elitismo sob perspectiva: observações sobre o processo de sistematização do conhecimento sob a...
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Resenha crítica elaborada em torno da análise das proposições do elitismo. (Conceito máximo)TRANSCRIPT
Universidade Federal de Alagoas
Ciências Sociais Bacharelado
Fillipi Lúcio Nascimento da Silva
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O elitismo – ou teoria das elites – surge trazendo consigo uma proposta
inerente à analise das dinâmicas sociais, fundamentada numa concepção que toma
a(s) sociedade(s) por um caráter dual: uma minoria organizada em contraposição a
uma maioria desestruturada. É uma proposição que nos conduz a entender o
processo de sistematização do conhecimento sobre a lógica dos fenômenos
políticos. Dado este seguimento, destacam-se os italianos Gaetano Mosca e Vilfredo
Pareto, e o alemão Robert Michels, como precursores da teoria elitista; esta, num
sentido lato, compreende que “em toda sociedade existe sempre e apenas uma
minoria que, por várias formas, é detentora do poder, adversa a uma maioria que
dele está privada” (BOBBIO, 2002).
Neste trabalho, trataremos de expor as diversas acepções aplicadas ao termo
elite, assim como os métodos “adequados” à observação dos fenômenos políticos –
sob a ótica dos autores elitistas – e salientar aspectos relevantes, característicos de
cada autor, numa abordagem crítico-reflexiva.
Gaetano Mosca e a análise das classes dirigentes
Gaetano Mosca (1858 – 1941) foi um cientista político, filósofo e jurista
italiano, também um dos precursores da teoria das elites.
As considerações de Mosca emergem tanto da observância das dinâmicas sociais,
nas mais diversas sociedades – como anteriormente ressaltado –, e no processo
“taxológico” da ciência política, quanto na constituição de uma crítica às formas de
governo propostas por Aristóteles – monarquia, oligarquia e democracia –, levando-
se em consideração que os argumentos que fundamentam sua teoria elitista, tem
como liga, a idéia de que só há uma única forma de governo, exercida pela classe
política, a oligarquia.
Mosca e a definição das classes políticas
Mosca concebe que todas as sociedades são divididas em dois grupos: em
governantes – a classe dirigente, uma minoria organizada detentora do poder –; e
em governados – as massas, uma maioria desorganizada privada deste mesmo
poder. A classe dirigente exerce as funções políticas, não apenas no âmbito
governamental, mas também nas dinâmicas social, econômica, educacional e
religiosa, sob o monopólio do poder. As massas, por sua vez, são dominadas,
governadas, pois não possuem os meios de governo dada sua desorganização.
Neste sentido, Mosca propõe que haja uma legitimização da ação das elites,
garantida pelas massas – em “Teorica dei governi e governo parlamentare” (1884), o
autor afirma que, tanto a democracia, como o socialismo e o parlamentarismo, são
construtos político-teóricos, utópicos, que servem para dar esta legitimidade ao
poder do qual a classe política é detentora.
Elitismo sob uma perspectiva democrática
É possível que algum individuo das massas acenda à classe de elite? Para
Mosca, sim, considerando os processos de especialização e de valorização de
atributos que permitam a este mesmo sujeito, exercer poder – sob tais aspectos,
observemos que quando indivíduos das massas, que ingressam nesse processo,
trazem consigo a proposta de defender os interesses da maioria, eles, não
necessariamente formam outra elite visando defender interesses próprios, ou seja,
esses indivíduos “não formam um grupo descolado das massas”; esta é uma
concepção que está fora da perspectiva elitista. Esta observação nos conduz à
análise do elitismo por uma via democrática.
Pensar o elitismo por um eixo democrático – e, neste pensamento, ênfase nas
proposições schumpeterianas –, por exemplo, é pensar na participação efetiva de
membros de outras classes sociais, sob a “autorização” da oligarquia, na reprodução
do poder. Este último processo, também pode se dar por vias aristocráticas, contudo
estas substituições de indivíduos ocorre dentro das próprias elites.
