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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZONAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA DOUTORADO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA PÓLO – UFPA ELIANE MARIA PINTO PEDROSA O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA E DE MATEMÁTICA EM CURSO TÉCNICO INTEGRADO PARA JOVENS E ADULTOS: concepções e ações da formação BELÉM – PA 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZONAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA DOUTORADO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA PÓLO – UFPA

ELIANE MARIA PINTO PEDROSA

O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA E DE MATEMÁTICA EM CURSO

TÉCNICO INTEGRADO PARA JOVENS E ADULTOS: concepções e ações da

formação

BELÉM – PA 2015

ELIANE MARIA PINTO PEDROSA

O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA E DE MATEMÁTICA EM CURSO

TÉCNICO INTEGRADO PARA JOVENS E ADULTOS: concepções e ações da

formação.

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática- REAMEC - UFMT, UFPA, UEA -, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação em Ciências e Matemática, sob a orientação da Professora Doutora Rosália Maria Ribeiro de Aragão.

BELÉM – PA

2015

P372e Pedrosa, Eliane Maria Pinto.

O ensino de ciências da natureza e de matemática em curso técnico integrado para jovens e adultos : concepções e ações da formação / Eliane Maria Pinto Pedrosa. — 2015

223f. ; 30 cm.

Orientadora: Rosália Maria Ribeiro de Aragão.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, Cuiabá, 2015.

Inclui bibliografia.

1. Ensino de Ciências da Natureza e de Matemática. 2. . Currículo integrado.. 3. PROEJA. I. Título.

ELIANE MARIA PINTO PEDROSA

O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA E DE MATEMÁTICA EM CURSO

TÉCNICO INTEGRADO AO MÉDIO PARA JOVENS E ADULTOS: concepções

e ações da formação.

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática- REAMEC - UFMT, UFPA, UEA -, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação em Ciências e Matemática.

Aprovada em 25/08/2015

COMISSÃO EXAMINADORA:

Profa. Dra. Rosália Maria Ribeiro de Aragão

Orientadora

Prof. Dr. Dionísio Burak

Examinador Externo

Profa. Dra. Sheila Costa Vilhena Pinheiro Examinador Externo

Profa. Dra. Terezinha Valim Oliver Gonçalves Examinador Interno

Profa. Dra. Edna Lopes Hardoim Examinador Interno

__________________________________________

Profa. Dra. Gladys Denise Wielevsky Suplente

__________________________________________

Profa. Dra. Marisa Rosâni Abreu da Silveira Suplente

À Letícia, Filha Amada, presente de Deus, que me inspira a escrever a Tese do Amor Incondicional...

A Henrique (in memorian) e Maria do Carmo PintoPedrosa, não por serem

MEUS PAIS, mas pelos PAIS que São: Doutores em tanto Exemplo, tanta Dedicação, tanta Luta, tanto Amor.... Essa história só foi possível porque vocês

tiveram a coragem de dar o passo inicial.... Obrigada PAIS AMADOS!!!

AGRADECIMENTOS

Acredito como Larrosa que somos ritos de uma história, território de passagem, e, por

isso, acredito, também, que não nos aproximamos, não nos conhecemos e não

vivenciamos essa Experiência/História por acaso. Havíamos muito ao que compartilhar,

ao que construir /descontruir/e continuar.

A DEUS que me permitiu fazer este percurso, realizar este sonho e poder, hoje, estar

aqui dividindo com tantas pessoas, que direta ou indiretamente, contribuíram com a

travessia e a chegada.

À Professora Dra. Rosália Maria Ribeiro de Aragão pelo exemplo de Profissional e de

Ser Humano que encarnam o seu Ser Orientadora. Só os sábios, os que se dispõem

a acreditar no outro e os que amam o que fazem conseguem esse alcance. Tê-la como

Orientadora e Amiga é um privilégio e uma conquista de grande valor. Obrigada

Mestra Querida por ter me enriquecido com sua sabedoria, compromisso e

generosidade!

Aos Professores Formadores do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências

e Matemática - REAMEC que acrescentaram qualidade à minha trajetória acadêmica e

profissional, em especial, Rosália Maria Ribeiro de Aragão, Terezinha Valim O.

Gonçalves, Francisco Hermes Santos da Silva, Maria de Fátima Vilhena da Silva,

Marisa Rosâni Abreu da Silveira, Licurgo Peixoto de Brito, Jerônimo Alves, Isabel

Cristina R. de Lucena, José Moysés Alves, Tadeu Oliver Gonçalves.

Aos Professores da Banca de Qualificação, Dr. Dionísio Burak, Dra. Terezinha Valim

Oliver Gonçalves, Dra. Sheila Costa Vilhena Pinheiro, Dra. Edna Lopes Hardoim, Dra.

Gladys Denise Wielevsky, Dra. Marisa Rosâni Abreu da Silveira, pelas contribuições a

este trabalho.

À REAMEC, pela possibilidade de potencializar a tantos profissionais inquietos,

comprometidos e competentes a oportunidade de pesquisar sobre a Educação/Ensino em

Ciências da Natureza e da Matemática na região Amazônica, espaço carente de

oportunidades e tão rico de possibilidades. Não poderia deixar de situar a Professora

Dra. Marta Darsie, a Professora Dra. Terezinha Valim, a Professora Dra. Rosália

Aragão, a Professora Dra. Gladys Wielevsky, e tantos outros.

Ao Professor José Ferreira Costa, ex-Reitor do IFMA, pela iniciativa e compromisso em

assegurar a parceria da instituição na empreitada de formar doutores pela REAMEC, e à

Professora Dra. Déa Nunes Fernandes que fez o anúncio e nos incentivou para participar

quando esta Rede ainda estava em seu nascedouro, como um pequeno embrião.

Obrigada!!!

Aos Amigos da Turma de Doutorado e dos que conheci no Programa, pela experiência

vivenciada e pelas trocas férteis que oportunizaram aprendermos juntos nesta

caminhada. Queridos Rafael, Cristiane, Inês, Emerson, Luís Rocha, Zenilda, Rose Jucá,

Ivanete, Osvando, Paulo, Marcelo, Elisângela, Conceição Gemaque, France, Campos,

Ana Cristina, vocês são parte da riqueza traduzida em sentimentos de zelo, carinho,

respeito e amizade que o percurso deste doutorado me permitiu acumular. Obrigada pela

convivência carregada de sentido!

Aos amigos-irmãos Fábio e Lusitônia, também da Turma do Doutorado, pelas

presenças, palavras, ouvidos e corações incomparáveis, que traduziram na prática o

verdadeiro sentido da palavra companheirismo e amizade. Jamais esquecerei o que

vivemos juntos, o que choramos juntos, o que sorrimos juntos, e o quanto aprendemos e

crescemos um com o outro!

Aos funcionários da REAMEC/Polo UFPA, especialmente ao Marcos no início do

percurso e a Carla no final da caminhada, pela disponibilidade, afetividade e apoio

competente.

À Pedagoga Fátima Pavão e Professores Airton - Coordenador do Departamento -,

Marcelino e Péricles, do Departamento de Eletrotécnica do IFMA/Campus São Luís-

Monte Castelo, que no compartilhar minucioso sobre o Curso de Eletrotécnica me

permitiram apreender concepções e ações imprescindíveis para esta tese.

Aos Docentes das disciplinas de Ciências da Natureza e de Matemática - Kiane, Fábio

Sales, Maria do Carmo e Eduardo - pela surpreendente e comovente disposição em

colaborar na investigação. O companheirismo e o respeito mútuo nos fortaleceram.

Aos Sujeitos da EJA, Estudantes do Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao Médio

/PROEJA/IFMA/Campus Monte Castelo, por terem comigo compartilhado seus sonhos,

seus projetos, experiências e desafios, desvelando nesse percurso a luta e a esperança

por uma educação que lhes abram novos horizontes.

Aos Irmãos, Graça (in memorian), Rejânia, Elinete, Beta, Edine, Júnior, Márcio,

Marcelo e Flaviane, pela grande torcida e apoio, sempre, em tudo.

Aos amigos da torcida incomparável, da espera paciente, da presença vigilante e

contida, do carinho e amizade verdadeira: Lélia Moraes, Leônidas Lopes, Francisca

Lima, Marli de Jesus, Penha, Mércia, Déa Fernandes, Marise Carvalho, Alberes,

Fernanda Cristina, Pedro, Ângela Lacerda, Edna Arrais e Doval, Maria Alice, Joel... e

tantos outros.

Sejamos pessimistas na inteligência e otimistas na vontade. O pessimismo da inteligência não quer dizer que nada daria certo. Ao contrário, significa sermos capazes de identificarmos situações adversas para não criarmos mitos. Enquanto o otimismo da vontade é a reunião da energia que nos alimenta para perseguirmos a utopia e novos caminhos. Gramsci

RESUMO

Esta é uma tese de doutorado em que me debrucei a compreender as concepções e ações que têm sustentado o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, frente aos desafios da formação integrada, sob o pressuposto do currículo integrado, formalmente expresso para Cursos Técnicos Integrados ao Médio/PROEJA. O apreender concepções e ações do ensino de Ciências da Natureza e da Matemática, em Curso Técnico Integrado/PROEJA remete a considerar que este é um objeto de investigação em que se entrecruzam diferentes campos de estudo, posto que cada um traz as contribuições de seus referenciais para enriquecimento do processo investigativo desenvolvido. Trago como esteio para as interlocuções teóricas com as informações capturadas dos sujeitos da pesquisa, contribuições no campo da EJA e PROEJA, de Currículo, de Currículo Integrado na perspectiva da relação trabalho e educação e de ensino de Ciências da Natureza e de Matemática. Desenvolvi uma pesquisa qualitativa, na modalidade narrativa buscando apreender concepção e ações por meio dos relatos, das histórias declaradas pelos sujeitos que ensinam/vivenciam o ensino nestes campos de conhecimentos, no contexto singular do Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado/PROEJA, do IFMA, Campus São Luís/Monte Castelo. Por meio de entrevistas semiestruturadas coletei material empírico junto a 4 (quatro) docentes que ministram as disciplinas: Química, Biologia, Física e Matemática e 1 (um) pedagogo do Curso. Com 8 (oito) estudantes, selecionados por terem frequência satisfatória e disponibilidade de participação, utilizei a técnica do grupo focal, abrindo espaço para que, no uso da fala em debate, cada um falassem de suas experiências no ensino nos campos de conhecimentos investigados. Usei o diário de campo para enriquecer e ampliar os dados da investigação. O material empírico construído ao longo da investigação foi analisado, rigorosamente, por meio da análise textual discursiva. As recorrências e singularidades apreendidas nas narrativas dos sujeitos investigados, em cruzamento com o problema de pesquisa para explicitar a tese deram origem a três categorias de análise, a saber: Planejamento Coletivo e Formação Continuada; PROEJA e Currículo Integrado; Ensinar/Vivenciar o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, as quais compõem a seção denominada Tecendo Fios para Compreensão das Concepções e Ações do Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática: aproximações e distanciamentos. Os resultados apontam concepções e ações que se aproximam e se distanciam dos pressupostos, princípios e fundamentos do proposto pela formação integrada em um currículo integrado. Concepções de planejamento coletivo e de formação continuada como processos importantes para viabilizar possibilidades que se direcionem à formação anunciada se expressam. A concepção de Ciência e de conteúdos escolares de Ciências da Natureza e de Matemática em uma visão não positivista se manifesta. O aluno como sujeito que possui saberes e experiências que devem ser aproveitados no processo de ensino é evidenciado. Por outro lado, expressam-se insuficientes espaços-tempo formalmente institucionalizado na jornada de trabalho para planejamento coletivo e formação continuada. Parte de ações de perspectivas integradoras fica dependente de iniciativas e determinações individuais. Palavras-chave: Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática; Currículo Integrado; PROEJA.

ABSTRACT

This is a doctoral thesis in which leaned to understand the concepts and actions that have sustained the teaching of natural sciences and mathematics, and the challenges of integrated training under the assumption integrated curriculum, formally expressed to the courses Integrated Technical medium / PROEJA. The grasp concepts and actions of Natural Science and Mathematics Education, Ongoing Integrated Technical / PROEJA refers to consider that this is a subject of investigation in that cross different fields of study, since each brings the contributions of its reference to enrich the investigative process developed. Bring as mainstay for the theoretical dialogues with the captured information of research subjects, contributions in the field of adult education and PROEJA, Curriculum, Curriculum Integrated in the context of labor relations and education and teaching of Natural Sciences and Mathematics. Developed a qualitative research, narrative mode seeking to understand through reports, the stories reported by the subjects they teach / teaching experience in these fields of knowledge, in the singular context of the Technical Course in Integrated Electrical / PROEJA, the IFMA, Campus St. Louis / Monte Castelo. Through semi-structured interviews collected empirical material at the four (4) teachers who teach subjects Chemistry, Biology, Physics and Mathematics and the teacher (1) of the course. With eight (8) students selected to have satisfactory attendance and to have availability to participate, I used the technique of focal group, making room for that in the use of speech in debate, everyone could talk about their experiences in teaching in the fields of investigated knowledge. I used the diary to enrich and expand the research data. The empirical material constructed along the research was analyzed rigorously by discursive textual analysis. Recurrences and singularities seized in the narratives of the subjects in junction with the research problem to explain the thesis gave rise to three categories of analysis, namely: Collective Planning and Continuing Education: possibilities and limits of a route start; PROEJA and Integrated Curriculum: similarities and differences; Teaching / Experiencing Teaching of Natural Sciences and Mathematics: potential and contradições. The results show conceptions and actions that approach and distance themselves from the assumptions, principles and fundamentals of the proposed integrated training in an integrated curriculum. The concepts of collective planning and continuing education as key processes to enable possibilities that direct the formation announced are expressed. The design of Science and school subjects of Natural Sciences and Mathematics in a non-positivist view manifests itself. The student as a subject that has knowledge and experience that should be used in the teaching process is evidenced. On the other hand, express yourself insufficient time-spaces formally institutionalized in the work day to collective planning and continuing education. Part of integrative perspectives actions are dependent initiatives and individual determinations. Keywords: Teaching of Natural Sciences and Mathematics; Integrated curriculum; PROEJA.

LISTA DE SIGLAS

BCN - Base Comum Nacional

CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEFET-MA – Centro Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão

EJA - Educação de Jovens e Adultos

IFMA - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão

IFETs - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia

PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência

PROEJA - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação

Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos

PRONATEC- Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

REFPT - Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica

SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SUMÁRIO

TECENDO FIOS PARA UMA BREVE INTRODUÇÃO .................... 11 Situando o Objeto de Estudo ..................................................................

15

Delineando a Pesquisa no Âmbito da Tese que Defendo .......................

30

I - TECENDO FIOS PARA COMPREENSÃO DO PERCURSO METODOLÓGICO: um processo de mutualidade ................................

34

Cenário e Sujeitos: Onde e Com Quem Construo a Tese ....................... 35

A Metodologia de Pesquisa ..................................................................... 47

Coletando os Dados Junto aos Sujeitos do Curso ................................... 52

Entrevistando o pedagogo e os docentes ................................................ 52

Construindo as informações junto aos estudantes ................................... 56

Transcrição e Interpretação dos Dados Constituídos nesse Percurso .....

61

II - TECENDO FIOS PARA COMPREENSÃO DO FOCO DA TESE: (im) possibilidades que se gestam ...........................................................

63

Da EJA ao PROEJA ................................................................................

64

O PROEJA e a Formação Integrada.......................................................

70

O Currículo Integrado e o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática ..........................................................................................

82

III- TECENDO FIOS PARA COMPREENSÃO DAS CONCEPÇÕES E AÇÕES NO ENSINO DAS CIÊNCIAS DA NATUREZA E DA MATEMÁTICA: aproximações e distanciamentos................................

104

Planejamento Coletivo e Formação Continuada .....................................

105

PROEJA e Currículo Integrado ..............................................................

134

Ensinar/Vivenciar o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática

160

ALINHAVANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............

193

REFERÊNCIAS..................................................................................... 203

11

TECENDO FIOS PARA UMA BREVE INTRODUÇÃO

O DIZER

O meu poema ficou pronto? Será que ele está perfeito,

Feito à minha imperfeição? Será que ele está dizendo Tudo, mas tudo mesmo,

Que sofri para dizer, Do jeito que eu quis dizer?

Thiago de Mello

Quando se chega ao final de um trabalho de pesquisa a impressão primeira é que

parte de nossa história está ali contada, dizem assim Ludke e André (1986). Olho para

essa história, mergulho nos seus ‘ditos’, nos não ‘ditos’, no que poderia ter sido ‘dito’, e

tal qual Tiago de Melo (1998) pergunto: Será que está dizendo tudo, mas tudo mesmo,

que sofri para dizer, do jeito que eu quis dizer? Poderia ter dito mais, menos ou não.

Entendo que cheguei à história possível, com a clareza de que ela expressa a

compreensão - provisória - que o meu mergulhar investigativo conseguiu capturar das

experiências compartilhadas pelos sujeitos - em um percurso analítico intenso e

cuidadoso -, em diálogo com os autores que deram esteio às minhas interlocuções.

Trata-se de um percurso de idas e vindas, de atar e desatar nós, perpassado por

inquietações e desafios, que expressa um pouco da minha história compartilhada com

outras histórias de sujeitos singulares e múltiplos que deste estudo tomam parte. Foi no

imbricamento da minha condição de professora e pesquisadora, numa itinerância em

que se entrecruzam Trabalho e Educação, Ensino das Ciências da Natureza e da

Matemática e EJA que o embrião desta tese foi ganhando forma. A promessa da

integração da educação profissional à educação básica; das Ciências da Natureza e da

Matemática – e demais campos de conhecimentos - no currículo; da Educação de

Jovens e Adultos à Rede federal de Educação, Ciência e Tecnologia, por meio do

PROEJA, na minha concepção, é uma possibilidade atravessada por contradições que

cabe ser pesquisada.

A meu ver, este Programa - que deve ser transformado em política pública -

alcança positividade por trazer o anúncio de possibilidades de integração de partes da

totalidade fragmentadas por processos históricos. Integrar nesta tese remete à Ciavatta

(2005, p.146) para a qual tem o sentido de completude, de compreensão das partes no

12

seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como uma totalidade social.

Totalidade essa, que entendo só pode ser apreendida pela mediação das partes que o

constitui. Trago de Kosik (1976) a compreensão de que cada fato, ou conjunto de fatos,

na sua essência, reflete toda realidade com maior ou menor riqueza ou completude. A

possibilidade de conhecer a totalidade a partir das partes é dada pela possibilidade de se

identificar os fatos ou conjunto de fatos que deponham mais sobre o que se precisa

saber. Assim, a apreensão do ensino das Ciências da Natureza e da Matemática como

promessa de contribuir para a formação integrada de cidadãos trabalhadores jovens e

adultos, exigiu um olhar atento e investigativo para a totalidade em que se situa e que

lhe confere sentido.

Foram esses pressupostos que deram esteio à elaboração da tese que apresento.

O apreender concepções e ações do ensino de Ciências da Natureza e da Matemática,

em Curso Técnico Integrado/PROEJA, considerando a perspectiva de formação

integrada, em um currículo integrado foi movido pelo entendimento de que as

concepções – implícitas ou explícitas – desempenham um papel significativo, embora às

vezes sutil, na determinação do agir. Em Biscosini (2005) encontro guarida para dizer

que a concepção é uma forma própria de pensar e representar o mundo que traz

implicações para tomadas de decisões, manifestadas por meio de ações.

A complexidade que envolve esse ensino na perspectiva acima expressa,

remete a considerar que este é um objeto de investigação em que se entrecruzam

diferentes campos de estudo, que contribuem com seus referenciais para o

enriquecimento do processo investigativo que se deseja desenvolver. Há o encontro de

saberes de diversos campos, cujas bases epistemológicas, trajetórias e práticas podem

convergir ou divergir. Optei por aportes teóricos- metodológicos que considero coerente

com a visão de mundo e de educação que assumo e que, criteriosamente, contribuem

para instrumentalizar o processo analítico com o rigor que lhe é necessário.

Dessa forma, como quem tece no tear, cuidadosamente, cada fio, separado,

tentando dar forma a uma peça que antes foi idealizada, sonhada, projetada, selecionei e

teci fios epistemológicos que emergiram dos diferentes sujeitos, em diálogo com outros

interlocutores por mim assumidos. Assim, na tecitura dos fios que compõem esta tese,

optei por referenciais que fazem a leitura crítica dos fenômenos que cruzam o objeto de

estudo, na perspectiva de uma prática educativa emancipatória, que contribua para a

transformação da realidade educacional e social, só possível se acreditarmos que as

contradições e tensões presentes em nossas trajetórias podem se constituir

13

possibilidades históricas, desde que assumidas coletiva e criticamente, com o horizonte

na superação das situações limites que impedem suas concretizações.

Como peça final do tecimento atento, o texto desta tese além da breve introdução

elaborada e da seção que expressa ‘considerações finais’, apresenta três seções que se

inter-relacionam e dialogam entre si. Nesta introdução teço fios para situar o objeto de

estudo, dando a conhecer o percurso em que experiências se entrecruzam para que a

elaboração desta tese ganhasse sentido, assim como delineio a estruturação da pesquisa.

Na primeira seção, denominada Tecendo Fios para a Compreensão do

Percurso Metodológico: um processo de mutualidade abordo os aportes teórico-

metodológicos fundamentados em autores que lidam com a pesquisa qualitativa e com a

abordagem narrativa, que abrem possibilidades de pesquisados e pesquisador

construírem mutuamente o processo investigativo (MINAYO, 1999; LUDKE E

ANDRÉ, LIMA, 2001; GARNICA, 1997; CONNELLY e CLANDININ, 1995;

CUNHA, 1997, 2005, 2010; ARAGÃO, 2011). Apresento o cenário em que me debruço

e sujeitos para os quais me volto. Descrevo o percurso de interlocução com os sujeitos

da pesquisa na busca de capturar as concepções e ações expressas nos relatos recolhidos

em entrevistas semiestruturadas, na técnica do grupo focal, anotações em diários e

estudo documental (GATTI, 2005; PIZZOL, 2003). Discorro o processo analítico do

material empírico construído ao longo da investigação, em diálogos com os

interlocutores teóricos, a partir dos aportes da análise textual discursiva, proposta por

Moraes e Galiazzi (2007).

Na segunda seção intitulada Tecendo Fios para Compreensão do Foco da

Tese: (im) possibilidades que se gestam trago a explicitação do foco que dá esteio às

interlocuções, apoiado em autores que voltam suas investigações para os campos de

estudo que se entrecruzam, compondo a totalidade em que emerge o problema de

pesquisa que a esta tese deu origem. Desvelar o objeto sobre o qual me debrucei a

investigar remete, necessariamente, compreendê-lo na totalidade em que se insere e no

movimento que lhe confere sentido, expressando as (im) possibilidades que

dialeticamente lhe atravessa. Dessa forma, inicialmente trago a experiência da EJA,

situando as diferentes concepções que lhe servem de base desde os primórdios, até

alcançar a perspectiva de formação integrada sinalizada com as proposições do

PROEJA (HADDAD, DI PIERRO, 2000; FREIRE, 1982, 1992, 1996, 2001;

RUMMERT, VENTURA, 2007; IRELAND, MACHADO, PAIVA, 2004; MOLL, 2010

e outros). Faço a reflexão crítica a respeito do PROEJA (MOURA, 2006; KUENZER

14

2001, 2002, 2006; MACHADO, 2006, 2010, RAMOS, 2008, 2010, e outros) e as

perspectivas de Currículo Integrado apontadas pelo Documento Base (BRASIL, 2007a),

Projeto Pedagógico da Instituição e Projeto Curricular do Curso.

Ainda, como parte da seção acima destacada, tomo como esteio estudos do campo

das teorias curriculares (GIROUX, 1986, 1997; MOREIRA e SILVA, 1994, e outros), e

do currículo integrado na perspectiva da relação trabalho e educação (GRAMSCI,1991,

2001; SAVIANNI, 1989; FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS 2005; MACHADO,

2006, 2010; RAMOS, 2008, 2010, e outros). Permeando a reflexão acerca de currículo

integrado discuto o ensino de Ciências da Natureza e de Matemática apoiada em

interlocutores que imprimem um novo significado ao ensinar e aprender, embasados em

concepção epistemológica e pedagógica que expressam interfaces com as proposições

que dão corpo a Cursos Técnicos Integrados do PROEJA (SCHNETZLER, 1992;

FIORENTINI,1998; KRASILCHIK, 1998; MALDANER, 2000; ARAGÃO 2000a,

2000b; CARVALHO, PEREZ,2001; SANTOS, SCHNETZLER, 2003; DUARTE,

2006; GERALDO, 2009, e outros).

Na terceira seção intitulada Tecendo Fios para Compreensão das Concepções

e Ações do Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática: aproximações e

distanciamentos abordo as concepções e ações capturadas no percurso do processo

investigativo a partir da análise textual discursiva (MORAES, GALIAZZI, 2007) que

tendem a se aproximar e a se distanciar dos pressupostos, princípios e fundamentos

inerentes à propositura do PROEJA. Encontram-se organizadas em três subseções

analíticas: Planejamento Coletivo e Formação Continuada; PROEJA e Currículo

Integrado; ensinar/Vivenciar o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, as

quais expressam a totalidade e a singularidade que movimentam o ensino pesquisado.

Em Planejamento Coletivo e Formação Continuada discuto as concepções e ações

expressas pelos sujeitos acerca destes processos que mantém interfaces e que

traduzem limites e possibilidades interpostos no percurso de implementação do Curso

Técnico de Eletrotécnica Integrado ao Médio/EJA, com rebatimento no ensino que o

constitui. No PROEJA e Currículo Integrado trago à tona concepções e ações

manifestas pelos sujeitos acerca do Programa/Curso Integrado em função do currículo

que traz promessa de integração, expressando aproximação/distanciamento dos

pressupostos e princípios que o sustentam e que traduzem perspectivas para o

ensinar. Em Ensinar/Vivenciar o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática

15

trago para reflexão as concepções e ações que embasam o movimento do

ensinar/vivenciar estes campos por sujeitos que lhe dão concretude, e que expressam

avanços, limites e desafios que induzem aproximações/distanciamentos do que

pressupõe a formação integrada, sob um currículo integrado.

Na última seção que denomino de Alinhavando algumas Considerações Finais

retomo resultados das análises, sinalizando algumas sugestões e indicativos para

possíveis outras buscas investigativas.

Estou aberta às interlocuções, movida pelo entendimento que esta construção

teórica, metodológica e epistemológica foi apenas uma dentre tantas outras elaborações

que desta mesma realidade poderão emergir. Creio que esta pode suscitar outros olhares,

concordantes, discordantes, identitários ou não, pois tenho em conta que a leitura de

qualquer realidade é, sobretudo, múltipla e transitória. Assim, prevalece o entendimento

de que sua maior contribuição reside na possibilidade de outras proposições

investigativas que ela possa instigar, permitindo que outros nós sejam desatados e

outros fios tecidos.

Reafirmo que esta tese expressa minha condição de ser humano transitório e

inacabado, cujo maior sentido foi assumir a disposição de dar continuidade a uma

história cujo ponto de partida dou agora a conhecer.

Situando o Objeto de Estudo

Compreendo, como Moraes (2006), que a produção de conhecimento é um ato

permeado por desejos, desafios, incertezas, encontros e desencontros com o objeto de

estudo. No percurso desta produção algumas indagações vão ganhando corpo, num

movimento constante de idas e vindas, na busca de compreensão da relação entre

pesquisador e objeto a ser pesquisado: o que move o pesquisador diante da necessidade

de conhecer determinado fenômeno? Como ocorre a apropriação do que intenciona

conhecer? Por que estudar esse fenômeno e não outros tão presentes na nossa história

pessoal e profissional? Ao refletir sobre tais pontos vamos nos dando conta que

pesquisar é fazer escolhas, assumir opções que carregam a pluralidade que nos

unifica e a singularidade que nos diferencia. Fazer essa escolha já nos coloca na

condição de sujeito histórico, que fala de um determinado lugar, de um determinado

tempo, embebido por uma determinada forma de ver e assumir o mundo. Sujeito que

16

vive experiências diversas no seu percurso como pessoa e como profissional;

experiências essas que trazem, sempre, as marcas de histórias vividas e construídas em

interação com outras histórias.

Com relação à tese presente, que trata dos desafios do ensino das Ciências da

Natureza e da Matemática em Curso Técnico Integrado ao Médio, incluído em um

Programa que proclama a perspectiva de formação integrada de jovens e adultos, sob o

esteio do currículo integrado, posso dizer que sua gênese tem a ver com histórias que

vivi, experiências que venho acumulando, travessias que tenho percorrido como

professora e pesquisadora, que expressam minha identificação com a formação de

trabalhadores, como causa política, ética e pedagógica.

Ingressei em meados do ano de 1990, via concurso público, no Centro Federal

de Educação Tecnológica do Maranhão – CEFET-MA, em um cenário em que a Escola

Técnica Federal do Maranhão, instituição com tradição no campo da formação

profissional, se revestia de uma nova institucionalidade passando a assumir novas e

complexas atribuições. Nesta realidade iniciei a carreira no Magistério Superior, como

professora dos Cursos de Licenciaturas Plenas das Áreas Profissionais. Considero que

foi um salto qualitativo no meu percurso profissional, não só pela rica experiência da

docência, mas, sobretudo, pela possibilidade de viver o movimento coletivo de reflexão

e construção de cursos de formação de professores para o exercício no ensino técnico.

Contrários às medidas oficiais pontuais, precárias e fragmentadas que historicamente

vinham marcando a formação de docentes dessa área, em que, geralmente, era exigida

apenas boa base de experiência, sem o domínio técnico-científico e sem a formação

pedagógica, buscávamos construir novas perspectivas formativas.

No final da década de 1990, em um contexto em que a obrigatoriedade da

expansão da educação básica não guarda a devida relação com a quantidade de

professores habilitados para atuar nesse nível de ensino, principalmente em Ciências da

Natureza e em Matemática, ao lado de um conjunto de políticas e medidas neoliberais

formuladas para a reconfiguração do ensino superior brasileiro, o CEFET-MA, assim

denominado, ampliou seu espaço de atuação, passando a ofertar Licenciaturas na Área

das Ciências da Natureza – Química, Física e Biologia – e da Matemática. Como parte

do currículo desses cursos, passei a assumir por anos seguidos, dentre outras, as

disciplinas Didática e os Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos.

Ao ensinar Didática tenho como esteio a visão de ensino como processo

dinâmico e complexo que mantém interação com a aprendizagem e com as concepções

17

de conhecimentos – Ciências da Natureza e da Matemática - objetos da formação a que

se volta. Posso dizer que vivenciei/vivencio intensamente o movimento de que fala

Freire (1996) de que não há docência sem discência, que no ato de ensinar aprendemos

com quem ensinamos. O ensinar Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e

Adultos exige de mim um debruçar profundo e coerente em torno de questões teóricas e

metodológicas que perpassam esse campo de estudo e de prática, com atentividade ao

desafio de contribuir no que seja possível para a formação de docentes que possam

atuar, de forma qualificada e comprometida, junto a esse segmento que traz para o

espaço-tempo escolar tanto a marca da destituição de direitos, quanto a riqueza de

suas experiências de luta pela vida (CIAVATTA, 2011, p. 43).

Por entender a complexidade, especificidades e desafios que se colocam numa

prática educativa no seio de uma instituição educacional cuja marca é a formação para o

trabalho, ingressei, no início dos anos 2000, no Grupo de Pesquisa ‘Trabalho e

Educação: políticas e práticas de formação profissional’, vinculado ao Programa

Norte de Pesquisa e Pós-Graduação e ao Mestrado em Educação da Universidade

Federal do Maranhão, em parceria com o CEFET-MA, buscando apreender e

compreender o movimento e as contradições que historicamente têm marcado as

relações trabalho e educação e os impactos que produzem no processo de formação do

trabalhador.

As proposições acenadas pelo Decreto 5.154/20041 (BRASIL, 2004) demarcam

outras necessidades de investigar a formação do trabalhador a partir da configuração da

Educação Profissional Técnica Integrada ao Ensino Médio. Movida pela

problematização que se fertiliza nesse contexto, ingressei em 2008 no Grupo de

Pesquisa ‘Políticas da Educação Básica’, na busca de apreender as possibilidades,

dificuldades e limites que se gestam para uma formação que recupere o ser humano em

sua multidimensionalidade ou, como diz Gramsci (1991), uma formação que busque a

adequação entre a capacidade de trabalhar tecnicamente e de trabalhar

intelectualmente. A clareza de que esse, ainda, é um desafio a perseguir deixa brechas

para outros estudos.

Aos poucos a Educação de Jovens e Adultos –EJA - foi tomando parte do meu

ser profissional, entrelaçando saberes e fazeres do ser docente, somados ao meu

1Essa legislação revogou o Decreto nº 2.208/97, regulando a possibilidade de uma formação integrada do ensino médio com o ensino profissional técnico, estruturado em um currículo único.

18

engajamento em espaços e eventos da área2. Nesses espaços, tive os primeiros contatos

com a proposta do Programa Nacional de Integração da Educação profissional com a

Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Em

2008, como parte das ações previstas pela legislação que instituiu esse Programa foi

implantado, já no Instituto Federal de Educação do Maranhão, antes CEFET-MA, o

Curso de Especialização/PROEJA em que estive envolvida como docente. Posso dizer

que foi uma experiência nova em que pude experimentar, ao lado de limites e

incompletudes, possibilidades gestadas pelo esforço coletivo de assumir o desafio de

promover uma formação em que os próprios formadores se formassem nesse processo.

Foi nesse movimento intenso, em que se entrelaçam ações de docência e de

pesquisa, com a confluência de questões que envolvem os campos da formação docente

e do ensino nas áreas das Ciências da Natureza e da Matemática, da educação

profissional e da educação de jovens e adultos, que o objeto desta tese foi se

configurando.

Pude evidenciar que, apesar de avanços alcançados, ainda persistem desafios -

cada vez mais complexos - que se estendem do âmbito mais amplo das políticas

educacionais às práxis que se materializam no interior das instituições educativas.

Desafios esses que exigem vontade política e decisões de natureza epistemológica e

pedagógica para que se possam construir processos formativos que tenham como esteio

a relação entre o trabalho e o conhecimento, e que seus sujeitos sejam considerados na

integralidade. Isto é, que os conhecimentos sejam concebidos e tratados numa dimensão

ampla, com unicidade entre teoria-prática, ensino-pesquisa, ensino-aprendizagem,

conteúdo-método, intencionando uma formação que propicie aos estudantes - sujeitos

concretos e históricos, com marcas individuais e coletivas -, o desenvolvimento das

capacidades de pensar criticamente, de produzir e de transformar a realidade no sentido

da humanização.

Compreendo que um grande desafio é assumir um posicionamento crítico

perante a dualidade da educação brasileira que, com raízes na forma como a sociedade

2Participei no VII Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos (VII ENEJA), realizado no ano de 2005, em Brasília. Na condição de membro da Delegação do Maranhão participei nos Encontros Estaduais e no Nacional de Educação de Jovens e Adultos preparatórios à VI CONFINTEA- Conferência Internacional sobre Educação para Adultos- ocorridos na Região Nordeste, nos meses de março e abril de 2008 e em Brasília, que se constituíram em esforço coletivo dos Estados dizerem ‘presente’ às demandas e aos desafios da Educação de Jovens e Adultos no Nordeste e no Brasil.

19

encontra-se organizada3, tem resguardado, historicamente, uma formação geral,

propedêutica para segmentos favorecidos socioeconomicamente e uma formação

prática, profissional aos setores sociais mais desfavorecidos. Ao expressar a divisão

entre ‘educação geral’ e ‘educação profissional’, assenta-se, por um lado, a restrição ao

preparo para o ingresso no ensino superior, e por outro, aos preceitos do

assistencialismo e do mercado de trabalho. A educação de jovens e adultos, como parte

desse contexto, com um viés assistencialista e compensatório, tem dado ênfase à

questão do analfabetismo e à suplência de estudos em cursos aligeirados, sem

articulação com a educação básica como um todo, nem com a formação para o

trabalho (BRASIL, 2007a, p.18).

Comungo com o entendimento de Kuenzer (2001), Frigotto, Ciavatta e Ramos

(2005) de que a educação da classe trabalhadora deve se voltar para a ampliação do

horizonte do exercício do direito a uma formação mais completa, assentada numa

concepção de educação enquanto prática social com potencial emancipatório e não

como processo reduzido aos interesses do mercado de trabalho, regidos pela lógica da

estrutura social capitalista. Ressalto que não se trata de desconhecer as exigências dos

processos produtivos da contemporaneidade, o que não pode é se submeter

passivamente à racionalidade que preside as relações socioeconômicas vigentes.

Portanto, o que cabe é assegurar o acesso ao conhecimento científico, tecnológico,

artístico e técnico, ao tempo que fornece os elementos fundamentais para a

compreensão e atuação crítica no mundo em que vivemos, em que o trabalho é parte

constituinte.

Com relação, especificamente, à Educação de Jovens e Adultos posso situar o

anúncio que se coloca com a promessa de uma formação que, contrária à estrita

adequação aos objetivos da produtividade mercadológica, promova o acesso aos

conhecimentos socialmente produzidos integrados à formação profissional. O Programa

Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na

Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA –, instituído por meio do

3O desenvolvimento da sociedade de classes, especificamente nas suas formas: escravista e feudal, consumou a separação entre educação e trabalho. No entanto, não se pode perder de vista que isso só foi possível a partir da própria determinação do processo de trabalho. Com efeito, é o modo como se organiza o processo de produção – portanto, a maneira como os homens produzem os seus meios de vida – que permitiu a organização da escola como um espaço separado da produção. Logo a separação também é uma forma de relação, ou seja: nas sociedades de classes a relação entre trabalho e educação tende a se manifestar na forma da separação entre escola e produção (SAVIANI, 2007).

20

Decreto nº 5.478/2005, o qual revogado pelo Decreto nº 5.840/20064 se configura como

um programa orientado à unificação de ações de profissionalização, à educação geral,

na modalidade consagrada a jovens e adultos (MACHADO, 2006 a, p.36).

Como parte desse Programa, os Cursos de Educação Profissional Técnica de

Nível Médio integrado ao Ensino Médio, estruturados em um currículo que integre

conteúdo do ensino profissional técnico aos do ensino médio, respeitando as

singularidades da EJA, devem atender, conforme preceitua seu documento regulador, às

exigências da formação técnica e à sedimentação das bases de formação geral

requeridas para o exercício da cidadania, tendo em vista o acesso às atividades

produtivas e à continuidade dos estudos (BRASIL, 2007a).

