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DEC – Universidade de Coimbra Estruturas Mistas Aço-Betão 1 ESTRUTURAS MISTAS AÇO-BETÃO 1. INTRODUÇÃO 1.1. Bases de cálculo e regulamentação Designa-se por estrutura mista uma estrutura onde os elementos estruturais (lajes, vigas, pilares e ligações) são constituídos por secções mistas aço-betão, como se ilustra na figura seguinte. Secções mistas em vigas Secções mistas em pilares Lajes mistas

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DEC – Universidade de Coimbra Estruturas Mistas Aço-Betão

1

ESTRUTURAS MISTAS AÇO-BETÃO

1. INTRODUÇÃO

1.1. Bases de cálculo e regulamentação

Designa-se por estrutura mista uma estrutura onde os elementos

estruturais (lajes, vigas, pilares e ligações) são constituídos por secções

mistas aço-betão, como se ilustra na figura seguinte.

Secções mistas em vigas

Secções mistas em pilares

Lajes mistas

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2

Ligações em estruturas mistas

As estruturas mistas aço-betão podem ser utilizadas nos diversos

sectores da construção civil, tais como: i) edifícios de habitação, de

comércio ou serviços, ii) pontes, iii) parques de estacionamento, entre

outros (figura seguinte).

Edifício em estrutura mista

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3

Ponte mista

Parque de estacionamento em estrutura mista

O comportamento global dos elementos estruturais mistos depende

fundamentalmente da ligação ao corte aço-betão. A resistência ao

corte, ao longo das superfícies de contacto aço-betão, é normalmente

obtida por atrito ou por processos mecânicos, dos quais se destaca a

utilização de conectores metálicos.

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As principais vantagens de uma estrutura mista aço-betão (em relação

a estruturas metálicas ou em betão armado) são:

Utilização de médios e grandes vãos;

Elevada resistência ao fogo;

Bom comportamento em termos de estabilidade;

Utilização de cofragens metálicas colaborantes;

Aproveitamento da resistência dos pavimentos, necessários por razões

construtivas.

A concepção e o dimensionamento de estruturas mistas aço-betão

podem ser efectuados de acordo com o Eurocódigo 4 (EN 1994) –

Projecto de estruturas mistas aço-betão. O Eurocódigo 4 está dividido

nas seguintes partes:

Parte 1-1: Regras gerais e regras para edifícios

Parte 1-2: Resistência ao fogo

Parte 2: Pontes

O Eurocódigo 4 deve ser utilizado de uma forma consistente com outras

normas europeias, nomeadamente: a EN 1990 Eurocódigo 0: Bases de

Projecto, a EN 1991 Eurocódigo 1: Acções em Estruturas, a EN 1992

Eurocódigo 2: Projecto de Estruturas de Betão, a EN 1993

Eurocódigo 3: Projecto de Estruturas de Aço e a EN 1998 Eurocódigo 8:

Disposições para Projecto de Estruturas Resistentes aos Sismos.

Tal como qualquer outra estrutura, uma estrutura mista deve ser

dimensionada de forma a desempenhar com eficácia as funções para as

quais foi concebida (durante o período de vida útil); para isso devem ser

verificadas:

i) condições que impeçam o seu colapso - estados limites últimos;

ii) condições que assegurem um adequado desempenho em serviço -

estados limites de utilização;

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iii) condições relativas à sua durabilidade - protecção contra a

corrosão, entre outras.

Numa estrutura mista, o betão pode ter diversas funções importantes:

i) resistência à compressão;

ii) diminuição da esbelteza dos elementos em aço;

iii) protecção do aço contra a corrosão ou temperaturas elevadas.

Uma estrutura mista deve ser verificada em duas fases: 1 - Fase de

construção e 2 - Fase de utilização.

1.2. Caracterização mecânica e geométrica dos materiais

Uma estrutura mista aço-betão é constituída por diversos materiais, como

sejam: o betão, as armaduras de betão armado, o aço estrutural, as

chapas perfiladas em lajes mistas e os dispositivos de ligações

(parafusos, conectores, soldaduras, entre outros).

