnoBrasil,pode-seavançarnaanálisedo

18 Sobre as possibilidades de estudo das práticas educativas envolvendo as mulheres nesse período,verJulio(2013).

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processohistóricodesdequandoasociedadeapenascomeçavaacon-vivercoma instituiçãoescolar, equandoaindanãoatribuíaaelaopapel central nos processos educativos possíveis e mesmo necessários na época. A educação no ambiente familiar, profissional, religioso,público ou privado ocorria cotidianamente e era compreendida por muitos como educação, segundo as concepções correntes. Para suaapreensão,ressaltaaimportânciadotrabalhocomdocumentosaindapoucoutilizadosnahistoriografiadaeducaçãobrasileira,embora jábem conhecidos dos historiadores dedicados ao período colonial em outroscamposdepesquisa.

A capitania de Minas Gerais apresenta-se como um espaço privi-legiado para o estudo da educação no período colonial pela diversidade deelementosquepermitemaconstruçãodevariadagamadeproble-masdeinvestigaçãoerevelamariquezadasrelaçõespossíveisnaquelarealidade:seuperfilmaisurbanizado;adiversidadepresentenacons-tituiçãodesuapopulação;amobilidadedosindivíduosnoespaçogeo-gráficoetambémsuasdiferentespossibilidadesdeocupação;aausên-ciadasinstituiçõesligadasàsordensreligiosas;aforteatuaçãodasas-sociaçõesreligiosasdeleigos;apráticausualdacontrataçãodemestresparticularesparaoensinodascriançasejovens;aexpansãorelativadasaulas régias pelas diversas comarcas da Capitania entre os anos 1772 e 1820;asimportantesatividadesqueenvolviamoaprendizadodosofí-ciosmecânicos;apresençaexpressivadepadresnoensinoparticulareespecialmentenoensinorégio;aimportânciadascelebraçõescívicasereligiosascomoinstânciasdeformaçãodacivilidadecristã;arecorrên-ciadeestratégiaseducativasusadaspelosdiferentesgrupossociais,sejaparagarantiradistinçãoouasobrevivência.

A busca pelas diferentes práticas educativas num cenário de tal complexidadeexigeumtrabalhocomigualcomplexidadedocumental.Mesmo no âmbito da educação de natureza escolar ligada ao Estado ouàIgreja–emqueseriaesperadolocalizarmaisfacilmenteasfontesrelacionadasnointeriordaestruturaadministrativa–aordemdocu-mentaléregidaporlógicasdiferentesdaquelasquehabitualmenteseencontramparaosperíodosposterioresà independênciadoBrasil,oque tendea tornaro trabalhoumpoucomaisdifícil e lento.Noque

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Concepções e práticas de educação em Minas Gerais colonial • 51

dizrespeitoaoEstadoportuguês,asmudançasdedireçãoquantoaosórgãos administrativos que seriam responsáveis pela educação pú-blica, sobretudonoperíodopós-pombalino, aprofusãodedocumen-tos legais e a dispersão de funções pelas diferentes instâncias orienta apesquisaemdiversasfrentes,favorecida,felizmente,pelafarturadefontesrelativasaMinasGeraisdepositadasemarquivosnoBrasileemPortugal.Quandosetratadoquetemosdenominadopráticaseducati-vasnãoescolares,adiversidadedocumentaléaindamaior,extrapolan-dooâmbitodasfontesproduzidasnasinstânciasdegoverno,centraloulocal,eabrangendoasdimensõesprivadasdavidadaspopulaçõesdaCapitania.Praticamentequalquertipodefontedessanaturezanostrazindícios daquelas práticas e permite a problematizaçãodediferentessituaçõesemqueaeducaçãoeainstruçãoestavampresentes,conformeasdefiniçõesquetemosprocuradoidentificarparaessasduasnoçõesàquelaépoca.Talesforçotem,certamente,contribuídoparaoavançono conhecimento das diversas manifestações de educação na capitania de Minas Gerais e colaborado na abertura de muitas possibilidades de estudo sobre um período histórico ainda relativamente pouco visitado pelahistoriografiadaeducação.

rEfErências

ADDICÇOENS aOrphanologiaPratica,obraposthumaquedeixoucompostanaLinguaLatinaoDezembargadorAntoniodePayva,ePona,traduzidaporJosédeBarrosPayva,eMoraesPona.Porto:OfficinadoCap.ManoelPedrosoCoimbra,1761.

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ATESTADO comprovando a boa formação e os bons costumes de José Simplício Gui-marães,oquepossibilitasuaadmissãonoSemináriodoJaguara.Manuscritos.RiodeJaneiro:BibliotecaNacional,1807.

CÓDIGOFilipino,ouOrdenaçõeseLeisdoReinodePortugal:recopiladaspormandadod’elReiD.FilipeI.Ed.fac-similarda14ªed.,segundoaprimeira,de1603,eanona,deCoimbra,de1821porCandidoMendesdeAlmeida.PrimeiroLivro.Brasília:SenadoFe-deral;ConselhoEditorial,2004.

CONTAdetutoriadoórfãodofalecidoTenenteCustódioJosédeAlmeida.1799.ArquivodaCasaBorbaGato/InstitutoBrasileirodeMuseus,CPO/CT.

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52 • HistóriadaEducaçãoemMinasGerais|1.Colônia

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ConcepçõesepráticasdeeducaçãoemMinasGeraiscolonial•53

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RELATÓRIOdoMarquêsdeLavradio,Vice-ReidoRiodeJaneiro. (1779).Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,n.IV,1842.

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REQUERIMENTOdeJoaquimJosédeAraújo,solicitandoquesejaadmitidonoseminá-rioparaquepossareceberaulasdeprimeirasletras.Manuscritos.RiodeJaneiro:Biblio-tecaNacional,1807b.

REQUERIMENTOdopadreFranciscodaSilvaCampossobreacatequeseecivilizaçãodosíndiosdaCapitaniadeMinasGerais.(1801).Revista do Arquivo Público Mineiro,v.2,n.4,p.685-688,1897.

REQUERIMENTO do padre Manoel da Paivão e Paiva solicitando nomeação para cadeira degramaticalatinadaViladeSãoJoãodelRei.ArquivoNacionaldaTorredoTombo/MinistériodoReino,maço3518,1803.

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TESTAMENTOdopadreManoeldaPaixãoePaiva.ArquivoHistóricodoMuseuRegio-naldeSãoJoãodelRei/IPHAN,caixa99.

VALADARES,VirginiaTrindade.Elites mineiras setecentistas: conjugação de dois mun-dos.Lisboa:Colibri,2004.

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o verBo e a carne: discursos e agentes na conversão dos gentios em Minas Gerais, 1755-18311

Álvaro de Araújo Antunes2

Noanode1764,cercadevinteindígenasCoroados,CoropóseGuarulhosadentraramVilaRica,causandoconsiderávelalvoroço.3 Movido pela excentricidade do evento e pelaobrigaçãodecumprircomasnovasdiretrizesfixadaspela

Coroaparaotratamentodogentio,ogovernadorLuísDiogoLobodaSilvatratouosvisitantescomcordialidade,vestindo-osepresenteando-oscomferramentasfeitasdeferro.4Umgestosimples,masquepermi-tia entrever os objetivos da nova política indígena e os interesses mais contingentesdogovernodeMinasGerais.

1OsresultadosapresentadossãopartedapesquisaO saber das letras: condições, agentes e práticas de ensino nas Minas Gerais (1750-1834),financiadapelaFundaçãodeAmparoàPesquisadeMinasGerais(Fapemig),pormeiodeprojetodeDemandaUniversalepeloProgramaPesquisadorMineiro.2DoutoremHistóriapelaUniversidadeEstadualdeCampinas(Unicamp),éprofessoradjunto da graduação e da pós-graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto(Ufop).IntegraoGrupodePesquisaCulturaeEducaçãonaAméricaPortuguesaecoordenaoGrupoJustiça,AdministraçãoeLutaSocial.ÉbolsistadeProdutividadedoProgramaPesquisadorMineirodaFapemig.3 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Caixa 83, Documento 16, Código 7022. Odocumento foi analisado por Maria Leônia Resende (2003, p. 145), que transcreve“Gavelhos”emvezdeGuarulhos.4Naquelaaltura,vigoravamasdeterminaçõesdaleide1755easdiretrizesdoDiretóriodos Índios, de 1757. A lei de 1755 determinava a liberdade dos indígenas, reeditandoresoluçõesanteriores.ODiretórioestabeleciaumasériedeposturasparaacivilizaçãoeadministraçãodosindígenas.Paramaioresinformações,consultarSilva(1828).

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Ospequenospresentesofertadospelogovernadorsugeriamoin-tentodetornarosíndiosúteisaoEstadoeàIgreja.Entretanto,paraco-optá-losnãobastavaapenasvestireinstrumentalizarparaotrabalho.Eranecessárioconverter,conduzirdabarbárieàoutraversãodehuma-nidade,acivilizadaecristã.5Segundoorelatodogovernador,haveriaumapredisposiçãodogrupoparaabraçarareligião.Nasuapresunção,ogrupoteriavindoaVilaRicacomaintençãodeserbatizado.Tratava-se,evidentemente,deumainterpretaçãodointeressealheio,umavezquenãohaviaalininguémquepudessecompreenderoidiomadaquelesindígenas,oqueteriainviabilizadoaconcessãodosacramento.

Passadosalgunsdias,umnovogrupoformadopormaistrintaindígenas procurou Luís Diogo Lobo da Silva e recebeu a mesma aco-lhida,comconvenientesvestimentaseúteisinstrumentosparaader-rubadadasmataseparaoplantio.DessavezogovernadoracionouoCabidodaSédeMariana,quedesignouparabatizarogrupoovigáriodaFreguesiadeOuroPreto,AntónioCorrêaMaring.Entretanto,pormais“esforço”e“bomânimo”queovigáriotivesseparacomtodososindígenas,somenteascriançasseriambatizadas.Osgentiosadultos,pecadoreseapartadosdoseiodaIgreja,nãopuderamreceberosa-cramento,jáquenãohaviacomoconfessarasfaltas,napresunçãodequeosindígenasassoubessem.6 Novamente se interpôs o óbice da co-municação,bemcomoodesconhecimentodooutro,dosseusvaloreseintenções(Arquivo...,2016a).

Em razão das novas diretrizes estabelecidas para a redução dosindígenaseemfunçãodacarênciadepessoalpreparadoparaaconversão,ogovernadorescreveuparaFranciscoXavierMendonçaFurtado, secretário deEstadodaMarina e doUltramar, pedindomelhores condições para a civilização e para a cristianização do gentio da terra. A justificativa do pedido revelava o interesse deampliar o grêmio da Igreja e, sobretudo, de aumentar as “forçasdopaís”.Talpropostaseriaumarespostaaomomentodedecrésci-

5ConformeFernandBraudel(1972,p.159-160),otermocivilizaçãonascenaFrançaemmeadosdoséculoXVIII,tendocomoantípodaabarbárieecomoantecedentesoverbocivilizareoadjetivocivilizado.NoséculoXVIII,acivilizaçãotrilhariaocaminhoidealdeprogressointelectual,técnico,moralesocial.Cf.Fonseca(2009).6Otermogentioerautilizadonaépocaparadesignarinfielepagão.Cf.Soares(2000,p.103).

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modaextraçãoauríferaediamantíferaporquepassavamasMinasGerais(Pinto,1979).

Diantedaconjunturaeconômicadesfavorável,LobodaSilvaeosdemaisgovernadoresdacapitaniaqueosucederambuscaramampliaroterritório,dotá-lodemecanismosdecontroleeviabilizaraexplora-çãodassuasriquezas.Comessepropósito,oindígenaorafoiestrategi-camenteignorado,orarepresentouumobstáculoasereliminado,oraumaliadoasercooptado,poisatravésdeles“poderemosaumentarasforçasdopaísdequetantosecarecedetodasascompetentes”,sugeriaogovernadorLobodaSilva(Arquivo...,2016a).

Umareservadehomensemulherespodiaserexploradaesesa-biamosmotivosparafazê-lo.Mascomomobilizaraforçapotencialdosindígenasparaobenefícioda colôniaportuguesanaAmérica?Quaisdisposições e instrumentos foram estabelecidos para reduzir o gentio da terra?Quaisprovidênciasseriamtomadasparaenfrentaraalega-da falta de pessoas capacitadas para se comunicar com os indígenas edifundiraPalavradeDeus?Quepessoassedispuseramapenetrarossertõesparainstruir,catequizarecivilizaros indígenas?E,funda-mentalmente,quaisdiscursosforampostuladospelasautoridadesparajustificaraaçãodiantedosindígenas?

As questões apresentadas serão abordadas neste capítulo quetrata da conversão e educação indígenas em Minas Gerais entre os anos de1755e1831.Aarbitrariedadedesserecortenãoignoraadiversidadeeapersistênciadasformasdeserelacionarcomogentio.Dapromulga-çãodaleiquedeterminavaaliberdadedosíndios,datadade1755,atéofimdaquedeclaravaguerrafrancacontraosbotocudos,em1831,muitomudouemuitocontinuouigual.Aviolência,contudo,nãodeixariadeserumaconstante,sejaamatizadanaeducaçãoenodiscursosobreooutro,sejaaescancaradapelaforçadasarmas.

“pOlir na GuErra O bárbarO GEntiO”: Entradas, rEduçõEs, administraçõEs

Uns poucos e conhecidos versos de Cláudio Manuel da Costa (1966), sintetizamumadas formasde se lidar comos indígenasnas

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MinasGerais:“polirnaguerraobárbarogentio/queasleisquaseigno-roudanatureza”.7Anoçãodenaturezaexpressanosonetodopoeta-ad-vogadosereferemenosàsmatasebrenhasdoqueàcondiçãohumana,àsleisnaturaisinfundidasemtodos.8Contudo,paraCláudioManueldaCosta,osindígenasignoravamasleis,oqueoscolocarianacondiçãodegentiosbárbarosquedeveriamser“polidospelaguerra”.

Aindaquenãoapareçanossonetosdopoetaapalavracivilizaçãoouoverbocivilizar,essaideiasubjazaoverbo“polir”.Essetermopode-riaserentendidocomooatodeeducar,desembrutecer,apararasares-tasnaturais,civilizar.9Nosversos,noentanto,anoçãode“polir”revelaumafacetacivilizatóriacujaviolênciaémenossutil.Polirerapoliciar,dominar,reduzirpelaguerra.

Éimportanteconsiderarqueosversosexpressavamumsistemadereferenciaisevaloresrelativamentecompartilhadosàépoca.CláudioManueldaCostadirigia-seaoleitornaexpectativadeverreconhecidasuaopiniãosobreosindígenas,aqualdeveriaagradar,aomenos,aopa-tronoaquemdedicavasuaobra,oCondedeValadaresegovernadordacapitaniadeMinasGerais,JoséLuizdeMenezesAbranchesdeCasteloBranco.Este,em1769,criouduascompanhiasdetropaspedestrespa-gas pela Fazenda Régia para percorrerem os sertões e lidarem com suas ameaças.SegundoCasteloBranco,a iniciativateriasidoexitosa,poispelasarmasseestabeleceraapazemseisaldeiasdeíndiosnoCuieté,região pertencente ao termo da cidade de Mariana (Biblioteca Nacional doRiode Janeiro–BNRJ, 2015).Autilizaçãodas armaspara polirosgentioseraumaestratégiaconhecidapordiversosgovernadores,in-cluindoosantecessoresdoCondedeValadares.

EmmeadosdoséculoXVIII,JoséAntonioFreiredeAndrade,segundoCondedeBobadela,teriaexpandidoasfronteirasdecontatocom os indígenas ao estabelecer a povoação do Cuieté na margem sul doriodemesmonome,afluentedoRioDoce.Comissoogovernador

7Disponívelem:<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000071.pdf.>.Acessoem:28nov.2015.8 EssaLeiNatural pode ser entendida comoos “primitivos princípios, que contémasverdades essenciais, intrínsecas, e inalteráveis [...] que os Direitos Divino e Natural,formalizaramparaserviremdeRegrasMorais,ecivis”(Almeida,1870,p.725-727).9Sobrecivilização,paraalémdosautoresjácitados,verElias(1990).

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desejavacriarcondiçõesparaqueoslavradoresquealiviviampudes-semexaminaroscórregosàprocuradeouroe,paraisso,importavaqueestivessemlivres“dos índiosquehabitavamosmatosvizinhos”(Arquivo...,2015).

A repressão armada contra os indígenas se manteria no gover-nodeLuísDiogoLobodaSilva,de1763a1768,nãoobstanteestives-seassociadaàaçãocatequéticaprimária,comosenotanodocumentoanalisado na introdução deste capítulo. Essa disposição apresentouavançoscomanomeaçãodopadreManoeldeJesusMaria,queatuouentreos índiosCoropóseCoradosnosertãodoRioPombaePeixe.10 Aparentemente, Lobo da Silva seguia as determinações doDiretóriodos Índios, promovendo o cristianismo, estimulando a agricultura ecuidandodainstruçãodosgentios(Directorio...,2015).

Mas a violência não deixava de estar presente na transforma-çãodos“bárbarosgentios”em“úteisasi,aosmoradoreseaoEstado”(Directorio..., 2015). Lobo da Silva promoveu a redução forçada dosindígenas e levantoubandeiras contra os índiosdoCuieté (Resende,2003,p.78).Paraviabilizarafixaçãoeampliaçãodosnúcleosurba-nosemregiõesdefronteira,ogovernadorenviouaossertõesvadiosefacínorascondenadospelajustiça(Arquivo...,2016b).Motivadopelaseventuais descobertas auríferas no interior de Minas Gerais e lidando com índices decrescentes de arrecadação de impostos, o governadorDiogo Lobo da Silva e seu sucessor, Castelo Branco, empreenderamumapolíticaagressivacontraosindígenas.11

Uma mudança no discurso referente aos aldeamentos pode ser percebidacomDomAntoniodeNoronha.Emcartade1775,Noronhacriticava veementemente seus predecessores no governo de Minas Gerais,considerandoinjustaaguerraabertacontraosgentios.Naspa-lavras deNoronha, o tratamento “inumano” conferido aos indígenaspelos seus antecessores teria servido apenas para afastá-los da civili-zaçãoedacristandade (Arquivo...,2015).De formadistintadaapre-

10Nestecapítulosãoutilizadasasdesignaçõesapresentadasnosdocumentosdeépoca,oqueexplicaaflexãodosnomesdasetniasnoplural.11SegundoHarufEspíndola(2005,p.51-52),“oscapitães-generaisdacapitaniadeMinasGerais,apartirdeLuizDiogoLobodaSilva(1763-1768),tiveramopensamentovoltadoparanovasdescobertasdeouroquegarantissemosníveisdeprodução”.

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sentadanos versosdeCláudioManuel, a questãodahumanidade seapresentavacomoargumentoparaseaproximardosgentios,reduzindoosefeitosnocivosdaexacerbaçãodaalteridade.

Do discurso à ação, o governador Noronha extinguiu as duascompanhiascriadaspeloCondeValadares,pois“areligiãonãodeveseintroduzircomarmas”.Defato,duranteseugoverno,algunsreligiososestariam atuando em aldeamentos indígenas na região do Rio Pomba edoCuieté.Jáasaldeiasde“índiosbravos”,localizadasmaisnadivisadeMinasGeraiscomoEspíritoSanto,serviriamaopropósitodeevitarodesviodeouroediamantes.Logoosíndiosisoladosdeveriamsercon-servadosemsuasaldeias,“enquantonãoderemcausaaqueselhesfaçaguerraofensiva”.Ouseja, aindaquecondenadaaguerra, a condiçãoparaautilizaçãodaforçaarmadaestavaabertaegarantida.12

Em1798oDiretóriodosÍndiosfoiextinto.13 O desmantelamento dasestruturasadministrativasdosaldeamentos,adiminuiçãodasex-pediçõescontraosindígenaseosconstantesconflitosentreesteseoscolonos gerou um sentimento de instabilidade nas fronteiras de Minas Gerais.Em1806,aJuntaAdministrativaeaFazendaRealsereuniramsobapresidênciadogovernadorPedroMariaXavierdeAtaídeeMeloparadeliberarsobreoauxílioaoshabitantesdafronteiraqueestariamsendo“devoradospelobárbaroantropófagobotocudo”(Resende,2003,p.90).DestacamentosdeguardasforamestabelecidosnoRiodoPeixe,noRioCascaenaBarradoRibeirãoBelém.14

Juntamente comessas ações estratégicas, a retomadadodis-curso contra a antropofagia serviu de justificativa para uma reaçãoagressivacontraosBotocudos.Talargumento,agregadoaodesocorroaos“miseráveishabitantesdossertões”,levouàdeclaraçãodeguerracontraosBotocudos,queseestenderiade1808a1831.Naslinhasda

12 OquesenotanoperíododogovernodeNoronhaéorecrudescimentodasentradaspromovidasporparticulares, oque,naopiniãodeResende,demonstraumadistânciaentreodiscursodogovernadoreapráticaeosanseiosdoscolonos(Resende,2003,p.71).13 Aindaque,naprática,osistemadoDiretóriocontinuasse funcionandoemdiversaslocalidadesdoBrasil,incluindoMinasGerais(Espíndola,2005,p.127).14Em1807,haviapresídiosemCuieté,AbreCampo,PonteNova,SantaRitadoTurvo,Pomba, São João Batista, Guanhães e Peçanha. Os presídios eram lugares militaresdestinadosàdefesa e civilizaçãodos índios e à supressãodo contrabando (Espíndola,2005,p.59).

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leide1808,lê-sequeaguerraseriaocaminhoescolhidoparadotarosíndios“dosbenspermanentesdeumasociedadepacíficaedocede-baixodasjustasehumanasleisqueregemosmeuspovos”(Espíndola,2005,p.120).15

Consonante ao espírito da época evidenciado nos versos de CláudioManueldaCosta,DiogoPereiraRibeirodeVasconcelos(1994,p.157)questionavaosgastoseosresultadosdasreduçõesepreconiza-va:“aforçaéfeitaparahomensincapazesdeeducaçãoeprincípios[...]talvezassimobreaforça,oquedabrandurasenãotempodidocon-seguir”.Orecursoàforçacontraosindígenasapareceriaemdiversosdiscursosdaépoca.Essarecorrênciarevelava,paraalémdaconcretu-dedosfatos,umaperspectivaconfiguradaporvaloresmaisoumenoscompartilhadosedifundidos.ConformeponderaAlcirPécora,faztodaa diferença apontar os argumentos ou as tópicas mobilizadas “para lidar comomundonovo americano oupara lidar coma justificaçãodesuasprópriascrençasemrelaçãoaomundo”(Pécora,2006,p.12).Reconheceropoderdasarmas,mastambémdaspalavrasno“enreda-mento”econquistadooutroé,portanto,fundamental.

a carnE quE lEva à palavra: “Ensinar aquElEs misErávEis O caminhO da salvaçãO”

O discurso é um mecanismo capaz de “inventar mais discursos paralidarouagircomosfatos”.Pelosdiscursossãopostuladas“certasverdades capazes de atuar no real e não de ser emanação dele ou de sua essência” (Pécora,2006,p.13).Oreconhecimentodaalocuçãocomoalgo capaz de atuar no real confere à palavra não apenas uma força per-formativa, como tambéma introduzemum jogode forçasbemcon-cretasquegerenciamosregistrosescritosequecriamversõessobreoseventos.Maisdiversasserãoasversõesquantomaiorforocontingentedepessoascapazesdeformulá-laseregistrá-las.Localizarnahistóriaessesagentesdodiscursoeanalisarseusrelatospermite,portanto,am-pliaroquadrodasversõessobreaconversãodosindígenas.

15SobreosbotocudosemMinasGerais,ver,entreoutros,Matos(2002).

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Os relatos dos religiosos acerca dos gentios serviram para “cons-truir realidades” e revelar cenários alternativos,mas que, por vezes,reafirmavam a necessidade de reprimir pela violência das armas osselvagens.16Outrasvezes,contudo,osrelatosdessespadressecondu-ziampelavalorizaçãodasuaaçãocatequista,instrutivaecivilizadora.Umaperspectivadistintadaquelesque,comoDiogodeVasconceloseCláudioManueldaCosta,parajustificaraaçãomilitar,apregoavamaferocidade dos indígenas e a inutilidade das reduções e da ação missio-náriaeeducadora.

Ao aproximar educação e civilização, aspectos centrais para oquevemsediscutindoaqui,ThaisNíveadeLimaeFonseca(2009,p.17)considerouque:

A idéia de educação associada à de civilização envolvia diferentes as-

pectos e podia manifestar-se no comportamento e nos costumes na sua

dimensãomoral,naspráticasdotrabalhoedeprodução,nasrelações

entre as pessoas e as instituições e para cada um desses aspectos pode

severificaraconstruçãodediscursoslegitimadoresejustificadoresde

práticasquevisavamcorrigirosdesviosdaquelasociedade.

Asrelaçõesqueoseducadoresecivilizadoresestabeleciamcomasinstituiçõesenvolviamaproduçãodeverdades,nasquaiserareconheci-daaforçadapalavra.Umaforçaquenãoserestringiaapenasaregistrarumamemóriadosupostoocorrido,mastambémapromoverumreal.

Opotencialtransformadorecriadordapalavraficaaindamaisevidentequandoconsideradaadimensãosagradaaelaatrelada.Nosé-culoprimeirodaeracristã,João,oEvangelista,assumiuaprimazianadefesadaascendênciadivinadeJesusaocaracterizá-locomoPalavrae/ouVerboencarnado.Joãoescreveuqueocriadordeumatériaàsuavontadee,muitoalémdomundoqueconcebera,fezdesiprópriocarne.

16ConformeAdrianoPaiva(2010,p.36),em1750,oprimeirobispodeMinasGerais,DomFreiManueldaCruz,observouqueafreguesiadeGuarapirangaestavaconstantementeameaçadapelos indígenasqueprovocavamdistúrbios,mortese roubos.Em favordosmoradoresdalocalidade,oreligiosopediupermissãoparaa“guerrajusta”contraosíndios.Sugeriaaindaqueos índiosqueescapassemdamortefossemapreendidosevendidos,“por ser gente sem lei e rei” e, como cativeiro, receberiam “o benefício danossa fé”.

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Assim,“aPalavrasefezhomemehabitouentrenós”(Bíblia...,1990,p.1353).OVerbotornou-secarneeaPalavracaminhouentreoshomenserecebeuonomedeJesusCristo.Comoprovadasuadivindade,Jesuspromoveumilagres, revelouaverdadeeensinouaosseusdiscípulos.InspiradospeloEspíritoSanto,Lucas,MarcoseMateusrelataramporescritoosensinamentosdomestreeratificaramsuacondiçãodeenvia-dodivino.

A crença no Verbo que se faz carne tornou-se o alicerce daIgrejaCatólica.CiosadaimportânciadaPalavra,aIgrejafundadaporPedrobuscouavidamentecompreenderecontrolarossignificadosdasSagradasEscrituras.Nãopormenos,oConcílioTridentinodeterminouqueospregadorestransmitissemdeformaoral,nospúlpitos,averdaderevelada(Hansen,2010,p.23).Estabelecia-se,assim,umfiltroespe-cializadodeacessoàpalavraescritaque,emsuaorigem,nãodeixavadeserdivinaeescrita.

Nos seminários, conventos, universidades, igrejas e escolas, averdadeeraalcançadapelaexegesequealmejavaosentidoliteraldostextossagradosedoutrinaisparabemexpressá-losnosexamesescola-resenahomiliadasmissas.Oaprendizadodetécnicasespecíficasdehermenêuticaparaotratamentodasescriturasfortaleceriaacrençaemumaverdadeessencial.Omodelogeneralizadoderetóricaaristotélica,porsuavez,dotariaformalmenteospregadoresdeautoridadeecapaci-dadeparaconduzirosneófitosaoseiodaIgreja.EmtornodapalavraedaverdadereveladapeloVerboquesefezcarneformou-seumdiscursoquepromoviaejustificavaadifusãodafécristã.

Considerar a dimensão da palavra, divina e escrita, é funda-mentalquandoseanalisaaaçãoconquistadora,catequéticaeinstru-tiva.AdifusãodaPalavradivinadeveriaserumadascausasdaaçãomissionária,umaaçãopromovidaporpadressecularesque,nasbre-nhasdasMinasGerais,buscaramtransformarferasemhomens.Ore-sultadodesseprocessopoderiaserimperfeito,incompleto,massem-preresultariaemalgodiferente,novo.Nestesentido,éemblemáticoocasodePedroMota,indígenaCoroadoque,talcomooapóstolodoseunome,contribuiuparafundaraIgrejaentreosdasuanação.ParaosCoroados,opadre-índioPedrofoicatequizador,professor,enfim,

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aquelequesabiamanejaralínguaeconvertervaloresdaPalavra.Osrelatos sobre esse e outros casos ainda pouco conhecidos pela histo-riografiatêmmuitoarevelarsobreastentativasdecatequização,ins-truçãoeconversãodosgentios.

É comuma afirmação de que erampoucos os professores noBrasileemMinasGeraisnoperíodocolonial.Matizandoessacrençaprecipitada,algunstrabalhosmaisrecentestêmconfirmadoaexistên-cia e a atuação de um grupo considerável de professores na capitania de MinasGerais.17 Os padres compuseram esse corpo de docentes coloniais eaturamnasvilaseentreosindígenasnaintençãodeconvertê-los,mastambémdeinstruí-losnosofíciosmanuaise/ounasprimeirasletras.

Nãohá,porém,comoignorarquemuitosregistrosindicamumaausência de pessoas capacitadas para a instrução dos gentios.18 Para alémdorelatodogovernadorLuísDiogoLobodaSilva,outrosdocu-mentostêmapontadoparaafaltadematerialhumanoparaconverterosindígenas.Aslocalidadesmaisafastadaseassediadasporindígenaslastimavamaausênciadepárocos,vigáriosoucapelães.Essavacaturaeraexplicadatambémpelo“perigodoscaminhos”,peloriscodecon-viver com os indígenas e pelo fato de os padres “não receberem côn-gruasparaasuadecentesustentação”(ArquivoNacionaldaTorredoTombo–ANTT,maço6).Porisso,emfinaisdoséculoXVIII,somenteum padre se apresentaria para preencher uma das vagas abertas nas igrejasdeNossaSenhoradaPenadoRioVermelho,deNossaSenhoradaConquistadoCuieté,deNossaSenhoradoPiumhi,deSantoAntoniodoPeçanhaedoEngenho(ANTT,maço6).

Entretanto,emoutrosmomentosetendoporbaseoutrosregis-tros,opanoramadoensinoedacristianizaçãodosindígenasmostrar-se-iamaispromissor.EstímulosconcedidospeloEstadoepelaIgrejacontribuíram paramotivar alguns clérigos à tarefa missionária. Um

17Paraumbalançosobreoassunto,verAntunes(2015).18 Segundo Haruf Espíndola (2005, p. 54), “não havia quem se dispusesse, volunta-riamente, a ir para lugares tão afastados do centro da capitania. A população dospresídios reclamava a presença de sacerdotes para os ofícios religiosos e para o trabalho missionáriojuntoaosíndios,porémogovernonãoencontravaninguémqueseoferecesseparatalserviçonemmediantevantagens,excetoopadreManoeldeJesusMaria,queseofereceuvoluntariamente”.

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incentivoimportanteveiocomaordemde1764,que“determinavaqueosclérigosquetivessematuadonacatequesedosíndiosteriamprefe-rênciasobreosoutroscandidatos”(Resende,2014,p.122).NobispadodeMariana,diversosforamoscargosabertosàconcorrência.Alcançaralgumcanonicatoouvigariarentávelserviriadeestímuloparaqueal-gunsreligiosos,escoradosnaordemde1764,sesentissemtentadosadifundir a palavra de Deus entre os gentios e moradores das aldeias edificadasnasfronteirasdacivilização.

Ademais, vigarias de algumas localidades mostrar-se-iam se-dutoras o suficiente para atraírem os religiosos. A Freguesia deGuarapiranga,porexemplo,queeraassediadapelosataquesdosindí-genasnaépocadeDomFreiManueldaCruz,primeirobispodeMinasGerais,estariamaisseguraeprósperaemfinsdoséculoXVIII.SegundoCaioBoschi,nessaépocaGuarapirangacontavacomcercade5.200ha-bitantes;destes,3.600comungavam,easrendasparaovigáriochega-riamentre5e6milcruzados,osuficienteparafazercomquepadresdispensassempostosmaisaltosdecanonicatos(Boschi,2011,p.249).Alémdosdízimos,odesenvolvimentodedeterminadasáreasrepresen-tariapossibilidadedeenriquecimentoaosreligiosos,umavezquenes-sasregiõesdefronteiraabertapoderiamadquirirsesmariascommaisfacilidadeeusufruirdamãodeobraindígena.

As vantagens econômicas e a vocação missionária levariam os padres aos sertões.No total, foram identificados, até omomento, 15clérigosqueatuaramcomosindígenasemMinasGerais.19Enquantoaexistênciadessesindivíduospermiterelativizaraideiadeumtotalva-ziodepessoalcapacitadoparaainstruçãodosindígenas,suasnarrati-vasdãomostrasdadifusãodaspalavras,divinaeescrita,nasfronteirasdacivilização.

Geralmente,nosrelatosossertõessãocaracterizadoscomoumespaçorepletodeperigos,reaiseimaginados.Aescassaeocultagen-te que os habitavam eramerecedora de desconfiança e responsabili-zadaporatosabomináveiscomoaantropofagia.Sobreesseambientee essa gente se projetava um medo gerado na e pela sociedade e auto-

19 São resultados parciais do projeto O saber das letras: condições, agentes e práticas de ensino nas Minas Gerais (1750-1834),mencionadoanteriormente.

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ridadesdasMinassetecentistas.Emespecial,temiam-seos“indomá-veis”Botocudosque“infestam”ossertõesdosrios“Matipiaú,Cuieté,Manaçu,GuanduedoRioDoce”(Vasconcelos,1994,p.76).Temiam-setambémosPuris,quehabitavamabaciadoRioPombaePeixe.Contraogentioindômitopromover-se-iamexpediçõesformadasporoutrosín-diospacificados,comoosCoroadoseosCoropós.

