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estética artística - prazer estéticoTRANSCRIPT
Jauss em defesa do prazer estético
Mariana Lage Miranda
Orientadora: Virginia Figueiredo
UFMG
Resumo: Pretende-se expor neste breve trabalho a importância da dialética da afirmação e
negatividade na fundamentação da teoria da experiência estética desenvolvida por Hans Robert
Jauss. Discutindo a valorização do prazer estético e da katharsis entendida como função
comunicativa da arte, o que se pretende explicitar, em última instância e ainda que de forma breve,
é a posição do autor em relação à teoria de Adorno e Marcuse.
A princípio, o objetivo de fundo dessa exposição foi a abordagem de um dos aspectos
constitutivos da teoria da estética da recepção de Hans Robert Jauss, qual seja, a importância da
dialética entre a afirmação de normas de ação e a negatividade da arte para o desenrolar da
experiência estética, ou ainda, a dialética entre identificação e emancipação. Devido à economia
do espaço, optou-se, no entanto, por demonstrar como essa dialética se relaciona com a defesa do
retorno do prazer estético na experiência estética da arte contemporânea. Minha intenção foi
marcar a posição de Jauss diante da teoria de Adorno e em como ele encontra em Marcuse uma
posição a meio do caminho: nem totalmente contra, nem totalmente a favor a Adorno. Restringir-
me-ei, no entanto, a uma referência superficial à filosofia de ambos filósofos frankfurtianos, uma
vez que não detenho o conhecimento suficiente nem o tempo necessário para tal empreitada.
I
Em 1967, Jauss apresenta sua “apologia da experiência estética”, pela primeira vez e de
forma ainda embrionária, em sua famosa aula inaugural na Escola de Constança, intitulada “O que
é e com que fim se estuda história da literatura” – numa escancarada referência a Schiller. Nesta
aula, ele apresenta sua proposta de um novo paradigma para a pesquisa literária: um método
capaz de reconciliar as abordagens textuais imanentistas da escola formalista com a perspectiva
histórico-social da arte da escola marxista. Trata-se de uma investigação da dinâmica da
linguagem artística e seu vínculo com o contexto histórico-social utilizando o processo de recepção
como método de pesquisa. Vale dizer que a atenção de Jauss está voltada para os mecanismos
de formação e superação de cânones na história da arte. Ele está interessado em saber em como
se move a linguagem artística ao longo dos séculos e no que a faz mover. Para tanto, ele atribui à
03. Em defesa do prazer estético - versão de publicação 2
dimensão da recepção o caminho por meio do qual a historiador da arte se torna capaz de “vencer
o abismo entre a contemplação histórica (cega para a forma) e a contemplação estética (cega para
a história) da literatura”1.
Uma idéia bastante clara para Jauss é a de que a obra de arte legítima nunca estabelece
relações “pacíficas” com os leitores de sua época. Pelo contrário, seu valor artístico varia
justamente em proporção à distância estética estabelecida entre a nova obra e a tradição em que
esta se insere. A obra é tão mais valiosa quanto mais exige do público uma “guinada rumo ao
horizonte de expectativa da experiência ainda não conhecida”2. Para ele, essa distância estética
passível de ser conhecida através do papel do leitor no processo de recepção da nova obra. A
pesquisa em torno da recepção evidencia o “confronto de horizontes de expectativa” posto em
marcha pelo diálogo entre o passado, representado pela tradição literária, e o presente,
representado pela nova obra. O modo como um dado grupo de leitores recebe uma obra no
momento histórico do seu nascimento revela a distância estabelecida pela obra tanto em relação
às normas estéticas e poéticas, quanto em relação aos códigos morais e às percepções de mundo.
Ou seja, para Jauss, a experiência estética de um dado "grupo de leitores" dá a conhecer não
somente as mutações na linguagem artística, como também as relações implícitas da nova obra
com o contexto histórico-literário.
É notável aqui a importância atribuída à dimensão social da arte. De fato, no fundo de sua
argumentação encontra-se a convicção de que a arte possui um caráter formador, ou mesmo,
emancipador das percepções de mundo dos indivíduos. Como enfatiza várias vezes ao longo de
sua argumentação, o processo de leitura não só modifica as percepções da vida prática, como
rememora experiência passadas, faz alusão a possibilidades irrealizadas, abre caminho para
experiências futuras, além de ampliar o campo limitado do comportamento social a novos desejos,
aspirações e objetivos.