As “elites políticas”
Toda obra de Mosca, gira em torno das elites políticas, embora o próprio autor
não utilize o termo elite – e em “Elementi di scienza politica” (1896), o autor justifica
o desuso do da palavra “elite”, alegando que esta, traz com ela a concepção de que
todo aquele que detém o poder, possui os melhores elementos da sociedade –, mas
sim classe dirigente, uma minoria onde os indivíduos que a constituem, possuem
caracteres valorizados socialmente, que os distinguem das massas,
E ainda na análise dos fenômenos políticos, Mosca apreende dois processos
de modificação operacional da sociedade: a autocracia e a destituição consensual
passiva das elites por meio das massas. No primeiro caso, tem-se em vista que a
autocracia fundamenta-se na classe dirigente, considerando que sob o princípio
organizacional, o agente – o autocrata – não pode ser arbitrário à classe dirigente.
No segundo caso, por mais que as massas acreditem que possam destituir a elite,
sob o princípio de proteção jurídica, há de surgir uma nova elite que exerça o
governo.
Com Mosca, a problemática da legitimização do poder converge na
elaboração de fórmulas políticas. São estas fórmulas que justificam o governo das
classes políticas; sendo suscetíveis à não aceitação por parte dos governados,
resultando na constituição de uma nova classe política, com novas fórmulas
políticas, “admissíveis”, que justifiquem seu governo. O autor salienta que estas
fórmulas não consistem em puro discurso demagógico, todavia são baseadas em
preceitos de ordem racional ou religiosa.
Acerca dos princípios norteadores das classes políticas, Mosca propõe o
aristocrático, próprio das classes dirigentes aristocráticas, ascendentes; e o liberal,
advindo das classes políticas democráticas, descendentes. O autor também
considera – e apóia – que possa haver um sistema misto: aristocracia e democracia
ao mesmo tempo.
Vifredo Pareto e a noção de sociedade
Vilfredo Pareto (1848 – 1923) foi um sociólogo, político e economista italiano,
também considerado precursor da teoria elitista.
Assim como Mosca, Pareto também ingressa no processo de sistematização do
conhecimento no desenvolvimento da ciência política – podemos destacar como
uma das contribuições paretianas, a proposição do método lógico-experimental,
onde a observação do mundo real permite a produção de hipóteses, teorias, de
forma postas em confronto com os fatos.
As teorias de Pareto assumem uma feição muito mais sociológica do que
política por assim dizer, pois sua obra coopera na consolidação da sociologia como
disciplina “ao estatuto de ciência” – o que não quer dizer que na ciência política não
tenha ocorrido o mesmo. Para Pareto, o objeto de estudo da sociologia consiste na
identificação das regularidades, denominadas leis; neste sentido, para o autor, a
sociologia como ciência, deve apenas estabelecer relações sob a empiria, a
experiência – percebe-se que Pareto “hesita” em atribuir este caráter utilitário à
ciência, pois para o autor, esta, independentemente de sua utilidade, visa sempre
encontrar a verdade.
A sociedade sob a ótica paretiana
Enquanto Mosca se propõe, em toda a sua obra, analisar as minorias
políticas, Pareto concebe uma idéia sistemática do tema, ou seja, o autor admite a
sociedade como um sistema em equilíbrio, de modo que por sistema, entende-se um
todo coerente, consolidado, formado de partes interdependentes, onde a mudança
em qualquer parte afeta as outras e seu conjunto. Pareto alega que “dentro de cada
sociedade existem forças que tendem a manter a forma ou a configuração
alcançada pela sociedade, ou que assegurem uma transformação contínua, sendo
que, neste ultimo caso, o equilíbrio é dinâmico. Ainda dentro da forma geral do
equilíbrio, Pareto afirma que, se um dado sistema social fosse sujeito a pressões de
forças externas, as forças internas da própria sociedade se manifestariam no sentido
da restauração do equilíbrio” (LAKATOS, 2009).
É importante perceber que para Pareto, independentemente de suas
localizações históricas, o estado de um sistema social delimita-se sob determinadas
condições, sejam elas físicas extra-humanas – o clima, o solo, a fauna, a flora –, ou
elementos externos à sociedade observada – outras sociedades –, ou ainda,
elementos internos – conhecimentos, sentimentos e interesses, manifestados na
forma de resíduos ou derivações.
