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EM BUSCA DE QUALIDADE: DEMANDA E IMPLICAÇÕES PARA
POLÍTICAS CURRICULARES E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
O conjunto de textos que compõe esse painel articula-se em torno da discussão que
tematiza acerca dos imbricamentos entre políticas curriculares e formação de
professores. Observamos que o debate em torno do sentido de qualidade na educação e
democratização dessa qualidade se apresenta como ponto, ao mesmo tempo, de
articulação e embate político no enfrentamento dessa questão.Sob a marca/meta da
qualidade da educação tem se delineado uma série de políticas curriculares e para a
formação de professores que, visando assegurar direitos comuns a todos, suscita
questionamentos do sentido desse comum. Que significação isso ganha nas políticas?
Esses questionamentos são tensionados nesse espaço de reflexão a partir da discussão
acerca de políticas para a formação de professores e instituição de políticas curriculares
para a formação e também pela ambivalência dessa configuração – o que nos permite
inferir que não se trata de observar políticas de formação e suas relações com políticas
curriculares num alinhamento que os coloca numa relação de causa-efeito. Trata-se de
uma processo complexo que ao propor políticas curriculares essas são ao mesmo tempo
políticas de formação, ou no movimento reverso, as políticas de formação são também
instituintes de políticas curriculares. Entendendo a produção de políticas curriculares a
partir de uma perspectiva cíclica e assentadas numa concepção de política baseada na
teoria do discurso de Laclau, os diferentes estudos aqui trazem análises de questões
referentes a produção curricular, formação de professores, qualidade e avaliação,
observando a propostas de formação de professores em diferentes modalidades, da
inicial à pós-graduação e como são mobilizados sentidos de qualidade e como esses
criam demandas para a produção de políticas curriculares e para formação de
professores.
Palavras-chave: Políticas Curriculares. Formação de Professores. Qualidade.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
6808ISSN 2177-336X
DISCURSOS ACERCA DE PRODUTIVISMO ACADÊMICO NA ÁREA DE
EDUCAÇÃO
Francisca Pereira Salvino/UEPB
Resumo
Este artigo objetiva analisar sentidos/significados, pertinência e implicações de
discursos acerca de produtivismo acadêmico na área da educação, tomando como
referência diálogos com professoras de universidades situadas no Estado da Paraíba, a
saber: Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Estadual da Paraíba
(UEPB) e Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Nos discursos e análises
sobre exigências da Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) professores/pesquisadores afirmam existir um produtivismo exacerbado, que
afeta a qualidade da produção científica e a saúde dos profissionais. Esses discursos
circulam em espaços acadêmicos por teóricos como Kuenzer e Moraes (2005) e Lacaz
(2010), bem como por sindicatos, como crítica, contestação e resistência às exigência no
Ensino Superior, especialmente na pós-graduação, que adota como um dos principais
critérios para avaliação a produção bibliográfica. Segundo seus teóricos, a universidade
brasileira enfrenta uma situação de precarização das condições de trabalho, aumento de
exigências quanto à produtividade, às cargas horárias, às baixas remunerações, dentre
outros problemas, o que ocasiona sérias consequências à qualidade da produção e à
saúde dos professores Adota a abordagem qualitativa nos moldes da pesquisa
documental, com recurso de entrevistas, e a Teoria do Discurso de Ernesto Laclau.
Conclui que os discursos sobre produtivismo, embora pertinentes, mostram-se
improdutivos ao desenvolvimento da área da educação, na medida em que tendem a
justificar o baixo nível de publicação e circulação destas, desmobilizando as
comunidades no sentido de ampliar tais níveis, criar e/ou consolidar programas de pós-
graduação, bem como mantendo a recorrência a autores das regiões Sudeste, Sul ou
estrangeiros.
Palavras-chave: Pós-graduação em educação. Discurso. Produtivismo.
Introdução
Os discursos sobre produtivismo tornaram-se mais intensos a partir da década de
1970 no contexto internacional de reconfiguração geopolítica, econômica, financeira e
cultural, pautada numa racionalidade globalizante e neoliberal, que sustenta proposições
e ações políticas, geridas pelos princípios da produtividade, eficiência, competitividade,
privatização, desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho e
racionalização de recursos financeiros. Nesse contexto, educação, ciência e tecnologia
revigoram seus status de setores estratégicos ao desenvolvimento dos países e à
reconfiguração dos poderes mundiais. Também se evidenciam alterações nas formas de
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análise disponíveis em diversos campos de conhecimento, a partir do movimento
denominado “virada linguística”, tornando relevante os estudos pós-estruturalistas e a
generalização da categoria discurso (BURITY, 2008, p. 6). Nesta linha de pensamento,
a Teoria do Discurso de Ernesto Lacalu (2013) permite pensar o discurso a partir do
chamado giro transcendental da filosofia moderna, de modo a concebê-lo não como
algo realizado, acabado, mas nas suas condições de possibilidade, em contínuo processo
de desconstrução/reconstrução. Nesse sentido, o discurso é concebido como um
conjunto diferencial de sequências significantes, no qual o significado é constantemente
renegociado, como uma totalidade significativa que transcende a distinção entre
linguístico e não-linguístico (SALES JÚNIOR, 2008). A partir de correlações de forças
em que os jogos de linguagem, o discurso cumpre papel demasiado importante na
constituição das "realidades", dos objetos, dos sujeitos, das identidades. Assim, o
produtivismo é entendido como um discurso que se hegemonizou e encontra-se
enredado na criação e consolidação de programas de pós-graduação, ocasionando
efeitos diversos, tanto da dimensão do instituído (a política), quanto do instituinte (o
político), que dinamizam as relações e movimentos no âmbito do social e da educação.
Produtivismo: discurso que se hegemonizou
Na perspectiva do pós-estruturalismo, os discursos ou os significados estão em
permanente processo de desconstrução, ou seja, estão sempre sendo adiados, diferidos,
subvertidos e, nesse processo, estão sempre produzindo novos significados. Portanto,
desconstrução tem implícito os sentidos de construção e reconstrução. Como afirma
Derrida (1995, p. 232), isto ocorre porque,
na ausência de centro ou de origem, tudo se torna discurso – com a condição
de nos entendermos sobre esta palavra – isto é, sistema no qual o significado
central, originário ou transcendental, nunca está absolutamente presente fora
de um sistema de diferenças. A ausência de significado transcendental amplia
indefinidamente o campo e o jogo da significação.
Nesse jogo de significação, os discursos sobre produtivismo decorrem da
desconstrução dos sentidos de produtividade, que emerge do ideário neoliberal, e está
associada à qualidade da pós-graduação, ao aumento da qualidade dos produtos com
redução de tempo, sem acréscimo de recursos humanos e financeiros, mas incorporando
criatividade, formação de pessoal e melhoria dos meios de produção, com o recurso de
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novas técnicas e tecnologias. Na educação, combinada a essa lógica, foram criados
dispositivos de controle e regulação dos profissionais e dos resultados (produto), através
de bonificações, premiações, certificações que geraram um mal-estar sem precedentes
nas academias, sindicatos e associações. Nesse sentido, o vocábulo produtividade
recebe um sentido pejorativo (negativo), marcados pelos sufixos "ismo" e "ista" como
em produtivismo e produtivista.
Os processos de significação, embora mais ou menos duradouras, são imprecisos
e fixados apenas provisória e contingencialmente. Laclau (2013) denomina esse
processo de hegemonia e explica que ela resulta de lutas articulatórias e constituições de
cadeias equivalenciais. Esta se constitui a partir da capacidade que uma demanda
demonstre para interpelar um conjunto de outras demandas, de tal forma que uma se
reconheça como parte da outra (BURITY, 2008). É importante ressaltar que esse
processo é atravessado por relações de poder e que a noção de hegemonia transcende a
ideia de classe e de ideologia enquanto falsa consciência. Isto permite entender
produtivismo como um discurso que se hegemonizou e encontra-se carregado de
sentidos que conformam determinados interesses, formas de adesão, resistência e
transgressão à política de pós-graduação.
Campo empírico, procedimentos e sujeitos da pesquisa
Objetivando analisar sentidos/significados, pertinência e implicações dos
discursos acerca do produtivismo acadêmico na área da educação, a pesquisa teve como
procedimento metodológico a análise documental, com recurso de entrevistas realizadas
com 3 professoras de Instituições de Ensino Superior (IES), situadas na Paraíba, a saber:
Universidade Federal da Paraíba (UFPB/João Pessoa), Universidade Estadual da
Paraíba (UEPB/C. Grande) e Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Considera-se como textos/documentos materiais, tais como: artigos, informativos,
planilhas, livros, registro de entrevistas, dentre outros.
A preocupação com o tema teve início com estudos sobre a produção de
conhecimento na área de educação em programas de pós-graduação do Nordeste
brasileiro (SALVINO, 2012), nos quais constatamos que os níveis de publicação dos
docentes se mantêm muito baixos em comparação com IES que mais publicam no país.
No triênio 2007-2009 e 2010-2012, essa publicação chegou em média a 1,5 artigos por
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professores (nos triênios), considerando-se artigos publicados em periódicos Qualis A1,
A2, B1 e B2, conforme apresenta a Tabela 1, a seguir.