Ospadresacompanhariamváriasdessasexpedições,dandocon-forto espiritual aos seus participantes e estabelecendo contato com a população indígena.“Àscustasdemuitas fadigase trabalhos”e“nãosemgrande riscode vida”, opadreAgostinhoVidalPinheiro relatouterpercorridoosertão,expondo-se“aosinsultosdosgentios”.OpadreTomásdeAlmeidaGóes,por suavez, foi “capelãodeumaexpediçãoaoCuieté,ArrepiadoseMantiqueira segundoordens reaisque teve”,regiõesondeerafrequenteocontatocomosindígenas.Paraalémdesseserviço,Goésparticipoudeumaexpediçãoqueteriapercorridomaisde300léguas“pelosmatosecaminhosnuncatrilhados”nosquaishabita-vaogentioincivilizado(ANTT,maço6).

Os relatos desses padres sugerem um contato mais esporádico comogentio,mas aindaassimvalorizaramosperigosque correramcomointuitodesebeneficiaremdareferidaleide1764.Porém,outrasrequisiçõesdecargosencaminhadasàMesadeConsciênciaeOrdenstraziam informações de um envolvimento maior dos religiosos com a catequizaçãoeinstruçãodosindígenas.

Emjaneirode1800,opadreFranciscodaSilvaCamposdeman-dou a provisão para uma igreja na Vila do Príncipe ou outra no Arraial doInficcionado.Umaopçãoàssolicitaçõesapresentadaspeloreferidopadre era a vaga aberta no canonicato de Mariana em razão da prisão do inconfidente Cônego Luiz Vieira da Silva. Campos fundamentavaseupedidonosfeitosdosseusantepassados,queteriamsidoosprimei-rospovoadorese“conquistadoresdegentios”daregião,incluindoemsuagenealogiaobandeiranteSalvadorFernandesFurtadoMendonça.Outropilardosseusargumentosseconstruiusobreoserviçoquepres-tou junto aos indígenas.Apelava ao sacrifício que teria feito de seusbens em beneficio da “catequização dos índios rebeldes a Deus e aVossaAltezaReal,conseguindoporissoareduçãodosíndiosPataxós

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deSantaCruzdoRioCascaedosíndiosCoroados”(ANTT,maço6).Osrecursosqueteriaempenhadonacatequizaçãoestariamfaltandoparao sustento da sua família: um pai idoso de 88 anos e “seis irmãs donze-las”(Boschi,2011,p.271).Ornamentadosporsacrifícioemisericórdia,os apelos surtiram o efeito desejado e o padre Campos conseguiu um canonicato.Acatequizaçãodosindígenas,querevelava“umverdadeiroespíritoapostólico”,foioprincipalmotivoqueolevouaserescolhidopara o cargo em detrimento de outros religiosos distintos por suas le-tras(ANTT,maço6).

Concorrendo ao canonicato, o padre João Ferreira de SouzatambémapelariaparaseusserviçosnacatequizaçãodosgentiosPuris,CoroadosePataxós.Nascidonoanode1754,emFurquim, termodeMariana,opadreapresentavaexperiênciacomovigárioemCachoeira,Furquim,Itaverava,entreoutraslocalidades,“conservandonelassem-preapazeosossego”.Masoquesedestacavaemseucurrículoefaziacomsebeneficiassedaleide1764eraseutrabalhona capela de Santa CruzdaConquistadeArrepiados.Nessalocalidadeteriaconvertido“àreligiãoeàsociedade”maisde500índios,“catequizando, instruindoebatizando,comperigodesuavida,aos índiosaogrêmioda Igreja”(ANTT,maço6).

Em 1803, o padre Januário José de Lima escreveu àMesa deConsciênciaeOrdenssolicitandoalgumcanonicatoqueestivessevago,para“remediarsuadesgraça”(Boschi,2011,p.281).ApresentavaemseufavorosdozeanosquetrabalharanaFreguesiade“Cuietédoser-tãodosíndiosbotocudos”,naqualinstruiu,batizouecasouosíndios,“arriscandosuavida,evidentemente,nãosónapassagemdosrios[...],mas ainda pela invasão daqueles bárbaros índios” (ANTT, maço 6).Faltandoapenasaprovaçãodoreiparaqueopedidofossealcançado,umdecretoinutilizouaconsulta“interrompendooêxitoqueesperavafeliz”eoutropadrefoiescolhidoparaocanonicato.Entretanto,quatromesesdepoisdanegativaàsolicitação,osesforçosdopadreJanuárioforamreconhecidoscomadesignaçãoparaaprimeira“coneziaquesedisponibilizassenaSédeMariana”(Boschi,2011,p.282).

Outro caso ainda pouco conhecido e investigado foi o do padre AntonioNogueiraDuarte,capelãodabandeirachefiadapelocapitão-

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morFelícioMonizPintoCoelhodaCunha,quese“dirigiuaosincultossertõesdoRioDocearechaçarosbárbarosgentiosbotocudos”.Opró-prio solicitante demonstrava ter conhecimento dos objetivos maiores por trásdas incursões contraos indígenas.Considerouno seu relatoqueaexpediçãovisavatornarseguraeútilànavegaçãonoRioDoce,para o comércio com a Capitania do Espírito Santo e para a povoação de terras férteis. Para isso, foi necessário “punir e afugentar aquelesbárbarosinimigos”,osBotocudos(ANTT,maço6).

Talvezdevidoaoobjetivomaiordaconquista,acatequizaçãodos indígenas fosse mencionada de maneira passageira no apelo do padreDuarteapresentadoàMesadeConsciência eOrdens.Aindaassim,épossívelentrevernorelatodoreferidoclérigoadifusãodasletrasedaPalavradeDeus.Pelasescurasbrenhase“matosincóg-nitos”semeouopoucodaculturaescritaqueadquiriuemseusestu-dos,dentreosquaisincluíaaformaçãonaUniversidadedeCoimbra.O padre Duarte confirmava sua atuação em várias aldeias de ín-dios mansos “assistentes nas margens do Rio de Santo Antonio dos Ferros”, apaziguando-os “com carícias, com dádivas e mimos dosque gostam aqueles povos pelo que ainda seduziu alguns a serembatizados”(ANTT,maço6).

O aliciamento promovido pelo padre Duarte seria uma estraté-giaparaaproximarosíndiosdaIgreja.Consistianaprimeiraetapadeumprocessodeacercamentoeconversãodogentio.Opassoseguinteaparentavainocência,masocultavaumaviolênciasutil.Tratava-sedoatodealteraronomedoindivíduo,atribuindo-lhe,pormeiodoba-tismo,umnomecristão.Obatismorecodificavaoindivíduo,oinserianacomunidadecristãelheconferiapadrinhos,tutoresnasinstruçõesdaféeassistentesnasdificuldadesdavida.Ocorreque,nocasodosadultos,obatismosódeveriaseradministradodepoisdeexaminadososânimospelosquaisdemandavamosacramento;deconfessadosospecadosquehaviamcometidoedeinstruídosnafé,oqueenvolvia“aomenosoCredoouosartigosdafé,oPadreNosso,aAveMariaeosmandamentosdaleideDeus”.Sóassimdeixariamdeser“escravosdodemônio”etornar-se-iam“filhosadotivosdeDeus”(Constituições...,1853,p.19).Aconversãoàfédependia,destemodo,dainstrução.

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O batismo dos adultos pedia uma série de conhecimentos ad-quiridos pela catequização.Era necessário inquirir os adultos acercadoarrependimentodosseuspecados,oque,emtese,implicariasaberquaiseramessespecados.Solicitava-se,ainda,umasériedeinforma-çõesconsideradasimportantesparaasalvaçãodaalma.Paraosadul-tos,oprocessodeconversão,dereconstituiçãodaidentidadequepas-savapelaatribuiçãodeumnomecristão,dependiadaassimilaçãodeorações,saberesemandamentosdafé,ouseja,dealgumcontatocomalínguaportuguesa,comaculturaescrita,comaPalavraencarnada,comadoutrinadaIgreja.

Entreosindígenas,aboanovatrazidapeloVerboencarnadoseriatransmitidadeformaoral,escritaeimagética,tudocompondoo“teatrodafé”(Karnal,1998).Atransmissãodosconhecimentosatinentesàfécristãtambémsefaziapormeiodesimbologiasealegorias,daíapreo-cupaçãodospadresemaparelharedourarsuasigrejas.Pelasimagensoupelalínguanativaouemportuguês,aretóricacuidariadetransmitireadaptaradivinaverdade.Pelarecitaçãoerepetiçãosedecorava,seinteriorizavauma cultura escrita e cristã.Essa oralidade remeteria eresguardariaoregistroescrito,asformasdasoraçõesestabelecidaspelaBíbliaepeladoutrina.

ApalavraescritaeaPalavradasescrituraspalmilharamosertão,pelacatequizaçãoepelainstruçãodasprimeirasletras.AsConstituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, arcabouço legalque serviria aobispadodeMariana,determinava:

Que a doutrina cristã e os bons costumes se plantem na primeira idade e

pueríciadospequenos,mastambémseconservemnamaiscrescidados

adultos,aprendendounsjuntamentecomasliçõesdeler,eescreveras

dobemvivernotempoemqueanossanaturezalogoinclinaaosvícios.

(Constituições...,1853,p.3).

Expressandopreocupaçãocomoensinoconjugadodasprimei-

rasletrasedafécristã,aCartadeLei,de6denovembrode1772(apudGomes,1991,p.344),queregulavaoensinodasprimeirasletras,esta-belecia a lição:

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Nãosomenteaboaformadoscaracteres,mastambémasregrasgerais

daortografiaportuguesaeoquenecessáriofordasintaxedela,paraque

os seus respectivos discípulos possam escrever correta e ordenadamen-

te:ensinado-lhes,pelomenos,asquatroespéciesdearitméticasimples,

ocatecismoeasregrasdecivilização.

Destarte, nota-se, nas referidas determinações legais, a íntimarelação das primeiras letras com a instrução religiosa e com a civili-zaçãoquedeveriaguiaraaçãodospadresnosertãodasMinasGerais.

Emgeral,pode-sedizerqueapráticadaleituraedaescritaes-tava intimamente ligada ao ensino da religião e a um propósito civili-zador.Noensinodasprimeirasletrasrecomendava-sealeituraemvozaltadostextosescritoseimpressos,oqueincluiriacatecismosetrechosdaBíblia(Silva,1981,p.132).Aosprofessores,cabiazelarpelapronún-cia corretadaspalavrasepelaordem,coesão,gramáticaeortografiadas redações.Depoisda leituraedaescrita,oalunoaprendiaacon-tar,oquepoderiasereduziràsquatrooperaçõesaritméticas.Mas,noambientedasaldeias,deveriavigorarumapreocupaçãoespecialcomacivilização,commoralecomareligião.Nessesentido,averbalizaçãodocatecismoedeoraçõesreligiosas,alémdefomentaroexercíciodamemóriaeapráticadaleitura,serviaparainculcarasnormasdaIgrejaedobomconvíviocivil.20

Se dos padres que acompanharamas expedições é presumívelumcontatoapenasligeirocomogentiodaterra,aquelesqueatuaramnosaldeamentosoferecemmaisdetalhesacercadaconversão,catequi-zaçãoeinstruçãodosindígenas.NaregiãodoRioPombaePeixe,bis-padodeMariana,areduçãodosíndios“CropóseCroatos”foiobradopadreManueldeJesusMaria.21Nosprimeirostemposdaaçãocatequé-tica,em1768,opadreJesusMariacontoucomoauxíliodocapitãoJoséGonçalvesVieira,quelheemprestoualgunsíndiosadministradosparaservircomo“línguas”,istoé,“tradutores”(Paiva,2010,p.58).Passada

20ConformeThaisNíveadeLimaeFonseca(2006,p.178),“oensinodeprimeirasletrasvisava,fundamentalmente,facilitaroaprendizadodadoutrina”.21OstermosCroatoseCropóseramutilizadoscomfrequêncianosdocumentosdeépocaparadesignar,respectivamente,osíndiosCoroadoseCoropós.

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O verbo e a carne • 71

essaprimeirafaseeampliandosuaspossibilidadesdecomunicação,noanode1782,opadreJoséMariasolicitavaoaparelhamentoda igre-ja e douramento do altar, para auxiliar na cristianização dos índios(Arquivo...,2016c).Nomesmoano,pediuoprovimentodopadrePedroMotaparaauxiliá-loaensinara ler,escrevereadoutrinaros índios,pois é “conveniente e fundamental da civilidade o haver em todas as po-voaçõesdeíndiosduasescolaspúblicas,umaparameninoseoutraparameninas”,conformepreviamasdeterminaçõesdoDiretóriodosÍndios.Nasescolas,osíndiosseriaminstruídosnadoutrinaenasprimeirasle-tras.Nocasodasmeninas,aprenderiamafiar,afazerrenda,acosturare“todososdemaismistériosprópriosdaquelesexo”(Arquivo...2016d).

OpadrePedroMota,que lecionarianessas escolas, tinhaumapeculiaridadequeoauxiliarianoprocessodeinstruçãodosindígenas.Comojáfoiapresentado,PedroMotaeraíndiodanaçãoCoroado,logoalínguanãoseriaumproblemanoprocessodeensinoecatequização.Quandoaindaeracriança,PedropassouamoraremGuarapirangasoba administração do guarda-morManoel daMota Andrade. Ali teriaaprendidoosprincípiosdaféedalínguaportuguesa.Paraoconheci-mentodolatim,teveaulascomoprofessorManoelCaetanodeSouza,que lecionou emGuarapiranga (Paiva, 2010, p. 79, 89).Os conheci-mentosdalíngualatinafranquearamaoindígenatornar-seseminaristae,nasequência,serordenado.Todoesseconjuntodeconhecimentosohabilitouaservirdepároco,acatequizareaensinarasprimeirasletrasaosíndiosdaaldeiadeSãoMiguel,naFreguesiadoRioPomba,termodeMariana.

SegundoumrequerimentododiretordosíndiosdeRioPomba,FranciscoPiresFarinho,omestrePedroresidiaemumacasade“ma-deira de pouca duração”. Em seu lugar o administrador solicitava aconstruçãodeumacasacom“madeirasde leiecobertadetelhas,de120palmosdecompridoe30de largo”.Acasa seriadivididacomocacique,mastambémserviriapara“assistirnelasascrianças”,poisas-sim“aproveitammuitomaisnaescoladoqueaquelesquehabitamcomseuspais”,oquesugereumainstruçãointensiva,senãoemtempoin-tegral.Nacondiçãodemestre-escola,comumordenadodepoucomaisde100$000réis,Motadeveriaensinaraosmeninos“adoutrinacristã,

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ler,escreverecontarnaformaquesepraticaemtodasasescolasdasnaçõescivilizadas”(Resende,p.123-124).AesseserviçoopadrePedrodaMotasededicouatéoanode1784,quandoseausentariadamissãoporcontadadoençaqueolevariaàmorte.22

ParaoCuieté,maisprecisamentena reduçãodoRioSuaçuí,opadre João Pedro de Almeida pedia a provisão de mestre de índios em 1778.Emumalinguagemcheiaderecursosretóricos,opadrereivindi-cavaoempregoembenefíciodos“meninosdaAméricaquevagamporaquelessertões[...]semaluzdafé”,bemcomosem“oconhecimentodagramáticaedamoral”.OpadreJoãoPedroindicavacomprecisãoaíntimarelaçãoentreapalavraescritaeasEscrituras.Paraopadre,ins-truir os índios nos rudimentos do ler e escrever facilitaria “o conhecer o fimparaqueDeusoscriara”(Arquivo...,2016e).

Durantequatroanos,opadreter-se-iadedicadoaoadiantamen-todosíndiosqueserevelariam,segundoorelato,cheiosdeféedevo-ção.Opadreviacom

admiraçãoaternuracomquecantavamoterçoealadainhadeNossa

Senhora,chegandoatantoasuadevoçãoquemuitosderramavamlagri-

masdeprazerquandoentoavamoslouvoresdamãedeDeus.Ealgunsín-

diosqueporacasoalivinhamdeoutrasaldeias,contavamunsaosoutros

commaravilhaquechegaramaveramãedeDeus.(Paiva,2010,p.79).

Efetivamente, anarrativa comovidaalcançariaasgraçasalme-jadas, tendoopadreAlmeidaconseguidodaJuntadaFazendaoquesolicitava.Pelosubsídioliterário,impostocriadoparafinanciaroscus-toscomasaulasrégias,Almeidapassariaareceberpara“ensinaraque-lesmiseráveisocaminhodasalvação”paraque,assim,“abraçassemadoutrinadoEvangelho”(Arquivo...,2016e).ComorevelaBrunoDuarteGuimarãesSilva,pormeiodosdocumentosdeassentamento,registrose recibos de pagamento de professores régios, é possível comprovar

22Segundoalgunsmemorialistas,Motater-se-iadedicadoaoofíciodeconversãodosseuspatrícios,mas,emcertaaltura,abandonaraabatinaevoltaraavivernomatocomoscoroados.TalversãoécontestadaporAdrianoToledocombaseno testamento legadopelopadreMota,ondeconfirmasuafénareligiãodoSenhorJesusCristo(Paiva,2010,p.89).

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Overboeacarne•73

queopadreAlmeidaatuoucomoprofessornasaldeiasdoCuietéedoPeçanhaentreosanosde1780e1801(Silva,2012).

OsrelatosdopadreJoãoPedrodeAlmeidasãopreciosos,poisevidenciam as lógicas referenciais estabelecidas na relação com o ou-tro.AlmeidasepautavapelauniversalidadedacondiçãohumanaepelacondiçãodefilhosdeDeuspara converter os índios à fé católica e àcivilização, caminhoquepassarianecessariamentepela instruçãoes-colar.Aomesmotempo,essereferencialuniversaleranuançadopelaexperiênciadomissionário,queofaziaratificarperspectivascorrentes,comoadaclassificaçãodosindígenascomoseresinferiores,braviosebárbaros.Paraopadre,haviaosgentioseoscristãose,dentreestes,osquesecomoviamcoma féaopontodeentrarememêxtasereligiosoeaquelesqueapenas frequentavamamissa.Outrossim,asolicitaçãodopadredirigidaàsautoridadesrevelavaaconsciênciadeumarazãomaior quemovia aCoroa e a Igreja.Assim comoo governadorLuísDiogoLobodaSilva,opadreJoãoPedroreconheciaqueaosedilataraféeextinguir-seogentilismo,“cresceriaaagricultura,onúmerodevassalos”,ocomércioeaFazendaReal.

cOnclusãO: a antrOpOfaGia da palavra

NoSermãodoEspíritoSanto,oPadreAntónioVieiraaproximavacomumahabilidadeímparextremosecolocavafrenteafrenteacate-quizaçãoeocanibalismo.RecorrendoàspassagensdaBíblianasquaisDeusfacultavaaoshomensmatarosanimaisparaoseusustento,Vieiraponderavaque“paraumaferaseconverteremhomemhádedeixardeseroqueeraecomeçaraseroquenãoera,etudoissosefazmatando-aecomendo-a”.AcrescentaVieira(apudPécora,2006,p.11),“nãohácoisamaisparecidaaoensinaredoutrinarquematarecomer”.PelaPalavrafeitacarne,pelapalavraescritaensinadanasescolasemissas,pelaaçãobélicaepelosdiscursosdasautoridadesedosmissionários,oindígenaerainserido,àforça,noenredodacivilizaçãocristã.

Aaçãomissionáriabuscoucasar,batizar,vestir,pacificarosín-dios,aindaquenemsemprecomsucesso.Porvezes,aaçãocatequéti-caentreosindígenassemostrousuperficialoulevouamanifestações

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religiosasheterodoxas.Emoutrasocasiões,ocontatodos indígenascom a cultura escrita resumir-se-ia ao aprendizado de algumas ora-çõesouàparticipaçãonasmissas,ondeouviamaleituradaPalavradeDeus.OsrelatosestudadosnãopermitemprecisartodaaextensãodasrelaçõesdosíndioscomaescritaecomasEscrituras,aindaqueo caso do padre Pedro da Mota revele estratégias bem-sucedidas de instruçãoeconversão.

Se não é possível mesurar a instrução e civilização entre os indíge-nas,nãohácomoignoraraaçãodeclérigosquedeclaravaminstruí-loseeducá-losnosmistériosdafécristãedacivilização.Aaçãomissionáriaestariapresenteemdiversasnarrativas,algumasdelasquestionadorasdoefeitodaconversãodosindígenas.Conformeanecessidadeimpostapelosobjetivosalmejados,asautoridadesafirmariamaimportânciaoucontestariamaeficáciadaaçãodosreligiososjuntoaosgentios.Porseuturno,osclérigosproduziriamassuasversões,valorizandosuapartici-paçãonadifusãodaPalavradeDeuscomofiéisvassalos.

Em torno dos discursos e por meio deles as versões são constru-ídasconformeosinteressesemcausa.Pelapalavraescritaseregistra-ram,sedivulgaram,secriaramocorridoseversões.Opotencialcriadore violento da palavra agiu lado a lado com as armas no processo de civilizaçãodosindígenas.Ademais,a“civilizaçãopelapalavra”sedeupelaescritaepelasEscrituras.APalavra,oVerbotornadocarneser-viuàconversãodooutro,parafazerdelealgoquenãoera,enredá-lo,inseri-loemumasintaxecristãecivilizada.Nestestermos,aconversãopodeserentendidacomoaparteativadeumprojetototalizantequesemobilizou em tornode valores supostamente essenciais, comunsaoshumanoseaosafilhadosdeDeus.APalavraeapalavraescritabusca-ram converter os gentios à civilização e uni-los ao corpo da Igreja pelo sanguedeCristo.

rEfErências

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O verbo e a carne • 75

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pela “unidade da cauSa do intereSSe púBlico”:o subsídio literário e sua institucionalização em Minas Gerais (1772-1800)1

Christianni Cardoso Morais2

Neste capítulo tomamos como objeto de estudo a consti-tuição de uma estrutura para a manutenção das aulas ré-giasnoReinodePortugaleUltramarnoséculoXVIII,aqual sepretendiamanter comas rendas auferidas com

otributoqueficouconhecidocomosubsídioliterário.Emumsegun-domomento, procuramos compreender tanto o estabelecimento doimposto quanto os valores obtidos com sua arrecadação emMinasGerais,semperderdevistaainserçãodessacapitanianaAméricapor-tuguesa.Quandoosdocumentosassimpermitiram,comparamososdadosreferentesàsMinascomosdeoutraspossessõesultramarinas,buscandoobterumavisãodeconjuntosobreofinanciamentoescolarnocontextocolonial.

1 Este trabalho traz resultados obtidos em nossa pesquisa de pós-doutoramento, quecontoucomfinanciamentodaCapesduranteosegundosemestrede2014.2DoutoraemHistóriapelaUniversidadeFederaldeMinasGerais(2009),éprofessoradoDepartamentodasCiênciasdaEducaçãodaUniversidadeFederaldeSãoJoãodel-Rei,ondeexercea funçãodepresidentedoComitêGestordoCentrodeReferênciadePesquisaDocumental(Cedoc).

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criaçãO E OrGanizaçãO dO subsídiO litEráriO

Osubsídioliteráriofoiinstituídonoanode1772,etaliniciativanão pode ser vista como uma ação isolada e tampouco circunscrita ao universodaeducação.IntegravaumconjuntodereformasqueocorriaemPortugal,tantosobopontodevistaeconômicoquantoculturalepo-lítico.NoperíododeD.JoséI,foirealizadoumimensoesforçoporpar-tedoreiparaafirmaropoderdoEstado,buscandoeliminarqualquerformadeoposiçãoe,aomesmotempo,implementarmedidasamplasdemodernizaçãoadministrativa,econômicaecultural(Falcon,1982).DeacordocomSampaio,nãosedevepensarapolíticapombalinaape-nascomoumareaçãoaummomentodecriseeconômica–provenienteda diminuição das remessas de ouro da América portuguesa para a me-trópole.Aindaconformeessehistoriador,apolíticapombalinavoltadaàeconomiatinhaumcaráterprogramáticoe“insere-senumcontextodeprofundatransformaçãodeestruturasdoAntigoRegime,transfor-maçãoestaquenãoselimitavaaPortugalmas,pelocontrário,atingiatodaaEuropa”(Sampaio,2015,p.32-33).Otributoemtela,inseridonesse contexto de transformações, possui raízes históricas noAlvaráRégiode28dejunhode1759,CartadeLeiquedeuinícioàReformadosEstudosMenores,comaextinçãodetodasasinstituiçõeseducativasje-suíticas.Apósaexpulsãodosjesuítas,foramcriadasasescolasmenores(cadeirasdeLatim,GregoeRetórica),bemcomoumórgãoresponsávelpor suaadministraçãoefiscalização–aDiretoriaGeraldosEstudos(Portugal,1759).

A década de 1770 registrou reformas promovidas no campo da educaçãoporD.JoséIeseuprincipalministro,oMarquêsdePombal,dentreasquaisareformadaUniversidadedeCoimbra.Iniciadaem1770einstitucionalizadacomAlvaráRégiode28deagostode1772,talreformapreviaseusnovosestatutos(Adão,1997;Valadares,2004).

Desdesuacriação,em1759,ofinanciamentodasescolasmenoressemostroudeficiente.Faltavamtantolivrosdeusoescolarquantopro-fessores.3Afiscalizaçãodoensinotambémeraprecária,pois,conforme

3Cf.oCapítuloIdeMorais(2009).

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Pela “unidade da causa do interesse público” • 79

Leitão, “cedo sepercebeu,porém,queaDiretoriaGeraldosEstudosdemonstravaalgumas insuficiências, sobretudoaoníveldos recursoshumanosdequesepudessevaler”(Leitão,2011,p.75).Entreosanosde1759e1770,areformasofreuseverasdificuldadesdeconcretizaçãoe,em4dejunhode1771,foiextintaaDiretoriaGeraldosEstudos,ficandoasaulasrégiasacargodaRealMesaCensória.4Atéessadata,osmestreseram pagos pelas Câmaras Municipais e também possuíam autoriza-çãorégiaparacobraremolumentosdospaisdosalunos.Observava-seafaltadepagamentopelasfamíliasegrandeoscilaçãonossalários,con-formeaspossibilidadesdecadaCâmara,oquegeravainsatisfaçãoporpartedosprofessores(Fernandes,1994,p.72-73).Diantedanecessi-dadedereformas,el-reiordenoumudançasnasquestõesfinanceiras,oqueculminoucomapublicaçãodaCartadeLeide6denovembrode1772.TalmedidamarcouoiníciodeumasegundafasedasReformasdosEstudos,naqualosníveisdeensinoentãoexistentesforamarticu-lados.HaviaasaulasdePrimeirasLetras,ondeosestudantesdeveriamaprendera ler, escrever,asquatrooperaçõesbásicasdaMatemática,Doutrina Cristã e Língua Portuguesa. Em um segundo nível, encon-travam-seascadeirasdeHumanidades(Grego,Latim,Retórica)edeFilosofia(CiênciasdaNatureza,ouseja,Química,Física,Botânica).Porfim,oscursosuniversitáriosnoReino,dentreosquaisodeDireito,emCoimbra,eradosmaisconceituados.Paraqueessaorganizaçãopudes-se sermantida, criou-seum imposto cujas rendas seriamdestinadassobretudoaopagamentodosordenadosdosmestres.Dessamaneira,aCartadeLeide6denovembrode1772extinguiutodoequalquertri-butoentãoutilizadoparaessefim.Oimposto,criadoem1772,incidiasobre os seguinte itens:

NestesReinoseIlhasdosAçores,eMadeira,deumrealemcadacanada

devinho;edequatroréisemcadacanadadeaguardente;decentoeses-

sentaréisporcadapipadevinagre:NaAmérica,eÁfrica,deumrealem

cadaarráteldecarnedaquesecortarnosaçougues;enelas,enaÁsia,

4Criadaem5deabrilde1768,comoumorganismoorientador,dirigenteeexecutivo,possuía jurisdição exclusiva sobre a censura literária. Foi extinta em 1787. Maioresdetalhescf.Villalta(1999).

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dedezréisemcadacanadadeaguardentedasquesefazemnasterras,

debaixo de qualquer nome, que se lhe dê, ou venha a dar. (Portugal,

1772b,p.2).

Apróprialeifundadora,elaboradaemumcontextoestamental,indicavaque,naquelaaltura,era“impraticávelqueseformasseemtodaumanaçãoumplano,quefossedeigualcomodidadeatodosospovos”(Portugal,1772a,p.1),masapontavaparaanecessidadedequetodoscontribuíssemparaobemcomum: “sendo certoque todosos sobre-ditosconcorremnaunidadedacausado interessepúblico,egeral;éconformeatodaboarazão,queointeressedaquelesparticulares,queseacharemmenosfavorecidos,hajadecederaobemcomumeUniversal”(Portugal,1772a,p.1).Esseeraoespíritodotributo,eotextodaLeide 10 de novembro de 1772 se restringiu a nomeá-lo como “único imposto”.5Comsuapublicação,foicriadaumaJunta,quedeveriaatuaremLisboa,responsávelpela“coleta literária”,cujopresidenteseriaomesmodaRealMesaCensória.Alémdopresidente,aJuntaseriacom-postaportrêsdeputadosnomeadospelorei,umtesoureirogeral,umescrivão,umescriturário,umporteiroeumcontínuo(Portugal,1772c).Comcaráteraltamentecentralizador,sobopontodevistafiscal,aJuntapossuíaautonomiadiantedaRealMesaCensória,estando,porém,sub-metidaaosregulamentosdoErárioRégio.6

Em 10 de novembro de 1772, foram publicadas também as ins-truçõesparaofuncionamentodoórgãoemtela,nomeando-ocomoJuntadaAdministraçãodaFazendadasEscolasMenores.Indicava-se como deveria funcionar o expediente da tesouraria e da conta-doria,aescrituraçãodos livrosetc.EssanormatambémdefiniaasComarcas doReino e doUltramar em que deveria ser realizada a

5Nalegislação,aprimeiravezqueoimpostofoichamadode“subsídioliterário”podeserencontrada no §7º das Instruções para Junta da Administração da Fazenda das Escolas Menores(Portugal,1773a).6OErárioRégiofoicriadoem1761eextinguiuosContosdoReinoeCasa,queremontaaoséculoXIV.EstabelecidoporCarvalhoeMelo(Pombal),seuprimeiroinspetor-geral,tinha como objetivo controlar as receitas e despesas públicas de modo absolutamente centralizador, criando uma burocracia fiscal. Cf. Adão (1997) e Rodrigues (2000).Buscava-seuniformizaraescrituraçãocontábildoEstado,comcontrolerígidopormeiodebalançossemestraiseanuaisdasreceitasedespesas(Figueiredo,2015,p.132).

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Pela “unidade da causa do interesse público” • 81

cobrançadosubsídioliterário,asquaisforamcoligidasepodemservistas no Quadro 1:

Quadro1–PossessõesportuguesasnoUltramarondedeveriahavercobrançado subsídio literário

América África Ásia Ilhas

Bahia Ilha do Príncipe Damão Ilha Terceira

Grão Pará e Maranhão Moçambique Macao Ilha da Madeira

Mariana Reino de Angola Dio IlhadeSãoMigueleAnexas

Pernambuco Cabo Verde Goa -

Rio de Janeiro - - -

Sabará - - -

São João del-Rei - - -

São Paulo - - -

Vila Rica - - -

Fonte:Portugal(1772c).

Aofimdecadaanofiscal,todasasComarcaseaprópriaJuntadeveriamfecharsuascontas,darbalançoaocofreeenviaraoreiumresumocomasentradasesaídasdevalores.DentrodomovimentodecentralizaçãoadministrativaqueocorriaemPortugal,nasceuaurgên-ciaemorganizaraescrituraçãodasfinanças.Buscou-seestabelecerumaescrita contábil centralizada tendo por base uma instituição modelo: a AuladoComérciodeLisboa.7 Tal instituição tinha como objetivo prepa-raroscomerciantespormeiodoensinodecontabilidade,escrituraçãopor partidas dobradas8,práticasmercantisecaligrafia.

AFigura1(napáginaseguinte)exemplificaamaneiracomoasComarcasdeveriamescriturarosbalançosfinaisdoimposto.

Em4desetembrode1773, forampublicadasnovasInstruções“pararegularaprontaarrecadaçãodascoletasquefoiservidoestabe-lecerpelasuaLeide10denovembrode1772,embenefíciodasEscolasMenores,edaperpétuaconservaçãodosprofessoresemestresdelas”(Portugal, 1773a). Nessas Instruções, a Junta da Administração da

7 Seus estatutos foram aprovados em 1759 e funcionou até 1844 (Adão, 1997, p. 43;Santana,1989a,1989b,1989c,1989d).8Talmétodofoipublicadoem1494porLucaPacioliedisseminadoemPortugalpelositalianos(Lira,2011).

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Fazenda das Escolas Menores passou a ser denominada de Junta da Administração e Arrecadação do Subsídio Literário. Tal documentotraz,demododetalhado,comodeveriamserrealizadososmanifestosearecolhadoimposto.Ocomplexotrabalhodearrecadaçãoeenviodosvalores à Junta do Subsídio Literário em Lisboa deveria ser efetivado por três instâncias diferenciadas, conforme regiões especificadas nasinstruções:emLisboaeseuTermo,ficariaporcontadaMesadosVinhos(a cargo dos Superintendentes dasDécimas).Os vinhos enviados dePortugal ao Ultramar também deveriam pagar o imposto na Mesa dos VinhosdeLisboa.NaCidadedoPortoeseuentorno,acobrançaficavaacargodaCompanhiaGeraldasVinhasdoAltoDouro,9quepossuíauma

9 A Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro foi mais um órgão centralizador criado porD.JoséIparamonopolizarovinho,artigomaiscomercializadoporPortugalnoséculoXVIII.ComandadapessoalmenteporPombal,buscavaprotegerosgrandesprodutoresdaRegiãodoDouro, tendo comoatribuiçõesfiscalizar a produção, a escrituraçãodos

Figura 1 – Exemplo para o balanço anual de receita e despesa do subsídioliterário(1774)

Fonte:Portugal(1774).