Pareto entende por “resíduo”, impulsos – “instintos”, nas palavras do próprio
autor – simples, presentes em todas as sociedades, onde os indivíduos que as
compõem, expressam sob manifestações sentimentais. Pareto classifica os resíduos
em “instinto das combinações” – combinações em geral; combinações de coisas
análogas ou opostas; ação misteriosa de certas coisas e de certos atos;
necessidade de unir os resíduos; necessidade de desenvolvimentos lógicos; fé na
eficácia das combinações –, “persistência dos agregados” – persistência das
relações de um homem com outros homens e com lugares; persistência das
relações entre os vivos e os mortos; persistência das relações de um morto e das
coisas que eram suas enquanto vivo; persistência de uma abstração; persistência da
uniformidade; sentimentos transformados em realidade objetiva; personificações;
necessidade de novas abstrações –, “necessidade de manifestar os sentimentos
com atos externos” – necessidade de agir manifestando-se através de combinações;
exaltação religiosa –, “resíduos em relação à sociabilidade” – sociedades
particulares; necessidade de uniformidade; piedade e crueldade; impor-se um mal
pelo bem de outros; sentimentos de hierarquia; ascetismo –, “integridade do
individuo e suas dependências” – sentimentos que se contrastam com alterações do
equilíbrio; sentimentos de igualdade dos inferiores; restauração da integridade com
ações dos indivíduos cuja integridade foi ferida; restauração da integridade com
ações de quem a ofendeu – e, finalmente, a “influência do apetite sexual e hábitos
de pensamento”.
Por “derivações”, Pareto compreende ideologias e teorias, justificativas
utilizadas pelos indivíduos no que tange às “afirmações” – fatos experimentais ou
imaginários; sentimentos; misto de fatos e sentimentos –, à “autoridade” –
autoridade de um homem e de vários homens; autoridade da tradição, de usos e de
costumes; autoridade de um ser divino ou de uma personificação –, à “concordância
com sentimentos, ou com princípios” – sentimentos; interesse individual; interesse
coletivo; entidade jurídica; entidade metafísica; entidade sobrenatural – e às “provas
verbais” – termo indeterminado para indicar uma coisa real, e coisa indeterminada
correspondente a um termo; termo que indica uma coisa e que dá origem a
sentimentos acessórios, ou sentimentos acessórios que escolhem o termo; termo
com vários sentidos, e várias coisas com um só termo; metáforas, alegorias,
analogias; termos dúbios, indeterminados, que não têm correspondência na
realidade.
No aspecto concernente ao campo das ações humanas, Pareto admite dois
tipos principais: o lógico, onde os fins são atingíveis e há adequação dos meios para
atingi-los; e o não lógico, onde os fins são inatingíveis ou não há nenhum fim, e a
utilização dos meios se faz inadequada.
Pareto e as elites
Pareto compõe a concepção de que em todas as esferas da atuação humana,
há sempre indivíduos que se destacam dos demais, seja por seus dons ou
qualidades superiores. Estes indivíduos constituem uma minoria que se distingue do
restante da sociedade; uma elite. O termo “elite” surge com Pareto, e não é atribuído
apenas às minorias políticas, mas a qualquer grupo que se destaca em sua
atividade específica, ou seja, pode haver uma elite econômica, uma elite religiosa,
uma elite militar e até uma elite de ladrões.
O autor expõe que estas elites estão suscetíveis à substituição, num processo
contínuo chamado “circulação de classes”. Quando este processo chega ao seu fim,
ou se torna muito lento, observa-se uma degeneração da elite governante. Esta,
acumula elementos de qualidade inferior, ao mesmo tempo em que a classe inferior
adquira traços de superioridade. Neste sentido, configura-se um quadro de
perturbação, de crise, fazendo com que a elite governante seja derrubada, via
revolução.
Pareto concorda que em todas as sociedades, existe de fato, uma luta
constante da elite governante e os demais grupos, que do poder estão isentos. Esta
idéia não corresponde à idéia marxista de luta entre classes, pois se trata de uma
luta entre elites; uma luta incessante e independente das demais classes sociais,
dado que ainda assim observaria a formação de elites. Desta forma, poderíamos
pensar que uma revolução socialista seria vista como um processo de substituição
de uma elite capitalista burguesa, por uma elite socialista; tal regime não seria
igualitário, pois, semelhante aos demais, também seria regido por uma elite.