PROGRAMAS E
CONCEITOS
NÚMERO DE
DOCENTES
TOTAL DE
ARTIGOS
MÉDIA POR
DOCENTE
2010 2013 2010 2013 2010 2013 2010 2013
Instituições de outras regiões do Brasil
USP 6 6 78 83 333 452 4,3 5,4
UERJ 7 7 25 26 100 148 4 5,7
UFSCAR* 6 6 24 24 91 151 3,8 6,3
UFSCAR 5 5 29 44 105 148 3,6 3,3
UFF 6 5 33 39 106 114 3,2 2,9
UFMG 7 7 56 67 154 246 2,7 3,6
UFRGS 5 6 58 56 160 316 2,7 5,6
UFG 5 5 18 22 50 80 2,7 3,6
UFRJ 5 5 17 28 42 126 2,5 4,5
UFPR 5 5 50 47 122 244 2,4 5,1
Instituições do Nordeste
UNEB* 4 4 24 26 44 55 1,8 2,1
UFRN 5 4 48 50 74 83 1,5 1,6
UFBA 4 4 31 38 40 75 1,3 1,9
UFPE 4 5 43 38 53 131 1,2 3,4
UECE 4 4 11 20 14 8 1,2 0,4
UFPB 4 4 41 51 27 66 0,7 1,3
UFC 4 4 52 54 27 44 0,5 0,8
FUFSE 4 4 15 26 17 37 1,1 1,4
UFAL** 4 4 25 29 9 33 0,4 1,1
FUFPI** 4 4 12 15 4 12 0,3 0,8
Tabela 1 – Número de artigos publicado por docentes nos triênio 2007-2009 e 2010-2012
Fonte: A autora, a partir de dados disponíveis em www.capes.com.br (BRASIL, 2010; 2013)
*Educação especial
**Possui apenas mestrado
A Tabela 1 demonstra uma acentuada diferença entre o número de publicações
das IES que mais publicaram nos dois triênios e IES Nordestinas. Demonstra que houve
um aumento significativo nas publicações em quase todas, com exceção de UFSCAR,
UFF e UECE. Ressaltamos que os docentes não publicam igualmente, sendo possível
que as publicações estejam concentradas em pequeno número de docentes. No caso dos
programas nordestinos, a Universidade Estadual da Bahia - UNEB (2001-2009), mais
recente do que programas como UFBA (1972-1992), UFRN (1978-1994)i e UFPE
(1978-2002) apresenta maior média de produção por docentes. É importante lembrar
que a publicação de artigos nesses quatro estratos é o principal critério de avaliação da
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6812ISSN 2177-336X
Capes (conceitos de 1 a 7). Considerando esse nível de publicação, a Tabela 2 apresenta
como foram classificados os programas nordestinos, a seguir.
Nº UNIVERSIDADE PROGRAMA M/D 2007-2009ii 2010-2012
01 Fundação Universidade
Federal do Piauí -FUFPI
Educação 1991 4 4
02 Fundação Universidade
Federal de Sergipe - FUFSE
Educação 1994-2008 4 4
03 Universidade Federal da
Paraíba - UFPB
Educação 1977-2003 4 4
04 Universidade Federal do Rio
Grande do Norte - UFRN
Educação 1978-1994 5 4
05 Universidade Federal de
Pernambuco - UFPE
Educação 1978-2002 4 5
06 Universidade Federal de
Pernambuco - UFPE
Educação
Contemporânea
2011 - 3
07 Universidade Federal Rural
de Pernambuco
(UFRPE/Caruaru/PE)
Tecnologia e Gestão
em Educação à
Distância
2010 - 3
08 Universidade Federal do
Ceará - UFC
Educação 1977-1994 4 4
09 Universidade Federal do
Maranhão - UFMA
Educação 1988 3 3
10 Universidade Federal de
Alagoas - UFAL
Educação 2001 4 4
11 Universidade Federal da
Bahia - UFBA
Educação 1972-1992 4 4
12 Universidade do Estado da
Bahia - UNEB
Educação-Programa de
Pós-Graduação em
Educação e
contemporaneidade
2001-2009 4 4
13 Universidade do Estado da
Bahia - UNEB
Gestão e Tecnologia
aplicada à Educação
(profissional)
2010 - 3
14 Universidade Estadual do
Ceará - UECE
Educação 2003 4 4
15 Universidade Estadual de
Feira de Santana - UEFS
Educação 2010 - 3
16 Universidade Estadual da
Paraíba - UEPB (Campina
Grande)
Formação de
Professores
(profissional)
2010 - 3
17 Universidade Estadual do
Rio Grande do Norte -
UERN
Educação 2011 - 3
Tabela 2 - Avaliação trienal dos Programas de Pós-Graduação em Educação do Nordeste do Brasil
Fonte: A autora, a partir de dados disponíveis www.capes.gov.br (BRASIL, 2013)
As IES brasileiras apresentam condições de funcionamento díspares, que precisam
ser analisadas mais detidamente, contudo, os dados possibilitam visualizar uma situação
relevante para problematizar e refletir sobre a pertinência ou não dos discursos sobre
produtivismo. No triênio 2007-2009 foram avaliados 11 programas de Pós-Graduação
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em Educação nordestinos e no triênio 2010-2012 foram 17, o que representou um
aumento de 6 programas (mestrados), ou seja, 25% de crescimento, sendo três
acadêmicos, dois profissionais e um a distância. A expansão se deu pela via da
interiorização, pois três programas foram criados no interior, sendo 1 em Pernambuco
(UFRPE/Caruaru), e na Bahia (UEFS/Feira de Santana) e 1 na Paraíba (UEPB/
Campina Grande). Apenas UFRN (2010) e UFPE (2013) chegaram a alcançar conceito
5, ficando os demais com conceito 4 e um com 3. Nenhum dos programas foi avaliado
com conceitos 6 e 7, restrito aos programas com padrão internacional. Na Paraíba, no
triênio 2007-2009, apenas o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFPB)
foi avaliado, já no triênio 2010-2012 foi avaliado também o Programa de Pós-
Graduação em Formação de Professores (PPGFP/UEPB), criado em 2010. O
PPGEd/UFCG ainda não foi avaliado.
Nesse quadro, situam-se os programas pesquisados, a saber: PPGEd/UFCG,
PPGE/UFPB e PPGFP/UEPB. As entrevistas foram realizadas com 3 professoras no
período de 27/03/14 a 28/07/14, quando foi possível dialogar com profissionais com
vasta produção bibliográfica e experiência em ensino, pesquisa e extensão. Portanto,
vivenciam avanços e dilemas enfrentados pelo Ensino Superior no Brasil e no Nordeste,
marcados por diferenças e assimetrias regionais. Para preservar o sigilo, as professoras
serão identificadas pela ordem em que foram realizadas as entrevistasiii. A Professora 1
(PPGEd/UFCG) é lotada na Unidade Educação da UFCG, coordena o Programa de Pós
Graduação em Educação-Mestrado acadêmico, autorizado pela CAPES em 29/06/2015,
e atuou no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFPB. Tem
Doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e participa do
Laboratório de Pesquisas Educacionais (LEPPE), desenvolvendo pesquisas na área de
Estado e Política Educacional. A Professora 2 (PPGE/UFPB) é lotada no Departamento
de Educação da UFPB, PhD pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
Doutora em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba/SP (UNIMEP).
Pesquisa sobre Políticas e Práticas Curriculares. A Professora 3 (PPGFP/UEPB) é
lotada no Departamento de Educação da UEPB e atua no Programa de Pós-Graduação
em Formação de Professores (PPGFP). Possui Doutorado em Educação pela UERJ
(2011), é pesquisadora associada do Núcleo de Etnografia em Educação (UERJ) e
desenvolve estudos etnográficos na área de Psicologia e Educação.
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Discursos sobre produtivismo acadêmico em educação
A década de 1990 no Brasil foi marcada pelo prosseguimento do processo de
redemocratização, pós ditadura milita (1964-1985), e de tentativa para inserção do país
na economia globalizada. Esse processo ganha força durante o Governo de Fernando H.
Cardoso (1995-2002), que empreendeu ações num projeto de Reforma do Estado e,
consequentemente, da Educação. Para a Educação Superior aprovou dispositivos legais
como a Lei nº 9.394/1996 (LDB), a Lei nº 10.172/2001 (Plano Nacional de Educação) e
outras dirigidas à reforma universitária, dando ênfase à autonomia financeira e à
parceria com o setor empresarial. Também instituiu mestrados e doutorados
profissionais (1998) e avaliação periódica do Ensino Superior (Leis n. 9.192/95 e
9.131/95, dentre outras). Porém, foi com Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) que a
reforma alçou maior vigor, com a aprovação da Lei nº 10.973/2004 que, segundo Trein
e Rodrigues (2011), reafirma a prioridade da inovação científica e tecnológica como
estratégico, consolidando-a na ótica do capital e aprofundando os mecanismos que
subordinam essa política aos imperativos da produtividade e da competitividade.
Seguindo essa prerrogativa foram aprovados, ainda, os Planos Nacionais de Pós-
Graduação (2005-2010 e 2010-2020) e a Portaria nº 07/2009, que regulamenta os
mestrados profissionais, alterando significativamente as finalidades, a gestão e o
financiamento da Educação Superior, nela incluída a pós-graduação.
Como analisa Sguissard (2009), a partir da década de 1990, os novos cenários da
economia mundial recrudesceram o controle de qualidade na produção e na prestação de
serviços, de modo a constituir-se como questão de Estado e este passa a assumir, maior
grau de controle e regulação dos sistemas. Dos embates e disputas desses momentos,
decorre a reestruturação da pós-graduação no Brasil, a mudança de paradigma no
sistema de avaliação e no padrão de qualidade, pretendido para a pós-graduação.