O Programa sinaliza, nos termos propostos, possibilitar ao aluno a

compreensão da realidade social, política, econômica, cultural e do mundo do trabalho

(BRASIL, 2007a, p. 34), distanciando-se de uma formação que qualifica apenas nos

limites das demandas que o mercado apresenta. De acordo com o que se encontra

expresso no Documento Base5, que orienta os Cursos do PROEJA, abandona-se a

perspectiva estreita de formação para o mercado de trabalho, para assumir a formação 4O Programa foi apresentado em uma primeira versão através do Decreto nº 5.478, de 24 de junho de 2005, denominado de Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Jovens e Adultos – PROEJA –, o qual tinha como base de ação a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. Diferentes críticas lhes foram feitas, sobretudo por parte de instituições dessa Rede de Ensino, principalmente com relação à definição de uma carga horária “máxima” para os cursos, à redução do Programa à Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica e sua limitação ao ensino médio (MOURA, 2008a). Propuseram sua ampliação em termos de abrangência e de aprofundamento em seus princípios epistemológicos. Esse Decreto foi revogado com a promulgação do Decreto nº 5840 de 13 de julho de 2006, passando o PROEJA a denominar-se Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Nesse novo documento o PROEJA passa a abranger cursos de educação profissional de formação inicial e continuada de trabalhadores, bem como, de educação profissional técnica de nível médio, nas formas integradas ou concomitantes, nos termos previstos no art. 4º, parágrafo 1º, incisos I e II do Decreto nº 5.154/2004, que regulamenta a educação profissional. Com relação às horas determinadas para a formação o termo carga “horária máxima” foi substituído pelo de carga “horária mínima”. Assim, os cursos orientados à formação inicial e continuada de trabalhadores devem ter no mínimo 1.400 horas, que incluem, pelo menos, 1.200 horas para educação básica e 200 horas para a formação profissional. Os cursos destinados à formação técnica de nível médio articulados com o Ensino Médio na modalidade EJA, por sua vez, terão pelo menos 2.400 horas, das quais 1.200 horas devem ser preservadas para a educação geral, à qual se acrescenta a carga horária mínima correspondente à área profissional da habilitação oferecida (BRASIL, 2006). 5A partir das discussões empreendidas em torno do Programa foi constituído um grupo de trabalho formado por representantes da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), dos fóruns de EJA, dos CEFETs, das Escolas Agrícolas Federais e das Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais, com a tarefa de organizar um Documento Base contendo os princípios, concepções e orientações gerais do Programa(MOURA, 2006). Em 2007 foram produzidos três documentos voltados para as propostas de trabalho que o PROEJA passou a abranger: Educação Profissional de Nível Técnico Integrada ao Ensino Médio (BRASIL/MEC/SETEC, 2007a); Formação Profissional Inicial e Continuada Integrada ao Ensino Fundamental (BRASIL/MEC/SETEC, 2007b) e Educação Profissional e Tecnológica voltada a Educação Escolar Indígena (BRASIL/MEC/SETEC, 2007c) (FERNANDES, 2012).

21

integral dos sujeitos, como forma de compreender e se compreender no mundo

(BRASIL, 2007a, p.34). Assim, por esse documento, consubstancia-se a proposição de

uma formação que se expressa com a seguinte finalidade:

.... Proporcionar educação básica sólida, em vínculo estreito com a formação profissional, na perspectiva da formação integral do educando, visando a formação de cidadãos-profissionais capazes de compreender a realidade social, econômica, política, cultural e do mundo do trabalho, para nela inserir-se e atuar de forma ética e competente, técnica e politicamente, visando à transformação da sociedade em função dos interesses sociais e coletivos, especialmente os da classe trabalhadora. (BRASIL, 2007a, p.35).

Sem desconsiderar os limites e desafios do processo de implementação de uma

política educacional dessa natureza, em razão das orientações diversas que lhe movem e

das relações de interesse e de poder que lhe atravessam, decorrentes da correlação de

forças minadas na estrutura social capitalista que, historicamente, têm determinado a

divisão entre a escola que educa e a que profissionaliza, reconheço que o PROEJA pode

se constituir numa proposta inovadora, na medida em que enseja elevar o nível de

escolaridade e de profissionalização de uma população historicamente excluída do

sistema educacional e social. Por outro lado, considero necessário fortalecer a luta pela

sua transformação em política pública que assegure sua perenidade, pois o direito à

educação aos jovens e adultos trabalhadores exige políticas perenes, estruturadas para

atender essa demanda, não podendo ser pensado meramente como questão pontual de

governo ou de programa.

Se o que declara como perspectiva é a formação integrada tendo em vista a

formação integral, creio ser válido remeter a Gramsci (1991) que, ao tecer críticas à

escola que eternizava as desigualdades sociais por oportunizar formação diferenciada de

acordo com a condição de classe social6, defende uma educação que incorpore a

dimensão intelectual ao trabalho produtivo direcionada a formar jovens e adultos

trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. Igualmente, as contribuições

de Ciavatta (2005), apoiadas no referencial desse pensador, são pertinentes ao destacar

que tal formação deve ter como horizonte o sentido de superação de um ser humano

6 Segundo Gramsci (1991) é a diferenciação dos fins, e não o conteúdo ensinado que conferia à escola o caráter de classe, voltado a perpetuar as diferenças sociais. Assim, a cada grupo social corresponde um tipo próprio de escola que se destina a perpetuar neles as condições do exercício de uma determinada função: diretiva ou instrumental. Para o grupo privilegiado era ofertada formação propedêutica, preparando-o para assumir a função de dirigente, e para os filhos dos trabalhadores era ofertada formação profissional, preparando-os para assumir função meramente instrumental.

22

segmentado historicamente pela divisão social do trabalho, pela separação entre a ação

de executar e a ação de pensar, planejar.

Nesse sentido, a partir do que se encontra acenado é possível antever profundos

desafios para a retomada da relação trabalho e educação, sob novas bases. Tal

entendimento decorre do fato de que, ainda que sem o aprofundamento necessário7, o

Documento Base elege como um dos fundamentos do Programa o trabalho como

princípio educativo. Com efeito, o trabalho passa a se constituir categoria articuladora da

integração curricular proposta, sendo imprescindível compreendê-lo nos sentidos que

lhes caracterizam como prática humana, isto é, no sentido ontológico e no histórico

(MARX, 1978; GRAMSCI, 2001). Apoiada nessa compreensão cabe reconhecer que se,

por um lado, o trabalho se apresenta como atividade ontocriativa de ação do homem

sobre e com a natureza, transformando-a e produzindo a própria natureza humana, por

outro lado, é uma atividade que se manifesta em diferentes formas históricas, se

revestindo de especificidades decorrentes de cada modo de produção. Ou seja, é uma

forma de ação que permite experimentar, pensar, criar, fazer, produzir saberes e,

também, o exercício de uma função produtiva que se situa nos marcos de uma sociedade

regida pelo modo de produção capitalista. (KUENZER, 1997, p.123).

No movimento dessas proposições, atravessadas por grandes complexidades, o

Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão – CEFET-MA8 foi desafiado a

iniciar o processo formativo no âmbito do PROEJA. Como docente da instituição pude

acompanhar de perto que, a despeito da experiência em Educação Profissional integrada

ao Ensino Médio que já possuía, o processo de adesão ao PROEJA, que de antemão já

7 Estudos realizados por Klein (2008) expressam críticas à forma como são abordados, no Documento Base, os princípios que norteiam o PROEJA, dentre eles o trabalho como princípio educativo. A autora assinala que o destaque desse princípio para orientar propostas pedagógicas na Educação Profissional vinculadas à EJA tem a positividade de apontar sua fecundidade e atualidade; entretanto, critica que este princípio não se encontra desenvolvido de forma clara e suficiente no documento, restringindo-se à uma justificativa : A vinculação da escola média com a perspectiva do trabalho não se pauta pela relação com a ocupação profissional diretamente, mas pelo entendimento de que homens e mulheres produzem sua condição humana pelo trabalho — ação transformadora no mundo, de si, para si e para outrem (BRASIL, 2007a, p.38). Para Klein essa insuficiência e superficialidade de tratamento pode sugerir preocupação meramente retórica, portanto, sem considerar as consequências advindas de sua adesão, ou ainda, por constituir-se conteúdo adverso de sua formulação original. Afirma que a uma consistente compreensão da categoria trabalho é condição fundamental para a discussão da propositura do trabalho como princípio educativo. 8Quando iniciou a experiência com a primeira turma do Curso Técnico Integrado ao Médio/PROEJA, em 2007, esta instituição, ainda, fazia parte do modelo institucional Centro Federal de Educação Tecnológica. Pela Lei nº 11.892 de 29 de dezembro de 2008 transformou-se em Instituto Federal, passando a denominar-se Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão- IFMA, Campus São Luís/Monte Castelo.

23

estava determinado por lei9, se deu em meio a inquietações e questionamentos quanto à

sua propositura e alcance, permeados por sentimentos que se contradiziam entre o

otimismo e a descrença, a aceitação e a negação e, sobretudo, por sentimentos expressos

de reconhecimento e de estranhamento do público de EJA.

Ao me deparar com relatos de profissionais da instituição evidencio elementos

que expressam o que sentem e pensam sobre o desafio que têm pela frente: O Proeja é

um grande desafio, precisamos compreender melhor essa proposta, o que, de fato, ela

representa; É claro que isso vai requerer que tenhamos condições de trabalho,

formação adequada...; Que formação temos para trabalhar com esse público?; É

importante que seja considerado a realidade dessas pessoas, que retomam sua

escolarização no ensino médio, querem se profissionalizar e que têm direito a uma

educação de qualidade; Esse não é um problema só dos professores, é da instituição

toda. São posicionamentos que elucidam a complexidade e desafios que se colocam,

dado o caráter contraditório de uma proposta que exige enfrentar as tensas relações entre

trabalho e educação e responder às necessidades e singularidades de um segmento com o

qual tem pouca familiaridade.

Tais posicionamentos fortalecem o entendimento de que os desafios de uma

proposta de integração que pressupõe unificar no currículo os saberes da formação

básica, geral, aos da formação profissional, específica, na modalidade de EJA, estão para

além da organização formal de uma matriz curricular em que se vinculam disciplinas vi

da Base Nacional Comum (BNC) - como é o caso das Ciências da Natureza e da

Matemática - da Formação Profissional Específica, bem como ao Estágio

Supervisionado. De acordo com o Documento Base (BRASIL, 2007a, p.37) a

perspectiva é de uma proposta curricular baseada em um currículo integrado que

intenciona efetivar a integração epistemológica de conteúdos, de metodologias e de

práticas educativas, tendo em conta a realidade do público que lhe confere identidade.

9O Decreto 5.840/2006 instituiu que as instituições federais de educação profissional deveriam implantar cursos e programas regulares do PROEJA até o ano de 2007, devendo disponibilizar, em 2006, no mínimo dez por cento do total das vagas de ingresso da instituição, tomando como referência o quantitativo de matrículas do ano anterior, e ampliar essa oferta a partir do ano de 2007 (Art. 2º, & 1º). A Lei 11.892/2008 modificou esta determinação ao instituir que este percentual fica a cargo da gestão que estiver à frente, podendo aumentá-lo ou diminuí-lo (BRASIL, 2008).

24

A concepção de currículo integrado que tomo como esteio é o que se encontra

expressamente comprometido com a formação humana dos sujeitos, com implicações

epistemológicas e pedagógicas que trazem em si novas concepções a respeito do para

quê, do quê e do como se ensinam os conhecimentos que devem ser aprendidos. Supõe,

portanto, conceber esses conhecimentos numa dimensão de totalidade, tornando

indiscutível a necessidade da integração teoria e prática, da integração entre o saber, o

saber ser e o saber fazer, incorporando no processo os saberes e experiências que os

jovens e adultos trazem como marca e como potencialidade para o espaço educativo

(CIAVATTA, 2011; CIAVATTA, RUMMERT, 2010). Posso concluir, então, que a

questão não é meramente didática, pois se encontra relacionada à decisão política do tipo

de ser humano que se quer formar, em função de um modelo de sociedade que se

pretende construir.

O Instituto Federal de Educação Científica e Tecnológica - Campus São

Luís/Monte Castelo, modelo institucional assumido em 2008, declara em seu Projeto

Pedagógico10 que incorpora o trabalho como princípio educativo, a partir de um

processo formativo em que educação, trabalho e conhecimento deverão constituir uma

unidade orgânica, visando à formação omnilateral dos sujeitos que atende (INSTITUTO

FEDERAL DO MARANHÃO, 2010). Disso decorrem implicações substantivas aos

seus Cursos do PROEJA por reforçar que, nestes, a educação básica e a educação

profissional são duas dimensões de uma mesma formação que deve ser única e integral

ao se direcionar para jovens e adultos. O que posso constatar é que daí advém a urgente

necessidade de vinculação entre a base técnica e uma sólida base científico-tecnológica,

numa perspectiva social e histórico-crítica, como adverte Kuenzer (2001). Ou seja,

integra-se no currículo, a preparação para o trabalho à formação de nível médio rumo à

formação integral (MANFREDI, 2003), o que para Ciavatta (2005, p. 84), tem a

seguinte exigência:

... que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional em todos os campos onde se dá a preparação para o trabalho: seja nos

10O projeto político pedagógico do Campus foi elaborado, coletivamente, de 2009 a 2010 considerando as mudanças que se implantavam com a nova institucionalidade assumida ao se transformar em Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA. Este instrumento traz enunciado que o anseio da comunidade foi o de construir novos caminhos que possam melhorar as ações educativas do Campus, em toda a sua amplitude, numa perspectiva de permanente avaliação do que será realizado na busca de reconstruí-las. Afirma, ainda, que este documento assume, como todo planejamento, o caráter processual e de provisoriedade de produção do conhecimento, expressando as concepções e expectativas do momento da sua construção (INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO, 2010, p. 12 ).

25

processos produtivos, seja nos processos educativos como a formação inicial, como o ensino técnico, tecnológico ou superior.

No caso do Ensino Técnico integrado ao Médio ao estar comprometido com a

educação dos que vivem do trabalho, este não pode perder de vista que com o

desenvolvimento científico-tecnológico contemporâneo o trabalho humano se simplifica

ao tempo que se complexificam a ciência e tecnologia que incorporam (KUENZER,

1997, 2001). Em decorrência passa a exigir do trabalhador cada vez mais apropriação

de conhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos (KUENZER;

GRABOWSKI, 2006, p.19), pois quanto menos conhecimento o trabalhador detiver

sobre o trabalho, mais ele se distancia da compreensão e do domínio das atividades que

executa, assim como, das relações sociais que se estabelecem nesse cenário regido pela

lógica capitalista.

Dessa forma, ainda que sob relações capitalistas, nos moldes da acumulação

flexível, essa exigência de domínio de conhecimentos não se coloque para todos os

trabalhadores, qualquer política educacional, qualquer proposta pedagógica que, de fato,

se comprometa com a formação de trabalhadores deve ter como horizonte favorecer o

domínio integrado dos conhecimentos acima destacados, como condição de

instrumentalizá-los para atuar no mundo concreto e fazer a leitura desse mundo

(FREIRE, 1996). Em se tratando de jovens e adultos que vivem do trabalho essa é uma

questão urgente, pois dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,

2007) evidenciam que do universo de 141,5 milhões de pessoas no país com 15 anos ou

mais de idade, cerca de 10,9 milhões frequentavam ou frequentaram anteriormente

algum curso de EJA, e que mais de 40% desses alunos não concluíram o curso em que se

matricularam em razão, por exemplo, da necessidade de procurar trabalho, da

incompatibilidade de horário das aulas com o horário de trabalho, de dificuldade de

acompanhar o curso.

Isso requer que os Cursos Técnicos Integrados ao Médio do PROEJA, como

possibilidade que se aponta para a educação desse segmento educacional, sejam

concebidos e operacionalizados levando em conta a intencionalidade da integração que

propõem, as necessidades dos sujeitos a que atendem, além das condições estruturais

que se colocam como exigências para o alcance do que intenciona. Como parte desse

processo, a vinculação entre conhecimentos gerais e específicos deve ser planejada e

executada ao longo do processo formativo, sob o princípio da formação humana

26

integral. Entre os grandes desafios no sentido da formação humana propagada se situam

a necessidade de potencializar exercício de diálogo entre os saberes que compõem as

bases dos currículos dos cursos - a formação geral e a formação específica - em que

pese cada um ter sua especificidade epistemológica.

Portanto, torna-se fundamental que o conjunto de campos científicos que

compõem o currículo de cursos dessa natureza e cada campo de conhecimento em

particular, seja da dita formação geral ou específica, encaminhe-se no sentido do

alcance da integração. Pressupõe, assim, clareza quanto à finalidade que cada área de

conhecimento em si assume no âmbito da formação, e em que medida pode e deve

manter interconexão com outros campos, e com os saberes dos alunos, esclarecendo-se,

enriquecendo-se e se aprofundando mutuamente. Isto, certamente, constitui-se uma das

condições importantes para tornar possível a apreensão dos conhecimentos na totalidade

como mediação para o alcance dos objetivos da formação integral.

No âmbito desses cursos, situa-se como constituinte da denominada formação

geral os conhecimentos a Área das Ciências da Natureza e da Matemática11. Expressa-

se como parte de um espaço curricular que, segundo Kuenzer (2001, p.60), deverá ter

por meta a universalização dos conhecimentos minimamente necessários à inserção na

vida social, política e produtiva nas condições mais igualitárias possíveis. Sendo assim,

a Área das Ciências da Natureza e da Matemática articuladas às outras áreas que

compõem a BNC e à base profissionalizante, contribui, de acordo com os Parâmetros

Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, art. 10, II, a), para uma formação ampla,

científica e crítica. Nesses termos, assegura aos alunos a compreensão das ciências

como construções humanas, entendendo como elas se desenvolvem por acumulação,

continuidade ou ruptura de paradigmas, relacionando o desenvolvimento científico com

as transformações da sociedade (BRASIL, 1998). 11 De acordo com o Parecer CEB nº15/98que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) o currículo do Ensino Médio é formado por uma Base Nacional Comum – BNC- e uma parte diversificada, que devem se desenvolver integradas. A BNC é composta por três áreas: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias e Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, - CNM -composta pelas disciplinas Química, Biologia, Física e Matemática, que se constitui objeto de estudo desta pesquisa. A Resolução nº 2, de 30 de janeiro de 2012 define novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Nessa Diretriz vigente o currículo deve contemplar quatro áreas do conhecimento, a saber: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas, com tratamento metodológico que evidencie a contextualização e a interdisciplinaridade ou outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos. Observa-se que houve uma alteração, pois, a Matemática deixou de ser um componente da Área das CNM e passou a se constituir uma área independente, resguardando a integração que é um dos princípios do currículo do EM. Como o Currículo do Curso de Eletrotécnica Integrado ao Médio PROEJA, que corresponde ao campo de investigação desta tese, está composto pelas áreas instituídas pelo Parecer nº 15/98, trataremos o objeto de estudo de acordo com o mesmo.

27

Com este mesmo entendimento, Geraldo (2009) diz que as Ciências da

Natureza – Química, Biologia e Física - devem propiciar o desenvolvimento da visão

científica do mundo, da criatividade, da autonomia intelectual, da preparação para o

trabalho, e a participação política e cultural na sociedade contemporânea. Duarte (2006),

por sua vez, ao discutir especificamente a Matemática trata da dimensão política e

pedagógica que o ensino deste campo de conhecimento traz em si. Isso significa que a

prática pedagógica, na Área das Ciências da Natureza e da Matemática, bem como em

outras áreas da formação geral e da formação específica, deve estar fundamentada na

integração teoria-prática, unificando o saber e o saber-fazer, com um tratamento

metodológico que, sem descuidar das especificidades epistemológicas, torne possível a

apreensão desses conhecimentos numa dimensão de totalidade, de modo que os alunos

percebam a integração que existe entre eles na concentricidade da vida.

Contrário a processos de ensino mecanicista de Biologia, Química, Física e

Matemática, usualmente centrados na concepção empirista-positivista de ciências e no

modelo transmissão-recepção como revelam Aragão (2000a), Schnetzler (1992, 1994,

2011), Maldaner (2000), Carvalho e Perez (2009), Geraldo (2009), Fiorentinni (1995),

Duarte (2006), dentre outros, tal perspectiva implica, como antes foi dito, uma nova

postura no fazer pedagógico, advinda da revisão de concepções de conhecimento, de

ensino e de aprendizagem, que dão feitura à abordagem dos conhecimentos e ao lugar

que os estudantes, com suas histórias, suas experiências e seus saberes ocupam nesse

processo. Ou seja, essas ciências devem ser compreendidas como conhecimentos

dinâmicos produzidos pelo homem em processos mediados pelo trabalho, cuja

apropriação requer um processo de ensino com a mediação docente, que se nutra da

participação do aluno, entendido como sujeito capaz de participar ativa e criticamente

na construção e reconstrução dos saberes.

Posso reafirmar então, com relação especificamente aos conhecimentos de

Química, Física, Biologia e Matemática, como parte desse currículo que se quer

integrado, o desejo que no ensino tais conteúdos/conhecimentos apoiados em

novas/outras bases políticas, epistemológicas e pedagógicas, sejam explorados em

termos imbricados aos conhecimentos específicos do trabalho, de forma tal que

instrumentalizem, simultaneamente, os estudantes-trabalhadores, jovens e adultos, para

a compreensão crítica das relações sociais concretas e para a compreensão e aplicação

dos princípios científicos e tecnológicos inerentes às atividades do exercício

profissional.

28

Reconheço, como já expressei, que materializar uma formação na perspectiva

de currículo integrado, em que as disciplinas das diferentes áreas de conhecimento

sejam tratadas nessa dimensão, não é algo que possa ser dado a priori. Antes, ao

contrário, trata-se de um processo complexo que, além de determinantes situados na

ordem das políticas educacionais e institucionais e das condições estruturais da

instituição, decorre, também, das concepções e práticas pedagógicas que concretamente

se consolidam no contexto do curso, sem perder de vista a interface que ambos mantêm

entre si. Portanto, são desafios que perpassam pelas dimensões objetiva e subjetiva, no

âmbito macro e no espaço concreto em que a formação ocorre, pois as concepções,

ações, os significados e sentidos atribuídos pelos seus sujeitos presidem e sustentam

uma forma de organizar e de materializar o ensinar e o aprender nesse processo

formativo.

Sendo assim, no IFMA, Campus São Luís/Monte Castelo, o ensino nos

Cursos Técnicos Integrados ao Médio/PROEJA, em todos os campos de conhecimentos

que compõem seu currículo, como é o caso das Ciências da Natureza e da Matemática,

encontra-se perpassado por desafios de ordem objetiva e subjetiva. Isso reforça o

entendimento de que toda experiência humana, toda prática profissional seja no campo

da docência ou não, é alicerçada por uma visão de mundo, por concepções, crenças,

sentidos e significados que lhes são atribuídos e que lhes dão sustentação.

A esse respeito, Freire (1992) traz contribuições importantes quando diz que

toda prática educativa, toda ação docente traz em si, embora algumas vezes não se tenha

clareza disso, concepções que se dirigem rumo à construção de um projeto educacional

e social. Portanto, ainda que muitas questões do ensino se revelem como questões de

ordem pedagógica, estão sempre referenciadas numa base epistemológica, que tem

como suporte uma concepção político-social de educação, ensino, aprendizagem e

conhecimento que, por sua vez, fazem parte da concepção de vida e de mundo

construídas [pelos profissionais] em suas trajetórias (PIMENTEL, 1993, p. 75).

Se as concepções se revestem de significado frente às necessidades de

mudanças de caráter abrangente, como o que se encontra disseminado pela proposta em

foco, causou-me inquietação saber o que concebem, que ações expressam, que

sentimentos revelam os sujeitos envolvidos nesse contexto. Como antes evidenciei a

implantação dos Cursos Técnicos Integrados ao Médio na modalidade de EJA - em

condição de obrigatoriedade - no IFMA/Campus São Luís-Monte Castelo, deu-se em

meio a tensionamentos entre o desafio de ter que lidar com um público diferenciado do

29

que vinha atendendo e, ao mesmo tempo, com uma nova realidade que se configurava

como possibilidade do exercício de um direito a uma educação de qualidade,

historicamente negada a esse público. Daí a necessidade de estudos mais intensos e

aprofundados acerca dessa formação, do ensino que ocorre na dinâmica do currículo

que preside o processo formativo.

Dessas inquietações e desses pressupostos narrados, nasceu o anseio de me

debruçar sobre a realidade do ensino de Ciências da Natureza e da Matemática em

Curso Técnico integrado ao Médio do PROEJA buscando compreendê-lo cientifica e

pedagogicamente. Voltei-me, portanto, a investigar as concepções e ações que

sustentam o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática frente ao desafio de

desenvolvimento de um currículo integrado, para a formação integrada de jovens e

adultos.

Cabe ressaltar que as questões inerentes ao ensino das Ciências da Natureza e

da Matemática assumem uma dimensão importante no IFMA, por sua própria natureza

de Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFETs – que, ao assumir esta

institucionalidade, traz consigo, dentre outras, as finalidades de constituir-se em centro

de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e das ciências aplicadas, assim

como, qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências

nas instituições públicas de ensino (BRASIL, 2008, p.3), voltando-se para a formação

de professores, especialmente, nas áreas de Ciências e de Matemática.

Face ao exposto, considerei relevante realizar essa pesquisa na intenção de

compreender melhor a problemática anunciada em suas múltiplas dimensões, a partir do

que declaram os sujeitos que dessa experiência tomam parte. Considero que, pela

especificidade e desafios que o Programa PROEJA apresenta para a Rede Federal e pela

dimensão que o ensino de Ciências da Natureza e da Matemática alcança nesta

Instituição, como acima pontuei, a pesquisa narrada assume grande relevância. Creio

que ao possibilitar a compreensão acerca de concepções e ações que dão esteio à

dinâmica dos campos de conhecimentos estudados, poderá provocar desdobramentos

em torno de novos estudos, e de intervenções significativas que conduzam à construção

de propostas e de práticas comprometidas com uma educação socialmente referenciada

para jovens e adultos.

30

Delineando a Pesquisa no Âmbito da Tese que Defendo

Pelas análises procedidas, trago de Gil (1999) o entendimento de que o desejo de

investigação brota da curiosidade que emerge frente a conhecimentos que não dão conta

de explicar determinado fenômeno; de problemas que atravessam determinada realidade

e, por isso, suscitam pesquisas, investigações. Cabe ao pesquisador, com o olhar

sensível à realidade que atentamente observa, escolher o problema a ser pesquisado, este

entendido como uma questão que mostra uma situação necessitada de discussão,

investigação, decisão ou solução (KERLINGER ,1980).

Portanto, foi com o desejo de apreender a realidade possível do ensino das

Ciências da Natureza e da Matemática em Curso Técnico Integrado, voltado para jovens

e adultos, configurado em um programa relativamente novo em uma instituição de

ensino público que, em minha opinião, tem uma história de qualidade diferenciada, me

senti instigada a compreender efetivamente o que pensam, o que sentem e o que

expressam, de forma tão particular, os sujeitos que vivem esta experiência. Assim, no

sentido de compreensão do que a realidade instiga em termos do ser, do saber, e do

saber-fazer no contexto da singularidade do ensino dos campos científicos que acima

enfoquei, fui movida nesta pesquisa pelas seguintes questões norteadoras:

· Que concepções e ações emergem dos sujeitos do Ensino das Ciências da

Natureza e da Matemática relativas ao percurso de implementação do

Curso Técnico Integrado ao Médio de Eletrotécnica do PROEJA, que

anuncia a formação integrada como perspectiva?

· As concepções e ações que embasam o Ensino das Ciências da Natureza e

da Matemática expressam pressupostos, princípios e fundamentos político-

pedagógicos concernentes à propositura de um currículo integrado,

proclamado para Cursos Técnicos Integrados do PROEJA?

Na intenção de buscar respostas possíveis, entendidas como sempre provisórias, a

estas questões delineadas, debrucei-me sobre minhas intenções investigativas trazendo

como problema de pesquisa para discussão, o seguinte questionamento:

Que concepções e ações sustentam o Ensino das Ciências da Natureza

e da Matemática frente aos desafios da formação integrada, na

31

perspectiva do currículo integrado no contexto de Curso Técnico de

Eletrotécnica Integrado ao Médio, do PROEJA?

Parto do pressuposto de que as concepções e ações se alimentam mutuamente,

pois, como define Bisconsini (2005), a concepção é uma forma própria de pensar e

representar o mundo, construída a partir das experiências, nas relações sociais e com os

conhecimentos historicamente produzidos, com implicações nas ações que dela advém.

Ponte (1992) reforça essa visão ao evidenciar que existe um substrato conceptual que

joga um papel determinante no pensamento e na ação. Substrato este, que não diz

respeito a objetos e ações determinadas, nem se reduz aos aspectos imediatamente

observáveis do comportamento, mas, antes, se constitui como uma forma de organizar,

de ver o mundo e de pensar que não se revela com facilidade nem aos outros e nem a

nós mesmos, pessoas situadas em um tempo e em um espaço. As concepções, portanto,

nos permitem compreender o mundo e nos posicionarmos sobre ele. Ou seja, as

concepções -conscientes ou inconscientes - revelam a visão que temos do que nos cerca

e nos orienta na ação.

Dessa forma, as concepções que sustentam o Ensino de Ciências da Natureza e da

Matemática, como parte do currículo de Curso Técnico Integrado ao Médio, do

PROEJA, correspondem às crenças, aos valores, ao universo de significações e de

sentidos que têm suas raízes nas experiências acumuladas, construídas num processo

histórico, numa realidade contextual em que os seus sujeitos tomam parte. Essas

concepções dão rumo a ações que, no caso, se constituem componentes das atividades12

(LEONTIEV, 1960) que se desenvolvem tendo em vista o alcance de determinada

finalidade. A atividade básica para qual se voltou esta pesquisa é o ensino das Ciências

da Natureza e da Matemática, no contexto de Curso Técnico integrado para jovens e

adultos, sob a propositura de um currículo integrado. Essa atividade traz em si a

necessidade do desenvolvimento de diferentes e complexas ações - a exemplo do

12 Ao discutir as atividades humanas, sejam individuais ou coletivas, Leontiev (1960) destaca que o agir humano é sempre teleológico, dirige-se para um fim. Esse fim precisa objetivar-se em um objeto, seja ele material ou ideal. O objetivo, portanto, equivale ao resultado final da atividade. As atividades humanas são, em sua grande maioria, atividades complexas, constituídas por várias ações conectadas umas às outras, relacionadas entre si. Além dos conceitos de atividade e ação, este autor utiliza um terceiro conceito, o de operação. Ele define operação como a maneira de se executar uma ação, maneira essa que depende das condições nas quais a ação é realizada. Aprofundar em Teoria da Atividade (LEONTIEV, 1981).

32

planejamento, execução e avaliação do processo – tendo em vista atingir a finalidade

que lhe dá direção, que é a formação sob a feitura de um currículo que tenha a

integração como esteio.

Com base no entendimento acima pontuado, defendo a seguinte tese: As

concepções e ações que sustentam o ensino das Ciências da Natureza e da

Matemática no Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Médio de EJA

implicam processos relativos a pressupostos, princípios e fundamentos inerentes ao

desenvolvimento da formação integrada, sob a base de currículo integrado, tal qual

enunciado por cursos desta natureza.

Apoiada em Sacristán (1998), considero que currículo não é um conceito, mas

uma construção cultural. Isto é, não se trata de um conceito abstrato que tenha algum

tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de

organizar uma série de práticas educativas sujeito a modificações e influências do

contexto e tempo em que se insere. Sendo assim, qualquer forma de organizar e dar

vida ao currículo escolar deve ser interpretada como um conjunto de decisões, intenções

e relações construídas socialmente em dado contexto histórico, por sujeitos reais,

portanto, traz sempre a marca do coletivo que o pensa e o materializa. Nesse sentido, o

para quem, para quê, o quê, o como são questões chaves nesse processo, tendo como

parâmetro a visão de mundo e de educação que temos (SILVA; MOREIRA, 1995).

Qual o significado do PROEJA e de currículo integrado? Como foi concebido e

constituído o Projeto Curricular do Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao

Médio/EJA? O que se concebe acerca dos conhecimentos e do ensino das Ciências da

Natureza – Química, Física, Biologia - e da Matemática como parte desse currículo? O

que se entende sobre o que seja integrar conhecimentos com outros componentes do

currículo e com os saberes que os jovens e adultos produzem no seu estar no mundo, no

sentido da formação geral integrada à formação específica? Que tratamento

metodológico se prioriza para potencializar tal integração? O que se concebe a respeito

dos jovens e adultos a quem se ensina? Que limites e potencialidades estes apresentam?

E os alunos, como se vêem no curso? Como consideram que os seus

conhecimentos/experiências são valorizados no ensino das Ciências da Natureza e da

Matemática? Concebem que vivenciam situações/ atividades que potencializaram a

integração dos conhecimentos das Ciências da Natureza e da Matemática com outros

conhecimentos do currículo do curso? Com quais possibilidades e dificuldades se

33

deparam para dar conta das exigências da formação com um currículo integrado que diz

ter a formação geral integrada à formação específica?

Dada a complexidade do objeto pesquisado, essas foram algumas questões que

considerei imprescindíveis para possibilitar a apreensão de concepções e ações que

embasam as práticas educativas que se consolidam em um contexto educativo que

aponta exigências de caráter emancipatório. Decorreu daí a proposição do seguinte

objetivo geral:

Compreender concepções e ações que sustentam o Ensino das Ciências

da Natureza e da Matemática frente aos desafios da formação

integrada, proposto por um currículo integrado, no Curso Técnico de

Eletrotécnica Integrado ao Médio, do PROEJA, IFMA, Campus São

Luís/ Monte Castelo.

No sentido do alcance deste objetivo geral, proponho os seguintes objetivos

específicos:

· Compreender concepções e ações expressas pelas sujeitas relativas ao

percurso de implementação do Curso Técnico Integrado de

Eletrotécnica do PROEJA, tendo em vista a propositura da formação

integrada;

· Apreender concepções e ações que embasam o Ensino das Ciências da

Natureza e da Matemática concernentes aos pressupostos, princípios e

fundamentos político-pedagógicos do currículo integrado, proclamado

para cursos técnicos do PROEJA.

A intenção foi capturar o que não se mostra tão facilmente, interpretando o que,

por vezes, está por trás do aparente, gerando significação ao que foi possível apreender

a partir dos ‘ditos’ e ‘não ditos’ nos relatos dos sujeitos pesquisados. Assim, ao buscar

respostas possíveis, compreendidas como provisórias, passíveis de refutações, procurei

ir às raízes, desvelar intenções, reflexões, aspirações, sentimentos que habitam as

pessoas, e que expressem o que concebem/realizam como sujeitos do ensino de Ciências

da Natureza e de Matemática, no Curso Técnico Integrado ao Médio/PROEJA

pesquisado. O caminho que percorri para alcançar este intento é o que passo a relatar a

seguir.

34

I TECENDO FIOS NA BUSCA DE COMPREENSÃO DO PERCURSO METODOLÓGICO DA

PESQUISA

E tu para que queres um barco, pode-se saber? Foi o que o rei, de facto, perguntou... Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem. Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando o riso... A ilha desconhecida... repetiu o homem.... Já não há ilhas desconhecidas. Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas? .... Estão todas nos mapas.... Nos mapas só estão as ilhas conhecidas... E que ilha desconhecida é essa que queres ir à procura? Se eu te pudesse dizer, então não seria desconhecida...

Saramago

Trago nesta seção o caminho, o percurso escolhido, dentre outros possíveis, num

esforço para atingir o fim (CHAUÍ, 2002) a que me lancei nesta pesquisa. Como toda

atividade humana e social, a pesquisa traz imanente, inevitavelmente, os valores,

preferências, interesses, pressupostos e princípios que orientam o pesquisador, dizem

assim Lüdke e André (1986). Por isso, a escolha da metodologia de pesquisa não é um

processo que se dá aleatoriamente é, antes, a opção por uma filosofia, que traz consigo

uma visão de mundo, que por sua vez, sofre reflexos do tempo e espaço em que se situa.

Isto quer dizer que meus pressupostos e fundamentos de compreensão e explicação

desse mundo, certamente, sustentarão a minha caminhada como pesquisadora na

abordagem de meu objeto, em ocorrência aos objetivos que intenciono alcançar.

Portanto, a pesquisa é parte da história do pesquisador, nela estão as marcas de suas

experiências de vida, sempre mediadas por relações sociais.

Isso explica por que os motivos, as intenções, o percurso do estudo que

desenvolvi deitam raízes no contexto de experiências por mim vivenciadas, e por tantos

outros que desse cenário são parte. Larrosa (1996) esclarece que experiência não é o

que se passa, o que acontece ou o que toca. É antes e, sobretudo, o que nos passa, o que

nos acontece, o que nos toca. Com essa compreensão, adotei a metodologia que

apresento, a qual possibilitou apreender dos sujeitos da pesquisa - num movimento

dialético com a minha posição de sujeito pesquisador - o que lhes passa, lhes acontece e

lhes toca no acontecer do ensino de Ciências da Natureza e da Matemática, em Curso

Técnico Integrado ao Médio, do PROEJA.

Sendo assim, nesta seção, explicito a metodologia que atendeu ao objetivo da

pesquisa, dando a conhecer o cenário e sujeitos com quem construí essa tese, o

35

referencial metodológico, o percurso de interlocução com os sujeitos da pesquisa e o

processo analítico construído ao longo da investigação.

Cenário e Sujeitos: Onde e Com Quem Construí a Tese que Defendo

O lócus - já anunciado - em que me debrucei para pesquisar sobre o ensino de

Ciências da Natureza e de Matemática intencionando capturar concepções e ações que

emergem dos relatos dos seus sujeitos básicos, frente aos desafios da formação integrada

para jovens e adultos, sob o esteio do currículo integrado é o Curso Técnico de

Eletrotécnica Integrado ao Médio, do PROEJA ofertado pelo Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – IFMA/Campus São Luís-Monte Castelo13.

Com a implantação dos Institutos Federais em 2008, esta instituição, antes

denominada Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão- CEFET-MA-

transformou-se em um dos Campi desse novo modelo institucional, passando a

denominar-se Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão –

IFMA - Campus São Luís-Monte Castelo. Convém destacar que a história desse

Campus, iniciada com a criação das Escolas de Aprendizes e Artífices, em setembro de

1909, em que foram criadas nas capitais da República escolas gratuitas destinadas ao

ensino profissional primário, consubstancia-se na própria história da educação profissional

no Maranhão.

Foi com a criação das escolas de Aprendizes e Artífices nas capitais dos Estados

que foi instalada, em janeiro de 1910, a Escola de Aprendizes e Artífices do Maranhão,

com o objetivo de formar operários e contramestres. Em 1937 recebeu a denominação

de Liceu Industrial de São Luís. Com a instituição da rede federal de estabelecimentos

de ensino industrial, no ano de 1942, foi transformada em Escola Técnica de São Luís, e

em 1965 passou a ser denominada de Escola Técnica Federal do Maranhão.