“A obra interroga e transforma as crenças implícitas com as quais a
abordamos, ‘desconfirma’ nossos hábitos rotineiros de percepção e com isso
nos força a reconhecê-los, pela primeira vez, como realmente são. Em lugar
de simplesmente reforçar as percepções que temos, a obra literária, quando
valiosa, violenta ou transgride esses modos normativos de ver e com isso nos
ensina novos códigos de entendimento”3.
É neste contexto que Jauss faz referência à concepção de Marcuse sobre o caráter
revolucionário, não ideológico da arte: para falar que “o potencial subversivo da arte” origina-se de
1 JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Tradução Sérgio
Tellaroli. São Paulo: Editora Ática, 1994; p. 74. 2 Ibidem. 3 EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: Uma introdução; tradução Walternsir Dutra. 4a. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2001; p. 109.
03. Em defesa do prazer estético - versão de publicação 3
sua “promessa de possível libertação”, i.e, de sua “promessa de felicidade”4. A capacidade da arte
de emancipar a humanidade de suas próprias amarras naturais, religiosas e sociais reside no fato
de ela se apresentar como uma outra realidade possível diferente da percebida diariamente.
Justamente por transfigurar a realidade, a arte torna possível a renovação do olhar sob a mesma.
Dito numa perspectiva marcusiana, a emancipação dos sentidos realiza-se através da
oposição da arte à ordem estabelecida, na medida em que aquela apresenta esta numa aparência
transfigurada, ilusória. Nos termos jaussianos, a abertura à renovação das percepções e visões de
mundo é possível na medida em que o horizonte de expectativa da literatura se diferencia do
horizonte da vida prática e, ademais, na medida em que o leitor, assumindo uma postura reflexiva
é capaz de perceber este distanciamento da arte em relação à vida.
Encontra-se aqui a estrutura da dialética da identificação e negatividade da teoria do autor, a
qual pode ser ainda descrita como um movimento entre negação e pré-formação das formas de
percepção de mundo. A negatividade representa o rompimento com a percepção rotineira da
realidade, com os códigos de conduta e valores morais. No entanto, afirma o autor, para que a
negatividade da arte cumpra a sua função, é necessário que o receptor, antes de tudo, identifique-
se com aquilo que está representado na obra. Isso não significa, no entanto, que a identificação
conduza a mera anuência aos valores representados na obra.
Surge então a pergunta: o que toda essa explicação tem a ver com o prazer estético?
Da discussão a respeito da dialética da afirmação e negatividade, entre identificação e
emancipação, pode-se extrair, em última instância, a seguinte preocupação: como poderá a arte
prescrever normas para a ação prática, sem as impor? É aqui que se encontra então o cerne da
questão em torno da defesa do prazer estético.
Dividindo a experiência estética em três categorias básicas, Jauss expõe dentro da dinâmica
da práxis estética os efeitos não coercitivos da função comunicativa da arte e, em última análise,
demonstra como o prazer estético não implica necessariamente em uma mera absorção de
modelos de conduta ou deglutição da ideologia dominante. “Daí seu cuidado em distinguir entre
uma recepção aberta à “aprendizagem pela compreensão do exemplo, ou seja, a assimilação de
uma norma, e a obediência mecânica e sem liberdade, ou a aplicação de uma regra””5. A partir
daqui, tomo o conceito de prazer estético como fio condutor da exposição jaussiana a respeito da
assimilação em liberdade de normas de ação, prenoções e percepções de mundo.
4 MARCUSE, Herbert. Konterrevolution und Revolte (1972), pp. 82, 104, 116 apud JAUSS, H. R.
Experiencia estética y hermeneutica literária. Trad. Jaime Siles y Ela Mª. Fernandez-Palacios. 2ª. Edição.