Nesse cenário, tornam-se hegemônicos discursos e análises acerca da existência
de um produtivismo exacerbado, que afeta a qualidade da produção científica e a saúde
de professores/pesquisadores, orquestrado principalmente pela Coordenação e
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Como analisam Kuenzer e
Moraes (2005, p. 1347), “as exigências relativas à produção acadêmica geraram o seu
contrário: um verdadeiro surto produtivista em que o que conta é publicar, não importa
qual versão requentada de um produto, ou várias versões maquiadas de um produto
novo”. Em texto publicado no portal do Sindicato Nacional dos Docentes das
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Instituições de Ensino Superior (ANDES), intitulado Produtivismo acadêmico está
acabando com a saúde dos docentes (2013, p. 2), Maria Ciavatta, argumenta que “a
eficiência prescrita e o produtivismo induzido limitaram a democracia e a autonomia da
universidade”. No mesmo portal, Janete Luzia Leite denuncia que o resultado da
política produtivista tem sido a instituição de dois tipos de professores: o pesquisador
que recebe recursos das agências de fomento e os que recebem a pecha de
“desqualificados”, mantendo-se na graduação e na extensão.
Durante nossa pesquisa, os relatos das professoras entrevistadas reforçam essa
linha de análise acerca da política de pós-graduação. Assim, a Professora 2
(PPGE/UFPB), demonstra sua desaprovação à política da CAPES em virtude da adesão
desta à lógica empresarial capitalista e alega que comunidades acadêmicas que
demonstrem que resistem a tal lógica tem sido penalizadas, geralmente com o
descredenciamento de programas. A Professora 2 argumenta:
Essa política, da sua origem aos dias atuais, se pauta na concepção política
que o sistema tenta impor, a qual se vincula à produção, gerenciamento e
gestão fabril. O contexto da produção se reconfigura e a educação e o ensino
através de suas instâncias reguladoras acompanham, tentam impor esse
processo na sua inteireza. No entanto, isso não acontece na integra. Há
políticas de resistência que vão de forma parcial constituindo novas formas
de reconstrução dessa educação e desse ensino [...]. Essa política tem se
mostrado competitiva, disciplinar, desarticuladora do trabalho compartilhado
e seletiva (Professora 2).
As reformulações da CAPES para a avaliação foram introduzidas no biênio
1996/1997, quando se fechou um importante ciclo no desenvolvimento da pós-
graduação e dos relatórios da CAPES. Horta e Moraes (2005, p. 95) reconhecem que
A proposta de o programa ser a unidade básica da pós-graduação, e não mais
os cursos de mestrado e doutorado avaliados isoladamente, o destaque aos
cursos de excelência, compreendida como inserção internacional, e a
organicidade entre linhas de pesquisa, projetos, estrutura curricular,
publicações, teses e dissertações não deixam dúvidas quanto à finalidade
esperada da pós-graduação: a de ser, prioritariamente, lócus de produção de
conhecimento e de formação de pesquisadores. Da mesma forma, a ênfase
avaliativa sobre os produtos – basicamente, a produção bibliográfica
qualificada – indica a expectativa de ampla divulgação dos resultados.
Horta e Moraes (2005) reconhecem que essa organicidade deu mais dinamismo
aos programas e que ela é resultado dos embates e enfrentamentos ocorridos entre as
comunidades acadêmicas organizadas em Fóruns, associações, comitês, sindicatos e
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outras entidades. Esse reconhecimento, também com ressalvas, é percebido no relato da
Professora 1 (PPGEd/UFCG), a seguir:
É uma política que conseguiu êxitos e um sistema com princípio e regras que
fazem avançar na produção do conhecimento, o que é inegável. Contudo, é
um modelo que cerceia novas iniciativas ou algumas que já existam, mas
precisam se organizar de forma diferenciada do que o padrão CAPES exige,
o que entra na discussão da produtividade/produtivismo, algo sem sentido, às
vezes. Mas, também faço crítica a certas falas. Se o professor pesquisa,
inevitavelmente vai ter artigos para publicar. Não quer dizer que vai ser na
velocidade ultra-rápida (problema do sistema atual), pois tem o processo de
maturação das pesquisas que pode ser mais lento do que o ritmo ditado pela
CAPES.
Nesse relato identificamos uma outra forma de resistência que é o não
envolvimento/comprometimento de uma parcela dos professores com a pesquisa e com
a publicação dos resultados, o que vai de encontro ao objetivo da pós-graduação, que é a
produção e a socialização do conhecimento. Entendemos que a publicação dos
resultados das pesquisas operam como retorno dos investimentos às populações que as
financiam.
Mediante as análises, indagarmos se, para as entrevistadas, faziam sentido os
discursos sobre produtivismo, especialmente quando considerada a situação dos
programas localizados no Nordeste (ver página 5 deste artigo). As Professoras 1 e 2
afirmam que a CAPES pauta suas ações numa lógica produtivista, que dá sentido aos
discursos circulantes. A Professora 1 (PPGEd/UFCG), entende que
Nas instituições menores as dificuldades são piores porque faltam
funcionários, xerox, telefones, computadores e impressoras e os professores
vão assumindo várias tarefas, participam de formação de Educação Básica.
Ganha bolsa, mas o salário continua o mesmo e apenas aumenta a carga
horária, pois essa formação não conta na carga horária da universidade. Isto
leva, muitas vezes, a perda da qualidade. Ouvi falar que em uma universidade
consagrada tem professores que vão para as bancas tendo lido apenas a
introdução e as conclusões de dissertações e teses.
Esse relato destaca condições de trabalho bastante precárias para fazer frente às
exigências das agências reguladoras. Como assevera Lacaz (2010), a universidade
brasileira enfrenta uma situação de precarização das condições de trabalho, aumento de
exigências quanto à produtividade, às cargas horárias, às baixas remunerações, dentre
outros problemas, o que ocasiona sérias consequências à qualidade da produção e à
saúde dos professores. Para o autor, essa situação provoca estresse crônico, ansiedade,
preocupação, sensação de impotência, frustração, mau humor, ou seja, um mal-estar
difuso, que deve ser valorizado como indicador de sofrimento mental em decorrência da
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profissão, que tem como desdobramentos a auto-medicação, a busca de um sobre-
esforço de adaptação e a formas sutis de resistência, ativa ou passiva. A Professora 2
(PPGE/UFPB), é incisiva ao afirmar que
Faz muito sentido! Porque demonstra tudo aquilo que já esbocei acima, ou
seja, a incapacidade da CAPES de investir nos programas de pós- graduação
do BRASIL de forma distinta, em particular no Nordeste. Você percebeu que
as travas entre 3 e 5 estão situadas no Nordeste. Nós somos incapazes ou as
políticas não nos oportuniza espaços para pensarmos num processo de
avaliação para além do pragmatismo? Seria melhor criar mecanismos e
produzir políticas que atendessem nossas necessidades e dificuldades do que
mostrar quadro estatísticos, criar jargões para nominar o corpo docente e
discente. Não seria melhor através da implantação e implementação de
políticas mais amplas de financiamento entender que muitos alunos e alunas
não pode dar a dedicação exclusiva ao curso, pois sem bolsas de estudos, não
conseguem levar o curso adiante? [...]. Mudem a política que com certeza
mudará esse quadro que a CAPES insiste em ficar socializando por aí como
forma de afirmar a incompetência nossa e não a dela.
A análise enfatiza as assimetrias regionais em consequência das quais os
programas com os melhores conceitos, as agências de fomento mais fortes, o maior
número de periódicos se concentram nas Regiões Sudeste e Sul. Em estudos anteriores
(SALVINO, 2012), constatamos que os critérios de padronização e excelência tendem a
manter as assimetrias como se encontram na atualidade. O Programa de Excelência da
Pós-Graduação (PROEX), por exemplo, destinado a programas com conceito 6 e 7, em
2007, contemplou apenas dois programas de educação (PUCRIO e USP) e nenhum do
Nordeste. Os programas que atendem a esta região são o Programa de Apoio à Pós-
Graduação (PROAP) e o Programa de Fomento à Pós-Graduação (PROF), que financia
programas de formação interinstitucionais (MINTER e DINTER), o que demonstra
mais esforços na consolidação e ampliação do que na excelência e internacionalização
dos referidos programas. Sobre o produtivismo. Ainda sobre a pergunta, a Professora 3
(UEPB/UEPB), responde que
O discurso produtivista pode não fazer sentido, mas ele é mantido para
regular o processo de qualificação ao acreditar que dessa forma é
estabelecido um padrão para nivelar a atuação nos cursos de pós-graduação.
O que deveria fazer sentido seria o princípio formativo para que um pós-
graduando formado pudesse, futuramente, inserir-se em um curso de pós e
ser também um pesquisador e um professor doutor formador.
Sobre a qualidade das publicações, embora concordando com vários dos
argumentos acerca do produtivismo, Macedo e Sousa (2010) afirmam que este não se
justifica quando se considera os índices de produtividade bibliográfica dos Programas
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de Pós-Graduação em Educação, que são as instituições mais expressivas nessa
produção. Para as autoras, nos programas com conceito de 3 a 5, a média de produção
docente por ano varia de 1 a 1,6 produto, equivalente a capítulo A. Apenas os
programas nível 6, alcançaram a média de 2 produtos por ano, conforme dados da
avaliação realizada pela CAPES no triênio 2007-2009 (BRASIL, 2010). As autoras
argumentam que nos últimos anos se evidenciam práticas de socialização dos resultados
das pesquisas e intercâmbios entre grupos nacionais e internacionais, tanto em eventos
como em publicações de livros, capítulos e artigos, o que revela consolidação desses
grupos, portanto, melhora na qualidade. Argumentam, ainda, que o rebaixamento da
qualidade não se confirma, posto que as avaliação têm se tornado cada vez mais
rigorosas. Além disto, conforme lembra a Professora 1, esta política é, em grande
medida, ratificada pelas comunidades acadêmicas, o que lhe dar maior legitimidade.