As propriedades destes materiais, bem como as normas aplicáveis, são

especificadas no capítulo 3 do Eurocódigo 4 (EN 1994-1-1), que em

alguns aspectos específicos remete para os Eurocódigos 2 (Projecto de

estruturas de betão) e 3 (Projecto de estruturas de aço).

No seguinte quadro são apresentadas as principais características

mecânicas dos betões normais previstos no EC 4. Para além destes é

prevista a utilização de betões leves.

Classes de resistência, valor característico da resistência à compressão fck (cilindro),

valor médio da resistência à tracção fctm e módulo de elasticidade secante médio Ecm

Classe de resistência

C20/25 C25/30 C30/37 C35/45 C40/50 C45/55 ...... C60/75

fck (MPa) 20 25 30 35 40 45 ...... 60

fctm (MPa) 2.2 2.6 2.9 3.2 3.5 3.8 ...... 4.4

Ecm (GPa) 30 31 33 34 35 36 ...... 39

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O valor nominal do coeficiente de Poisson em cálculos elásticos pode ser

considerado igual a 0.2.

Em relação ao aço estrutural, as classes mais utilizadas são o S235,

S275 e S355, cujos valores nominais da tensão de cedência fy e da

tensão de rotura à tracção fu, tomados como valores característicos, são

definidos na EN 1993: EC3-1-1. O EC4 já prevê a utilização de aços mais

resistentes, designadamente os aços S 420 e S 460.

O aço das chapas perfiladas normalmente utilizadas em lajes mistas

apresenta tensões de cedência entre 235 e 460 MPa. Existem diversos

tipos de perfis, com espessuras entre 0.7 e 1.5 mm, normalmente

protegidas contra a corrosão através do processo de galvanização.

Os valores nominais da tensão de cedência fyb e da tensão de rotura à

tracção fub dos parafusos utilizados na construção metálica e mista, são

definidas na EN 1993: EC3-1-8.

Em relação aos conectores, refira-se que o material de que são feitos

deve ser de uma qualidade compatível com o desempenho que lhe é

exigido e com o método de fixação ao aço estrutural. As propriedades

mecânicas dos aços dos conectores devem obedecer aos seguintes

requisitos:

A relação entre a tensão última fu e a tensão de cedência fy não deve

ser inferior a 1.2;

O alongamento na rotura num comprimento inicial de 0A65.5 (em

que A0 é a área da secção transversal inicial) não deve ser inferior a

12%.

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1.3. Análise global de estruturas mistas aço-betão

1.3.1. Modelação

Os esforços e os deslocamentos podem ser obtidos, tal como numa

estrutura metálica, através de uma análise global elástica ou de uma

análise global plástica. A análise pode ainda ser de primeira ordem

(geometria inicial indeformada da estrutura) ou de segunda ordem

(esforços internos dependem da configuração deformada da estrutura –

efeitos P-globais ou efeitos P- locais).

Na modelação de uma estrutura mista aço-betão para a análise global

de esforços e deslocamentos deve ter-se em conta diversos factores:

i) características de deformabilidade e rigidez; ii) estabilidade global e da

estabilidade dos seus elementos; iii) comportamento das secções

transversais, iv) comportamento das ligações; v) imperfeições;

vi) deformabilidade dos apoios.

Numa estrutura mista aço-betão os factores anteriores assumem alguma

especificidade. O facto de alguns, ou mesmo a totalidade dos elementos,

serem constituídos por secções compostas por aço + betão, implica a

consideração de efeitos adicionais, tais como:

o grau de ligação entre os materiais;

a secção efectiva dos elementos;

a fluência, a retracção e a fissuração do betão;

a sequência de construção.

O efeito do comportamento das ligações é semelhante ao verificado

nas estruturas metálicas. As ligações mistas podem ser rotuladas,

semi-rígidas ou rígidas. Em geral nas estruturas mistas as ligações

apresentam uma elevada resistência e uma elevada rigidez.