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Pela“unidadedacausadointeressepúblico”•83

demarcaçãode terrasexclusivae,porfim,nasdiversasComarcasdoReinoenaspossessõesdoUltramar,eraresponsabilidadedasCâmarasMunicipais.ÉprecisoatentarparaumaespecificidadenoqueserefereàAméricaportuguesa:asCâmarasdeveriamenviaraosseusouvidores,acadatrêsmeses,oscadernosdemanifestos,bemcomoosvaloresau-feridoscomoimposto.Dessamaneira,asCâmarasficavamincumbidasdemediarasrelaçõesentreaadministraçãodametrópole,asinstânciaslocaisdepodereosprodutores,possuindo,nessaestrutura,relevantepapelnorecolhimentodotributo(Fonseca,2013).Asentradasoudepó-sitos deveriam ser feitas no cofre da Junta em momentos diferenciados: caso fossemrecolhidaspelaMesadosVinhosdeLisboa,acadamês.AsdoPortoedemaiscabeçasdecomarcasdoReino,IlhaseDomíniosUltramarinos,acadasemestre,nosmesesdejulhoejaneiro,apesardeosvinhosseremtaxadosapenasumavezporano,nomêsdenovembro.

ModificaçõespropostasnoperíodomarianoculminaramcomaextinçãodaRealMesaCensóriaeacriaçãodaRealMesadaComissãoGeralparaExameeCensuradosLivros,comaCartadeLeide23dejunhode1787.AocriaraRealMesadaComissãoGeral,areferidaleisuprimiu, em seu §18, a Junta da Administração e Arrecadação doSubsídio Literário (Portugal, 1787a). Assim, a rainha ordenou que oTribunal da Real Mesa da Comissão Geral se ocupasse das atribuições daextintaJunta(Portugal,1787b).

Ao longodotempo,acobrançado impostosofreureestrutura-ções, fruto das reformas operadas pelos dirigentes doEstado, visan-do,sobretudo,aumentarasreceitaseagilizaroenviodosvaloresparaLisboa,quesemostravamextremamenteirregularesemorosos.Alémdisso, a Junta registrou práticas de sonegação por parte dos produ-tores emalversaçãodos recursos entre os funcionários das câmaras.Caso exemplar pode ser lido em correspondência de 17 demarçode1781,quandoaJuntadoSubsídioLiterárioenvioucartaaoprovedor

registroseorecebimentodeimpostos.Simplificouaformaderecepçãodastaxassobreos vinhos, conforme Schneider (1980). Segundo Sampaio (2015, p. 42), buscava-sefortalecer a elite comercial portuguesa e criar um monopólio para impedir os ingleses de negociarovinho.Quandodesuacriação,houvedescontentamentoemotinsnasruasdacidadedoPorto,ondequase500pessoasforamsentenciadas,dentreasquais26foramcondenadasaoenforcamento(Figueiredo,2015,p.160-162).

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da Comarca de Évora solicitando que ele notificasse o recebedor daComarcaparaquefizesseentraremcofre,dentrodeoitodias,ovalorauferidocomorendimentode1778.Casonãoentregasseodinheiro,oprovedor“mandaráVossaMercêlogoprocedaasequestroemtodososseusbens.10 A Junta acusava o escrivão das Sisas de desencaminhar o dinheirodosubsídio literáriode1776esolicitavaque fosserealizadapenhoradosseusbensparaopagamentodosvaloresdevidos.Em1787,o caso foi retomado.Ao escrivãodasSisasda cidadedeÉvora, JoãoTorcatodeLeão,foi imputadaaculpaporextraviarorendimentodoimpostode1776,tendosidopresoeseusbenssequestrados.Todavia,defendeu-sedaacusaçãoemostrou,pordocumentos,queaacusaçãoerainjusta,poisqueorecebedordaComarcaforaoresponsávelpelodesviodosvalores.Todavia,aJuntadoSubsídioLiterárioafirmavaqueoprovedoreoescrivãohaviamsidoomissose,portanto,deveriampa-garaquantiade372$022réis,umavezqueorecebedornãopossuíabensquepudessemsersequestradosparaopagamento(em4demaiode1787)(AHTC,ER,3943,p.321-322).ARealMesadaComissãoGeralretomou o assunto em 17 de agosto de 1787 e enviou nova correspon-dênciaaoprovedordaComarcadeÉvora,naqualdiziaque,apósexa-medoslivrosescrituradospelorecebedor,constatou-sequeeledevia1:716$745réis.Naquelaaltura,orecebedorfaleceraesuaviúvahaviali-quidado816$745réisdadívida,mascontinuavaentãoadever372$022réisreferentesaoanode1776;257$625réisrelativosaoanode1781e187$098réisreferentesaoanode1782.Taisparcelas,quandosoma-das, totalizavam816$745 réis, que deveriam ser pagos pelo escrivãoJoãoTorcatodeLeãoepelojuizdeforaqueocupavaocargoàépocadodesvio(AHTC,ER,3943,p.324-325).Alémdesse,muitosoutroscasosdeproblemas comaarrecadação foramencontrados, tantonoReinoquantonoUltramar,oquegeravaanecessidadedemaiorcontroledoEstadoparaqueoslucrosobtidoscomoimpostofossemusadosparapagarosmestreseossobejoschegassemaLisboa.

10ArquivoHistóricodoTribunaldeContas(AHTC).CopiadoresdascartasdaContadoriadaFazendadoSubsídioLiteráriopararegistrodascartasqueseexpedirampeloescrivãoda Junta e contador da Fazenda aos ministros e recebedores encarregados da arrecadação dorendimentodosubsídioliterário(AHTC,ER,3943,p.257).

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Em7de julhode1787,aRainhaordenouoAlvarácomforçadelei“porqueSuaMajestadeháporbemmodificaracoletaliterária”(Portugal,1787b).Emanexoaessealvará,namesmadata,forampu-blicadas as Instruções deRegimento “que aRainhaNossa Senhorahouve por bem aprovar para a arrecadação da coleta literária nas ComarcasdessesReinos,IlhasAdjacenteseCapitaniasUltramarinas”(Portugal, 1787c). Tais instruções reiteravam a importância dasJuntas da Real Fazenda na cobrança e administração do subsídio lite-rário.Essesórgãos,estabelecidosemtodasascapitaniasdasposses-sõesportuguesas,tinhamcomofinalidade“administrar,arrematarearrecadartodososdireitosesubsídiosreaisnaCapitania,proverasserventiasdosofíciosda fazendaeexpediras folhasdosordenadoseclesiásticos,civilemilitar,assimcomoosdenaturezaextraordiná-ria”(Cunha,2012,p.194).AsJuntasdaRealFazendaeramcompostasporumpresidente(ogovernadorecapitãogeneraldacapitania),umjuizdosfeitosdafazenda,umprocurador,umtesoureirogeraleumescrivão.SubordinadasàcontadoriadoErárioRégio,eramos“instru-mentosdacentralizaçãonoplanolocal”e,aomesmotempo,faculta-vampoderedistinçãoàseliteslocaisaserviçodacoroa(Figueiredo,2015,p.135).Asinstruçõesde1787indicam,emseuTítuloIV,§7º,que assim como em 1772, as Juntas da Real Fazenda continuavamresponsáveispelosubsídioliterário.Todavia,alegislaçãode1787tra-ziaumanovidadequantoà coleta,pois as JuntasdeveriamexpediràsComarcas“ométodoquelhesparecermaisfácilemenosexpostoàsfraudesqueseintentarememprejuízodaditacoleta”.QuantoaoperíododeenviodasremessasparaaCorte,esteficaramaisflexível,poisasJuntasdaRealFazendaéquedeveriamdeterminaroperíodopararemeterosarrolamentoseosvaloresauferidosparaocofregeral,“paradomesmoCofreseextraíremasquantiasqueforemnecessáriasparaosordenadosdosprofessores”(Portugal,1787c).

As Juntas da Real Fazenda também se responsabilizariam por enviar,segundoo§8ºdasInstruçõesde1787,“noprincípiodecadaano,paraaRealMesadaComissãoGeralsobreoExameeCensuradosLivros,ummapacomobalançodareceitaedespesadoanoan-terioretambémdasdenúncias”.Ossobejosqueficassemapósopa-

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gamento dos ordenados dos professores deveriam ser enviados para a RealMesa,segundoo§9º:“osremanescentestambémserãoenviadosanualmenteparaaaRealMesadaComissãoGeralsobreoExameeCensura dos Livros, cumprindo a formalidade que se utiliza para oErárioRégio”.Noperíodomariano,foidadaespecialatençãoàsde-núnciasdesonegaçãodoimposto.No§8ºhouveoestabelecimentodelivrosespecíficosparaasdenúncias,asquaisdeveriamserguardadasemsegredoporforçadelei,tendosidoestabelecidosprêmiosparaosdenunciantes(Portugal,1787c).

DurantearegênciadeD.João,houveoutrasmedidasreforma-doraseasdificuldadesemsearrecadaroimpostoporviadascâmaras,daMesadosVinhosedaCompanhiaGeralsetornarammaisevidentes.A cobrança do subsídio literário realizada por arrematação foi um tema bastantediscutidonoperíodojoanino.Finalmente,comoDecretode5deabrilde1800,foideterminadaaarremataçãoporcontrato,11 tendo em vista“adecadênciacomqueseachareduzidoorendimentodosubsídioliterário,tantopelafrouxidão,eabusosintroduzidosnasuaarrecadação,comopelodolo,comqueamaiorpartedoslavradoresocultam,consi-deráveisporçõesdosgêneros,dequesededuz”(Portugal,1800).Oanode1800marca,portanto,ofimdorecortecronológicoestabelecidoparanossainvestigação,umavezqueomovimentodescentralizadorrealiza-do com a arrematação do imposto se baseou em um modelo de cobran-çatotalmentediferentedoqueocorriacomosubsídioliteráriodesdeoseuestabelecimento,em1772.Comessamudança,houveumapulveri-zaçãodosdocumentos,quepassaramaserproduzidosemnívellocal.12

O subsídiO litEráriO Em minas GErais E Em Outras pOssEssõEs

Em todo o Ultramar, a capitania de Minas Gerais era a quepossuía o maior número de comarcas para a cobrança do imposto na

11OscontratosdearremataçãodosimpostoseramrealizadosquandoaCoroaconcediaa particulares a cobrança dos tributos régios em troca de um rendimento fixo. Eram,geralmente,trienais–cf.Sampaio(2015,p.47)eFigueiredo(2015,p.128).12 Encontramos contratos com as condições de arrematação do subsídio literário da ComarcadeOuroPretoedaComarcadoRiodasMortesreferentesaotriênio1801a1803noAHTC,ER,4106.

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América portuguesa, quando de sua instituição. Conforme os dadosapresentados no Quadro 1, na documentação foram indicadas as lo-calidades emque sedeveriamestabelecer as aulas régias, sendoelasduasnaComarcadeOuroPreto(VilaRicaeMariana),umanadoRiodasVelhas(Sabará)eoutranadoRiodasMortes(SãoJoãodel-Rei).Assim,apesardeaComarcadoSerroFriocontribuirparaoimposto,nãocontava,nomomentoemqueestefoiestabelecido,comummestrerégiosequer.

A instituição da cobrança do subsídio literário em Minas Gerais foidiscutidaemcorrespondênciade4demaiode1774,enviadaàJuntada Administração e Arrecadação do Subsídio Literário pelo então gover-nador,AntônioCarlosFurtadodeMendonça(ArquivoPúblicoMineiro–APM,rolo40,v.283).13Emsuamissiva,FurtadodeMendonçaafir-mavaqueenviaraaosouvidoresdascomarcasmineirasrecomendaçõesparaqueobservassemprontaeeficazmenteasordensreais.Todavia,indicavaosváriosobstáculosqueimpediamacobrançaefetivadoim-posto,afirmandoque“eraminvencíveisosimpedimentos”(APM,rolo40,v.283,f.[2]).Diantedosempecilhosencontradosnoterritóriomi-neiro,ogovernadorexpunhaque,apósreceberalegislaçãoqueregula-vaacobrançadoimposto,buscava“fazerpraticarnaparteaplicávelaesteContinente”(APM,rolo40,v.283,f.[2]),masverificavaquenãoerapossívelseguirasorientaçõesliteralmente.ACartadeLeide10denovembrode1772traziaespecificaçõessobreasmedidasdevolumeevaloresparaacobrançadovinhoedaaguardente.Todavia,quantoàcarne,nãoficavaclaroqualmétododearrobaçãodeveriaserseguido,circunscrevendo-sea leiaafirmarqueascarnesverdesdeveriamsertributadas“pelaarrobaçãoqueseacharestabelecidaporoutrosimpos-tos”(Portugal,1772b,p.2).

Dentre os muitos obstáculos encontrados nas Minas e menciona-dosporFurtadodeMendonçaem1774,podemoscitarasinformaçõesfornecidaspelaComarcadoRiodasVelhas.Segundoodocumento,asdisposições reais para a cobrança do imposto “não se conformam com anaturezadestaRegião, e causamalguns inconvenientesdosPovos,

13Asquatroprimeiras folhasdocódicenãopossuemnumeraçãooriginal.Paraguiaraconsulta,indicamosasfolhasdoseguintemodo:f.[1],f.[1v],f.[2],f.[2v].

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eaarrecadaçãodosobreditoSubsídio”(APM,rolo40,v.283,f.[2]).Constatava-se,naaludidaComarca,havergrandedificuldadeemco-brarosmanifestosdascarnesverdesedasaguardentesdiariamente,comopreviaalegislação,umavezque

osTalhosemquesecortamasresessãomuitos,esituadosemdiferen-

tesArraiaisdequasetodasasFreguesiasdaditaComarca,edetodas

asmaisdestaCapitania,equeporestemotivoporseacharemosditos

Talhosdispersos,esecortaremaomesmotempo,eemdiversoslugares

damesmaFreguesiaasditasResesénecessárioquesejapropostoum

InspetorouCobradoremcadaumArraialdaditaFreguesia.Estarefle-

xãodemonstraquenãopodemosComandantesdosdistritosaquemen-

carregouaqueleministroessadependênciaexecutaramesmanaforma

quelhefoiordenada.(APM,rolo40,v.283,f.[2]).

A capitania de Minas Gerais aliava um território extenso àfaltadefuncionários.SegundoogovernadorFurtadodeMendonça,“emcadaFreguesiahásomenteumComandantequenãopodeto-marosmanifestosdetodososTalhoscompreendidosnamesma,edistantesunsdosoutrosquatro,seis,emaisléguasqueimpossibili-tam[...]nosreferidosmanifestos,acobrançadiária”(APM,rolo40,v.283,f.[2v]).

AextensãodoterritóriodeMinasGeraiseadispersãodaslo-calidades também obstavam que osmoradores procurassem os co-mandantesparamanifestarascarnesquecortavam,poisresidiamem“paragemquedistedodomicíliodosditosmoradoresdoze,quatorze,maisléguas”(APM,rolo40,v.283,f.[2v]).Alémdisso,outroproble-ma alegado pelo governador se originava da condição cultural e das práticascomerciaisdosproprietáriosdosaçouguesque,conformeele,eram“indivíduosde inferiorcondição,Negros,Crioulos,Mulatos, eoutraspessoasrústicas,quenãoatendemaosutilíssimosfinsaquesedirigeoestabelecimentodaColeta,nãofazemmemóriadopesolíqui-dodasreses”(APM,rolo40,v.283,f.[2v]).Provavelmenteospeque-nos comerciantes do período não realizavam registros diários de suas práticascomerciais,oqueobstavaaefetivacobrançadoimposto.Mas

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isso não quer dizer que fossem completamente alheios ao universoletrado,lembrandoqueumasociedadecomocomérciodesenvolvidoediversificadocomoadeMinasGeraistendiaaterumarelaçãosigni-ficativacomaculturadoescrito.14

FurtadodeMendonçaindicava,ainda,queeramuitodifícilcon-trolarapesagemdasreses,afirmandoque“émuitomais fácilopre-juízo, e a fraudenopeso incerto, e dependentedomeio arbítriodoshomensdesemelhantequalidadequenaarrobaçãocerta”(APM,rolo40,v.283,f.[2v]).ACartadeLeide10denovembrode1772definiaacobrançadeumrealparacadaarráteldecarnefrescaquesecortassenos açougues da América e África15.Mastalpráticaera,paraFurtadodeMendonça,irrealizávelnasMinas.Paraimpedirqueotributofosseburlado,ogovernadorsugeria

ummétodofixo,epermanentedequenemresultasseprejuízoàimpo-

sição,nemseseguissedetrimentoaosMarchantes.Paraseconseguiro

fimpretendidofoicomputadoopesodecadaumarêsemsetearrobas

refletindo-sequetodasasresesnãotemomesmopesoprincipalmente

nestePaísemquesecortammuitosmenores.(APM,rolo40,v.283,

f.[2v]).

Dessamaneira,ogovernadororientavaque,emvezdesepesarindividualmenteascabeçasdegadoapósoabatimento,osproprietá-riosdosaçouguespagassemumamédiaporcabeça,aqualgirariaemtornodesetearrobas(aproximadamente103quilogramas).

AdificuldadeindicadaemMinasGeraisem1774paraacobran-çadoimpostosobreascarnesverdestambémfoiverificadanaBahia,todaviadiscutidaemperíodoposterior.EmanexoaumaProvisãoex-

14AoanalisarosagentessociaisligadosaocomércioemVilaRica,Silveira(1997)afirmaqueelesnecessitavamdossaberesda leitura,escritaecálculoeproduziramumafartaquantidadedetestemunhosescritosaoselarseuscompromissosdedébitoecrédito.15 O arrátel era a unidade-base de peso do sistema de medidas vigente em Portugal no período.Seusvaloresforamalteradosaolongodotempo,masdesde1499,noreinadodeD.Manuel,foifixadoconformealibra.Umarrátelrepresenta1/32daarroba,cercade500quilogramas,aopassoqueaarrobacorrespondea14,688quilogramas.Disponívelem: <http://ange.pt/arquivo/unidades.htm>. Acesso: 24 fev. 2015. Ver ainda Gyrão(1833,p.52).

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pedidaaochancelerdaRelaçãodaBahiaem20demaiode1790,D.MariaIenviouum“BreveDesenhoemqueseestabelecemosprincipaisfundamentos,comquehãodeformarasInstruções,quedeveservirdeRegimento para a Arrecadação do Subsídio Literário na Capitania da Bahia” (AHTC,ER,3941).Segundoodocumento, fazia-senecessárioestabelecer,nacidadedaFeira,nabocadaestradaprincipal,umaCasadeRegistrocomumfiscalpararealizaromanifestoeanotaremlivrocompetente onúmerodas reses quedessementradana cidade, pas-sandoguiasparaosproprietários.Dever-se-iapagar“oitoarrobasporcadarês,queécomodaquiemdiantesedevemregularporseropesomédiodecadauma”(AHTC,ER,3941,p.447).Nenhumgadodecortepoderiasertransportadosemdocumentaçãoe,seacasoalgummorres-sepelocaminhoapóssercontabilizadonaguia,osresponsáveispelotransporte deveriam apresentar as orelhas do animal como forma de comprovaçãodamorte.Assim,verificamosqueasugestãofeitaem1774àJuntadoSubsídioLiteráriopelogovernadordasMinas,FurtadodeMendonça,foiverificadanaBahiaeadotadanoperíodomariano,umavezquepesarcadaanimalabatidoindividualmentecomopropunhaaleieratarefairrealizável.

DevoltaaMinas,amissivaenviadaporFurtadodeMendonça,em1774,alegaqueatributaçãosobreasaguardentestambémerapro-blemáticaeseumanifestodiárioimpraticável.Segundoogovernador,era“bemevidentequeatentasasmesmasgrandesdistânciasqueseconsideramarespeitodosreferidosTalhos,eseverificamacercadosEngenhosemquesefabricamasditasAguardentes”(APM,rolo40,v.283,f.[2v]).Alémdisso,sobreessegênero,expunhaque“aformadavendadomesmoquemuitasvezeséfiado,comoodascarnes,detal sortequesepraticaremasnegociações somenteemouroàvistasesuspenderáoComérciocomprejuízoparticular,públicoedoRealErário”(APM,rolo40,v.283,f.[2v]).Sendoasnegociaçõesrealiza-dasparapagamento a longoprazo, os comerciantes dasMinasnãotinhamcondiçõesdesaldaroimpostoàvista,umavezquenãopos-suíamliquidez.EmestudosobreVilaRicaesuasFreguesias,Silveira(1997)afirmaqueMinasGeraispossuíaumaorganizaçãosocioeconô-micaextremamentediversificada,naqualseencontravamarticuladas

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váriasatividades,damineraçãoàagricultura,dosofíciosmecânicosaocomércio.Deacordocomoautor,nessasociedadeemquehaviaummercadodesenvolvidoearticulado,ospagamentosaprazooufia-doerampráticacorriqueira.Emoutrapesquisareferenteàeconomiamineira,aoanalisarasituaçãodeSãoJoãodel-Rei,GraçaFilhoafir-maque“apresençadegrandesvaloresemdívidaativaforafrequen-tenosinventáriosdosmaioresnegociantessanjoanensesatéfinsdoImpério,podendoservistacomoumaevidênciadarestriçãocrônicadenumerárioemMinas”(2002,p.72).

Deoutraparte,aformalidadecomqueforamestabelecidasasmedidasdevolumeemPortugaltambémera,aosolhosdogovernadordasMinas,impossíveldesereplicarnotributosobreaaguardente.ACartadeLeide10denovembrode1772estabeleciaquedeveriamsercobradosnaAmérica,naÁfrica enaÁsiaopreçodedez réis sobreumacanadadeaguardente(Portugal,1772b,p.2).Aunidadefunda-mentaladotadaparaasmedidasdevolumenoReinoLusitano,nosé-culoXVIII,eraoalmude,abaixodoqualvinhaacanada.16 Seguindo esse padrão, um almude (de 12 canadas) seria taxado em 120 réis.Mas,segundoFurtadodeMendonça,“aCanadadoReinotemodobrodeumamedidadasdesteContinente,equesupondo-se[...]acanadadoditoReino,edestaRegião,sendotãodesiguaisvemapagarcadaBarriloexcessoquevaidaquantiadeoitentaréisemquefoilistado”(APM,rolo40,v.283,f.[3]),oqueresultariaemgraveprejuízoaosmineiros.

AsdificuldadesdecobrançarelatadaspelogovernadorFurtadode Mendonça se referiam ainda ao fato de a legislação referente ao sub-sídioliterárioterchegadoàsMinassomenteem22dejaneirode1774e,porisso,mesmotendotomadoasprovidênciascabíveisparasuaexe-cução,dadoocurtoprazo,osmineirosnãofizeram“assentodonúmerodosbarrisdasaguardentes,nemdasresesquerecolheram,ecortaram

16 A palavra possui raiz árabe. Um almude correspondia a um cântaro de barro comcapacidadeparacercade32litros.Umapipaequivaliaa26almudes,eumalmudea12canadas.Abaixodacanadavinhamameiacanadaeoquartilho.Informaçõesdisponíveisem: <http://www.museumachadocastro.pt>. Acesso em: 11 dez. 2014. Também em:<http://ange.pt/arquivo/unidades.htm>.Acessoem:24fev.2015.Ou,ainda,emGyrão(1833,p.24).

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noanode1773seguindo-sedocontrárioprocedimentodúvidas,econ-fusões à boa regularidade do subsídio, e incômodos aos habitantes”(APM,rolo40,v.283,f.[3]).

EmcorrespondênciaenviadaaLisboanodia1ºdeabrilde1774,ogovernadorPedroAntôniodaGamaeFreitas,quesucedeuFurtadodeMendonça, reiteravaasdificuldadesencontradaspor seuanteces-sor.Aoconsideraroperíododeestabelecimentodosubsídioliterário,afirmavaque:

Tendo o recebimento desta coleta o seu princípio do 1º de Janeiro do

anopassadoemdiante,nestaconformidade temremetidoalgunsdos

OuvidoresdestaCapitaniaasquantiasqueconstamdaContacorrente

junta[...]sendoporémmaiororendimentoqueseachapararecolher

noCofredoqueaquantiaquesefezentrarefetivamentenaTesouraria

Geralnoditoanopassado.(APM,rolo40,v.283,f.[4]).

GamaeFreitasjustificavaoatrasodacoletaliteráriamencionan-dotambémasgrandesdistânciasexistentesentreaspovoaçõesminei-ras,oquecriava“anecessidadedehaveralgumaesperadetempoparaarrecadação”(APM,rolo40,v.283,f.[4]).Solicitavaqueascontaseos sobejos do imposto fossem enviados em meados do ano seguinte ao domanifesto,emvezderemetidosnoprincípiodecadaano,conformedeterminavaalei.

A documentação revela que as comarcas ultramarinas tinhammuitadificuldadeparacolocarascontasemdia.Aos6deNovembrode1776,aJuntadaRealFazendaestabelecidaemVilaRicaenvioumissivaaLisboa,alegandoter

passado tantas e tão repetidas ordens aos Ouvidores das Comarcas desta

CapitaniaparaofimdeserecolheremoslivrosdosManifestosdasCarnes

e Aguardentes para por estes se formar o Mapa Geral do Rendimento do

SubsídioLiteráriodoanode1774eigualparaserecolheraocofreoseu

produtoparacomestesecombinaromesmoRendimento,queparece

impossívelonãosepoderterconcluído,deformaquevendoestaJunta

asuademora,seapertouultimamentenasmesmasOrdens[...]sendo

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ultimamenteaquefaltaconcluiradaComarcadoRiodasVelhas.(APM,

rolo40,v.283,f.[6]).

Os atrasos nos envios das receitas por parte das Câmaras MunicipaisàJuntaeramtãocorriqueirosqueaJuntadaRealFazendamineira, para melhor organizar as contas do imposto, elaborou um“Mapa dos acréscimos que vieram aos rendimentos dos anos abaixodeclaradosdoSubsídioLiteráriodilatadosnosLivrosdosanosqueseexpressamRecolhidosaContadoriaGeraldaJuntadamesmaatéofimdopassadoanode1781”.Oreferidomapa,elaboradoem4defevereirode1782, indicavaloresreferentesaoperíodode1774a1777,ouseja,naqueleperíodo,asCâmaraschegavamaacumularoitoanosdeatraso(APM,rolo40,v.283,f.[17v]).

Mesmocomasinúmerasdificuldadesdecoletaedemoranoenviodos valores auferidos por meio dos livros de receita e despesa do impos-to,foipossívelrealizarumlevantamentodosmontantesenviadosparaocofredosubsídioliterárioemLisboapelascapitaniasdaAmérica.17Asoma da receita do subsídio literário enviada pela América portuguesa-entre1772e1784totalizou210:929$942réis.AsreceitasdascapitaniascommaiorarrecadaçãopodeserobservadanaFigura2,elaboradocombasenosvalorestotais,coligidosRiodeJaneiro,Pernambuco,Bahia,Minas Gerais e Goiás:

Háaindaalgunsvaloresregistradosnadocumentaçãoquenãoforamutilizadosnaelaboraçãodográficoacima.Trata-sede107$144réisindicadosnoslivrosdereceitaedespesadeformagenérica,comoprovenientesda“América”,semindicaçãodelocal.Talvalorcorrespon-dea0,05%dovalortotalarrecadadopelaAméricanoperíodocompre-endidoentre1772-1784.Ademais,algumascomarcascontribuíramcomcifrastãodiminutasqueoptamosporrelacionartaisvaloresaseguir:Pará,com392$400réis(0,19%dototal)ePará/Maranhão,indicadasindiscriminadamente,querenderam38$880réis(0,02%).

17Livrosderegistrodareceitaedespesadotesoureirogeraldosubsídioliterário(AHTC,ER,3752a3762).

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Figura2–ReceitasdosubsídioliterárionascapitaniasdaAméricaportuguesa(1772-1784)

Fontes:AHTC(ER,3752a3762).

De volta à Figura 2, o que nos chama imediatamente a aten-çãosãoasreceitasarrecadadaspeloRiodeJaneiro,com39%dototal(81:267$202réis);Pernambuco,com32%(67:686$195réis);eBahia,com18%(37:677$867réis).Somadas,astrêscapitaniascontribuíramcom89%domontanteenviadopelaAméricaparaocofredosubsídioliterárionametrópole.

A título de comparação, tendo por base a mesma série do-cumental, apresentamos os valores auferidos em Viana, a comarcaportuguesa commaior receita, que apresentou 127:748$918 réis, e aCompanhiaGeraldaAgriculturadasVinhasdoAltoDouro,quearre-cadou335:855$816réisaolongodevinteedoisanosderecolhimen-todoimposto(1772-1794).Comovimos,aAméricaportuguesaenviou210:929$942réisnoperíodode1772-1784(dozeanosderecolhimen-to).MesmotendosidoregistradosdezanosamenosdoimpostoparaaAmérica,ascifrasreferentesàcolôniaforambastantesuperioresàsdaComarcadeViana,aquemaiscontribuiunoReino.Todavia,nãoconse-guiramsuperaroexpressivorecolhimentodaCompanhiaGeral,oqual

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tambémforaobservadoporGermano,queressaltou“opapeldestaca-doque[amesma]ocupanasreceitas”(Germano,1966,p.100).EntreasIlhasAdjacentes,areceitadaIlhaTerceirafoiamaissignificativa,com13:030$470réisrecolhidosemdezesseisanos(1772a1788).Paracompararmos, retomemososdados: a capitania americanaquemaiscontribuiu,adoRiodeJaneiro,somou81:267$202réis.Aqueteveamenorcontribuição,adeGoiás,enviou9:590$152réis.AarrecadaçãodaIlhaTerceira,com13:030$470réis,eramaispróximadacapitaniadeMinasGerais,quecontribuiucom14:170$102réis,apesardasdife-rençasterritoriaisedeproduçãodosdoisterritórios.

ComrelaçãoàeconomiadaAmérica,amaiorpartedascapita-niasquefiguramna Figura 2 possuíaumaeconomiaquesebaseava,so-bretudo,naproduçãoaçucareiraedetabaco,querendiamuitasreceitasàCoroaportuguesa.RiodeJaneiro,PernambucoeBahiaparticiparam,nofinaldoséculoXVIII,daexpansãodaproduçãodacana-de-açúcar,aqualteveimportânciafundamentalnaeconomiacolonial(Silva,1990).Aproduçãodecachaçanacolôniaeraconsiderável.Estima-sequecercade310mil litrosde cachaça foramenviadosanualmentedaAméricaportuguesaparaAngolaeque“cercade25%dosescravostrazidosdaÁfrica para o Brasil entre 1710 e 1830 foram trocados por cachaça”(Venâncio;Carneiro,2005,p.55).Em1679,aCoroaportuguesaproi-biuaexportaçãodecachaçaparaAngola,alegandoqueoconsumoexa-geradodabebidacausavadanosàsaúdedesoldadosedeescravos,masessalegislaçãonuncafoirespeitada.

DevoltaaosdadosapresentadosnaFigura2,MinasGerais foiacapitaniaqueocupouoquartolugaremcontribuiçõesparaosubsí-dio literário, tendoenviadoparaLisboa14:170$102réis,oqueequi-vale a 7%do total arrecadadopelaAmérica, seguidaporGoiás, com9:590$152réisou4%.NoqueserefereàproduçãodeaguardenteeaosubsídioliterárioemMinas,taiscifrasnãopodemserlidascomosendopequenaaproduçãodecarneoudeaguardente.Outrossim,corrobo-ramasdificuldadesdearrecadaçãorelatadasnadocumentaçãoaludidaanteriormente. As atividades agrárias emercantis emMinas tinhamcomoumdeseusprincipaisgênerosaaguardente.Ahistoriografiaso-breaeconomiamineiraconsiderainegávelaimportânciadaextração

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auríferamasafirmaque,desdeo séculoXVIII,haviaumdinamismoeconômico que se baseava na agricultura de subsistência mercanti-lizada,aqual teriamantidoaeconomiamineiraativamesmoapósodeclíniodamineração(Libby,1988;Meneses,2000).Nacapitaniadoouroedosdiamantes,houveumapolíticaempreendidapelametrópo-le contra o estabelecimento dos engenhos de cana-de-açúcar durante oséculoXVIII.DeacordocomMarcusFlávioSilva(2008,p.199),aCoroasepreocupavacomoconsumodescontroladodaaguardente,quepoderia tanto incentivar odesviodoouroquantoprejudicar a saúdedosescravosempregadosnaslavrase,portanto,proibiraavendadeca-chaçanasáreasmineradoras.Todavia,acachaçaeramuitoconsumida,consideradaumgêneroimportanteparaasaúdenoperíodoeutilizadapelapopulaçãona curadedores, inflamações, feridas etc.Tendoemvistaseualtoconsumo,osmineirosenviavampedidosdelicençaparaaCoroa,solicitandoautorizaçãorégiaparaaconstruçãodosengenhos.Ocomérciodeaguardenteeraproibidonasáreasmineradoras,masnãoemtodaacapitania,e“asautoridadestinhamplenaconsciênciadequediariamente chegavam nas vilas e arraiais cavalos carregados com bar-risdeaguardentedaterra[...]equeessecomércioeramuitoimportan-te,nãosóparaosdonosdeengenhos,mastambémseusencarregados”(Silva,2008,p.206).

Ao longodoséculoXVIII,apolíticade seproibirosengenhosemMinasGerais teveque serflexível e aCoroaacabouporpermitirseu estabelecimentona capitania.Se,porum lado,podemosafirmarqueemMinas,nossetecentos,haviagrandefabricodecachaçaeoutrosvíveres,poroutro,“analisarestatisticamenteaproduçãoagropastorilemanufatureiraéempreendimentoimpossível”(Meneses,2007,p.257).Istosedáporqueosdocumentosdisponíveiscontêmlacunaseincon-sistênciassemsolução.Todavia,devemosteremmentequeacapitaniadeMinasGeraispossuíapequenasunidadesprodutivasdispersasporum territórioextenso, sendocortadapor caminhosnada fáceisde setrilhar.Taiscaracterísticaspossivelmentedificultavamacoletaliteráriaefacilitavamasonegaçãodoimpostoporpartedosprodutores.