CONCLUSÕES
Os discursos sobre produtivismo acadêmico em educação ressalta que a política
de pós-graduação mantém assimetrias e cria obstáculos a criação, consolidação e
ascensão de programas. Bem como contribui, principalmente, para pensarmos para além
desses obstáculos, as questões internas que precisam ser revistas e modificadas para que
se possa desenvolver a pesquisa e, consequentemente, a produção bibliográfica. É
imprescindível avaliarmos as "travas" criadas pela política, mas é crucial avaliarmos as
"travas" criadas no interior das IES.
A compreensão de que as políticas das duas últimas décadas encontram
fundamento numa matriz neoliberal faz sentido na medida em que corrobora a crítica e
amplia as possibilidades de melhoria da qualidade, da redução das assimetrias e assim
por diante, mas perde o sentido se servem para justificar as questões internas pelas quais
ocorre a estagnação e/ou a impossibilidade de criar novos programas com a reconhecida
qualidade exigida pela CAPES. Nesse sentido, os discursos sobre produtivismo,
embora pertinentes, mostram-se improdutivos ao desenvolvimento da área da educação,
na medida em que tendem a justificar o baixo nível de publicação e circulação destas,
desmobilizando as comunidades no sentido de ampliar tais níveis, criar e/ou consolidar
programas de pós-graduação, bem como mantendo a recorrência a autores das regiões
Sudeste, Sul ou estrangeiros.
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i Os parênteses estão indicando as datas de criação dos mestrados e doutorados das referidas instituições. ii Os programas que não apresentam conceitos no triênio 2007-2009 foram criados a partir de 2009,
portanto, apenas foram avaliados no triênio seguinte. iii Informações disponíveis no portal do CNPq. O endereço eletrônico não foi informado para assegurar o
sigilo.
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6820ISSN 2177-336X
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES EM SERVIÇO E QUALIDADE NA
EDUCAÇÃO
Vagda Gutemberg Gonçalves ROCHA/UEPB
Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir a formação inicial em serviço e seus
possíveis efeitos na qualidade da educação. Argumentamos que inúmeros são as
variáveis a serem consideradas ao se discutir qualidade em educação, tais como
variáveis sociais, econômicas, politicas e culturais. A formação de professores, contudo,
sempre está presente quando a pauta de discussão é a qualidade da educação. Não por
acaso, essa presença esta associada à culpabilização dos professores pela má qualidade
da educação. No Brasil, a partir da última década do século XX, cursos superiores em
serviço passaram a ser oferecidos, dentre eles o PARFOR. Trata-se de análise
documental e de entrevistas a partir do ciclo de politicas de Stephen Ball (1994, 2006).
A análise discute como a carência de profissionais qualificados no Brasil, ao longo do
tempo, tem permitido, legalmente, a contratação de professores sem a formação mínima
exigida, ao mesmo tempo em que prescreve a capacitação desses sujeitos em serviço.
Considerando quase 20 anos da promulgação da Lei 9.394/94 e, portanto, do
funcionamento de cursos em serviço, espera-se que efeitos já podem ser percebidos na
educação. Contudo, constatou-se que apenas efeitos de segunda ordem são possíveis de
serem observados, posto que são alcançados num menor espaço de tempo e podem ser
percebidos na mudança de vida e de acesso a determinados bens sociais e/ou culturais,
antes não possíveis, pelos egressos dos cursos. Os efeitos de primeira ordem, ainda não
se fazem perceptíveis, uma vez que seria necessário mudanças na estrutura mais geral,
com reflexo nos escores educacionais e até mesmo na estrutura organizacional das
escolas.
Palavras-chave: Formação de Professores – Qualidade da Educação – Efeitos.
Ao se falar em qualidade da educação, apesar de este ser um significante
polissêmico, faz-se relação imediata com a educação formal, oferecida em instituições
escolares. Os discursos acerca da qualidade da educação no Brasil estão estreitamente
relacionados com a qualificação profissional dos professores (GAJARDO, 2000;
BRASIL, 2001; BRASIL, 2004; ROCHA, 2012; DOURADO; OLIVEIRA; SANTOS
2013) e às metas estabelecidas ainda no Encontro Mundial de Educação para Todos,
bem como em acordos decorrentes do mesmo, a exemplo do Plano de Ação da Segunda
Cúpula das Américas (1998), adotado pelos seus países membros. Uma das metas era
garantir, até 2010, que 100 por cento das crianças concluíssem a educação primária e
que ¾ dos jovens tivessem acesso ao ensino secundário, com vistas ao aumento dessa
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fração ao longo do tempo. Faz-se necessário o registro que desde o primeiro Plano de
Ação da Cúpula das Américas (1994), a educação já se fazia presente com metas
ambiciosas, posto que, segundo este documento, a educação constitui-se em “base
indispensável do desenvolvimento social e cultural sustentável, do crescimento
econômico e da estabilidade democrática”. Ainda nesse Plano de Ação está posto que o
alcance dessa meta implica em qualificar a educação e ainda ressaltá-la como direito
fundamental de todo e qualquer cidadão brasileiro.
Para Dourado, Oliveira; Santos (2013, p. 7), as condições e os insumos são
preponderantes para a oferta de um ensino de qualidade, ou seja, são necessários quando
se pretende a construção de uma boa escola ou uma escola eficiente, eficaz. Os autores
alertam ainda para a necessidade de se considerar as dimensões organizativas e de
gestão que visem à valorização dos sujeitos envolvidos no processo, os aspectos
pedagógicos no ato educativo e, ainda, as expectativas com relação à aquisição dos
saberes escolares e às diferentes possibilidades de trajetórias dos egressos desse ensino.
Entretanto, mesmo compreendendo que uma análise que pretenda investigar
qualidade na educação implica considerar múltiplas dimensões dada a complexidade
desse fenômeno, ou seja, dimensões culturais, econômicas, politicas e sociais, a
formação de professores aparece como pauta de discussão sempre que a qualidade da
educação é questionada, indagada, posta a revisão ou reforma.
Sendo assim, assistimos desde fins do século passado um investimento
considerável em cursos de formação de professores, seja formação inicial, seja
formação continuada. De acordo com uma sipnopse estatística de 1996 (BRASIL,
2000), o Brasil contava com mais de um milhão de professores que careciam da
formação prescrita pela Lei 9.394/96 (BRASIL, 2002). Frente a tal contingente, houve o
envidamento de esforços no sentido de conferir diploma de nível superior, na devida
área de atuação, aos professores já em serviço. A perspectiva, inicial, era de se alcançar
a maior parte de docentes, senão a sua totalidade, em uma década, ou seja, em 2007.
Entretanto, em 2009, havia ainda 624.320 professores sem formação superior.
Destes, 139.974 professores possuíam o Ensino Médio e o restante o Normal Médio. E
dentre os professores com curso superior 62.379 não possuíam licenciatura. Este
montante não considerava os profissionais em desvio de função (BRASIL, 2009).
Frente a isso, foi implantado o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
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Básica (PARFOR) que, até 2014, havia formado 2.428 turmas, em 24 unidades da
federação e diplomado 12.103 professores.
Frente ao exposto, este artigo tem como objetivo discutir os efeitos de primeira e
segunda ordens, possivelmente perceptíveis dado o tempo decorrido dessas formações.
Pois, mesmo considerando que haja outros fatores que interferem na qualidade da
educação, é de se esperar que com a formação devida, o professor possa desenvolver
práticas pedagógicas que promovam uma melhor qualidade no ensino. Para tanto,
ancoraremo-nos no método do ciclo de politicas de Stephen Ball (1994;2006).
Politicas de Formação de Professores em Serviço no Brasil
Pensar em formação de professores atrelando-a à qualidade da educação não se
constitui em novidade, tendo em vista que são temas bastante recorrentes na discussão
de estudiosos da área, bem como por serem temas também recorrentes em eventos
científicos em educação. Numa busca rápida, podemos perceber que formação de
professores é um dos temas cujos GTs mais recebem e apresentam trabalhos em eventos
científicos, contudo, é um tema ainda não esgotado. É polêmico e bastante complexo,
principalmente se considerarmos que o Brasil, no tocante à educação, figura entre os
países com um dos piores escores em avaliações internações. É o nono país com os
piores resultados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - PISA
(BRASIL, 2013).
Muitas são as politicas empreendidas no sentido de fomentar a melhoria da
educação e formação de professores: PARFOR, Programa Mais Educação, Programa
Ensino Médio Inovador (PROEMI), Programa Alfabetização na Idade Certa (PNAIC),
Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), dentre tantos outros. Entretanto,
faz-se importante ressaltar que não são políticas inovadoras e, ainda que o intento seja a
educação, tais programas ou políticas não funcionam sozinhas, posto que se ancoram
em programas outros e de outras áreas, a exemplo do Programa Bolsa Família. Sendo
assim, não seria profícuo considerar as políticas de formação inicial de professores
empreendidas após a Lei 9.394/96 de forma aislada, mas na arena geral da política
social. Visto que, ao neglicenciar a temporalidade, o contexto histórico, incorremos no
risco de conferir-lhe um caráter de instantaneidade, potência, definição e decisão das
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práticas cotidianas. Para Ball (2006, p. 21) tal tipo de análise despreza o sentido de
“continuidades significantes”.