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1.3.2. Estabilidade da Estrutura

A verificação da estabilidade da estrutura, bem como a necessidade de

incluir os efeitos de segunda ordem globais é semelhante ao

estipulado no EC3-1-1 (cr<10 no caso de análise elástica). Os métodos

simplificados previstos no EC3-1-1 aplicáveis a estruturas porticadas, tais

como o método de amplificação dos esforços de primeira ordem para

prever os esforços de segunda ordem ou o método simplificado para

obtenção do parâmetro de carga cr (cr=(HEd/VEd)/(h/H,Ed)), continuam

a ser válidos.

Os efeitos de segunda ordem locais (ao nível dos elementos) podem

ser tidos em conta na análise global da estrutura, ou em alternativa,

podem ser incluídos nos procedimentos de verificação da estabilidade

individual dos elementos.

1.3.3. Imperfeições

As imperfeições existentes nas estruturas mistas são do mesmo tipo

das verificadas noutros tipos de estruturas, tais como: i) tensões

residuais; ii) comportamento não linear do material; ii) excentricidades

nas ligações; iii) excentricidades das cargas; iv) falta de verticalidade; v)

falta de linearidade, etc… O EC4 (à semelhança do EC3) define as

imperfeições a dois níveis:

imperfeições globais da estrutura;

imperfeições locais dos elementos.

Em geral as imperfeições globais são consideradas na análise global da

estrutura (através de forças horizontais equivalentes), enquanto que as

imperfeições locais são consideradas directamente no processo de

dimensionamento dos elementos.

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1.3.4. Análise da estrutura

Para a análise de uma estrutura mista é fundamental definir as

propriedades efectivas das secções. No caso de vigas com secções

do tipo das indicadas na figura seguinte, a secção efectiva é definida em

função da largura efectiva de betão (beff). Esta largura, dependente do

efeito “shear lag”, assume valores diferentes consoante a secção esteja

sujeita a momento flector positivo ou a momento flector negativo. A

avaliação da secção efectiva de elementos mistos (vigas, lajes ou

pilares) será efectuada posteriormente neste texto.

Secção efectiva de vigas mistas

Na verificação do estado limite último, podem ser adoptados diversos

tipos de análise (do ponto de vista do material): análise elástica (a mais

utilizada), eventualmente com redistribuição de esforços; análise plástica

(elásto-plástica ou análise rígido-plástica).

Mesmo que os esforços sejam obtidos através de uma análise global

elástica, em geral as secções podem ser dimensionadas com base na

sua capacidade plástica.

Na verificação do estado limite de utilização (e na verificação do estado

limite último de fadiga) deve considerar-se uma análise global elástica,

tendo em conta os efeitos não lineares resultantes da fendilhação,

fluência e retracção do betão, do faseamento construtivo e da aplicação

de pré-esforço.

beff beff

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i) Análise global elástica

Na análise global elástica de uma estrutura mista deve usar-se o

conceito de homogeneização das secções, que consiste em dividir a

área de betão da secção por um coeficiente de homogeneização dado

por cma EEn , sendo Ea o módulo de elasticidade do aço e Ec o módulo

de elasticidade do betão (figura seguinte).

Homogeneização em aço

Segundo o EC4, quando se utiliza uma análise global elástica de

esforços pode simplificadamente utilizar-se uma secção efectiva

constante para as vigas ao longo dos tramos. No caso de vigas

apoiadas nas extremidades deve usar-se o valor de beff calculado para a

secção de meio vão; no caso de consolas, deve usar-se o beff calculado

na secção do apoio, ao longo de todo o vão.

Em geral, para ter em conta os efeitos da fluência e da retracção do

betão, o coeficiente de homogeneização (n ) deve ser multiplicado por

um factor tL1 , avaliado de acordo com a EN 1992-1-1, sendo t o

coeficiente de fluência e L um factor multiplicativo de fluência

dependente do carregamento. Em diversas situações o EC4 permite

considerar estes efeitos de uma forma simplificada; as mais relevantes

em estruturas correntes são:

beff/n

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Em estruturas onde não seja necessária uma análise de segunda

ordem (cr>10), não pré-esforçadas e não destinadas a

armazenamento, para ter em conta o efeito da fluência pode

considerar-se simplificadamente Ec = Ecm/2 no cálculo do coeficiente

de homogeneização n, sendo Ecm o módulo de elasticidade secante

para cargas de curta duração;

Em vigas com secções de classe 1 ou 2, os efeitos da retracção e da

fluência podem simplificadamente ser desprezados na verificação dos

estados limites últimos, desde que a resistência não seja condicionada

pela encurvadura lateral.