Ahistoriografianãoconhececomrigorasreceitasgeradaspelosubsídio literário e muito menos as aplicações feitas com esse impos-

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to em cadaumadas capitanias americanas.Dentre osdadospubli-cados,encontram-seostrabalhosdeAdrianaSilva(2007)acercadePernambucoedeDianadeCássiaSilva(2008),queanalisouoTermodeMariana,MinasGerais.Pormeiodeinformaçõesobtidassobre26anos de cobrança do imposto nos “Livros de Manifesto” de Mariana (1777-1778 e 1782-1808),Diana Silva (2008, p. 28) concluiu que osubsídio literário rendeu “aos cofres da Fazenda Mineira o valor de 21:139$340. Desse valor, 3:498$860 é referente aosmanifestos decarneeorestante,17:640$480éreferenteàproduçãodeaguarden-te”.Partindodedocumentaçãodiferenteesedetendosobreumperí-ododetempobastanteinferior,combaseemtrês“mapas”,AdrianaSilva realizou um balanço do subsídio literário para a Capitania de Pernambucoesuasanexas(AlagoaseParaíba)entre1774e1777.Elaschegaram a 47:435$257 de receita e 1:071$249 de despesas (Silva,2007, p. 95). Emmenos de quatro anos, as 22 Câmaras que com-punhamaregiãoàqualAdrianaSilva(2007)sereporta(quatroemPernambuco,quatorzenaParaíbaequatroemAlagoas)arrecadaram26:295$917réisamaisdoqueoTermodaLealCidadedeMarianaemvinteeseisanos.ConsideráveldisparidadeentreasreceitasauferidasemPernambucoeemMinasGeraistambémfoiidentificadaemnossainvestigação,comomostramosemlinhasanteriores.

Detendo-nosaosdadosreferentesàcapitaniadeMinasGerais,entre1774a1790(APM,rolo40,v.383),18 as receitas do subsídio lite-rário para esses dessezeis anos de recolhimento sobre carnes verdes e aguardenteschegarama75:768$829réis.Somadosaoutros390$843réisrelativosasobrasdoanode1786,asreceitastotalizaram76:158$843réis(APM,rolo40,v.383).Faz-seimportante,ademais,consideraraarrecadaçãoisoladadecadaumadasquatrocomarcasmineiras.Nope-ríodoindicado,deramentradanocofredaJuntadaRealFazendadeMinasasseguintescifras:daComarcadeOuroPreto,4:306$338réis(sendo13:117$639decarnesverdese11:188$699deaguardente);19 da

18 No presente capítulo, optamos por trabalhar com esse documento, que apresentamapas e balanços anuais da receita e despesa do subsídio literário, o que facilitou apesquisa.Dadosretiradosdomesmodocumento,referentesaoperíodode1772a1777,forampublicadosporMorais,OliveiraeSantos(2012).19NaslocalidadesdeVilaRicaeMariana.

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ComarcadoRiodasVelhas, 28:204$256 réis (dos quais 12:312$188emcarnese15:892$068emaguardente);20daComarcadoSerroFrio,13:927.805 (6:392$368 em carnes e 7:535$437 em aguardente);21 porfim,daComarcadoRiodasMortes,9:330$430réis (3:023$959decarnese6:306$471deaguardente).22 Observando os valores arre-cadadospelasquatrocomarcasconformeosprodutostaxados,temos40:922$675réisprovenientesdeaguardentee34:846$154réisdecar-nesverdesque,somados,chegamaototalde75:768$829réisdereceitaaludidosanteriormente.Osdadosrevelamqueaaguardenteeraopro-duto mais rentável para a coleta literária entre as comarcas de Minas Gerais–comexceçãodaComarcadeOuroPreto.Sobopontodevistadostotaisarrecadados,háumasuperioridadede6:076.521réisnosde-pósitosdeaguardente.

Valeaindaobservar,apartirdaFigura3,omovimentodosdepó-sitosdasreceitasrealizadospelasquatroComarcasdeMinasGeraisnaJuntadaRealFazendaaolongodoperíodocomprendidoentre1774-1790.Asremessasdosvaloresarrecadadoscomosubsídioliterárioco-meçaramaltasedecaíramdeformabastanteregularatéoanode1777,quecoincidecomofimdoreinadodeD.JoséI.Demaneirageral,conti-nuaramadeclinarnosprimeirosanosdoperíodomariano,mostrandoelevaçãonosanosde1781e1782.OsmaiorespicosdeenviodasreceitasficaramporcontadaComarcadoRiodasVelhas,coincidentementeaquemaiscontribuiudentreasoutras.AmenoroscilaçãonosenviosaolongodotempopodeseratribuídaàComarcadoSerroFrio.AComarcadoRiodasMortes,quesobopontodevistadosvalorestotaisfoiaquemenoscontribuiuemrelaçãoàsoutras,possuíanúmerosmaiselevadosde remessasdoqueaComarcadoSerroFrioatéoanode 1778,anoemquenãocontribuiucomoimposto.Apartirdessadata,tornou-seacomarcaquemenosenviavavalores,interrompendodefinitivamenteosdepósitosnoanode1785.Assim,asinstruçõesde7dejulhode1787(Portugal, 1787c), anteriormente aludidas, ordenadas porD.Maria I

20EmCaeté,JulgadodoCurvelo,JulgadodeParacatu,JulgadodeSãoRomão,Papagaio,PitanguieSabará.21Nosseguinteslocais:BarradoRiodasVelhas,MinasNovaseViladoPríncipe.22NasVilaseTermosdeSãoJoãodel-ReiedeSãoJosé.

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visandoatornaratributaçãoliteráriamaiseficaz,nãotiveramimpactonoenviodasreceitasdo impostopelasComarcasdeMinasGerais.AdiminuiçãodosdepósitosnaúltimadécadadoséculoXVIIIapontavaparaanecessidadedemudançanaformadearrecadaçãodoimposto,oquefinalmenteocorreunoanode1800,conformedissemosnoiníciodestecapítulo.

Figura3–ReceitasdoSubsídioLiterárioemMinasGerais(1774-1790)

Fonte:APM(rolo40,v.383).

Deoutraparte,noqueserefereàsdespesas,omesmodocumen-toregistrouqueforamgastos70:673$648réiscomordenadosdepro-fessores entre 1778 a 179123(trezeanos)(APM,rolo40,v.383).Aosub-trairmosessascifrasdototalde76:158$843réisdereceitaqueexistiamem cofre recolhidos entre 1774 a 1790 (dezesseis anos), chegamos a5:485$195réisdesobejosque,porforçadelei,deveriamserremetidos

23Osprofessoresdeveriamreceberordenadosdiferenciados,conformesuasespecialidades.Em1795,oficialmenteossalárioseram:mestredeFilosofia460$000réis,deRetórica440$000, de Gramática Latina 400$000 e de Primeiras Letras 150$000, conforme“RelaçãodoquevenceramosprofessoresrégiosdaCapitaniadeMinasGerais” (1795-1797).DocumentooriginaldoArquivoHistóricoUltramarino,digitalizadopeloProjetoResgateedisponívelparaconsultanoAPM:AHU,Cx.148,Doc.06,Cd43.OsmesmosvaloresdesaláriosforampublicadosporFonseca(2010,p.71).Atítulodecomparação,oOuvidordeVilaRicarecebiadeordenado500$000réisemais400$000pelocargodeJuizdosFeitosdaFazenda,alémdequasedoiscontosderéisdepropina–totalizando2:900$000réis,conformeAntunes(2007,p.175).

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paraoTribunaldaRelaçãodoRiodeJaneiroe,posteriormente,paraocofredosubsídioliterárioemLisboa.Todavia,comoevidenciamosan-teriormente,osdadosrecolhidosnoArquivodoTribunaldasContasdePortugalrevelamqueaCapitaniadeMinasGeraisremeteu14:170$102réisdesobejosaocofregeraldeLisboaentre1772e1784(dozeanos).Portanto,cifrasmuitosuperioresàsencontradasnadocumentaçãomi-neira,paraumperíodoinferiorderecolhimento.Dessaforma,emnos-sapesquisa,deparamo-noscomdiscrepânciasque,infelizmente,aindanãoconseguimoscompreender.

Existem indícios que comprovamque osmestres sofriam comatrasosdesalário,ehádocumentosqueafirmamqueorendimentodoimpostoliterárioemMinasnãoerasuficienteparamanteropagamentodosordenadosdosprofessoresemdia.Segundoa“Relaçãodoqueseestá devendo de Ordenados aos Professores Régios dessa Capitania de MinasGeraisatéo4ºQuarteldocorrenteanode1800”,24dos39mes-tres em exercício no territóriomineiro naquele ano, todos possuíamordenadosatrasados,sendoquealgunsseencontravamasessenta,atésetentamesessemreceber.25Nessemesmodocumento,indica-sequeadívida da Junta da Real Fazenda de Minas Gerais para com os mestres totalizava33:346$430réis.Aquestãosobreospagamentosdossaláriosdos mestres parece-nos relevante para a compreensão da discrepância dascontasdosubsídioliteráriolevantadasatéomomento,masaindanãoconseguimosavançarnessecaminho.

cOnsidEraçõEs finais

NoséculoXVIII,acriaçãodosubsídioliteráriopodesercom-preendidacomoumamedidaquevisavaafortaleceropoderabsolutoeseinseriaemumcontextodemudançasqueocorriaemPortugale

24 Documento original do Arquivo Histórico Ultramarino, digitalizado pelo ProjetoResgateedisponívelparaconsultanoAPM:AHU,Cx.154,Doc.51,Cd46.TaldocumentofoipublicadoporMorais,OliveiraeMargoti(2012).25EssarealidadeeracomumemoutrasCapitanias.VideocasodoprofessordeLatimJosé Elói Ottoni, assistente na Vila de Bonsucesso deMinas-Novas, Bahia. Em 1797,estavaháquatroanossemrecebersalário.ComonãoencontravasoluçãoparaoproblemanaAmérica, foipessoalmenteaLisboareclamarorecebimentodeseusordenados.Cf.Cardoso(2002).

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Pela “unidade da causa do interesse público” • 101

outrasnaçõesdaEuropa.Comumespectrogeneralizado,osubsídioliteráriotraziaemsiumavisãodeEstadocentralizador.AbuscaporumEstadocentralizadosebaseavaemumalógicasegundoaqualorei (ou a rainha) deveria ser a condição suprema da legitimação do governo.Dessamaneira,obemcomumeradefinidopeloEstadoecor-porificadonafiguradorei.Eleeseusrepresentantesdeveriamgerirosimpostosembenefíciodobemcomum,destituindoospoderesein-teressesparticulares,fossemeleslocaisouindividuais.Inseridanesseprocesso centralizador se encontravaaJuntadoSubsídioLiterário,quedeveriaseocupardaadministraçãoecoletadoimposto.Durante15anos, todaequalquerquestãoacercadotributo foiresolvidaporesse órgão, pois que possuía jurisdição privativa e exclusiva sobreosassuntosrelacionadosàsreceitasedespesasdosubsídioliterário.Assim,inicialmentehaviaumsentidoparaoimposto,queeraama-nutençãocentralizadadeumaestruturafinanceira, sobretudoopa-gamentodosordenadosdosprofessoresrégios.Todavia,essesentidonão se sustentou com o passar do tempo e a característica altamente centralizadoranão sobreviveu ao séculoXIX.Paramelhor tributar,fez-senecessáriodescentralizar.

Ao analisarmos a instituição do subsídio literário na América portuguesa,percebemosquemuitosforamosobstáculosenfrentadospelosrepresentantesdiretosdopoderparaquealeipudesseserse-guida,eocasomineiromostrou-seexemplarnessesentido.Quandoconsideramos as receitas do subsídio literário remetidas para Lisboa pelas capitanias americanas, devemos ter emmente que as comar-cascommaiorproduçãonãonecessariamenteeramaquelasquemaisarrecadavamoimposto,umavezquehaviaobstáculosquedificulta-vamacobrançaeMinasGeraistambémseencontravanessasituação.A produção de aguardente era uma importante fonte de renda nas capitaniasdoRiodeJaneiro,dePernambuco,daBahiaedeMinasGerais.Mastantoafaltadepessoalpararealizaracobrançaquantoaburladosprodutoressefizerampresentes.NocasodeMinasGerais,devemosacrescentarasdivergênciascomrelaçãoàfaltadeunidadeadotadaparaasmedidasdevolumeeasdificuldadesemseestabele-cerummétodoúnicoparapesaracarnebovina.Ademais,asgrandes

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dimensões do território e a dispersão das localidades obstavam uma fiscalizaçãomaiseficiente.

Porfim,buscamoscompreenderverticalmenteaarrecadaçãodasquatrocomarcasmineiras.OsdadosrevelamqueaComarcadoRiodasVelhaseraaquemaisenviavavaloresàJuntadaRealFazenda,segui-dadaComarcadeVilaRica,dadeSerroFrioe,porfim,dadeRiodasMortes.EmMinas,aaguardenteeraoprodutoquemaisauferialucrosparaacoletaliterária.Aolongodotempo,aoscilaçãomarcouasremes-sas dos valores arrecadados pelas Comarcas à Junta da Real Fazenda mineira.AComarcadoRiodasMorteschegouainterromperacontri-buiçãoaoimpostoliterárionofimdoperíodoanalisado.

Apesardenossosesforçosparaqueosdadoslevantadosemnos-saspesquisas epublicadosneste capítulo sejammelhor compreendi-dos,faz-senecessáriomaistempoenovasinvestigações,especialmentenoqueserefereaosgastosrealizadospelaJuntadaRealFazendacomossaláriosdosprofessores.Nessesentido,háaindamuitooquetraba-lhar.Ficaaquiumconviteaoshistoriadoresmineirosmaisjovens.

rEfErências

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104•HistóriadaEducaçãoemMinasGerais|1.Colônia

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Pela “unidade da causa do interesse público” • 105

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rediGir “por outraS mãoS”:os usos da escrita em Minas Gerais no período colonial1

Sílvia Maria Amâncio Rachi Vartuli2

a história da EducaçãO E a Escrita: alGuns apOntamEntOs

Pelos olhares que buscam conhecer, por meio de variadasperspectivas de investigação, as estratégias de aprendiza-gem desenvolvidas pelos sujeitos na América portuguesa,tem sidopossível identificar e analisar práticas educativas

ocorridasemespaçosdiferentesdaquelestradicionalmenteresponsá-veispeloensino.Comintençõesecaminhosrenovados,aspesquisasnocampo da história da educação visam descortinar modos de apreensão e circulação dos conhecimentos e contribuir para a compreensão dos lugaresocupadosporhomensemulheresnoscenáriossociais.

Ao seguir os passos dos estudos desenvolvidos nas últimas dé-cadasnocampodahistóriadaeducação,ebuscandotecerumdiálogocomahistoriografia consagrada aoperíodo colonial, bem como comoutroscamposdoconhecimento,destacadamentecomalinguística,opresentetextoéfrutodapesquisadedoutoradoquepretendeuinves-

1EstapesquisafoirealizadacomosrecursosdabolsadedoutoradoconcedidapelaCapes.2 Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de MinasGerais(2014),éprofessoradoDepartamentodeHistóriaedapós-graduaçãodaPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e assistente de coordenação do Centro deMemóriaedePesquisaHistóricadestainstituição.

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tigar os usos sociais da escrita feitos por mulheres em Minas Gerais no períodode1780a1822.

As principais fontes utilizadas na investigação foram os testa-mentos post mortemdasduasúltimasdécadasdoséculoXVIIIedasduasprimeirasdoXIX(até1822),pertencentesaoacervodoArquivodo Museu do Ouro/Instituto Brasileiro de Museus (Ibram)/Casa Borba Gato,emSabará,MinasGerais,equesereferemaoantigoterritóriodaComarcadoRiodasVelhas.3Essaopçãointencionouampliarolequedeinformaçõesacercadasformasdeviverdastestadoras.4

Buscamos,comasfontesprincipais,colhereanalisar informa-ções referentes aos usos da escrita empregados pelas mulheres no pro-cesso de elaboração dos discursos presentes nos chamados documentos oficiais ena interpretação, reafirmaçãoe legitimaçãodessesmesmosdocumentos.Paraaanálise,abordamosaescrita como o registro grá-ficoetextualquepermiteacomunicaçãoentreossujeitoseentreesteseasinstituições.Mecanismocognitivo,própriodeumtempo,consenteaexpressãodepensamentos,possuindoregrasprópriasefinalidadesespecíficas.

Se,porumlado,atéoséculoXVIII,aescritaésinonimizadaàcaligrafia, reduzindo a possibilidade de escrever àquele que detinhaahabilidadededesenharas letrascomperfeição,poroutro, torna-seplausívelpensarqueatransferênciadopensamentoparaopapelnãosedava,necessariamente,pelasmãosdequemescrevia.ParaMárcia

3 As referências à documentação do acervo documental desta instituição serão feitasnotexto iniciando-sepelasiglaMO/CBG/CPO/LT(MuseudoOuro/CasaBorbaGato/Cartóriodo1ºOfício/LivrodeTestamento),seguidadosnúmerosespecíficosdoslivros–cotasatuaisecotasantigas(númeroentreparênteses)–edasfolhasconsultadas.Cf.Vartuli(2014).4Aconsultaaosinventários,assimcomoaostestamentosdehomens,foirealizadapormeio do Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas noSéculoXVIII. O projeto originador desse banco (doravante denominado apenas por Banco de Dados de Inventários e Testamentos) foi coordenado pela professora Beatriz RicardinaMagalhãeseestevesediadonaFaculdadedeFilosofiaeCiênciasHumanasdaUniversidadeFederaldeMinasGerais.Oprojeto referiu-se ao levantamentode todosos inventários e testamentos do séculoXVIII, da Comarca doRio das Velhas, que seencontram na Casa Borba Gato, arquivo documental doMuseu do Ouro, em Sabará.O trabalho contou com financiamento do CNPq, da Fapemig e do CPq da UFMG.Agradecemos à professora BeatrizRicardinaMagalhães e ao ex-estagiário do projeto,RaphaelFreitasSantos,porfacultar-nosoacessoaosdados.

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Redigir “por outras mãos” • 109

Almada (2012,p.33), tal sinonímia traduzacompreensãodaescritacomo“açãoquepossibilitaaconcretizaçãovisualematerialdo textosobreumdadosuportee,talcomooprópriotexto,expressaatitudes,pensamentosesimbologiasespecíficasdecadaépocaesociedade”.

Logo,podemosindagar:seaescritaassumeapropriedadedeins-trumentoreveladordamentalidadedeumtempo,esenoperíodocon-sideradoessahabilidadeeraatributodepoucos,comosecomunicaramaquelesquenãoadetinham,vencendoadistânciaespacialetemporal?Dequemodofizeramvalerseusdireitoseseposicionaramdiantedasinstânciasrepresentativasdopoder?Porquaismeiosregistraramefor-malizaramsuasdemandas,interessesedisposições?Comomecanismoqueexpressapensamentos e simbologias específicas de cada época e sociedade,ostextospossuemautoriasdiferenciadas,poismuitossãoospensamentoseintençõesqueveiculam.Dessaforma,são/foramforja-dospordistintoscaminhos,porquantoosexcluídosdaescritatambémdelasevaleramaolongodesuasvidas.

Aesserespeito,istoé,dautilizaçãoeapropriaçãodoscódigose/oudalógicadosistemaalfabéticopelosiletrados,BouzaÁlvarez(apudAlmada,2012,p.35)registra:

Asnotíciasquetestemunhamocontatodapopulaçãoanalfabetacoma

escritaquenãopodiamentenderporsiprópriossãotãoabundantesque

permitemromperasbarreirasestabelecidaspelahistoriografiaentreas

culturasletradaeiletrada.Sejamediantealeituraemvozaltaouoser-

mão,sejapormeiodadelegaçãodaescritaa terceiros,osanalfabetos

tomaramcontatocomostextosescritoseconviveramcotidianamente

comeles,chegandoinclusiveaserseusproprietários.

Pelo exposto, e pensandona realidade dasMinasGerais colo-niais,écorretoafirmarque,emsuascondutasrotineiras,sujeitosile-tradosenredaramformasdeleredeescrever.Taispráticasretiramovéuexistentesobreousodoscódigosculturaise fazem-nosperceberque estes são vivenciados e compartilhadospara alémdas fronteirasdasdistinçõessociais(Chartier,2003,p.151-153).Nodesenrolardasvivênciaseexperiênciasenanarrativadestas,diferentessegmentosda

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população, entre eles osnão letrados, “escreveram” suas trajetórias,partilhando da “cultura letrada”, código cultural destinado a outrosgrupossociais.

Questãocandente,masaindapouco investigadanahistóriadaeducação,oestudodasligaçõesestabelecidaspelasmulheresdedife-rentescamadassociaiscomaescritanoaludidocontexto,bemcomoa relação desses conhecimentos com as práticas cotidianas podem elu-cidar aspectos fundamentais da configuração e da dinâmica sociais.Podem,igualmente,fazeremergirumanovacompreensãodasdiferen-tesmodalidadesefunçõesdaescrita.Dessemodo,pensamososusosqueasmulheresfizeramdaescrita–porintermédiodesuaselabora-ções discursivas – como práticas educativas, isto é, como formas deapreensãodedeterminadoconhecimentoqueescapamaoslimitesouàrigidezinstitucional.

Defendemosqueasmulheresutilizaramaescritacomfinalida-deespecífica,vinculadaaospropósitosdavidacotidiana,istoé,numasituação interacionalque teve lugaremsuashistóriasdevida.Dessautilização resultou a diversidade do ato de escrever, sendo que aquiclassificamosumadessasmodalidadescomoescrita mediada,quesedádemaneirasolidária.Talmodalidadecontrapõe-seacertavisãomo-nolíticadousodaescrita,comprometidaunicamentecomacapacidadeautônomaderedigir,comaalfabetizaçãoemseusentidorestritoou,emúltimainstância,comaeducaçãoinstitucionalizada.

a cOmarca dO riO das vElhas: caractErísticas

Caracteristicamenteurbana,aVilaRealdeSabaráconfigurou-secomo espaço de sociabilidades onde aspectos culturais mostravam-se emrelevo.NoiníciodoséculoXIX,asruasdeSabarácontavamcomcalçamento feito compedraspequenas e assimétricas.Muitasdessasruaseramlargas,comcasascobertasdetelhas,àsemelhançadeoutroslugaresdaComarca.Ascasasdemoradia,emgeral,seapresentavamcomumandar e janelas comvidraças.Em tomde vermelho-escuro,rótulas e portais coloriam e alegravam as moradias e ares do local.Homens e mulheres conversavam em meio às muitas lojas de comestí-

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Redigir “por outras mãos” • 111

veisefazendas,tabernasebelasigrejas,comoadoCarmo,ornadaemdourado,portadoradeobrasdeartereluzentesdiantedailuminação.Aconformação urbana de Sabará não apresentava diferenças substanti-vasemrelaçãoàsoutrasvilasdaCapitania,tantonorespeitanteàcons-trução dos edifícios residenciais e oficiais quantona disposição e notraçadodasruasenainstalaçãodoaparatourbanodaépoca.5

A Comarca do Rio das Velhas teve na mineração a atividade econômicamotivadoradoiníciodesuaocupação.Todavia,tenhamossempreemcontaqueocomércioassumiupapeldedestaqueparaaeco-nomiadaCapitaniae,emparticular,paraaComarca.Caracterizada,desdeseusprimórdios,peladiversificaçãodasatividadeseconômicas,muitoseramoscasosdeunidadesprodutivasque,séculoafora,nãoseencontraramvoltadasexclusivamenteparaaextraçãoaurífera.Essarealidadefaziaparte,portanto,doquadrocaracterísticodaCapitaniadeMinasGerais,ondeaexploraçãodoourosedesenvolviaemcon-comitânciacomasatividadesagropastorisecomerciais.Responsávelpelaligaçãodosmercadosinternos,ocomércionaCapitaniapropor-cionou o acúmulo de bens e a concentração de investimentos em de-terminadasregiões.

Sublinhemos o fato de a agricultura ter assumido papel funda-mentalnaCapitaniadeMinasedamesmaformanaComarcaemcausa,destacadamenteocultivodealimentosvoltadosparaasubsistênciaco-tidiana,tantodoshomensquantodosanimais.Nessadireçãohá,aolon-godoséculoXVIII,umaumentocontínuodaparticipaçãodasunidadesagropastorisnos investimentosdosmoradoresdaregião(Magalhães,2002).Significadizerque,localizadanocentrodaCapitania,aComarcadoRiodasVelhasabrigavaumexpressivomercado interno,assenta-do em comércio dinâmico, favorecendo a circulação demercadoriase agentes diversos, contribuindo para maior efervescência cultural.Repita-se.Sendoricaemveiosauríferos,aregiãopossuía,igualmente,terras férteis para a agricultura e pecuária.Oprincipal investimentodosmoradoresnaComarcadiziarespeito,noséculoXVIII,àcompradecativos,seguidodaaquisiçãodeimóveis,istoé,dosterrenosedos

5SobreaconformaçãourbanadeSabaráesuavidacultural,consulte-se,dentreoutros,Fonseca(2003).

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bensneles construídos e produzidos, incluindo-senessa categoria asmoradiasnacidadeounocampo.Essesdadospodemserconfirmadospelaconsultaquernosinventários,quernostestamentos,saltandoaosolhosonúmerosignificativodeproprietáriosdecativosedecasasdemoradas,sítios,roçasefazendas.Nasequência,destaca-seaimportân-ciadosinvestimentosemanimais,principalmentenosplantéisdebo-vinoseequinos,fatorpossivelmenteassociadoàsatividadespecuárias,deabastecimentodaregiãoedetransporte.

a Escrita mEdiada

Em nossa pesquisa, observamos que as narrativas, no casodos textos testamentais, ao apresentarem as disposições relativas aodestino/àpartilhadosbenselegados,configuravam-se,também,comoconjuntoderepresentaçõessobreopassado,opresenteeofuturo.Aescritafuncionou,paraessessujeitos,senãocomoato–açãodeescre-ver–,comofato,acontecimento,momentonoqualavida,atrajetóriapassada,osvaloreseasprospecçõescristalizaram-senopapel.

Observemos, por exemplo, o testamento de Brites Correa deOliveira,solteira,naturaldacidadedaBahia,filhadeFelipaFerreira,onde ela declarou:

eatodosossobreditosmeusfilhosconferiaquelasporçõesparaosseus

estadosquehãodeconstardeumarelaçãoquehádeirjuntanestemeu

testamentocomoparteprincipaleparaquese lhehajadedaraquele

créditopioquemerecedeverdadequenoditopapelrecontoeparaque

osmeusherdeiroshajaafacedomesmopapelreclamar,pedirehavero

quediretamentesegundoasleismepertencerparacujasaçõestambém

vãoherdeirosinstituídosporquantoeu,comomãe,nãotinhaobrigação

deditarcomtanta largueza,antesdevorepetirasdespesasquetenho

feitocomosmeusfilhoscomoalgunsdosmeusfilhosreceberãodemim

ehaverão,porisso,façoataldeclaraçãonotalpapelparaquesedêa

quemlegitimamentesedeverenistoolhandoparaDeuseparaminha

consciênciaeparaesta[?]contaquelhehádedarnãoqueroqueminha

vontade[…]nemminhaliberdadeseestendamaisaumqueaoutros

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Redigir“poroutrasmãos”•113

enestepontonãofaçocasodaingratidãocomquesempremetratoue

enganosquemefezmeufilhodoutorJoséCaetanodaSilva[sic]porque

sedasuafazendaosoutrosmeusfilhospuderemhaveroqueeuporerro

eenganolhedei,peçoàJustiçaqueinteiramentesatisfaçaaoseudever

porqueaminhavontadeéreclamarerepetiroquepuderserreclamado

erepetido.(MO/CBG/CPO/LT51(70),f.117-127v).

A testadora narra todas as medidas tomadas com relação às par-tesdosbensquecaberiamaosherdeirose,ainda,fazquestãoderegis-traroquepensa,no tempopresente, sobre suaspróprias ações, queextrapolariamseupapeldemãe.Seu texto carrega elementosdeumdiscurso relacionado aopassado, aopresente e ao futuro, pois, alémderelatarfatosocorridos,elaseexpressanoexatomomentododita-do,ouseja,dizossentimentosquetêmemrelaçãoaofilhono“tempopresente”,aoafirmar:“nãofaçocasodaingratidãocomquesempremetratou”.OutropontoimportantedotextoditadoporBritesCorreiadizrespeitoaodesejoderetificaçãodaquiloquepoderiaterfeitopor“enga-no”,fazendovalereregistrar-sesuavontadedemudançacomrelaçãoaatitudestomadasnopassado.

Passado, presente e futuro coadunam-se, dessemodo, em suanarrativa,descortinandonãosódesejosdeordemprática,massenti-mentos,acontecimentospessoaiseposicionamentosocial.A“escrita”revela-se importante dispositivo para o registro das intepretações con-cernentesaoseventosdaprópriavidaedaspessoascomasquaissere-lacionava.Emsuanarrativa,elacontinuaadeclararosacontecimentospassadosqueenvolveramseufilho,odoutorJoséCaetanodeOliveira.Prossegueaexprimir-se:

DeclaroqueoditomeufilhoodoutorJoséCaetanodeOliveiramandou

lavrarumpapeloqualnãoseioqueconstaeeleomandouassinarsem

euserouvida.Casoosherdeiros [?]queiramrepartiralgumaquantia

deminhafazendaousejapormododedoação,euoheipornuloede

nenhumvigorpornãoterdadoaoditofilhoconsentimentoalgumpara

issoaindaqueneleseachedeclaraçãodequeeuoassineicomumacruz

equeoutrapessoaoescreveuameurogoeoassinou.Desdejádigoque

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onãoassineinemomandeiescreverequetudoéfalso.(MO/CBG/CPO/

LT51(70),f.117-127v).

AtestadoraseposicionacomrelaçãoàsatitudesdeseufilhoJoséCaetanoereafirmaoseudesejoepensamentoaesserespeito.Deixaexplícitaainsatisfaçãocomasaçõesdofilhoe“prevê”ouconjeturapos-síveismedidasaseremtomadaspelosoutrosfilhos.Mesmoassinandoemcruz,comoconstaemseutestamentoecomodeclarapoderterfei-toemrelaçãoaodocumento“falso”porelamencionado,BritesCorreaéenfáticaaoafirmaroqueéválido,oque“escreveu”e“assinou”eoquenão teria “escrito”, tampouco“assinado”,mesmopor intermédiodeoutrapessoa. Invalida, assim, comseudiscursooral,documentossupostamenteredigidosporalguémquesabiaescrever.Deformaseme-lhante,aafirmativa“eomandouassinarsemeuserouvida”expressaaindispensabilidadeeaimportânciadaoralidadenocontextocomocon-dição de legitimação para a elaboração e o registro dos conteúdos escri-tos,independentementedestesapresentaremassinaturasousinaisqueosvalidassemperanteaJustiça.

Comonosmostraahistoriografia,aoralidade,noquerespeitaàspráticasdeleitura,erahábitocomumnoperíodoemfoco,permitindoocontatoe/ouaaquisiçãodosconteúdosescritos.Sejanosespaçosreli-giosos,navivênciadomiciliarouaoditarseusdocumentos,asmulheresabsorveram elementos da escrita ao travarem contato com discursos or-ganizadosdeacordocomalógicadaescrita.Issosedeuprincipalmentepormeiodaleituradeoitiva,realizadatantonointeriordeinstituições,asquaistiveramimportantepapelnainstruçãofeminina,quantoforadosmurosinstitucionais.

Apesar de reconhecermos a importância da leitura de oitiva e da escritamediada, entendemosque apossedashabilidadesde lereescreverencerraumpodernoexercíciodepapéisdiferenciadosdeuma sociedadeparaoutra.Acreditamos, porém,queomais impor-tantenãoseriatantoevidenciarasconsequênciasdodomíniodessashabilidadesnavidadosindivíduos,massimosusossociaisdaescri-ta feitospelossujeitos, independentementedodomíniodoscódigosalfabéticos.Interessa-nosidentificarosusosdaescritapelasmulhe-

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Redigir “por outras mãos” • 115

res como atitudes cognitivas e sociais propulsoras dos atos de comu-nicação emarcados pela subjetividade. Segundo JustinoPereira deMagalhães(1994,p.49),nassociedadesescritas,“opensamentoclás-sicoestáagoramunidodeuminstrumentoqueaglutinaasnotaçõesoraleescrita,nãoobstanteamargemdesubjetividadedeixadaaosu-jeitopelapróprianotaçãoescrita”.

Desse modo, a escrita traria implicações decisivas para o ra-ciocínio linguístico ematemático e, de forma geral, para a cognição.Ela atuaria comomecanismo ordenador do pensamento que, emúl-timainstância,forjariaeafetariaacomunicaçãonosespaçossociais.6 Ressaltamos, contudo, que não atribuímos somente à habilidade daescritaacapacidadedeordenaçãodospensamentos.Acreditamosquea verbalização de disposições (no caso do discurso testamental) apre-sentalógicaecoerênciaeque,posteriormente,aoser“reorganizada”,“formatada”ouordenada,podeserrevistano e peloprocessodeescrita.Aescritaassume,assim,mesmoquemediada,umainterdependênciacomaoralidadeeestaúltimaimportantepapelsocial.

Aoanalisarmosasociedadeemcausa,marcadaelegitimadapeloescrito,buscamoscompreendercomoasmulheresque,emsuamaio-ria,nãotiveramacessoaoaprendizadodaleituraedaescritadema-neirasistematizada,secomportaramnessecontexto.Elasouviam,liamporoutrosolhos,viviameexperienciavampráticasoraisdeleitura.Damesmamaneira,ditavamsuasdemandas,desejosenecessidades,ex-perimentandopráticasdiferenciadasdeescrita.Noprocessodeoraliza-ção do conteúdo testamentário (faladasdisposições),aorganizaçãodopensamentoparanarraremopassadoouexpressaremanseios,mesmomediadosporquemescreviao texto,deixaentreveraautonomiaeacapacidadeinterpretativanocontatoenautilizaçãodaescrita.

Doexposto,inferimosque,se,porumlado,asfontesutilizadasnestainvestigaçãonãosãoreproduçõesdasfalasfemininas,poroutro,apesar de guardarem em sua elaboração intenções próprias e de carre-garemosestigmasdesuanatureza,istoé,ascaracterísticaseascon-

6 De acordo com Peter Burke, para os antropólogos, a alfabetização torna possível opensamentoabstrato,e,paraossociólogos,elaconstituihabilidadeindispensávelparatodarealizaçãomodernizadora.Sobretalmatéria,recorra-seaBurke(1997).

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vençõesdotextocartorário,sãoportadorasdeinformações,memórias,representaçõeseindíciosquenospermitemescrutinarexperiênciaseexpectativas.Asconvenções transformamaspalavrasemalgoquesepode percorrer com os olhos, controlar. Mesmo por outras mãos, apersuasão,adisputaea subjetividadeemergem,eaescritaalimentaapossibilidadederesoluçãodosproblemas,permiteacomunicaçãoe,paralelamente,retiradaesferacotidianainformaçõespessoais,traduzossentimentosouformalizanecessidades.