Nas Leis nº 4.024/6 (BRASIL, 1961) e 5.692/71 (BRASIL, 1971), já era
possível perceber discursos de recomendação quanto à qualificação necessária aos
professores para ensinar nas primeiras séries do ensino primário. Consideramos que os
textos de tais leis ressaltavam o caráter precário da recomendação, uma vez que os
discursos presentes nesses dois textos previam a carência de professores legalmente
habilitados e previam estratégias nesse sentido, prescrevendo que, quando a oferta de
professores habilitados não fosse suficiente para atender às demandas do ensino, seria
permitido que lecionassem no 1º grau, até a 8ª série, os diplomados com habilitação
para o magistério, que à época deveria formar professores polivalentes para as 4
primeiras séries do referido grau, por exemplo (ROCHA, 2012).
O discurso político, pois, apresenta-se continuamente tentando esgotar as
possíveis dificuldades a serem encontradas na sua implementação, no contexto da
prática, nas áreas urbanas e rurais, nos lugares mais recônditos do país, em que
certamente a carência de professores habilitados se faria acentuada. Cria e recria
condições precárias de formação docente e de assistência aos/as estudantes. Há ainda
que se ressaltar que tanto a Lei 4024/61 quanto a 5692/71 preveem estratégias que
visam à formação dos professores leigos admitidos no serviço público com “programas
especiais de recuperação” das defasagens. Assim, os professores eram convidados a
recuperar algo que não possuíam de inicio e, portanto, que não tinham como perder por
nunca terem alcançado, a formação necessária à docência.
O professor sem a formação necessária ao exercício da docência tornou-se,
aparentemente, um mal necessário, com admissão, contratação e função previstas em
lei. Contudo, observando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação vigente, Lei 9394/96
(BRASIL, 2002), veremos que o que deveria ter-se processado em caráter emergencial
persistiu até os dias atuais, pois, ainda se formam professores em serviço em todas as
regiões do Brasil.
Em 2015, 51.008 professores estavam frequentando os cursos do PARFOR,
distribuídos conforme gráfico abaixo:
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QUADRO 1: ALUNOS MATRICULADOS NO PARFOR/2014
Fonte: MEC/CAPES, 2016.
De acordo com este gráfico, há muitos professores ainda sem a formação
requerida, com destaque para as regiões Norte e Nordeste que detêm, juntas, 85% dos
cursistas. Devemos chamar atenção para o fato de que em 1996 havia mais de 1 milhão
de professores chamados leigos. Em 2009, esse numero excedia a 600.000, mesmo com
a oferta de cursos presenciais, semi-presenciais e à distancia que ainda hoje são
oferecidos. Ressaltamos, ainda, que o PARFOR oferta cursos apenas aos professores
das redes públicas municipal, estadual e federal.
Contudo, mesmo considerando tais números, entendemos que efeitos já podem
ser percebidos, visto que a exigência para tal formação está completando duas décadas
de existência.
O fazer docente na fala de professores e seus municípios
Na paraíba, os cursos em serviço, com destaque para Pedagogia, passaram a ser
oferecidos em fins dos anos 1990, após a aprovação da Lei 9.394/96. A Universidade
Estadual da Paraiba (UEPB) começou a ofertá-los em 2000, em parceria com os
municípios com demanda de professores sem a formação prescrita pela referida lei. A
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última turma teve ingresso em 2007 e concluiu em 2010. Foram 3.200 pedagogos
formados por essa instituição, oriundos de 82 municípios paraibanos.
A partir de 2009, em parceria com a CAPES, a UEPB continuou ofertando o
curso de Pedagogia, mas também Filosofia e Educação Física. Em 2016, por exemplo, a
UEPB está com 17 turmas em funcionamento em cinco campi: Patos, 2 de pedagogia e
1 de Educação Física; Guarabira, 2 de Pedagogia, 1 de Filosofia e 1 de Educação Física;
Campina Grande, 3 de Pedagogia e 3 de Educação Física, Catolé do Rocha, 1 de
Pedagogia e 1 de Educação Física e, João Pessoa com 2 turmas de Educação Física. A
média é de 50 cursistas por turma. Percebe-se uma demanda superior, visto que em
2014 a UEPB estava com 11 turmas com média de 30 cursistas em cada uma delas. Em
2015, concluíram o curso de Pedagogia 171 professores, através do PARFOR.
A Coordenação do PARFOR na UEPB relata a oferta de licenciaturas em Letras
(habilitação em Língua Portuguesa), Matemática e Geografia. Entretanto, não há
demanda para funcionamento de turmas.
Os limites da formação em serviço são indubitáveis e vão desde financiamento,
infraestrutura, avaliação, dupla, senão tripla jornada de trabalho, etc. Todavia, os
egressos de tais cursos dizem do quanto mudaram suas percepções de mundo e de
educação após o ingresso nestes. São depoimentos que falam de valorização pelos
colegas de trabalho, pelos técnicos de suas respectivas escolas e secretarias de educação
de seus municípios, são aprovações em concursos públicos e mestrados, é o ensejo à
familiares e vizinhos de também ingressarem em curso superiores e, ainda, o aumento
no salário, que confere o acesso a bens até então compreendidos como inacessíveis, tais
como computador, internet, aquisição de livros e revistas, cursos de língua estrangeira,
entre outros. Estes efeitos podem ser considerados como sendo de segunda ordem, ou
seja, aqueles percebidos nas mudanças do padrão de vida das pessoas, tais como acesso
a bens sociais, pode-se dizer também que bens culturais e econômicos, oportunidades e
justiça social. Efeitos que podem ser percebidos a curto prazo (BALL, 1994).
Esses efeitos podem ser percebidos ainda no depoimento de coordenadores
pedagógicos de 3 municípios da Paraíba: Soledade, Queimadas e Esperança. Segundo
esses coordenadores, é possível afirmar que houve uma mudança nas posturas dos
professores que fizeram o curso em serviço na UEPB. Mudanças nos discursos, no
vocabulário, na forma de discorrer sobre os conteúdos, de participar das reuniões
pedagógicas, na organização de planejamentos e, inclusive, de fazer reivindicações nas
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secretarias de educação. Mudanças, ainda, nas vestimentas e adornos ao se prepararem
para a escola.
Contudo, ao serem indagadas quanto ao reflexo dessas mudanças no ensino em
sala de aula, as coordenadoras não conseguiram apontar efeitos amplamente
perceptíveis. Segundo uma coordenadora de Queimadas, “houve mudança, com certeza.
Os professores fazem outro tipo de aula. São mais dinâmicas, interativas, criativas,
envolvem mais os alunos”. Mas quando é indagada acerca da aprendizagem, responde
que:
Os alunos são filhos de pessoas carentes. Muitos vão à escola pela
merenda. Os pais são analfabetos, não tem um ambiente que estimule
a leitura em casa e isso dificulta a aprendizagem. Mas há também
muitas crianças que aprendem. Crianças de famílias estruturadas,
interessadas na aprendizagem dos filhos. Há crianças que aprendem,
não são todas iguais. Umas aprendem mais facilmente e outras não
(Coord. Ped. SEC Queimadas, PB).
Também foi entrevistada uma pedagoga de Esperança, PB. Para esta
coordenadora a qualidade da educação envolve outros fatores além da qualificação dos
professores.
Envolve muitas coisas. Muitas mesmo. Melhorias da estrutura física
das escolas, do material pedagógico. Equipe de apoio permanente na
escola, melhores salários e condições de trabalho. Maior participação
dos pais nas escolas, etc. Fim da aprovação automática. Mas não
posso dizer que não melhorou, se bem que muitos professores que
fizeram a pedagogia em serviço já se aposentaram. Mas melhorou sim.
Principalmente a participação delas nas reuniões de planejamento e na
metodologia de ensino (Coord. Ped. SEC Esperança, PB).
Já em Soledade, a coordenadora entrevistada fala que:
Houve mudança sim, mas não de todos os professores da mesma
forma. As aulas de alguns são muito boas. Dá gosto de ver. São aulas
com a participação dos alunos, são movimentadas, criativas. Os
professores conversam com seus alunos, é um método dialógico, com
a participação de todo mundo. Na aprendizagem, a gente também
percebe mudança porque as aulas são outras. Mas ainda temos no
município muitos alunos que ainda não conseguem ler e são
promovidos para a série seguinte (Coord. Ped. SEC Soledade, PB).
A partir do exposto nos discursos das coordenadoras, podemos dizer que os
efeitos de segunda ordem são facilmente perceptíveis, pois não apenas as professores
sentem os efeitos, as mudanças em decorrência do curso de Pedagogia. Mudanças que
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se expressam no vocabulário, na organização das aulas, no cotidiano da sala de aula.
Entretanto, isso ainda não é possível quanto a efeitos mais amplos na estrutura
educacional dos municípios pesquisados. São efeitos que carecem de mais tempo para
serem captados, bem como de estudos mais minuciosos, inclusive em documentos que
permitam acompanhar o desenvolvimento de alunos ao longo dos anos nas turmas
atendidas por professores egressos de cursos de formação continuada. Este efeitos
poderão ser percebidos nos escores educacionais dos municípios, na estrutura
organizacional das escolas, dos currículos, das relações de trabalho na escola, etc.