Após décadas de transformações políticas e reformas educacionais, adotou em

1989, na vigência do Presidente José Sarney, por meio da Lei Nº 7.863, o modelo de

Instituição de Ensino Superior com sua transformação em Centro Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Maranhão - CEFET-MA. Neste contexto, além da formação

13 Instituição em que trabalho como docente há mais de 20 anos.

36

de técnicos de nível médio para as áreas industriais, voltou-se para a formação de

Tecnólogos em Eletrônica Industrial e para a formação de professores das áreas

profissionais, por meio dos cursos de licenciaturas plenas na área de Mecânica,

Construção Civil e Eletricidade. No final da década de 1990 ampliou seu espaço de

atuação, passando a ofertar Licenciaturas para a formação de professores da Educação

Básica, na área das Ciências da Natureza e da Matemática - Química, Biologia, Física e

Matemática -, bem como em Informática.

Com o projeto de expansão do Sistema Federal de Ensino foi instituída a Rede

Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (REFPT)14. Por meio da Lei

11.892, de 29 de dezembro de 2008, esta Rede passou a ser composta pelos Institutos

Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs); pela Universidade Tecnológica

Federal do Paraná (UTFPR); pelos Centros Federais de Educação Tecnológica Celso

Suckow da Fonseca (CEFET-RJ) e de Minas Gerais (CEFET-MG) e pelas Escolas

Técnicas vinculadas às Universidades Federais.

Os Institutos Federais criados por essa legislação se definem como instituições de

educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializadas

na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino,

com forte inserção na área de pesquisa aplicada e na extensão. Vinculadas ao Ministério

da Educação, estas instituições possuem natureza jurídica de autarquia, sendo detentoras

de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar

(BRASIL, 2008). Conforme estabelece a legislação que as criaram, essas instituições

devem destinar 50% das vagas aos cursos técnicos, cursos de formação continuada e

educação de jovens e adultos e 20%, para licenciaturas em Física, Química, Matemática

e Biologia, ficando os outros 30% - a critério das instituições - com novos/outros cursos

de graduação, pós-graduação e extensão.

Portanto, os Institutos Federais (BRASIL, 2008, p. 3) com esta institucionalidade,

conforme previsto no Art. 7º, passam a visar as seguintes finalidades:

I- Ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente, na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o público da Educação de Jovens e Adultos... III - promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão; ... V - constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica; VI - qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do

14 Na vigência da gestão do Presidente Luís Inácio Lula da Silva.

37

ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino...

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – IFMA - foi

criado nesse contexto, o qual integrou o CEFET-MA, as Escolas Agrotécnicas Federais

de Codó, de São Luís e de São Raimundo das Mangabeiras, que passaram a fazer parte

dos campi que compõem esta instituição. Ao se transformar nesse modelo institucional

passa a assumir, conforme finalidades previstas na Lei 11.892/2008 os desafios de uma

proposta pedagógica voltada para promover a integração e verticalização da educação

básica à educação profissional e superior, como acima explicitado.

No cenário em que as transformações foram se dando, o IFMA, ainda na

institucionalidade anterior, seguindo as determinações do Decreto Federal nº

5.840/200615 passa a ofertar o Ensino Profissional Técnico integrado ao Médio, sob

orientações do PROEJA, o que se torna um grande desafio, uma vez que tal proposta de

integração é algo novo para a educação brasileira. No caso do Campus São Luís/Monte

Castelo - na época CEFET-MA -, foi implantada, em 2007, a primeira experiência de

Curso Técnico em Alimentos Integrado ao Médio, na modalidade de EJA. No ano de

2011 foram iniciados estudos para oferta de outro curso, sendo, em 2012, implantado o

Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao Médio/EJA, a que me voltei nesta pesquisa.

Com a transformação em Instituto Federal, gradativamente foram sendo implantados

novos campi do IFMA, e, nesse percurso, outros cursos/turmas de Cursos Técnicos

Integrados na modalidade EJA passaram a ser ofertados.

Sem dúvida, como antes já explicitei, o Programa Nacional de Integração da

Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e

Adultos – PROEJA –, com a propositura da formação integrada trouxe consigo desafios

15 O Decreto Federal nº 5.840/2006 determinou que todas as instituições da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica deveriam destinar no mínimo 10% das vagas existentes para o atendimento do público jovem e adultos, devendo implantar cursos até o ano de 2007. Além disso, institui no Art. 5º, § único, que as áreas profissionais escolhidas para a estruturação dos cursos serão, preferencialmente, as que maior sintonia guardarem com as demandas de nível local e regional, de forma a contribuir com o fortalecimento das estratégias de desenvolvimento socioeconômico e cultural (BRASIL, 2006, p.2). Por sua vez o Documento-Base do PROEJA afirma que o Governo Federal por meio do Ministério de Educação, convida a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica para atuar como referência na oferta do EMIEP na modalidade EJA (BRASIL, 2007a). Como anteriormente explicitei a Lei n. 11.892/2008 modificou esta determinação, instituindo que este percentual poderá ser aumentado ou diminuído, dependendo das decisões da gestão da escola (BRASIL, 2008).

38

políticos e pedagógicos, entre eles o de construir um Currículo Integrado, considerando

as especificidades do público da EJA, tendo em vista a formação de sujeitos

trabalhadores capazes de compreender e atuar competente e criticamente nos diferentes

espaços sociais e profissionais.

Com a intenção de pesquisar concepções e ações que vêm sustentando o Ensino

das Ciências da Natureza e da Matemática na formação integrada de jovens e adultos,

frente ao desafio de constituição e desenvolvimento de um currículo integrado, voltei-

me para o Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao Médio, do PROEJA, cujo projeto

curricular foi sendo gradativamente construído desde 2011, com início da primeira turma

em 201216, no IFMA, Campus São Luís/ Monte Castelo.

Para escolha desse curso, levei em conta, na época, aspectos que supunha

presentes na realidade. A instituição já ofertava curso Técnico de Eletrotécnica

Integrado ao Médio, portanto, parti do pressuposto de que já contava com uma

infraestrutura física e material, condição importante para viabilizar um processo

pedagógico satisfatório. Sem desconsiderar a importância da formação e da experiência

profissional docente no campo específico de EJA, ao tempo que identificava a lacuna

das formações docentes nesta modalidade educativa - que é uma experiência nova para

os Institutos Federais -, apreendi como aspectos favoráveis o fato de os profissionais

manifestarem interesse em trabalharem no curso, bem como, de já possuírem

experiência na proposta de formação profissional integrada ao médio e com a EJA.

Destaco, ainda, como motivadores da opção feita, meu envolvimento no processo

de implantação do PROEJA na instituição, especificamente no Curso de

Especialização/PROEJA ofertado pelo IFMA e como parceira dos encontros de

discussões e estudos promovidos pelo departamento durante o processo da implantação

do curso pesquisado, em que pude apreender percalços e possibilidades que perpassam

esta experiência em andamento. O recorte nas Ciências da Natureza e da Matemática é

reflexo da importância que estes campos de conhecimento alcançam na instituição, na

minha história profissional, e no contexto do curso em que se situam, como antes

pontuei.

O Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Médio/EJA, situado no Eixo

Tecnológico Controle e Processos Industriais, conforme seu Projeto Curricular, é uma

resposta às demandas sociais. Assim, indica assumir uma formação profissional

16 Foi implantada neste período apenas 1(uma) turma do curso em pauta. A segunda turma deste curso teve início no segundo semestre de 2015.

39

assentada na integralidade das dimensões técnica e humana, tendo em vista a formação

de profissionais técnicos de nível médio com competência para desenvolverem suas

atividades profissionais de forma autônoma. Isto é, manifesta buscar o alcance de um

perfil de profissionais capazes de associar à utilização de recursos tecnológicos,

conhecimentos, valores éticos, estéticos e políticos que encaminhem ao

desenvolvimento de uma postura crítico-reflexiva frente à humanização do homem e do

trabalho (INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO, 2012, p. 8).

Com base no que expressa este documento se aponta uma formação que

possibilite aos estudantes o acesso aos saberes produzidos historicamente integrando-os

a uma formação profissional, de modo a lhes propiciar condições para compreender as

relações que se estabelecem no mundo e, em particular, no mundo do trabalho. Isso

pode significar uma educação que não se reduza à visão utilitarista, mas que possa

atender às perspectivas de uma formação na vida e para a vida e não apenas de

qualificação para o mercado de trabalho (BRASIL, 2007a, p.13). Essa sinalização se

encontra configurada no Projeto Curricular quando expressa os seguintes objetivos:

Capacitar jovens e adultos para atuarem numa sociedade em permanente transformação, aplicando e produzindo conhecimentos científicos e tecnológicos, alicerçados em princípios e valores que dignificam o homem e preservem o meio ambiente; Desenvolver a capacidade crítico-reflexivo do aluno, através do estudo dos fundamentos sócio-culturais, científicos e tecnológicos historicamente acumulados, na perspectiva de prepará-lo para o exercício da cidadania e sua inserção no trabalho à luz dos valores políticos, sociais e éticos; Formar Técnicos em Eletrotécnica com competência para desenvolverem suas atividades profissionais de forma autônoma (INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO, 2012, p. 7).

Ainda que tratados sem o aprofundamento necessário, encontram-se evidenciados

no projeto do curso o trabalho como princípio educativo e a pesquisa, a

interdisciplinaridade e a contextualização como princípios metodológicos norteadores

do processo de ensino e de aprendizagem. Com relação à pesquisa como princípio

ressalta que:

... A pesquisa deverá integrar o fazer pedagógico do corpo docente, respeitando a especificidade de cada disciplina, o tempo escolar, os objetivos, o tema, sobretudo, ser desenvolvido sob o acompanhamento sistemático do professor, possibilitando ao aluno receber, durante o desenvolvimento desta atividade, as orientações metodológicas que lhe assegurem utilizá-la como procedimento de aprendizagem. (INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO, 2012, p. 10).

Balizado por esses princípios, este curso com uma carga horária de de 3.360

horas, a serem totalizadas em três anos letivos, excetuando o período de estágio

40

curricular, encontra-se organizado em 3 (três) séries e 6 (seis) semestres, estruturados

em uma matriz curricular em que disciplinas da formação geral e as da base da

formação profissional serão trabalhadas, paralelamente, ao longo da formação. Em cada

um dos semestres se encontra previsto o desenvolvimento de um Projeto Integrador,

que de acordo com a proposta curricular, busca materializar os princípios da relação

teoria-prática, da pesquisa, interdisciplinaridade e da contextualização, tendo em vista o

ensino consequente em função da aprendizagem ativa e crítica, como condição essencial

para alcance do que se propõe na formação.

Considero importante sublinhar que mesmo a perspectiva de currículo integrado

exige a organização e a seleção formal de determinados conhecimentos científicos,

organizados como conteúdos escolares, em forma de disciplinas, módulos, projetos,

áreas, temas, entre outros. É evidente que o curso prioriza a organização curricular

disciplinar, contudo, no que indica no projeto, abre brechas para promover condições de

materializar os princípios que o sustentam, entre outros, por meio de projetos

integradores que perpassam a matriz curricular como um todo. Para Machado (2006b, p.

64) a metodologia de ensino por projetos objetiva vincular teoria e prática mediante a

investigação de um tema ou problema. Contribui para instigar a dúvida e a curiosidade

do aluno, promovendo-o a sujeito no processo de produção de conhecimentos. Ressalta

que é um processo que se funda no trabalho interdisciplinar, contextualizado e que tem

a pesquisa como base, necessários para desenvolver os conceitos e a compreensão dos

princípios científicos e evidenciar como eles embasam as técnicas. Isso vai exigir

disposição para o planejamento e avaliações em que profissionais e alunos estejam

envolvidos.

As disciplinas das Ciências da Natureza e da Matemática, isto é, Biologia,

Química, Física e Matemática, foco desta pesquisa, como partes da matriz curricular,

constituem-se componentes da formação básica, sendo trabalhadas paralelamente aos

saberes constituintes dos outros campos da base geral e da base técnica profissional. No

projeto do Curso este entendimento se expressa com o registro de que cada semestre

será constituído por um conjunto de disciplinas, em plena sintonia com os demais

componentes curriculares, e que encaminha ao desenvolvimento das capacidades que

integram o perfil profissional de conclusão (INSTITUTO FEDERAL DO

MARANHÃO, 2012). É possível observar que os saberes da parte técnica são

trabalhados ao longo do curso, ainda que haja maior concentração nos últimos anos da

formação.

41

Ressalto que, como antes já mencionado, a simples organização de disciplinas

consideradas de formação geral e de formação específica ao longo de um curso não

assegura a integração pressuposta pelo programa tal como tratada. Esta integração

exige que os princípios pontuados na proposta do curso, de fato, se materializem, para

que a relação entre conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente ao

longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia no

sentido da integração anunciada (Ramos, 2005, p. 122). Isso implica posicionamento do

coletivo no tratamento dos processos que envolvem o curso como um todo, e na

singularidade do ensino que desenvolve.

Os campos de conhecimentos, objetos desta tese, totalizam 520 horas no

currículo do curso, sendo assim distribuídas: Química I e II, 40 e 60 horas,

respectivamente, sendo trabalhadas nos 1º e 2º semestres; Biologia I e II, com 40 horas

cada uma, igualmente trabalhadas nos dois primeiros semestres; Física I e II, 60 e 40

horas, ministradas nos semestres 1º e 2º. A Matemática, estruturada em I, II, III, IV, V,

VI, por sua vez, é trabalhada nos seis (6) semestres, com uma carga horária de 40 horas

em cada um. Dá para perceber que os campos de conhecimentos das Ciências da

Natureza são ministrados nos primeiros períodos, enquanto a distribuição da

Matemática se dá ao longo do curso. Em primeiro olhar pode-se expressar concentração

destes saberes científicos, contudo, considero que o mais importante é apreender as

concepções que os subsidiam e o tratamento destes conteúdos no percurso da formação,

considerando os pressupostos e princípios que sustentam o curso.

Os objetivos a que se voltam o ensino da Química, Física, Biologia e

Matemática, expressos por seus docentes, a partir do declarado, alcançam uma

dimensão que vai além do assegurar a memorização dos conceitos pelos alunos

resultantes de relações transmissivas e mecanizadas. Espero que os alunos sejam

capazes de entender as aplicações da Química em seu dia a dia, disse Kiara. Para

Fausto, a apropriação dos conhecimentos físicos vai possibilitar que os alunos tenham

uma postura cidadã e uma qualificação na área do curso. Elano ressalta que os

conceitos matemáticos devem ser aprendidos de forma contextualizada para que os

alunos possam usá-los de forma crítica. Mariana, por sua vez, assume conhecimentos

biológicos que levem os alunos a assumir uma postura crítica, ética na vida. Outro

rumo ao ensino parece, pois, se apontar.

Considero que os saberes de Química, Física, Biologia e Matemática têm uma

importância fundamental para o alcance dos objetivos da formação profissional

42

almejada, uma vez esses conhecimentos ao tempo que se constituem princípios

científicos básicos dos processos tecnológicos que conformam as atividades no campo

da eletrotécnica, fornecem os fundamentos para a formação de uma consciência

científica e crítica. Portanto, se estes conhecimentos mantêm profunda articulação com

os saberes da base técnica podem contribuir, dependendo da forma como são tratados,

para um processo formativo que não seja meramente técnico, mas que propicie uma

formação profunda e ampla, nas dimensões científica, tecnológica, social e política.

Reconheço, assim, a significação desses campos de conhecimentos na

totalidade que constitui o processo de formação do trabalhador Técnico em

Eletrotécnica, na modalidade de EJA. Parto do entendimento que os princípios

relacionados às novas tecnologias, aos novos processos de trabalho e às novas relações

sociais que se engendram no cenário atual, encontram-se vinculados aos saberes da área

de Ciências da Natureza e da Matemática na medida em que os conhecimentos

científicos, articulados aos conhecimentos histórico-sociais e aos tecnológicos se

constituem base para a formação do cidadão trabalhador contemporâneo. Isso implica

que estes conhecimentos sejam tratados em uma perspectiva de historicidade, de

totalidade (CIAVATTA, 2005; MACHADO, 2006b; FRIGOTTO, CIAVATTA,

RAMOS, 2005; MOURA, 2006).

Feitas essas considerações a respeito do cenário e do objeto desta tese, trato

subsequentemente dos sujeitos da pesquisa. Para alcance das intenções a que me propus

considerei pertinente ouvir aqueles que, de fato, vêm realizando, construindo e vivendo

o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática no cotidiano do Curso sob

investigação. Procurei dar ênfase e voz a sujeitos envolvidos neste processo: pedagoga,

professores que ministram as disciplinas e alunos do curso, que vivenciam este ensino.

Ouvi-los e atentar para o que diziam, para o que emergia dos seus relatos, parece ter me

dado a dimensão que o ensino dessa área tem adquirido no interior de um curso que se

funda, por suposto, em um currículo integrado, pois entendo que qualquer possibilidade

de implementação pertinente passa, necessariamente, pelas ideias de como o concebem,

o interpretam, o significam e o valorizam.

Para a escolha desses sujeitos, apoiei-me em Minayo (1999) quando diz que

esse é um processo criterioso que deve ser guiado pelos objetivos da pesquisa em

ocorrência à opção pelo método adotado pelo pesquisador. Para a autora, a seleção dos

sujeitos não deve ser orientada por uma preocupação com amostragens, mas a partir da

posição que estes ocupam no grupo, dos significados de suas experiências em

43

consonância com o tema a ser estudado, das representatividades que possuem em

função da questão que se pretende investigar.

Envolver professores e alunos no processo investigativo acerca do ensino

destes campos de conhecimentos significa que, neste estudo, este fenômeno não é

entendido desvinculado da aprendizagem. As análises de Veiga (2009) são

esclarecedoras desse entendimento por evidenciarem a unidade dialética do ensino e da

aprendizagem expressa no movimento entre a mediação do professor e a auto-atividade

do aluno, que os torna co-autores desses processos imbricados. Tenho igualmente em

conta Freire (1996, p.7), quando diz que não há docência sem discência. Quem ensina

aprende e quem aprende ensina, os dois se educam mutuamente nesse processo.

Partindo desses pressupostos me voltei para o universo do Curso, buscando ouvir,

apreender e compreender as manifestações advindas dos relatos de diferentes sujeitos.

Foram pesquisados a Coordenadora Pedagógica do Curso e 9 (nove) docentes,

sendo 6 (seis) da base da formação geral e 3 (três) da base de formação profissional. Da

formação geral, 4 (quatro) eram da Área das Ciências da Natureza e da Matemática, um

(1) professor de Língua Portuguesa, da Área de Linguagens e 1 (um) de Filosofia

pertencente à Área das Ciências Humanas. Da parte profissionalizante foram 3 (três)

professores, os quais ministram disciplinas técnicas distribuídas nas três séries que

constituem a formação. Ademais, compondo os sujeitos foram ouvidos 11 (onze) alunos

do Curso tomado como lócus da pesquisa.

Com o rico e amplo material empírico em mãos, resultante do movimento do

ciclo de análise vivenciado, considerando a pertinência aos propósitos da pesquisa,

considerei necessário redimensionar o universo de sujeitos inicialmente investigados,

selecionando para o processo de interlocução, que foi dando forma a esta tese, os relatos

de 5 (cinco) profissionais e 8 (oito) estudantes constituídos como sujeitos efetivos da

pesquisa, que a seguir apresento:

(i) Coordenadora Pedagógica do departamento ao qual o curso se encontra

vinculado, assentada no pressuposto de que, pela natureza de suas

funções, teria uma visão ampla da organização e funcionamento do

curso, em que as disciplinas das Ciências e Matemática se situam.

Encontra-se inserida no curso desde sua implantação, mantendo

envolvimento no processo de discussão/construção do currículo em

estudo.

44

(ii) Docentes da base da formação geral, sendo os 4 (quatro) da Área das

Ciências da Natureza e da Matemática, isto é, 1 (um) de Biologia, 1

(um) de Química, 1 (um) de Física e 1 (um) de Matemática,

selecionados por serem licenciados e ministrarem aulas nos campos de

conhecimentos, no Curso de Eletrotécnica Integrado, foco desta tese;

(iii) Discentes do Curso, em número 8 (oito), selecionados por serem alunos do

curso, terem nível de frequência satisfatório e disponibilidade de

participarem dos encontros do Grupo Focal.

A disponibilidade destes sujeitos em cederem parte de seus tempos para narrarem

e refletirem sobre experiências vividas, particularmente, no ensino das Ciências da

Natureza e da Matemática, no âmbito do curso estudado, constituiu-se outro aspecto para

a seleção desses sujeitos. Levei em conta as contribuições de Minayo (1999) que ressalta

a importância de que sejam escolhidas pessoas dispostas a revelar a sua experiência em

diálogo franco e aberto e que, de sua posição no grupo ou em relação ao tema pesquisado,

sejam capazes de fornecer, além de informações substantivas e versões particularizadas,

uma visão de conjunto a respeito do universo estudado.

Defini, pois, treze interlocutores, cinco profissionais e oito estudantes com

experiências singulares, itinerários escolares e profissionais diversos, entrecortados por

tantas outras histórias, para constituírem o foco das reflexões que construí ao longo

desse trabalho. Interlocutores que me levaram com suas histórias a refletir sobre meu ser

e fazer profissional, tantas vezes atravessados pelas mesmas expectativas, dilemas,

esperanças e contradições. Entendo ser pertinente apresentar quem são eles, que

experiências acumulam, que perfil apresentam, com o propósito de demarcar

características e singularidades de suas e de minhas narrativas no espaço da investigação

ora construído. Com a intenção de resguardar a identidade desses sujeitos optei por lhes

atribuir nomes fictícios, com os quais serão identificados ao longo da tese.

Meus interlocutores docentes na totalidade têm formação superior e pertencem ao

quadro efetivo do IFMA, com dedicação exclusiva. Todos possuem licenciatura na área

em que atuam e pós-graduação – alguns com especialização e outros com mestrado e

doutorado. O tempo de atuação desses sujeitos na instituição varia entre cinco e vinte e

cinco anos. Esses professores trazem, em comum, experiências de trabalho na sua área,

tanto antes de ingressar no Instituto, quanto o que constitui, de acordo com os dados

45

levantados, forte alimentador de trocas de experiências, principalmente no que tange à

incorporação de novas concepções de formação profissional, como esta que pesquisei.

A totalidade do grupo possui experiência com a formação profissional integrada e

já vinha de experiências junto a jovens e adultos, nessa, em outras instituições e em

espaços educativos não formais, trazendo consigo concepções, crenças e valores ali

construídos acerca dessa modalidade de educação e daqueles para a qual se volta. No meu

olhar, outro aspecto significativo com fortes implicações para a feição que o curso vem

alcançando é que mesmo reconhecendo as complexidades e contradições inerentes a

esse processo formativo, atravessado, simultaneamente, por positividade, dificuldades e

tantos limites, todos declararam estar atuando no PROEJA por opção. Em síntese, eles

e elas apresentam as seguintes características:

Elano – licenciado em Matemática, com Especialização em Metodologia do

Ensino pela Universidade Estadual do Maranhão e vários Cursos de atualização na área

do ensino. Iniciou sua vida profissional, ensinando Matemática na EJA, no ginasial e

científico dos antigos Cursos Madureza e Supletivo, há 41 anos. Trabalha no IFMA há

25 anos, atuando desde o período de implantação pela instituição nos Cursos Técnicos

Integrados e nas Licenciaturas de Matemática. Valoriza a formação continuada e está no

Curso de Eletrotécnica /PROEJA desde as primeiras discussões.

Mariana- licenciada em Biologia pela UFMA, com Especialização na área

de Metodologia do Ensino. Trabalha no IFMA há 25 anos, em Cursos Técnicos

Integrados ao Médio e no Curso de Licenciatura em Biologia, desde sua implantação na

instituição. Está envolvida com os Cursos Técnicos Integrados do PROEJA desde a

primeira experiência institucional, em 2007.

Fausto- licenciado em Física, com mestrado e doutorado em Física. Tem a

habilitação de Técnico em Eletrotécnica, campo para o qual se voltou este estudo. Com

quinze anos de docência, está a oito anos no IFMA trabalhando nas Licenciaturas e nos

Cursos Técnicos Integrados ao Médio, desde sua implantação. Coordena pelo Instituto o

Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID – da CAPES. Com

experiência anterior em EJA, encontra-se envolvido no curso Técnico de

Eletrotécnica/PROEJA desde as primeiras discussões. Desenvolve pesquisas na área do

Ensino de Física.

Kiara – graduada em Química Industrial e Licenciada em Ciências. É

Mestre em Química Analítica e Doutora em Química Orgânica. Exercia docência antes

de ingressar no IFMA em 2010 e está envolvida com os Cursos de Licenciaturas e com

46

os Técnicos Integrados desde sua inserção na instituição. Participa da formação no

PROEJA desde o processo de implantação do programa na Instituição. Realiza

pesquisas na área de Ciências

Flora – a pedagoga nomeada - é Licenciada em Pedagogia e Filosofia,

especialista em Metodologia do Ensino. Cursou a especialização em Educação de

Jovens e Adultos pelo IFMA e desenvolve pesquisas nesta área. Exerceu a docência

durante 15 anos e trabalha no IFMA como pedagoga há 12 anos. Assumiu a

coordenação do grupo de estudo e implantação do curso de Eletrotécnica/ PROEJA

desde 2011, quando iniciaram as primeiras discussões para elaboração do projeto

curricular do curso. Tem experiência com pesquisa na área de EJA e Currículo.

O grupo de estudantes, no total de oito, diz respeito a homens e mulheres, jovens

e adultos, de 25 a 46 anos, que têm uma história de vida, uma cultura singular, que

configuram necessidades diferenciadas ao lado de direitos universais. São trabalhadores

empregados, subempregados e desempregados que buscam o Curso Técnico em

Eletrotécnica Integrado/PROEJA cheios de sonhos, de expectativas e de esperança de

ter a oportunidade de uma escolarização/profissionalização que lhes assegure uma

formação ampla e sólida. Desejam uma profissionalização que não se reduza a lhes

ensinar a executar tarefas, mas a atuar de forma competente, com capacidade de realizar

atividades profissionais com domínio dos fundamentos científicos e tecnológicos que

lhes são inerentes. São eles e elas:

Alan – com 35 anos, concluiu o ensino fundamental em 1993. Iniciou por

duas vezes o ensino médio, mas teve que abandonar. Tem vários cursos na área

profissional como o Curso de Comandos Pneumáticos de Informática Básica. Já fez

estágio na área de Elétrica, em consonância com o eixo do curso que frequenta.

Carlos – com 42 anos, concluiu o ensino fundamental em 2000. Tem curso

de eletricista e tem experiência na área do curso.

Edson - tem 32 anos, concluiu o ensino fundamental em 1996. Tentou

aprovação no CEFET-MA algumas vezes, sem êxito. Chegou a iniciar o 1º ano do

Ensino Médio, tendo que abandonar por não poder conciliar com o emprego do

momento. Fez vários cursos profissionalizantes no SENAI e no SENAC. Trabalha com

instalação elétrica e está empregado em uma gráfica.

Fábio – tem 25 anos e concluiu o ensino fundamental em 2005. Fez além de

outros o Curso de Montagem e Manutenção de computadores e atualmente está

desempregado.

47

Gilson– com 34 anos, concluiu o ensino fundamental em 2010. Iniciou o

ensino médio, o qual abandonou por entender que um Curso Integrado lhe oferecerá

melhores oportunidades de vida. É eletricista e trabalha na área.

Joel- com 46 anos, com o ensino fundamental completo. Tem cursos na área

de comandos elétricos, elétrica predial e soldador. Trabalha como eletricista e montador

em uma firma de engenharia.

Luísa- tem 37 anos, concluiu o ensino fundamental em 1998. Tem curso de

vigilante e não tem experiência na área do curso.

Vanda- com 42 anos tem o curso de técnica em soldagem. Concluiu o

ensino fundamental em 1997, mas nunca parou de estudar. Iniciou por duas vezes o

ensino médio, mas teve que parar. Trabalha como montadora de aparelhos eletrônicos

em uma firma.

Instigada pela problemática em torno do objeto posto, em diálogo com esses

sujeitos da pesquisa, expressando minhas interpretações e compreensão advindas de

suas histórias, capturadas a partir da pesquisa empírica, fundamentada em interlocutores

empíricos e teóricos com os quais dialogo, se deu a construção desta tese.

A Metodologia de Pesquisa

Intencionando o alcance dos objetivos propostos, optei pela pesquisa

qualitativa, centrada na abordagem narrativa - o primordial na investigação foi

compreender o objeto do estudo, contextualizando-o na realidade social dinâmica,

buscando capturar as implicações advindas desta realidade Sendo assim, o foco de

análise e interpretação do que foi coletado por esta pesquisa foram os relatos, as

histórias dos sujeitos sobre as experiências que vivenciaram/vivenciam no Ensino das

Ciências da Natureza e da Matemática, no contexto singular do Curso Técnico em

Eletrotécnica Integrado/PROEJA do IFMA.

Produzir conhecimentos utilizando uma abordagem qualitativa implica,

segundo Minayo (1999), optar por estudos que buscam compreender questões da

realidade que envolvem um universo de significados, concepções, valores e atitudes que

não podem ser simplesmente quantificados. O primordial no percurso da investigação é

compreender o fenômeno - objeto do estudo -, contextualizando-o numa realidade social

dinâmica, buscando capturar as implicações advindas desta realidade. Cabe interpretar

seus valores e relações, não dissociando o pensamento da realidade social em que

48

pesquisador e pesquisado são sujeitos recorrentes, e por consequência, ativos no

desenvolvimento da investigação científica. Isto significa que na proposição

investigativa deste estudo voltei-me a capturar as significações, as crenças, valores que

os professores produzem e atribuem às relações e práticas sociais em que estão

envolvidos, no caso, no Ensino de Ciências da Natureza e da Matemática no Curso

Técnico Integrado do PROEJA.

Garnica (1997, p. 111) também apresenta elementos que ajudam a esclarecer a

opção que fiz quando diz que nas abordagens qualitativas, cabe ao pesquisador se

debruçar sobre o objeto de estudo buscando identificar suas características, seu

movimento, na tentativa de analisá-lo e compreendê-lo em seus significados possíveis.

Tal compreensão advém de sua capacidade eminentemente humana de interagir e

interrogar as coisas do contexto em que é parte ativa. Sendo assim, acentua o autor, não

existirá neutralidade do pesquisador em relação à pesquisa - forma de descortinar o

mundo - pois ele atribui significados, seleciona o que do mundo quer conhecer,

interage com o conhecido e se dispõe a comunicá-lo.

Isto quer dizer, que no percurso do processo investigativo em que busquei

compreender as concepções e ações que sustentam o ensinar Ciências da Natureza e da

Matemática em Cursos Técnicos Integrados do PROEJA, não me posicionei como

sujeito à parte, neutro, objetivista, ao contrário, me constituí parte importante do

contexto da investigação. A busca de conhecimentos estava permeada por minhas

intenções, por minha história de vida pessoal e profissional e pelas condições sócio-

políticas do contexto em que me situo e no qual o fenômeno investigado ocorre.

Entendo como Freire (1996) que a escolha da pergunta da pesquisa já, em si, é um ato

embebido de subjetividade, por se encontrar marcada pelos valores, postura teórica e

concepção de mundo daquele que se volta a investigar.

No percurso do pesquisar, sem perder de vista a abordagem metodológica a

qual fiz opção, busquei um movimento consubstanciado pelo cuidado e rigor ético, tão

bem alertado por Freire (1987, p. 267) que, quando em diálogo com Shor, chama a

atenção para uma atitude de permanente vigilância contra a tentação da certeza, a

reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade, como se o mundo que cada

um de nós vê fosse o mundo, e não um mundo que produzimos com os outros. Não

existe a verdade, nem verdade advinda de um só olhar, elas são sempre múltiplas e

transitórias, assim como é o ser humano.

49

Em se tratando de uma abordagem de caráter qualitativo, a pesquisa narrativa

se situa na perspectiva da não neutralidade na relação sujeito-sujeito-objeto,

caracterizando-se como um processo em que pesquisador e participante constroem

mutuamente o percurso investigativo, de forma que ambos reconstituam e compartilhem

suas histórias e se sintam envolvidos por elas (CONNELLY; CLANDINIM, 1995).

Envolver-me na história do outro, buscar compreender suas experiências, interpretar os

seus ditos, foi fazer um exercício no pensamento que levou a capturar uma forma de

organizar, de ver e de pensar o mundo.

A partir dessa perspectiva, assumi a narrativa como modalidade de pesquisa

para capturar as concepções e ações que permeiam o objeto que me dispus a estudar. Tal

posição se dá por compreender a sua fecundidade tanto como modo de produzir sentido

à experiência humana, quanto como forma de investigar/ compreender essa experiência,

no caso, o ensinar Ciências da Natureza e Matemática em cursos técnicos do PROEJA,

levando em conta as dimensões espaço-temporais e as interpretações e compreensões

dos seus protagonistas, num movimento em que estas se agregam às interpretações do

próprio pesquisador, fruto da relação dialógica que se instala criando uma cumplicidade

de dupla descoberta.

Connelly e Clandinin (1995, p. 11) me ajudam a compreender o significado

dessa opção quando afirmam que:

... a razão principal do uso das narrativas na pesquisa em educação é que os seres humanos são organismos contadores de histórias, organismos que, individual e socialmente, vivem vidas relatadas... por isso, o estudo das narrativas são o estudo da forma como os sujeitos experimentam o mundo.

Importa explicitar que ao experimentarem o mundo, atuarem com e sobre ele,

os homens produzem conhecimentos, cultura, concepções, significados e por meio da

narrativa contam sobre essas experiências, externalizam o que pensam e sentem como

resultantes das ações e relações que estabelecem consigo, com outros e com um mundo,

datado e situado. Toda experiência humana se realiza em um contexto histórico e social,

e não há experiência que não possa ser expressa em narrativas.

Nessa direção, Connelly e Clandinin (1995) mencionam que as narrativas têm a

capacidade de reproduzir as experiências da vida, tanto pessoais como sociais de forma

relevante e plenas de sentido. Essa reprodução é capaz de transmitir significado, valor e

intenção na medida em que nós seres humanos somos naturalmente contadores de

histórias e personagens de nossas próprias histórias e das histórias dos demais.

50

De fato, a narrativa tem a ver com contar histórias, e o contar histórias, por sua

vez, é parte natural da existência humana, pois desde a infância, contamos aos outras

nossas histórias, assim como nos envolvemos, de diferentes formas, com suas histórias.

Portanto, a narrativa começa com a nossa história, com a história da humanidade,

estando assim presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as

sociedades. A esse respeito Barthes (1976, p. 19-20) esclarece que:

.... Sob uma quase infinita diversidade de formas, a narrativa está presente em cada idade, em cada lugar, em cada sociedade; ela começa com a própria história da humanidade e nunca existiu, em nenhum lugar e em tempo nenhum, um povo sem narrativa ... ela está simplesmente ali, como a própria vida.

Reside aí o mérito da pesquisa qualitativa na modalidade narrativa o de

explorar e organizar este potencial humano, produzindo conhecimento sistematizado

através dele (CUNHA, 2005, p. 44). Para a autora, tal qual para Connelly e Clandinin

(1995), a narrativa pode ser útil tanto como instrumento na pesquisa educacional,

quanto como método, pois possibilita ao pesquisador capturar a essência da experiência

humana e, consequentemente, da aprendizagem e mudança humana. Dessa forma, ao

recorrer a esse instrumental, o pesquisador legitima o papel do ser humano como

produtor de conhecimentos, no caso específico das narrativas, um ser contador de

histórias, cujos pensamentos, emoções, sentimentos e, sobretudo, experiências são

fontes inesgotáveis de dados.

Ancorada nessa compreensão, passei a ouvir a história dos sujeitos

pesquisados, a reconstruir essas histórias e re-interpretar os significados que delas

emergiam, pois como lembra Cunha (2005, p. 45), uma narrativa acaba sempre sendo

um processo cultural, pois tanto depende de quem a produz como depende de para

quem ela se destina. Ou, como situa Larrosa (1996), nas narrativas as vidas do narrador

e do ouvinte se entrelaçam, pois, ao compartilhar dos relatos o pesquisador tanto pode

reinterpretá-los, quanto recriá-los consoante às suas próprias formas de pensar, sentir e

agir.

Vivenciar esse processo investigativo possibilitou, portanto, compreender,

como acentua Cunha (1997), a cumplicidade que brota entre aquele que pesquisa e o

que é pesquisado, pois de alguma forma a investigação que usa narrativa pressupõe um

processo coletivo de mútua explicação, em que a vivência do investigador se imbrica na

do investigado, sem perder de vista o seguinte:

51

.... As narrativas dos sujeitos são a sua representação da realidade e, como tal, estão prenhes de significado e reinterpretações .... O fato da pessoa destacar situações, suprimir episódios, reforçar influências, negar etapas, lembrar e esquecer, tem muitos significados e estas aparentes contradições podem ser exploradas (CUNHA, 1997, p. 178).

Portanto, ao dar voz, ao ouvir as narrativas dos sujeitos da pesquisa pude ter

claro que tais narrativas não podiam ser consideradas como ‘verdade literal dos fatos’,

mas como representações que se fazem presentes no campo da subjetividade, de

sentidos e significados que habitam a consciência (CUNHA, 2010). As contribuições

de Aragão (1993, p. 5) foram importantes para esse entendimento por explicitar que a

narrativa possibilita a todos nós a expressão da história do nosso ponto de vista, do

lugar de onde podemos olhar e ver não só com os olhos, mas principalmente com a

mente.

Dessa forma, num movimento de cumplicidade, sem deixar de considerar o

necessário distanciamento reflexivo do objeto da pesquisa que propus desenvolver,

lancei mão de procedimentos metodológicos para capturar os relatos dos sujeitos

investigados, entendendo, como evidenciam Franco e Ghedin (2008), que sendo a

realidade dotada de sentido, a investigação deve dispor de instrumentos que apreendam

tal realidade e, sobretudo, que possibilitem interpretação e análise de suas múltiplas

significações e concepções.

Nessa perspectiva, tendo como foco a problematização e os objetivos que

busquei alcançar, priorizei procedimentos metodológicos com instrumentos que

dialogaram e se complementaram no decorrer da pesquisa. Aprofundei teoricamente o

objeto de estudo recorrendo a produções que se debruçaram sobre a temática

pesquisada. Fiz uso da análise documental centrando no Documento base do PROEJA e

no Projeto Curricular do Curso em estudo que, segundo Ludke e André (1986), se

constitui fonte intensa de onde podem ser retiradas evidências e significações que

embasam afirmações e declarações do pesquisador. Realizei entrevistas

semiestruturadas para dar voz ao pedagogo e aos professores selecionados para a

investigação, as quais posteriormente transcrevi para se constituírem dados passíveis de

interpretação e compreensão, tendo em vista os objetivos visados. Com os estudantes

foi vivenciada a técnica do grupo focal. Para enriquecer os dados da investigação lancei

mão das anotações em um diário de campo, que serviu como recurso paralelo, o qual

favoreceu o registro de situações que - pela diversidade de vivências e pela sutileza que

lhes são intrínsecas - possibilitou riqueza e ampliação dos dados.