A fissuração do betão nas zonas traccionadas das secções tem uma

influência directa na análise elástica de estruturas mistas. No caso de

vigas mistas, a fissuração é particularmente importante nas zonas de

momento flector negativo (apoios de continuidade); o EC4 fornece alguns

procedimentos (um procedimento geral na cláusula 5.4.2.3 (2) e um

procedimento simplificado na cláusula 5.4.2.3 (3)) para ter em conta a

fissuração do betão, que passam pela consideração de uma rigidez de

flexão reduzida (EaI2), avaliada com a secção de betão fendilhada, nas

zonas de momento flector negativo. O procedimento simplificado

referido, aplicável a vigas contínuas ou vigas de pórticos contraventados,

com relações entre vãos adjacentes superiores a 0.6 (mais curto/mais

comprido), consiste em considerar a rigidez de flexão EaI2 ao longo de

15% do vão (de um e outro lado de um apoio intermédio) e a rigidez não

fendilhada EaI1, nas restantes zonas.

A sequência de construção deve ser tida em conta na análise elástica

de estruturas mistas, incluindo os efeitos separados das acções

aplicadas ao aço estrutural (fase de construção) e ao elemento misto

(fase definitiva).

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Na análise elástica de vigas contínuas ou pórticos mistos, dependendo

da classe das secções e outras condições estabelecidas na cláusula

5.4.4 do EC4, é permitida a redistribuição de momentos negativos que

pode ir até 40% (Quadro 5.1 do EC4), desde que os esforços continuem

em equilíbrio com as acções actuantes.

ii) Análise global plástica

A análise global plástica de uma estrutura mista implica que as secções

dos elementos sejam suficientemente compactas (em geral de classe 1),

possuam elevada capacidade de rotação, sejam simétricas e

contraventadas lateralmente (critérios definidos em 5.4.5 do EC4).

1.4. Classificação de secções mistas

O processo de classificação de secções mistas previsto no EC4 é

semelhante ao considerado no EC3; são definidas 4 classes: Classe 1,

Classe 2, Classe 3 e Classe 4.

A classe de uma secção mista depende da classe dos seus elementos

metálicos comprimidos (a mais desfavorável), em geral dependente do

sinal do momento flector.

No sub-capítulo 5.5 do EC4 são estabelecidos alguns critérios para a

classificação de secções mistas, dos quais se destacam os seguintes:

Numa viga mista sujeita a momento flector positivo, pode admitir-se

que o banzo de aço comprimido, caso a encurvadura seja impedida

por meio de uma ligação efectiva (conectores metálicos) ao pavimento

em betão, pertence à Classe 1.

Uma alma de Classe 3 pode ser considerada como pertencendo à

Classe 2, se estiver envolvida em betão e este estiver ligado à secção

metálica por meio de estribos ou conectores (5.5.3 (2) do EC4).

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O banzo de uma secção parcialmente envolvida em betão deve ser

classificado de acordo com os critérios descritos no quadro seguinte

(Quadro 5.2 do EC4), nas condições descritas em 5.5.3 (2) do EC4.

Classificação de banzos em secções parcialmente envolvidas em betão

Secção laminada Secção soldada

Distribuição de tensões (compressão positiva)

Classe Tipo Limite 1 c/t 9 2 c/t 14 3

Laminada ou soldada

c/t 20

Numa estrutura mista deve preferencialmente utilizar-se secções de

classe 1 ou 2 pelas seguintes razões:

i) pode ser utilizada uma análise global plástica;

ii) o dimensionamento das secções pode ser efectuado com base numa

análise plástica, traduzindo-se por acréscimos de resistência de 20 a

40% no caso de vigas;

iii) maior possibilidade de redistribuição de esforços;

iv) o EC4 só permite o dimensionamento de vigas em interacção parcial

se estas forem de classe 1 ou 2.