Constatamos dizeres referentes ao cotidiano no testamento de JoanadaSilvaGouveia,nascidanaFreguesiadeBarbacena,filhanatu-ral de Maria Josefa Rodrigues:

DeclaroquesoucasadacomJoséPereiraCabral,cujomatrimôniocon-

sidero nulo por ser contra a minha vontade e não ser dado o meu con-

sentimento na ocasião de nos receber só com ameaças e medo de pan-

cadasquefezaformadecasar-menãotendotal intençãonemdando

meuconsentimentoparaisso.Tantoassimque,tendodissocerteza,o

sobredito José Pereira Cabral se ausentou da minha companhia levan-

doconsigoametadedealgunsbensquepossuía. (MO/CBG/CPO/LT

55(77),f.104v).7

Nomomentododitadodotestamento,JoanadaSilva,paraexpli-carodestinodepartedosbens,rememoraepisódiosdeseucasamento,parecendoquererlembrarparajustificarasituaçãoemquevivia,semacompanhiadomaridoesempartedosbens,eevidenciarexperiênciaspassadas.Nanarrativadosfatosfeitaporessatestadora,independen-tementedeteremocorridodamaneiracomoconta,percebemosqueodiscurso é utilizado para o posicionamento do sujeito perante os acon-tecimentosdopassado(nocaso,omatrimônio).Elanãoselimitaare-latarqueomaridoseausentou levando“consigoametadedealgunsbensquepossuía”.Essedadojáseriaosuficienteparaexplicarquaiseramosbensemseupodernomomentodaelaboraçãododocumento,entretantoeladeclaraquesempreconsiderouomatrimônionulo,por

7Testamentodatadode17mai.1804.

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tersidorealizadocontraasuavontade,explicandoosmotivos.Aescritaéutilizada,assim,comomotivadorparaarememoração,paraorelatode eventos e ainda como mecanismo de registro das insatisfações e para ajustificativadeatitudes.Maisdoquedisposiçõesrespeitantesaosle-gadosebenseencomendaçãodaalma,deparamo-noscommemóriasdovivido,representaçõesdosacontecimentosque,dooral,seestendemesecristalizamnopapel.

Demaneirasemelhante,QuitériaVelosodeCarvalho,batizadanaViladePitangui,filhanaturaldeMaria[Magalhães]deSena,crioulaforraedepaidesconhecido,quedeclarounãosaberlernemescrever,utilizou-seda“redação”dotestamento,exaradoem2dejunhode1794,paradescortinarpontosdavidapessoalerevelarsentimentos.AtestouqueeracasadacomJoãodaRochaGuedes,

homempardoaquemnãodevoomínimoafetoporquedepoisdecasado

lhe[tomei?]umabominávelódiodeque[nasceu?]separar-sedeminha

companhia para onde não teve de mim notícia sendo causa de vir eu

para esta vila onde me acho há muitos anos de cujo matrimônio não

tivemosfilhosalguns[…]declaroquesouindignairmã[daIrmandade

deNossaSenhora]dasMercêsdoMorrodaIntendênciadestavila,onde

serámeucorposepultado,acompanhadodemeureverendocomissário

edemaisoitosacerdotes.(MO/CBG/CPO/LT48(67),f.44v-47v).

Mesmosemacompetênciaderedigirdeprópriopunho,aescritase realiza tendo por base conteúdos pensados e gestados com base em experiênciasíntimas,particulares,únicas.QuitériaVelosodesejou“es-crever”arespeitodeseu“ódio”pelomarido.Essecasoilustraquenãose tratade redaçõesuniformes,presasadispositivos enquadradores,carregandoapenasindíciosdamaterialidadedaexistência.Aredaçãododocumentorevelavalores,crençasehábitosdodiaadialigadosàspráticasdetrabalho,àsatividadesreligiosasoueconômicasedesenco-bresentimentosrecônditosqueno“uso”deumaescritaespecíficasãoverbalizados,narradosdemaneiralógicaelegitimadoscomoverdadei-ros.Sãodizeresdeclarativosqueextrapolamoâmbitodasfunçõesroti-neiras do documento e se manifestam como estratégias de resposta ao

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silêncioimpostoaossujeitos,muitasvezespelaprópriacondiçãosocial,especialmentenocasodasmulheres.

Alémdememóriasedisposições,estãopresentes,nostextosdostestamentos,sinaisdautilizaçãooudo“convívio”comaescritaquesederamsobformasvariadas.TomemoscomoexemplootestamentodeRosaFerreira da Silva, natural daVila doPitangui, filhadeAntônioMaiaeAnaAngola,que,em18dejaneirode1793,assinouseutesta-mento em cruz e declarou não saber ler nem escrever:

mandoquemeutestamenteirovejaotestamentodemeufalecidoma-

ridoJoãoHenriquesLopesqueoacharáentreosmeuspapéisecasoo

nãotenhaeusatisfeitoosatisfarádetodoo[?][montante]e[?]achará

umacartadoditoemsegredoquecumprirátambémsegredodigoem

segredonestaparte [?]pelo juramentoquederomeu testamenteiro.

(MO/CBG/CPO/LT49(68),f.89-91v).

Amençãoàexistênciadecartas,cadernosde lembranças,“pa-péis”,documentosescritosnãoéincomumnasnarrativastestamentais.Taisregistrosdenotamaconvivênciacomapalavraescritaquenãosevinculavanecessariamente àshabilidadesde ler e escrever, comonocasodeRosaFerreira.Notamos,dessamaneira,que“guardados”ese-gredos escritos, anotações e apontamentos penetravamo espaço do-méstico,indicandocertafamiliaridadecomoregistrografado,mesmotímidoereservado.A“lembrança”,porRosaFerreira,daexistênciadacartado falecidomarido,aqualo testamenteirodeveria cumpriremsegredo,denunciasenãoumsabertácitocomrelaçãoàescrita,oenten-dimento da importância e da dimensão da palavra escrita no desenrolar davidacotidiana.Mencionaraexistênciadecartase/ououtrospapéispara viabilizar a administração dos bens revela atitude de não submis-sãoounãoalheamentoàspráticasescriturais.Aescritadespontaesematerializa na vida dos sujeitos como fator gerador de participação so-cial,processando-se,veementemente,pormeioderedaçãoprocedenteda“enunciaçãooral”(Goody,1977).8

8DeacordocomWalterJ.Ong(1998),devemospensarqueaenunciaçãooralpartedeumagenteespecíficoeésempredirigidaaoutroindivíduo,tambémcontextualizado,fatorque

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Cabelembrarqueaescritanãodeveserentendidacomoacessó-riodafalaoucomosuatraduçãoliteral,umavezqueencerracódigosespecíficos.Noentanto,éinegávelaexistênciadeumprolongamentodaoralidadenaescrita,mesmocontroladoporconvenções.Nessesen-tido,ostextosqueestãopresosnopapelsãoretomáveiseverificáveis,remetendo-nosaoqueGoodydenominade“esquadrinhamentoretros-pectivo”(Goody,1977,p.49-50).Esseprocessopermitiriaaeliminaçãodeincoerências,tratando-se,naverdade,depoderesdiscriminatórios.Estes,todavia,não extirpamosresquíciosdooral.

Concluímos,pautadosnessasdiretrizes,queoditadodo testa-mento e a sua posterior leitura, audição, correção e legitimação nãoeliminam, assim, aspectos orais ali empregados e impregnados. Taisaçõesfazempartedoprocessodeverificaçãodoconteúdoeconferemcoerênciaeorganicidadeaotexto.Deixaminteligíveisasideias,asper-cepções e as representações das mulheres sobre si mesmas e sobre os outros.Revelamasapropriações,aselaboraçõese,consequentemente,osusosdoescrito.

Sabemos que, em determinados segmentos sociais, eramenosincomum o acesso feminino ao aprendizado da leitura e da escrita e queavariaçãodasformasdelereescreverestáligadaaospertencimen-tossociais.Porconseguinte,certamenteamultiplicidadedossujeitosabordados oferece elementos para uma reflexãomais ampla relativaàselaboraçõesdiscursivaseaosusosdaescritafeitospelasmulheres,permitindooentendimentodestes,considerando-seaslinhasdedife-renciação social.Pensamos,pois,nosgrupos sociais femininos comocomunidadesdeescreventeseledoras,9 na tentativa de arrolarmos as

fazcomqueaspalavrasadquiramnovadimensãoaoestaremimpregnadasdasmarcasdovivido.Ao“dizerem”suascrençasenecessidades,asmulheres,pelasviasburocráticas,adequaramaspectosdavidacotidianaàlógicaescrita.Adespeitodatransformaçãodaconsciênciahumanageradapelaescrita, cabe salientarqueesseprocesso seencontra,sempre,relacionadoàoralidade.AideiadequeaescritatransformaaconsciênciahumanaperpassaasobrasdeOlson,Ong,HavelockeGoody,dentreoutrosautores.Deacordocomestudosmaisrecentes,atransformaçãodaconsciêncianãoseriapossívelapenaspormeiodocontatoedaaquisiçãodaescrita,sendonecessárioquestionardequemaneiraseprocessataltransformação.Cf.Illich(1995).Outropontocomumemtodosessesautores,comosalientamos,seriaacaracterísticabásicadaescrita,istoé,adescontextualização.9Asexpressõesescrevente e ledor foram tomadas de empréstimo do trabalho de Justino PereiradeMagalhães(1994).

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características comuns e as especificidades da escrita desses sujeitosdentrodeumquadrodepluralidadesocial.

Nesse contextomultifacetadodeparamo-nos comahistóriadeCatarinaGonçalves,cujosescravos,emmeioaotrabalhonaroçaenosquintais,obtiveramaalforria,diretamenteousobaformadecoartação,comoconstadotestamentodesuasenhora.Taldocumentofoielabo-radoem22dejulhode1796,quandoatestadoradissesernaturaldaFreguesiadeNossaSenhoradoBomSucessodaViladoCaeté.Naoca-sião,encontrava-seviúvadeManueldeAlmeidadaCosta.Pormeiodotextotestamentário,Catarinaordenouque,quandodesuamorte,seucorpo fosse envolto no hábito de São Francisco e sepultado na matriz deNossaSenhoradoBomSucessodaViladeCaeté.Aoditarasdisposi-ções,afirmounãosaberlernemescrevere,aprincípio,asseverou:

declaroqueosbensquepossuosãoosseguintes:umaroçadecultura

sitanaterradoscocaisdestafreguesia,duasmoradasdecasassitasna

vila doCaeté,mais três sitas noArraial deNossa SenhoradaPenha,

todas unidas umas com as outras. Assim,mais dez escravos por no-

mes:Manuelangola,Joaquimcrioulo,Pedrocabra,Franciscocrioulo,

Antôniocrioulo,Manuelcrioulo,Josémulato,Apolôniacrioula,Inácia

crioula,Mariamina.(MO/CBG/CPO/LT49(68),f.206-210v).

Atestadoramencionaasroçasdeculturae,nessecaso,nãoháno textopreocupação emprecisar a localizaçãodessas propriedades.Por outro lado, verificamos a explicação da organização arquitetôni-cadessesbens.Revela,assim,queasmoradasdecasasexistentesnoArraial de Nossa Senhora da Penha encontravam-se unidas umas às outrasenomeiacadaumdosseusescravos.Declara,ainda,comoper-tences:“umcavalo,umabestadesela,um[macho]decargas,umavaca,trêstachosdecobre,easferramentascomquetrabalhamospretos[…]seispratosdeestanho,entregrandesepequenos”.Combasenosbensdeclarados,dispondodeconsiderávelpatrimônio,CatarinaGonçalvesparecetersidoumamulhersituada,quandonada,emcamadasocialintermediáriadarealidadesócio-históricaemcausa.Nãoraramenteasmulheresafirmavampossuirmaisdeumamoradadecasasecativos.

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Ressaltamos,noentanto,queatestadoradeclarouserproprietáriadecincomoradias,alémdesenhoraderazoávelplanteldeescravos.

Verificamos,no texto, amençãoàs ferramentas, talvezempre-gadasnocultivodaterra.Domesmomodo,areferênciaaoanimaldecarga acena para a possibilidade de a testadora dedicar-se à ocupação comercial ou de transporte ligada ao abastecimento e, igualmente, àatividademineradora.Ospratosdeestanhoarroladosentreosbenspo-deriamapresentaressafinalidade.Taispeçastinhamhistórianaquelasplagas.Foramutilizadas,principalmente,pelosprimeirosdesbravado-resdaregiãomineradora,sendo,posteriormente,substituídaspornovoinstrumento,abateia,queteriasidointroduzidapelosescravosafrica-nosprovenientesdaCostadaMina.

PelaanálisedotestamentodeCatarina,podemosinferirquesetratavadeumaviúvadedicadaaogerenciamentodosbensenegócios.A administração de propriedades por viúvas nas Minas Gerais do século XVIIInãoeraalgoinusitado.Aviuvezfoirealidadevivenciadaporex-pressivonúmerodemulheresnaCapitania,asquaissetornaramche-fesdedomicílio.Destinadas,segundoodiscursomoralereligiosodaépoca,aocumprimentodefunçõesespecíficas,asmulheresdeveriamaplicar-seaostrabalhosdomésticos.Isso,todavia,nãosignificaafirmarquenãotenhamocupadooutroslugaresoudesempenhadodiferentesfunções.Exerceramaautoridadedentroeforadecasa,sendoque,mui-tasvezes,aoadministraremosnegócios,poderiamtermaioratuaçãonavidapúblicadaquelacomunidade.Nessecontexto,enviuvar-se,nãoraro,acarretounumamaiorautonomiafeminina.Muitasmulherestor-naram-seasúnicasresponsáveispelacriaçãodosfilhosepelagestãodopatrimônioaelesdestinado.10Domesmomodo,asatividadesmercan-tis incrementadasnaCapitaniaapósodeclíniodaproduçãoaurífera,principalmenteaquelas ligadasaoabastecimento interno,possibilita-ram,emalgumasregiões,dentreelasaComarcadoRiodasVelhas,aatuaçãodasviúvasnagerênciadenegócios.

10Anecessidadedemaiorautonomiaporpartedasviúvasjáhaviasidodestacada,paraoutros espaços da América portuguesa, por Maria Beatriz Nizza da Silva (1996), aoconstatar,noiníciodoséculoXIX,umaumentononúmerodepedidosdeprovisãodetutelas.

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Certamente,comocabeçadosnegócios,vistoserviúvaesemfi-lhoshomens,CatarinaGonçalvesdeveriatercadernosderazãoouco-dicilares,mesmosemsaberescrever.Alémdisso,eraprecisoacionarcertos saberes,possuirdeterminadoconhecimento relativamenteaosvaloresdemercadorias,prazosparapagamentos,valordeescravosetc.Provavelmenteessa testadoraconviveracomregistrosescritos,aindaquenãoostenhamencionadoemtestamento.Nãolocalizamosoinven-tárioouotestamentodeseumarido,nemmesmodeoutrosfamiliares,poisCatarinanãodeclarouosnomesdospais.A“escrita”deseutextoencontra-secentradanaexposiçãoacercadosbensutilizadosnaindús-triadomésticaenaexplicitaçãodasferramentascomasquaisoscativostrabalhavam.

Também a testadora Inácia Monteiro declarou possuir moradas decasasequintal.Emtestamento,elaboradoem21deoutubrode1789,afirmousernaturaldaCostadaMina,solteiraesemfilhos.Integravaa Irmandade de Nossa Senhora dos Pretos e assinou o documento em cruz.Naocasião,relatou:

os bens que possuo são os seguintes: uma morada de casas cober-

tas de telhas sitas na [praia] deste arraial e umas datas no Morro da

Samambaia,queconstaportítuloseumacasadetelhascomseuquin-

tal,emomesmomorro,eumtanquedejuntaráguasdachuva,emque

sousóciacomManuelFernandesdeAndrade,eoutrotanque,emque

sousóciacomocapitãoSalomão[Murié],eoutrotanquepequenoque

émeu.SótudonomesmomorroeumescravoJosé,pornaçãominae

outrodomesmonometambémminaeumaescravapornomeAna,[de]

naçãomina,ealgumasdívidasquesemedevemqueconstamporcrédi-

tos.(MO/CBG/CPO/LT37(55),f.19v-25).

Inácia,pretaforra,possuía,ainda,tachosparafazerdoceseou-trospertences.Suaescritafoiutilizadaparalistarnãoapenasosbens,masparadizerdaposiçãoocupadanasociedadelocal.Apropriando-sedaliberdade,tornou-seproprietáriadeescravos,demoradasdecasasededatas.Descreveucomexatidãoalocalizaçãodestas,alémdefixarque,delas,detinhaostítulos.

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Nacontinuidadedotexto,éinteressanteperceberafrase“sótudonomesmomorro”,queparece revelaroempregode linguagemmaiscoloquialnaredaçãododocumento.Sejacomofor,atestadorautilizaaescritaparafalardecomoseconstituíamsuasposses.Demonstraoconhecimentodoquehavianaquelasociedade,especificandoquemeracadaumdossóciose,alémdisso,destacaotanquedoqualeraproprie-táriaexclusiva,aindaqueestivessetudo localizado no mesmo morro.

Otexto,cujaorigemestánaenunciaçãodatestadora,apresenta-secadenciado,relativamenteàdescriçãodostanques.Aindaquecum-prisseomodelodeescrituraçãotestamentária,nelepercebemosorit-moouaperfeitasequênciadanarrativa.Atestadoradescreveuapossedotanque,sualocalização,revelouquandoopossuíasocietariamentee,emcasopositivo,nomeouosócio.Numencadeamentodeinformaçõesprecisasepormenorizadas,anarrativadeInáciaexplicita,detalhaere-velaumpoucodomundodotrabalhodessasmulheres,asestratégiaseatividadesdesenvolvidasparasobrevivênciaapósaalforria,bemcomoelucidasuasredesdesociabilidades.

Quandomencionaoscativos,nãodeclaraquetemdoisescravospornomeJosé,ambosdenaçãomina.Aocontrário,dizonomedopri-meiroedepoisafirmaterumsegundo,homônimo,igualmentedenaçãomina.Percebemos,assim,quenarraapossedoscativos,mencionandoumaum,comose,aodizersobreeles,estivessecontandoquantaspe-çasteria.

Outrapretaforraatestar,masagorafazendoalusãoàcartadeli-berdadeeàexistênciadedívidasecréditos,foiInáciaGonçalvesPinto,natural da Costa daMina.No documento, definido naVilaNova daRainha,em19deoutubrode1792,revelouquenãosabialernemescre-ver,rogandoparaqueassinassemseutestamento.Declarouserviúvade“JoséCorrêa,preto forro,dequemsouherdeirae testamenteira”.Ordenouque,comsuamorte,seucorpofosse“amortalhadonohábitodeSãoFranciscoe,nafaltadele,numlençolesepultadonamatrizdestavila”.ErairmãdaSantaCasadeMisericórdia,aquemdeixouesmolas,efiliadaàIrmandadedasAlmas,daFreguesiadaVilaNovadaRainha.Aoditarotexto,expôs:

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declaroquedeixocoartadoaVenturaminaequarentaoitavasdeouro

paraaspagarnoespaçodequatroanos,emquatropagamentosiguais.

DeixocoartadoaFranciscocriouloemsessentaequatrooitavas,queas

pagaránoreferidotempodequatroanos,emquatropagamentosiguais.

DeclaroquedeixocoartadaaBernarda,denaçãomina,emquantiade

noventa e seis oitavas de ouro para as satisfazer no referido tempo de

quatroanosemquatropagamentosiguais.Meutestamenteirolhepas-

sarápapeldequitamento(sic),depoisdomeufalecimento,comdecla-

ração[de]que,nãopagandonoreferidotempoasditasquantias,meu

testamenteiro as chamará a cativeiro como se tal coartamento não hou-

vesse.(MO/CBG/CPO/LT50(69),f.126-130).

Aqui,alémdeaescritatersidoutilizadaparaseesclareceracercadasalforrias–passando-se,depoisdeatendidasasexigências,acartadeliberdadeaosbeneficiados–,assumiuafunçãodedeterminarpos-síveisocorrênciasseascondiçõesdacoartaçãonãofossemcumpridasnoprazoestabelecido.Comonosesclareceahistoriografia,aalforriaera,naverdade,concessãooudoaçãoqueosenhorfaziaaocativoe,porisso,poderiaserrevogada.Tratava-se,dessemodo,datransferênciadapropriedadedoescravo.Talvezporissoatestadoratenhafeitomençãoaelanotestamento.Aexplicitaçãodasdeterminaçõesderetornoaoca-tiveiroseriaumaformadegarantirorespeitoeaexecuçãodascláusulasdefinidaspara asmanumissões.Emsuanarrativa estipulouas liber-dades,estabeleceusuasformas,mostrou-seconsciente da importância dospapéisdequitaçãoe,porfim, fez registrar fatoresquepoderiaminvalidaro contratoeoque, apartirdaí, aconteceriaaosmancípios.Entretanto,suasdisposiçõestiveramcontinuidade:

declaroquedeixo forraAnaparda, comaobrigaçãode serviraodito

meuherdeiroe testamenteiroatéo falecimentodeste,depoisdoqual

ficaráforracomoseforranascessedoventredesuamãe.Declaroque

deixopor forraaFranciscacrioula.Meu testamenteiroeherdeiro lhe

passarácartadeliberdade[…]edeixoporforraelibertadaescravidãoa

Ináciacrioulinha.(MO/CBG/CPO/LT50(69),f.126-130).

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Redigir “por outras mãos” • 125

A declaração da alforria de Ana parda apresentou-se atrelada aumaobrigação, istoé, tratava-sedealforriagratuita,porémcondi-cionada.Comoanotado,essamodalidadedemanumissão funcionou,inclusive,comomecanismodemanutençãodadominaçãodoescravopeloproprietário.Aafirmativa“depoisdoqualficaráforracomosefor-ranascessedoventredesuamãe”refleteautilizaçãodaescritacomotentativade,comessedizer,seapagaremasmarcasdocativeiro.Taldeclaraçãoeraexpressãorecorrentementeempregadanostestamentos,nascartasdecorteenasdealforria.“Retroceder”acondiçãodelibertoaonascimentovisavadaraoforroeaquemlesseodocumentoaideiadeumavida,desdesempre,caracterizadapelaliberdade.

Dívidas e créditos também eram abordagens comuns na escrita testamental.Sobreessamatéria,InáciaGonçalvesmanifestou:

Declaroque soudevedora aDiogodeMorais, viandantedoCaminho

do Rio [de Janeiro], de créditos que ambos importam cem oitavas.

DeclaroquesoudevedoraaGuilhermedaRosa,viandantedoCaminho

doRio[deJaneiro],daquantiadedezoitavas.Declaroquesoudevedora

aAntônio, [?] tambémviandante,daquantiade vinte eumaoitavas.

(MO/CBG/CPO/LT50(69),f.126-130).

Como explicado, nesse contexto, os negócios/transações co-merciaiseram,emgrandeparte,feitosaprazo,emergindo,porisso,muitasvezes,comriquezadedetalhesnaescritadasfontesaquiana-lisadas.Alémdeapontamentoseanotaçõesparticulares,sublinhamosqueo registrodessaspráticas creditícias em testamento conferiam-lhemaiorcredibilidadee legitimidade.Ousodaescritaparafirmá-lasemdocumentosolenepoderia,inclusive,salvaguardarosdireitosdosherdeiros.Nasituaçãocomunicacionalquecaracterizavaoditadodotestamento,dizersobreasdívidassignificava,ainda,senãoasuaquitaçãoimediata,investir-sederesponsabilidadeacercadestas.Talatitude era indispensável em momento tão importante do ritual de preparaçãoparaamorte.

OtextodeInáciaGonçalvesébastantedetalhado.Alémdare-ferênciaàsalforriasedívidas,contéminventariaçãodosbenseades-

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criçãodestes.Atestadorarevelouserproprietáriadeváriosescravosedeuma“moradadecasascobertadetelhasemquehojevivo,sitasnaruadoMatoDentro,umquintalcercadopordetrásdosquintaisdamesmaruadoMatoDentro,aopédoRioSabará”.Notemosque,nessetrecho,Ináciautilizou-sedaescritaparainventariarseusbense, sobretudo,paradescrevê-los.Sobreoquintal, esclareceuqueeraindependentedacasa.

Essemomentodanarrativaésignificativo,poisdenotaoimpor-tantepapeldosquintaisnoperíodo.Nelessedavaaculturadediferen-tesprodutos,comomilho,mandioca,banana,arroz,feijão.Nasterrassecultivavam,talqual,hortaliçaseplantasfrutíferas,semseesquecerdacriaçãodegalinhaseporcos.Emalgunscasos,elasabrigavamaindaosengenhos.Pormeiodalidanaroça,muitasmulheresgarantiramaprópriasobrevivênciaeadeseusfamiliares,alémdetrabalharemnocomércio,conseguindoacumularbensepecúlios.

TambémdonaMarianaMendonçasereportou,emtestamento,aomundodotrabalho.Emretribuiçãoaosesforçosrealizadosporseufilho,Antônio,deixou-lheosbens.Essatestadora,queeranaturaldacidadedeSãoPaulo,filhalegítimadeTomé[Verjão]deMendonçaededonaAnaFreiredeBrito,elaborouotestamentoem28deoutubrode1798.EraviúvadeGasparPereiradaCunhaefiliadaàIrmandadedeNossaSenhoradoMontedoCarmo.Nomomentoemquefezotes-tamento,dissetercincofilhosvivosemarcouodocumentocomumacruz,osinalcontumaz.Essetestamentofoioúnicocasodedeclaraçãoda testadora como “mulher branca”.DonaMarianaMendonça afir-mou ainda:

Vim de tenra idade para a Vila de Sabará e me casei nessa cidade com

GasparPereiradaCunha,hávinteecincoouvinteeseisanosfalecido,

eaindameachoviúvadoditoedeletiveoitofilhosedoscujosmor-

reramtrês[…]vivoemcompanhiademeufilhoAntônioeesteéque

me ajuda e tem tido o seu trabalho comigo e me tem feitorizado estes

escravosparameualimentoetratodepessoa,e,comasuadiligência,

[temme]ajudadoapagarmuitasdívidasqueeudeviaeaindadotem-

pododefuntomeumarido,paraoque,emremuneraçãodestetrabalho

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e dos passados, lhe deixo […] daminha fazenda cem oitavas. (MO/

CBG/CPO/LT40(?),f.114v-119).

“Mulherbranca”foiainformaçãoquedonaMarianafezquestãodemencionarnoiníciodanarrativa,definindodeimediatooaspectodesuaidentidadesocialjulgadocomoindispensávelderegistro.Numasociedadeescravistaeestamental,distinguiraqualidade,dentreoutrosaspectos,poderiasignificaradefiniçãodo“lugarsocialocupadoounoqualsejulgavaestar”.

Emseguida,relatousuavindaparaMinas,mencionandoocasa-mento,paralogodepoisregistrarque,hámuitosanos,eraviúvaeassimpermanecera.Comovimos,principalmenteparaasmulheresbrancas,amanutençãodahonra, consoante ospreceitosmorais e cristãosdaépoca,constituía-seemcondiçãoimprescindívelparaavidaemsocie-dade.Atodoomomento,asmulheresprecisaramatestarobomcom-portamento,estabelecidodeacordocomospadrõesmoraisereligiososimpostos,fosseparaconseguiratuteladosfilhos,paraadministrarlegí-timas ou apenas para não ter a imagem associada à conduta reprovável pelaIgrejaepelasociedade.Porisso,areputaçãodemulhere/ouviúvahonestaeramerecedoradeserdita,ouvidaeescrita.

Proprietária de escravos e possuidora de dívidas, certamentedona Mariana estava habituada a marcar papéis e apontamentos com seusinaldecostume.Nagestãodosnegócioscontoucomospréstimosdofilhopara“feitorizar”oscativoseadministrarasfinanças.Afirmouviveremcompanhiadetalfilho,destacandosuadiligêncianosnegóciosenoscuidadosparacomela.Comessesdizeres,utilizou-sedaescritanãosomenteparalegar,masparajustificarofatodedeixaraquantiadecemoitavassomenteparaesseherdeiro.

Conhecendoo contexto emquevivia, o fatode todososfilhosteremosmesmosdireitose,tendoconhecimento,ainda,dohorizonte comunicacionalnoqualseencontrava,ouseja,a legitimidadedaes-crituraçãocartorária,desejou registrarporescritoasmotivaçõesquealevaramafazeressadistinçãorelativamenteaAntônio.Dessemodo,nãodeixouespaçoparaarevogaçãodesuasdecisões,pois,aoargumen-tar sobreasqualidadesdofilho,buscou “convencer”oouvinte/leitor

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dacredibilidadedesuasdeterminações.DonaMarianasabia,portanto,o queexatamentequeriaregistrareaformacomodeveriafazê-lo.Doreconhecimentoedagratidão,emergiu,assim,aautoriadeumtextopersuasivo,bemelaborado,coerenteecomfinalidadeinequívoca.

cOnsidEraçõEs finais

Noquadrodasdescobertasaquiexpostas, importa-nos,emes-pecial,adiferençaidentificada,entendidacomosentidoerazãodapró-priahistória.História émudança.Destacamos,pautadosnessa com-preensão,atransformaçãofundamentalobservadapormeiodaanálisedadocumentação:conformesesolidificavaoespaçourbano,avidaco-letivaesuaorganizaçãonasMinasGerais,sujeitosletradosounão–dediversasorigensepertencentesaosmaisvariadossegmentossociais–estabeleciamligaçõescomaescritaepassavamautilizá-la.Entrepa-nos,teares,joiasealimentos,escritossecretos,declaraçõesdeamoredesilusão,emergiramnotáveis,pragmáticose,porvezes,literáriostex-tos.Essasescriturasdenotamespecificidadeseparticularidadesdavidaconstruídanessamultifacetadasociedade,onde,devidoaoexpressivonúmerodemulheres forras,osusosdaescrita se caracterizarampormaiormobilidadesocial,pelaadministraçãodosnegóciosepelodes-nudamentodavidapessoal.

rEfErências

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reliGião católica e inStituiçõeS educativaS na capitania de minaS GeraiS

Ana Cristina Pereira Lage1

Este trabalho pretende analisar as relações entre religião e educação nas especificidades históricas da capitania deMinas Gerais. É importante salientar a dependência dasinstâncias educativas e religiosas da região com relação à

política empreendida pela Coroa portuguesa e pelo papado. Cabe aohistoriador da educação que desejar trabalhar com a interseção dosdoiscampos,oreligiosoeoeducativo,estabelecerumjogodeescalasparaaanálisedosambientesmicroemacrodahistória,paracompre-enderosrelacionamentoseasdependênciasentreoscampos,quetan-topodemgerarharmoniascomoconflitosnosambientespesquisados(Revel,1998).Éimprescindívelaindaconsiderarqueestaanálisenãopodeabarcarapenasoslimitestemporaisdoperíodocolonial,umavezqueaculturacristãsesituanalongaduração,persistenamentalidadeenasatividadescotidianasdosfiéispormuitotempoe,portanto,desfazfronteirasespaciaisetemporais.

1DoutoraemEducaçãopelaUniversidadeFederaldeMinasGerais(2011),éprofessoraadjunta da Faculdade Interdisciplinar em Humanidades da Universidade Federal dos ValesdoJequitinhonhaeMucuri,ondeexerceafunçãodecoordenadoradoLaboratóriode Organização de DocumentaçãoHistórica. É professora dos cursos de BachareladoemHumanidades,LicenciaturaemHistóriaedoMestradoProfissionalInterdisciplinaremCiênciasHumanas;membrodoGrupodePesquisaCulturaeEducaçãonaAméricaPortuguesa e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Sócio Históricas emEducaçãodosVales.

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Parte-sedoprincípiodequeaIgrejaCatólicaporsisósemprefoi uma instituição educativa. Alémdisso, as instituições criadas emseu interior ou vinculadas à religião católica também sempre foram educativas.Emváriosdocumentosconsultados,especialmenteaquelesproduzidosporpapasemmomentosdistintos,detecta-seumaseme-lhançaeproximidadeemrelaçãoàconceituaçãodaeducação.Emge-ral,aIgrejaentendeporeducação,“experiênciaspelasquaissedesen-volveainteligência,seadquireoconhecimentoeseformaocaráter.”(Educación...,2014,traduçãonossa).Duranteséculos,oseclesiásticosutilizaramaeducaçãocomouminstrumentoparacatequizarefortale-ceroseuideário.

Entende-sequeasinstituiçõessãocriadasparasatisfazerdeter-minadasnecessidadeshumanasetornam-seunidadesqueestãosem-preemconstruçãoetransformação.Constituem-secomoumsistemadepráticas,comagenteseinstrumentosqueatingemasfinalidadeses-peradas.Asinstituiçõeseducativasexistememdeterminadosespaçosetempos para a construção e o ordenamento da educação de um deter-minadogruposocial.Assim,desdeoseuinício,acomunidadecristãseagrupouemumainstituição,aIgreja,organizouedepoistransformouosprocedimentos,ideias,crençaserituaiscomunsqueforampassadosaosfiéispormeiodeatividadeseducativas.

ParaanalisarasespecificidadesdasrelaçõesentreaeducaçãoeareligiãonacapitaniadeMinasGerais,parte-sedoprincípiodequeainstituição católica estabeleceu diversas atividades educativas para os seusfiéisemtodooReinoportuguêseusufruiudofortalecimentodaMonarquiaCatólicadesdeoiníciodacolonizaçãonoséculoXVI,umavezqueaexpansãodosdomíniosportuguesesesteveintimamenteliga-daaocrescimentodonúmerodefiéiscatólicosnasterrasconquistadas.Aeducaçãoaconteciatantoemsituaçõesescolaresquantonãoescola-res.Nesseúltimo caso, ocorriaprincipalmentena catequese,nomo-mentodasmissas,nadevoçãopopulardosindivíduosenadoutrinaçãonoseiofamiliar.Porsuavez,aeducaçãoescolaraconteciageralmentenasescolasconfessionais,fundadasparticularmenteporcongregaçõesreligiosasou,ainda,nosambientesespecíficosparaaformaçãodocle-ro,comosemináriosoumosteiros.