Madrid: Taurus Humanidades, 1993; p 22. 5 BARBOSA, Ricardo Correa. Catarse e comunicação: sobre Jauss e Kant. In: DUARTE, Rodrigo;
FIGUEIREDO, Virginia (orgs). Katharsis: reflexões sobre um conceito estético. Belo Horizonte: C/Arte,
2002; p. 95. os termos entre aspas são de JAUSS, H. R. “Petite apologie de l’experience esthetique”, in Pour
une Esthétique de la Recéption. Paris. Gallimard, 1990, pp. 161-162.
03. Em defesa do prazer estético - versão de publicação 4
II
Faz-se necessário, neste momento, explicitar o que o autor entende como o processo típico
da dinâmica da práxis estética. Ele a resume da seguinte forma:
“(...) a conduta de prazer estético, que é ao mesmo tempo liberação de e
liberação para realiza-se por meio de três funções: para a consciência
produtora, pela criação do mundo como sua própria obra (poiesis); para a
consciência receptora, pela possibilidade de renovar a sua percepção, tanto na
realidade externa, quanto da interna (aisthesis); e, por fim, para que a
experiência subjetiva se transforme em inter-subjetiva, pela anuência ao juízo
exigido pela obra, ou pela identificação com normas de ação predeterminadas
e a serem explicitadas”6
Retomando: a renovação do olhar através da experiência estética, como foi dito
anteriormente, se mostra possível na medida em que ela apresenta ao leitor uma forma
transfigurada de perceber o mundo. Essa forma transfigurada não é outra coisa senão a própria
obra de arte, a qual, no processo receptivo, dá ao receptor a possibilidade de fruir si mesmo em
sua capacidade de ser outro. Durante o processo, o fruidor abandona seu próprio horizonte de
compreensão do mundo e se ocupa com o olhar do outro, expresso na obra de arte. Está-se
falando aqui da especificidade da aisthesis enquanto experiência básica estético-receptiva, isto é,
da renovação da percepção interna e externa através da conciliação de duas formas de olhar: a
própria e a alheia.
Para além do âmbito da aisthesis, o caráter emancipatório da experiência estética amplia
seus efeitos naquela terceira categoria básica da experiência estética denominada como
“katharsis” ou “função comunicativa da arte”. Esse prolongamento se efetiva a partir do momento
em que a katharsis, conjugada ao distanciamento reflexivo, permite ao receptor fruir as emoções
próprias suscitadas pelo momento da identificação com as situações de sua vida representadas na
obra. O distanciamento do receptor de seus interesses práticos o permite fruir aquilo que se
apresenta na vida diária como inalcançável ou dificilmente suportável.
O que caracteriza o prazer estético como tal é o prazer reflexivo proporcionado por aquela
fruição de si mesmo na capacidade de ser outro, i.e., a fruição da alteridade como se fosse si
mesmo. No entanto, é preciso ressaltar que o prazer estético somente se efetiva se, concomitante
à identificação, existir o distanciamento reflexivo. “Enquanto no prazer elementar o eu se anula e o
prazer, enquanto dura, se basta a si mesmo e não tem relação com o resto da vida, o prazer
estético necessita de um momento adicional: o ato de adotar uma postura” que deixa de lado o
prazer do objeto e se transforma num prazer reflexivo. Somente nesta perspectiva, quando o
6 JAUSS, H. R... et al. A Literatura e o leitor: textos de estética da recepção; coordenação e tradução de Luiz
Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979; p. 81.
03. Em defesa do prazer estético - versão de publicação 5
receptor conscientemente adota e frui a postura de observador, ele frui esteticamente e
compreende essa fruição das situações da vida cotidiana que ele reconhece na obra7.
O distanciamento do receptor tanto da realidade diária quanto das emoções próprias
suscitadas pelo processo receptivo é precondição para que ele possa fruir tanto o objeto
distanciado, que mostra progressivamente seu prazer, como de si mesmo, que, em sua liberdade
perante o objeto, se sente libertado de sua existência cotidiana. Desta forma ele é capaz de
autosatisfazer-se na satisfação alheia.
“Por meio deste distanciamento interno, é neutralizado não só o contato direto
com o objeto representado, como também o contato direto do auto-prazer
sentimental. Nos termos de minha formulação: as próprias faculdades afetadas
se “despersonalizam”, podendo assim ser fruídas esteticamente pelo sujeito
nuclearmente não afetado, graças à sua liberdade de tomar posição”8.