Finalmente refira-se que em fase de construção, enquanto o betão não

ganha presa, as secções devem ser classificadas considerando apenas a

parte metálica.

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2. LIGAÇÃO AO CORTE

2.1. Introdução

O comportamento global de um elemento misto (viga, pilar ou laje mista)

depende fundamentalmente da ligação ao corte aço-betão. Devido à

variação do momento flector (existência de esforço transverso) ao longo

das peças surgem esforços de escorregamento ao longo das superfícies

de contacto entre o aço e o betão, que se não forem absorvidos,

condicionam o comportamento conjunto dos dois materiais. A resistência

de uma peça mista (laje, viga ou pilar) depende directamente do grau de

interacção entre o aço e o betão.

2.2. Grau de interacção

Num elemento constituído por dois materiais (como os elementos mistos

aço-betão), podemos ter os seguintes graus de interacção:

Interacção total;

Interacção parcial;

Interacção nula.

Para de uma forma simples se entender o conceito de grau de

interacção, considere-se uma viga simplesmente apoiada constituída por

duas partes, submetida a uma carga linearmente distribuída w, como se

ilustra na figura seguinte.

Viga simplesmente apoiada

Interacção nula Interacção total

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Considerando que não existe qualquer elemento de ligação entre as duas

partes ao longo da superfície A-B - interacção nula, as tensões e as

deformações são avaliadas em separado, considerando uma carga

actuante igual a 2w em cada viga, com um momento de inércia igual a

12hb 3 . Para um momento flector máximo Mmáx = 16Lw 2 e um

esforço transverso máximo Tmáx = 4Lw , de acordo com a teoria das

peças prismáticas, as tensões normais e tangenciais máximas

(diagramas a tracejado na figura anterior), bem como a deformação

máxima da viga a meio vão, são dadas por:

2

2

máx hb8Lw3

; hb8

Lw3máx

; 3

4

máx hbE64Lw5

O momento flector a uma distância x da secção de meio vão é dado por

164)( 22 xLwxM , provocando uma extensão longitudinal nas

fibras inferiores da parte superior, igual em módulo à extensão máxima

na fibra superior da parte inferior, dada por:

222 4

83)()( xL

hbEw

IEzxMxy

máx

sendo zmáx igual a h/2. A diferença de extensão (definida como uma

extensão de deslizamento) entre as duas fibras anteriores é dada por

)(2 xdxds .

O deslizamento entre as duas superfícies, à distância x da secção de

meio vão, é obtido por:

222 4

43)(2 xL

hbEwx

dxds

CxxLhbE

ws

322 43

4

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A constante de integração C é nula pois 0)0( xs (a secção de meio

vão mantém-se plana). Para x = L/2 obtém-se o deslizamento máximo

dado por 23 4 hbELwsmáx , ilustrado na figura seguinte.

Deformada de uma viga com interacção nula

Considerando agora que a ligação entre as duas partes ao longo da

superfície A-B corresponde a interacção total, as tensões e as

deformações são avaliadas considerando a peça como única (diagramas

a cheio na figura inicial deste sub-capítulo). Considerando novamente a

teoria das peças prismáticas, as tensões normais e tangenciais máximas,

bem como a deformação máxima da viga a meio vão, são dadas por:

2

2

máx hb16Lw3

; hb8Lw3

máx

; 3

4

máx hbE256Lw5

Da comparação anterior, verifica-se que a tensão tangencial máxima

permanece igual nos dois casos, mas a tensão normal é metade quando

existe interacção total. Verifica-se por outro lado que a deformação

vertical máxima da viga com interacção total é apenas 25% da verificada

com interacção nula.

A interacção parcial corresponde a uma situação intermédia entre a

interacção total e a interacção nula. A análise de elementos mistos com

interacção parcial será considerada posteriormente, quando se efectuar o

dimensionamento de vigas, lajes e pilares mistos.