52

A seguir, com a intenção de explicitar o percurso em que os dados foram

coletados, revelando suas nuances, suas particularidades e contradições, dou a conhecer

o movimento próprio de uma tarefa complexa vivenciada no processo investigativo que

consistiu em ouvir, numa escuta simultaneamente silenciosa e dialógica, os relatos dos

sujeitos sobre as experiências vivenciadas no Curso Técnico Integrado ao Médio em

Eletrotécnica/PROEJA, com foco no ensino das Ciências da Natureza e da Matemática,

sob a feitura de um currículo integrado.

Coletando os Dados Junto aos Sujeitos do Curso

Apresento nesta subseção os aspectos que constituíram o desenvolvimento da

pesquisa, relatando inicialmente o processo vivenciado junto aos professores e ao

coordenador pedagógico do curso pesquisado e, em seguida, o percurso da investigação

junto aos discentes com a aplicação da técnica do grupo focal.

Entrevistando o Pedagogo e os Docentes

Apoiada nas orientações de Connelly e Clandinin (1995) quanto aos aspectos a

serem observados pelo pesquisador ao entrarem no campo da pesquisa, tive o cuidado

de restabelecer e reafirmar no grupo para o qual estava me voltando na condição de

sujeito investigador, relações de confiança e de colaboração, de forma a criar um clima

propício a narrativas compartilhadas, em que os sujeitos envolvidos falassem de suas

experiências, manifestassem seus pensamentos, sentimentos e pontos de vista sem

constrangimentos ou induções.

Dessa forma, a constituição do cenário inicial da pesquisa se deu com relativa

facilidade, em decorrência da boa relação que já mantinha com a equipe de profissionais

do departamento em que o Curso Técnico de Eletrotécnica integrado ao

Médio/PROEJA encontra-se inserido17. Assim, ao entrar em contato com o chefe do

departamento e com a coordenadora pedagógica apresentei os propósitos e a proposta

metodológica da pesquisa, tendo ficado acordado um espaço para apresentá-los aos

professores na reunião que teriam. Participei da reunião, conforme combinado, e nessa

17Além de fazer parte da instituição, de ter coordenado e ministrado aulas no Curso de Especialização/PROEJA, em que alguns professores do departamento estavam envolvidos tive oportunidade de participar de reuniões do grupo de estudo e de planejamento do curso, a convite da coordenação, o que contribuiu para me aproximar mais do grupo.

53

ocasião apresentei o projeto do estudo, explicitando detalhadamente as questões que

inquietavam e os objetivos a que pretendia chegar, aproveitando para convidar o grupo

para participar do processo metodológico que seria desenvolvido ainda no semestre em

curso, adentrando para o ano subsequente.

A partir dessa primeira aproximação, as entrevistas foram agendadas com a

combinação de que seriam gravadas para posterior transcrição, apreciação e possíveis

alterações pelos professores, tendo em vista os procedimentos da análise para gerar

unidades de significação. Considerando as características da entrevista semiestruturada,

elaborei questões que pudessem ser provocadoras de reflexões e narrativas, sinalizando

para os objetivos que davam direção ao estudo.

De início, esse instrumento continha perguntas voltadas para a caracterização

dos professores e da pedagoga, intencionando identificar a trajetória acadêmica e

experiência profissional de cada um deles, condição importante para compreender a

história construída nessas instâncias que repercutem na forma de conceber e atuar nos

diferentes espaços que ocupam, pessoal e profissionalmente. Incluía ainda, questões

voltadas para desnudar o objeto de estudo, instigando desvelar o ensino de Ciências da

Natureza e de Matemática no âmbito do curso do PROEJA, entendendo-o não como um

dado inerte e neutro, mas como um processo atravessado por concepções de mundo e de

educação, carregado de significados e sentidos que sujeitos concretos lhe atribuem no

exercício de atuação.

Sendo assim, por compreender que a apreensão do ensino das Ciências da

Natureza e da Matemática a partir do que emergia dos seus sujeitos não poderia se dar

desvinculado da totalidade em que estava inserido, isto é, fora do contexto do curso do

PROEJA, foquei a entrevista em aspectos, tais como:

· o que concebem sobre PROEJA e currículo integrado;

· motivos que os levaram a atuar nesse Curso, bem como processos de

formação para a atuação no Curso/Programa;

· concepções, percurso de planejamento e organização da Proposta

Curricular do Curso Técnico Integrado em Eletrotécnica /PROEJA

e das Ciências da Natureza e da Matemática como componente

curricular deste curso;

· concepções e processos vivenciados no desenvolvimento do Curso, em

específico, da área das Ciências da Natureza e da Matemática como

54

parte deste;

· o que concebem a respeito do jovem e do adulto a quem ensinam, de

suas potencialidades e limites frente aos objetivos da formação;

· concepções e ações acerca dos objetivos de integração das disciplinas

Química, Biologia, Física e Matemática, consigo mesmo e com

outras da própria área, com outras disciplinas da formação geral e

com disciplinas do campo da formação específica;

· concepções e ações das disciplinas da área em estudo no contexto de

Projetos Integradores que integram o currículo do curso;

· metodologias, recursos e procedimentos de avaliação, usualmente

utilizados, tendo em vista os objetivos propostos para a formação;

· possibilidades e dificuldades confrontadas frente aos desafios

colocados para esse curso do Programa PROEJA.

Essas entrevistas foram realizadas, individualmente, no espaço da instituição,

criando um clima favorável para os relatos no ambiente em que os sujeitos pesquisados

realizam suas práticas. A cada entrevista, eu retomava os objetivos e a autorização para

gravá-la. No processo, busquei fortalecer o espaço de liberdade, a relação de confiança

e cumplicidade, contrária às atitudes de um pesquisador ‘dono do saber’ que ocupa uma

relação hierárquica diante um sujeito passivo. Redobrei-me para favorecer um clima

em que os interlocutores construíssem suas respostas, expressassem seus pontos de

vista, relatassem suas experiências e histórias, tendo claro de que esses relatos por mais

particulares que sejam, são sempre relatos de práticas sociais, consubstanciadas nas

formas com que esses indivíduos se inserem e atuam no mundo, especialmente no grupo

do qual fazem parte.

Em Ludke e André (1986), busquei elementos para justificar a posição que

assumi no percurso ao entrevistar, quando essas autoras ressaltam uma característica

importante da entrevista semiestruturada que é o caráter de interação que a permeia, é a

relação que se estabelece proporcionando uma atmosfera de influência recíproca entre

quem pergunta e quem responde, não havendo imposição de uma ordem rígida de

perguntas a serem seguidas pelo pesquisador. A contribuição de Sarmento (2003, p.

163), foi igualmente importante posto que este declara que:

55

A realização de entrevistas deve permitir a máxima espontaneidade, seguindo devagar as derivas da conversa e percorrendo com atenção seus espaços de silêncio. .... É importante perceber o quanto as entrevistas podem ser uma oportunidade para os sujeitos se explicarem, falando de si, encontrando razões e as sem-razões por que se age e vive.

Apoiada em Connely e Clandinin (1995) deixei que os participantes contassem

primeiro as suas histórias, o que não quer dizer que permaneci em silêncio no percurso

da investigação. Abri tempo e espaço para aqueles que têm sido silenciados nos

processos investigativos falassem de suas experiências, possibilitando que estas

histórias ganhassem estatuto e validade conferidos aos relatos de investigação. Procurei,

atentamente, entender como os entrevistados decifram o curso em que trabalham, como

pensam e agem frente ao desafio de ensinar Ciências da Natureza e Matemática para

sujeitos tão singulares, imbricada às outras áreas do curso, tendo o cuidado de intervir

para retomar questões, quando houve desvios, ou para solicitar a clarificação de ideias,

caso se apresentassem confusas.

Encontrar o distanciamento suficientemente positivo entre mim e os sujeitos da

pesquisa, a fim de proporcionar um espaço agradável de expressão de sentimentos e

concepções, foi um desafio constante. Tomando como referência Aragão (2011) assumi

a vigilância necessária ficando atenta não somente às palavras, mas também aos vários

aspectos envolvidos nas manifestações dos sujeitos, como as pausas, as expressões, os

gestos, pois segundo esta autora, cabe ao pesquisador emprestar significados ao dado

mais simples e aparentemente opaco. Foi fundamental captar nas brechas das

discussões nova indagação, colocando em relação coisas que, sem um olhar apurado,

poderiam parecer desconexas.

Foi significativo apreender os depoimentos dos participantes docentes, sobre

o que pensam acerca do Programa em que se inserem, do ensinar Ciências da Natureza e

da Matemática no cotidiano do Curso investigado, não como descrição objetiva de um

processo, mas percebendo que esses sujeitos, ao falarem a respeito de suas práticas,

refletiam sobre as mesmas e interpretavam suas trajetórias. Como afirma Bosi (2004, p.

44) ouvindo narrativas orais compreendemos que o sujeito mnemônico não lembra uma

ou outra imagem. Ele evoca, dá voz, faz falar, diz de novo o conteúdo de suas vivências.

Enquanto evoca, ele está vivendo atualmente e com intensidade nova a sua experiência.

Esse percurso de escuta, de atentividade aos relatos, de apreensão dos ditos e

não ditos, dos silêncios, pausas, foram acompanhados pelas anotações em diários, pois

tinha em conta o que evidenciam Connelly e Clandinin (1995), que numa investigação

56

narrativa, o sentido de totalidade, verdade, precisão e objetividade é algo construído

graças a uma rica e elaborada fontes de dados, de forma que enfoque as particularidades

concretas da vida daqueles que se dispõem a falar de si. Ademais, diante de convites

feitos por alguns professores para que eu participasse das suas aulas, me fiz presente,

observando e anotando momentos e situações significativas que compunham a

experiência em análise.

Entre encontros e alguns desencontros, em decorrência de agendas previamente

definidas com professores que não puderam ser cumpridas, consegui compor um

material de aproximadamente 18 horas de gravação em equipamento de áudio,

resultante das entrevistas individuais realizadas inicialmente com os docentes. Retomei

alguns casos quando pareceu haver necessidade de explicitação. Foi um percurso rico,

interativo, em que os entrevistados retomaram suas histórias de vida, narraram o que

pensam, sentem e fazem, atribuindo significados a suas experiências e deixando em

minhas mãos um rico material. Este material foi transcrito, compartilhado às outras

informações coletadas por meio de outros procedimentos da investigação. Logo após foi

interpretado, para dar origem a esta macro narrativa, construída nesse movimento

coletivo em que eu e meus parceiros interlocutores fomos autores plenos.

Construindo as Informações Junto aos Estudantes

Para coletar informações junto aos alunos, em um processo de trocas efetivas,

potencializando a livre expressão, tal qual vinha se dando junto aos professores, utilizei

o Grupo Focal, subsidiada pelas contribuições de Gatti (2005, p.9). Para a autora, esta é

uma técnica em que o pesquisador reúne durante certo período, em um mesmo espaço,

certa quantidade de pessoas que fazem parte do público-alvo de suas investigações, com

objetivo de coletar, a partir do diálogo e do debate com e entre eles, informações acerca

de um tema em estudo. Do seu ponto de vista, o grupo focal permite emergir uma

multiplicidade de pontos de vista e processos emocionais, pelo próprio contexto de

interação criado, permitindo a captação de significados que, com outros meios,

poderiam ser difíceis de manifestar.

Com esse entendimento, retomei as orientações de Clandinin e Connelly

(2011) e busquei construir um espaço/momento regido pela transparência, propício para

a troca de informações e para o estabelecimento de relações de confiança, condições

fundamentais à realização do estudo pretendido. Assim, em uma sala de aula, com o

57

acompanhamento da pedagoga do departamento, apresentei a 37 discentes, dos 45

matriculados no curso de Eletrotécnica do PROEJA, a proposta de desenvolvimento da

pesquisa, tendo o cuidado de situar o lugar que eles poderiam ocupar nesse processo,

em decorrência da vivência que vinham construindo no processo formativo.

No decurso desse primeiro contato, chamou-me atenção que - enquanto eu

explicava os objetivos e a metodologia propostos para o estudo - um profundo e

respeitoso silêncio que inicialmente se instalou por parte dos alunos, foi a pouco e

pouco sendo substituído por questões sedentas de esclarecimentos e de detalhes a

respeito do que constituiria esta pesquisa, alertando-me para as orientações de Gatti

(2005, p. 13) quando diz que o convite às pessoas para participar do grupo deve ser

motivador, de modo que os que aderirem ao trabalho sejam sensibilizados tanto para o

processo como para o tema geral a ser tratado.

Nesse contexto, fiz o convite para partilharem, em um espaço coletivo de

trocas efetivas, o que concebem, sentem, valorizam, incorporam e expressam acerca do

objeto em investigação, o curso que faziam. A princípio, dos 37 alunos presentes, cerca

de 20 manifestaram a intenção de participar do grupo focal, quantidade que foi

diminuindo quando se deram conta da necessidade da participação integral nos

encontros planejados para as explorações dos tópicos considerados pertinentes ao tema

da pesquisa. Ao final, considerando alguns critérios pertinentes, o grupo ficou composto

de 11 alunos, conforme já explicitado em tópico anterior. Para efeito das interpretações

e contribuições às categorias de análises estruturadas foram considerados oito (8)

estudantes.

É possível perceber na configuração do grupo, critérios recomendados

(KITZINGER, 1994; GATTI, 2005) no que se refere à aproximação/variação de

características, como fatores facilitadores da comunicação intra-grupo. Isto dada a

heterogeneidade do grupo em termos de idade, gênero e, ao mesmo tempo, aproximação

em termos de estilos de vida, grau de escolaridade antecedente, condição

socioeconômica e, sobretudo, com relação à experiência que estão vivenciando no

processo formativo pesquisado, o que propiciou riqueza na troca de informações.

Antes de iniciar os encontros do grupo focal procurei montar uma equipe para

dar conta das diferentes atividades que envolvem o acontecer desses encontros. Assim

como Gatti (2005), entendo que, dada a diversidade, complexidade e detalhes que

perpassam por reuniões dessa natureza, é fundamental compor um grupo de

coordenação em que as atribuições dos membros estejam bem definidas, tendo em vista

58

o alcance dos objetivos propostos com a adoção desta técnica de coleta qualitativa de

informações. Além de mediadora - papel que assumi na condição de pesquisadora -

convidei duas assistentes para comigo se envolverem nesse exercício complexo da ação

do pesquisar. Uma que desempenhou o papel de observadora e outra que se

responsabilizou em operar as gravações. A observadora teve como atribuição registrar

algumas falas, nominando-as e associando-as aos motivos que as incitaram, assim como

as linguagens não verbais dos participantes. Isto é, os tons de voz, expressões faciais,

gesticulação, pausas, enfim, um rol de posturas, ideias e pontos de vistas que

subsidiaram as análises posteriores. A operadora de gravação, por sua vez, dedicou-se à

gravação integral dos debates que se realizaram nos encontros.

Na busca do alcance dos objetivos intencionados para a pesquisa junto a esses

alunos, planejei uma tríade de encontros de forma a potencializar, num processo

reflexivo e interativo, a apreensão das concepções e ações que permeiam a totalidade do

Curso Técnico de Eletrotécnica/PROEJA e do ensino das Ciências da Natureza e da

Matemática como parte constituinte desse todo. Dessa forma, foram realizados três

encontros do Grupo Focal e, em cada um, a partir de perguntas disparadoras, foram

abordados subtemas que, num processo dinâmico, circular e gradual, facilitou relações e

interações entre os sujeitos. Nestes foi possível perceber que os estudantes se

posicionaram como autores das discussões, análises e sínteses acerca do processo

formativo e do ensino de Química, Biologia, Física e Matemática que nele se dinamiza,

desvelando as implicações frente à formação profissional que almejam alcançar. Tal

planejamento, visando alcançar os propósitos da pesquisa, chegou à seguinte

configuração:

Roteiro das Atividades do Grupo Focal

ENCONTROS GF

INTENÇÃO SUB-TEMÁTICA MODO DE REGISTRO

Encontro I

Discutir, trocar experiência e pontos de vistas de forma a expressar o que concebem, significam a respeito do Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao Médio, vinculado ao PROEJA

Curso de Eletrotécnica/PROEJA: ser aluno/a nesse

curso; potencialidades e

expectativas e dificuldades com

relação à formação que buscam

Filmagem, Gravação,

Anotações do Observador

Encontro II

Refletir/expressar pontos de vista, o que concebem e significam acerca do

As disciplinas de

Filmagem, Gravação,

59

ensino das disciplinas de Ciências da Natureza e da Matemática como parte do currículo do curso que estão cursando

Ciências da Natureza e da Matemática como parte do

currículo do Curso: importância para o

alcance do que buscam no curso;

tratamento dos conteúdos e o lugar que ocupam seus

saberes nesse processo; integração dos conhecimentos

no processo formativo; formas de

avaliação da aprendizagem

Anotações do Observador

Encontro III

Refletir/expressar pontos de vista, o que concebem e significam acerca das disciplinas de Ciências da Natureza no desenvolvimento dos Projetos Integradores do Curso.

As disciplinas de

Ciências da Natureza e da Matemática no desenvolvimento do Projeto Integrador do

Curso: contextualização,

interdisciplinaridade e pesquisa.

Filmagem, Gravação,

Anotações do Observador

A organização do cronograma para a realização dos Encontros do Grupo Focal

se constituiu um grande desafio devido à dificuldade de conciliar um horário, fora das

aulas, em que todos pudessem participar. Foi possível, contudo, não só definir um

horário comum para o I Encontro, mas reservar uma sala com características

aproximadas às orientações de estudiosos no assunto (GATTI, 2005), isto é, um

ambiente acolhedor que assegurasse a privacidade para facilitar o debate e aprofundar as

discussões. Um detalhe importante foi a organização das cadeiras em forma circular no

sentido de promover a participação e interação dos envolvidos, olhando-se uns aos

outros.

Na dinâmica desse Encontro I, com todos os participantes presentes, busquei

no primeiro momento explicar os objetivos, esclarecer sobre a dinâmica de discussões,

os aspectos éticos vinculados ao estudo e ao processo interativo, intencionando desde o

início estabelecer, entre os membros do grupo, relação de confiança e desenvolvimento

de situações de atenção mútua e de propósitos compartilhados. Informei que iria usar o

gravador de áudio e filmadora para registro do encontro, ao tempo que solicitei a

autorização dos participantes, não havendo nenhuma objeção ao fato. Após apresentar

60

os outros componentes da equipe esclarecendo a função que teriam no grupo, solicitei

que todos se apresentassem como condição importante para se passar à interlocução que

iríamos vivenciar.

Ao apresentar neste encontro as questões norteadoras do debate que versavam

sobre o Programa PROEJA e o Curso Técnico de Eletrotécnica nele situado,

intencionava oportunizar que os estudantes expressassem seus pontos de vistas,

convicções, entusiasmos, razões pessoais e sociais que justificam o acontecer e o estar

em um programa/curso dessa natureza. No decurso dos noventa minutos de duração do

encontro procurei fazer a mediação necessária para instaurar e alimentar os relatos e

debates entre os participantes, cuidando para que - ao invés de se tornar uma entrevista

coletiva - fossem vivenciadas trocas efetivas, o que não significava a preocupação com

a formação de consensos. Em síntese, norteada pelos objetivos da investigação, o foco

era explorar as concepções e experiências dos participantes, no sentido de apreender não

somente o que pensam, mas como pensam e por que pensam de tal ou qual modo a

respeito do PROEJA/Curso em que estão inseridos.

No Encontro Focal II, com a participação de 10 alunos, durante 90 minutos,

mais uma vez foi possível vivenciar a técnica oportunizando aos participantes

expressarem suas reflexões sobre o tema por meio da ‘fala’, de modo a manifestarem,

seus conceitos, impressões e concepções (GATTI, 2005) a respeito do ensino de

Ciências da Natureza e da Matemática que se materializa no curso/programa que já

haviam discutido no encontro anterior. A riqueza dos pontos de vista apresentados, das

complementações concordantes/discordantes manifestadas, fez coro a Freire (2001a)

quando diz que os homens aprendem em comunhão mediatizados pela comunicação.

Ainda na busca de apreensão de como os participantes concebem a realidade,

seus conhecimentos e experiências, foi realizado o Encontro Focal III, com a

participação integral dos alunos 18. A pauta das discussões girou em torno do lugar que

ocupam as disciplinas Química, Biologia, Física e Matemática nos Projetos Integradores

que são parte do currículo do curso ao qual se encontram integrados. A intenção era

apreender evidências, ou não, de princípios de interdisciplinaridade, de

contextualização e de pesquisa, que se colocam como balizadores da formação que se

desenvolve no curso. Foram focados, também, os procedimentos de avaliação que

18 Apenas dois alunos tiveram que se retirar no meio das atividades para atender chamados profissionais.

61

usualmente são utilizados e as possibilidades e dificuldades enfrentadas no percurso da

formação.

Vivenciar esse processo entrecortado por momentos acalorados, silêncios

profundos, pausas intermitentes, expressões cautelosas, desvios dos assuntos, foi um

exercício profundo que exigiu de mim, na condição de pesquisadora/mediadora,

consistência, foco, tranquilidade e humildade para aprender nessa caminhada. Apoiada

em Pizzol (2003) procurei, no que era possível, manter produtivas as discussões no

sentido de garantir que os participantes expusessem suas ideias no movimento do grupo.

Impedir a dispersão das questões em foco, assim como evitar a monopolização da

discussão não foi tão fácil, mas a cautela cuidadosa contribuiu para que a fertilidade

prevalecesse. Posso dizer que observar, detalhada e cautelosamente, o que os

participantes contavam uns aos outros foi o maior desafio. Percebi o quanto é complexo

‘contar/relatar em grupo’, superar a fala meramente descritiva e expositiva e usar a fala

em debate. Por fim, não dá para negar o quanto a experiência foi enriquecedora a todos

que nela estiveram envolvidos, o que pode ser constatado pelos frutos gerados no

sentido do alcance dos objetivos desta tese.

Transcrição e Interpretação dos Dados Constituídos no Percurso

Após as entrevistas junto aos professores e à pedagoga, o uso da técnica do

grupo focal com os estudantes, as inúmeras e significativas anotações no diário e as

apreensões advindas das análises documentais, passei a outras etapas da pesquisa.

Inicialmente, realizei a transcrições do material coletado neste processo empírico.

Cabe explicitar que não só o falado, pronunciado, dito, foi importante de ser transcrito,

mas todos os movimentos expressos pelos sujeitos da investigação, como os “não

ditos por meio da fala”, a exemplo das pausas, gestos, entonações, risos, silêncios, os

quais são considerados sobremaneira significativos para a compreensão do que foi

narrado.

Vencida a etapa das transcrições, analisei, rigorosamente, o material empírico

construído ao longo da investigação, por meio da análise textual discursiva, proposta

por Moraes e Galiazzi (2007). No imergir intenso, por meio de leitura atenta,

pormenorizada, indo e vindo no corpus, vivenciei o movimento do ciclo de análise, qual

seja: desconstrução e unitarização, estabelecimento de relações dando forma a um

62

sistema de categorias, captando o novo emergente até o processo de auto-organização,

em busca de novas análises e significados, tendo como horizonte as questões da

pesquisa. Na vivência desse ciclo de análise fiz o exercício de apreender as concepções

e ações que sustentam o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, no Curso

Técnico de Eletrotécnica Integrado que emergiram dos sujeitos investigados, subsidiada

pelos interlocutores que assumo como apoio teórico. Capturei recorrências e

singularidades nas narrativas dos sujeitos, subsidiada pelas questões de pesquisa e pela

tese a defender, que deram forma a três (3) categorias analíticas, fios tecidos que

compuseram a seção subsequente, relativa à busca de compreensão das concepções e

ações presentes no ensino das Ciências da Natureza e da Matemática ao explicitar

aproximações e distanciamentos. A estas categorias denominei: Planejamento Coletivo

e Formação Continuada, PROEJA e Currículo Integrado, e Ensinar/Vivenciar o

Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, posto que expressam a totalidade

e a singularidade que movimentam o ensino pesquisado, que se tornou possível de ser

capturado pelo tratamento analítico sustentado por interlocutores teóricos por mim

assumidos.

63

II TECENDO FIOS PARA COMPREENSÃO DO FOCO DA TESE: (im)

possibilidades que se gestam

...O tratamento de um tema é inesgotável. Os limites são impostos pelo projeto de dizer, e aquele que diz sabe que não dominará por completo os sentidos de seu dizer. Mas esta coordenação dos sentidos múltiplos é também o lugar da riqueza da experiência humana: afasta a uniformidade, a conformidade e o conformismo. GERALDI

Nesta seção trato de referenciais que entrecruzam o objeto, embrião da tese

que construí. Poderia ter buscado outras interlocuções, outros caminhos, afinal eles são

diversos, um campo inesgotável de dizeres, como expressa Geraldi (2001).

As concepções e ações do ensino das Ciências da Natureza e da Matemática

são meu foco, mas se encontram situadas no contexto de um ensino profissional técnico

integrado ao médio, para jovens e adultos, que traz a integração como fim a ser

alcançado. Portanto, como antes mencionei, este objeto de investigação expressa um

ponto de interseção de diversos campos de estudo, posto que cada um traz uma

diversidade de referenciais que podem explicá-los. Foi o cruzamento desta diversidade

que imprimiu riqueza à interlocução que faço, a qual desvela que a totalidade em que o

ensino pesquisado se situa resulta de um movimento histórico permeado por embates e

contradições. Sendo assim, na propositura de integração que se acena, dialeticamente,

possibilidades e impossibilidades se gestam.

Optei por autores sustentados em abordagens diferentes, mas, expressando

um denominador comum, uma voz interna comum, que é a defesa por uma educação,

escola, conhecimento e ensino que possa romper com o conservadorismo, a

fragmentação e com o esvaziamento de significação social que tem marcado a educação

e, particularmente, o ensino nas escolas do nosso País.

Assim, centro o olhar no resgate da trajetória da EJA situando o PROEJA

como parte do percurso. Analiso o PROEJA e a propositura de Cursos Técnicos

Integrados ao Médio regidos por currículo integrado. Discuto o currículo integrado e as

perspectivas do ensino das Ciências da Natureza e da Matemática que, sob novas bases

64

epistemológicas e pedagógicas, contribuem para dar sentido e feitura à perspectiva

curricular integrada em Cursos Técnicos Integrados do PROEJA.

Da EJA ao PROEJA

Apesar do discurso de que a escolarização em nossa sociedade se constitui

centralidade como via para o compartilhamento de saberes, de práticas socioculturais

valorizadas historicamente e de aquisição de instrumentos fundamentais para a

compreensão e participação ativa nos diferentes espaços da vida em sociedade, a

garantia de oportunidade para acessar e permanecer neste processo é marcada por

grandes contradições. Tal realidade revela a enorme distância entre o que é estabelecido,

concebido no plano das legislações e das políticas educacionais e o que se concretiza no

cenário educacional, trazendo implicações profundas para a vida de milhares de

brasileiros.

Cabe situar que a educação de jovens e adultos no Brasil, historicamente

marcada por uma educação ‘para menos’ (RUMMERT, VENTURA, 2007), remonta ao

início da colonização. No entanto, seu reconhecimento como direito começa a ganhar

relevância em um contexto de mudanças políticas e econômicas, em que a

intensificação do processo de industrialização/ urbanização, no período de 1920 a 1930,

mobilizou setores populacionais na luta por uma educação pública de qualidade, que

revertesse o quadro de exclusão de um contingente significativo de brasileiros do espaço

escolar.

Entretanto, apesar da Constituição de 1934 mencionar a educação de adultos

como uma das metas nacionais, as autoras acima evidenciam que além de menções

legais em toda década de 1930 nada de expressivo ocorreu para esse segmento

educacional. Somente na década subsequente, com o início das campanhas para a

educação de jovens e adultos, surgem e se intensificam ações de combate ao

analfabetismo que era evidente nesse contingente populacional.

A década de 1940, marcada por grandes mudanças e iniciativas no campo da

educação, vincula a educação de adultos à educação profissional (GADOTTI; ROMÃO,

2006), sustentada pelo discurso economicista de que sem educação profissional não

haveria desenvolvimento industrial no país. Contudo, estudos têm demonstrado

(IRELAND, MACHADO, PAIVA, 2004; MOLL, 2010) que a formação para o

trabalho, no âmbito da educação básica para jovens e adultos no Brasil, se expressa com

65

grande atraso em relação aos países que já universalizaram esse nível de ensino. Isso

denuncia a ausência de políticas públicas que dê conta do atendimento das reais

demandas de escolarização e formação profissional requeridas por essas pessoas, para

que possam responder às exigências, cada vez mais complexas, do mundo do trabalho e

das relações sociais contemporâneas.

No final da década de 1950 até meados da década de 1960, em um contexto de

estagnação econômica e de alianças políticas com setores populares no debate pelas

reformas de base, sob a liderança de Paulo Freire, ocorreu um quadro de mudanças que

contribuiu com a construção de uma nova página para a História da EJA19. Com relação

às perspectivas que se desenham para esse segmento educacional Haddad e Di Pierro

(2000, p. 210) ressaltam as seguintes orientações:

...Organização de cursos que correspondessem à realização existencial dos alunos, o desenvolvimento de um trabalho ‘com’ o homem e não ‘para’ o homem, a criação de grupos de estudo e de ação dentro do espírito de autogoverno, o desenvolvimento de uma mentalidade nova no educador, que deveria passar a sentir-se participante desse processo; propunham, finalmente, a renovação dos métodos e processos educativos, substituindo o discurso pela discussão...

19Refiro-me às mudanças que vinham se dando no período de 1958 a 1964, contexto em que se deu a realização do 2º Congresso Nacional de Educação de Adultos, onde foi implantado um programa permanente de combate ao analfabetismo- o Plano Nacional de Alfabetização de Adultos- dirigido por Paulo Freire. Com esse educador se inicia uma nova perspectiva de alfabetização, considerando as especificidades desses alunos, defendendo a necessidade de realizar uma educação crítica e política, que transformasse socialmente a população e não apenas a adaptasse ao sistema vigente. Sua proposta metodológica se fundamenta na dialocidade, pois, para ele ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo (FREIRE, 1986, p. 68).

66

A proposta assentada na visão de Freire20 apoiada na centralidade do diálogo

como princípio educativo, no papel de alunos - jovens e adultos - como sujeitos de

aprendizagem, de produção de cultura e de atuação crítica no mundo é de grande

importância para referenciar a tese que aqui discorro. Por apresentar uma proposta de

formação em que esses sujeitos são compreendidos em sua totalidade, como

trabalhadores capazes de fazer a leitura de mundo com direito à leitura da palavra, traz

fertilidade ao que é sinalizado pelo programa estudado. Entendo que o ensino das

Ciências da Natureza e da Matemática - e de qualquer outro campo de conhecimento

que compõe o currículo de cursos técnicos do PROEJA, para responder aos objetivos

que oficialmente proclama -, certamente, deverá manter uma dinâmica na direção do

que esse paradigma sustenta.

A perspectiva de um ensino dialógico, com sujeitos de direitos e de

aprendizagens, produtores de cultura, como propõe os princípios freirianos, se

contrapunha aos ideais preconizados pela nova ordem político-econômica que se

instalou com o golpe militar de 1964. Esse cenário que acentua o processo de

desnacionalização da economia brasileira que passa a vincular-se cada vez mais aos

interesses estrangeiros, sobretudo aos norte-americanos (ARANHA, 1996, p. 241),

impacta diretamente o campo da educação escolar, em todas as etapas da educação.

No sentido de adequar a EJA aos ditames desse contexto, o Programa Nacional

de Alfabetização que se iniciaria naquele ano, sob a liderança de Paulo Freire, foi

abortado e os movimentos de educação e cultura popular foram reprimidos

(FERNANDES, 2012). O vazio foi preenchido por programas de alfabetização de

adultos, assistencialistas e conservadores. Em 1967, foi instituído o Movimento

20 As contribuições de Freire para a EJA (e para todos os segmentos da educação) como espaço de educação integral se encontram registradas nas diversas obras que deixou como legado, consubstanciando a Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1986), a Pedagogia da Autonomia (1996), a Pedagogia da Esperança (1992), dentre outras. Para Freire, a educação compreendida como ato político deve estar assentada em uma visão de totalidade. Totalidade que comporta tanto o cenário macro - em que se dão os embates que envolvem as forças políticas que decidem as legislações e diretrizes da educação; quanto o cenário micro, em que se relacionam educadores e educandos, marcado tanto pela politicidade da educação, como pelas subjetividades que ali se encontram, e nesse movimento, vivenciam, ignoram, burlam e reinventam as diretrizes curriculares no cotidiano (FERNANDES, 2012, p.109). Defende que o fim básico da educação não é apenas a compreensão crítica da realidade, mas a atuação, no sentido de contribuir com a transformação dessa realidade. Reflete que a competência docente comporta as dimensões ética, política, estética e técnica. Sendo assim, o professor deve ter a consciência do próprio inacabamento, do inacabamento dos alunos e da sociedade, tendo em vista apreender e intervir no mundo. Discute sobre a importância dos educadores respeitarem a autonomia do ser do educando e os saberes que eles constroem nos diferentes momentos/espaços que vivem, advertindo que a formação de sujeitos capazes de se situarem criticamente no mundo se faz a partir de um ensino problematizador que implica questionar os conhecimentos, a cultura e as relações sociais que perpassam esse mundo (FERNANDES, 2012).

67

Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) e a Cruzada ABC, movimentos concebidos

com o fim básico de controle político da população, através da centralização das ações e

orientações, supervisão pedagógica e produção de materiais didáticos (DI PIERRO;

JOIA; RIBEIRO, 2001). Na década de 1970, foi criado o Ensino Supletivo, que na visão

de Haddad e Di Pierro (2000, p. 117), objetivava recuperar o atraso, reciclar o

presente, formando mão-de-obra que contribuísse no esforço para o desenvolvimento

nacional, através de um novo modelo de escola, instituído pelo novo regime.

Com o processo de redemocratização do país, na década de 1980,

intensificaram-se os debates em defesa de uma educação pública e gratuita, de

responsabilidade do Estado, para crianças, jovens e adultos. Neste contexto, a

Constituição de 1988 representou um grande avanço para a educação daqueles que a ela

não tiveram acesso no tempo de criança e adolescente, na medida em que instituiu a

obrigatoriedade da oferta pelo Estado do ensino fundamental gratuito,

independentemente da idade.

Contudo, o que a realidade aponta é que a garantia desse direito é apenas

aparente. O Governo Collor representou um recuo na compreensão da educação como

direito, premido pelas orientações neoliberais que começam a tomar corpo a partir do

seu governo. Os impactos neoliberais se aprofundam com a reforma do Estado,

influenciada pelos organismos financeiros internacionais, no governo de Fernando

Henrique Cardoso, com grandes implicações para a educação em geral e, em particular,

para a educação de jovens e adultos, uma vez que o discurso de inclusão contemplado

na Carta Constitucional passou a ser substituído por novas prioridades, com restrições

de direitos. A esse respeito, Haddad (1998, p.114) faz a seguinte observação:

...por meio de uma sutil alteração no inciso I, do artigo 208 da Constituição, o governo manteve a gratuidade da educação pública de jovens e adultos, mas suprimiu a obrigatoriedade de o poder público oferecê-la, restringindo o direito público subjetivo de acesso ao ensino fundamental apenas à escola regular.

O entendimento sobre EJA é ampliado e com a promulgação da Nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional - a LDBEN 9394/96 (BRASIL, 1996) - em

que passa a ser considerada uma modalidade da educação básica, nas etapas do ensino

fundamental e médio, conforme consta no Capítulo II, art. 37, assim:

68

A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. § 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.

A Educação de Jovens e Adultos com status de modalidade de ensino, nas

etapas fundamental e média, possui uma forma própria de ser, tem suas particularidades

e exige uma outra prática pedagógica que abarque as necessidades educativas do

público a que se destina, o que é referendado pelo Parecer 11/2000 do CNE/CEB

(BRASIL, 2000, p. 5) quando explicita:

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa uma dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a escola. Ser privado desse acesso é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência social contemporânea.

Apesar de reconhecer as contradições que perpassam o que se encontra

discutido nesse documento, considero importante mencionar o que nele se manifesta.

Nele se encontra explícito que a reparação da dívida inscrita em nossa história social e

na vida de tantos indivíduos é um dos imperativos e um dos fins da EJA. Essa função

reparadora significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de

um direito negado, qual seja, o direito a uma escola de qualidade, mas, também, o

reconhecimento da igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano (BRASIL,

2000).

Este novo olhar para EJA pode contribuir com a efetivação do direito à

educação dos que, por muitos anos, dela foram excluídos por diferentes razões. O

grande desafio que se inscreve nesse campo educativo é a formulação de políticas

públicas que, de fato, ofereçam condições para que o direito à EJA seja plenamente

exercido. Para tanto, é fundamental não perder de vista os sujeitos para os quais se

volta, respeitando as dimensões sociais, econômicas, culturais, cognitivas e afetivas de

jovens e adultos, inseridos nas escolas do País.

Convém destacar que tal desafio se expressa não só na dimensão qualitativa

do ensino voltado a esse segmento educacional, mas que esbarra, em pleno século

XXI, em déficits quantitativos a serem superados. Estudos demonstram que apesar do

crescimento ocorrido nos últimos anos, o atendimento através da EJA ainda é pouco

69

significativo diante da demanda apresentada pela população jovem e adulta do nosso

país21.

Reconheço que muito ainda necessita ser realizado para que, quantitativa e

qualitativamente, ocorram mudanças substantivas na organização dessa modalidade

educativa que, historicamente, expressou-se com uma organização política e

pedagogicamente frágil, marcada pelo aligeiramento e voltada, predominantemente, à

correção de fluxo e redução de indicadores de baixa escolaridade e não à efetiva

socialização das bases do conhecimento, historicamente produzido pelos sujeitos

sociais (RUMMERT, VENTURA, 2007, p. 33).

Cabe lembrar a concepção de educação de jovens e adultos destacada na

Declaração de Hamburgo (IRELAND, MACHADO, PAIVA, 2004, p.41), entendida como

processo contínuo e permanente, que não se reduz à alfabetização, nem à

escolarização, mas que se traduz no direito de aprender ao longo da vida, conforme

anunciado abaixo:

A educação de adultos engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou informal, que se realizam permanentemente, onde pessoas consideradas “adultas” pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seus conhecimentos e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade.

Essa concepção traduz a condição humanizadora da educação e, por isso

mesmo, não se restringe a ‘tempos próprios’ e ‘faixas etárias’, mas se faz ao longo da

vida (MOURA, 2006, p.8). Dessa forma, a EJA se constitui desafio permanente para as

políticas educacionais e institucionais, que não podem abdicar de ter o aluno, jovem e

adulto, com sua história, sua realidade, suas expectativas e saberes, como ponto de

partida para suas decisões, no campo da escolarização e profissionalização.