Os efeitos de segundo ordem, dado a dimensão de mudança estrutural, significa
que, se alcançados de forma exitosa, teremos, a partir dos vários programas
implementados o alcance de algumas metas previstas para a educação. Todavia, o
prescrito em programas e politicas educacionais não obrigatoriamente se consolidam,
posto que estão suscetíveis a interpretações múltiplas e variadas, conforme aqueles que
os acessam.
À Guisa de Considerações Finais
Considerando a complexidade dos critérios envolvidos na análise da qualidade
na educação e a formação de professores, entendemos que tal discussão carece ainda de
bastante atenção por parte de estudiosos da área. Desde fins da ultima década do século
XX foram criados cursos de formação inicial em serviço no intento de oferecer
educação superior em serviço a professores nominados como leigos. Entendemos que
muitos são os fatores que impulsionam essa modalidade de formação, prevista pelas
legislações brasileiras desde 1961, devido à carência de profissionais habilitados ao
exercício da docência. Carência agravada pelo difícil acesso aos centros universitários,
ao número escasso de universidades para atender a uma grande demanda de candidatos
e, mesmo à diversidade encontrada dentro do Brasil no que se refere à qualificação dos
professores, com destaque para a situação das regiões Norte e Nordeste.
Há ainda que se ressaltar o avanço das tecnologias possibilitando o atendimento
à distancia e ainda a experiência a ser computada como aproveitamento de estudos. São
conhecimentos adquiridos no fazer cotidiano da sala de aula, no tratamento dado aos
conteúdos, na vivência com pares, pais e alunos.
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Assim, a oferta de cursos de formação inicial em serviço pressupõe a
qualificação da pratica docente, principalmente frente ao quadro de precariedade que
incentivou a criação de tais cursos. Entretanto, considerando efeitos já possíveis de
serem percebidos, vemos que estes ainda são os de segunda ordem, sentidos nas
mudanças de vida dos professores, no acesso a determinados bens de consumo, antes
inacessíveis.
Os efeitos de primeira ordem, aqueles que provocam mudanças estruturais, ainda
não podem ser totalmente percebidos, visto que, apesar de nos discursos de
coordenadoras entrevistadas terem sido constatados vislumbres de efeitos de segunda
ordem, mais particulares, individuais, não é possível identificar mudanças que garantam
a qualidade da educação pretendida. Compreendemos que, mesmos quase 20 anos após
a promulgação da LDB 9.394/96 e da oferta de cursos em serviço, faz-se necessário um
tempo mais longo para que mudanças estruturais sejam percebidas.
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POLÍTICAS CURRICULARES E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ISTO E
AQUILO OU O MESMO?
Rita de Cássia Frangellaiii
Meyre-Ester B. de Oliveiraiii
Essa reflexão se desdobra de nossas trajetórias de pesquisa que se entrecruzam a partir
do compartilhamento de referenciais teóricos e do interesse no exame de políticas de
formação de professores e políticas curriculares. Nessa direção, busca-se analisar a
formação e as políticas curriculares como articulação, em meio à luta por significação,
na produção de políticas públicas, mobilizadas por uma falta comum: a qualidade da
educação. Argumenta-se que o deslocamento/deslizamento de significantes como
formação, currículo, avaliação e qualidade se articulam na produção de um discurso
pedagógico que significam o investimento na formação de professores como instituintes
de políticas curriculares. Assim, a formação de professores é articulada discursivamente
como uma demanda que visa a suprir a propalada ausência de qualidade, justificando,
por conseguinte, a necessidade de reformulação curricular. Nessa articulação discursiva
não se pode negligenciar os vínculos entre os significantes que compõem a tríade
currículo, formação e avaliação. Assentadas numa perspectiva discursiva que concebe
as políticas curriculares como produções político-discursivas nos propomos
problematizar a relação entre propostas de formação de professores e a produção de
políticas curriculares para a Educação Básica, analisando as demandas endereçadas à
formação, como desdobramento das reformas curriculares e de processos de avaliação
externa. As análises empreendidas em nossas pesquisas nos permitem discutir uma
alinhamento discursivo em que, visando assegurar direitos comuns a todos, alia-se
qualidade à igualdade. Que significação isso ganha nas políticas e de que forma dialoga
e impacta políticas de formação de professores? Defendemos uma produção
curricular/formação que se dê como processo democrático de negociação: articulando
diferenças, não vista como problema a ser eliminado, mas como possibilidade de
produção de outros sentidos plurais no debate de ideias.
Palavras-chave: Formação de Professores. Políticas Curriculares. Qualidade.
Introdução
A proposta de melhoria da qualidade da educação tem estado presente nos
discursos políticos nacionais desde a promulgação da constituição em 1988, sendo
ratificada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96) e,
posteriormente, nos Planos Nacionais de Educação aprovados para os decênios 2001-
2011 e 2014-2024, como uma meta a ser atingida. Em tais documentos é possível
perceber a articulação discursiva que conecta o discurso da melhoria da qualidade da
educação com reformulação curricular, formação de professores e avaliação.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
6831ISSN 2177-336X
Nesse alinhamento, a formação de professores é articulada discursivamente
como uma demanda que visa a suprir a propalada ausência de qualidade, diagnosticada
por intermédio de processos de avaliação externa, justificando, por conseguinte, a
necessidade de reformulação curricular. Tal argumento pressupõe que considerar os
vínculos entre os significantes que compõem a tríade currículo, formação e avaliação é
uma ideia potente na análise das políticas educacionais.
Diante disso questiona-se: Que significações permitem as articulações e
(re)alinhamentos entre avaliação, currículo e formação de professores como promessa
de garantia de qualidade?
Problematizar a partir dessa perspectiva pode potencializar uma análise do
processo político dessa relação e de projetos políticos-educacionais que, de forma clara,
vinculam propostas de formação como instituintes de propostas curriculares. Não se
trata de saber quem vem antes ou depois: formação ou currículo, mas de observar o
continuum de dois polos e as articulações nesse espaço entre.
A partir das questões que orientam a nossa reflexão organizamos o texto em três
seções. Na primeira apresentamos uma abordagem sobre a circularidade das políticas a
partir do conceito de redes de políticas proposto por Stephen Ball (2014) em diálogo
com a perspectiva discursiva da teoria do discurso de Ernesto Laclau (1998); na
segunda apresentamos algumas formações discursivas que tem sustentado no contexto
atual a tríade currículo, avaliação e formação de professores como promessa de superar
uma suposta falta de qualidade. E por fim, trazemos questões que emergem das
pesquisas desenvolvidas por nós e que nos permitem inferir sobre o que pomos em
análise: o alinhamento da formação de professores e produção currículo nas relações
estabelecidas com e a partir de uma cultura de testagem (Miller, 2014) que tem
articulado significações para essas.
Políticas de formação e currículo: complexificando uma concepção cíclica de política
No decorrer de nossa trajetória de pesquisa temos trabalhado tendo como
balizador a compreensão do processo de produção de políticas a partir da concepção
cíclica defendida por Stephen Ball.
Ao assumir a ideia de que políticas não são simplesmente implementadas, mas
resultam de processos mais complexos, envolvendo negociações, traduções e disputas
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
6832ISSN 2177-336X
de sentidos, Ball (1992, 2011) problematiza a leitura de base estrutural e operando com
enfoques pós-estruturais traz à tona a discussão da descentralização da lógica de poder.
Esse modo de entender ao mesmo tempo em que desloca a produção das
políticas do poder central, problematiza a ideia de que haja um centro fixo de decisão,
em favor de uma concepção que articula política à prática, num ciclo contínuo, que não
se esgota nos textos legislativos, mas que é traduzida e reinterpretada continuamente em
diferentes contextos, por diferentes sujeitos. Nesse registro a política deixa de ser algo
restrito a um poder central e passa a integrar o espaço social mais amplo, como as
próprias instituições educacionais.
A partir do entendimento de que o Estado não é mais o adro no qual as políticas
precisam ser analisadas, a trajetória do ciclo de políticas possibilita um olhar para o
contexto local, sem que se perca de vista os aspectos globais. Esse modo de interpretar
convida inicialmente a suspeitar da produção das políticas como um processo
hierárquico, bem como, a deslocar o papel da escola como o lugar da prática,
reconfigurando-o como instância produtiva, no qual os sujeitos reinterpretam,
hibridizam e formulam novos sentidos. Isso implica considerar a política como uma
construção cultural, instável e provisória, o que por sua vez, permite, ao mesmo tempo,
compreender como os sujeitos atuam na produção das políticas curriculares em
diferentes contextos, a articulação entre diferentes espaços/tempos e o entrecruzando
dos contextos macro e micro.
Em estudos mais recentes Stephen Ball tem usado o conceito de redes para
explicar que as políticas se movem ao redor do mundo e são recontextualizadas em
diferentes espaços/tempos. O que ele chama “de rede global de política educacional, é
um conjunto de relacionamentos ligados à política que agora se estendem pelo mundo e
adentram diferentes países, através dos quais se movem ideias políticas, tecnologias
políticas, pessoas e dinheiro” (AVELAR, 2016, p. 08). De acordo com Ball (2014), essa
rede não apenas significa que os atores privados estão participando do debate
educacional, mas que estão criando novas formas de governamentabilidade. Assim os
sentidos produzidos são “indicativos de uma nova ‘arquitetura de regulação’ baseada
em relações cruzadas entre diferentes lugares dentro e acima do Estado” (p. 61). Para o
autor não se pode deixar de considerar nos estudos sobre políticas educacionais no
Brasil o fenômeno do movimento transnacional de ideias políticas. Para Ball (In.