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ReligiãocatólicaeinstituiçõeseducativasnacapitaniadeMinasGerais•133

Paraacompreensãodasrelaçõesentrereligiãoeeducaçãoqueinfluenciarama formaçãodeumaeducaçãocatólicanacapitaniadeMinasGerais,tomam-secomopanodefundoasdiretrizesdostextoselaboradospeloConcíliodeTrento (1545-1563),marcodaReformaCatólica.SegundoFrancoCambi,oConcíliotridentinofoiresponsá-velpor fortaleceropapeleducativodaIgrejaCatólica.Aosolhosdainstituição, apartirdessemomento, a atividade educativa seriade-senvolvidapelascongregaçõesreligiosas,comonocasodosjesuítas,emmosteiros/conventos femininos oumasculinos, na formação depadresnos seminários, na catequesedasmissas e no cotidianodosfiéis(Cambi,1999,p.257).OConcíliodeTrentotambémsepreocu-pouparticularmentecomaampliaçãodaeducaçãofeminina,aquelavoltadaparaadoutrinaçãodasmulheres,jáqueestasseriampossíveisarticuladorasparaaexpansãodadoutrinacatólica,principalmentenoseiofamiliar.

NocasodaAméricaportuguesa,asdeterminaçõesdoConcíliode Trento e de outros documentos canônicos foram interpretadas e adaptadas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia,importante documento de orientação das práticas da Igreja e de seus fiéisnoperíodocolonial(Lage,2011).Promulgadasem1707peloar-cebispo da Bahia,D. SebastiãoMonteiro da Vide (1643-1722), essedocumento foi responsável por direcionar as atribuições da Igreja Católica no território conquistadopelos portugueses naAmérica.Épossível encontrar tanto uma preocupação no direcionamento da edu-cação do clero secular e regular2quantodos leigos,aqueleshomensquedeveriamseguiraDoutrinaCristã.OTítuloII,Como são obriga-dos os pais, mestres, amos e senhores a ensinar, ou fazer ensinar a Doutrina Christã aos filhos, discípulos, criados e escravos do primei-

2Existeumacomplexidadeparadiferenciarcleroseculareregular,mas,emlinhasgerais,geralmenteoclerosecularécompostoporpadres,bisposearcebispos;estãointerligadosaoVaticanoesãoresponsáveispelocontatodiretocomosfiéis.Porsuavez,ocleroregularécompostopormonges,monjasefrades;seguemumadeterminada“regra”propostapelofundadorevinculam-seaumaordem;geralmentesãoresponsáveispelapenitênciaerezaparaasalvaçãodasalmasenãopossuemmuitocontatocomosleigos.Ascongregações,quesurgemnoperíodomoderno,tornaram-seummistodecleroseculareregular,umavezqueseguemregras,mastambémpossuemcontatocomosleigos,paradoutriná-loseconvertê-losaocatequizá-los(Gerhards,1998).

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ro livro das Constituições, podeserconsideradoumfiocondutorparaestabeleceraeducaçãocatólica,escolarenãoescolarnaAméricapor-tuguesa.Nessetópico,observa-sequeaeducaçãodaDoutrinaCristãdeveriaacontecerdesdeainfância,pormeiodeaçõesdosfamiliaresedospárocos.Oaprendizadodaleituraedaescritaseriaimportan-teparaofortalecimentodafé.MestresemestrasseriamobrigadosecontroladosparaensinaraDoutrinaCristã,sendoquepoderiamatéperderalicençadeensinarcasonãocumprissemessaorientação.Comrelaçãoaoescravo,consideradocomoaqueleindivíduomaisnecessi-tado de educação cristã por conta da sua rudeza, caberia ao senhor mandá-lo ao pároco para aprender os princípios da Doutrina. Além disso,osenhordeveriagarantiraadministraçãodossacramentosaosescravos,especialmenteobatismo,obrigariaaparticipaçãonamissaaos domingos, respeitaria os casamentos, corrigiria asmancebias epossibilitariaumenterrodecoroso(DaVide,1853,p.2-3).Aanálisedo conjunto das Constituições apresenta outras orientações educati-vas,especialmentenosambientesdeformaçãoreligiosa,comosemi-nários,conventoserecolhimentos.Todasassugestõeseducativaspro-postas pelas Constituições propiciaram desdobramentos e adaptações deensinocatóliconosdiversosterritóriosdaAméricaportuguesa.

AsrelaçõesentrepolíticaereligiãonoImpérioportuguês,espe-cialmenteaquelasqueenvolviamoclerosecular,dependiamdosiste-madoPadroado,oqualconsistianaoutorga,pelaIgrejaRomana,deum determinado grau de controle sobre uma igreja local ou nacional aumadministradorcivil.Foiumainstituiçãoqueasmonarquiasibé-ricas,apartirdoséculoXIII,criaramparaestabeleceraliançascomaSantaSéeconsistianaconcessãodeprivilégios,dentreosquaisodireitodadoàmonarquiadepromover,transferirouafastarclérigos,decidindoearbitrandoconflitosnasrespectivasjurisdiçõesnasquaiselaprópriafixavaoslimites.

HaviaaindaodireitodeBeneplácitoRégio,umpreceitoquees-tabeleciaque,para tervalidadeemterritóriosdoImpérioportuguês,todas as determinações da Igreja Católica deveriam ter a aprovação do monarcaportuguês.Sendoassim,PadroadoeBeneplácitoRégioalia-vam-separacriarumcleroseculardiferenciadonoImpérioportuguês,

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ReligiãocatólicaeinstituiçõeseducativasnacapitaniadeMinasGerais•135

muitomais ligadoàsquestõespolíticasdoqueàsquestõesreligiosasdoEstado(Boschi,1986,p.42).SegundoGuilhermePereiradasNeves(2001,p.466-467),nasegundametadedoséculoXVIII,ossacerdotestornaram-seautênticosfuncionáriosdamonarquiaportuguesaefica-rammuitodependentesdasautoridadescivis.Nocasodocleroregular,este continuava sob a tutela de suas respectivas ordens e congregações religiosasedaSantaSé.

as EspEcificidadEs da capitania dE minas GErais

NafaseembrionáriadacolonizaçãodacapitaniadeMinasGerais,observa-sequetantoaIgrejaCatólicaquantooEstadoportuguêsnãosefizerampresentesdopontodevistainstitucional,oqueacarretouumaentradadesorganizadaeindividualizadadocleronoterritório(Boschi,2007, p. 60). Insatisfeito comaquantidade e o descontrole do cleropresentenoterritório,bemcomocomasirregularidadespraticadasporele,em1711,oreiD.JoãoVtratouprimeiramentedevetaraentradadocleroregulare,depois,derestringironúmerodesecularesedeproibira presençadas ordens religiosas na capitania. Segundo o rei, os fra-desregularesquecirculavamnacapitaniaeramderuim procedimento,revoltososecúmplicesdoslevantesqueaconteciamnoterritório.Poroutrolado,omesmodocumentoapontaparaocontroledonúmerodepadresque circulavamnasMinas,umavezque sópoderiamperma-necer aquelesqueobtivessema autorização real e adesignaçãoparaocuparumaparóquia(Arquivo...,cx.1,d.26).

Emgeral,oclerosecularquehabitavaemMinasnãoconquis-tava nem a simpatia da administração colonial nem a da Igreja roma-na,distantedasescolhas,ouaindadaprópriapopulaçãolocal,aqualmanifestavaseudescontentamentooumesmoexpressavaasua fédeformasdiferenciadas.Observa-sequeainterdiçãoaocleroregularfoiumdosfatoresqueprovocaramofortalecimentodasirmandadesleigasnoterritóriominerador.

CaioBoschi(2007,p.59)analisaqueasirmandadescoloniaismineiras eram “grêmios de cunho orgânico e local” e funcionaramcomo“agentesdareligiosidade”.Alémdecongregarindivíduoscoma

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intencionalidadedevocional,tambémpropiciavammomentosdesocia-bilidadenaorganizaçãodefestividadesecelebraçõesreligiosas,bene-ficênciaeassistênciaaosseusintegrantesemvidaetambémnamorte.Percebe-sequemuitasdessasirmandadesfuncionaramcomoauxiliaresdo clero secular e praticaram diversas atividades assistenciais à popu-lação,atividadesquemuitasvezeseramexercidaspelosrepresentantesdocleroregularemoutraslocalidades(Boschi,1986,p.26).

Muitasvezesasirmandadestornavam-semaiseficazesnaedu-caçãocatólicadoqueopróprioclerosecular,formadoporpadressobatuteladoreiportuguêsecompoucainclinaçãoparaareligião.Portanto,pode-seperceberquenacapitaniadeMinasGeraishaviaumaeduca-ção cristã mais distanciada da instituição eclesiástica e mais articulada comumareligiosidadeleiga.Aopartirdessepressuposto,pretende-seentãocompreenderasdiferençaseducativasdegêneroeminstituiçõesdecunhoreligiosonacapitaniadeMinasGerais.

a influência EclEsiástica E pOlítica na EducaçãO EscOlar masculina

DesdeoiníciodoséculoXVIII,oensinodasPrimeirasLetraseda Gramática Latina já ocorria pelo intermédio de mestres pagos pe-las Câmaras ou ainda por professores particulares pagos pelas famílias maisabastadas (Fonseca,2010,p.20).Salienta-sequeesseaprendi-zadoestavadiretamentevinculadoaocatolicismo,umavezqueoníveldeletramentodocleropropiciavaasuaaptidãoparaadocência,alémdeacarretarumaeducaçãonosmoldesrequeridosparadesenvolverainteligência, levaroconhecimentoe formarocaráterdos indivíduos.Alémdisso,énecessárioapontaraexistênciadeoutrosambientesedu-cativos,especialmenteaquelesconsideradoscomonãoescolares,nosquaisaInstituiçãoCatólicateveinfluênciamarcantenaeducaçãodosindivíduos,especialmentenosensinamentosmorais.

Tambéménecessáriosalientarque,naprimeirametadedosécu-loXVIII,porcontadaproibiçãodeentradadocleroregularnacapita-niadeMinasGerais,algumasfamíliasencaminhavamseusfilhosparacolégiosforadoterritóriominerador,poisbuscavamtantoaformação

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ReligiãocatólicaeinstituiçõeseducativasnacapitaniadeMinasGerais•137

paraafuturainserçãonosquadroseclesiásticosquantoparaosquadrosadministrativoslocais,ouaindaparaoingressonoEnsinoSuperiornaMetrópole(Carrato,1968,p.101).

Deve-seconsiderarqueacriaçãodaprimeiradiocesenoterritóriomineiroem1745,nacidadedeMariana,propicioualgumasmudançasnoquadroeducativodacapitania.Logoqueassumiuocargo,oprimei-robispo,D.FreiManueldaCruz(1690-1764),tratoudesolicitaraoreiportuguêsaaberturadeumSeminárionaquelalocalidade.OConcíliodeTrento(1545-1563)recomendavaacriaçãodasescolasmasculinaspara apreparaçãodaquelesquedesejassem ingressarno clero,prin-cipalmenteembispadosecidadesmaispopulosas (Concílio...,2015).Nesse documento, a necessidade de abrir seminários estava ligada àintenção de moldar o comportamento e de controlar as vontades mun-danasdosadolescentescommaisde12anos,depreferência.Deve-seaindaconsiderarque,apósaformaçãonosseminários,asConstituições Primeiras do Arcebispado da Bahia seriam um importante instrumen-to para direcionar a educação dos clérigos em todas as suas práticas religiosas(DaVide,1853).

Datade1745aBuladoPapaBentoXIVqueautorizaacriaçãodoBispadodeMariana,comaintençãodeterumcontrolemaiorsobreo“rebanho”defiéisdacapitania.Nessedocumento,jáépossívelverificaraindicaçãodacriaçãodeumSeminárionaDiocese,seguindoentãoasorientaçõesdoConcíliotridentino.Em1749,jáempossadoemseucar-go,D.FreiManueldaCruzinformavaquereceberadoreiportuguêsaautorizaçãodecriaçãodeumSeminárioeindicavaquejápossuíacléri-gosvinculadosaoBispadoaptosalecionare,alémdisto,propunhaquea instituição oferecesse também Estudos Públicos:

Como nesta frota me chegou a real aprovação de Vossa Majestade para

fundarumseminárionestacidade,jávoucuidandonestaobra,quedeve

ter capacidade para haverem estudos públicos, assim de Gramática,

comodeFilosofia,edeTeologiapornãohaveremoutrosestudospúbli-

cosemtodoestebispado,efazeremosmoradoresdelegrandesdespesas

comosseusfilhosnosestudosdaBahiaeRiodeJaneiro;ecomoesta

obraétantodoserviçodeDeus,esperonasuadivinamisericórdiame

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ajude,ejávoufazendodisposiçõesparaelapormeiodeesmolaseapli-

cações.(apudLeoni,2008,p.241).

ParaacriaçãodoSeminário,obispopropunha tantoa forma-ção de futuros clérigos quanto a de indivíduos para outras carreiraspor meio dos Estudos Públicos.SegundoJoséFerreiraCarrato(1968,p. 105-106), a criação do Seminário deMariana atendia aos anseiosdopapade formarumcleronativo,mas,poroutro lado, tambémàsreclamaçõesdosmoradoreslocais,quesolicitavamacriaçãodeesco-lasparaosseusfilhos.Economicamente,tantoaconstruçãoquantoofuncionamentodoSemináriodependeramdericasesmolasdosfiéisdaCapitania,dopagamentodaspensõesdosalunoseaindadeauxíliosdaCoroa.Éimportantesalientarque,aolongoaoperíodocolonialeimpe-rial,ainstituiçãoteveumainterferênciaeinterdependênciaeconômicaeadministrativadopoderpúblicoeapresentoulimitestênuesentreasesferaspolíticasereligiosas.

O Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte foi fundado em 20dedezembrode1750eteve,nasegundametadedoséculoXVIIIeprimeirametadedoséculoseguinte,afunçãodeformarsacerdotese,ainda,deeducarosfilhosdaelitemineira.3Doisanosapósafundação,obispodeMariana informavaque jáhavia 13 seminaristasemuitosestudantesdefora.Havianessemomentoumprofessorjesuítaeobis-porequeriaaopoderrealaaprovaçãodacontrataçãodemaisquatromestresprovenientesdamesmaCompanhia,especialmenteparalecio-naremFilosofiaeTeologiaMoral.4

Sérgio Selingardi informa que, desde o início, o bispo deMarianapretendiaquefossemministradosnoSemináriooscursosdeGramática,FilosofiaeTeologiaMoral.Porém,nosprimeirosoitoanos,somente funcionaram os cursos de Gramática e Teologia Moral, osquaistinhamcomomestreopadrejesuítaJoséNogueira.Somenteem1758,comavindadeoutrojesuíta,équeteveinícioocursodeFilosofia.

3Apenasapartirde1820,apósacriaçãodoColégiodoCaraçapelosLazaristas,ocorreuumadiminuiçãodaprocuradosEstudosPúblicosnoSemináriodeMariana.VerAndrade(2000).4ExtraídodeCartaparaEl Rey nosso senhor pela Secretaria do Estado(1752apudLeoni,2008,p.328-329).

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Oautorcitadosupõeque,nesseinício,aformaçãoestavavinculadaaosplanosdeestudosdaCompanhiadeJesus,aRatio Studiorum. O ensino humanísticovoltava-seàformaçãodeumaelitedirigente,eoalunosepreparavaparaumafuturacarreirapolíticaoureligiosa;agramática,destacandooensinodeLatim,eafilosofia,combasenopensamentoto-mista,funcionavamcomodisciplinasquedistinguiamoseducandosdorestantedapopulaçãomineradora(Selingardi,2007).Aforteinfluênciajesuíticano inícioda instituiçãoperduroupormuitosanos, inclusiveapósaexpulsãodaCompanhiadeJesusdoImpérioportuguêsem1759.

A análise dos Estatutos do Seminário elaborados pelo bispo deMarianaem1760demonstraque,naquelemomento,jáhaviaumaregularidade de entrada de alunos e a circulação de mestres na insti-tuição.OsEstatutos(apudCarrato,1968,p.108)previamo“regímenespiritual, e literário doSeminário”.Tinhamcomoobjetivoprepararosjovensparaaoração,avirtude,aciênciasagradaeformarfuturossacerdotespiedososedevotos.Estabeleciacomodeveriaserocotidia-nona instituiçãoemmomentosde rezas,missaseestudos.Estesúl-timosconstituíam-seematividadesdiárias, inclusivenosdomingosediassantos.5LuizCarlosVillaltaapontaqueosEstatutos do Seminário são “claramente decalcados dos vigentes nas escolas da Companhia de Jesus.”(Villalta,2007,p.261).

Na confecção dos Estatutos,DomFreiManueldaCruzmanifes-touasuaestimapelaCompanhiadeJesus,mas,poroutrolado,tam-bémobservouasreformascontidasnoAlvaráde1759,oqualregula-mentavaosEstudosMenores(Selingardi,2007).6 Tal Alvará propunha aextinçãodosistemaeducacionaldosjesuítasecriavaasaulasrégias,oquesignificavaa implantaçãodoensinopúblicoestatalnoImpérioportuguês em ritmos e condições variadas em suas diversas regiões(Fonseca,2011,p.100).Eleaindareformavaesecularizavaoensino,atos necessários para o projeto de modernização iluminista e de cen-tralizaçãodopoderempreendidopeloMarquêsdePombal(1750-1777).

5“AsoitohorasirámásClasses,aondeseobservaráemtudo,eportudoquantomandãoasInstruçoensparaosProfessoresordenados[...];essasclasses(aulas)durarãoatéahoradoalmoçoerecomeçamdastrêsàsseisdatarde;aosDomingosediasSantos–estudarãodasoitoásdez.”(Estatutos...apud.CARRATO,1968,p.109).6Alémdisso,ver:Alvará...(1759).

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Porém, pode-se caracterizar o iluminismo português como “eclético,cristãoecatólico”,emumatentativadeharmonizararazãoilustradacomafé(Antunes,2011,p.122).7

A Reforma Pombalina pretendia substituir a ação educativa dos inacianosporumanovadinâmicaracionalista,querespeitavaahierar-quiaeclesial,masasubordinavaaoEstado.Alémdaexpulsãodosjesuí-tasdoImpérioportuguês,posteriormentePombalfechouosnoviciados(1764-1778)eimpediuassimaformaçãodenovosquadrosdereligio-sosregulares.Após1778,reabriramosnoviciados,mas,apartirdessemomento,todasaspessoasquedesejassemingressarnocleroregulardeveriamsolicitarumapermissãoreal.Essasreformasvisavamatingirocleroregular,querepresentavaumaligaçãodiretacomaSéRomanaeassubordinaçõescomossuperioresestrangeiros,masnãoatingiamosrepresentantessecularesdaIgreja,poisestesjáeramcontroláveispelasaçõespolíticaspormeiodosistemadoPadroadoRégio.SegundoLuisDória,areligiosidadedopovoportuguêscontinuavaforte,eoquepre-dominavaeraoprincípioregalista,quedefendiaospoderesdoreise-paradosdareligião;eaindaumespíritoanticongregacionista,contrárioàpresençadocleroregularnoImpérioportuguês(Doria,2001).Comoessa parte do clero não poderia entrar na capitania de Minas Gerais observa-sequetaisaçõesanticongregacionistasnãoimpactarammuitonesseterritório.

No Seminário de Mariana os jesuítas foram substituídos por ou-trosreligiosos,emboraainfluênciaintelectualeformadoradosprimei-rospersistissenainstituição.Mesmoquenãofosseminacianos,osalu-nosemestresdainstituiçãotinhamsidoformadosporeles.Alémdisso,observa-seaadaptaçãodos inacianosaosnovos tempos,comoapon-taachegadadeumnovomestrequehaviaabandonadoaCompanhiadeJesus: “o reverendopadreTomásXavier,quedepresentesaiudaCompanhia,édouto,prudente,ecalado,oqueosenhorBispodessadioceseo tinharogadopara lerFilosofianoseuseminário.” (Carta...,1760apudLeoni,2008,p.553).PormeiodolevantamentodaposiçãoreligiosadosmestresquepassarampelainstituiçãonoséculoXVIIIé

7Ver,ainda,Boto(2010).

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possíveldetectardoisjesuítas,doisex-jesuítasquesetornaramsecu-laresedezseculares.8 Torna-se então importante salientar a prepon-derânciademestres secularesnoSemináriodeMariana,osquais ti-nham os seus pagamentos garantidos pelo poder político por meio do PadroadoRégio.

Por outro lado, a instituição dos professores régios após aReforma Pombalina propiciou o encaminhamento de vários clérigos paraexerceremessafunção.SegundoThaísFonseca,acriaçãodaspri-meirasregrasparaoingressonomagistériorégioaconteceuem1759,mas semprede formadesordenada,oque causavamuitodesconten-tamento com relação aos pagamentos dos mestres. Na capitania deMinasGerais, somente após aLei de 1776, que criava a arrecadaçãodoSubsídioLiteráriopelaRealFazendaequeefetivavaentãoopaga-mentodosmestres,foipossívelumaregularidadenaatividadedocen-te.NaanálisedadocumentaçãodosprofessoresrégiosdacapitaniadeMinasGerais, a referida autoradetectaque, entre os anosde 1772 e1814,entreumtotalde81docentesdascadeirasdePrimeirasLetrasedeGramáticaLatina,46erampadres,sendoqueperfaziamumtotalde46,9%paraaeducaçãoiniciale71,9%paraasecundária(Fonseca,2010).Abaixaescolaridadedamaiorpartedapopulaçãolocal,quepro-piciavaumreduzidonúmerodepessoasaptasa lecionar,a formaçãodoseclesiásticose,ainda,ainterdependênciaentreasesferaspolíticaereligiosafavoreciamofortalecimentodosclérigosnafunçãodocente.

José Ferreira Carrato aponta que, para além do Seminário deMariana e dos padres que assumirama funçãodocente, existiu umainstituiçãoprivadaparaaeducaçãomasculina,decunhofamiliarevin-culadaaclérigos:oColégiodosPadresOsório,nafreguesiadeNossaSenhoradoRosáriodoSumidouro,próximaàMariana.Ahistóriadainstituição ainda é pouco estudada e é difícil até precisar a sua funda-ção,mas o autor infere que foi por volta de 1773, quandoumgrupodepadresdamesmafamília,trêstiosequatrosobrinhos,encabeçadospeloPe.JoaquimdaCunhaOsório,fundaramainstituição.Estaacei-tavacrianças commaisdeonzeanos,quecursavamLínguaLatinae

8AnexoIV(apudSelingardi,2007).

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Poéticaemcursosdenívelsecundário(Carrato,1968,p.120-122).Aoanalisar adocumentaçãodoArquivoEclesiásticodaArquidiocesedeMariana,LuizCarlosVillalta(2007,p.267-270)apontaapresençademeninosdaelitemineradoranainstituição,aqualpossuíaumcurrículorestritoàslatinidadeseseguiaomodelojesuítico.Épossíveldetectarcaracterísticasda instituição, comoambientesdealojamentoparaosinternoseaulas,alémdehoráriosespecíficosparaatividadesescolareserecreios.

instituiçõEs Educativas fEmininas: Os rEcOlhimEntOs

Diferentementedasinstituiçõeseducativasmasculinasque,des-deoinício,tiveramaaprovaçãoeoavaldospoderespolíticoe/oureli-gioso,asinstituiçõeseducativasfemininasimplantadasnacapitaniadeMinasGeraissurgiramespontaneamentee,geralmente,pormeiodafédemulheresquepretendiamtomaroestadodereligiosaseencontra-vamempecilhosparatalintentoporpartedaCoroaportuguesa.

O Recolhimento de Macaúbas9 e o Recolhimento da Chapada10 foram instituições vistas inicialmente como espaços de devoção e vida contemplativa,diferenciando-sedosconventosdaépocapelaausênciadosvotosporpartedasrecolhidas.Afundaçãodessasinstituiçõeseramaisfacilitadapelofatodeserexigidasomenteumalicençaepiscopalparaoseufuncionamento,enquantoosconventosnecessitavamdeumaordem papal e da aceitação da instalação por parte de uma determinada ordemreligiosa.Verifica-sequehaviaumacertacomplexidadeediver-sidadedostiposdereclusasdevidoàausênciadeestabelecimentoses-pecíficosparasupriràsnecessidadesdasmulheresdaregiãodasMinassetecentistas. Assim, os recolhimentosmineiros recebiammeninas e

9 O Recolhimento de Macaúbas, localizado próximo à Santa Luzia, região central deMinasGerais,surgiuem1715,separouoclaustrodaescolaem1846e,em1926,foientãotransformadoapenasemmosteiro.10 Conhecido inicialmente como Casa de Oração do Vale de Lágrimas (c.1750),posteriormente como Recolhimento de São João da Chapada e também como RecolhimentodeSant’AnnadaChapada(1780),surgiupróximoaMinasNovas,naregiãonorteda capitania.Adatado fechamento é imprecisa,mas encontram-se vestígiosdemulheresvivendonainstituiçãoem1817,comoapontaoviajanteSaint-Hilaire(1975,p.225).

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mulheresadultas,órfãs,pensionistas,algumascomaintencionalidadedadevoção,outrasqueseestabeleciamtemporariamenteparaguardar a honra enquantoosmaridosepaisestavamausentesdaColônia,ouaindacomoesconderijodaquelasconsideradascomodesonradas pela sociedadedaépoca(Algranti,1999,p.126).

Adificuldadedasinstituiçõesfemininasdealcançararegulaçãooficialdopoderpolíticopassavapordiversasquestões.Emumprimeiromomentoépossívelidentificaranecessidadedecanalizarapopulaçãofeminina na capitania de Minas Gerais para o casamento e o povoa-mentodoterritório,oquetornavaoincentivoouaproibiçãodaabertu-ra dos conventos e recolhimentos assuntos centrais das preocupações demográficasdaColôniaportuguesanaAmérica(Sobrefazer...,1979,p.26).Eranecessáriotermulheresdisponíveisparaoscasamentos,ouseja,emumaordeminversa,areclusãodemulheres,particularmentedasbrancasportuguesas,nãopoderiaserpermitida.Soma-seaindaaproibiçãodaentradaedapermanênciadeordensreligiosasnoterritó-riomineiro.

Os recolhimentos em Minas Gerais surgiram principalmente da devoção popular e depois solicitaram a permissão de funcionamento aosbispadoseàadministração local.11Paraocasomineiro, salienta-searuralidadeinicialdasinstituições,asdificuldadesouatéafaltadeinteresseemseremreconhecidaspelosistemaadministrativocolonial,como ainda a necessidade de demonstrar religiosidade e vínculo com eremitas(Azzi;Rezende,1983,p.43).Cabeentãoperceberasespecifi-cidadesdecadarecolhimentoinstaladonacapitaniadeMinasGerais.

A primeira instituição feminina instalada em Minas Gerais foi oRecolhimentodeMacaúbas,em1715,fundadopeloermitãoFélixdaCosta,oqualjáviajaraem1712paraoRiodeJaneiro,ondesolicitoua permissão do bispo para portar um hábito regular e ainda pedir es-molas.PercorreuentãoosarraiaismineirosembuscadessasesmolasparaaedificaçãodeMacaúbas(Faria,1977).Em1725,oRecolhimentojá estava funcionando, sendo que as recolhidas usavam o hábito deNossaSenhoradaConceição(Carta...,1980,p.241).Nessemomento,

11AaprovaçãopeloImpérioportuguêsdoRecolhimentodaChapadadatade1779edoRecolhimentodeMacaúbasde1785.

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asrecolhidasemMacaúbaseram25mulheres,“oitobrancaslegitimas,cincomulataseoutrasmeiomulatas,poremtodasvivemcommuitorecolhimentoemuitavirtude.”(Carta...,1980,p.241).Verifica-seore-flexodamestiçagemdapopulaçãolocaldesdeoiníciodacolonização(Algranti,1999,p.167)eumcrescimentoexpressivononúmerodemu-lheres que procuravamMacaúbas, comodemonstra a documentaçãodatadade1757,quandoaregentedaépocainformavater63recolhidas(Arquivo...,cx.71,d.14).

Em carta de 1756 (apud Leoni, 2008, p. 481-482), o bispo deMarianadescreviaaoreiportuguêsofuncionamentodainstituição:

asquaisrecolhidasvivem,eviveramsempredebaixodoinstituto,ere-

gradaConceição,vestindoohábitodamesmasenhorabranco,eazul,

comaautoridadedopreladodoRiodeJaneiro:têmpatrimôniomuito

suficienteparasesustentarem;celebramtodososofíciosdivinoscom

muitaperfeição,rezandoecantandoashorascanônicasnassuaspró-

priashoras,comoemqualquerconventoprofessodereligiosas.

Alémdeinformarsobreohábitoeaproximidadecomavidacon-ventual, o referido bispo, em sua atençãopara a educação feminina,apontavaque a instituição celebravadoOfícioDivinoodeverde re-zar dado aos religiosos e a observância e leitura de determinadas ora-çõesemhoráriosespecíficos,sendoque,geralmente,ostextosvinhamem latim e estavam contidos nos livros designados como breviários.Constituíaumaprendizadoda leitura, tantodobreviárioquantodasdemais obras indicadas e controladas, uma vez que os livros tinhamumcaráterdevocional,mastambémpropunhamumaformaçãomoral.

O Recolhimento de Macaúbas teve os seus estatutos elaborados apenasem1759,porD.FreiManueldaCruz,tendosidoestespropostoscomaintençãodemelhorcontrolaraspráticasinternase,alémdisso,demonstramoperfilreligiosoqueaIgrejapretendiaparaainstituição(Algranti,2000).AoanalisarosEstatutos de1750,aRegra das con-cepcionistas e o livro O Caminho da perfeição, indicados no primeiro documento,percebe-sequeograndeeixocondutordaeducaçãodevo-cional proposta era a busca da perfeição por parte das recolhidas em

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Macaúbas.12 Estas deveriam perseguir no seu cotidiano a união em es-píritocomDeuspormeiodesuasorações,atitudesedevoção.Avidadeumareclusadeveriaobedeceraosregulamentosdacasa,cultivandotrêsvirtudes:obediência,pobrezaecastidade.Aobediênciaeraovotoconsideradomais importante,guardiãdasoutrasvirtudes.Apobrezadeveriaserpessoalenãodogrupo,jáquepoderiamreceberdoaçõesedotesparaofuncionamentodainstituição,masdentrodacomunida-deeraproibidaapossedebenseobjetosindividuais,sendoquetudodeveriapertenceraogrupo.Acastidadeeraumatentativadeaproxi-maçãocomocaráterangelicalesagrado.Poroutrolado,pormaisqueD.FreiManueldaCruz tenha intencionado reformulara instituição,parecequeabuscadaperfeiçãonãoatingiutodasasrecolhidas,prin-cipalmenteporcausadadiversidadedasmulheresqueadentraramemMacaúbas.

Leila Algranti aponta que, em termos educacionais, oRecolhimentotraziaemseusestatutosaspectosque“nãopoderiamfal-taràeducaçãodeumajovemnoséculoXVIII:conhecimentodareligião,preceitosmoraise formaçãoprofissional.”(2011,p.25).Énecessáriosalientarque,paraalémdoaprendizadodaleituraparaadecodificaçãodebreviáriosedeobrasedificantes,asrecolhidastambémaprendiamtrabalhosdeagulhas,necessáriosparaumavidafemininadoméstica.Elarevelaaindaaobservaçãodepráticasdeescritadasrecolhidas,es-pecialmentepelapossibilidadedoenviodecartasaosseusfamiliares,todascomocontroledaregentedainstituição(Algranti,2011,p.25).

Observa-se que pormais de cem anos ocorreu umapluralida-dedefunçõesemMacaúbas,possuindoesteumcarátermistodeasi-lo, educandário, convento e casa de correção (Algranti, 2000). LeilaAlgranti (2011) afirmaque, em 1789, quandoD.Maria I concedeu asua proteção à instituição, exigiu a confecção de novos estatutos e aelaboraçãodeumplanodeensinoparaasrecolhidas.PretendiatantoreafirmarocaráterdeeducandáriofemininoquantoreforçarapolíticadaCoroadedificultarafundaçãodeconventosfemininosnaAmérica

12 Ver: Papa Julio II (Regla de las Monjas de la Concepción de la Bienaventurada Virgen Maria). Disponível em: <http://santabeatriz.vidaconsagrada.net/documentos/regla.htm>.Acessoem:15jun.2011.Ver,também,Rodrigues(2009).

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portuguesa.Mesmocomasexigênciaspropostasem1789,observa-sequeaseparaçãoentreoclaustroeaescoladeMacaúbassóocorreunoséculoseguinte.

Quanto ao Recolhimento da Chapada, Riolando Azzi e MariaValériaRezendeapontamque,porvoltade1734, “no lugarchamadoFanado,atrêsléguasdopovoadodeN.Sra.doBomSucesso,dasMinasNovasdoAraçuaí,IsabelMaria,filhadomestredecampodaconquista,JoãoGuimarães,decidiuviverrecolhidanasuacasacomalgumaspa-rentas.”(1983,p.41).Naverdade,adatadafundaçãodainstituiçãoéimprecisa,poisosdocumentossãocontraditórios.Emalgumasfontes,afirma-sequeainstituiçãofoifundadaporIsabelepelopadreManoeldosSantos,oqual,apósseratingidoporumraioetersobrevivido,pro-meteu angariar esmolas e estabelecer um recolhimento feminino no sertão da capitaniamineira. Inicialmente foram recolhidas na entãoCasa de Oração do Vale de Lágrimas,“D.Izabeldetal,eD.Quiteriadetal,irmãns,aquemseguiramoutrasmulheres,porlhesagradaroretirodomundo,segurandoomeiomaisoportunodesededicaremaDeos.”(Araújo,1822,p.191).

Em documentação de 1754, escrita pela primeira Regente, D.IsabelMaria,esta informaquehámuitosanosviverecolhidaemsuacasacomalgumasparentasemeninasqueforamencaminhadasparaseremeducadasetinhamcomoconfessoropadreManoeldosSantos.NegaquetenhainstituídoumRecolhimento,masépossívelobservarqueaspráticasindicadasseaproximavamdaquelasdesenvolvidasnointeriordeinstituiçõesconfessionaisfemininas.Naanálisedaspráticaseducativas propostas naquelemomento, observa-se que elas tinhamumcaráterdevocionalpormeiodasorações,mastambémpreparavamasmulheresparaotrabalhodomésticoembuscadaautossuficiênciadaCasa,ocorrendoaindaoaprendizadodaescritaedaleitura(Arquivo...,cx.8,d.1193-1197).