A implantação de diversos programas a partir dos anos 2000, tais como: o

Programa de Expansão da Educação Profissional – PROEP, Programa Nacional de

Inclusão de Jovens - PROJOVEM, o Programa Brasil Alfabetizado, o Projeto Escola de

Fábrica e o Programa de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica 21Segundo dados do PNAD (2006), apesar de ter havido, em 2006, uma redução de 3,8 % do índice de analfabetismo em relação a 1996, ainda persiste um quadro de 14,4 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais no país. Ainda que tenham sido reduzidas as taxas de analfabetismo em todas as regiões do país, existem profundas variações entre elas, destacando-se a região Nordeste, que chegou em 2006, com 7,6 milhões de analfabetos, apresentando, portanto, o pior índice da federação brasileira.

70

na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, que se colocam como

possibilidades de efetivar o direito de escolarização ao lado de oportunidades de

profissionalização, têm sido objeto de discussões, reflexões e de análises por parte de

pesquisadores e outros profissionais dos sistemas e instituições educacionais,

assentados em diferentes matizes.

O PROEJA, como parte desses programas, teve sua gênese no ano de 2005,

posteriormente ampliado em 2006, no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Sinaliza ofertar aos jovens e adultos brasileiros oportunidades de elevar a

escolarização articulada à preparação para o trabalho, criando condições de novas

perspectivas para esse público. Esses desafios da formação integrada sob o olhar de

diferentes autores (MACHADO, 2006a; MACHADO; OLIVEIRA, 2010; MOURA, 2006)

tem sido atravessado por avanços e recuos, potencialidades e limites, dificuldades e

possibilidades, evidenciando o convívio, contraditório, de experiências de feições

progressistas com outras de moldes arcaicos que, apesar de proclamar a integração

como pilar, se concretiza sob perspectiva dualista22. Tal realidade não suscita dúvidas

sobre a necessidade de tomada de medidas para assegurar a formação integrada, na

perspectiva de uma educação integral de seus sujeitos e, para isso, é fundamental

realizar pesquisas que ao tempo que contribuem para desvelar essa realidade,

fornecem subsídios para avaliar as práticas educativas nas instituições que as

oferecem. É nessa perspectiva que esta tese se encaminha.

O PROEJA e a Formação Integrada

O PROEJA, vale reiterar, se coloca como proposta de formação que integra a

educação básica à educação profissional, levando em conta as especificidades da

educação de jovens e adultos. Portanto, constitui-se um grande desafio, considerando

a complexidade que perpassa a unificação de três campos, concebidos e

desenvolvidos, historicamente, por itinerários acadêmicos e políticos próprios - a

22 Pesquisas demonstram (KUENZER, 2007; CIAVATTA, 2011) que apesar do discurso da integração este ainda é um grande desafio, pois ainda permanecem na prática experiências cujos currículos se caracterizam pelo modelo dualista. Nesse, a formação geral se desenvolve desarticulada da formação profissional, como se fossem dois currículos em um mesmo curso, em que o primeiro tem como fim, meramente, a preparação para o vestibular e o segundo, reduzido à preparação para o mercado de trabalho.

71

Educação Profissional, o Ensino Médio e a Educação de Jovens e Adultos - tendo em

vista a formação humana e profissional de trabalhadores.

Dessa forma, entendo que a compreensão do PROEJA pela configuração que

reveste, pelos campos que cruzam em seu âmbito, remete, necessariamente, à análise do

que tem constituído o ensino médio e a educação profissional, como etapas formativas

que compõem o sistema educacional do nosso País. Etapas essas que, historicamente,

têm oscilado entre a perspectiva dualista que lhes marca desde a origem, e a perspectiva

de integração que tem alimentado o ideal e a luta de setores educacionais e sociais

comprometidos com a construção de uma educação pública, unitária, capaz de

instrumentalizar seus sujeitos para o exercício da cidadania e para a atuação competente

no mundo do trabalho.

Estudos desenvolvidos por Kuenzer (2001), Manfredi (2002), Frigotto,

Ciavatta, Ramos (2005), e outro, possibilitam compreender que, historicamente, a

escolarização e profissionalização no nosso País, assentam-se em propostas de formação

diferenciadas, caracterizadas por uma dualidade estrutural, que demarca a trajetória

educacional dos que vão desempenhar as funções intelectuais e os que desempenharão

as funções instrumentais no processo produtivo, em decorrência das relações de classes

bem definidas, que determinam posições diferenciadas no mundo da produção e das

relações sociais.

Decorre daí a formulação de propostas escolares de ensino médio e de

educação profissional para atender às necessidades de formação definidas pela divisão

social e técnica do trabalho. Criam-se, pois, as condições objetivas para uns terem

acesso a uma educação escolar básica sólida, fundamental ao alcance da escolarização e

profissionalização no nível superior, à medida que a maioria se volta para a educação

profissional, na qual recebe informações consoantes ao domínio de determinado ofício,

sem o aprofundamento necessário à compreensão teórico-científica do seu fazer e ao

prosseguimento nos estudos (ALVES, 1997).

Ramos (2010) evidencia que esta marca atravessa a história da educação

brasileira, desde os tempos em que a educação profissional era uma política para retirar

do vício e do ócio os desvalidos da sorte23, passando pela equivalência e

23A criação das escolas de Artes e Ofícios, em 1909, no governo de Nilo Peçanha, é considerado o acontecimento mais marcante da educação profissional no Brasil, durante a Primeira República e se expressa como um marco evidente da dualidade estrutural no nosso país. Para Kuenzer (2001) essas escolas, antes de pretender atender às demandas de um desenvolvimento industrial praticamente inexistente, obedeciam a uma finalidade moral de repressão: educar pelo trabalho, os órfãos, pobres e

72

compulsoriedade do ensino técnico24; pelas lutas em defesa da escola unitária,

derrotadas pela reforma conservadora do governo de Fernando Henrique Cardoso25 até

os dias de hoje, em que essa luta ainda continua em vigor.

Como parte desse movimento, considero importante destacar a mobilização da

comunidade científica e educacional brasileira em torno da luta por uma educação

pública, unitária e de qualidade para todos, que se travou na década de 1980, no período

de transição democrática. O debate teórico acerca da vinculação da educação à prática

social e o trabalho como princípio educativo, se expressou, em especial, no contexto da

discussão do projeto da atual LDB, no decurso da década de 1990. Em contraposição ao

modelo hegemônico de ensino técnico de nível médio - 2º Grau -, implantado pela Lei

5.692/71, centrado na contração da formação geral em benefício de uma formação

específica, germinaram no período em pauta as ideias de um ensino médio com o papel

de recuperar a relação entre o conhecimento e a prática do trabalho.

desvalidos da sorte, retirando-os da rua, assim, na primeira vez que aparece a educação profissional como política pública, ela o faz na perspectiva moralizadora da formação do caráter pelo trabalho. 24As Leis Orgânicas instituídas com a reforma Gustavo Capanema, a partir de 1942, instauram um modelo educacional com propostas de educação orgânica às necessidades do mundo do trabalho caracterizado pela ruptura das atividades de concepção e de execução no processo produtivo. Instituía-se oficialmente a dualidade educacional brasileira, em que o Ensino Secundário, acadêmico, propedêutico se desenvolvia em estrutura paralela e independente do Ensino profissional nos diversos ramos da economia, sem que este tivesse alguma equivalência com a formação secundária. Com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n.º 4.024/1961 é estabelecida a equivalência entre os cursos profissionalizantes e os cursos propedêuticos, para fins de prosseguimentos de estudos (KUENZER, 2001). 25 No processo de construção da atual LDB, Lei n. 9.394/96, na primeira metade dos anos 90, vários projetos de reestruturação do ensino médio e profissional foram objeto de debates, os quais representavam as aspirações e as propostas dos diferentes grupos sociais que apoiaram os diversos anteprojetos de Lei em tramitação na Câmara e no Senado, antes da aprovação da LDBEN. No âmbito do governo federal se destacam dois projetos distintos: o do Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Ensino Técnico, atualmente, Secretaria da Educação Média e Tecnológica- SEMTEC, e outro do Ministério do Trabalho, por meio da Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional- SEFOR. No âmbito da sociedade civil, destaca-se o projeto das entidades dos profissionais de educação e de outros setores organizados da sociedade civil, articulados no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, gratuita, de formação politécnica e omnilateral, com base nas formulações gramscianas (MANFREDI, 2002). A lei aprovada em 1996 que resulta desta correlação de forças, dispõe sobre a nova organização da educação nacional e institui as bases da reforma do ensino médio e da educação profissional no Brasil. O teor do texto legal aprovado, em condições minimalistas, anuncia as possibilidades de integração do Ensino Médio e da Educação profissional, contudo, as legislações que legitimaram as regulamentações destas etapas da educação, sob orientações neoliberais, apresentam-se como contrapontos a essa integração, uma vez que o Decreto nº 2.208/97 que regulamenta os artigos 39 a 42 da LDB 9.394/96, que tratam da Educação Profissional, determina que o nível técnico desta modalidade de educação deverá se desenvolver com estrutura organizativa e curricular própria e independente do ensino médio. Tal configuração retoma a dualidade educacional, em que o ensino médio e ensino técnico traçam rumos diferenciados para aqueles a quem atendem, isto é, uma formação propedêutica que prepara para o vestibular e uma formação que propicia uma profissionalização estreita, fragmentada.

73

Expressa-se, pois, a defesa de uma educação politécnica em que, para além da

profissionalização especializada, sinaliza a necessidade de incorporar no ensino médio

processos de trabalhos reais, possibilitando-se a assimilação não apenas teórica, mas

também prática, dos princípios científicos que estão na base da produção moderna

(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).

Contudo, as possibilidades de uma formação profissional pautada na integração

dos fundamentos científicos, histórico-crítico e tecnológicos com os conhecimentos

técnico-profissionais se tornaram praticamente inexistentes no nosso País, pois embora

a LDB determinasse que o ensino médio e a educação profissional tivessem como

centralidade comum o mundo do trabalho26, a reforma implementada no para a

educação profissional apontaram rumos diferentes. Contrário a esse ideal almejado, as

medidas que se configuraram no contexto de orientações neoliberais, coadunada com a

lógica de reforma do Estado brasileiro27, na gestão de FHC, a partir das orientações do

Decreto nº 2.208/9728, estabeleceram a separação entre o ensino médio e a educação

profissional, o que contribuiu para a ampliação da fragmentação e o empobrecimento do

processo formativo ofertado por essa modalidade de ensino (KUENZER, 2001). Ao

analisarem o que está posto nos meandros desse instrumento legal, Castro, Machado e

Alves (2010, p. 25) evidenciam que:

A reforma introduzida por esse decreto no ensino médio- técnico tem por base uma adequação da educação à lógica produtiva oriunda da reestruturação produtiva de base flexível, que exige uma formação assentada na polivalência e na flexibilidade. .... Assim, por ele, reafirmou- se a subordinação da escola ao mercado de trabalho, a formação foi vista como uma qualificação direta para o exercício profissional.

26A LDB, Lei Federal de nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996) destaca que a educação nacional tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho” (Art. 2º); dispõe ainda, que o ensino médio deve garantir a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando para continuar aprendendo, propiciando a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (Art. 35, II, IV ) e que a educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia conduz ao permanente desenvolvimento de aptidão para a vida produtiva (Art. 39). 27A reforma neoliberal de Estado, com ênfase nos anos 90, encolhe o espaço público democrático do direito e amplia o espaço privado, não só nas atividades ligadas à produção econômica, mas, também, no campo dos direitos sociais conquistados, como é o caso da educação. Aprofundar em Gentili (1996), Frigotto (2000). 28Por esse decreto ficou instituído que o nível técnico de ensino teria uma formatação em que a educação geral seria trabalhada separada da educação profissional, a partir da seguinte estruturação: a forma concomitante, em que o aluno teria duas matrículas, uma do ensino médio e outra do ensino profissional, obviamente, a serem cursadas na mesma ou em instituições diferentes, por meio de currículos separados. Contempla, ainda, a forma de pós-médio, para alunos que já tivessem cursado o ensino médio e resolvesse cursar o ensino técnico (BRASIL, 1997).

74

Por não reconhecer a educação básica como fundamental para uma formação

científico-tecnológica sólida dos trabalhadores, tal medida se coloca na contramão das

lutas pela construção de um projeto educacional vinculado às necessidades dos segmentos

que vivem do trabalho. Ao propugnar para o nível técnico um itinerário formativo em que

educação geral e profissional se encontram desvinculadas, tal perspectiva, trouxe, em

particular para a rede federal de educação tecnológica, o desmanche da possibilidade de

aprofundar uma educação no sentido da omnilateralidade (CASTRO, MACHADO,

ALVES, 2010, p.26). Essas configurações expressam os fundamentos que,

historicamente, têm sustentado a educação profissional no Brasil, isto é, uma formação

destinada aos filhos dos trabalhadores, voltada para o trabalho de pouca complexidade,

portanto, tomada como formação de ‘segunda classe’. Certamente, uma formação que não

prepara para a inserção em postos de trabalho que exigem atividades complexas, ainda

que não sejam essas para todos os trabalhadores.

Ao se configurar como modelo de produção, fundado na substituição da base

eletromecânica pela microeletrônica, na flexibilização da produção decorrente da

incorporação da ciência e da tecnologia no processo produtivo o toyotismo ou “modo de

acumulação flexível’, exige de determinados trabalhadores, não só apertar botões, mas

novas capacidades cognitivas e atitudinais, tais como interpretar e manejar informações

e dados, raciocinar com rapidez, antever e resolver problemas com criatividade,

comunicar e conviver em grupo, tomar decisões individuais e coletivas. Isso remete à

necessidade de escolaridade que garanta a formação geral, básica e formação técnica

ampla. Obviamente, tal exigência, não advém de uma preocupação humanista, nem

significa a perda da perspectiva capitalista, mas acaba por se constituir uma brecha

histórica colocada pelo próprio capitalismo para o incremento da formação dos

trabalhadores (FERNANDES, 2012).

Com relação a essas novas exigências de atuação e, portanto, formativas,

Frigotto (2005) e Kuenzer (2001) e Kuenzer, Grabowski (2006) advertem que, nos

limites do modelo de acumulação flexível, as demandas de qualificação e escolarização

se restringem aos que irão ocupar postos de trabalhos mais complexos, não se

colocando como necessidade para todos os trabalhadores. Por outro lado, veem como

uma brecha histórica, como positividade, as exigências de aquisição de novas

habilidades cognitivas e comportamentais a partir das novas formas de organização e

gestão do processo produtivo. Ainda que com limites, essas podem, contraditoriamente,

atender às necessidades do trabalhador diante da retração das oportunidades de trabalho

75

em um mercado cada vez mais competitivo e, ao mesmo tempo, gerar possibilidades de

participar em outros espaços, e de lutar pela efetivação dos seus direitos sociais.

Nesse sentido, durante os anos de 2003 e 2004, setores educacionais

vinculados ao campo da educação profissional, principalmente no âmbito dos sindicatos

e dos pesquisadores da esfera do trabalho e da educação (MOURA, 2006), se

mobilizaram pela revogação do Decreto nº 2.208/97. A pauta de reivindicações

sinalizava para uma nova reforma do ensino médio e da educação técnica, em caráter de

urgência, a partir da revisão das bases tecnológicas em que está assentada a educação

profissional, para garantir a construção de um novo projeto educacional alinhado aos

princípios de uma educação politécnica, tendo em vista a construção de uma nova

sociedade possível. Ao tratar da educação assentada no ideário da politecnia, Frigotto

(2005, p. 35-36) evidencia que:

O ideário da politecnia buscava e busca romper com a dicotomia entre educação básica e técnica, resgatando o princípio da formação humana em sua totalidade; em termos epistemológicos e pedagógicos, esse ideário defendia um ensino que integrasse ciência e cultura, humanismo e tecnologia, visando ao desenvolvimento de todas as potencialidades humanas. Por essa perspectiva, o objetivo profissionalizante não teria fim em si mesmo nem se pautaria pelos interesses do mercado, mas constituir-se-ia numa possibilidade a mais para os estudantes na construção de seus projetos de vida, socialmente determinados, possibilitados por uma formação ampla e integral.

Foi a partir dessas discussões29 que se edificaram as bases que deram origem

ao Decreto n.º 5.154/2004 (BRASIL, 2004), revogando o Decreto nº 2.208/97.

Promulgado em um cenário tensionado entre uma conjuntura política que pressiona para

o avanço dos direitos sociais e a manutenção de um Estado que mantém privilégios e

perpetua desigualdades, esse instrumento legal, manteve as ofertas precárias e

aligeiradas de formação profissional, com os cursos técnicos concomitantes e

subsequentes herdeiros desse documento revogado. Por outro lado, trouxe como ganho

o retorno da possibilidade de integrar o ensino médio à educação profissional técnica de 29O embate para revogar o Decreto n. 2.208/97 engendrava um sentido simbólico e ético-político de uma luta entre projetos societários e o projeto educativo mais amplo (FRIGOTTO, CIAVATTA E RAMOS, 2005, p.52). Havia pelo menos três posições divergentes diante da decisão do governo federal de revogar o referido Decreto: os que eram contrários à revogação; os que defendiam tão somente a revogação do mesmo, por entenderem que a LDB pudesse vigorar com seu poder normativo; outros que defendiam a promulgação de um novo decreto que revogasse o anterior e apontasse novos rumos para a educação em pauta. Foi decidido pela terceira posição e depois de sete versões de minuta com a participação de entidades da sociedade civil e intelectuais, em julho de 2004 o Decreto nº 2.208/1997 foi revogado pelo Decreto n.º 5.154/2004.

76

nível médio, a partir de uma proposta curricular única que, de forma integrada, assegure

o cumprimento das finalidades estabelecidas para a formação geral e as condições de

preparação para o exercício das profissões técnicas (BRASIL, 2004).

Em concordância com Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), considero que esse

Decreto, elaborado no contexto de uma democracia restrita, num momento histórico em

que o Estado brasileiro e seu governo à época oscilam entre o medo e a esperança

(FRIGOTTO, 2005) por si só não muda o desmonte produzido pela década de 1990,

contudo, ou se aproveita as brechas históricas que se acenam como possibilidades de

travessia para outra realidade educacional e social, ou será apropriado pelo

conservadorismo, coadunado com modelos educacionais não comprometidos com a

formação do trabalhador e cidadão em sentido pleno.

Esses autores evidenciam, ainda, que a possibilidade de integração vigorada

pelo Decreto em discussão, coloca em pauta uma concepção de educação que está em

disputa permanente na história da educação brasileira, quando se trata de decidir que

tipo de educação deve ser propiciado a uns e a outros, de modo a atender às

necessidades dos sujeitos e da sociedade. Como adverte Frigotto (2005), esta é uma

questão que traz no seu bojo, decisões políticas e éticas, pois em uma realidade

conjunturalmente desfavorável, em que jovens e adultos com histórias de exclusão,

‘sem condições, sequer, de sonhar com uma profissionalização para o nível superior’,

precisam obter uma profissão ainda no nível médio, como possibilidade de

ressignificação de suas condições de vida. Acresce-se que não é possível desconsiderar

que, além dos novos requisitos de qualificação que se colocam como exigência aos

profissionais na nova configuração do mundo do trabalho, novas possibilidades se

abrem nos diversos setores da vida social, em que não só a produção incorpora ciência e

tecnologia, mas a vida social, cultural, como um todo.

Feitas essas reflexões, retomo o PROEJA para situar que este, formulado em

um cenário globalizado permeado de contradições30, é corolário do que resultou desses

embates políticos, econômicos e sociais, portanto, atravessado pelos limites e

possibilidades da realidade refletida, podendo representar na prática, tanto um avanço 30 Fernandes (2012) alerta que apesar do aspecto positivo implícito na demanda por formação, e preciso estar alerta diante do engodo que seria acreditar que o maior investimento na educação dos trabalhadores guarde uma relação direta com melhores postos de trabalho, maior produtividade, renda, desenvolvimento pessoal e ascensão social dos mesmos. A demanda/possibilidade da formação dos trabalhadores não deve ser vista como panaceia, mas como possibilidade histórica. No sentido de atender a perspectiva dos trabalhadores deve ser projetado um ensino que assegure a apropriação da leitura e da escrita, do cálculo, da cultura geral, técnica e tecnológica, relacionando pratica e teoria – elementos primordiais para que a formação pretendida possa se efetivar.

77

como um retrocesso, dependendo, entre outros, de como é concebido, significado e

dinamizado no universo das instituições.

As bases do PROEJA foram lançadas no Decreto Presidencial nº 5.154/2004,

antes analisado. Assim, o Programa Nacional de integração da Educação Profissional

com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA-,

instituído, no âmbito federal, pelo Decreto nº 5.478/2005 e substituído, após um ano,

pelo Decreto n. 5.840, de 13 de julho de 2006 (BRASIL, 2006), constitui-se um

programa orientado à unificação de ações de profissionalização (nas categorias

formação inicial e continuada de trabalhadores e Educação Profissional Técnica de

Nível Médio) à educação geral (no nível fundamental e médio), na modalidade

consagrada a jovens e adultos (MACHADO, 2006a, p.36).

Entre as ofertas reguladas encontram-se os Cursos Técnicos Integrados ao

Médio, cujo acolhimento pela Rede Federal de Educação Tecnológica, como é o caso

do IFMA, passa a ser obrigatório, criando uma realidade que começou a afetar suas

práticas e sua cultura escolar. Isso porque têm sido evidenciados (OLIVEIRA, PINTO,

2012) alguns impasses que se acirram institucionalmente, que expressam diferentes

formas de compreender e assumir as perspectivas de integração que caracterizam o

programa. Ao lado do reconhecimento da positividade da institucionalização da oferta

pelos Institutos Federais e do sentido do trabalho no PROEJA, manifesta-se rejeição,

por parte de alguns, por considerarem a imposição do programa de cima para baixo, sem

a participação e escuta da comunidade. Ademais, são evidenciadas resistências com

relação à absorção de alunos, jovens e adultos, nos cursos técnicos integrados ao médio,

com o argumento de que tais alunos “sem base” não terão condições de participar de

curso com essa complexidade. Expressa-se, pois, a visão estigmatizada em relação aos

sujeitos alunos da EJA, de que estes, pela situação de escolarização com fluxos

irregulares, tornam-se incapazes de aprender determinados saberes que lhes devem ser

ensinados.

A forma de organização curricular integrada é um marco na EJA, pois até então

não havia normatização na educação brasileira que integrasse conhecimentos gerais -

dentre outros, os conteúdos da Química, Biologia, Física, Matemática - e conhecimentos

específicos - referentes aos conteúdos técnicos - na educação profissional de nível

médio, voltada para jovens e adultos. Sem desconhecer os limites e dificuldades que

atravessam programas dessa dimensão, reconheço que a realidade trazida por esse

documento legal evidencia as conquistas alcançadas pela sociedade civil em prol da

78

defesa da escola pública para os trabalhadores e a observância de princípios da

Constituição de 1988, tais como o do direito à educação. O PROEJA, dessa forma,

manifesta-se como um desafio ético-político e epistemológico, uma vez que exige da

escola profundas reformulações para abrigar e potencializar a riqueza e a diversidade

que para ela convergem quando recebe alunos - jovens e adultos - da classe

trabalhadora (CIAVATTA, 2011, p. 44).

A decisão de assumir o PROEJA exige das instituições de ensino o

entendimento de que a educação é direito de todos e que pode contribuir para a inserção

social e laboral daqueles que historicamente ficaram à margem na sociedade. É

necessário viabilizar uma formação que se constitua ponto de intersecção entre o mundo

do trabalho e o mundo da educação, promovendo uma qualificação social e profissional

que se expresse em ações de formação voltadas para uma inserção autônoma e

solidária no mundo do trabalho, com efetivo impacto para a vida (BRASIL, 2007a,

p.46). Ou seja, uma formação na vida e para a vida e não apenas de qualificação para o

trabalho.

O Documento Base Nacional do PROEJA (BRASIL, 2007a), que institui os

fundamentos da educação profissional técnica de nível médio integrado ao ensino

médio, na modalidade de EJA, apregoa uma concepção de formação fundamentada na

integração de trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura geral, tendo

em vista a formação integral do educando. Igualmente, define princípios que

consolidam esse programa. O primeiro princípio é o da inclusão da população nas

ofertas educacionais públicas, garantindo permanência e sucesso escolar. O princípio

subsequente foca a EJA evidenciando o compromisso com sua inserção orgânica na

educação profissional, nos sistemas educacionais públicos. O terceiro princípio afirma a

ampliação da educação básica e a universalização do ensino médio. Os princípios

seguintes, ainda que não estejam suficientemente aprofundados no Documento, têm

importância fundamental por implicarem diretamente na forma de organizar e dinamizar

o processo pedagógico que, antes, é a expressão da dimensão epistemológica fundante

da educação profissional, como evidencio abaixo (BRASIL, 2007a):

(i) O trabalho como princípio educativo que traz no cerne a compreensão de

trabalho como processo eminentemente humano, base para a constituição

humana de todos os homens e mulheres que ao agir sobre a natureza a

transformam e, dialeticamente, transformam a si mesmos, produzindo nesse

79

movimento, conhecimentos e cultura. Portanto, não significa simplesmente

emprego ou ocupação produtiva, posto que é a atividade fundamental pela

qual o homem se humaniza, cria e recria o mundo.

(ii) Pesquisa como fundamento da formação, compreendida como modo de

produzir conhecimentos para compreensão da realidade, forma de atuar

diante dos fenômenos, na perspectiva da construção da autonomia intelectual

dos sujeitos contemplados nessa política; e

(iii) Condições geracionais de gênero e de relações étnico-raciais, como

fundantes da formação humana e dos modos pelos quais se produzem as

identidades sociais dos beneficiários do programa.

Ao definir como princípios fundamentais dos cursos técnicos integrados ao

médio a integração entre trabalho, cultura, ciência e tecnologia, o PROEJA, ao menos

no aspecto formal, põe-se em outra perspectiva a formação de trabalhadores,

diferentemente da histórica dicotomia expressa nas políticas educacionais e nas práticas

educativas de escolas brasileiras. Isto porque, além da unificação entre modalidades

educacionais, a proposta de integração em questão se apoia na perspectiva de integrar

formação geral e formação técnica, trabalho manual e trabalho intelectual, na direção

da escola unitária defendida por Gramsci31 (1991, 2001), assentada no trabalho como

princípio educativo, tendo como horizonte superar a divisão entre formação intelectual e

formação técnica, na perspectiva de alcançar a formação do ser humano omnilateral.

31Antônio Gramsci (1991, 2001), pensador italiano, é um marco no processo reflexivo sobre a relação entre educação, trabalho e sociedade, utilizando o método de Marx e Engels em novas conjunturas. No final do século XIX, na Europa, em um contexto em que se intensifica as discussões sobre a obrigatoriedade do Estado em oferecer uma educação pública e a generalização da educação básica, este teórico teceu críticas ao sistema de ensino italiano e se colocou contra a proposta reformista apresentada por Giovanni Gentile, denunciando o caráter elitista da escola tradicional, de base humanística, voltada para a burguesia e o caráter discriminatório da escola profissional, de base pragmática, destinada aos trabalhadores. Para este autor, a grande questão se relacionava à ideia de uma escola que, precocemente, distinguia a formação profissional especializada e a formação geral, humanística e intelectual, que se destinavam a indivíduos diferentes, de acordo com a classe social a que pertenciam. A partir da crítica à escola que eternizava desigualdades sociais ao proporcionar formação intelectual para um grupo privilegiado e formação profissional aos filhos dos trabalhadores, Gramsci apresenta a proposta da Escola Unitária, fundamentada na igualdade e no estabelecimento de novas relações entre trabalho manual e trabalho intelectual, cuja direção é a formação de indivíduos que sejam dirigentes, ou que estejam na condição de poder sê-los, constituindo-se numa proposta educacional voltada para a emancipação da classe trabalhadora.

80

Ciavatta (2005), ao abordar a integração na perspectiva do ensino médio

integrado ao ensino técnico que, no caso, subsidia a organização dos cursos do

PROEJA, evidencia que o termo integrar tem sentido de completude, de compreensão

das partes no seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como totalidade

social, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos.

Significa, portanto, enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar

a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual

ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e

cidadãos (CIAVATTA, 2005, p.84). Ou, como diz Gramsci (2001, p.137) significa

fornecer instrumentos fundamentais para que cada ‘cidadão’ possa tornar-se

‘governante’ e que a sociedade o ponha, ainda que ‘abstratamente’, nas condições

gerais de poder fazê-lo.

As possibilidades de outro horizonte se gestam com essa perspectiva contrária

à formação estreita, vinculada às predições do mercado. O ideal a ser atingido é a

formação humana, no seu sentido lato, com acesso ao universo de saberes e

conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade,

como o caso dos que compõem a área das Ciências da Natureza e da Matemática,

integrada a uma formação profissional que permita compreender o mundo,

compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de

vida (MOURA, 2006). Portanto, não significa que os alunos sujeitos desse processo

terão garantia de emprego ou melhoria material de vida, contudo, abrirão possibilidades

de alcançar esses objetivos, além de se enriquecerem com outros referenciais culturais,

sociais, históricos, laborais, (BRASIL, 2007a), construindo condições de ler,

compreender e atuar no mundo, como sinalizou Freire (1996).

A partir dos preceitos tratados na Declaração de Hamburgo, em que a educação

é concebida como direito e como processo que se desenvolve ao longo da vida, a

integração entre educação profissional, ensino médio e EJA, discutida no Documento

Base (2007a), supõe a construção de um projeto educativo para além de segmentações e

superposições que tão pouco promovem as possibilidades de ver mais complexamente a

realidade, como, também, de pensar na intervenção sobre esta. Supõe, portanto, tomar

decisões acerca da importância e do sentido de aprender, entre outros, os conhecimentos

científicos de Química, Biologia, Física, Matemática e do quê/como estes podem

contribuir para o domínio técnico e intelectual das atividades inerentes ao campo

81

profissional, propiciando, também, a compreensão das relações políticas e econômicas

imbricadas a esse campo, trazendo implicações para seu estar no mundo.

Isso significa que na implantação dos Cursos Técnicos integrados ao Médio do

PROEJA é indispensável criar condições inovadoras e criativas que dê conta de

promover a interlocução entre os campos de ensino envolvidos no programa. A esse

respeito, Machado (2006a, p. 40) evidencia o seguinte:

Para estruturar cursos do PROEJA, as instituições precisam enfrentar e dar respostas criativas para desenho e desenvolvimento curriculares inovadores. Essa tarefa representa, de fato, um grande desafio à criatividade das instituições, dos docentes e dos especialistas envolvidos, particularmente quando se trata da opção de oferta integrada do Ensino Médio na modalidade EJA à Educação Profissional Técnica de Nível Médio, estruturas curriculares com níveis mais complexos de regulamentação.

É necessário considerar o caráter multidimensional das propostas pedagógicas

desses cursos, que deve dar conta de cobrir simultaneamente conteúdos e funções da

educação básica e da educação profissional. Importa assumir, como antes discutido, a

perspectiva do trabalho como princípio educativo, o que demanda por parte do coletivo

dos sujeitos envolvidos na elaboração da proposta, o entendimento do mundo do

trabalho a partir dos conhecimentos históricos, filosóficos, sociais, políticos, culturais,

geográficos, matemáticos, físicos, químicos, dentre outros. Isso significa que o conjunto

dos campos de conhecimentos que o constitui - como a Área das Ciências da Natureza e

da Matemática - deve se encaminhar no sentido da superação de dicotomias entre

ciência/tecnologia, teoria/prática, ensino/pesquisa.

Nessa perspectiva, um grande desafio que se põe é a construção de uma

identidade própria para espaços educativos que levem em conta as singularidades dos

sujeitos da EJA – sujeitos que são individuais e coletivos, que têm especificidades de

gênero, de raça, de geração, de religiosidade, que produzem saberes em diferentes

espaços sociais. Saberes esses, no campo da Matemática, da Física, da Química e da

Biologia que circulam na vida e que devem ser reconhecidos, legitimados e

evidenciados. Machado (2006a, p. 45) reforça este entendimento ao propor que na

construção de proposta pedagógica para Cursos Técnicos, do âmbito do Programa, deve

ser considerada a pluralidade e especificidade da Educação de Jovens e Adultos e dos

sujeitos para a qual se volta, sem descuidar das exigências didático-pedagógicas da

Educação Profissional. Sinaliza, assim, para alguns pontos de partida, sobre os quais

devem se assentar a construção de um currículo inovador para o PROEJA, tais como:

82

a) Conhecer os segmentos de jovens e de adultos para os quais a ação educativa se dirige: suas histórias de vida, suas expectativas e necessidades, seus processos operatórios de aprendizagem; b) Considerar toda e qualquer bagagem anterior à escola: os valores e os conhecimentos prévios adquiridos por estes públicos em suas culturas de origem e em seus ambientes de trabalho; c) Reconhecer suas trajetórias sociais e escolares não como processos truncados, mas como caminhos diferentes de formação mental, ética, identitária, cultural, social e política; d) Considerar que a capacidade de aprendizagem destes segmentos é potencialmente capaz de apropriação de conteúdos científicos e formais; e) Ter, como resultado, a ampliação da capacidade destas pessoas de estabelecer relações entre sua bagagem e o conhecimento novo, com significado para suas vidas; f) Respeitar o direito que elas têm de utilizar tanto o conhecimento novo como o anterior, na lida de seu cotidiano.

Como é possível perceber, a concepção de formação integrada em Cursos

Técnicos do PROEJA comprometida com o perfil de homem/trabalhador dirigente, traz

implicações políticas, epistemológicas e curriculares substantivas, na medida em que

pressupõe que deve ocorrer certa convergência sobre ‘que ser humano e que

profissional vai ser formado’ e quanto às estratégias necessárias para o alcance dos

objetivos e perspectivas priorizados (MACHADO, 2006b). Entendo, assim, que para

além do campo legal, implica dimensões ideológicas, concepções de mundo que se

concretizam em escolhas epistemológicas e pedagógicas no desenvolvimento das

propostas curriculares dos cursos, formados por campos de conhecimentos que,

integrados, compõem a base geral e a base profissional do processo formativo. É com

esse entendimento que me debruço a seguir sobre o campo teórico que dá sentido a esta

tese, qual seja o ensino de Ciências da Natureza e de Matemática na perspectiva de

currículo integrado, em Cursos Técnicos Integrados ao Médio do PROEJA.

O Currículo Integrado e o Ensino de Ciências da Natureza e de Matemática

Antes abordei que um processo formativo que integre a formação básica, a

formação específica e a EJA exige - além de mudanças amplas no âmbito das

concepções e das políticas governamentais e institucionais - mudanças nas concepções

de ensinar e de aprender, de conteúdos e forma de abordá-los, de alunos e saberes

que possuem. Isso implica revisões profundas nas bases epistemológica e pedagógica

que alicerçam e dinamizam o currículo dos cursos, entendendo que estas, por sua vez,

estão alicerçadas numa compreensão político-filosófica de mundo.

83

É evidente que - para além de uma matriz curricular composta por saberes da

Base Nacional Comum - como é o caso da área de Ciências da Natureza e de Matemática

- e por conhecimentos da Base profissional, considerando as especificidades da EJA - o

esforço se centra na integração, que se traduz pela adoção de uma nova concepção de

currículo, isto é, por um currículo integrado. Essa concepção, assentada no trabalho

como princípio educativo, traz novas configurações aos conhecimentos - estruturados

como conteúdos escolares - à sua forma de tratá-los e à intencionalidade que lhes confere

direção. Além de outras possibilidades, requer a abordagem de conteúdos e práticas inter

e transdisciplinares e a utilização de metodologias dinâmicas, investigativas,

promovendo a valorização dos saberes adquiridos em espaços de educação não formal,

além do respeito à diversidade (BRASIL, 2007 a).

Isso quer dizer que o conhecimento das disciplinas Química, Biologia, Física e

Matemática, que compõem a área das Ciências da Natureza e da Matemática, como parte

do currículo do curso - que têm a perspectiva de promover uma formação integrada -

deve ser tratado em consonância com os pilares pressupostos que sustentam, pelo menos

formalmente, a nova forma de conceber e dinamizar o que se denomina currículo

integrado.

Tal compreensão demanda explicitar que currículo é esse que vai subsidiar a

formação integrada, que concepções de currículo e de currículo integrado se expressam

ou devem ser assumidas no âmbito do ensino de Ciências da Natureza e de Matemática

se expressam ou devem ser assumidas. Essa explicitação é importante uma vez que

currículo é uma expressão polissêmica, um conceito que encontra eco em diferentes

matizes, sendo perpassado por uma diversidade de sentidos e de orientações teóricas,

capazes de apontar diferentes formas de organizá-lo e de desenvolvê-lo.

Considero que não existe a priori uma definição universal de ‘currículo’, ou

uma concepção a que se possa aludir como correta ou completa. Corroboro com o

entendimento de Grillo (1991, p.12) ao se manifestar dizendo que não existe uma

concepção melhor ou mais moderna de currículo, o que existe é a definição que melhor

explicita a filosofia, os valores e a intenção educativa do grupo que concebe, planeja,

operacionaliza e avalia um currículo escolar. O caminho é buscar nos que se debruçam

sobre o assunto o que coadune com a concepção que o estudo apresenta como apoio,

que sustente os argumentos para desvelar o objeto a ser investigado.

As contribuições de Giroux (1986, 1997) são férteis por enunciar que o

currículo escolar é um instrumento que deve ser entendido a partir da cultura da escola e

84

das interfaces que esta mantém com as dimensões políticas, econômicas e culturais de

uma dada sociedade. Portanto, de acordo com o autor, o currículo comporta além de

aspectos técnicos, questões éticas, políticas e sociais. Decorre daí a necessidade de

indagações, tais como: A serviço de quem está o currículo? Por que ele é organizado e

transmitido desta forma? Que interesses estão movendo a sua organização e o seu

desenvolvimento?

Apple (1982) apresenta análises em que as decisões sobre o currículo

compreendem dimensões culturais amplas, como as relações econômicas, as relações de

poder, as relações de gênero e etnia, e outras. Sustenta que ainda que não se dê de forma

direta, existe relação estreita entre o modo como se organiza a produção da vida em

sociedade e o modo como se organiza o currículo. Esta relação se encontra mediada

pelos vínculos que vão sendo produzidos, construídos e criados na atividade cotidiana

das escolas.

Ao considerar, igualmente, as implicações das dimensões socioeconômicas e

culturais mais amplas na organização e desenvolvimento do trabalho escolar,

especialmente no trato das atividades curriculares, Gramsci (1991) afirma, a partir do

conceito de resistência, que a escola pode ser vista tanto como um local de dominação e

reprodução, quanto um espaço de luta e resistência. Aponta que é possível usar

dialeticamente resistência e dominação para se construir um currículo voltado para a

formação da consciência crítica e para a emancipação do homem. Argumenta que

existem mediações e ações no nível da escola que podem trabalhar contra os desígnios

do poder e do controle, desde que sejam criados espaços democráticos em que

professores, alunos e demais profissionais se evolvam na crítica, discussão e decisões a

serviço da reconstrução da escola, com implicações na prática educativa que

desenvolvem.

