em defesa da identidade e do estatuto da educação física escolas

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1 Em Defesa da Identidade e do Estatuto Científico e Profissional da Educação Física As Instituições de Ensino Superior com responsabilidade na formação de especialistas em Educação Física e Desporto reuniram, no dia 5 de julho, na Faculdade de Motricidade Humana, para analisar as alterações à organização e gestão do currículo nos ensinos básico e secundário e às respetivas matrizes curriculares, introduzidas pelo Ministério da Educação e Ciência (Decreto-Lei nº 139/2012). Após avaliarem o significado e as repercussões das alterações que atingem especificamente a Educação Física, nomeadamente a exclusão da avaliação em Educação Física para o cálculo da média final do ensino secundário e a diminuição da carga horária semanal, os representantes das diversas instituições concordaram em: - Repudiar a descriminação negativa que é feita a esta área disciplinar e que atenta gravemente contra o estatuto da disciplina de Educação Física no contexto do sistema educativo, pondo em causa a sua identidade e as condições para o cumprimento da sua incumbência educativa; - Rejeitar o empobrecimento da escola, o estreitamento redutor da ideia de educação à educação sentada, unidimensional, com espaço restringido para o corpo, para o movimento, para o jogo, para o exercício físico, para o desporto. - Reivindicar o respeito pelo contributo insubstituível e imprescindível da Educação Física para a Educação Integral de todas as crianças e jovens, salvaguardando as disposições curriculares de tempo e avaliação que garantam a sua eficácia educativa e a legitimidade do seu estatuto educativo e formativo perante toda a comunidade educativa. De facto, a Educação Física é, nas sociedades hodiernas, um elemento estruturante da formação integral e pluridimensional da pessoa humana, em virtude quer da especificidade e singularidade dos conteúdos desenvolvidos nos domínios da motricidade humana, do exercício físico, da educação desportiva e corporal, quer do seu potencial para a formação moral e o desenvolvimento de competências sociais, pessoais, afetivas e cognitivas, em concertação com as restantes áreas do currículo. O desenvolvimento observado nas últimas décadas nas Ciências da Motricidade, nas Ciências do Desporto e nas Ciências da Educação e a investigação produzida permitiram fundamentar científica e pedagogicamente projetos pedagógicos de elevado potencial e valor formativo. Todas as evidências científicas apontam a necessidade de otimizar as oportunidades de prática e a desejabilidade de reforçar as condições e recursos para o sucesso dos programas de Educação Física nas escolas bem como melhorar e diversificar a oferta de desporto escolar.

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Documento criado por todos as Instituições do Ensino Superior que formam especialistas em Educação Física e Desporto

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Page 1: Em defesa da identidade e do estatuto da educação física   escolas

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Em Defesa da Identidade e do Estatuto Científico e Profissional da Educação Física

As Instituições de Ensino Superior com responsabilidade na formação de especialistas em

Educação Física e Desporto reuniram, no dia 5 de julho, na Faculdade de Motricidade Humana,

para analisar as alterações à organização e gestão do currículo nos ensinos básico e secundário e

às respetivas matrizes curriculares, introduzidas pelo Ministério da Educação e Ciência

(Decreto-Lei nº 139/2012). Após avaliarem o significado e as repercussões das alterações que

atingem especificamente a Educação Física, nomeadamente a exclusão da avaliação em

Educação Física para o cálculo da média final do ensino secundário e a diminuição da carga

horária semanal, os representantes das diversas instituições concordaram em:

- Repudiar a descriminação negativa que é feita a esta área disciplinar e que atenta

gravemente contra o estatuto da disciplina de Educação Física no contexto do sistema

educativo, pondo em causa a sua identidade e as condições para o cumprimento da sua

incumbência educativa;

- Rejeitar o empobrecimento da escola, o estreitamento redutor da ideia de educação à

educação sentada, unidimensional, com espaço restringido para o corpo, para o movimento,

para o jogo, para o exercício físico, para o desporto.

- Reivindicar o respeito pelo contributo insubstituível e imprescindível da Educação Física

para a Educação Integral de todas as crianças e jovens, salvaguardando as disposições

curriculares de tempo e avaliação que garantam a sua eficácia educativa e a legitimidade do

seu estatuto educativo e formativo perante toda a comunidade educativa.

De facto, a Educação Física é, nas sociedades hodiernas, um elemento estruturante da formação

integral e pluridimensional da pessoa humana, em virtude quer da especificidade e singularidade

dos conteúdos desenvolvidos nos domínios da motricidade humana, do exercício físico, da

educação desportiva e corporal, quer do seu potencial para a formação moral e o

desenvolvimento de competências sociais, pessoais, afetivas e cognitivas, em concertação com

as restantes áreas do currículo.

O desenvolvimento observado nas últimas décadas nas Ciências da Motricidade, nas Ciências

do Desporto e nas Ciências da Educação e a investigação produzida permitiram fundamentar

científica e pedagogicamente projetos pedagógicos de elevado potencial e valor formativo.

Todas as evidências científicas apontam a necessidade de otimizar as oportunidades de prática

e a desejabilidade de reforçar as condições e recursos para o sucesso dos programas de

Educação Física nas escolas bem como melhorar e diversificar a oferta de desporto escolar.