Pareto e a proposta democrática
Quanto à idéia de um governo democrático, ou seja, de um governo das
massas, Pareto se mostra adverso. O autor considera que todo governo é
constituído de uma minoria, e ainda que seja imposto o sufrágio universal, este não
seria capaz de alterar o quadro. Semelhante a Mosca, Pareto sustenta que a teoria
democrática, tem como função suscitar a esperança dos indivíduos das classes
inferiores. Esta teoria, por outro lado, fundamenta o argumento retórico utilizado
pelas minorias, de modo à angariar o apoio das massas, na busca pelo poder. E
galgados de poder, os ideais democráticos legitimam essa minoria.
Robert Michels e o governo democrático inviável
Robert Michels (1876 – 1936) foi um sociólogo alemão, que igualmente a
Mosca e Pareto, contribuiu na constituição do elitismo.
Se com Pareto, a democracia não passa de um fator legitimador das minorias à
ascensão ao poder, Michels, por sua vez a elege como seu principal objeto de
preocupação. “Democracia” e “organização” são as palavras que permeiam toda a
obra deste autor, pois ele acredita piamente que não há democracia sem
organização; a democracia é essencial no processo de reconhecimento social de
uma classe. Tal concepção se mostra verdadeira ao observarmos, por exemplo, a
classe operária. Outro aspecto saliente na obra de Michels consiste na proposta de
que em toda organização há uma tendência à oligarquia, pois para o autor, “a
organização é a fonte de onde nasce a dominação dos eleitos sobre os eleitores,
dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os que delegam. Quem
diz organização diz oligarquia” (MICHELS, 1982)
Governo das massas: idéia inviável
Considerando o grande desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a
complexificação das sociedades, Michels julga a idéia de governo das massas, sob
o ponto de vista técnico, totalmente inviável; o autor se baseia na concepção de que
quanto maior for a organização, sua estrutura e a massa que a ela está ligada, maior
será o processo de “desdemocratização”. Ao invalidar as individualidades, as
responsabilidades e o poder de raciocínio, Michels acredita que as massas estão
mais sujeitas à manipulação – patologia das massas –, o que não ocorre em
pequenos grupos de pessoas; uma vez que os indivíduos, componentes da massa,
se sentem menos responsáveis pelas decisões da coletividade. E no desinteresse
pelas questões políticas, as massas vêem a necessidade de eleger líderes, chefes,
responsáveis pela tomada de decisões importantes. A partir do momento em que as
tarefas desempenhadas por estes líderes eleitos se tornam mais complexas, e as
decisões a tomar se fazem mais específicas e urgentes, há também, uma exigência
à especialização; é esta, o elemento diferenciador entre indivíduo eleito e a massa,
tornando-os autônomos.
Michels também compreende que estes mesmos indivíduos, eleitos,
especialistas, ao se reconhecerem como “indispensáveis” à organização, tendem a
permanecerem nos cargos por longos períodos de tempo, como um “direito
conquistado”; intercedendo em suas sucessões, reservando-as aos seus herdeiros.
Neste sentido, observa-se a prevalência de práticas despóticas e de favorecimento,
nunca a do mérito, ou eleições. Ainda sob este panorama, nota-se o surgimento de
indivíduos desejosos do poder – aspirantes –, e que buscam assumi-lo justamente
denunciando aquelas práticas, propondo-se a defender os direitos da massa – os
mesmos direitos que violariam, uma vez que tivessem alcançado o poder. Em
“sociologia dos partidos políticos” (1982), Michels afirma que esta democracia (...)
“tal como propalada, se tornara impraticável”.
O autor ainda ressalta que por mais que perfeito posse a forma de
igualitarismo proposta pelo estado socialista, este não fugiria à regra, por ser um
“estado dos socialistas” e não das massas proletárias. Para Michels, “a vitória do
socialismo, não será a do socialismo que perecerá no mesmo momento em que
triunfarem seus partidários”.