Moreira e Silva (1994) apresentam, também, elementos importantes para a

perspectiva de currículo que perpassa essa tese, por evidenciarem que o currículo não é

um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social,

pois se encontra implicado em relações de poder, em interesses diversos de onde

decorrem transmissões de saberes, com visões sociais particulares, comprometidas com

determinados fins. Produz, assim, identidades individuais e sociais particulares, sendo

necessário entender a favor de quem o currículo trabalha e como fazê-lo trabalhar a

favor dos grupos e classes oprimidas (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 16). Para estes

autores, questões como o que ensinar, como ensinar, por que e para quem ensinar,

85

perpassam o currículo e, longe de serem neutras, congregam uma luta, apontam uma

direção. Acredito que a elaboração e concretização de uma proposta curricular que

agregue conhecimentos essenciais – como os de Ciências da Natureza e de Matemática -

para instrumentalizar os jovens e adultos, no sentido de não só compreender os

processos de trabalho, mas para ter compreensão e atuação crítica no mundo, deixa

claro, a serviço do que e de quem esse currículo se encaminha.

Cabe ressaltar Freire (1982) para o qual a questão do currículo não pode ser

tratada independentemente do conhecimento e da cultura. Ao evidenciar a dimensão

epistemológica do currículo considera a produção do conhecimento como ato de criar e

recriar coletivo, e não a simples transferência do conhecimento existente. Assim, o ato

de conhecer envolve intercomunicação, mediação entre os sujeitos do conhecimento, os

objetos a serem conhecidos e o mundo.

Compreendo conforme os autores citados, que o currículo é um espaço de luta

no interior da escola, e que historicamente tem prevalecido no processo de formação do

trabalhador um currículo dual – com fim meramente propedêutico ou reduzido à

profissionalização estreita - em que o conjunto de conhecimentos que o compõe é

tratado de forma fragmentada, desvinculado da realidade social em que é produzida.

Nesses termos, a efetivação de um currículo integrado não pode ser entendida como

derivada apenas do que dizem os documentos oficiais. Isso porque o currículo na

perspectiva de integrar trabalho e educação traz em si profundos e complexos desafios.

Dentre outros, torna-se fundamental que os sujeitos nele envolvidos compreendam quais

fundamentos, intenções e ações estão implícitas e explícitas; que desafios dele advêm

para que possam construir alternativas de ações coerentes e consistentes no percurso de

organização e dinamização desse currículo.

Em se tratando de currículo integrado na perspectiva do PROEJA,

contribuições do campo da teoria curricular32, assim como, as que emergem do campo

32 Destaco os estudos desenvolvidos por Santomé (1998) que ao tratar de currículo integrado utiliza as categorias interdisciplinaridade, globalização e sociedade global. Estas categorias expressam os três pontos: as razões epistemológicas/ metodológicas, as psicológicas e a sociológica em que se apoiam sua defesa pela forma integrada de organização dos conhecimentos. Critica a fragmentação das ciências e com base no conceito de interdisciplinaridade busca recompor os diferentes campos de conhecimentos. Argumenta que o ensino de uma ciência integrada serve para que os indivíduos analisem os problemas existentes no mundo em que vivem não na perspectiva de uma única disciplina, mas do ponto de vista de diferentes áreas de conhecimentos que se articulam.

86

da relação trabalho-educação (GRAMSCI, 1991, 2001; FRIGOTTO, CIAVATA e

RAMOS, 2005; CIAVATTA, 2005, 2011; RAMOS 2008, 2010; MACHADO, 2006a,

2006b, 2010) que, a partir das formulações gramscianas, expressam um currículo

assentado no trabalho como princípio educativo, podem sinalizar para os fundamentos

desta concepção curricular em pauta. Apesar de estarem assentados em enfoques

distintos, todos esses estudos têm como esteio o discurso da integração, trazendo

contribuições para a pesquisa realizada.

A ideia de trabalho como princípio educativo, que se converte em eixo de

integração, converge na direção das proposições apresentadas por Gramsci (2001) que

faz a crítica à escola tradicional, por tratar a ciência de maneira abstraída das relações

sociais. Na sua concepção, o trabalho - como esteio da organização e da prática

educativa da escola - é capaz de produzir uma formação unitária por meio da articulação

entre ciência e técnica. Portanto, o trabalho industrial moderno, tomado como princípio

educativo fundamental, seria o elemento integrador entre cultura e ciência e, por essa

razão, deveria orientar todo o processo educativo no âmbito da escola - a que chamava

de escola unitária ou escola "desinteressada" do trabalho - em razão de sua possibilidade

integradora. Assim, esta escola "desinteressada" do trabalho teria como intenção e

fundamento a compreensão objetiva da ciência e da tecnologia como base dos processos

produtivos e das relações sociais na totalidade.

As reflexões acerca da relação trabalho e educação, assentada na concepção de

educação integral, com esteio no trabalho como princípio educativo, como antes

abordei, vêm subsidiando em parte, pelo menos formalmente, as orientações de

documentos legais – Documento Base – que definem os princípios e fundamentos do

PROEJA. Ao apontar o trabalho como um dos princípios do programa enfoca que a

vinculação da escola média com a perspectiva do trabalho não se pauta pela relação

com a ocupação profissional diretamente, mas pelo entendimento de que homens e

mulheres produzem sua condição humana pelo trabalho, ação transformadora no

mundo, de si, para si e para outrem (BRASIL, 2007a, p.42)

O que se coloca como desafio é a perspectiva da formação politécnica e

omnilateral dos trabalhadores, tendo como foco as necessidades da formação humana

em sentido pleno, como apontam Marx e Gramsci. O ponto de chegada é a superação da

dualidade estrutural que separa a escola da cultura da escola do trabalho. A travessia é

promover a integração da formação geral, técnica e política, possibilitando acesso ao

trabalho, à ciência, à cultura e à tecnologia por meio de uma educação básica e

87

profissional, consistente, profunda e crítica. Ao comparar o ensino praticado no

artesanato e na produção manufatureira local, no contexto de sua época, Marx (1994,

pp. 558-559) reconhece que as escolas politécnicas, agronômicas e de ensino

profissional representavam um avanço. Para ele, a educação politécnica, ainda que nos

limites do capital, representava uma possibilidade de se articular ensino e trabalho pelo

seguinte:

... substituir o indivíduo parcial, mero fragmento humano que repete sempre uma operação parcial, pelo indivíduo integralmente desenvolvido para o qual as diferentes funções sociais não passariam de formas diferentes e sucessivas de sua atividade. As escolas politécnicas e agronômicas são fatores desse processo de transformação, que se desenvolveram espontaneamente na base da indústria moderna; constituem também fatores dessa metamorfose as escolas de ensino profissional onde os filhos dos operários recebem algum ensino tecnológico e são iniciados no manejo prático dos diferentes instrumentos de produção.

Portanto, contrário à fragmentação e ao direcionamento da formação do

trabalhador segundo os ditames do processo produtivo, Marx (1978, 1994) assumia uma

concepção politécnica de educação ainda no capitalismo, por entender que este poderia

ser uma centelha para as transformações que se faziam necessária. A esse respeito

Machado (1989, p. 126 -127) evidencia que:

Na concepção de Marx, o ensino politécnico, de preparação multifacética do homem, seria o único capaz de dar conta do movimento dialético de continuidade-ruptura, pois não somente estaria articulado com a tendência histórica de desenvolvimento da sociedade, como a fortaleceria. O ensino politécnico seria, por isso, fermento da transformação: contribuiria para aumentar a produção, fortalecer o desenvolvimento das forças produtivas e intensificar a contradição principal do capitalismo (entre socialização crescente da produção e mecanismos privados de apropriação). Por outro lado, contribuiria para fortalecer o próprio trabalhador, desenvolvendo suas energias físicas e mentais, abrindo-lhe os horizontes da imaginação e habilitando-o a assumir o comando da transformação social.

Sob a “ótica marxiana” a formação politécnica possibilitará compreender o

trabalho nas múltiplas dimensões que o constitui, na medida em que lhe favorece o

domínio dos princípios e fundamentos científicos que embasam o processo produtivo

moderno. O trabalhador, nesta perspectiva, ao tempo que alcança condições necessárias

para garantir sua subsistência, adquire uma consciência crítica que permite compreender a

correlação de forças políticas que permeiam o mundo, as contradições que o movem,

podendo assim, contribuir com a transformação da sociedade em que vive. Portanto, para

além do domínio da técnica, o ensino politécnico possibilita o domínio intelectual,

88

científico, que compõe a técnica, o que implica não só conhecer o produto, a máquina,

mas igualmente a natureza e sua relação com o homem (SAVIANI, 2007; RAMOS, 2008).

Significa, assim, não o mero adestramento em técnicas produtivas, não a formação de

técnicos especializados, mas de politécnicos (SAVIANI, 2007, p.161).

Os desafios de incorporar o trabalho à EJA, sem submetê-lo ao mercado e ao

mito da empregabilidade, tem como direção a proposta de currículo integrado,

perspectiva discutida também por diferentes teóricos brasileiros, assentados em matizes

marxianas e gramscianas. Ciavatta (2005), como antes já mencionei, apresenta uma

concepção de currículo integrado em que a educação geral é parte inseparável da

educação profissional, e que, portanto, a educação deve ser tratada como totalidade

social. Com esse entendimento enuncia que o termo ‘integrar’ não significa,

necessariamente, fazer junto, mas, ter sentido de completude, de compreensão das

partes no seu todo ou da unidade no diverso.

Identifico, igualmente, em Ramos (2008, 2010) a fertilidade de suas

contribuições ao trazer para o debate de currículo integrado - seja ele na modalidade

EJA ou não - sentidos de integração, que se complementam, e que são fundamentais

para a construção dessa perspectiva anunciada. O primeiro sentido que a autora

atribui à integração, expressa uma concepção de formação humana que integra

durante todo processo formativo, as dimensões fundamentais da vida como eixo que o

perpassa, atravessando o ser e o fazer dos diferentes campos de conhecimentos que o

compõe.

Ao atribuir à integração uma concepção de formação humana que integra

durante todo processo formativo, as dimensões fundamentais da vida que estruturam

a prática social, isto é, o trabalho - compreendido em seu sentido ontológico e histórico

-, a ciência, cultura e a tecnologia, na perspectiva da formação omnilateral33 e

politécnica dos sujeitos, reitera grandes e complexos desafios para o currículo. Para

33 Marx (1978) postula que a educação politécnica é uma das possibilidades do desenvolvimento omnilateral do ser humano, isto é, o desenvolvimento numa perspectiva abrangente, que abarque as dimensões física, psicológica, cultural, social, política, estética, ética. Manacorda (1991, p.81), ao fazer a síntese do significado da omnilateralidade marxiana expressa que a mesma significa a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo de prazeres, em que se deve considerar, sobretudo, o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído em consequência da divisão do trabalho. (Para aprofundar ver Marx ,1978, 1994; Manacorda,1991; NOGUEIRA, 1993)

89

Marx (1978), o homem omnilateral significa um homem compreendido em todas as

suas transversalidades. Em oposição ao ‘homem unilateral’, fragmentado, postula o

desenvolvimento do ser humano na perspectiva abrangente, que abarque as

diferentes dimensões que o constitui, ou seja, a física, psicológica, cultural, social,

política, estética, ética e outras. Portanto, um sujeito em condições de exercer o

trabalho na dimensão de totalidade

No sentido ontológico, Marx (1978) concebe o trabalho como processo

eminentemente humano, ação criadora do homem em sua relação com a natureza e com

o mundo. Ação essa que se constitui condição fundamental para que o ser humano se

hominize, isto é, desenvolva suas potencialidades verdadeiramente humanas. Nas

elaborações marxianas, o homem se humaniza e se realiza por meio do trabalho, pois

diferente dos outros animais que nascem pré-determinados para exercerem uma função

na natureza, os seres humanos para agir, idealizam, criam e tem a ação guiada pela

idealização. Ao trabalhar o homem age sobre a natureza, pondo em movimento as

forças naturais da sua corporeidade - seus braços, suas mãos, seu cérebro – e, nesse

movimento, ele modifica a natureza, o mundo que está à sua volta, modificando, a si

mesmo nesse processo (MARX, ENGELS, 1986). Portanto, o trabalho é o próprio

sentido da vida humana, pois a partir dele, mediado pelos instrumentos criados pela

ação humana, o homem se socializou, desenvolveu as funções cognitivas, afetivas,

físicas, a linguagem; criou a cultura, a ciência, enfim, tornou-se ser humano.

O sentido histórico do trabalho, por sua vez, refere-se às novas expressões que

este vai assumindo pela historicidade do modo de produção. No modo de produção

capitalista, esse trabalho se transforma em trabalho assalariado, exigindo daqueles que

vendem sua força de trabalho determinados saberes e comportamentos para que possam

se inserir como trabalhadores no processo produtivo, ainda que de forma precária.

Sendo assim, também traz fundamentos e orienta finalidades de formação, na medida

em que expressa as exigências específicas para o processo educativo, visando à

participação direta dos membros da sociedade no trabalho socialmente produtivo. No

contexto atual, esse processo produtivo em decorrência do desenvolvimento científico e

tecnológico alcançado, adota maquinários, técnicas e procedimentos que trazem

embutidos conceitos científicos e tecnológicos básicos, exigindo de determinados

trabalhadores, especialmente os que vão ocupar postos complexos, capacidades

90

cognitivas e operativas para lidar com a complexidade que as atividades produtivas

trazem em si (RAMOS, 2008, 2010).

O entendimento destas dimensões que perpassam o trabalho sugere os rumos

que este pode indicar. Evidentemente que ele pode ser assumido como princípio

educativo na perspectiva do capital ou do trabalhador. Isso exige que seja compreendido

primeiramente em sua dimensão humanizadora, como meio pelo qual o homem

transforma a natureza e se relaciona com os outros homens para a produção de sua

própria existência. O trabalho assalariado, por sua vez, vem a ser a forma histórica

alcançada sob as bases das relações capitalistas de produção. Do ponto de vista do

capital, a dimensão ontológica do trabalho é subsumida à lógica da mercadoria. Assim,

assumir o trabalho como princípio educativo na perspectiva do trabalhador, como diz

Frigotto (1989, p. 8), implica o seguinte:

... superar a visão utilitarista, reducionista de trabalho. Implica inverter a relação situando o homem e todos os homens como sujeito do seu devir. Esse é um processo coletivo, organizado, de busca prática de transformação das relações sociais desumanizadoras e, portanto, deseducativas. A consciência crítica é o primeiro elemento deste processo que permite perceber que é dentro destas velhas e adversas relações sociais que podemos construir outras relações, onde o trabalho se torne manifestação de vida e, portanto, educativo.

Sendo assim, sob a perspectiva do trabalho em sua dimensão ontológica e

histórica - com assento no currículo integrado - a formação profissional para os jovens e

adultos é uma exigência, não só como forma de propiciar uma qualificação que lhe

possibilite assumir atividades produtivas complexas, mas, também, que lhes

instrumentalize para participar ativamente no contexto social. Isso significa uma

formação que lhes potencializem assumir uma postura crítica e transformadora diante da

realidade, em que o trabalho ao mesmo tempo em que pode contribuir para sua

humanização, lhes subtrai possibilidades de emancipação, por se encontrar regido por

relações sociais fundadas na desigualdade.

Feitas estas considerações sobre ‘trabalho’, retomo as outras dimensões da vida

humana que dão corpo ao sentido de integração enunciado por Ramos (2008, 2010) bem

como no Documento Base (BRASIL, 2007 a): a ciência, a cultura e a tecnologia. O

significado de ‘ciência’ traduzido pela autora, refere-se ao conjunto de conhecimentos

sistematizados, produzidos pela humanidade em processos mediados pelo trabalho, que

se tornam legitimados socialmente como conhecimentos válidos porque explicam a

realidade e possibilitam intervenção sobre esta. Sendo assim, os conhecimentos

91

científicos se originam na prática social dos homens e nos processos de transformação

da natureza por eles realizados, em que diante dos problemas é levado a buscar

respostas às questões com quais se depara. Se é no movimento de ação-reflexão-ação

sobre a realidade social e natural que os conhecimentos são produzidos, significa que,

numa relação dialética, tanto esta realidade como os homens, seus pensamentos, suas

práticas também mudam neste processo simbiótico. Isso traduz a dimensão teórico-

prática que deve sustentar o processo formativo, em todos os campos de conhecimentos,

tendo em vista possibilidades de transformação.

O sentido de “cultura”, por sua vez, encontra-se embasada em Gramsci (1991),

como expressão da organização político-econômica da sociedade, entendido como

processo de produção de expressões materiais e simbólicas, conjunto de representações

e significados que correspondem às linguagens e aos códigos éticos e estéticos que

orientam as normas de conduta de um grupo social. Se o trabalho significa ação

transformadora consciente do ser humano, a cultura constitui o conjunto dos resultados

dessa ação sobre o mundo. Não há, portanto, ser humano fora da cultura, uma vez que a

cultura é o próprio ambiente do ser humano, socialmente formada por valores, crenças,

objetos, conhecimentos e outros. Isso traz implicação para a perspectiva de formação

em que o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática deve contribuir, na medida

em que a relação destes conhecimentos com os códigos de conduta, com os valores, as

representações dos grupos e sujeitos sociais, não podem ser descuidados.

Temos ainda que considerar o significado de ‘tecnologia’ que deve superar a

visão que a reduz à ciência aplicada. Segundo esta visão caberia à tecnologia o lado

“não puro” da ciência, dando a essa última um caráter neutro, segundo o qual não é de

responsabilidade do cientista o que outros fazem com o conhecimento produzido. O

entendimento aqui adotado é de que a tecnologia não apenas utiliza o conhecimento da

ciência, como também o modifica, utiliza dados diferentes na pesquisa que realiza,

construindo um conhecimento próprio. Isso não significa negar a existência de relação

entre ciência e tecnologia, mas esta não pode ser reduzida à aplicação de um

conhecimento já produzido. A tecnologia pode ser entendida como mediação do

conhecimento científico e a produção, perpassada pelas relações sociais que a levaram a

ser produzida. Portanto, o processo tecnológico não é apenas o que transforma e

constrói a realidade física, mas igualmente aquilo que transforma e constrói a realidade

social (BAZZO, LINSINGEN, PEREIRA, 2003; BRASIL, 2012).

92

É a relação indissociável entre esses processos da atividade humana que define

o trabalho como princípio educativo, constituindo-se eixo epistemológico e ético-

político de organização curricular dos Cursos Técnicos Integrados, como é o caso do

que foi estudado. Isso significa a aquisição de uma cultura geral do trabalho, que

pressupõe o conhecimento da produção em seu conjunto, dos fundamentos científicos,

histórico-sociais e tecnológicos - técnicos que presidem os processos produtivos na

atualidade.

Nesse sentido, ocorre pontuar que as formulações de Gramsci (1991) são

importantes a esta tese, na medida em que discute a necessidade de vincular, na

formação do trabalhador, o conhecimento técnico e qualificado do trabalho a um

conhecimento mais amplo de cultura científica e humanista. Com efeito, a educação

que se apoia no trabalho como princípio educativo, incorporando a dimensão intelectual

do trabalho produtivo, contribui com uma formação que equilibre, equanimemente, o

desenvolvimento da capacidade de trabalhar tecnicamente e o desenvolvimento das

capacidades de trabalhar intelectualmente, no sentido de contribuir com a formação de

trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. Dessa forma, nem a

atividade teórica e nem a atividade pragmática, isoladamente, podem dar conta de uma

formação apoiada nessa concepção.

A reflexão sobre a dimensão ontológica e histórica do trabalho, que se traduz

na adoção do trabalho como princípio educativo da formação integrada, traz

implicações substantivas para a formação nos cursos técnicos integrados, e em

específico para o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática que nele se

desenvolve, por diversas razões. Se um dos sentidos de currículo integrado é a relação

indissociável entre trabalho, ciência, cultura e tecnologia expressando a práxis humana,

uma educação que se comprometa com os jovens e adultos e com sua formação humana

integral deve trazer o conhecimento e sua expressão escolar - entendido como produto

histórico-cultural - para a centralidade das decisões neste currículo. Ou seja, o

conhecimento escolar, derivado das ciências de referência, e a sua apropriação em suas

distintas formas de expressão e produção se tornam central, na medida em que se

constituem elementos essenciais do desenvolvimento cognitivo e da formação ética,

estética e política do estudante.

Evidentemente que o domínio da ciência básica na perspectiva da compreensão

dos fundamentos científicos e tecnológicos que explicam o processo de produção da

existência humana em seus aspectos material, imaterial e histórico-cultural, não se

93

obtém pela simples reprodução do conhecimento a partir de um ensino transmissivo. É

imprescindível um ensino que propicie, além de outros, a apropriação dos

conhecimentos de Química, Biologia, Física e Matemática, em uma dimensão de

totalidade, compreendendo-os em sua historicidade, de forma que a unidade teoria-

prática prevaleça durante o processo formativo.

Ao discutir o ensino da Matemática na educação de adultos, Duarte (2006)

apresenta elementos que elucidam essa perspectiva, quando aborda que é fundamental

ensinar este campo de conhecimento, de modo a contribuir para que os alunos

assimilem essa ferramenta cultural tão necessária à luta cotidiana. Menciona que é

necessário desenvolver um modo de pensar que supere a visão estática do conteúdo

matemático, como se este conhecimento fosse pronto e acabado, e que seus princípios e

regras fossem absolutos no tempo e no espaço. Para este autor, se o ensino de

Matemática tiver apoiado numa concepção de ciência estática, fragmentada,

desarticulada das questões da vida, certamente, contribuirá para a adoção desse modo de

ver em relação ao restante da prática social do indivíduo. No seu entendimento, do qual

compartilho, esta não é uma posição que se reduz ao pedagógico, pois, traz inerente

uma concepção epistemológica e política de educação.

De fato, a concepção epistemológica e a dimensão política da educação

direcionam a prática educativa, a seleção e o modo de articular conteúdo e forma no

processo de ensino e de aprendizagem dos conhecimentos. O quê e o como os

conhecimentos científicos - transformados em conteúdos - são trabalhados, decorrem da

concepção da natureza do conhecimento, de ensino e de aprendizagem adotada, das

crenças e expectativas dos sujeitos nele envolvidos. A posição de Fiorentini (1995, pp. 4

– 5) contribui para reforçar esse entendimento quando diz que:

O professor que concebe a Matemática como uma ciência exata, logicamente organizada e a-histórica ou pronta e acabada, certamente terá uma prática pedagógica diferente daquele que a concebe como uma ciência viva, dinâmica e historicamente sendo construída pelos homens, atendendo a determinados interesses e necessidades sociais. Da mesma forma, o professor que acredita que o aluno aprende Matemática através da memorização dos fatos, regras ou princípios transmitidos pelo professor ou pela repetição exaustiva de exercícios também terá uma prática diferenciada daquele que entende que o aluno aprende construindo os conceitos a partir de ações reflexivas sobre materiais e atividades, ou a partir de situações-problema e problematizações do saber matemático.

Na mesma direção, Geraldo (2009, p. 88) se expressa indicando que um dos

principais desafios do professor da educação básica é desenvolver o ensino de forma

que possibilite aos alunos a compreensão dos conhecimentos básicos de Ciências

94

Naturais em sua complexidade e movimento, contribuindo para formar uma visão crítica

de ciência e de mundo. Gil-Pérez (1993) complementa a análise que faço, quando

afirma que a ciência é um produto histórico, sendo assim, o conhecimento científico

está sujeito a mudanças e reformulações. Trabalhar esses conhecimentos já elaborados

sem mostrar sua construção, sua evolução, suas dificuldades e contradições, significa

adotar uma concepção contrária a uma visão histórica de ciência, dificultando sua

compreensão na totalidade. Krasilchick (1988) traz sua contribuição ao evidenciar a

urgência de romper com o ensino tradicional em que o tratamento dos conteúdos das

Ciências Naturais se baseia em fórmulas e leis prontas e inalteráveis. Fernández et al.

(2002), também alerta quanto à necessidade de superação do ensino de Ciências

Naturais numa abordagem tradicional, por entender que este transmite, por ação ou por

omissão, visões deformadas da ciência, isto é, como ciência rígida, a-problemática, a-

histórica, linear, elitista e descolada das questões da sociedade. Nessa direção, Chassot

(2003, p 96-97) se posiciona dizendo que:

Devemos fazer do ensino de Ciências uma linguagem que facilite o entendimento do mundo pelos alunos e alunas. ... Vamos nos dar conta de que a maioria dos conteúdos que ensinamos não servem para nada, ou melhor servem para manter a dominação. ... O que se ensina mais se presta como materiais para excelentes exercícios de memorização do que para entender a vida. ... Nossa luta é para tornar o ensino menos asséptico, menos dogmático, menos abstrato e menos a - histórico.

Compreendo, inspirada por esses autores, que o grande desafio é perseguir a

construção de uma nova forma de ensinar a partir da revisão das concepções das

naturezas desses conhecimentos, de como se ensina e como se aprende, trazendo

implicações para a forma de organizar e dinamizar a prática educativa na escola, em

particular, na sala de aula, principalmente quando esta se volta para uma formação em

que educação básica e educação profissional se integram. Sendo assim, é necessário

reafirmar que a profissionalização sob a base da integração das dimensões da vida

humana - o trabalho, a ciência, cultura e tecnologia – se opõe à simples formação para o

mercado de trabalho e à ideologia da empregabilidade. Isto significa que formar

profissionalmente não é formar exclusivamente para o exercício da profissão, não é se

esgotar nela, mas, é junto com ela, preparar para a compreensão crítica do

funcionamento do processo produtivo moderno e das relações complexas e

contraditórias que lhes atravessam (BRASIL, 2007a).

95

Esses argumentos sustentam as razões que justificam a superação do ensino das

Ciências da Natureza e da Matemática - não só dessa área - com um tratamento a-

histórico desarticulado das outras ciências, tanto da base da formação geral quanto dos

saberes da formação específica profissional. Já que o prenunciado é a formação

politécnica que propicia a aquisição dos fundamentos e dos princípios, que estão na

base da organização do trabalho em nossa sociedade e que, portanto, permitem

compreender o seu funcionamento (SAVIANI, 1989, p. 17), torna-se fundamental rever

as práticas de ensino que superficializam, fragmentam e absolutizam os conhecimentos

advindos, entre outras, das Ciências da Natureza e da Matemática.

Apresentada essas análises retomo os sentidos de ‘integração’ discutidos por

Ramos (2008, 2010), assumidos por Machado (2006b), com os quais compartilho, que é

a integração de conhecimentos gerais e conhecimentos específicos como totalidade

curricular. Assim como o primeiro sentido se expressa comprometido com as diretrizes

ético-políticas da construção do conhecimento pela mediação do trabalho da ciência, da

cultura e da tecnologia. As referidas autoras evidenciam que a separação entre

conhecimentos gerais – que constituem a formação básica34 - e os conhecimentos

específicos- que compõem a formação profissionalizante - no currículo dos cursos

técnicos integrados ao médio é herdeira do positivismo - expressão da fragmentação e

da divisão dos campos de conhecimentos e da desarticulação teoria-prática. Tal

separação alimenta o imaginário escolar de que os conhecimentos gerais correspondem

aos conhecimentos teóricos e os conhecimentos específicos são a aplicações dessas

teorias. A partir dessas ideias, se naturaliza o entendimento de que o professor de

educação básica - e, portanto, de ensino médio - ministra as teorias gerais, enquanto o

professor de formação técnica ministra as suas aplicações (RAMOS, 2008 p.16, grifos

meus).

Em concordância com as autoras citadas considero que ambos os campos de

conhecimentos – básicos e profissionais – têm um papel fundamental no processo

formativo. Ambos possuem especificidades que não podem ser desconsideradas, mas

guardam unidade epistemológica e pedagógica que deve se traduzir no processo de

formação profissional que está sendo tratado ao longo desta tese. No caso dos

conhecimentos de Química, Biologia, Física e Matemática, que compõem a área das

34É no âmbito da formação básica, que corresponde aos denominados ‘conhecimentos gerais’, que compõem a Base Nacional Comum - BCN - do currículo do Ensino Médio, que a área das Ciências da Natureza e da Matemática se situa.

96

Ciências da Natureza e da Matemática, estes se distinguem metodologicamente e em

suas finalidades situadas historicamente, porém, epistemologicamente, formam uma

unidade. Portanto, torna-se fundamental compreendê-los em suas especificidades,

finalidades e potencialidades, sobre uma base unitária que sintetize humanismo e

tecnologia.

Segundo Machado (2006a, 2006b) os campos de conhecimentos que compõem

a educação básica se expressam nos conhecimentos relativos às ciências, à cultura, à

sociedade, às artes, bem como, nas capacidades de investigar, na autonomia intelectual,

no interesse pelos problemas contextuais, dentre outros requisitos indispensáveis a todas

as pessoas, independentemente de suas profissões. Os campos de conhecimentos da

educação profissional, por sua vez, incluem, igualmente, o desenvolvimento das

capacidades citadas, tendo nos conhecimentos tecnológicos, seu foco fundamental,

constituindo-se referências obrigatórias ao exercício de atividades técnicas e de

trabalho. Nesse sentido, guardada as especificidades, os conhecimentos que compõem o

currículo do Ensino Médio – Química, Biologia, Física e Matemática - e do Ensino

Técnico estão em unidade pelo potencial educativo que ocupam no processo da

formação.

A esse respeito, Ramos (2008, p. 17) afirma que os conhecimentos da

formação geral – em que as Ciências da Natureza e da Matemática se situam - adquirem

sentido claro quando reconhecidos em sua gênese a partir do real, e em seu potencial

produtivo, desvelando o que pode ser compreendido e executado a partir dele. Quanto

aos conhecimentos específicos, da parte profissional assegura que:

.... Nenhum conhecimento específico é definido como tal se não consideradas as finalidades e o contexto produtivo em que se aplicam. [...] se forem ensinados exclusivamente como conceito específico, profissionalizante, sem sua vinculação com as teorias gerais do campo científico em que foi formulado, provavelmente não se conseguirá utilizá-lo em contextos distintos do que foi aprendido.

Na mesma direção, Machado (2006b, p. 55) argumenta que a unidade desses

conhecimentos se justifica pelas razões seguintes:

Primeiro, porque todos esses conhecimentos têm origem na atividade social humana de transformação da natureza e de organização social; todos eles representam o desenvolvimento do domínio e do controle que o ser humano progressivamente vem adquirindo sobre a natureza, mediante a sua práxis histórica. Os conhecimentos tecnológicos também são, hoje, reconhecidos como socialmente necessários a todos. Seu ensino, à diferença do ensino geral, é orientado predominantemente para a atividade de trabalho ou para a explicação dos objetos técnicos, sua estrutura e fabricação.

97

Portanto, o grande desafio é justamente construir processos de integração entre

esses conhecimentos que, organizados sob a forma de conteúdos de ensino,

correspondem aos conceitos, teorias e métodos que se constituem como síntese da

apropriação histórica da realidade material e social elaborada pelo homem. Assim, o

conhecimento deve ser organizado e o processo de ensino e de aprendizagem

desenvolvidos de forma que os conceitos sejam associados a fenômenos reais –

situações da prática social e produtiva -, pois a teoria separada da realidade concreta se

torna vazia, abstrata. Dessa forma, cabe estudar a atividade profissional numa

perspectiva mais ampla, de totalização, em que os conhecimentos sócio-históricos e

científico- tecnológicos possam se constituir base deste estudo. Isto quer dizer que, além

dos determinantes técnicos, operacionais e organizacionais do processo de trabalho,

devem ser considerados, os de ordem econômico-produtivos, físico-ambientais, sócio

históricos, culturais e políticos, não perdendo de vista que os trabalhadores são sujeitos

dessa realidade objetiva, constituídos pelas relações sociais de trabalho. (RAMOS,

2005, 2008; MACHADO, 2006b).

Portanto, reitero que trabalhar essa unidade implica não perder de vista que a

prática social, por onde circulam os conhecimentos, a cultura, os sentidos e significados

humanos, deve se constituir o ponto de partida do processo de formação do trabalhador e

que o sujeito desta prática, para o qual se volta esta formação, é entendido como ser

histórico-social concreto capaz de transformar a realidade em que vive. Igualmente,

reforço que a finalidade do processo educativo deve ser a formação humana como

síntese da formação básica e da formação para o trabalho, e que o trabalho se constitui

princípio educativo, na medida em que propicia a compreensão do significado

econômico, social, histórico, político e cultural das ciências e das artes, que perpassam

também pelo fazer do trabalho.

Isso demanda por parte das instituições formadoras – como no caso do IFMA -

decisões que se direcionem para a ressignificação dos currículos que vem dando base a

essa formação, tendo claro, como antes abordado, que currículos são objetos de disputas

entre interesses diversos e, portanto, uma prática historicamente construída, que possui,

além da dimensão formal de ordenamento dos saberes e de sua forma de tratá-lo, uma

dimensão política que é ampla e complexa (MACHADO, 2006b). Ou seja, remete,

dentre outras, à necessidade de pensar, coletivamente, o projeto político pedagógico e os

currículos – dos Cursos do PROEJA -, e, neles, os conteúdos e o seu tratamento, para

permitir sua apreensão a partir do movimento prática-teoria-prática.

98

Cabe aqui, também, ressaltar as orientações das atuais Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Profissional Técnica de Nível Médio, consubstanciadas na Resolução

CNE/CEB nº 2, de 30/01/2012 e na Resolução CNE/CEB nº 6, de 30/09/2012 que,

respeitando as singularidades da EJA, dão base à organização dos currículos e ao

desenvolvimento do ensino35 nos campos que constituem os Cursos Técnicos integrados

do PROEJA, como o tratado nesta tese. Ainda que com contradições e argumentos por

vezes ambíguos, nestes documentos legais se encontram presentes princípios do

currículo integrado, que bebem na fonte de aportes gramscianos, traduzidos nas reflexões

teóricas do campo da relação trabalho-educação, a exemplo de teóricos que embasam

esse estudo (RAMOS, 2008, 2010; CIAVATTA, 2005, MACHADO, 2006a, 2006b),

com reflexões estendidas ao longo desta tese.

35No Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2007a), nas Diretrizes Curriculares do Ensino Médio (BRASIL, 2012a) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional Técnica de Nível Médio (BRASIL, 2012 b) são explicitados os princípios que devem se constituir base para a organização e dinamização dos currículos. De acordo com as DCNEM, o Ensino Médio em todas as suas formas de oferta e organização se baseia em: formação integral do estudante; trabalho e pesquisa como princípios educativos e pedagógicos, respectivamente; indissociabilidade entre educação e prática social, considerando-se a historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos do processo educativo, bem como entre teoria e prática no processo de ensino-aprendizagem; integração de conhecimentos gerais e, quando for o caso, técnico-profissionais realizada na perspectiva da interdisciplinaridade e da contextualização. A organização curricular do Ensino Médio tem uma Base Nacional Comum e uma parte diversificada que não devem constituir blocos distintos, mas um todo integrado, de modo a garantir tanto conhecimentos e saberes comuns necessários a todos os estudantes, quanto uma formação que considere a diversidade e as características locais e especificidades regionais. As áreas do conhecimento devem ter um tratamento metodológico que evidencie a contextualização e a interdisciplinaridade ou outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos (DCNEM, Art. Art. 5º, I, II, III, IV, V, VI; Art. 7º, &1º). Segundo as DCNE a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, articula-se com o Ensino Médio e suas diferentes modalidades, incluindo a Educação de Jovens e Adultos (EJA), e com as dimensões do trabalho, da tecnologia, da ciência e da cultura. Entre os o princípios da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, destacam-se: relação e articulação entre a formação desenvolvida no Ensino Médio e a preparação para o exercício das profissões técnicas, visando à formação integral do estudante; trabalho assumido como princípio educativo, tendo sua integração com a ciência, a tecnologia e a cultura como base da proposta político-pedagógica e do desenvolvimento curricular; articulação da Educação Básica com a Educação Profissional e Tecnológica, na perspectiva da integração entre saberes específicos para a produção do conhecimento e a intervenção social, assumindo a pesquisa como princípio pedagógico; indissociabilidade entre educação e prática social, considerando-se a historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos da aprendizagem; indissociabilidade entre teoria e prática no processo de ensino-aprendizagem; interdisciplinaridade assegurada no currículo e na prática pedagógica, visando à superação da fragmentação de conhecimentos e de segmentação da organização curricular; contextualização, flexibilidade e interdisciplinaridade na utilização de estratégias educacionais favoráveis à compreensão de significados e à integração entre a teoria e a vivência da prática profissional, envolvendo as múltiplas dimensões do eixo tecnológico do curso e das ciências e tecnologias a ele vinculadas; ( Art. 4º; Art. 6º, I, III, IV, V, VI, VII, VIII)

99

Nestes documentos oficiais a indissociabilidade entre educação-prática social,

teoria-prática, educação profissional-educação básica é reiterada. Integração entre

educação, trabalho, ciência, tecnologia e cultura aparece como base tanto nas Diretrizes

Curriculares do Ensino Médio (BRASIL, 2012a) como da Educação Profissional

Técnica de Nível Médio (BRASIL, 2012 b). No sentido de integrar, os saberes

científicos, técnicos e operacionais que estruturam as atividades de trabalho, aos demais

saberes associados à educação básica, como os das Ciências da Natureza e da

Matemática, a interdisciplinaridade, a contextualização e a pesquisa devem se constituir

princípios do currículo e da prática pedagógica dos cursos de formação (BRASIL, 2012

a; BRASIL, 2012 b).

Tomando as afirmações de Japiassu (1976) como referência, constato que a

interdisciplinaridade para ser exercida coletivamente, requer o diálogo aberto por meio

do qual cada um reconhece o que lhe falta e o que deve receber dos demais. Tal aporte

questiona a segmentação entre os diferentes campos do conhecimento, produzida por

uma abordagem que não leva em conta a inter-relação e a influência entre eles, bem

como a visão compartimentada da realidade sobre a qual a escola tem, historicamente,

trabalhado. Trata-se, portanto, do redimensionamento epistemológico das disciplinas e

da reformulação das estruturas pedagógicas de ensino, de forma a possibilitar que as

diferentes disciplinas interajam entre si por um processo de intensa reflexão.

Nesse sentido, Fazenda (1992) contribui com essa análise, por evidenciar que a

interdisciplinaridade requer mudança de atitude perante o problema do conhecimento, o

que implica substituição de uma concepção fragmentária pela unitária do ser humano.

Tal atitude se embasa no reconhecimento da importância da construção de

conhecimentos, do questionamento constante das próprias posições assumidas e dos

procedimentos adotados, bem como, da abertura à investigação em busca da totalidade

do conhecimento. Realça que o ponto de partida e de chegada de uma prática

interdisciplinar está na ação e não na negação das disciplinas. Sendo assim, esclarece

que a interdisciplinaridade não nega as particularidades das disciplinas, pois o que se

evidencia é uma mudança de postura na prática pedagógica, por meio do diálogo que se

estabelece entre as disciplinas e entre os sujeitos das ações.