Page 2: Em defesa da identidade e do estatuto da educação física   escolas

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Na primeira linha dos benefícios da prática regular das atividades físicas e desportivas na

escola, imputados à Educação Física e ao desporto escolar estão a melhoria do estado de saúde,

do bem-estar e da condição física; o combate ao sedentarismo e à obesidade; a promoção de

estilos de vida ativos que contribuem para a redução de diversos fatores de risco; o fomento do

gosto pela prática regular de exercício físico e desporto; e a aquisição de conhecimento,

disposições e competência para tomar decisões e gerir com autonomia e responsabilidade a

prática desportiva e de exercício físico ao longo da vida.

Aos benefícios de saúde e bem-estar, junta-se a dimensão de património cultural, de legado

valioso de práticas culturais desenvolvidas e transformadas pelas comunidades do desporto, do

exercício físico, da dança, das lutas e jogos tradicionais. Os desafios da Educação Física

estendem-se, hoje, não só nas direções acima referidas, mas, também, no sentido de criar

condições para a realização de projetos de desenvolvimento humano através das atividades

físicas e desportivas, considerados patrimónios culturais valiosos a legar às gerações vindouras.

A Educação Física procura desenvolver competências de análise crítica dos fenómenos

socioculturais associados à atividade física e ao desporto, tendo por horizonte os ideais

educativos de melhoria das práticas e de mudança social. A riqueza das situações de prática

oferece material concreto para a reflexão e a ação face a diversas formas de abuso, opressão,

exclusão, marginalização e alienação emergentes na sociedade. O exercício da razão prática

fornece argumentos para combater o sexismo, o racismo, as diversas formas de xenofobia, as

formas alienantes de cultivo de certas imagens e configurações corporais, incorporando

referências pedagógicas importantes para combater a violência no desporto, a corrupção e a

dopagem, ou para enquadrar a educação dos espectadores e dos consumidores desportivos.

A Educação Física inclui, ainda, preocupações com a democratização do acesso às práticas

físicas e desportivas a que, de outro modo, milhares de jovens nunca teriam acesso. Uma

preocupação com o Desporto para Todos mas, também, com o Desporto para a Saúde, com o

Desporto como fator de produção e participação cultural, com o Desporto como Encontro de

Culturas (sendo a EF um espaço por excelência de inclusão para as populações escolares mais

diferenciadas).

A Educação Física e o Desporto na escola contribuem, também, decisivamente para o bem-estar

bio-psico-sociológico dos jovens, potenciando a plena vivência da Escola, a fruição satisfatória

do quotidiano escolar, a realização pessoal, o envolvimento e o compromisso com a escola e

com as aprendizagens escolares. Deste modo potencia, inclusivamente, outras aprendizagens

curriculares, o combate ao abandono e ao insucesso escolar.

Reconheça-se, adicionalmente, que a Educação Física envolve objetivos e conteúdos

transdisciplinares, de assinalável transversalidade, que comprometem não exclusivamente as

atividades desportivas, a Educação Física e o Desporto Escolar mas, também, todas as outras

áreas da formação escolar para as quais contribuem de forma decisiva.

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Em síntese, a Educação Física e o Desporto Escolar são um projeto de educação integral

perseguindo múltiplos e valiosos objetivos. Para além do aperfeiçoamento físico e da adoção de

estilos de vida saudáveis, o que já não seria pouco, a Educação Física é um projeto de educação

pessoal, social, moral, cívica, de socialização e educação cultural, alicerçada nos valores da

fraternidade, da camaradagem, da convivência social, na cooperação, no respeito e na

compreensão mútua, na amizade e no combate à discriminação. Do ponto de vista individual,

enfatiza competências de vida tidas como fundamentais: o valor do auto-conhecimento, do auto-

controlo, da autorrealização, de valorização do esforço, da perseverança, do

autoaperfeiçoamento, da harmonia pessoal.

A Educação Física enfatiza, assim, numa dimensão de transferibilidade, a transferência dessas

competências para outras esferas da vida, formando não exclusivamente o aluno mas o Homem.

O seu desejo é promover competências humanas que estão muito para além da prática físico-

desportiva e se aplicam aos outros domínios da vida humana.

Neste contexto, as instituições de Ensino Superior hoje reunidas, entendem ser absolutamente

inadequado retirar valor e espaço curricular da Educação Física e Desporto Escolar e colocar

novas restrições no acesso dos alunos à universidade.

Lisboa, 5 de julho de 2012

Faculdade de Motricidade Humana (FMH) – Universidade Técnica de Lisboa (UTL)

Faculdade de Desporto (FADE) – Universidade do Porto (UP)

Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física (FCDEF) – Universidade de Coimbra (UC)

Departamento de Educação Física e Desporto – Universidade da Madeira (UM)

Departamento de Ciências do Desporto – Universidade da Beira Interior (UBI)

Departamento de Ciências do Desporto – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)

Departamento de Ciências do Desporto - Universidade do Algarve (UA)

Departamento de Desporto e Saúde – Universidade de Évora (UE)

Grupo de Educação Física – Instituto de Educação – Universidade do Minho (UM)

Escola Superior de Desporto de Rio Maior – Instituto Politécnico de Santarém (IPS)

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