Se caracterizando como o “movimento pendular entre a contemplação desinteressada e a
participação experimentadora”9, o distanciamento reflexivo próprio do prazer estético é o que
permite que, durante o processo receptivo, tanto sujeito quanto objeto estético mantenham sua
autonomia: o objeto continua sendo estético na medida em que não se dissolve na obtenção de
prazer do sujeito, e, da outra parte, o sujeito mantém sua independência do objeto na medida em
que não se anula na pura obtenção de prazer.
III
Perguntar-se-ia: onde o autor encontra necessidade para sair em defesa do prazer estético?
Ao longo dos oito principais ensaios que constituem o corpus teórico metodológico da
estética da recepção pode-se constatar como uma preocupação principal o resgate do aspecto
comunicativo da arte. Um resgate que é pensando tendo a compreensão da experiência da arte
contemporânea como ponto de referência. Jauss se pergunta:
“Como pode a teoria estética, com sua própria competência e tradição, contribuir
para a questão se o prognóstico quanto à transformação de toda experiência
estética comunicativa em uma mera função ideológica é de fato um destino
inelutável da arte contemporânea?”10
.
Assim, o movimento argumentativo destes ensaios consiste na tentativa de compreender a
natureza da experiência estética da arte vanguardista. Tomando dois momentos distintos da arte, a
pré-autônoma e a autônoma, em contraposição à produção cultural voltada para o entretenimento,
7 JAUSS, H. R. Aesthetic Experience and Literary Hermeneutic; translation by Michael Shaw. Minneapolis:
University of Minnesota Press, 1982; p. 5. 8 JAUSS, 1979: 78. 9 JAUSS, 1993: 73. 10 JAUSS, 1982: xxxviii. “How can it, trough its own competence and tradition, make a contribution to the
question whether the so frequently prognosticated transformation of all communicative aesthetic experience
into a merely ideological function is indeed the ineluctable destiny of contemporary art?”.
03. Em defesa do prazer estético - versão de publicação 6
compreende-se porque o autor reconhece em Adorno “o adversário que me provocou à busca de
assumir o papel pouco comum de apologeta da experiência estética, posta em descrédito”11
.
Após o surgimento da indústria cultural, diz Jauss, a identificação entre público e obra e,
conseqüentemente, a possibilidade de obter prazer com a arte parecem ter se rebaixado ao
mesmo nível das satisfações primárias do comportamento consumista. A indústria cultural teria, na
opinião do autor, tornado problemática o momento da adesão do outro, uma vez que tal adesão
significaria, em outros termos, o estabelecimento e reafirmação de normas de ação, tornando-se,
nesta perspectiva, um instrumento ideológico a serviço da classe dominante. Trata-se então, para
ele, de se fazer uma distinção bastante explícita entre o prazer próprio da experiência estética e
aquele orientado para, digamos, o usufruto do objeto que origina o prazer; ou em outras palavras,
entre o prazer reflexivo que se basta a si mesmo e aquele que se esgota na satisfação de
necessidades primárias.
Jauss encontra na tradição retórica um possível início da desconfiança no que diz respeito à
função comunicativa da arte. Essa desconfiança, justificada pela própria ambivalência dos efeitos
da arte, reverbera hoje, segundo ele, no debate entre hermenêutica e crítica ideológica, “sob a
dupla face da persuasão e da indução, sob os títulos atuais de consenso e manipulação”12
.
Seu esforço argumentativo reside na contrapartida em demonstrar que a afirmação de
normas não implica necessariamente em imposição de valores, nem que o momento da
identificação sufoca a dimensão transgressora da experiência estética. Na opinião de Jauss, a
negação do momento de identificação por parte da arte vanguardista é claramente uma recusa em
se assemelhar, sob qualquer aspecto, aos produtos de entretenimento e consumo fácil da Indústria
Cultural. Ele argumenta, no entanto, que a arte vanguardista, ao fazer esse movimento de negar
extensivamente a possibilidade de identificação e prazer estético, paga em troca um valor alto: a
destruição das todas as funções comunicativas da arte. As implicações e mecanismos dessa
supressão são apresentadas no capítulo que o autor polemiza com a teoria da negatividade de
Adorno. Segundo o autor, a arte e literatura vanguardista, que “absolutizam a obra como écriture,
afastam o leitor e, com isso, esquecem que a literatura é comunicação”13
e que hiperdimensionam
a função crítico-ideológica, negando a possibilidade de prazer estético, são as mesmas que
encontraram na teoria de Adorno “sua mais ampla teorização e sua mais forte legitimação”14
.