Machado (2006b) faz uma rica reflexão que destaca a propositura e o desafio

da construção de currículo integrado, assentada no princípio da interdisciplinaridade.

Evidencia que, se a prática social em que são apreendidos e produzidos os

conhecimentos é uma totalidade integrada, esses sistemas de conhecimentos produzidos

100

pelo homem a partir desta prática também o são. Para tanto, é necessária uma mudança

de postura pedagógica que contribua para romper com o modelo que fragmenta e

hierarquiza os conhecimentos. É fundamental assumir uma disposição verdadeira para

buscar formas de articulação de conhecimentos que possibilitem a geração de

aprendizagens significativas e que criem situações que permitam saltos de qualidade no

processo de ensino e aprendizagem (MACHADO, 2006b, p. 64).

Complementa ressaltando que isso vai exigir o aumento da interação entre os

docentes, abertura para o trabalho cooperativo e a capacidade de todos, alunos e

professores, para trabalhar em equipe. Dessa forma, sinaliza que uma das alternativas

que ajudam a explorar a interligação entre as disciplinas e construir um trabalho

interdisciplinar é a metodologia de ensino orientada por projetos. Tal metodologia

objetiva vincular teoria e prática mediante a investigação de um tema ou problema que

estimula a mobilização e a articulação de diferentes recursos e conhecimentos,

incorporando os conteúdos à medida da necessidade de desenvolvimento do projeto

(MACHADO, 2006b, p. 64).

A interdisciplinaridade mantém relação com a pesquisa como princípio

pedagógico que serve de base ao currículo integrado. A esse respeito, Machado (2006b)

pontua que a formação profissional regida por um currículo que integre os

conhecimentos básicos aos profissionais constitui-se rica oportunidade de superar a

visão utilitarista de ensino, contribuindo para desenvolver nos alunos as capacidades de

pensar, sentir e agir, tendo em vista o alcance dos objetivos da educação integral.

Acentua que pesquisa como alternativa metodológica possibilita o resgate e a

incorporação ao processo pedagógico do conhecimento empírico e experimental trazido

pelo aluno promovendo o desenvolvimento dos conceitos e a compreensão dos

princípios científicos, ao tempo que evidencia como eles embasam as técnicas.

Para Moraes (2002, p. 127), a pesquisa na educação contribui para a formação

de sujeitos críticos e autônomos, capazes de intervir na realidade com qualidade formal

e política. Complementa sua formulação dizendo que o ensino dinamizado pela

pesquisa contribui para a superação da aula copiada e os alunos de objetos são

transformados em sujeitos da relação pedagógica ao se envolverem individualmente e

em grupos em reconstruções e produções. Assim, tanto alunos como professores

atingem uma nova compreensão do aprender, enriquecendo o processo de ensino. Ao

traçar o percurso metodológico do ensino com pesquisa, este autor explicita que

101

(i) O processo começa por perguntas que têm significados para os envolvidos, pois têm como ponto de partida os conhecimentos que alunos e professores já trazem da realidade em que vivem, intencionando o avanço dos mesmos, tornando-os mais complexos e conscientes;

(ii) De posse das perguntas a serem respondidas e acordadas coletivamente, é preciso ir à busca das respostas aos questionamentos;

(iii) Tais respostas virão dos participantes, que fundamentarão seus argumentos a partir de interlocuções teóricas, bem como, de interlocuções empíricas, que propiciam que os argumentos se ancorem em dados da realidade;

(iv) Como parte desse processo é preciso produzir documentos que sintetizem o resultado desse trabalho;

(v) Tais documentos necessitam ser expressos e defendidos para que possam estabelecer-se no discurso;

(vi) Finalmente, argumenta que não basta apresentar esses resultados da pesquisa, é necessário que os mesmos sejam criticados, para serem aperfeiçoados e fazerem parte do conhecimento coletivo (MORAES, 2002, p. 136).

Ainda com relação ao ensinar subsidiado pela pesquisa, Veiga (2009, p. 58)

esclarece que a pesquisa é uma atividade inerente ao ser humano, um modo de

apreender o mundo. Ensinar a pesquisar é tomar a pesquisa como instrumento de

ensino, de aprendizagem e de avaliação. É o ponto de partida e de chegada da

apreensão da realidade. A esse respeito Demo (1997) destaca que a pesquisa instiga o

questionamento da realidade, a busca de conhecimentos que a expliquem e a tomada de

atitudes críticas e criativas diante dela.

As contribuições de Freire (1996) são igualmente férteis por argumentar que a

escola deve estreitar o vínculo entre ensino e pesquisa, pois quando se ensina deve se

ensinar não apenas o conteúdo, mas também a forma de se conhecer, o caminho para

chegar ao conhecimento. Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino (FREIRE,

1996, p.14), pois esses que - fazeres se encontram um no corpo do outro. Ressalta que é

no movimento dialético desses dois processos indissociáveis que professores e alunos,

assumindo atitudes metódicas e rigorosas, indagam, problematizam, buscam, colocam-

se na rica aventura de conhecer o que ainda não conhecem e de comunicar ou anunciar a

novidade que passaram a conhecer, abrindo novos horizontes para suas formas de ser e

de se colocar no mundo.

Sob o enfoque de ensino de Física por pesquisa Carvalho et al. (2009)

ressaltam a fertilidade desse processo em que os alunos, na condição de sujeitos, são

102

instigados a compreender os fenômenos e a construir os conceitos a partir da

investigação e reflexão de problemas reais. Ao discutirem o ensino das Ciências na

perspectiva de processo investigativo alertam que nenhuma mudança educativa formal

tem possibilidade de avanços, se não conseguir assegurar a participação ativa do

professor. Isso implica mudanças de atitudes não só conceituais, mas, também,

atitudinais e processuais. Discutem que o professor deve ter competência para

potencializar situações em que os alunos aprendam a argumentar, a reconhecer as

afirmações contraditórias, e as evidências que dão ou não suporte às afirmações. Ou

seja, o professor deve ser capaz de criar um ambiente para que os alunos passem a

refletir sobre seus pensamentos, aprendendo a reformulá-los por meio da contribuição

dos colegas, mediante conflitos pelo diálogo e tomando decisões coletivas

(CARVALHO et al., 2009, p. 9).

No meu entender, no percurso desse processo que é, inevitavelmente,

interdisciplinar e contextualizado, ensinar, aprender e pesquisar se apresentam como

aspectos indissociáveis da construção de conhecimentos. Contextualizar o ensino das

Ciências da Natureza e da Matemática, como princípio a ser assumido, é parte dos

desafios que não pode ser adiado. Isso exige dar centralidade à relação que se estabelece

entre processos educativos e processos sociais, escola e vida, currículo escolar e

realidade local, teoria e prática, educação e trabalho, saber do aluno e saber científico.

Para Machado (2006b, p. 60), este princípio tem como ponto de partida a compreensão

de que o conhecimento não é outra coisa senão o resultado geral da interiorização das

diversas informações que os sujeitos articulam, integram e sintetizam a partir de seu

intercâmbio com os ambientes e as práticas sociais que vivem.

Com efeito, é importante reconhecer que os jovens e adultos - alunos do

PROEJA - em sua maioria, já têm envolvimento com o trabalho e quando chegam à

escola já trazem em si uma bagagem de valores, costumes e saberes produzidos no

cotidiano e na prática laboral que não podem ser ignorados. Torna-se fundamental

valorizar os saberes e as experiências construídas nesses diferentes espaços em que os

alunos transitam principalmente no trabalho, a partir da proposição de desafios e de

problemas que mobilize o desejo de estudar, de pesquisar, de buscar soluções para os

problemas que lhes são postos, dando sentido ao que aprendem. Giardinetto (1999)

adverte que esses conhecimentos que se manifestam como algo rico e positivo,

restringem-se a responder as necessidades mais imediatas, garantindo a praticidade

inerente a determinadas atividades cotidianas. Argumenta que a prática social é por

103

demais dinâmica, sendo assim, exige outras formas de conhecimento para enfrentar

questões diversas, postas por esta prática. Portanto, cabe à escola instrumentalizar os

sujeitos que dela tomam parte para compreender e resolver questões para além do

exigido pelas necessidades e demandas do cotidiano imediato.

Tal compreensão exige da escola tomada de decisões dirigidas a viabilizar a

apropriação de conhecimentos sistematizados, de forma a não somente reconhecer e

valorizar o saber do sujeito, mas criar a relação entre esses conhecimentos tornando

perceptível a Matemática, a Física, a Química e a Biologia como ciências em

desenvolvimento e construídas através de problemas apresentados e solucionados pelo

homem. Com base em Vygotsky (2001), posso entender que os conhecimentos

construídos nas relações cotidianas – conceitos espontâneos -, devem se constituir ponto

de partida para a formação ou ampliação de conceitos científicos. Para tanto, as aulas

devem ser atravessadas por mediações relevantes, por trocas produtivas entre os

sujeitos, apresentando problematização que viabilize nos alunos a compreensão de que o

conhecimento a ser ensinado/apreendido é importante e necessário para o seu

desenvolvimento intelectual e para sua vida como um todo.

Com essa linha de pensamento, Girotto, Miguel e Miller (2004) argumentam

que os alunos vão para a aula de Matemática procurando o elo entre o que eles

conhecem e o que lhes faltam. E o que lhes faltam é a sistematização do conhecimento

matemático, para que possam fazer uso social em situações mais complexas. Por sua

vez, Oliveira et al. (2010, p. 160-161), ao discutirem a particularidades do ensino de

Matemática para adultos, no âmbito do PROEJA, realçam que:

...sem fazer a ligação entre a base que trazem e o conhecimento que vão adquirir, dificilmente a matemática desempenhará seu papel na formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento, na agilização do raciocínio dedutivo do aluno, na sua aplicação a problemas em situações da vida cotidiana e em atividades do mundo do trabalho e no apoio a construção de conhecimentos em outras áreas curriculares... o ensino de matemática postará sua contribuição à medida que forem exploradas e priorizadas a criação de estratégias, a comprovação, a justificativa, a argumentação, o espírito crítico, o trabalho coletivo, a iniciativa pessoal e, por fim, a autonomia advinda do desenvolvimento da confiar na própria capacidade de conhecer e enfrentar desafios.

Nesse sentido, na medida em que o conhecimento trabalhado na escola ganha

outro sentido para os que dele se apropriam, novos desafios afloram a esta instituição.

Ao reconhecer que o trabalhador, ainda que de forma assistemática, produz

conhecimento e elabora saberes, cabe à escola abrir portas a um pensar pedagógico de

integração epistemológica de conteúdos, entre o saber e saber fazer, no qual a

104

potencialização dos saberes oriundos do trabalho e dos outros contextos sociais podem

contribuir com a aquisição de novos conhecimentos. Isso remete, também, a

posicionamentos quanto à seleção de conteúdo de cada disciplina que compõe o

currículo, atentando para as adequações e relevância no sentido de atender às novas

necessidades profissionais e sociais. Sem dúvida disso decorre, igualmente, a

importância de pensar nos recursos didáticos e nos processos avaliativos que serão

adotados.

Em síntese, os desafios que se colocam para o ensino de Ciências da Natureza

e da Matemática em Cursos Técnicos do PROEJA, na perspectiva de currículo

integrado, são enormes. As (im)possibilidades de sua constituição e desenvolvimento,

dialeticamente, se debatem. Penso como Freire (2001a) quando diz que a luta por

sonhos possíveis implica assumir um duplo compromisso: o compromisso com a

denúncia da realidade excludente e o anúncio de possibilidades de sua democratização,

assim como o compromisso com a criação de condições sociais de concretização de tais

possibilidades.

Como antes abordei as concepções e ações dos sujeitos que materializam as

práticas educativas, sustentam caminhos, indicam direção e, por isso, dialeticamente,

por vezes, fecham e abrem possibilidades. É o que a seguir discorro, a partir do que foi

possível capturar daqueles que vivem a experiência do ensino das Ciências da Natureza

e da Matemática, no curso pesquisado e, assim, fazem história.

III- TECENDO FIOS PARA COMPREENSÃO DE CONCEPÇÕES E AÇÕES DO ENSINO DE

CIÊNCIAS DA NATUREZA E DE MATEMÁTICA: aproximações e distanciamentos

As respostas que damos às questões vindas de nossa realidade e das pessoas que nos cercam vão de alguma maneira modificando o mundo. O que é menos evidente é que, ao darmos nossas respostas, nós também vamos nos tornando diferentes.

Freire

Nesta seção teço fios para dar a conhecer as concepções e ações que

sustentam o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, frente aos desafios da

anunciada formação integrada, em um currículo integrado, no Curso Técnico de

Eletrotécnica Integrado/EJA, do IFMA/Campus Monte Castelo. Apreender tais

105

concepções e ações, no curso pesquisado, exigiu de mim como pesquisadora um

debruçar atento no vasto material coletado36, fazer recortes, selecionar e tecer fios

que fossem, simultaneamente, representativos do fenômeno investigado em

ocorrência às questões de pesquisa e do que intencionava defender como tese, como

situei.

As três (3) categorias analíticas capturadas no ciclo da análise textual

discursiva, as quais denomino (i) Planejamento Coletivo e Formação Continuada, (ii)

PROEJA e Currículo Integrado e (iii) Ensinar/Vivenciar o Ensino das Ciências da

Natureza e da Matemática expressam sínteses que aglutinam ideias, pontos de vistas,

valores, enfim concepções e ações manifestas pelos diferentes sujeitos, entremeadas

pelo suporte teórico assumido como referência nas interlocuções. Em cada uma destas

subseções se encontram explícitos e implícitos elementos que expressam

desafios/perspectivas, possibilidades/limites que perpassam o ensino das Ciências da

Natureza e da Matemática e que revelam aproximação/distanciamento dos

pressupostos, princípios e fundamentos inerentes à proposta de formação integrada,

em um currículo integrado, tal qual enunciado por curso da natureza do que foi

pesquisado. Esclareço que as concepções e ações que justificam a subjetivação

‘aproximação’ e ‘distanciamento’ não serão tratadas com ênfases à parte, isto é,

separando-as em bloco. Estas se encontram manifestas nos relatos e nos argumentos

da narrativa que componho e que expressam o movimento dialético que atravessa a

tese que busco explicitar.

Nas subseções fiz a opção de apresentar os relatos dos sujeitos na sua

integralidade, na medida em que se fizeram necessários para possibilitar a visão do

todo e, gradativamente, de acordo com a discussão que eles suscitaram fui

decompondo os trechos, de forma a gerar compreensão das partes na totalidade em

que se situam, como apresento a seguir.

(i) Planejamento Coletivo e Formação Continuada

36 Coleta feita por meio da análise documental, das entrevistas transcritas, do material do grupo focal transcrito, das anotações em diários, conforme descrito na seção da metodologia.

106

Como antes abordei, a propositura acenada por Cursos Técnicos Integrados

ao Médio/PROEJA que apresenta o currículo integrado como eixo, traz implicações

substantivas ao coletivo institucional, especialmente aos sujeitos que neles

diretamente se encontram envolvidos, na medida em que pressupõe que deve ocorrer

certa convergência sobre ‘que ser humano’ e ‘que profissional’ vai ser formado e quais

estratégias serão as mais indicadas para traduzir operacionalmente os valores e as

perspectivas que forem priorizados ( MACHADO, 2006 b, p. 53-54).

Isso expressa o caráter político e pedagógico desse currículo que resulta de um

projeto intencional de formação humana ao redor do qual os diferentes sujeitos da

instituição educativa se articulam, envidando esforços para dar conta dos desafios que

ele apresenta. Disso decorre a necessidade de que as instituições fomentem espaços

coletivos para compreensão, discussões e decisões - sempre provisórias e em

constantes negociações - acerca da formação a ser ofertada/ou em curso, e das

condições essenciais para a viabilização da oferta, como antes discutido.

Nas narrativas dos sujeitos foi possível identificar recorrências e

singularidades, expressas em pontos de vistas, opiniões e significados que denotam

limites e possibilidades, aproximações/distanciamentos que se interpõem no processo

de implementação do Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao Médio/EJA,

revelando em algumas situações, a necessidade da inversão de caminhos, tendo em

vista a promoção de avanços possíveis na realidade dada. Assim, concepções e ações

expressas reiteram que o planejamento coletivo e a formação continuada são partes

das inquietações, necessidades, desejos, lacunas e possibilidades frente ao desafio de

desenvolver a formação de jovens e adultos, sob um currículo integrado, como as que

a seguir apresento:

Fomos convocados a ofertar cursos do PROEJA desde 2006 e iniciamos, em 2007, o primeiro desse programa que foi o Curso Técnico em Química de Alimentos. Foi um curso em que muitas dificuldades estiveram presentes, principalmente pelo curto espaço de tempo que tivemos para implantá-lo. Isso causou certo desestímulo, ao mesmo tempo, nos indicou pontos que deveríamos superar para dar início a um novo projeto de formação que atendesse aos objetivos do programa que é a formação profissional integrada ao ensino médio para jovens e adultos. Um passo importante foi formar o grupo... (FLORA, trechos anotados no diário de campo) Eu não tive uma boa experiência com a turma do EJA de Alimentos, pois tudo foi acontecendo sem que a gente compreendesse bem.... Sei que tem

107

as particularidades de trabalhar com alunos adultos e quando recebi o convite para trabalhar na turma de Eletrotécnica eu fiquei receosa. Na verdade, penso que não me encontrei no curso.... Aliás, nem conhecia bem o Programa... Acho que é importante compreender melhor a proposta, o que ela significa, trocar ideias para melhor pensar e desenvolver a formação (KIARA, trechos da entrevista). Recebi o convite da pedagoga do departamento de Eletrônica para ministrar Biologia nesse curso, mas fiquei um pouco indecisa, pois não tinha conhecimento e nem experiência nesse trabalho... Mas, quis saber o que era esse curso, de que se tratava, as diretrizes do Programa, pois queria entender melhor para saber em que chão iria pisar (MARIANA, trechos da entrevista) Fui convidado e aceitei.... Acho que a primeira experiência do campus em que participei como professor terminou deixando algumas lições, talvez a necessidade de discutir o que é, o que propõe o programa, de decidir juntos a respeito do curso, pois essa é uma experiência nova para os Institutos e tudo aconteceu muito rápido devido a exigência de implantação do curso. (FAUSTO, trechos da entrevista).

As manifestações destacadas evidenciam alguns impasses e conflitos que

perpassam a implantação/desenvolvimento do PROEJA na Rede Federal, em especial

nos Institutos Federais, que tiveram que adotar o programa sem a opção do contrário.

Para Oliveira e Pinto (2012) os posicionamentos assumidos por sujeitos diversos, em

instituições do País, expressam diferentes formas de acatar a determinação legal de

instituir tal Programa, assim como de compreender e assumir as perspectivas de

integração que o caracterizam. Posso dizer que isso traduz o que Lima Filho (2010)

explica como sendo o tensionamento entre o tempo político e o tempo educacional

quando discute a implantação do PROEJA na realidade educacional brasileira. Para o

autor, o primeiro tempo se refere ao tempo que os gestores governamentais e

educacionais estabelecem ou dispõem para implantar as políticas educacionais, e o

segundo está diretamente relacionado ao tempo necessário para aprofundar o debate,

difundir, produzir conhecimentos teóricos, metodológicos e práticas (LIMA FILHO,

2010) necessários a essa implantação.

Por parte dos sujeitos da pesquisa foi possível perceber dois posicionamentos

manifestos que revelaram limites e possibilidades diante do assumir o programa no

âmbito institucional. Por um lado, expressam certa ressalva à forma como o primeiro

curso do PROEJA foi implantado na instituição37, por entenderem os riscos de uma

37De acordo com um sujeito pesquisado havia a promessa da realização de um curso de preparação para implantação do Programa na Instituição e, consequentemente, do Curso Técnico Integrado ao Médio em Química de Alimentos. Contudo, por questões de diversas ordens essa formação somente foi realizada após o primeiro ano do início do Curso de Química em Alimentos, e com isso os docentes que estiveram atuando nos primeiros momentos do curso não participaram dessa formação.

108

formação que se implanta aligeirada, de cima pra baixo, sem a devida compreensão das

bases que a fundamentam e sem o exercício do pensar e decidir juntos acerca de uma

proposta que, em parte, se constituía novidade para o grupo. Por outro lado, fica

evidenciado que a tensão decorrente da experiência vivida na implantação do programa,

ao tempo que gerou insatisfações e receios, incita, também, reflexões a partir da leitura

dessa vivência, tornando-se um terreno fertilizador na medida em que indica pontos que

devem ser superados no sentido da construção de outro caminho possível para dar

início a um novo projeto de formação que atendesse aos objetivos do programa,

conforme destaca Flora, um dos sujeitos desta pesquisa.

Ao mencionarem a importância de compreender a proposta, o que ela

significa, para melhor pensar e desenvolver a formação, como aponta Kiara; de saber

sobre o curso, sobre as diretrizes do Programa para entendê-lo melhor, como indica Mariana,

bem como, a necessidade de discutir o que é e o que propõe o programa, de como deve

ser desenvolvido, como evidencia Fausto, transparece por parte destes docentes o

reconhecimento de que o PROEJA, que supõe uma abordagem curricular capaz de

integrar conteúdos da formação geral de nível médio e conteúdo de um campo

profissional específico, assegurando, ainda, a particularidade de EJA, exige

compreensão de suas especificidades, apropriação de suas bases, de seus pressupostos e

princípios. Isto é, não basta aceitar essa proposta apresentada, é imprescindível que

tenham clareza e definição das bases e pressupostos que a sustentam.

Consegui apreender que a ideia de planejamento coletivo não foi indiferente a

estes entrevistados, pois quando Kiara se refere ao trocar ideias para melhor pensar e

desenvolver a formação e Fábio evidencia a necessidade de decidir juntos a respeito do

curso, expressam a importância que dão ao pensar, discutir, decidir e planejar juntos o

projeto formativo a ser desenvolvido. Isto, de certa forma, aproxima-se da orientação

constada no Documento Base de que a organização curricular dos cursos não seja dada

a priori, mas que seja uma construção contínua, processual e coletiva que envolva

todos os que nele estão participando (BRASIL, 2007a, p. 48).

Esse é um processo que vai exigir mudança de postura por parte da escola, o

que na visão de Machado (2006b) passa, necessariamente, pela promoção de práticas

pedagógicas compartilhadas e de equipes, com o envolvimento dos segmentos da

instituição movidos por uma disposição verdadeira em romper com o modelo

109

educacional que hierarquiza e fragmenta as decisões do nível macro ao nível micro, em

que as ações do processo ensino e aprendizagem se efetivam. Ou seja, é fundamental

cultivar a participação de todos os envolvidos com os cursos, promovendo uma relação

dialógica em que trocas e decisões a respeito da formação sejam favorecidas, desde o

planejamento, à materialização e avaliação do planejado /executado. Esta compreensão

emergiu entre as manifestações antes apresentadas e, de forma mais enfática, encontra-

se presente na preocupação de Fausto quando diz:

Gosto de participar de programas dessa natureza, porém sei que é preciso um trabalho mais conjunto desde o início, o que nem sempre acontece ... Às vezes as coisas já vêm prontas, ou então cada um vai fazendo seu pedaço, sem o outro saber o que está sendo feito... Se a proposta é um currículo integrado vejo que é importante todos compreenderem o que é esse currículo e fazerem um trabalho conjunto desde o começo ... Todos da escola devem estar envolvidos... Todos os professores, tanto os que trabalham com as disciplinas Física, Química, Biologia, Matemática, Português, História, como os que trabalham com as disciplinas específicas devem compreender a proposta e discutir, decidir sobre a formação desde o início... E mais, no caso, é um curso para alunos jovens e adultos... um pouco diferente das outras turmas do médio integrado, em que já temos certa prática, mas que ainda precisa melhorar ... Com esses alunos é agora que estamos começando, é a segunda turma aqui no campus... É necessário ver qual o papel, a importância de cada disciplina e de todas juntas: da Física, a Biologia, Matemática, Português e das disciplinas de Eletrotécnica para a formação desses alunos... que são alunos de EJA... Sei que isso não é tão fácil... Mas claro que isso é necessário não só agora no momento da formação e na elaboração do projeto, mas no decorrer de todo o curso (FAUSTO, trechos anotados no diário de campo).

Nesse relato se explicita o reconhecimento de que, para a implantação de um

possível currículo integrado se faz necessário um trabalho coletivo que se contraponha a

concepções e práticas sedimentadas, tecnicistas e individualistas em que projetos

curriculares de cursos ficam a encargo de uma equipe que os elaboram, sem as

mediações do grupo, ou então, em que cada um vai fazendo a parte que lhe cabe sem

levar em conta o currículo como um todo. Essa perspectiva de desenvolvimento

curricular, na visão de Sacristán (1998), configura a concepção de currículo como

produto, um guia da prática - cuja base se encontra na racionalidade técnica - construído

por quem gerencia o trabalho, que dispõe aos professores os objetivos e saberes a serem

cumpridos/alcançados pelo programa de escolarização. Os professores subtraídos da

atividade de planejar tornam-se os ‘primeiros consumidores’ desse currículo-produto,

desprovido de trabalho intelectual e alienado das questões políticas e sociais que

perpassam a prática educativa.

Essa perspectiva é incompatível com a proposta de formação integrada

anunciada pelo PROEJA, que em termos de organização curricular exige a participação

110

de professores e demais membros envolvidos no processo, de modo que esta seja uma

construção processual e coletiva, movida pela intencionalidade da formação humana de

seus sujeitos. Fausto, embora afirme não ser tão fácil esse processo, demonstra

reconhecer que a concepção tecnicista de planejamento precisa ser superada por uma

perspectiva de trabalho coletivo que se direcione ao currículo integrado. Creio que

quando diz que todos da escola devem estar envolvidos se refere às transformações

necessárias tanto de caráter administrativo quanto pedagógico, o que requer gestão

democrática e planejamento coletivo, tendo em vista decidirem sobre os rumos do

PROEJA na instituição.

Menciona que é necessário que professores de todas as áreas, e outros

profissionais, tenham clareza de seu significado, de seus pressupostos, discutam e

decidam sobre esse processo não só durante a formação e elaboração do projeto

curricular do curso, como também em seu percurso de desenvolvimento. De alguma

forma, este entendimento expressa parte dos desafios que se colocam à construção deste

currículo que se quer integrado, pois como sinaliza o Documento Base, torna-se

imperativa a existência de um planejamento que seja construído e executado de

maneira coletiva e democrática (BRASIL, 2007a, p. 51).

Com relação a essa construção coletiva Machado (2006a, p. 45) alerta que é

importante ter claro o desafio do caráter multidimensional da proposta pedagógica de

cursos dessa natureza que, apoiada num currículo integrado, deve dar conta de cobrir

conteúdos e funções da educação básica e da educação profissional, simultaneamente.

Para tanto, a autora esclarece que:

Essa construção requer que cada profissional saia do isolamento de sua experiência específica, seja de Educação Profissional Técnica de Nível Médio, de Ensino Fundamental ou Médio, de Educação de Jovens e Adultos, para introduzir-se num processo de um novo aprendizado, que implica, em primeiro lugar, a conscientização da necessidade de harmonizar conteúdos, e que pede inserções de novos conteúdos em suas práticas e coordenação temporal de suas ações didáticas, considerando as demandas de compartilhamento e de cooperação.

Esta compreensão também se manifesta no relato de Fausto quando reconhece

que se a proposta é de uma formação integrada, é importante que todos os professores,

tanto os que trabalham com as disciplinas Física, Química, biologia, Matemática,

Português, História, como os que trabalham com as disciplinas específicas

compreendam, discutam e decidam juntos sobre a formação desde o início. Parece

haver entendimento de que no processo formativo que implica comprometimento e ação

111

compartilhada, os diferentes campos de conhecimentos, de forma integrada, ocupam um

papel importante na formação humana do profissional, e isso precisa ser compreendido

e assumido por todos que nele se encontram envolvidos. Por outro lado, é importante

esclarecer que não é o “sentar junto” que vai garantir a efetivação da integração, o

grande desafio é buscar, no que for possível, definir uma intencionalidade comum para

o curso.

Ao mencionar, ainda, que é necessário ver qual o papel e a importância de

cada disciplina: da Física, da Biologia, da Matemática, do Português e das disciplinas

de Eletrotécnica para a formação desses alunos, acredito que se refere aos desafios

desta formação assentada na vinculação entre a base técnica e uma sólida base

científica, numa perspectiva social e histórico-crítico (MANFREDI, 2003, p. 57), que

traz a exigência de que todos os campos de conhecimento, respeitadas suas

especificidades, se encaminhem nessa perspectiva, não podendo ser concebidos/tratados

isoladamente. Disso decorre a necessidade de convergência entre os diferentes sujeitos

que trabalham estas áreas de conhecimentos a respeito de que formação estão

defendendo e que lugar esses saberes ocupam no processo formativo. Como enfatiza

Moura (2006), estes deverão ser contemplados de forma equânime, em nível de

importância e de conteúdo, visando a formação integral do cidadão autônomo e

emancipado.

O entendimento acima expresso, de certa forma, remete às reflexões de

Machado (2006b) que, ao discutir acerca do ensino médio integrado - base para cursos

do PROEJA - aponta que “boas oportunidades” se abrem tanto para os educadores que

ministram, entre outras, Matemática, Física, Química, Biologia, que compõem a base

geral, como para aqueles que trabalham com as disciplinas técnicas. Tendo a formação

integral como horizonte, menciona que para uns são oportunidades de superar

tendências excessivamente acadêmicas, livrescas e dogmáticas, ou como diz Chassot

(2011, p. 101), de tornar o ensino das ciências menos asséptico, menos dogmático,

menos abstrato e menos a-histórico. Para outros, principalmente os da base técnica, são

as chances de superar o viés, às vezes excessivamente técnico-operacional, associado

geralmente de forma preconceituosa ao trabalho meramente manual. Trata-se de

enfrentar a tensão dialética entre pensamento científico e pensamento técnico e buscar

outras relações entre teoria e prática (MACHADO, 2006 b, p.54), visando instaurar

outros modos de conceber, organizar e tratar os conhecimentos, de modo a potencializar

a formação integral acenada por cursos dessa natureza.

112

A ruptura paradigmática em que ensino médio e educação profissional se

encontram fragmentados, e a adoção de um modelo em que a vinculação entre trabalho

e educação se torne referência primordial são desafios a serem assumidos. Isso implica

revisão das concepções de educação, de formação profissional, de conhecimento, ensino

e de aprendizagem que devem se traduzir e permanecer subjacentes desde a organização

do currículo à forma de materializá-lo. Se trabalho é o princípio educativo que

fundamenta este currículo significa que os diferentes campos de conhecimento que o

compõem, numa dimensão de práxis, sejam apropriados na totalidade, explorados em

seus aspectos históricos, econômicos, sociais, políticos, culturais e técnicos, no

horizonte da cidadania e do trabalho. Sendo assim, não justifica conceber, vala reiterar,

de um lado a formação geral e, de outro, a educação profissional.

Portanto, parece explícita a necessidade de que o projeto curricular de curso de

ensino técnico integrado ao médio /PROEJA, apoiado na concepção de formação

integrada, seja elaborado coletiva e processualmente, de modo que os profissionais nele

envolvidos, a partir de reflexões coletivamente mediadas, elaborem uma visão global do

curso, que se constitui condição importante para possibilitar que a educação geral se

torne parte inseparável de educação profissional (CIAVATTA, 2005). Isto quer dizer

que o planejamento coletivo, competentemente mediado, é uma exigência, dentre tantas

outras, para o enfrentamento da formação fragmentada e, por conseguinte, da

fragmentação dos campos de conhecimentos que a alicerçam, tendo em vista a formação

humana para além da formação propedêutica e instrumental.

Vasconcellos (2009), ao tratar da importância do planejamento coletivo no

âmbito escolar, afirma que é praticamente impossível desenvolver uma prática

educativa na perspectiva de transformação sem que esta esteja vinculada a uma proposta

conjunta dos que fazem a escola. Se esta instituição é um organismo vivo e dinâmico, é

necessário que haja um empenho permanente, esforçado e continuado na perseguição de

objetivos comuns. Contudo, alerta que essa caminhada esbarra em correlação de forças,

obstáculos e resistências. As dificuldades certamente farão parte do processo, mas como

diz Gadotti (1992, p. 90), não dá para esperar que o novo brote do velho

espontaneamente, é preciso vencer a resistência que este apresenta. Este autor

acrescenta que o caminho para superar práticas educativas individualistas e

fragmentadas se constrói pela coragem de se lançar ao exercício de compartilhar, de

ouvir, falar e trocar com o grupo.

113

Essa é uma prática que necessita ser alimentada no contexto de cursos do

PROEJA, como já abordado, não descuidando de levar em conta, nesse processo, a

singularidade e realidade dos sujeitos para o qual se voltam. Ao mencionar que os

profissionais envolvidos devem estar juntos na elaboração do projeto do curso

acentuando que, no caso, é um curso para alunos jovens e adultos, Fausto reitera essa

preocupação demonstrando que o planejar e o desenvolver da proposta não pode

prescindir de considerar a especificidade desse segmento, as suas necessidades e

expectativas, o que revela certa aproximação com o que indica o Documento Base

(BRASIL, 2007a, p. 36) quando deixa claro a seguinte orientação:

Um programa de educação de jovens e adultos nesse nível de ensino necessita, tanto quanto nos demais níveis, formular uma proposta político-pedagógica específica, clara e bem definida para que possa atender as reais necessidades de todos os envolvidos, e oferecer respostas condizentes com a natureza da educação que buscam, dialogando com as concepções formadas sobre o campo de atuação profissional, sobre o mundo do trabalho, sobre a vida.

Considerando a insuficiente experiência dos Institutos Federais com o público

de EJA, a construção dessa proposta indica necessidades de mudanças no percurso

formativo dessas instituições, pois tornar os jovens e adultos trabalhadores que não se

escolarizaram na dita “idade própria” e com um histórico de escolarização descontínua

como um dos seus alvos, não é uma meta que se resume ao que os decretos postulam.

Sem dúvida, a tomada de consciência acerca da realidade/desafios da EJA é condição

imprescindível para possibilitar avanços no sentido do que o PROEJA intenciona

alcançar. Como o próprio Documento Base (BRASIL, 2007a) menciona, acolher os

sujeitos/estudantes implica resgatar e reinserir no sistema escolar jovens e adultos que

não conseguiram concluir o ensino médio, nos “tempos regulares” determinados por lei,

e que por diversos motivos foram excluídos desse processo.

Nesse sentido, além de atentar para as implicações da integração entre os

conhecimentos da denominada formação geral e profissional, devem também atinar para

a pluralidade da Educação de Jovens e Adultos, como se disse, com sujeitos de

situações adversas, níveis cognitivos e de aprendizagem diferenciados (BRASIL,

2007a). Isso exige do professor a mobilização de saberes pedagógicos e recursos

também diferenciados que levem em conta as identidades destes sujeitos, situação

complexa considerando sua insuficiente formação para responder a este desafio.

Essa é uma lacuna que não é indiferente aos entrevistados, pois, como antes

visto, transparece em suas manifestações o reconhecimento de que há aspectos a serem

114

compreendidos e saberes a serem apreendidos para poder fundamentar essa nova

experiência que, para muitos, se encontra muito distante de suas formações e das

práticas profissionais até o momento por eles desenvolvido. O relato de Kiara reforça a

preocupação anteriormente esboçada pelos entrevistados quando menciona que:

A minha formação é em Química. Tenho o bacharelado e a licenciatura na área. E minha formação em licenciatura deixou a desejar... E quanto a trabalhar com alunos de EJA isso nem foi cogitado. Trabalho com o ensino técnico integrado e com a licenciatura desde que entrei no IFMA, mas, como já falei, sendo para adultos a primeira experiência foi com o curso de Alimentos. Foi dito que iríamos ter uma formação a respeito do PROEJA e que seria discutido a respeito do curso, para que seu projeto fosse elaborado com a nossa participação... Concordo, deve ser assim mesmo, pois não dava para começar sem ter sequer a ideia do que está sendo pretendido por este programa, do que fazer para caminhar... (KIARA, trechos anotados no Diário de Campo).

Ao tempo em que manifesta compreensão dos limites que marcaram seu curso

de licenciatura na área de Química e, sobretudo, das lacunas com relação à preparação

para atuar junto ao público de EJA, Kiara expressa a necessidade de formação que

favoreça apreensão e compreensão do que acena como proposta esse Programa, como

ponto importante para planejar e buscar alternativas frente às especificidades que o

perpassam. Considero, assim como Freire (1996), que esta docente ao ter consciência

do inacabamento, sabe que pode ir mais além. Quando menciona as fragilidades que

marcaram a sua formação docente em Química traduz o já revelado em pesquisas

(SCHNETZLER,1994; MALDANER, 2013) no que diz respeito à ocorrência de

licenciaturas pautadas em modelo da racionalidade técnica, apoiado em uma concepção

positivista de ciência e na transmissão-recepção de conhecimentos, que tem incidido em

um ensino de ciências de base tradicional em que os seus conteúdos são fragmentados e

descontextualizados das relações cotidianas e das relações sociais como um todo

(ARAGÃO, 2000a, 2000b; MALDANER, 2000, SCHNETZLER, 2011).

Quanto às lacunas para atuar no PROEJA a entrevistada faz referência a um

despreparo que não é apenas decorrente de ser este programa uma novidade na

educação brasileira, mas que expressa a realidade de que a EJA não tem se constituído

alvo de preocupação dos cursos de licenciaturas, salvo raras exceções. Isso condiz com

resultados de pesquisas (MOURA, 2008a, 2008b; MACHADO, 2008; KUENZER,

2010) que evidenciam o déficit histórico da política de formação de professores para a

educação profissional e a educação de jovens e adultos, que geralmente tem se dado na

forma de programas pontuais, precários e compensatórios.

115

A implantação do PROEJA na realidade brasileira torna esta questão mais

complexa, visto se tratar de uma oferta já existente - a educação profissional integrada -

vinculada à modalidade de EJA que além de aspectos infra-estruturais, gera desafios à

elaboração do currículo e às práticas pedagógicas e metodológicas, trazendo

consequências para a formação de professores que nele vão atuar (MOURA, 2008b).

As inquietações que afloram diante dessa demanda têm guarida nas orientações do

próprio Documento Base (BRASIL, 2007a, p. 36) que traz a seguinte orientação:

Por ser esse um campo específico de conhecimento... [o PROEJA] exige a correspondente formação de professores para atuar nessa esfera. Isso não significa que um professor que atue na educação básica ou profissional não possa trabalhar com a modalidade EJA. Todos os professores podem e devem, mas, para isso, precisam mergulhar no universo de questões que compõem a realidade desse público, investigando seus modos de aprender de forma geral, para que possam compreender e favorecer essas lógicas de aprendizagem no ambiente escolar.