AVELAR, 2016, p.11)
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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é importante reconhecer que agora existe um conjunto mais
amplo de atores, que tem graus diferentes de impacto e
influência sobre políticas e, novamente, em países
desenvolvidos e em desenvolvimento em todo o mundo. Em
particular, diversas organizações filantrópicas e fundações.
O conceito de rede trazido pelo autor tem uma dupla inserção: rede como
método, técnica analítica e rede como dispositivo conceitual. Nessa duplicidade,
observa um novo espaço de produção de políticas, como novos agenciamentos que
tornam, numa relação complexa, opaca de interdependência e compartilhamento de
soluções/gerenciamento/operações que fluem por e ganham legitimidade nesse próprio
movimento de mobilidade. Não se trata de uma análise em que seja possível uma
ligação linear e com sujeitos/funções claras e definidas. Destaca-se para nós, nesse
momento, o argumento do autor acerca dos fluxos de políticas e nas análises que faz
discutindo novas formas de práticas e culturas organizacionais em linhas gerencialistas
e que trazem uma mudança de governo a governança, o que trabalha a partir do conceito
de performatividade e que, segundo o autor, vai constituindo-se um regime de verdade.
Acerca disso, discute como tais fluxos impactam na subjetividade docente
principalmente via o que, em diálogo com Ozga (2008 apud Ball, 2014) chama de um
regime de números. Os docentes precisam se tornar calculáveis e não memoráveis,
visíveis nesse regime de números que tem como ideia central a produtividade como
articuladora das ações. Assim, os “números” e seus usos como recursos de comparação
e indicação de melhoria/eficiência são importantes elementos “[d]os modos como os
estados monitoram, orientam e reformam seus sistemas educacionais”(Ball, 2014, p.70),
o que se cruza com a análise que Miller (2014), em texto em que discute a importância
das teorizações curriculares no debate educacional, faz considerando a necessária
arguição do currículo como mais que conteúdo a ser ensinado e medido na análise de
um contexto que chama de cultura de testagem,
Mas, diferente das configurações históricas, sociais e culturais do final
da década de 1960 e do início da década de 1970 que estimularam a
Reconceptualização e incentivaram os múltiplos ângulos de teorização
que informaram educação e suas investigações nas décadas seguintes,
produtores contemporâneos de testes de larga escala apropriaram,
diretamente, as áreas de finanças e contabilidade e seus rituais de
verificação. Esses produtores de testes, portanto, nunca parecem dar
valor a perguntas sem resposta que pontuam qualquer processo típico
de ensino e aprendizado ou qualquer processo subjetivo envolvido nas
complexidades que surgem no “entendimento do currículo”. Em vez
disso, adotando as culturas que caracterizam os campos de finanças e
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contabilidade — que incluem avaliações comparadas ao processo
financeiro de “auditoria”—, criadores de teste e aqueles que os
prescrevem desconsideram as nuances, os detalhes bagunçados das
vidas vividas. Suas abordagens diferem, em larga medida, de qualquer
entendimento de currículo como tudo que habita, permeia e ocorre
tanto dentro quanto fora da sala de aula. (p.2050-2051)
A autora defende e expõe sua trajetória de investimento na discussão na
teorização curricular em relação a subjetividade de professores e argumenta o quanto
essa se faz necessária como possibilidade de se opor a incessante insistência na certeza
(p.2056). De forma articulada, pensamos também que uma possibilidade de seguir a
mesma linha é o que fazemos ao articular a ideia de ciclo de políticas e redes de Ball a
perspectiva discursiva na teoria do discurso de Laclau (1998). Para o autor, todo ato
social é significado de forma discursiva com elementos linguísticos e extralinguísticos,
superando a dicotomia entre o discursivo e não discursivo. Daí, há a assunção da
política curricular com ato de significar, estancamento do fluxo de significação. Assim,
ao focalizar os fluxos discursivos operamos em nossas pesquisas de forma a
compreender a articulação de sentidos possíveis, que produziram uma equivalência
entre posições diferentes que permitem/sustentam um fechamento, uma fixação de
sentidos, ainda que de forma provisória e contingencial, um atravessamento no espaço
disjuntivo de enunciação que borra, apaga, constrange, refaz fronteiras postas em
negociação/articulação, observando o movimento de articulação para hegemonizar os
sentidos híbridos das políticas.
A formação de professores, currículo e avaliação: articulações discursivas
O desenvolvimento de avaliações em larga escala podem ser acompanhadas ao
longo das ultimas décadas. Observa-se o quanto passam a ocupar um papel central na
formulação de políticas educativas no país. É possível dizer que ...
o projeto de avaliacao em larga escala em desenvolvimento desde o
final da decada de 1980, desdobrado ao longo de vinte anos, e
reforcado a partir de 2005. Reforcado por receber importante
legitimacao a partir de acoes pragmaticas vinculadas ao rankeamento
de instituicoes, escolas, redes municipais e estaduais, a liberacao de
recursos, a valorizacao da “transparencia” para a sociedade e a
necessidade de qualificacao da educacao. Reforcado pela criacao de
novos indices e sistemas de selecao que valorizam os resultados de
outras avaliacoes, que instituem novos parametros de comparacoes
entre as instituicoes do sistema educacional. Pode-se levantar a
hipotese de que as politicas de avaliacao nao estejam presentes no
cenario educacional brasileiro simplesmente para produzir
comparacoes e emulacao, mas para responder a estrategias
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gerencialistas de modernizacao e racionalizacao voltadas para
resultados. (Werle, 2011, 790)
Diante disso, entender a avaliação como instrumento de análise curricular
efetiva-se como uma prática urgente na medida em que os professores acabam por
traduzir uma produção curricular tensionada em função do processo de avaliação e a
partir dela também são avaliados tendo em vista a busca pelo que Macedo (2012),
Lopes (2012) tem observado como significante vazio: qualidade da educação.
Esvaziamento que não implica falta de sentido, trata-se de um significante que se afasta
de conteúdos precisos para ser preenchido por diferentes demandas que se articulam na
luta pelo preenchimento de sentido, pela hegemonização desse. Na verdade, trata-se de
uma transbordamento, na medida em que, o significante vazio é fundamental nessa
concepção de produção político-discursiva como lugar onde diferentes demandas, por
vezes contraditórias, articulam-se e equivalem-se momentaneamente apagando as
diferenças que não deixam de existir, mas são excluídas na constituição da equivalência.
Ou seja, o vazio é o espaço da articulação hegemônica e luta política, ponto nodal de
articulação em que equivalência/diferença se movem nas articulações discursivas que se
tornam hegemônicas não pelo vazio de sentido, mas pelo seu excesso.
E o que se entende por qualidade? Não se trata de uma construção linear, de
correspondência biunívoca, mas o resultado das avaliações ao longo dos anos e seu
refinamento em termos de escopo de avaliação, parâmetros de comparação a índices
internacionais e vinculação a financiamentos, vai desenhando um cenário em que ao
sentido de qualidade, ainda que de forma antagônica, são associados a eficácia,
eficiência e equidade. Cria-se uma representação de qualidade a partir da tradução de
discursos que por vezes aproximam-se dos objetivos da avaliação, ora visando à
produtividade do ensino, ora por uma educação que promova transformação social.
Logo qualidade torna-se um termo ambíguo com funções significativas diferenciadas
dentro de um mesmo sistema discursivo, utilizada num arranjo estratégico para
significação política.
Para além da demanda comum por qualidade, podemos perceber um processo de
construção de significação articulados pela ideia de falta ou melhoria para atender a
uma delimitação discursiva que distingue “qualidade” e que se apresenta ressaltando as
estratégias utilizadas como possibilidade de aumento de qualidade da educação,
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6836ISSN 2177-336X
assumindo um modelo educacional, em que o currículo e a avaliação são os elementos
essenciais para o controle e a regulação social.
As avaliações são tomadas como indicadores de qualidade. Nesse processo,
num alinhamento discursivo que articula qualidade à igualdade, aqui vista como o
mesmo, há que se pensar estratégias para que se atinja qualidade e daí a defesa por uma
centralização curricular, tal como temos assistido com o investimento na formulação da
Base Nacional Comum Curricular e a articulação com a formação de professores.
Diferentes estudos tratam de tal vinculação, ainda que percorrendo caminhos distintos
de análise.
Leite (2014) argumenta que os discursos políticos sobre a educação são
produzidos no escopo de uma agenda de compromissos internacionais que endereçam
demandas para a formação. No âmbito das políticas de formação em Portugal a autora
assinala que há uma tensão entre os desafios postos pela profissão docente e os
discursos que apelam à qualidade, que por sua vez, pressionam o modelo de formação
inicial. Segundo afirma “neste séc. XXI, a avaliação das instituições e a ela associada a
ideia de qualidade tem constituído uma marca dos discursos políticos internacionais e
nacionais”(LEITE, 2014, p. 16-7).
Dorneles e Souza (2013) a partir de estudo de caso em que analisam no contexto
de uma escola pública no Sul do Brasil as relações entre formação continuada e
desempenho dos alunos em avalição em larga escala, apontam que na situação analisada
houve melhora e que investir na formação continuada é uma estratégia importante para
que haja melhora no desempenho dos alunos nessas avaliações.