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17

Na figura seguinte pode visualizar-se a deformada de uma viga mista

com interacção nula e com interacção total. Para vigas com relações

hL 2 =20, a quantidade smáx é da ordem de 1/10 da deformação

vertical da viga. Daqui conclui-se que a ligação ao corte longitudinal, ao

longo da superfície de contacto, deve ser muito rígida para ser efectiva.

a) Interacção nula

b) Interacção total

Viga mista com interacção nula e com interacção total

A ligação ao corte entre as duas partes constituintes da viga em análise,

deverá (análise elástica) ser dimensionada para um esforço transverso

longitudinal por unidade de comprimento x - fluxo de corte, dado por:

h4xw3bxx

sendo hb4xw3x , a tensão tangencial ao nível do eixo

neutro numa secção à distância x da secção de meio vão.

O fluxo de corte total em meia viga (esforço de escorregamento), obtido

por integração da equação anterior, é dado por h32Lw3 2 .

Considerando uma análise elástica do escorregamento, os conectores

que deverão resistir ao esforço de corte longitudinal deverão ser

espaçados de acordo com o fluxo de corte. Assim, se a resistência ao

corte de um conector for RdP , o espaçamento p entre conectores deverá

ser tal que Rdx Pp , equivalente a:

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xw3hP4p Rd

Para a viga em análise, com uma carga uniformemente distribuída,

obtém-se uma distribuição triangular de conectores (semelhante ao

diagrama de esforço transverso).

Quando ao longo da superfície de ligação é possível uma redistribuição

de tensões, os conectores podem ser dimensionados com base numa

análise plástica e serem igualmente espaçados (como se descreverá

posteriormente no dimensionamento de vigas mistas).

2.3. Forças de levantamento

No exemplo atrás referido, onde o carregamento era aplicado por cima, a

tensão normal à interface AB era sempre de compressão, excepto nas

extremidades da viga. No entanto, essa tensão seria de tracção,

originando forças de levantamento, se a carga w fosse aplicada no

elemento inferior. Uma carga desse tipo pode surgir em situações onde

existem guindastes móveis suspensos nos elementos metálicos de um

pavimento misto, ou em situações como a ilustrada na figura seguinte.

Forças de levantamento

Os conectores usados na prática devem obedecer a especificações tais,

que permitam resistir quer ao escorregamento, quer ao levantamento.

As forças de levantamento são normalmente muito menores que as

forças de corte longitudinal: como tal, no dimensionamento dos

dispositivos de ligação não se costuma considerar o seu efeito. Contudo

estes dispositivos (em geral conectores) devem ter um formato tal, que

garantam alguma resistência ao levantamento.

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2.4. Métodos de Ligação ao Corte Aço-Betão

2.4.1. Aderência

A aderência ou atrito constitui o processo mais simples de ligação

aço-betão numa peça mista. No entanto por este processo apenas se

consegue resistir a forças de escorregamento baixas. No caso de vigas

mistas, o escorregamento ao longo de superfícies do tipo A-A, ilustradas

na figura seguinte, toma valores de tal forma elevados, que não é

possível evitar o deslizamento só por atrito.

Superfícies de escorregamento em vigas mistas

2.4.2. Conectores

Os conectores de esforço transverso constituem a forma mais corrente

de ligação aço-betão numa peça mista. O mais utilizado, o conector

circular de cabeça, é ilustrado na figura seguinte. O seu diâmetro varia

de 13 a 25 mm, enquanto que o seu comprimento h varia entre 65 e

100 mm, embora por vezes possam ser mais compridos. A resistência ao

corte deste tipo de conectores é da ordem dos 150 kN.

As principais vantagens deste tipo de conector são:

soldadura fácil e rápida;

não constituem um obstáculo importante à disposição das armaduras

das lajes de betão armado;

possuem resistência e rigidez ao corte igual em qualquer direcção

normal ao seu eixo.

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Conectores circulares de cabeça

Outros tipos de conectores, em geral mais rígidos e mais resistentes, são

ilustrados na figura seguinte.

Outros tipos de conectores de corte

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A caracterização do comportamento de um dado tipo de conector é em

geral obtida através de testes em modelos simples (figura seguinte), de

modo a obter a curva carga-deslizamento até à rotura.