Alguns documentos analisados apontam para o fato de que oRecolhimento funcionou por um longo período sem autorização e tam-bémodesconhecimentode suaexistênciapelasautoridadesbaianas,jurisdiçãoeclesiásticaresponsávelpelaregiãodaViladeMinasNovas.Porém,em1754,oarcebispodaBahia,D.JozéBotelhodeMattos,faz

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referência à autorização religiosada instituição e, ainda, trazo rece-bimento de diversos outros documentos de autoridades da região, os quaisindicavamasituaçãodefuncionamentoedaeducaçãopropiciadanacasamantidapelas“mulheresrecolhidasnosertão”(Arquivo...,cx.8,d.1193-1197).

Adocumentação revela as irregularidades e as dificuldades davida das recolhidas no sertão, o que possibilita uma reflexão acercadasnecessidadesespecíficasparaareclusãodasmulheresnoVale de Lágrimas,queseprotegiamaoformarumgrupoenquantoosseuspaisou maridos viajavam para Portugal ou embrenhavam-se pelo sertão em buscadeouro,instituídoentãocomoumlocalondeasmulheresexer-ciam os seus instintos devocionais e desenvolviam práticas educativas (Lage,2014).

A Casa de Oração do Vale de Lágrimas pertencia às mulheres queláhabitavam,semmuitaopulênciaecomcômodossuficientesparaabrigá-las.Haviatambémumacapelaanexa,comdoiscorosparaace-lebraçãodoOfícioDivino.Viviamdeesmolas,alémdealgunstrabalhosmanuais feitos pelas recolhidas, e do trabalho de escravos que eramdoadosparaainstituição(Rocha,1995).

Segundoodocumentode1780,asrecolhidasforamtransferidasdoVale de Lágrimas para um território próximo, oArraial de SantaCruzdaChapada,porcausadasinundaçõessofridasnoprimeiroter-reno(Abranchez,1897).DevidoàsenchentesdorioAraçuaíepores-taremestabelecidasemumaregiãodedifícilacesso,asrecolhidaspas-savam por necessidades espirituais em virtude da falta de confessores e,ainda,necessidadesfísicas,umavezqueoalimentonãochegavaàssuasterras;assim,váriasmulheresficaramdoentes.Comamudançadecasa,passaramautilizaradenominaçãoderecolhimentoesubsti-tuíramaidentificaçãodoValedeLágrimaspelaproteçãodeSantaAna,passando assim para a denominação de Recolhimento de Sant’Anna da Chapadaou,ainda,paraRecolhimentodeSãoJoãodaChapada.

Verifica-se que, após alguns anos de recolhimento, adquiriamumaeducaçãoadequadaparaasmulheresdaépoca:oconhecimentodas Artes Liberais e também de práticas devocionais (Arquivo..., cx.116,d.39).SegundoBluteau (1712,p.573),asartes liberaiscompre-

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endiam gramática, retórica, lógica, aritmética, música, arquitetura eastrologia.ProvavelmenteaformaçãodasrecolhidasnaChapadanãocompreendiatodasaspropostasdasArtesLiberais,maséimportantesalientaressasespecificidadesdaspropostaseducativasdainstituição.

Pode-seconsiderarque,nessemomento,ocorreuumamelho-riaeconômicada instituição,poisentão jápossuíam36escravosde ambos os sexos,queplantavammilho,feijãoearrozemtrêsfazendas,provavelmenteadquiridaspormeiodedoações.Haviaaindaopaga-mentodeanuidadespelospaisquerecolhiamassuasfilhasediversasdoações,oquegarantiaaautossuficiênciado local.ORecolhimentopossuía então no seu interior 12 escravas donzelas paraassistiràs35recolhidas,sendo33donzelas e2casadas.Essasúltimasforamenca-minhadas para evitar maiores danos e prejuízos para a honra familiar (Abranchez,1897).

Outro documento aponta ainda o domínio da escrita pela regen-teedemaisrecolhidasnaChapada.OatestadodeboacondutadoSr.BernardoJosédeAlmeida,datadode1781(Arquivo...,cx.11,d.21)eescritopelaregentedorecolhimento,CatarinaEscolásticadoLado,foiassinadoporestaepor31recolhidas.Todasasassinaturasapresentamgrafiadiferenciadaebemelaborada,oquedemonstraqueforamváriaspessoasqueassinaramodocumentoequepossuíamumgraudeescritamaisaprofundado.Tambémnãoapresentanenhumamarcadeanalfa-betismooudequeumaassinavaporoutra.

Alémdaeducaçãopropostanosdoisrecolhimentosaquianali-sados,énecessárioaindasalientarquealgumasmulheressolicitavamao rei a autorização para tomar o estado de religiosas em conventos deoutras capitaniasouaté emPortugal.Em levantamento realizadono Arquivo Histórico Ultramarino, seção Minas Gerais, foi possívelconsultar16requerimentosproduzidosentreosanosde1733a1785,osquaispropunhamodeslocamentodeumtotalde33mulheresparatomarem o estado de freira. Geralmenteas requerentes eramórfãs,viúvas,mulheresquetinhammuitasirmãsecujospaisnãotinhamcon-seguidopagarumdotematrimonial,ouaindaaquelasquedesejavamrealmenteaclausura(Lage,2016).

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cOnsidEraçõEs finais

Nopercursoempreendidonestecapítulo,pretendeu-seanalisaras especificidades das instituições educativas católicas existentes nacapitaniadeMinasGerais.Dentrodaperspectivaderealizarumjogode escalas, torna-se possível percebermicroinstituições educativas erelacioná-las com instituiçõesmais ampliadas,macroscópicas, comoaIgrejaCatólicaeapolíticaportuguesa.Éentãonecessáriotrabalharcomasespecificidadeslocaisemsuasrelaçõescomapolíticaeareligiãodoperíodoaquianalisado.

Paraalémdasespecificidades locais, aindaépossívelperceberasdiferençasdegêneroparaaimplantaçãodasinstituiçõeseducativasaquianalisadas:asmasculinas,queeramautorizadasefinanciadaspelopoderportuguês,alémdeteremvínculosdiretoscomopoderreligiosoesofreremforteinfluênciadeumaculturajesuítica;easfemininas,quefuncionaram por meio da devoção popular com a autorização inicial dosbisposesóposteriormentecomoapoiodopoderportuguês.

Na comparação entre os dois recolhimentos femininos torna-se possívelperceberosconflitosparaaautorizaçãodasinstituições,bemcomoosembatesacercadascaracterísticasinstitucionaisasquaisde-veriamseaproximar:escolaoumosteiro?AsrecolhidasemMacaúbasconviveramcomessadualidadedurantetodooséculoXVIII,maspa-recequeasrecolhidas“nosertão”inicialmenteinstituíram-secomoes-colaesóposteriormentetiveramcaracterísticasmaisclaustrais.Alémdessasinstituições,salientam-seasiniciativaseducativasnãoescolareseleigasparahomensemulheres,queagiamemconformidadecomasregulaçõespolíticasereligiosas,quesupriamnecessidadeslocaisequecontribuíramsignificativamenteparaofortalecimentodaeducaçãoca-tólicanacapitaniadeMinasGerais.

rEfErências

ABRANCHEZ,JoaquimManoeldeSeixas.InformaçõessobreoRecolhimentodoArrayaldaChapada,TermodeMinasNovas(1780).Revista do Arquivo Público Mineiro, Ouro Preto,v.2,1897.

ALGRANTI, LeilaMezan. Escrever, ler e rezar.Revista do Arquivo Público Mineiro,

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SaBereS úteiS para a educação doS povoS:livros de agricultura e a circulação de textos técnicos em Minas Gerais (final do século xviii e início do século xix)1

José Newton Coelho Meneses2

“...c’estdesfruitsdelaterrequedécoulenttouslesbiensdontnousjouissons...”3

Henri-Louis Duhamel du Monceau

Para pensar o processo educativo escolar no espaço histórico das Minas Gerais no período de colonização portuguesa na Américaéprecisodefinirpontosprimordiaisquenoslevemàcompreensãodepolíticaseducativasamplas,inseridasem

concepções europeias tidas como modernas e úteis ao desenvolvimen-

1EstetextoéfrutodepesquisainicialmentefinanciadapelaFapemige,emsuaúltimafase,realizadanaBibliothèqueNationaledeFrance,auxiliadapelabolsaSêniordaCapesparaestágiopós-doutoralnaÉcoledesHautesÉtudesenSciencesSocialesenoCollègede France, ambos em Paris. É, ainda, uma análise pontual e preliminar de um textomaisverticalizadoqueestásendoescritoparaaediçãodeumlivrosobreacirculaçãodemanuaisdeagriculturanomundoluso-brasileiro.2DoutoremHistóriapelaUniversidadeFederalFluminense(2003),éprofessorassociadodoDepartamentodeHistóriadaFaculdadedeFilosofiaeCiênciasHumanasdaUFMG;membropesquisadordoGrupodePesquisaCulturaeEducaçãonaAméricaPortuguesa–GCEAP; líderdoGrupodePesquisaElementosMateriaisdaCulturaePatrimônioediretordoCentrodeEstudosMineirosdaFafich–UFMG.3“sãoosfrutosdaterraqueoriginamtodososbensquedesfrutamos”(traduçãonossa).

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todasnações.Autilidadeépontofulcraldessasconcepções,emqueaeducaçãoéumprocessoinseridoemumavisãotípicadeciênciaaplica-daaofazercotidiano,aoincentivoprodutivo,sendoconsiderada,dessaforma,comoindutoradedesenvolvimento.Aciênciadeveseraplicáveleseusavanços,úteis.Úteisparaquê?Paraaconstruçãoderiquezaseaefetivaçãodafelicidadehumana.Ecomosepraticizaessautilidade?Aeducação dos povos é o instrumento desse intento e dele devem partici-parativamenteoEstadoeoshomensdeciênciaedeletras.

Alguns autores traduzem essas ações do Estado e das instituições deciência(academias,jardinsbotânicos,gabinetesdecuriosidadesedeleituras),mas,principalmentedoshomensdeciênciaedeletras,comopartedeumvalorquedenominamde“filantropia”.4Afilantropiaseria,então,outropontoaconsiderarmos.Elaéumamanifestaçãodever-tenteromânticaaplicadaàpráticadaciênciaeàsuautilidadenasatis-façãodasnecessidadesdapopulação,napromoçãodofortalecimentomaterialdasociedade.Étambémumvalorsimbólicoatribuídoànaçãodesseshomenssábios.Elesatomamcomovalorparaaprópriaciên-cia.Seria,emsuma,alaicizaçãodosentimentodecaridade(amorporDeusquelevaaoamorpelopróximo)ampliadonosentidodebuscaraprosperidadesocialpeloamoràhumanidade.Elasecaracterizariapelacrençadequeafelicidadepessoalsópodeserasseguradaquandoexisteprosperidadesocial,quandoointeresseprivadosetornacondicionadopelocoletivo.Assim,homemcivilizadoseriaaquelequetemacapaci-dadedepraticizaralgoqueserianaturalnoshomens,masquepoucossabemexercitar:afilantropia.

Nessaperspectivaseenquadramoshomensdeciência,osdele-trase,acrescentaríamos,oseducadores.Elessabemquetalprosperida-desocialsedápeloprogressomaterialeéaciênciaquepermiteconhe-ceromundonatural,materializá-loemproduçãoderiquezas,atingiraprosperidadesocialeoprogressodanação.CatherineDuprat(1993)vêessa atitude humana dos homens sábios como um valor do “Iluminismo tardio”.Ofilantropoeuropeusevêcomoumirmãomaisvelhodeho-mens a serem colonizados e a ciência europeia como a propiciadora

4 VerDuprat (1993).NoBrasil, LorelayKury (2004), combase na leitura deDuprat,analisaopapeldosviajantescientistasconsiderandoaperspectivadaFilantropia.

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dessaresponsabilidadefilantropa.AFilantropiaeossaberescientíficospermitiriamosatosdeconhecer,estendereaplicaroconhecimentoeatingir,comisso,oprogressoeaprosperidadesocial.

Aeducação,nestecontextocultural,é,emminhavisão,partedeumadinâmicabastantecomplexae importante,comoexpressãodes-sessentimentos,valoreseatitudes.Elaconjugaasaçõesdaquelesquesabemnosentidodeatingirautilidadedossaberesparaospovos.Ospréstimosdosconhecimentosproduzidospelaciência, instrumentali-zadospelafilantropia,levamahumanidadeàprosperidadeeasnaçõesaoprogresso.

Os livros e os textos publicizadospara a divulgaçãodasnovasformasdeproduçãopreconizadasdevemser,paraaconcretizaçãodes-sevalor,investimentosdasAcademiasdeCiência,dasinstituiçõespro-motorasdosaber–comoosjardinsbotânicoseosgabinetesdeleitura–edosEstados,comoobjetivodealcançar,comeficiênciaerapidez,adifusãodesabereseaaplicabilidadedofazercientífico,deformaainterferiremumarealidaderústica,auferindoganhosparaaproduçãoabastecedora,ariquezanacionaleatranquilidadedospovos.Oslivrosdevemsereditadoseprecisamtercirculaçãogarantida.

Ao falarmos de educação e antes de entrarmos na discussão acer-ca dos livros de agricultura destinados a esse processo educativo para o progressoagrário,énecessárioteremmentealgoimportantequenãoéoobjetodestetexto:existemprocessosváriosdeintervençãoedecon-troleparaeducarohomemdopovo,nãoapenasoagricultor,notraba-lhoenaproduçãoderiquezas.Umdessesprocessos,desumaimportân-cia,éaaprendizagemdosofíciosnoâmbitodasoficinasemanufaturas,envolvendoosmestres,osoficiaiseosaprendizesdasartesmecânicas.5 Taisoficinasemanufaturastambémsãoprodutorasderiquezase,maisqueisso,aorganizaçãoeoensinonaoficinasãogarantiadeordemso-cialnosparâmetrosevaloresdoAntigoRegime,determinandoformasdeagiredeorganizaromundoparaaobtençãodepazsocial.Dames-maforma,podemosveressaeducaçãocomoinseridanessaculturadeutilidadeedefilantropia.Nesseprocessodeaprendizagem,buscam-se

5Paraumadiscussãomaisespecífica,verMeneses(2007,2011)eAlfagali(2012).

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ensinamentoseumexercíciodoindivíduocomoaprendiz,assegurandoadevida“ciência”quecadaofícioexige,ecomissoobempúblicoeodoprópriogrupocorporativoégarantido.

Apósaaprendizageminicial,onovoprofissionalpassaporumperíododeexercíciocomo“oficial”noestabelecimentodeseumestre,oque se constitui emumacontinuidadedoprocesso educativo, comresponsabilidades acrescidas em tempo variável para cada ofício (dois a seis anos).Apartir daí, para ter oficinaprópria, o oficialnecessitarequereraosjuízesdoseuofício“aexaminação”,apresentando,nesseato, “certidões juradase reconhecidas”pelo seumestre,dandocontadotempodaaprendizagemedoexercíciocomooficial.Oexameexi-geafeituradeumaoumaisobrasavaliadaspelosjuízesquejulgamacapacidadeprofissionaleaaptidãodoexaminado.Seapto,oartesãorecebeacartae,seforconsideradoincapaz,édeterminadoaelenovotempode exercício comooficial ou, atémesmo, nova aprendizagem.Essenovotempocomoaprendizoucomooficialvariadeacordocomodiscernimentodosjuízesavaliadores,masépreconizado,namaioriadosregimentosdascorporaçõesdeofíciosportuguesas,como,nomíni-mo,de6meses.

Assimcomoosmestresdeofícioeosjuízesdeofício,asCâmarastêm papel preponderante no controle de todo esse processo, assimcomonaorganizaçãodoensinoditoescolar.6 Elas são instâncias de poderlocalqueagememnomedares publica.NasMinasGeraisdoSetecentos e início do Oitocentos assumem papel ainda mais impor-tante,namedidaemqueofuncionamentodascorporaçõesdeofíciosnãoseformalizacomonoReino,abrindo,assim,umespaçodepoderdosquaisasCâmarasdasVilasseapropriamemnomedocontroleedapazsociais.7

Essetrâmiteda“examinação”é,ainda,umpoderosoinstrumen-to regulador domercado de trabalho. Dessa forma, exerce a funçãoderetençãodequadrosconcorrentesnomercadodeprodutos,sendo

6 Para essa última questão, o controle das Câmaras sobre os mestres de escola, verFonseca(2013).7Sobreotema,verMeneses(2013).Damesmaforma,asassociaçõesreligiosasleigastêmpapelimportantenessadinâmica.

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instrumento, portanto, de salvaguarda do trabalho dosmestres, quebuscam,emtemposdemuitaconcorrência,limitaraliberaçãodemãodeobraqualificada.Contribui,assim,paraaformaçãodeumaelitedemestresquedificultamouestimulamasinovaçõestécnicaseaentradadenovosprofissionaisnomercado.É,portanto,umprocessoeducativocommuitocontrole.

Sabemosque,paraomundorural,aformalidadedesseprocessoé menos materializada e as ações educativas acontecem basicamente emdois tiposdeação:porumlado,aexperimentaçãodecampo,ar-ticuladapeloscientistas,exemplaresemultiplicadorese,poroutro,aprodução de textos a serem editados e distribuídos para uma amplacirculação.NocasodeMinasGerais,ambasaconteceramnoperíodotemporaldequetratamosaqui.Mesmoquenossoobjetosejaasegundaação,oslivrostécnicosdeagricultura,ébomlembrar,comoexemplo,asatividadesexperimentaisdonaturalistamineiroJoaquimVelosodeMiranda(ooutroVeloso),bacharel(1776)edoutorpelaUniversidadede Coimbra (1778) e demonstrador da cadeira de História Natural damesmauniversidadeem1778e1779,quandoretornaaMinas.Nasua terra ele continua, por um tempo, vinculado à Universidade deCoimbracomoestudiosoeobservador,remetendoinformaçõeseamos-trasaDomingosVandelli.Em1780,torna-sesóciocorrespondentedaAcademiaRealdeCiênciasdeLisboa,recém-criada,einvesteemumaprática de investigação científica sobre a fauna e a floramineiras e,também,empesquisasmineralógicasedequímica.NosarredoresdoarraialdeOuroBranco,ondepossuíaumafazenda,VelosodeMirandafezexperiênciasemterrasprópriasedeoutros,nosentidodeobservar,conhecer, desenvolver técnicas, informar e estender conhecimentos,atendendoaospreceitoscientíficosefilantrópicosdesuaépoca.8

Comoseuscongênereseuropeus,VelosodeMirandatem,aoladodapreocupaçãocientífica,aproximidadecomosprojetosdoEstadoea busca de observar e compilar as informações para servir aos povos e ànação.9Apartirde1798,elepassaacuidardaformaçãodeumjar-

8EstudometiculosodeCaioBoschi(2011)investigaeinformasobreaaçãodeJoaquimVelosodeMiranda.9 Para uma reflexão sobre o papel do Estado português no incentivo da investigação

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dimbotânicoemVilaRica.Em1800, esse “HortoBotânico já conti-nha, aproximadamente, 500 plantas conservadas” (Boschi, 2011, p.139).Seguindoatendênciadeseusparescientistas,VelosodeMirandaétambémumleitordelivrosquelheinformemsobresuaspesquisas;leiturasutilitárias.OestudodeCaioBoschi(2011,p.173),combaseno“termo de adição” do Inventário post mortem donaturalista, apontaumabibliotecacom260volumescorrespondentesa104títulos,muitosreferentesaotemadaproduçãoagrícola, inclusivealgunstrabalhoseautoresdosquaisfalaremosaseguir.10

VáriosdosexemplaresdeusodeVelosodeMirandasãoediçõesposterioresaoseuretornoparaMinasGerais,em1799.Essefatoapon-taparaaaquisiçãocontinuadadelivroseparaoacessoaessaspossibi-lidades de leitura e de informação técnica atualizada no espaço colonial portuguêsnaAmérica,asMinasGeraise,maisespecificamente,oar-raialdeOuroBrancoeVilaRica.

livrOs útEis dE um EditOr das minas GErais nO mundO lisbOEta

De “naturalistas” a “biólogos”, de “História Natural” a “Agro-nomia”,aproduçãoeacirculaçãodesaberes“agronômicos”emediçõeslivrescas visando ao desenvolvimento da agricultura na Europa e em suascolôniaséoobjetogeraldestetexto.11AciêncianaturalsetecentistaedeiníciodoséculoXIXétemacomplexoeimportanteparapensar-mosaediçãodetextoscomsaberestécnicosesuacirculaçãonaEuropacentraleemsuascolônias,buscandoefetivaroqueaculturadaqueletempo construía como possibilidade de desenvolvimento das nações combasenaproduçãoagrária.Da“física”vegetalouanimalà“fisiolo-

científicaenocontroledainformaçãosobreosconhecimentos,verDomingues(2001).10Interessanteéquenabiblioteca(pelo“termodeadição”doInventáriopost mortem) e nosbensarroladosapósamortedeVelosodeMiranda,háapenasumexemplardelivrodereligião,emboraocientistafossepadresecular.11 Os termos “biologia” e “agronomia”, embora não usuais na linguagem correntesetecentista, são cunhados no século XVIII e usados principalmente na França, paradesignar,respectivamente,conhecimentossobreorganismosvegetaiseanimaisesaberesaplicáveis aodesenvolvimento agrário.Esseúltimo é umencontrodahistórianaturaledabiologia comciênciasdiversas (mecânica,hidráulica,fisiologia, arquitetura rural,economiarural,dentreoutras).

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gia”,aproduçãodesaberessobreaterraéricafontedecompreensãodaculturacientíficaedaspropostasdecriaçãoderiquezasedebem--estarparaohomem.Asquestõesdaciênciaagrária,noentanto,paraGeorgesCanguilhem,sãoantes“filosóficas”que“fisiológicas”.Paraele,emsetratandodesaberessobreosvegetais,“aárvore,aflor,ofruto,oespinhoforamsímbolos,motoresdoimaginário,antesdeseremobje-tosteóricos”(1979,p.7-10).Assim,aculturaeaexperiênciahumana,aciênciaeanatureza,ahumanidadeeaterrasãoinstrumentosdeumsaberexperimentaleaplicável,valoresimportantesnopensamentodotempoemtela,evidenciadospelasexperiênciasdecampoepelasedi-çõesdelivros,pelosesforçosdetraduçãoepeloinvestimentonacircu-laçãodostextos.

Comojádissemosacima,sãocomplexosessesvalores:queremresolver problemas concretos da economia das nações e “fazer admi-rarasmaravilhasdanaturezacriadasporDeus”.Tudoissotraduzi-doemuma“ciênciaexperimental”eem“aplicaçõestécnicas”,campopeloqualseatestaacapacidadedohomemdeproduzirsaberesedeaplicá-losparaumavidamelhor.Noentanto,énecessário,paraoin-tentodessaaplicabilidadepragmática,havereducação, leituraecir-culaçãodetextos.Énessecampoquepodemosfalardeoutromineiro,outroVeloso;nãoopadresecular,masofreifranciscano,damesmaforma naturalista, mas, diferente de Veloso deMiranda, autodida-ta,ouseja,semformaçãouniversitária.Falaremosdelemenoscomocientistanaturalistaemaiscomoeditor.Talvez, fossemelhordizer,comoleitor-editor.

Frei Veloso, JoséMariano da Conceição Veloso, nascido JoséVellosoXavier, tempapel importantena tentativa portuguesa de in-centivarmudançasnaproduçãoagráriadoImpérioaofinaldoséculoXVIIIeiníciodoXIX.TantoD.MartinhodeMeloeCastro,ministrodeD.MariaI,quantoD.RodrigodeSouzaCoutinho,ministrodoPríncipeRegenteD.João,apósamortedaqueleem1795,tentaramincentivaraproduçãodenovosgêneroscomerciaisemterritóriosdacolôniaameri-cana.Ajustificativaparaissoeraasalvaçãodeumaeconomiaavaliadacomodecadente.ElesalmejavamproduzirnaAméricaprodutosexpor-táveisqueestimulassemocomércioportuguês.

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Queremos aqui problematizar o papel do capucho Frei JoséMariano da Conceição Veloso como um instrumento de mediação entre culturas:àluzdepropostaseconômico-políticasiluministas,eleelabo-ra um projeto editorial conjugando matrizes de conhecimento agrícola e dehistórianaturaleuropeiascominteresseseconômicosdaMonarquiaportuguesa.Associa,sobretudo,taissaberescomumarealidade“brasi-leira”queeleconheceeelegecomoalvo.Essealvoé,ameuver,poucodiscutidopelahistoriografia.OpropósitodeFreiVeloso,nasuabuscaprodutiva,centra-seemdoisfatoresdistintos:otipodeleitoresquede-verãoseratendidoseorepertóriodeleiturasquelhesatendem.

Estetextonãoalcançaráasrespostasaoproblemainvestigativoaquicolocadocomsimplicidade.Aproblematizaçãodesteobjetoeasuadiscussãocompossíveisleitoreséseuobjetivopreliminar.

Importante, então, aqui, é aquilatar, para alémdo importantepapeldeFreiVelosoedesuasiniciativaseditoriais,aintegraçãodare-alidadedaAméricaportuguesa,primeiro comumaproduçãoagráriaproposta como importantena economia-mundodesse período e, emsegundo lugar, com o diálogo de saberes biológicos-agronômicos noambientecientíficodaEuropa.Arealidadeluso-brasileiraquemein-teressaépartedessadinâmicaedelaparticipadeformaefetiva.Maisrelevante,entretanto,éter–comopanodefundo,masnãodeformasecundária–comocenáriodasaçõeseditoriaisdeVelosoosvalores,ossentimentoseasatitudesinseridosnessadinâmicadeconcepçãofilan-trópicaeeducativa.

Foram remetidaspara as capitanias americanas, e especifica-menteparaadasMinasGerais,publicações técnicasquebuscavamdarnovosrumosàproduçãodaagriculturanaColônia.Comoexem-plosdessasremessas,apresentamososquadrosabaixoquedemons-tramduasdelas,ocorridasem19deagostode1800eem22deoutu-brodomesmoano.Apóscadaquadrodeobras,descritascomoestãoexpressasnosdocumentos analisados, tentaremos acrescentarmaisclaramenteasediçõesaqueelascorrespondem,quandoissoforne-cessário.Na primeira remessa, anexava-se correspondência com osseguintes dizeres:

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Saberesúteisparaaeducaçãodospovos•161

PorordemdoPríncipeRegenteNossoSenhor,remetoaVossasenhoria

osImpressosqueconstamdaRelaçãoinclusaesedestinamainstruir

os povos não só em objetos da agricultura,mas, também, em outros

importantesassuntos.FarápoisVossaSenhoriadistribuirevenderos

mesmosimpressospelospreçosquevãoapontadosnamesmarelaçãoe

montam151$920,remetendoasuatotalimportânciaaoOficialMaior

destaSecretariadeEstado,afimdequeaRealFazendaseindenizedas

despesasquetemfeitocomapublicaçãodasreferidasobras.(APM/SC

290,f.130).

Quadro1–QuadrodaPrimeiraRelação(19/08/1800)

Número de exemplares Obra Valor

individual Valor total

50 Volumes 2os de Bergman * 1$400 72 $ 000

50 Volumes do Fazendeiro de Anil–T.2 1 $ 200 60$000

12 Volumes 2os em pasta do Manual do Mineralógico 1$600 19 $ 200

6 Elegias Fco Cardozo ** $ 120 $ 720

tOtal 151 $ 920

Fonte:APM/SC290,f.130.

* Manual do Mineralógico ou Esboço do Reyno Mineral, deMr. TorbenBergman, traduzidoporMartim Francisco Ribeiro de Andrade Machado e editado por Frei Velloso. Na Oficina de JoãoProcópioCorrêadaSilva,Lisboa,1799.

** Provavelmente referência ao Canto Heroico de José Francisco Cardoso, Professor Régio deGramática latinana cidadedeSalvador,Bahia, escrito em latime traduzidoporManoelMariadeBarbosa du Bocage: Ao Serenissimo, piissimo, felicíssimo, Principe Regente de Portugal, D. João, Ornament. Prim., Esperança do Brasil e Protector Eximio das letras, Canto Heróico sobre as façanhas dos Portuguezes na Expedição de Tripoli.

Essalistatinhaemanexoarelaçãodadestinaçãodascaixasdelivros:

1caixaParaoIlmo.eExmo.Snr.Genral desta Capitania1 da PaoIlmo.eExmo.Snr.Genral de Goyas1 da Pa o Ouvidor de Va Ra

2 das Pa o Ouvidor de Sabará2 das Pa o Ouvidor do Rio das Mortes2 das Pa o Ouvidor do Serro Frio1 da PaoJuizdeForadaCamp.a

1 da Pa o Juiz de Fora de Paracatu

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162•HistóriadaEducaçãoemMinasGerais|1.Colônia

Quadro2–QuadrodaSegundaRelação(22/10/1800)

DoslivrosquevãoporordemdeS.A.R.aoIlmo.Exmo.GovernadorGeneraldeVilaRicaemumcaixotemarcadocomaLetraC

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12 Cultura Americana que contem huma relação do terreno, clima, producção, e agricultura das colonias britanicas do norte da America, e nas Indias occidentais, com obervações sobre as vantagens, e desvantagens de se estabelecer nellas, em comparação com a Grã-Bretanha, e Irlanda.PorhumAmericano.Traduzidadalinguainglesapelobacharel José Feliciano Fernandes Pinheiro; vol 1º [Vol. 2º trad. Por Antonio CarlosRibeirodeAndrade];publicadoporFr.JoséMarianodaConceiçãoVelloso.Lisboa:NaOff.deAntonioRodriguesGalhardo,1799.Commapa.13 Manual do Mineralógico ou Esboço do Reyno Mineral disposto segundo a analyse chimica;porMr.TorbenBergman;...publicadoporMr.Forber...;traduzidoeaugmentadodenotas porMr.Mongez, oMoço...; nova edição consideravelmente augmentadaporM.J.C.deLaMetherie;utilmentetraduzidoporMartimFranciscoRibeirodeAndradeMachado...; publicadoporFr. JozeMarianodaConceiçãoVelloso. Lisboa:NaOff. deAntonioRodriguesGalhardo,1800.14 Conciderações candidas e imparciaes sobre a natureza do commercio do Assucar; e importancia comparativa das ilhas britannicas, e francezas dasIndias Occidentaes, nas quaes se estabelece o valor e consequencias das ilhas de Santa Luzia e Granada;trasladada do inglez por Antonio CarlosRibeiro deAndrade; publicadas por Fr. JozeMarianodaCoceiçãoVelloso.Lisboa:NaOffic.DaCasaLitterariadoArcodoCego,1800.15ExtractosobreosengenhosdeassucardoBrasil,esobreomethodojáentãopraticadonafacturadestesalessencial,tiradodaobraCultura e Opulência do Brasil,parasecombinarcomos novosmethodos,que agora se propoem.... Por Fr. JoséMariano daConceiçãoVelloso.Lisboa:TypographiaChalcographica,eLitterariadoArcodoCego,1800.16 Tratado Historico e Fysico das Abelhas,composto,porFranciscodeFariaeAragão...,...,porFr.JozeMarianodaConceiçãoVelloso.Lisboa:NaOffic.DaCasaLitterariadoArcodoCego,1800.17 Palladio Portuguez e Clarim de Pallas que annuncia periodicamente os novos descobrimentos, emelhoramentos n’agricultura, artes, manufacturas, commercio, & .OfferecidoaossenhoresdeputadosdaRealJuntadoCommercio&.Lisboa:NaOfficinaPatriarchal,1796.18 Historia Nova e Completa da America, colligida de diversos authores.../peloBacharelJoséFelicianoFernandesPinheiro;publicadoporFr.JozemarianodaConceiçãoVelloso.Lisboa:NaOfficinadacasaLitterariadoArcodoCego,1800.19CantoHeroico.

Número de exemplares Obra Valor

individual Valor total

10 Cultura Americana 1 $ 800 18 $ 000

5 Jogos de Bergman 2$400 12 $ 000

10 Conciderações Candidas 1 $ 000 10 $ 000

10 CulturaeOpulênciadoBrasil $960 9$600

3 Tratado das Abelhas em meia pasta $960 2 $ 880

12 Paladios $600 7 $ 200

4 Historia da America $600 2$400

4 Canto Heroico $480 1 $ 920

Continua na página 163

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A correspondência deD.Rodrigode SousaCoutinhodá-nos amedidadaspreocupaçõescomaeducaçãodomundorural,visandoàprodutividadeagrícolaalmejadaeàobediênciaaprincípiosquemoti-vassemostrabalhosnaagriculturaenasminas.DopaláciodeQueluz,em Lisboa, ele enviavamensagens ao governador Bernardo José deLorena,comoadotextoseguinte,datadade1ºdedezembrode1800:

20 Relação do modo com que desempenhou o Chefe de divisão Donald Campbell, a Commissão de que o encarregou o Almirante Lord Nelson, na viagem ao Porto de Tripoli, a fim de effeituar a paz entre o baxá daquella regencia, e a Coroa de Portugal.Lisboa:NaOfficinadeSimãoThaddeoFerreira,1799.21 Descripção da Arvore Assucareira e da sua utilidade e cultura...porHippolytoJosédaCostaPereira....Lisboa:NaTypographiaChalcographica,eLitterariadoArcodoCego,1800.22FazendeirodoCaffe.23 Tractado sobre a Cultura, Uso, e utilidade das Batatas, ou papas, solanum tuberosum, e instrucção para sua melhor propagação; por D. Henrique Doyle; Traduzido dohespanhol, ... por Fr. JozeMariano da Conceição Velloso. Lisboa: Na Typographia eChalcographicaeLitterariadoArcodoCego;1800ouInstrucção sobre a Cultura das Batatas,Traduzidadoinglezporordemsuperior.Lisboa:NaOfficinadaCasaLitterariadoArcodoCego,1800.24FazendeirodoAsucar.25 Tractado do melhoramento da navegação por Canaes, onde se mostrão as numerosas vantagens, que se podem tirar dos pequenos canaes, e barcos de dous até cinco pés de largo, que contenhão duas até cinco toneladas de carga, com huma descripção das maquinas precisas para facilitar a condução por agua por entre os mais montanhosos paizes, sem dependencia de comportas, e aqueductos; incluindo observações sobre a grande importância das communicações por agua com reflexões e desenhos para aqueductos, e pontes de ferro, e madeira. Ilustrado com XVIII estampas. Escrito nalingua ingleza por Robert Fulton..., traduzido para a portugueza por Antonio CarlosribeirodeAndaradeMachadodaSilva...;publicadoporFr.JozeMarianodaConceiçãoVelloso.Lisboa:NaOfficinadacasaLitterariadoArcodocego,1800.26Caligrafia.