Freitas (2012) em análise de um contexto que afirma ser marcado por um
neotecnicismo destaca que este se estrutura a partir de três categorias:
responsabilização, mecritocracia e privatização. Chama atenção para como
responsabilização e meritocracia estão interligadas e, como nos arranjos feitos, servem
ao propósito nefasto de minar as redes colaborativas de produção cotidiana das escolas,
bem como, ambiguamente corroboram e são atingidas pelo que chama de estreitamento
curricular, na definição de um conteúdo básico e produção de standards que permitem
alinhar qualidade a desempenho/ notas mensuráveis. Tal arranjo provoca uma série de
questões levantadas pelo autor. Dentre elas destacamos o que chama da destruição
moral do professor e que se articula com o que Ball chama de nova governança e os
impactos na subjetividade docente.
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6837ISSN 2177-336X
Outra questão destacada é a precarização da formação docente, uma vez que
para atender ao básico e aos standards o que se observa é um apostilamento das redes,
tornando os docentes dependentes de materiais didáticos estruturados e unificados, bem
como uma redução da formação a aspectos metodológicos. Isso nos liga ao que Macedo
(2012) vem discutindo acerca da diferença entre educação e ensino, e que abala a
qualificação dos professores, reduzindo-a instrumentalizar os professores a fazerem as
adequações, criações, necessárias as demandas locais. E aí percebemos que não se trata
apenas de abalar a qualificação no sentido do professor não tê-la, mas há uma rede de
significações em que a formação como parte dessa rede de políticas em fluxo, produz
efeitos e como tal, impactos e interações com outras políticas. Assim, se produzem
sentidos de currículo, docência, formação que se hegemonizam e se
articulam/demandam outros arranjos sociais.
Formação de professores para a educação básica – imbricamentos políticos-
curriculares
Na tentativa de analisar a própria formação de professores e de políticas
curriculares como demandas que se articulam num intricado jogo de duplicação
(FRANGELLA, 2016) nossa reflexão se desdobra das análises de duas pesquisas
vinculadas ao grupoiii do qual fazemos parte: a primeira se refere a um estudo sobre o
Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), tomado como política
curricular que gera demandas para a formação continuada de professores e, a segunda
pesquisa, que refere-se à formação do pedagogo numa instituição de ensino superior
norte-rio-grandense, cuja reformulação curricular comporta estreita vinculação com as
demandas postas pela melhoria da qualidade da educação.
A primeira pesquisa tem como objetivo principal discutir a imbricada relação
entre programas de formação de professores e a produção de políticas curriculares para
a Educação Básica, em especial, para os anos iniciais do ensino fundamental,
observando as demandas e articulações que instituem tais políticas, arguindo os sentidos
de currículo, formação e docência que se pretende hegemonizar e a tensão entre
demandas globais/locais, focalizando o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa – PNAIC, que consiste numa agenda formal entre os governos federal, estadual e
municipal, visando a “assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito
anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental” (http://pacto.mec.gov.br/o-
pacto). Tal compromisso não pode ser analisado de forma separada da política de
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6838ISSN 2177-336X
ampliação do Ensino Fundamental em nove anos, que por sua vez, traz à tona a questão
da alfabetização, focalizando como objetivos primordiais das etapas iniciais da
educação básica a aprendizagem da leitura e da escrita, em face dos dados nada
otimistas das avaliações. É possível observar uma estrutura encadeada por ações de
formação que se interligam necessariamente a práticas de avaliação universais e
produção curricular, não só apenas na estrutura do pacto, mas nas suas diretrizes
delineadas na portaria 867 de 4 de julho de 2012.
Na análise do material produzido sobre o Pacto, como nos cadernos de
formação, observa-se que na organização da formação há uma evidente preocupação
com a discussão curricular, na intenção da elaboração de princípios que orientem a
construção de propostas curriculares, num desdobramento do currículo como
planejamento, que vai se estendendo num sentido mais prático, em orientações do como
fazer, numa objetificação das ações, com prevalência na discussão de aspectos didático-
metodológicos e na organização do conhecimento (FRANGELLA, 2016).
A segunda pesquisa aborda a reformulação curricular nos cursos de pedagogia
de uma universidade estadual multicampi, situada no Rio Grande do Norte. Busca
compreender as demandas e articulações que tornaram/tornam possível a suposição de
uma necessária homogeneização das políticas curriculares na instituição,
problematizando a (im)possibilidade de fixação de uma identidade. Defende o
argumento de que o processo de reformulação curricular, tomando como base a ideia de
construção de uma proposta homogênea de formação entre os cursos ofertados nos
campi e núcleos da IES, se constitui como uma estratégia de articulação com vistas a
construir/manter um discurso hegemônico de unidade na instituição. Evidencia-se, no
processo de produção da proposta curricular, produções discursivas que subsidiaram a
elaboração alinhando reformulação curricular e avaliação como sinônimo de qualidade -
uma qualidade supostamente ausente que se faz necessário recuperar.
A versão oficial da proposta que passou a vigorar a partir de 2007 amplia a
formação do pedagogo para atuar na docência da educação infantil, anos iniciais do
ensino fundamental, educação de jovens e adultos e na gestão de processos educativos,
em espaços escolares e não escolares. De acordo com Braz (2007) as discussões em
torno da estruturação da proposta curricular tiveram como ponto de partida a análise das
necessidades formativas. O termo necessidade formativa é definido pela autora como a
diferença entre o estágio atual de desenvolvimento da formação e o estado desejado ou
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ideal. Nesse sentido, a necessidade é um problema a resolver; “é algo cuja ausência ou
deficiência provoca prejuízo ou cuja presença é supostamente benéfica.” (BRAZ, 2007,
p. 02).
Ao mapear as distâncias formativas entre as exigências do sistema educacional e
a IES, o estudo aponta uma discrepância entre a abrangência da formação e as
expectativas dos alunos, uma vez, que esta se restringe a formação do professor dos
anos iniciais. As exigências em relação a qualidade do curso também apresentam
comprometimento em face de uma intricada rede de fatores que envolve discentes,
docentes, gestão acadêmica, estrutura da universidade e estratégias de vínculo social.
Professores e alunos convergem na compreensão de que o Curso de Pedagogia
apresenta-se com um débito histórico em seu processo formativo: frágil formação
teórico-metodológica; desarticulação entre teoria e prática; e, dificuldade na
implementação de práticas formativas de cunho interdisciplinar (BRAZ, 2007, p. 07).
Em função dessa formação a autora destaca que ao final do curso é possível
vislumbrar um perfil de egressos que “[em] sua minoria, são alunos que apresentam
uma significativa formação teórica, identificam problemas socioculturais e
educacionais, compreendem como ocorre o processo de desenvolvimento e
aprendizagem das crianças, etc.” (BRAZ, 2007, p.06).
De acordo com pesquisa a qualidade do curso, “grande anseio de dirigentes,
professores e alunos do curso de Pedagogia”, passa necessariamente pelo planejamento
acadêmico e institucional, com a definição de metas, ações, avaliações e condições que
favoreçam o desenvolvimento do projeto pedagógico do curso de forma “dinâmica e
vigorosa”. “Acredita-se que, acompanhar e avaliar sistematicamente o novo currículo
favorecendo as possibilidades de harmonia no trabalho docente e a evolução acadêmica
dos alunos, poderá imprimir estratégias formativas que desenvolvam um diferencial
nesse contexto histórico” (BRAZ, 2007, p. 10).
Tal perspectiva concede à reformulação curricular e ao próprio currículo um
valor intrínseco de positividade, como se por si só fossem capazes de desencadear as
mudanças, garantindo o alcance dos objetivos propostos. Nos termos dos processos de
hibridismo e tradução cultural, as políticas curriculares e os projetos pedagógicos dos
cursos são atravessados por saberes e valores outros que terminam por ressignificar seu
hibridismo de origem, mediante sucessivas e contínuas práticas de tradução cultural que
rasuram e, mesmo, impedem a possibilidade de construção de uma identidade
fundacional fixa.
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Assim, temos observado a criação de uma rede interligada de formação
continuada de professores, atendendo a reinvindicações e dispositivos legais, atrelada a
produção de políticas curriculares na rede. Com efeito, a formação se põe a serviço da
política curricular, não como espaço de reflexão e recriação, tradução da proposta, mas
de forma a garantir a instituição dessa na prática cotidiana. Prevalece uma idéia de que a
formação, por meio da apreciação/incorporação dos modelos oferecidos, se encarregará
de implementar o currículo, tendo como mobilizadora dessas ações, a busca pela
qualidade na educação, tendo sua ausência evidenciada e regulada pelas avaliações.
Nesse prisma, podemos pensar as relações entre formação de professores e
políticas curriculares como estando sob rasura, e sob rasura, formação e currículo se
duplificam e se articulam, o que evidencia o jogo político na produção das políticas.
Contudo, ao pormos tal questão em discussão, problematizamos o sentido de
qualidade que vai se desenhando via avaliação. O que percebemos é que qualidade
alinhada a igualdade vai delineando uma compreensão de que é preciso definições e
protocolos comuns a todos, o mesmo para assegurar um horizonte de equidade. Nossa
defesa é por uma produção curricular/formação que se dê como processo democrático
de negociação: articulando diferenças, não vista como problema a ser eliminado, mas
como possibilidade de produção de outros sentidos no debate de ideias, construindo
formas coletivas de deliberar sobre a dinâmica de projetos educativos. Não se trata de
binarismos - isto ou aquilo, mas o nem lá nem cá, isto e aquilo, a possibilidade de
espaços híbridos de elaboração e negociação com demandas locais, com a diferença.
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