“(...) em vista de uma práxis funesta, que ameaça reduzir toda experiência
estética ao círculo da satisfação das necessidades manipuladas, ao
comportamento consumista, apenas a obra de arte monádica ainda tem a força
11 JAUSS, 1979: 56. 12 JAUSS, 1979: 68. 13 JAUSS, 1979: 53-4. 14 JAUSS, 1979: 56.
03. Em defesa do prazer estético - versão de publicação 7
de, por efeito de sua negatividade e pela reflexão de seu contemplador solitário –
de romper com a aparência do contexto geral de enfeitiçamento”15
.
Pode-se perceber que a crítica de Jauss dirige-se contra aquelas teorias que vêem com
desconfiança a função comunicativa da arte. Na direção contrária, o autor acredita que é
precisamente pelos mecanismos de identificação e, secundariamente, pela reflexão estética que a
experiência da arte se transforma em ação simbólica ou comunicativa e manifesta seu potencial
transgressor. Segundo o autor, sua crítica a Adorno intenta justificar a experiência estética frente a
reivindicação teórica que negligencia e suprime os modelos primários daquela experiência,
especialmente seu efeito comunicativo, em favor de um maior grau de reflexão estético-crítica.
IV
Foi minha intenção demonstrar o modo como a dialética entre afirmação e negatividade se
apresenta em Jauss como uma ferramenta de distinção da qualidade da experiência estética;
entendendo qualidade aqui como aquilo que amarra as três categorias básicas da experiência
estética, a saber, a poiesis como produção, a aisthesis como recepção e a katharsis como
comunicação. Ou seja, a experiência estética elementar para ele é aquela em que essas três
categorias se desenvolvem plenamente e de modo imbricado. Tanto é assim que é da confluência
dessas categorias que resulta o prazer estético-reflexivo da arte.
Tentei mostrar, antes de tudo, que é a própria dialética entre afirmação e negatividade da
arte que fundamenta aquele distanciamento necessário ao processo da experiência estética. Um
distanciamento tanto do objeto estético em relação à realidade dada, quanto do fruidor em relação
às suas faculdades afetadas, sendo também esse distanciamento que distingue, ou antes, qualifica
o prazer da recepção artística mais propriamente como estético e não, por outro lado, como
alienação ou satisfação de necessidades do comportamento burguês.
Cabe enfatizar, a título de conclusão, que Jauss parece estar, através dessa dialética, a
favor e contra Adorno. A favor, na medida em que reconhece que a autonomia da arte, por meio de
sua negatividade, endossa a função social da arte. Contra, quando afirma não ser capaz de
perceber como receitas de pura negatividade como as da do grupo Tel Quel podem apontar
soluções para o prognóstico que transforma as funções comunicativas da arte em meros
mecanismos de conformação e afirmação do status quo.
Sem entrar no mérito das críticas dirigidas a teoria da negatividade de Adorno, o que se
objetivou aqui foi, sobretudo, marcar como, a fim de defender a função emancipatória da arte
através de seus efeitos comunicativos, o autor julgou necessário contrapor ao conceito de
negatividade o de identificação, de forma que as funções comunicativas da arte não fossem
excluídas da práxis da experiência estética. Resta notar que o que o autor deseja demonstrar é
que o hermetismo da arte vanguardista não oferece resposta satisfatória à crise de representação
15 Ibidem
03. Em defesa do prazer estético - versão de publicação 8
provocada pelo advento do mass media. Em outras palavras, não é por meio da supressão da
katharsis que os efeitos da arte estarão a salvos da acusação de afirmação e conformação da
ideologia dominante.