Número de exemplares Obra Valor

individual Valor total

4 Relaçoes de Tripoli $ 80 $320

20 Arvore Asucareira $240 4$800

30 FazendrodoCafféT.3o pe 2a 1 $ 200 36$000

50 Cultura das Battatas $320 16$000

12 FazendrodoAsucarT.1o pe 2a 1$600 19 $ 200

3 Canaes de Fulton 4$000 12 $ 000

3 Caligrafia $480 1$440

Fonte:APM/SC290,f.203-204.

Continuação da página 162

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ConhecendooPríncipeRegenteNossoSenhorquantoseriadanosoàfe-

licidadeeriquezadospovosdessaCapitaniaoabandonaremaagricultu-

ra e o trabalho das minas para se darem às manufaturas e a uma indús-

triaqueapenasreproduznovasriquezasmuitosuperioresaotrabalho

queseempregaemoshaver;portãojustosmotivosmandaSuaAlteza

RealrecomendaraVossaSenhoriaqueprocureanimarmuitoospovos

àAgriculturaeaotrabalhodasminasedesviá-losdasManufaturas,que

nadalhesconvém,emquantoasprimeirasfontes jácitadasdarique-

za nacional se não acharem levadas por uma proporcional população

aolimiteemquesejanecessáriohaverrecursoàsmanufaturasparao

emprego dos braços. Omesmo Augusto Senhor é servido que Vossa

Senhoria tenha o maior cuidado em não perder de vista este objeto como

omaisessencial,nemseafastandodetãonecessáriosprincípios.(APM/

SC.290,f.253).

AhistoriografiatemressaltadoopapeldeFreiVelosonacircu-laçãodessesmanuaisnoReino,sem,noentanto,atentarparaaabran-gênciadacirculaçãodetaistextosnosterritóriosultramarinos.Vimosqueeles chegavamao sertãoamericanodasMinasGerais.Resta-nosinvestigaraabrangênciadaleituradessestextostécnicosdestinadosaumapráticaprodutivaeaumautilidadeaplicávelà realidadequesequeriamudar.

Aoreconheceressadestinaçãopráticaeútil,MariadeFátimaNunes e João Carlos Brigola veem Frei José Mariano da Conceição Veloso como um “divulgador de conhecimentos práticos e úteis num projeto editorialde rara coerência temática” (Nunes;Brigola, 1999,p.51).Essacoerênciatalvezseexpliquepeloambienteintelectualdofradeeporsuavocaçãonaturalista,comoosmesmosautoresressal-tam,masessasduascondiçõeseacoerênciaressaltadanãoexplicamsozinhasaamplitudedacirculaçãodessesmanuaisdeagriculturae,principalmente o que queremos problematizar, o projeto editorialamplo de Frei Veloso.Ressalte-se a falta de formação universitáriadofranciscanoeasuaformaçãoautodidata,centrada,entretanto,nosprincípios do que poderíamos chamar de cientificidade acadêmicapossívelnasegundametadedoséculoXVIII,nacapitaniadoRiode

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Janeiro,ondeofradedesenvolveuemmaiortemposuasatividadesdeestudosnaturalistasedeensino.

VamosaalgunsdadosbiográficosdeJoséVelosoXavierparaen-tendermosmelhoroeditor.ElenasceemMinasGeraiseéregistradonaFreguesiadeSantoAntônio, daViladeSãoJosé, daComarcadoRiodasMortes,BispadodeMariana,em1742,pelospais,JoséVellosodaCâmaraeRitadeJesusXavier.Em1761ingressanoconventofran-ciscano de São Boaventura de Macacú e cinco anos mais tarde recebe asordenssacrasnoConventodeSantoAntônionoRiodeJaneiro.Adespeitodeseroradoreconfessor, interessa-semaispelomagistérioe,em1770,otemoscomodocentedegeometrianoConventodeSãoPaulo.PoucotempodepoiselesetornaprofessordeHistóriaNaturalnoConventodeSantoAntônio,noRiodeJaneiro.Algunsautoresveemno seu trabalhodidático a influênciadas tímidasmudançasno ensi-no conventual franciscano preconizadas por Frei Manuel do Cenáculo Vilas-Boas,emseuPlano dos estudos para a Congregação dos religio-sos da Ordem Terceira de São Francisco do Reino de Portugal,de1769.Talplanorecomendavaestudosdefísica,matemática,filosofianatural,princípiosdegeometria,ontologiaepneumatologia,e“algumascousasdaHistóriaNaturaldePlínio”,deformaaqueosalunospudessemserinstruídos“comasnoçõesprecisasparaquenocursoTheológicosai-bamentender-senaFísicaSacra”(apudNunes;Brigola,1999,p.53).Oplanoseguia,ainda,arecomendaçãopombalinadequeosinstitutosdeensinodeveriamsemoldaràsmudançasqueocorriamnaUniversidadedeCoimbraequeseconsolidaramcomareformade1772.

Nosso personagem torna-se um franciscano “vocacionado” pela sua ordem para ser sensível aos fenômenos domundo natural, essasensibilidade da matriz franciscana. Interessa-se especialmente peloensinodeHistóriaNaturalepelapesquisadanaturezavegetal.Comovimos,énomeadolentedadisciplinaem1786.

O ambiente cultural do Rio de Janeiro a partir de 1770 também propiciaaVelosoumestímuloaseusestudos.Temos,em1772,poriniciativadoMarquêsdeLavradio,afundaçãoda“AcademiaMédica,Cirúrgica,Botânica,Farmacêutica”doRiode Janeiro,muitas vezesreferidacomoSociedadedeHistóriaNaturaldoRiodeJaneiro,que

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agregava uma série de amadores naturalistas do meio castrense e eclesiásticodacidade.LembremosqueessetipodeiniciativajáforarealizadonoRio,commaisoucommenossucesso,comosãoexem-plos a tentativa de criação de uma sociedade médica de estudos bo-tânicos, a existência efêmera de algumas associações literárias e atambém passageira existência da “Academia dos Seletos”, que che-gouaterumatipografiaeaimprimirváriosfolhetos,antesquefosseproibidaedestruídaamandodametrópole.A“SociedadedeHistóriaNatural”deLavradioconstruiuumhortobotânicoque,deacordocomseuEstatuto,servia

paranele se tratarem, e recolherem todas as plantasnotáveis.E terá

cadaacadêmicoobrigaçãodeoirverparaobservaradiferençaecres-

cimentodelas.Haveráalgunscoletores,osquaisserãoencarregadosdo

HortoBotânico.Haverá,também,algunsacadêmicosdesenhadoresde

plantas.(Azevedo,1885,p.269).

Podemosverqueesseambientenaturalistaseligavaplenamen-teaumaculturamédicaquevianaBotânicauminstrumentoauxiliarda terapêuticamédica, tentandoconhecerparaexploraraspotencia-lidades farmacológicas das espécies vegetais. FreiVeloso ligar-se-á aumaoutravertentedessa“economiadanatureza”:aquelaquevianapotencialidadedoconhecimentodosreinosdanatureza,sobumavisãoclassificadorae racionalizadora,dequeé exemploLineu, apossibili-dadedetransformaçãodomundoedeumasociabilidadecientíficadecaráter naturalista ligada à utilidade das aplicações do conhecimento napráticaeconômica.

O governo do vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa (1779-1790) caracteriza-se,também,poriniciativascomoaconstruçãodo“PasseioPúblico”eneleda“CasadeHistóriaNatural”,popularmenteconheci-dacomo“CasadosPássaros”,ondesecolecionavamesepreparavamprodutos naturais para o envio a Lisboa (alguns a consideram o primei-romuseudehistórianaturaldoBrasil)(Lopes,1997,p.26-27).Essasremessas eram requeridas pela Secretaria de Estado dos NegóciosUltramarinos e pelo Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda na tradi-

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Saberesúteisparaaeducaçãodospovos•167

ção de envolvimento dos governadores das capitanias americanas com essetipodeatividadedesdeadécadade1760.

FreiJoséMarianodaConceiçãoVelosoiniciaem1783asuafun-çãoderesponsávelpelasremessasdeplantas,acompanhadasdedescri-çãoededesenhos,paraoJardimdaAjuda.Em1790,jádepoisdedeixaroBrasileirparaaCorte,ele,segundoRômulodeCarvalho(1987,p.90),escreve uma Suplica,ondereclamadopesoedasdificuldadesdesuaati-vidadedecoletordeespéciesnaturaisnacapitaniadoRiodeJaneiro.27 Frei Veloso havia sido liberado das atividades da regra conventual pelo provincialFreiJosédosAnjosPassos,em1783,paraserviraovice-reiemviagensfilosóficaspelacapitaniadoRiodeJaneiro.Outrosfrancis-canos foramseusauxiliaresedesenhadoresnessasexpedições, comoFreiFranciscoSolano(desenhador),FreiAnastáciodeSantaInês,FreiFranciscoManuel da SilvaMelo, José Correia Rangel, José AnicetoRangel, João Francisco Xavier, Joaquim de Sousa Marcos, FirminoJosédoAmaral,JoséGonçalveseAntônioÁlvarez.Em1790,LuísdeVasconceloseSousaconvidaFreiVelosoparairparaLisboa,levandoconsigo70caixotesdeamostrasdeespéciesnaturaiseosoriginaisdeseusestudosepranchassobreaflorafluminense,depositandoomate-rialnoMuseueJardimdaAjuda,jásobadireçãodeDomingosVandelli.

Nossoinstigantepersonagemtorna-seeditorquandosedeslocaparaLisboa,adespeitodeseuafastamentodaAcademiadeCiênciasdacapitallusitanaedasmuitascríticasàsuaobrasobreaflorafluminen-se.Oqueoterialevadoaconseguiresseestatutoeditorialsendoauto-didataenãousufruindodobeneplácitoacadêmico-científicodocírculointelectuallisboeta?Perguntacommúltiplaseimprecisasrespostasquedeixaremosparadiscutirespecificamenteemoutraocasião.Podemos,noentanto,levantarahipótesedesuacapacidadeleitoraeeditorade-monstradanapráticaedesuaproximidade intelectuale sentimentalcomD.RodrigodeSousaCoutinhonavivêncianacapitaldoReino.

SuaestadaemLisboaobjetivava,alémdotrabalhonaAjudaenaAcademiacomatividadesdeclassificaçãodasespéciesnaturais(espe-

27 Suplica de Frei JoséMariano da Conceição Veloso. AHU, Reino,Manuscrito 2719.Os pesquisadores Maria de Fátima Nunes e João Carlos Brigola afirmam não teremencontradoessedocumentonoArquivoHistóricoUltramarino(AHU).

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168•HistóriadaEducaçãoemMinasGerais|1.Colônia

cializa-seemIctiologia),aediçãodeseuestudosobreaflorafluminen-se,objetivoquenãoseconcretizará.Taledição,alémdeoutrosproble-mascríticos,tornara-secaraedifícil.Em1797,elesolicitaàautoridaderégia que “o suplicante se achanestaCortehá sete anos forade seuConvento,paraondedesejarecolher-se logoquecompleteestaação”(Arquivo...,reino,maço2705).ARealAcademiadeCiênciadeLisboaalmejaqueFreiVelosoadapteasuaobraeaomesmotempoclassifiqueasuacoleçãodepeixes.Aexigênciadessasduastarefas,nãoaceitasporele,oafastadaAcademia.

Os projetos editoriais de Frei José Mariano da Conceição Veloso têm ummarco original nesse afastamento da Academia e na prepa-ração e publicação de um periódico agrário, em 1796, editado pelaOfficinaPatriarchaldeLisboa:Paladio Portuguez e Clarim de Palas que anuncia periodicamente os novos descobrimentos e melhoramen-tos n’agricultura, artes, manufacturas, commercio & oferecido aos se-nhores deputados da Real Junta do Commercio.

No primeiro Paládio, as novidades eram exclusivamente docampoda“NovaAgricultura”,preconizadapelosconhecimentosagro-nômicos da Filosofia Natural setecentista, influenciada pelos princí-pioseconômicosepolíticosdaFisiocracia.InspiradaemPierreSamuelDupontdeNemours,autordeDe l’Origine et des Progrès d’une Science Nouvelle,publicadoemLondresem1768,essanovaciênciaeracon-dicionada ao desenvolvimento de uma economia domundo rural. Aterraeravistacomoaverdadeirafontederiquezadeumanaçãoeosprodutosdelaéqueoriginariamaprosperidadedequalquereconomia.DupontdeNemourseseucicloparisiense,ondeseincluíam,maisespe-cificamente,Anne-RobertTurgot,quefoiministrodasfinançasdeLuísXVI,eAntoine-LaurentLavoisier,foramosgrandesinspiradoresdessalógicaracionalparaomundorural.Importantenãoesquecerocaráterfilantrópicotambémpresentenessesfisiocratas.

Paraasprimeirasedições,FreiVelosoprocurouconstituirumarede de tipografias para dar vazão às edições de textos que atendes-semaoseuinteressetemático.Assim,essasobrasseriameditadaspe-losprelosdasoficinasdeAntonioRodriguesGalhardo(impressordaCasadoInfantado),deJoãoProcópioCorreiadaSilva(impressorda

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IgrejaPatriarcal)epelooficialimpressorindependenteSimãoThaddeoFerreira.Chamandoasiacondiçãodecompiladordetextos,coordena-dordeprojetosgráficosetradutor,ofranciscanoprocuravatermaterialinteressanteparaasediçõesque,segundoseusbiógrafos, jáobjetiva-vamdistribuiçãoemPortugalenoBrasil(Nunes;Brigola,1999,p.63).

Quadro3–ObraspublicadasporFreiJoséMarianodaConceiçãoVelosoantesdofuncionamentodaTipografiaCalcográficaeLiteráriadoArcodoCego,em1799

Obra Autor Tradutor Oficina Ano

Helminthologia Portugueza JacquesBarbut José Mariano da Conceição Veloso

João Procópio Correa da Silva 1799

Memoria sobre a cultura da Urumbeba e sobre a criação da Cochonilha

Claude Louis Berthollet

José Mariano da Conceição Veloso

Simão Thaddeo Ferreira 1799

Colecção de memórias Inglezas sobre a Cultura e Commercio do Linho Canamo

Diversos José Mariano da Conceição Veloso

Antônio Rodrigues Galhardo 1799

Cultura Americana “Hum Americano”

José Feliciano Fernandes Pinheiro

Antonio Rodrigues Galhardo 1799

Discurso Prático acerca da cultura, maceração, e preparação do Canamo

?José Mariano da Conceição Veloso (do italiano)

Simão Thaddeo Ferreira 1799

A Sciencia das Sombras relativas ao desenho M.Dupain José Mariano da

Conceição VelosoJoão Procópio Correa da Silva 1799

Tratado sobre o Canamo Mr.MarcandierJosé Mariano da Conceição Veloso (dofrancês)

Simão Thaddeo Ferreira 1799

Memoria sobre a cultura do Loureiro Cinamomo, vulgo Caneleira do Ceilão

? Francisco da Cunha Menezes

Simão Thaddeo Ferreira 1798

Memoria sobre a cultura, e preparação do girofeiro aromático vulgo cravo da India nas ilhas de Bourbon e Cayena

? José Mariano da Conceição Veloso

João Procópio Correa da Silva 1798

Memoria, e extractos sobre a pipereira negra ? José Mariano da

Conceição VelosoJoão Procópio Correa da Silva 1798

Discurso sobre o melhoramento da economia rustica do Brazil

José Gregório de Moraes Navarro

Simão Thaddeo Ferreira 1799

Paladio Portuguez Diversos José Mariano da Conceição Veloso OficinaPatriarcal 1796

Quinografia portuguesa Diversos José Mariano da Conceição Veloso

João Procópio Correa da Silva 1799

Alographia dos álcalis fixos Diversos José Mariano da Conceição Veloso

Simão Thaddeo Ferreira 1798

O Fazendeiro do Brazil Diversos José Mariano da Conceição Veloso

RégiaOfficinaTypographica 1798

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VelosotemoapoiodeD.RodrigodeSousaCoutinho,fundamen-tado no seu interesse claro no desenvolvimento agrícola do Brasil e no crescimento de estabelecimentos dedicados ao comércio marítimo e à construçãonáutica.Resideemsuacasacomohóspedee,noPrefáciodoTomoI,Parte I,deO Fazendeiro do Brazil (Velloso, 1798-1806),editadonaRégiaOfficinaTypographica,em1798,eledizque,porD.Rodrigo,elefora

Incumbido,asaber:deajuntaretrasladaremportuguêstodasasme-

móriasestrangeirasquefossemconvenientesaosEstabelecimentosdo

Brasil,paramelhoramentodesuaeconomiaruraledasfábricasquedela

dependem,pelasquais,ajudadas,houvessemdesairdoatrasoeatonia

emqueatualmenteestãoesepusessemaonívelcomosdasnaçõesnos-

sasvizinhaserivaisenomesmocontinente,assimnaquantidadecomo

naqualidadedosseusgêneroseproduções.

OambientedediscussãosobreanovaagriculturanaEuropa,en-volvendoAcademiasdeCiênciaesociedadesagrícolas,incentivaacausares-rusticapelasnovasexperiênciasinstrumentaisedeconhecimentosbotânicos.Alémdisso,nesseperíodo,ocorreumaexpansãodoconsu-moedaproduçãodoarroz,dabatataedas“bebidasalimentosas”,chá,caféecacau,emcontraposiçãoàtradicionalproduçãoeaoconsumodoscereais,permanênciadoscultivosmediterrânicos.Épossívelqueessaconjuntura tenha contribuído para o contato de Frei Veloso com uma novatemáticaparaalémdeseuinteressepuramentenaturalista.Ocer-toéqueseudiscursoinicialmentenaturalistaadquireumaperspectivaagrarista,ou,comoerajáusualnalinguagemacadêmicanaFrança,umaperspectivaagronômica,postoquepreocupadacomajunçãodesabe-resdeváriasdisciplinascientíficasparaaaplicaçãonapráticaagrária.

Para tentarmos entender Frei Veloso como um editor ou um pro-motordecirculaçãodesaberes,éprecisoentendê-locomoumgrandeleitor.AescolhadetextosproduzidosnaEuropa,adefiniçãodostradu-toresadequadosparaelaboraraversãoemportuguêseasuadelimita-çãodoquetraduzirnasobrasqueeleprópriocompilou,porexemploO fazendeiro do Brasil,comprovaessacapacidadeeogostopelaleitura.

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O arcO dO cEGO E a dEdicaçãO intEnsiva nas EdiçõEs

Pergunta-secomfrequênciaarazãodeterD.RodrigodeSousaCoutinhoinvestidoemumanovatipografiadecaráterestatal,sejáexistiamaImpressãoRégiaeatipografiadaAcademiadasCiênciasdeLisboa.É importantecertificar-sequedesde1797D.Rodrigo játomarauma série de providências demodo a dar liberdade aFreiVeloso,usandocomojustificativaanecessidadedaediçãodoFlora fluminense: disponibilizara técnicos (“abridores”) do Arsenal Real doExércitoparatrabalharparaofranciscanoàscustasdoArsenal;solicitara à Real Junta da Fazenda da Marinha o pagamento de cha-pasdecobrepolidopara “abrir”asestampasdo frei;pedirapaga-mento de todo o papel necessário pedido por Veloso para a edição de seulivro;e,porfim,solicitaraaDomingosVandelliquedevolvesseaFrei Veloso os originais do FloraqueestavamsobaguardadoRealJardimBotânicodaAjuda.

Segundo Maria de Fátima Nunes e João Carlos Brigola, aCasaTipográfica,CalcográficaeLiteráriadoArcodoCegofoi“umprojeto iluminista” que se converteu emum “cadinho intelectualdejovensbrasileirosqueseencontravamnametrópoleequegra-vitavamemtornodeMarianoVeloso”(1999,p.66).Faziampartedessegrupoos“brasileiros”HipólitoJosédaCosta;AntônioCarlosde Andrade e Silva e Martim Francisco de Andrade e Silva, ir-mãos;JoséFelicianoFernandesPinheiro;VicenteSeabradaSilva;ManuelRodriguesdaCosta;JoséFerreiradaSilva;JoséViegasdeMeneses;JoãoMansoPereira;ManuelArrudadaCâmaraeManuelJacintoNogueiradaGama.

A existência e o funcionamento desse grupo de sociabilidadecientíficanosdásubsídiosparaentendercomoFreiVeloso,constituin-doemtornodoArcoCegoumaplêiadedepensadores,buscadelimitareatingiroseualvo,doqualfalávamosacima:osleitoreseorepertóriode leituras.Paraele, linguagemeobrasdeveriamseradequadasaopúblico.EmumaapresentaçãodomanualTratado Histórico e Fysico das Abelhas,deFranciscodeFariaeAragão,nossoeditorsalientaaqualidadedaquelainformaçãoacessívelaopúblicoespecíficoaoqual

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sedestinavaecriticavaosescritoresquetinham“ócioliterário”equeproduziamobrasque“jamaisservirãoparaoconhecimentodoscam-poneses,comodesconhecedoresdalinguagememquesãoescritaseapenas para algum rico proprietário”. Justificava, nomesmo texto,seu trabalho incansável de tradução, dizendoque o fazia “para quenadafalteaesteshomensúteisquehabitamoscamposesustentamascidades”.

Essa sociabilidade científica inclui correspondências com ho-mens cultos envolvidos na produção agrária no Brasil e em outras partes da América (como fazendeiros do sul dos Estados Unidos),buscando trocasde experiências ede informaçõesúteis sobre equi-pamentos,formasdeproduçãoetc.EsseéocasododoutorGregórioSoares,deVilaRica,MinasGerais,queescreveaoeditorpretendendoseresclarecidosobremoendasdeaçúcar,maisespecificamentesobreunsdesenhosqueeletinhatidoacessonaParteIdeO fazendeiro do Brasil,publicadoaindaantesdaexistênciadaCasaLiteráriadoArcodoCego.Acartamotivaapublicação,jánessatipografia,em1800,domanual Respostas dadas a algumas perguntas que fizerão sobre as moendas dos engenhos de assucar e novos alambiques, escritaporJerônimoVieiradeAbreu.

As estratégias de circulação das obras publicadas denotam um publicismo utilitário para a causa agrária presente em nosso persona-gem.Elasenvolveramaproduçãoperiódicadecatálogosedeindicaçõesde livrariasnoReinoonde elaspodiamser adquiridas.Anunciavam,ainda, as obras no prelo e as programadas para entrarem no prelo,acreditando em um potencial de leitura e de leitores e estimulando nestes a expectativapelosnovos lançamentos.Dessa forma, as livra-riasdeLisboaquevendiamasobras,alémda lojadaprópriaoficinatipográfica,eramada“ViúvaBertrandeFilho”eade“BoreleMartin”,noChiado.EmCoimbra, os livros podiam ser compradosna loja de“Semiond”e,noPorto,nade“AntónioAlvaresRibeiro”.

A opção pelo investimento em uso de imagens nas edições é ou-troimportantefatornaestratégiadeinformaçãoeducativaedevenda,objetode análise específicaquenãovamos fazer aqui.Noentanto, ébommediressaestratégia:das83obraseditadaspeloArcodocego,45

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eramilustradas.28 Comparando com a Impressão Régia das 582 obras editadas,apenas34eramilustradase548nãotinhanenhumailustra-ção(Faria,1999,p.123).

um livrO ExEmplar: O fazendeirO dO Brazil

O fazendeiro do Brazil é uma obra volumosa de 11 tomos edi-tadaentreosanosde1798e1806,emLisboa.Asediçõesdos tomosacontecemnaOficinadeSimãoTadeoFerreira,naTipografiadoArcodoCego,enaRégiaOficinaTipográfica.Éumacompilaçãodeváriostextos, como o próprio título da obra ressalta. Abaixo vemos algunsexemplos:

a)TomoI–Cana–BryanEdwards(História Civil e Comercial das Colônias Ocidentais Inglesas);b)TomoI–Cana–“HumAnonymo”(DaAgriculturaAmericana–AmericanHusbrandy);c)TomoI–Cana–FilippeMiller(Dicionáriodosjardineiros);d)TomoI–FaturadoAçúcar–“sábiosfranceses”M.DuhamelduMonceaueM.DutronideLaCouture;e)TomoI–ParteIII–DoLeite,QueijoeManteiga–l’AbbéRozier,Rosier ou Rossier (Cours complete d’Agriculture; Fromage);f)TomoII–Tinturaria–EliasMonnerauemais“8memóriasestrangeiras sobre o cultivo do urucum e seu preparo para a tin-turaria”;g)TomoIII–ParteI–Bebidasalimentosas–P.J.LaborieL.L.D.(OfazendeirodoCafédaIlhadeSãoDomingos).

AsobservaçõesdeFreiVelosonostextosoriginaisqueeletraduzcontêmoscomentáriosdeumleitoratentoquecompilacomobjetivodivulgadoreeducativo,alémdedemonstrarseuinteressedesúditofielàs políticas e determinações de seu rei e de seusministros.Elas de-notamclaramenteoquedizíamosacimasobreumalvoespecíficodo

28Ver,sobreousodeimagensnasediçõesdoperíodo,Faria(2001).

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editor:oprodutor ruralde sua terranatal, viventedeumarealidadedistintadasnaçõesdosautoresdosoriginaistraduzidos.

A definição dos leitores é evidenciada em vários momentos,comonaIntroduçãodoTomoII,ParteII,d’O Fazendeiro do Brazil,pu-blicadoem1800,naoficinadeSimãoTaddeoFerreira,ondeFreiJoséMarianoescreve,explicitandosuamissãoe,aomesmotempo,aformaestratégica do destino de suas obras:

[estas obras] devem ser, como Cartilhas, ou Manuais, que cada

Fazendeiro respectivo deve ter continuamente nasmãos, dia e noite,

meditando e conferindo as suas antigas e desnaturalizadas práticas com

asnovase iluminadas,comoquededuzidasdeprincípioscientíficose

abonadasporexperiênciasrepetidasqueelespropõemparadesbastar-

darelegitimarosseusgêneros,desortequehajam,porconsequência,

depoderconcorrernosmercadosdaEuropaapardosestranhos.

Earrematavaomesmotextocomaexpressão:“Sem livros não há instrução.”.

Algunsestudosespecíficos,porexemplo,acercadaproduçãodeanil, salientam a “desatualização” de certos conhecimentos químicosassociadaasaberes“atualizados”,comooqueseproduzianaEuropa.29 Noentanto,queobracompiladanãocorreriaesserisco?Otextodesselivro,comoumtodo,entretanto,estáaindaemprocessodeanáliseemminhapesquisa.Assim,étemeráriofazerafirmaçõescategóricasares-peitodavinculaçãocientíficadeFreiVeloso.

Em levantamento realizado por Miguel Faria, identificam-se83obraspublicadasnaCasaTipográfica,Tipoplástica,CalcográficaeLiteráriadoArcodoCego.Destas, 93%editadas emportuguês e 7%emlatim.Astraduçõesassimseapresentam:47%dofrancês;29%doinglês;10%doalemão;5%dolatim;2%doitaliano,2%doespanhole5%deoutrasdiversaslínguas.Tematicamente,assimsedistribuemasedições:

29Ver,comoexemplo,Ferraz(2001).

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-11% – HistóriaNatural-26% – Agricultura-16% – Poesia-16% – Medicina,AssistênciaeSaúdePública-7% – BelasArtes-7% – ObrasNáuticas-5% – História-5% – CiênciasExatas-7% – Outrosassuntos(Faria,1999,p.117).

traduçõEs E diálOGOs: cOnclusãO

A pesquisa feita nos manuais de origem francesa e belga naBibliothèqueNationaledeFrancemelevouaidentificaraevidentein-fluênciadeumadiscussãocrescentenaFrançasobreopapeldaagricul-tura no desenvolvimento e progresso das nações e como objeto de co-nhecimentocientífico.TaisdebatessãocontemporâneosàaçãoeditoradeFreiVeloso.Seessaevidênciarecaisobrealgunshomensdeciência,comoBuffoneJussieu,porexemplo,elatemaderênciaclaraaumacor-rentemaispragmáticadeaçãodosacadêmicossobrearealidade.30Éoquebuscorefletiremtextoconclusivodapesquisa,aindaemprocessodeelaboração.Nessepontodespontamonomeeotrabalhoinvestiga-tivodeumacadêmicofrancêscomclarasinfluênciassobreFreiVelosoecomtextostraduzidosparaoportuguês.ÉHenri-LouisDuhamelduMonceaueseustextosligadosaomelhoramentodaagricultura,prin-cipalmente Traité de la culture des terres; Traité de la conservation des grains e Traité des arbres et arbustes.Éinteressanteobservarque

30Georges-LouisLeclerc,condedeBuffon(1707-1788)foiumnaturalistaematemáticofrancêscujas teorias influenciaramduasgeraçõesdenaturalistas,entreosquaisJean-Baptiste de Lamarck e Charles Darwin. A localidade de Buffon, na Côte-d’Or, foi osenhorio da família Leclerc. Ele, depois demudar para Paris, ingressou naAcademiaFrancesadeCiênciasedirigiuoJardin du Roi (em uma controversa disputa com Henri-LouisDuhamelduMonceau).Antoine-LaurentdeJussieu(1748-1836)foiummédicoebotânicofrancêsquedesenvolveuumsistemataxonômicodasplantasapartirdesuasmorfologias, baseado nas ideias do seu tio Bernard de Jussieu (1699-1777), tambémmédicoebotânico.Era,damesmaforma,sobrinhodeAntoinedeJussieu(1686-1758)edeJosephdeJussieu(1704-1779),igualmentemédicosebotânicos.

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obrasdeBuffon,JussieueDuhamelduMonceauencontravam-senabibliotecadeJoaquimVelosodeMiranda,conformeseconfirmanoes-tudodeCaioBoschiacimareferenciado.31

Se existem, basicamente, dois tipos de homens de ciência naFrançadoséculoXVIII,comoapresenta,demodogeralahistoriogra-fia,osenciclopedistaseospreocupadoscomaintervençãonarealidade,DuhamelduMonceauépartedesse segundogrupo.Elepraticaumaciênciarigorosaque,fundamentalmente,sebaseiaemummétodoquepodemosassimsimplificar:1)buscade informaçõesentrevistandoaspessoas; 2) observação e registro detalhados das diferentes práticas;3)apresentaçãodepropostashipotéticasdemelhoramentos;4)expe-rimentaçãodas propostas, testando as hipóteses; 5) apresentaçãoderesultadoscomrigornosdadosdaexperimentação.

Henri-LouisDuhamelduMonceaué,numasíntesesimplifica-dora,umcientistaeumengenheiro.Noprimeirocaso,querautopsiaranatureza e, no segundo, quer resolverproblemas concretos e res-ponderàsquestõesapresentadaspelopoderpúblicoepelosagenteseconômicos. Émovido ainda pelo princípio religioso de admiraçãopelasmaravilhasdeDeus.Eanaturezaéumadelas.Aindaonorteiaum sensode “filantropia”, típico dos círculos letrados parisienses eeuropeusnessetempo,marcadopelodesejoepelajustificativadede-sempenhar um papel social no combate a uma rotina ignorante para diminuiraescassez,conciliarosinteressesdosprodutoresdocampoedosconsumidoreselutarcontraaexclusãodasparcelasmiseráveisdaspopulações.

Os dois Velosos mencionados neste texto e, especificamente,FreiJoséMarianodaConceiçãoVeloso,partilhavamdessesprincípiose tinham em sua démarche racionalizadora basicamente os mesmos princípios.Esteúltimo,comojácitamos,alémdosideaisfranciscanos“naturalistas”,objetivava,enfim,ummelhoramentodascondiçõesdevidaedeprodução,atentoaumarealidadequeelejulgavaconhecer.Foi um leitor atento de temáticas agronômicas (como o foi de outras temáticas)ebuscouapráticadeeditarlivrosúteisqueeducassempro-

31SobreHenri-LouisDuhamelduMonceau,éimportanteaobradeDinechin(1999).

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dutores rurais de sua terra para uma produção agrária almejada pela Coroaportuguesa.Emsuma,FreiVelosofoibomsúditodeseurei,mas,sobretudo, cumpriubemopapelde informador, contribuindocomaeducaçãorural,sendo,paraalémdetudo,bomleitorebomeditor.

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Sobre o livro

Formato 16cm x 23cm Tipologia Georgia Papel Avena 90g

Fone: (34) 3236-8611 Cel. (34) 99173-6271Uberlandia - [email protected]

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História da Educaçãoem Minas Gerais:DA COLÔNIA À REPÚBLICA

VOLUME 1 COLÔNIACarlos Henrique de CarvalhoLuciano Mendes de Faria Filhocoordenadores

Thais Nívia de Lima e Fonsecaorganizadora do volume

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Somente a partir do início dos anos 2000 é que o chamado período colonial começou a ganhar destaque e a captar o interesse dos pesquisadores da História da Educação. Minas Gerais é, atualmente, o mais fecundo polo de produção historiográfica sobre a educação no século XVIII e início do XX. Os estudos mais recentes muito esclarecem sobre os processos de implantação do ensino régio na capitania de Minas Gerais e os seus impactos, tanto para o estado quanto para a população; sobre a atuação de instituições religiosas; sobre as relações dos diferentes grupos sociais com as alternativas de educação disponíveis para as crianças e os jovens; sobre o papel da aquisição de conhecimentos e habilidades – escrita, leitura, técnicas, doutrina – para a construção dos lugares sociais dos indivíduos. Alguns desses aspectos são os temas privilegiados dos capítulos que compõem esta obra. A sua organização levou em consideração perspectivas que se relacionam pela preocupação com dois aspectos importantes: o papel das instituições e a relação da sociedade mineira colonial com a cultura escrita.

COLÔNIAHistória da Educação em Minas Gerais

www.seer.ufu.br/index.php/campoterritorioISSN 1809-6271 Baixe

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