Ensaio de conectores de corte

Na figura seguinte ilustra-se uma dessas curvas, obtidas para um

conector circular de cabeça com 19 mm de diâmetro, numa laje mista.

Segundo o EC4, um conector onde o deslizamento, obtido através de um

ensaio do tipo do ilustrado na figura anterior, é superior a 6 mm é

considerado dúctil.

Curva carga-deslizamento de um conector circular de cabeça

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A resistência ao corte de um conector circular é dada pelo menor dos

valores entre a resistência do conector e a resistência do betão

envolvente, dadas pelas seguintes expressões (6.6.3 do EC 4):

48.0 2dfP u

Rd

(resistência do conector)

cmck

RdEfd

P

229.0

(resistência do betão envolvente)

onde fu representa a resistência última à tracção do aço do conector, não

superior a 500 MPa, e fck e Ecm representam a resistência característica

do betão à compressão (provete cilíndrico) e o seu módulo de

elasticidade secante, respectivamente. O parâmetro é dado por

12.0 dhsc para 43 dhsc e 1 para 4dhsc . As

dimensões hsc e d ( mmdmm 2516 ) representam a altura e o diâmetro

do conector, respectivamente. O coeficiente parcial de segurança é

tomado normalmente como 1.25.

Quando em vigas mistas se utilizam chapas de aço perfilado como

cofragem colaborante, os conectores estão localizados nas nervuras

(figura seguinte). Ensaios realizados mostram que, neste caso, a

resistência dos conectores é por vezes menor do que a resistência

atingida numa laje maciça, devido à possível rotura local das nervuras de

betão.

Viga mista e laje mista desenvolvendo-se na mesma direcção

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O EC4 estabelece (na cláusula 6.6.4) coeficientes de redução a aplicar à

resistência PRd obtida através das equações anteriores. Para chapas

perfiladas com nervuras de betão paralelas ao elemento metálico, o

coeficiente de redução é dado por:

0.116.0

p

sc

p

ol h

hhbk

sendo as dimensões bo, hp e hsc definidas na figura anterior. A altura total

do conector hsc não deve ser maior que hp+75 mm.

Para chapas perfiladas com as nervuras de betão na direcção transversal

ao elemento metálico (figura seguinte), o coeficiente de redução é dado

por:

17.0

p

sc

p

o

rt h

hhb

nk

onde nr representa o número de conectores numa nervura, no

cruzamento com o elemento metálico, não devendo ser superior a 2 no

cálculo do coeficiente de redução.

Chapas perfiladas com as nervuras na direcção transversal

O coeficiente kt não deve ultrapassar os limites estabelecidos em 6.6.4.2

(2) e (3) do EC4, em função da geometria das chapas e do diâmetro e

processo de soldadura dos conectores.

Na verificação da resistência ao corte aço-betão devem ainda ser

cumpridas as disposições construtivas relativas ao espaçamento,

recobrimento e dimensões dos conectores, descritas em 6.6 do EC4.

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2.4.3. Ligação ao corte em pavimentos mistos com chapas de aço perfilado

Em pavimentos mistos com cofragem metálica colaborante é inviável

soldar conectores a chapas com uma espessura muito reduzida; em

geral, nestes elementos a resistência ao deslizamento é obtida por

aderência química, por atrito devido às pequenas saliências e

reentrâncias realizadas na chapa ou ainda por amarração de

extremidade.

a) Saliências e reentrâncias b) Amarração de extremidade

Ligação ao corte em lajes mistas

Em geral, nos pavimentos realizados com lajes mistas com cofragem

metálica colaborante, a resistência ao corte longitudinal é obtida por

aderência e atrito; para isso é fundamental que as chapas sejam

corrugadas (chapas com pequenas saliências e reentrâncias).

Actualmente não existem modelos de cálculo analíticos suficientemente

desenvolvidos para a quantificação da resistência ao corte em lajes

mistas. O EC4 apresenta apenas métodos semi-empíricos que

necessitam da calibração de parâmetros através de ensaios à escala

real. Desses métodos, destaca-se o método m-k e o método da

conexão parcial, descritos mais à frente neste texto, no capítulo relativo

à análise e dimensionamento de lajes mistas.