De fato, geralmente os professores que exercem/exercerão a docência em

cursos do PROEJA têm formação nas disciplinas de educação básica geral, como no

caso dos que foram entrevistados nesta pesquisa, ou nas disciplinas da parte

profissional38, mas raramente têm formação na modalidade de EJA. Em decorrência,

muitos não conhecem esta modalidade educativa, este programa, a respeito dos jovens e

adultos que são seu público, quais são suas características, necessidades, expectativas,

dificuldades, potencialidades, enfim, especificidades próprias de sujeitos adultos que

voltam a vivenciar novas situações de aprendizagem e que trazem implicações para o

ensino que nele se desenvolve (BRASIL, 2007a; MOURA, 2008a, 2008b).

O reconhecimento da necessidade de apreender as especificidades do PROEJA

e de um ensino que promova integradamente a aquisição de conhecimentos básicos à

vida e ao trabalho, como requisitos ao planejamento e ao exercício docente no campo 38 A formação de professores para a educação profissional e tecnológica tem sido objeto de estudo de diferentes autores (KUENZER, 2010; MOURA, 2008b; MACHADO, 2008), que revelam persistir as lacunas históricas a respeito desta formação nas políticas educacionais brasileiras. Dentre os cursos destinados a esta formação, destaco: (i) Cursos de Esquema I (formação pedagógica aos portadores de diploma do ensino superior) e o Esquema II (formação no âmbito das disciplinas pedagógicas nos moldes do Esquema I e das disciplinas de conteúdo técnico específico, de acordo com a habilitação profissional pretendida, destinado a técnicos diplomados), os quais foram gestados na década de 1970 e tiveram vigência até a década de 1990; (ii) Cursos de Licenciaturas Plenas para as Áreas profissionais implantadas por alguns CEFETs, como foi o caso das Licenciaturas Plenas em Mecânica, Construção Civil e Eletricidade ofertadas pelo CEFET-MA, na década de 1990, as quais foram fragilizadas com a edição do Decreto nº 2.208/97 (BRASIL, 1997) que definiu que as disciplinas do ensino técnico poderiam ser ministradas também por técnicos e monitores e não obrigatoriamente por professores; (iii) Cursos destinados à formação de docentes para as disciplinas do currículo da educação profissional ( bem como as do currículo do ensino fundamental e ensino médio), regulamentados pela Resolução nº2, de 07/07/1997, do Conselho Nacional de Educação – CNE, os quais ocorrem por meio de Programas Especiais de Formação Pedagógica, que ainda são ofertados, principalmente pelas instituições da rede federal de educação profissional e tecnológica.

116

particular desse programa, é parte das inquietações capturadas nos relatos dos sujeitos

pesquisados. Há indícios de clareza dos limites decorrentes de suas formações, bem

como, compromisso com um processo formativo para o qual apenas a boa vontade dos

docentes - e dos outros profissionais - não é o suficiente para dar conta dos inúmeros

desafios que esta nova experiência apresenta. Posso inferir que as manifestações

expressas pelos professores, sujeitos desta pesquisa, remete à indiscutível necessidade

de uma formação adequada para que o professor atue em qualquer nível ou modalidade

de educação, tal qual adverte Freire (2001b, p. 260) quando diz o seguinte:

O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. ... A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. Sua experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer uma formação permanente do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de sua prática.

Portanto, pressuponho que as inquietações expressas pelos entrevistados

tenham alicerce na análise e reflexão de suas próprias práticas, ao exercerem a docência

das disciplinas das áreas de Ciências da Natureza nos cursos técnicos integrados ao

médio, cujos alunos são da faixa etária a que chamam de “regular” e dos que se

direcionam para o público de EJA, experiência assumida recentemente como eles

mesmo declararam. Além de limites presentes, a área da formação em Ciências da

Natureza se ressente da insuficiência de conhecimentos que deem base para a atuação

no ensino profissional, especialmente nos que se vinculam à modalidade de educação de

jovens e adultos, que declaram ter a perspectiva de integração como tônica. No sentido

de minimização dessa lacuna, as contribuições de Maron (2013, p. 66) são férteis por

apontarem que:

Serão necessárias políticas de formação que estejam atentas à fragmentação dos sistemas escolares, pois embora a formação disciplinar continue existindo e a partir dela se busque fazer a integração entre os conhecimentos, isso não poderá ser feito sem se estar atento também à diversidade do público da EJA e do PROEJA, além de não se poderem ignorar as mudanças ocorridas no mundo do trabalho e a organização dos cursos em áreas profissionais e eixos tecnológicos.

Ao elucidar as perspectivas de formação que se contraponham à fragmentação,

a autora vai ao encontro do que é manifestado pelos próprios sujeitos pesquisados, de

que mesmo com experiências na educação profissional integrada não se sentem ainda

seguros para dar conta das exigências formativas do PROEJA, mesmo que este tenha na

117

educação profissional e tecnológica o seu fundamento. Isso traz à tona questões que

perpassam esta formação que, dentre outras, deve considerar a relação trabalho-

educação e os currículos integrados na direção da formação unitária (KUENZER,

2006).

Para os professores que ensinam Ciências da Natureza e Matemática significa

que, além de uma sólida formação teórica e de unidade teoria e prática dentre outros

saberes39, devem possuir conhecimentos sobre a EJA e acerca da educação profissional

e tecnológica. Isso remete ao que Moura (2008b, p. 32) manifesta a respeito de docentes

licenciados em disciplinas da denominada área da formação geral, como é o caso dos

que foram por mim pesquisados e que assumem a docência em cursos técnicos

integrados ao médio, com o qual se articula a EJA. A esse respeito o autor faz a seguinte

observação:

Nesse caso, é fundamental que o docente tenha uma formação específica que lhe aproxime da problemática das relações entre educação e trabalho e do vasto campo da educação profissional e, em particular, da área do curso no qual ele está lecionando ou vai lecionar no sentido de estabelecer as conexões entre essas disciplinas e a formação profissional específica, contribuindo para a diminuição da fragmentação do currículo.

Considero importante reafirmar, a partir dessas reflexões, que as questões que

perpassam a formação do educador para atuar no PROEJA são complexas. Ainda que a

formação inicial desses professores que ensinam Ciências da Natureza e Matemática

tivesse se dado fundamentada em bases teórico-metodológicas consistentes,

assegurando a aquisição de saberes docentes necessários ao ensino desses campos

científicos sob novas bases epistemológicas, não seria o suficiente para dar conta do que

esse programa pressupõe. Torna-se necessário o domínio dos pressupostos teóricos que

sustentam a EJA e a educação profissional para que se encaminhem numa perspectiva

de escolarização e formação, no sentido da omnilateralidade.

39Considero relevante para esta tese as contribuições de Carvalho e Perez (2009) acerca dos saberes e fazeres necessários aos professores de Ciências da Natureza e de Matemática e de qualquer outro campo. Tomando por base os eixos que compõem a base comum nacional da formação de professores para qualquer área de conhecimento, definidos pela ANFOPE, isto é, a sólida formação teórica, a unidade teoria e prática, o compromisso social e a democratização da escola, o trabalho coletivo e a articulação entre a formação inicial e continuada, aprofundam estudos acerca do saber e do saber fazer dos professores das licenciaturas. Apontam que entre os saberes necessários para proporcionar aos professores uma sólida formação teórica estão (i) os saberes conceituais e metodológicos da área que irá ensinar, (ii) os saberes integradores, relativos ao ensino da área e (iii) os saberes pedagógicos. Explicam que cada um deles está relacionado um saber fazer, quer dizer, a uma relação teoria e prática, uma vez que teorias diferentes requerem práticas diferentes.

118

No entanto, as questões que se interpõem à formação de professores para atuar

na educação profissional e na EJA são históricas, e ainda que iniciativas tenham sido e

venham sendo tomadas no sentido de minimizar essa problemática estas têm se

constituído, geralmente, nos limites históricos que se colocam para essas duas

modalidades de educação, assumindo formas de programas pontuais e compensatórios

com a promessa de ser temporários, mas que terminam se perenizando, sem se

concretizar, de fato, alternativas mais consistentes, salvo raras exceções.

Manifesta-se nos relatos dos sujeitos da pesquisa reconhecimento de iniciativas

por parte do IFMA/Campus São Luís–Monte Castelo que, mesmo atravessadas por

limites, encerram positividade, na medida em que possibilitaram/possibilitam espaços

de reflexão e trocas de experiências que contribuíram, de certa forma, para a

apropriação de conhecimentos que até então lhes era novidade. Isso é possível perceber

quando os entrevistados fazem as seguintes revelações:

Antes de se planejar o Curso Técnico Integrado de Eletrotécnica/EJA foi iniciada uma formação continuada com a participação de profissionais do departamento de eletroeletrônica de outros professores convidados para integrar o curso onde foram realizados estudos e discussões que se estenderam até o desenvolvimento do 2º módulo do curso. Na dinâmica do curso foram trabalhados conteúdos referentes ao currículo integrado seus pressupostos e questões práticas; EJA, suas especificidades e seus sujeitos; projetos didáticos; avaliação de aprendizagem: portfólio como instrumento avaliativo. Posso considerar que o curso foi bom, principalmente pela qualidade das intervenções, questionamentos durante as discussões e reflexões sobre o que vêm fazendo. Um ponto negativo é que infelizmente a frequência dos professores não foi 100%. [Grifos meus] (FLORA, trechos da entrevista).

Foi muito importante a formação a respeito do PROEJA que teve durante a implantação do curso, como foi combinado, já que no anterior não tive essa oportunidade.... Os encontros em que estudamos e discutimos ajudaram a entender um pouco sobre esse programa. Como falei, a EJA era novidade prá mim... Os alunos, eu só via o fato deles terem parado de estudar, de estarem fora da escola há muito tempo e que por isso teriam dificuldade de aprender, ainda mais por ser a disciplina Química... Nas discussões em que pude participar pude compreender melhor quem são esses alunos, sua realidade... As palestras foram ricas, mas o melhor foram as experiências apresentadas... Posso dizer que, apesar de não ser o suficiente, valeu a pena (KIARA, trechos da entrevista). Não participei de todos os encontros da formação continuada, pois às vezes coincidia com horários de aulas em outras turmas. Dos que participei gostei muito pois esclareceu muito sobre os aspectos do PROEJA. O dia da discussão sobre os alunos jovens e adultos, suas condições e aprendizagens foi muito participativo e esclareceu muitas dúvidas.... Também foi bem interessante o que foi discutido sobre currículo integrado....... Foi muito participativo... É muita responsabilidade e acho que deve haver muitas

119

mudanças para que se consiga desenvolver um currículo que seja trabalhado de forma integrado com esses alunos. (MARIANA, trechos da entrevista). A formação sobre o PROEJA trouxe contribuições... As reflexões e as discussões com os colegas de outras disciplinas ajudaram muito ,...O fato de já ter algum conhecimento sobre o currículo integrado trabalhado nas jornadas pedagógicas, nos momentos de planejamentos também ajudou muito... Aliás, o fato de já trabalhar com o ensino técnico integrado, isso é importante também, mas não é o suficiente... É claro que é preciso mais, pois são muitas coisas que envolvem essa formação de jovens e adultos... É preciso mais estudos, mais encontros para avaliação do que está sendo feito, mais planejamentos com todos juntos, sem ter que sacrificar outras atividades...Agora é uma pena não poder participar de todos os encontros da formação, pois são muitas atividades que temos, daí nem sempre é possível participar. (FAUSTO, trechos da entrevista). Toda formação é importante para nós, principalmente quando a experiência é algo novo, novidade.... Como falei antes, o trabalho com jovens e adultos não é novidade para mim, pois são mais de 30 anos de experiências dando aulas pra eles, desde o madureza, no supletivo, mas isso não significa que já sei tudo...É sempre necessário e bom aprender mais, e isso aconteceu, acrescentou...É diferente do supletivo. É um trabalho mais rico, e para nós que trabalhamos com os cursos integrados foi uma oportunidade de tirar dúvidas, esclarecer, falar da experiência de trabalhar com suas disciplinas... E isso faz a gente crescer quando ficamos juntos com os outros falando do que faz e ouvindo também.... Não fui a todos os encontros, mas quando deu fui.... Mas veja só, é necessário também outras coisas, pois a formação sozinha não vai resolver tudo. Precisamos de mais condições de trabalhar com esses alunos, melhor assistência para eles, laboratórios mais bem equipados, valorização profissional de fato, e mais outras coisas... (ELANO, trechos da entrevista).

Foi possível perceber nas manifestações dos entrevistados a oferta de um curso

de formação continuada em que tiveram oportunidade de discutir, refletir, trocar

experiências e aprender sobre o programa, acerca do currículo integrado, bem como a

respeito dos alunos jovens e adultos, de suas realidades de vida e de escolarização.

Convém ressaltar que a formação continuada de professores e gestores faz parte das

orientações constadas no Documento Base40 (BRASIL, 2007 a p. 60) com a seguinte

indicação:

40 O Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2007a, p. 60) prevê para o alcance do objetivo da formação continuada de professores e gestores, ações em duas frentes: (i) um programa de formação continuada sob a responsabilidade das instituições proponentes e (ii) programas de âmbito geral sob a responsabilidade da SETEC/MEC. As Instituições de Ensino deverão contemplar em seu Plano de Trabalho a formação continuada, ofertando no mínimo curso de 120 horas, com uma etapa prévia ao início do projeto de, no mínimo, 40 horas. Devem ainda possibilitar a participação de professores e gestores em outros programas de formação continuada que incidam sobre as áreas que compõem o PROEJA, quais sejam: ensino médio, educação profissional e EJA, bem como, aqueles destinados à reflexão sobre o próprio programa. Para a SETEC/MEC coube a responsabilidade de estabelecer programas especiais voltados para a formação de formadores e para a pesquisa em EJA, por meio de oferta de Programas de Especialização/PROEJA, articulação institucional com vistas a cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) em áreas afins do PROEJA, assim como, fomentos para linhas de pesquisa em EJA, ensino médio e educação profissional.

120

... objetiva a construção de um quadro de referência e a sistematização de concepções e práticas político - pedagógicas e metodológicas que orientem a continuidade do processo. Deve garantir a elaboração do planejamento das atividades do curso, a avaliação permanente do processo pedagógico e a socialização das experiências vivenciadas pelas turmas.

Pelo exposto no documento, a formação continuada de profissionais para

atuar no programa é de responsabilidade das instituições educativas e da SETEC/MEC,

tendo em vista a construção de referenciais e de práticas que subsidiem a

continuidade do processo formativo previsto, desde o planejamento à avaliação do

realizado. A formação a que se referem os sujeitos entrevistados foi propiciada pelo

IFMA/Campus São Luís/Monte Castelo41 como possibilidade de instrumentalizá-los

para o planejamento e o desenvolvimento do Curso objeto desta pesquisa, na medida

em que favorecer estudos, discussões e trocas de experiências acerca do que já vêm

fazendo e de temáticas fundamentais para a compreensão e atuação no programa,

como foi destacado.

Ao tratar da implantação de cursos do PROEJA Machado (2006a) acentua que

esta é uma tarefa que representa um grande desafio às instituições, aos docentes e

aos especialistas envolvidos, particularmente quando se trata da opção de oferta

integrada do Ensino Médio na modalidade EJA a Educação Profissional Técnica de Nível

Médio, estruturas curriculares com níveis mais complexos de regulamentação

(MACHADO, 2006a, p. 40). Por abranger um campo peculiar de conhecimentos

entendo que a construção de uma política de formação continuada é uma das

estratégias fundamentais para se mergulhar no universo de questões que perpassam

cursos dessa natureza, incluindo a realidade dos sujeitos para os quais se voltam, de

modo a investigar as diferentes formas de ser, de saber, de conhecer e de fazer dos

estudantes jovens e adultos que buscam esses cursos cheios de expectativas e

esperanças.

A compreensão do PROEJA, de sua proposta, significado, estratégias de

materialização e a consequente formação continuada para dar conta desse desafio é

41 Essa formação continuada se refere àquela que as instituições proponentes deveriam contemplar em seu Plano de Trabalho, com no mínimo 120 horas, com uma etapa prévia ao início do projeto, de 40 horas, mínima (BRASIL, 2007a, p.60).

121

parte das necessidades e expectativas reveladas pelos profissionais pesquisados, como

anteriormente foi explicitado. Ao levar em conta que esses profissionais na primeira

experiência vivenciada na instituição foram destituídos do direito de aprender a

ensinar em cursos deste programa, essa é uma questão que não pode ser mais adiada.

Os argumentos que apresentaram inicialmente acerca das fragilidades de suas

formações, e das dificuldades de atuarem nos marcos de um currículo que apregoa a

integração da formação geral e profissional reforçam o entendimento de que as

mudanças previstas demandam outras conquistas, dentre elas a implementação de

políticas educacionais e institucionais que primem pela formação do trabalhador

professor.

Convém ressaltar que há uma significativa concordância quanto à necessidade

de formação de professores para atuar na modalidade de educação de jovens e

adultos, bem antes da implantação do PROEJA. Tanto a LDB nº 9394/96, quanto o

Parecer do CNE/CEB, nº 11/2000 que regulamenta as Diretrizes Curriculares para EJA

reforçam a importância de que o preparo desse docente deve incluir, além das

exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas a esta

modalidade de ensino. Isso indica que a complexidade diferencial desta modalidade

requer um profissional adequado para o seu exercício, descartando um professor

aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e

visando, sobretudo, um docente que se nutra do geral e também das especialidades

que a habilitação como formação sistemática requer (BRASIL, 2000, p. 56). Portanto,

para o ensino que se caracteriza por uma ‘forma própria de ser’, a formação inicial e

continuada de seus docentes são condições imprescindíveis.

Entendo como Pimenta (1999), Veiga (2009) e Imbernón (2009) que a

formação continuada se constitui um processo dinâmico e permanente, no qual o

docente deverá ter acesso a um corpo teórico-metodológico de conhecimentos, que

lhes respalde para refletir criticamente sobre seu papel social, sobre a escola e sua

interface com o contexto social mais amplo, bem como a se comprometer com a

construção coletiva de um projeto alternativo capaz de contribuir, cada vez mais, para

o desenvolvimento de uma educação de qualidade para todos (VEIGA, 2009). Isso

remete ao entendimento de que a formação docente que se volta para a

especificidade da EJA se configura como possibilidade de contribuir com a restauração

122

de um direito negado, isto é, o direito a uma escola de qualidade em que todos

tenham acesso efetivo ao saber elaborado, historicamente sistematizado e acumulado.

Ventura (2012, p.189) reafirma tal compreensão ao expressar o seguinte

posicionamento:

... A defesa pela formação docente, que considere à especificidade da EJA, está inscrita no quadro mais amplo de luta pelo reconhecimento dessa modalidade de ensino como direito inalienável daqueles que não tiveram o acesso à educação assegurado ou a garantia de condições de permanência na escola. Sendo este direito, por sua vez, parte das muitas lutas sociais que têm, no horizonte, a transformação da realidade.

Nesse sentido, a formação de professores de jovens e adultos requer a

reflexão contínua da práxis pedagógica, favorecendo a constituição de um professor-

pesquisador que considere a diversidade cultural, social, econômica e cognitiva de

seus sujeitos como forma de lhes assegurar melhores condições de leitura e de luta

contra a realidade que lhes negam oportunidades de usufruto de seus direitos. Sem

dúvida, o entendimento da especificidade que marca essa modalidade de educação

implica necessariamente reconhecer que o estudante de EJA é o centro a ser

considerado. São sujeitos concretos, envoltos por significativas experiências e saberes

adquiridos nas relações que estabelecem nos diferentes espaços e situações em que

tomam parte, especialmente nas atividades de trabalho. Ao mesmo tempo, estes

apresentam em comum, nas suas histórias de vida, o fato de que estão hoje cursando a

EJA, porque as condições socioeconômicas nas quais se encontravam na infância e na

adolescência os impediram de estudar (VENTURA, 2012, p. 190), ou de continuar a

escolarização.

O refletir acerca de questões que envolvem a problemática da exclusão deve

perpassar esse processo formativo sob pena de reduzir a visão sobre a EJA, sobre seus

alunos e de alimentar a compreensão de que estes estudantes por terem uma história

de vida marcada pela exclusão social e educacional (RUMMERT, 2008), sejam

incapazes de aprender os diferentes saberes que a escola deve ensinar. Transparece

no relato de Kiara indícios de que esta compreensão de alguma forma perpassa, ao

fazer a seguinte menção: a EJA era novidade para mim.... Os alunos, eu só via o fato

deles terem parado de estudar, de estarem fora da escola há bastante tempo e que por

isso teriam dificuldade de aprender, ainda mais por ser a disciplina Química.

123

É possível inferir, a partir desta manifestação, concepções que ainda

prevalecem sobre a EJA, em que estudantes que são aí acolhidos, ou re-incluídos,

mesmo trazendo para a escola uma bagagem de desejos, saberes e potencialidades,

geralmente se apresentam marcados pela descrença em sua capacidade de aprender.

Ademais, ao se referir que as dificuldades de aprendizagem tendem a se aprofundar

ainda mais por se tratar da disciplina Química, Kiara me faz lembrar a visão que

subsidia determinadas práticas, assentadas no entendimento de que alguns

conhecimentos científicos por sua suposta complexidade são tidos como difíceis de

aprender. Considero ser necessário rever essa visão, pois muitas vezes, essa

dificuldade pode ser decorrente de um ensino muito distante do contexto real do

aluno, destituído de situações pedagógicas que propiciem o alcance da significação

que o conhecimento precisa ter para fazer sentido a quem aprende.

Recorrer à Arroyo (2005) parece oportuno por seu alerta ao discurso que se

refere aos estudantes do PROEJA como uma massa de alunos, cuja identidade se

encontra diretamente relacionada ao chamado fracasso escolar. Quando o discurso

sobre esses alunos se reduz a tratá-los como repetentes, evadidos e incapazes de

aprender determinados saberes, termina gerando limites à sua formação, na medida

em que desconsidera dimensões básicas de sua condição humana no processo

educacional. Lançar outro olhar sobre estes sujeitos não implica desconhecer as

marcas de exclusão que carregam. Contudo, considero que um processo de formação

continuada condizente com as necessidades do educador que trabalha com esse

contingente populacional deve trazer a realidade destes estudantes - seus saberes,

práticas e concepções de mundo - como elementos fundamentais na reflexão da

prática pedagógica, buscando identificar ao lado dos limites as suas potencialidades,

ao invés de se reduzir às suas defasagens.

Kiara segue seu relato ponderando que os estudos e discussões realizados na

formação ajudaram a entender um pouco sobre esse programa, a compreender melhor

quem são esses alunos, sua realidade... Mariana, outra professora pesquisada

compartilhou dessa compreensão quando assim se refere: o dia da discussão sobre os

alunos jovens e adultos, suas condições e aprendizagens foi muito participativo e

esclareceu muitas dúvidas a respeito da diversidade que eles representam. A meu ver,

o que foi vivenciado tende a expressar um dos princípios do PROEJA declarado em seu

124

Documento Base que é a necessidade/importância de conhecer o público da EJA, com

a orientação de que além da categoria de trabalhadores é necessário atentar para as

outras condições que igualmente os constitui: as geracionais, de gênero e de relações

étnico-raciais. Ou seja, é necessário levar em conta estes outros aspectos fundantes da

formação humana por serem constituintes das identidades e não se separarem, nem se

dissociarem dos modos de ser e estar no mundo de jovens e adultos (BRASIL, 2007a, p.

38).

Entendo que para serem consequentes com os objetivos previstos, os

aspectos relativos à diversidade e às identidades dos sujeitos jovens e adultos devem

ser contemplados na formação continuada dos docentes. Considero que significa

condição importante para prepará-los, como diz Freire (1996), para a tarefa de escuta

e interpretação da leitura de mundo que os estudantes têm e que os faz compreender

sua própria presença no mundo. É preciso que nestes espaços seja possibilitado ao

professor compreender que a diversidade da EJA ultrapassa o âmbito educacional, por

se encontrar atravessada pelas questões de poder e de hegemonia que discriminam

culturas e reforçam desigualdades e que traduzem as marcas de nossa sociedade

dividida e desigual.

Ao levar em conta as dificuldades reveladas pelos sujeitos da pesquisa com

relação ao ensinar em cursos do PROEJA, advindas de suas formações e de suas

práticas pedagógicas posso ratificar que esse é um desafio que exige formação

diferenciada e aprofundamento de estudos, afinal de contas, como já bastante

enfatizado, se trata de trabalhar com a EJA na especificidade da educação profissional

no nível técnico integrado ao médio, que por sua vez requer um docente com perfil

diferenciado. As contribuições de Machado (2008, p. 17) são elucidativas desse

entendimento quando ao refletir sobre a formação de docentes para trabalhar em

cursos técnicos integrados aponta que deve ser visualizado um professor que seja

capaz de:

... saber integrar os conhecimentos científicos, tecnológicos, sociais e humanísticos, que compõem o núcleo comum de conhecimentos gerais e universais, e os conhecimentos e habilidades relativas às atividades técnicas de trabalho e de produção relativas ao curso técnico em questão

Portanto, assim como é imprescindível abordar questões que perpassam a

modalidade de EJA ratifico que a formação docente não pode prescindir de um

125

aprofundamento acerca de temáticas como trabalho e educação, formação e qualificação

profissional, desvelando as tensas relações e contradições que lhes atravessam no

contexto da ordem capitalista neoliberal, de modo a favorecer a construção de

conhecimentos críticos e políticos para que possam compreender a realidade e nela

intervir, crítica e criativamente. Neste contexto, a concepção de currículo integrado

necessita estar claramente definida e assumida no desenvolvimento do curso, pois é

imprescindível que seus docentes a compreendam e a apreendam para que possam

ter uma prática pedagógica intencionalmente comprometida com a perspectiva de

formação integrada.

Flora, um dos sujeitos pesquisados, menciona que na dinâmica do curso

foram trabalhados conteúdos referentes ao currículo integrado seus pressupostos e

questões práticas. A menção a esta temática por parte dos outros profissionais

entrevistados denota o reconhecimento de sua positividade quando assim se referem:

foi bem interessante o que foi discutido sobre currículo integrado.... Foi muito

participativo, pontua Mariana. Fausto, igualmente, ao se expressar acentua que as

reflexões ajudaram muito e complementa dizendo que o fato de já ter algum

conhecimento sobre o currículo integrado trabalhado nas jornadas pedagógicas, nos

planejamentos também ajudou muito.

Ao tempo que reforça os ganhos decorrentes dos momentos vivenciados na

formação continuada, Fausto sinaliza que este é um assunto que não lhe é indiferente

por já ter sido objeto de reflexões e análises em espaços de jornadas pedagógicas e de

planejamentos na instituição. Com isso, traz à tona as mudanças estabelecidas pelo

Decreto nº 5.154/2004 que envolveu os profissionais do IFMA/Campus São Luís/Monte

Castelo em movimentos em torno de reconstruções curriculares em que as discussões

teórico-metodológicas e decisões sobre currículo integrado alcançaram pertinência,

passando, de certa forma, a ganhar espaço na agenda da instituição.

Machado (2011, p. 694) destaca a complexidade existente, ao discutir o

currículo integrado no contexto do PROEJA. Na sua visão este envolve um desenho

curricular e uma prática bem mais complexa, cuja formulação e o seu saber-fazer

demandam estratégias de formação docente continuada que possam assegurar o

seguinte:

126

... o necessário trabalho coletivo e colaborativo dos professores de conteúdos da educação geral e profissional para a compreensão de como desenvolver os princípios educativos do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura, o diálogo entre teoria e prática, o pensar e o agir na lógica da interdisciplinaridade.

Sob esse entendimento, reside a concepção de trabalho como princípio

educativo do processo formativo orgânico às demandas de cidadãos trabalhadores.

Como já discutido, o trabalho na dimensão ontológica é a categoria fundante da

integração dos conhecimentos da formação geral com os da formação profissional, visto

que é a partir dele que os conhecimentos são produzidos. Isso precisa estar claro e se

constituir base do ensino para que, num movimento práxico, os conhecimentos

científicos postos em disponibilidade como conteúdos das disciplinas - como é o caso

dos de Química, Biologia, Física e da Matemática - sejam tratados de forma integrada,

de modo que os alunos os relacionem às práticas sociais e produtivas que constituem

suas existências individuais e coletivas. Pressupõe, portanto, um processo de ensino e de

aprendizagem com a maior proximidade possível do contexto social, do mundo do

trabalho e as redes de relações que nele se tecem, garantindo uma ampla base de

conhecimentos científico-tecnológicos e sócio-históricos (KUENZER, 2001).

As orientações constadas na proposta de Cursos de Especialização de

profissionais do PROEJA realçam a concepção de formação integrada que deve servir

de esteio para qualquer oferta formativa, portanto, também para o caso da formação

docente tratada. Considero que tais orientações são férteis por reforçarem que a

formação de profissionais para trabalhar no PROEJA deverá, além de aspectos relativos

aos sujeitos jovens e adultos, ocupar-se de viabilizar a organização de processos de

ensino-aprendizagem com base nos princípios da formação integral, politécnica, na

perspectiva da escola unitária (BRASIL, 2008, p. 3). Obviamente, a efetivação de um

reordenamento curricular com base nesses pressupostos implica desdobramentos

político-pedagógicos resultantes do processo de repensar as práticas de ensino, de

planejamento e de avaliação (SILVA, SANDRI, COLONTONIO, 2012, p. 42) que se

tecem no percurso da formação.

Sendo assim, ressalto, em concordância com Moura (2008b), que esse processo

formativo docente vai além de propiciar a aquisição de metodologias e técnicas

didáticas de tratamento de conteúdos, na medida em que se ancora no objetivo maior de

promover uma prática educativa em consonância com a formação humana plena, o que

significa assegurar aos jovens e adultos trabalhadores a compreensão das relações

127

sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2005, p.85). Dessa perspectiva

deriva o desafio de contribuir com práticas pedagógicas que ultrapassem os limites da

educação bancária (FREIRE, 1982, 1986), viabilizadas, entre outras condições, a partir

da formação docente que deve ser crítica, reflexiva e orientada pela responsabilidade

social (MOURA, 2008b, p. 30) do alcance da educação como direito.

Trago assim, a defesa de um processo formativo voltado para a ação-reflexão-

ação permeado por discussões, socialização de experiências, teorização da prática, de

forma a garantir a interlocução entre todos os sujeitos desse processo. As manifestações

dos profissionais pesquisados apresentam elementos indicativos nessa direção quando

nas interlocuções se reportam da seguinte forma: Posso considerar que o curso foi bom,

principalmente pela qualidade das intervenções, questionamentos durante as discussões

e reflexões sobre o que vêm fazendo, analisou Flora; os encontros em que estudamos e

discutimos ajudaram a entender um pouco sobre esse programa... As palestras foram

ricas, mas o melhor foram as experiências apresentadas, explicitou Kiara; Fausto

menciona que as reflexões e as discussões com os colegas de outras disciplinas

ajudaram muito; e Elano, por sua vez, enfatiza as possibilidades que emergem para o

grupo ao dizer que:

Para nós que trabalhamos com os cursos integrados foi uma oportunidade de tirar dúvidas, esclarecer, falar de experiência de trabalhar com suas disciplinas... E isso faz a gente crescer quando ficamos junto com os outros, falando do que faz e ouvindo também (ELANO, trechos da entrevista).

Posso inferir, a partir dos relatos mencionados, que esses sujeitos vivenciaram

momentos, em que discussões, reflexões e trocas de experiências, com referencial

ancorado na prática pedagógica construída/em construção fizeram parte do processo.

Quando Elano diz que faz a gente crescer quando ficamos junto com os outros, falando

do que faz e ouvindo também, realça que a possibilidade de troca de experiências e de

reflexão conjunta acerca do que fazem ou pretendem fazer, potencializa a disposição

para a aprendizagem e para o crescimento pessoal e profissional. Sem dúvida, como

acentua Paiva (2012) a formação tecida em parceria, em que seus sujeitos compartilhem

saberes, experiências, dúvidas, incertezas e expectativas favorecerá maiores condições

de compreensão das especificidades da proposta e de intervenção pedagógica e política

no percurso do processo formativo. De um modo geral, os sujeitos pesquisados

expressaram a significação que a formação alcançou no grupo, no sentido de promover

um conhecimento mais aproximado da perspectiva almejada, a partir das

128

potencialidades gestadas junto aos pares, ainda que não tenha sido considerada

suficiente.

Contudo, foi possível perceber que os sujeitos da pesquisa reconhecem lacunas

e dificuldades que evidenciam o quanto ainda há a caminhar para que possam

responder aos desafios que a formação pressuposta pelo programa apresenta. Kiara sem

desconsiderar que valeu a pena, abre brechas quando menciona o ainda que não tenha

sido suficiente, evidenciando assim, que existem lacunas a serem preenchidas. A

entrevistada Mariana enfatiza ser esta muita responsabilidade, ao tempo que realça que

deve haver muitas mudanças para que se consiga desenvolver um currículo que seja

trabalhado de forma integrado com esses alunos. Já Fausto, mais uma vez, reforça que

o fato de já trabalhar com o ensino técnico integrado é importante, mas não é o

suficiente.

Expressa-se, pois, o reconhecimento de que o PROEJA traz em si profundos

desafios para que possa efetivar uma formação integrada cujos fundamentos estejam

assentados na perspectiva emancipatória. Segundo o olhar de Mariana serão necessárias

muitas mudanças para que isto aconteça. A esse respeito, Machado e Oliveira (2010, p.

13) chamam a atenção de que os profissionais envolvidos nesta intersecção formativa

certamente precisarão de tempo para compreender e modificar o seu modo de pensar e

agir, entendendo a relevância social e pedagógica dessa integração, bem como os

desafios de uma práxis pedagógica transformadora. Fausto reitera tal compreensão

quando assume que mesmo já tendo certa experiência com o ensino técnico integrado,

ainda não é o suficiente para dar conta do que a formação integrada para jovens e

adultos requer.

Além de outras questões que expressam dificuldades e contradições, subjaz nos

relatos dos entrevistados que pelo fato da ausência/insuficiência de investimento na

formação, há um despreparo/insuficiência de preparo do professor para sinalizar na

direção de um processo formativo que tenha a integração como esteio.

Ao levar em consideração o que apontam as pesquisas e o que dizem os

sujeitos investigados, posso deduzir que esse despreparo decorre antes de suas

formações inicial em docência de Ciências da Natureza e da Matemática, que se agrava

por não terem a formação em EJA e EPT, e que se intensificam quando cursos

propagados para lhes preparar – como o que estão se referindo - esbarram em seus

próprios limites.

129

Nos relatos dos profissionais a dificuldade de conciliar os horários de

execução de diferentes atividades com o tempo para se capacitar no curso ofertado é

reiteradamente mencionado como algo negativo. Flora faz alusão a um ponto negativo

do curso destacando o fato da frequência dos professores não ter sido 100%. Ao dizer

que teve oportunidade de compreender sobre o programa nas discussões em que pode

participar, Kiara expressa suas ausências na formação, deixando evidente não ter sido

possível participar de todos os encontros. Mariana, por sua vez, deixa explícito que não

participou de todos os encontros da formação continuada, por às vezes coincidir com

horários de aulas em outras turmas. Com alusão aproximada à de Mariana, Fausto

declara seu pesar dizendo que: é uma pena não poder participar de todos os encontros

da formação, pois são muitas atividades que temos daí nem sempre é possível

participar. Elano faz coro aos colegas quando diz: não fui a todos os encontros, mas

quando deu fui.

Os professores em suas manifestações demonstram se ressentirem do tempo –

aliás, da falta de tempo – para participar integralmente de espaços que supõem ser

importante para a solidificação da proposta do PROEJA. No meu ver, ao dizerem de si e

do grupo formativo do qual são parte, enfocando o acúmulo de atividades na jornada de

trabalho, os pesquisados dão visibilidade às críticas de Arroyo (2007) relativas ao

sistema escolar que mantém uma estrutura organizacional que nega o trabalho como

princípio educativo, na medida em que desqualifica e deforma o trabalho docente, ao

invés de torná-lo educativo e formador. Se o pressuposto é assumir a educação como

condição humanizadora é imprescindível assegurar uma formação docente que se dê

igualmente nessa direção, em oposição às práticas formativas que fragmentam e

desintegram ainda mais o trabalhador professor.

Ainda que os sujeitos pesquisados não tenham entrado em detalhes, essa

realidade de terem que assumir atividades em acúmulo, não lhe restando tempo para a

qualificação profissional, pode traduzir as marcas da precarização da prática docente42

em que a destituição do direito a aprender a ensinar se adiciona à negação de outros

direitos/condições básicas para exercer as atividades profissionais com qualidade

socialmente referenciada (SHIROMA; LIMA FILHO, 2011). No caso particular do

42 Aprofundar as discussões acerca da precarização do trabalho docente em Bosi (2007); Shiroma e Lima Filho (2011).

130

IFMA, o novo perfil assumido com a sua transformação em IFEs43 pode ter concorrido

para aprofundar esta realidade. Nesse contexto institucional, que abarca uma ampla

oferta de níveis e modalidade de educação, os docentes que são exclusivos da

instituição, não são exclusivos de um curso, tendo que atuar, além do PROEJA, em

outras frentes existentes nesta escola. Em meio a esta multiplicidade de fazeres não se

identifica, contudo, a correlação entre as necessárias condições efetivas de trabalho e a

implementação, de fato, dentre outras, de políticas de formação continuada. Isso revela

a contradição entre o que é idealizado para a implementação do programa e o que se

materializa na prática concreta.

Cabe assinalar que a formação continuada é necessidade intrínseca e condição

para o processo permanente de desenvolvimento profissional. Portanto, deve ser parte

da política de qualificação e valorização profissional a ser assegurada a todos. Como

espaço e tempo formativo devem integrar, conforme destaca Maron (2013, p. 83) a

busca constante por atualização e formação complementar44, num permanente

movimento de vir a ser. Reafirmo com Pimenta (1999) que esse processo deve propiciar

a aproximação dos pressupostos teóricos e a prática pedagógica a partir da reflexão

crítica sobre essa prática, alimentada por referenciais que possibilitem melhor

compreendê-la e nela intervir no sentido de sua transformação.

Sendo assim, essa formação por ser uma experiência nova e em fase de

construção deve se realizar em estreita interação com a prática cotidiana, constituindo-

se espaço de estudo, discussão, análises de experiências e decisões que envolvam a

complexidade de questões que a abarcam. Quando Fausto trata dessa formação em

pauta, menciona que é preciso mais, pois são muitas coisas que envolvem essa

formação de jovens e adultos. Mariana ressalta que mudanças devem acontecer. Elano,

com mais de 30 anos de experiência em trabalhos com EJA, reconhece que o PROEJA é

algo novo, é diferente do supletivo. Acredito que se dão conta, no percurso do exercício

43 Com longa tradição de oferta de ensino técnico, as antigas escolas técnicas ampliaram sua atuação com a transformação em CEFET, incorporando os cursos superiores de tecnologia, as licenciaturas e a pós-graduação lato e stricto sensu. Com a transformação em IFEs, reafirmam estas ofertas e carregam a meta de ampliar a educação profissional, nos diferentes formatos, em que o PROEJA se coloca como perspectiva (MOURA, 2006). 44Para Maron (2013) integram a trajetória de formação continuada do professor todas as aprendizagens adquiridas por meio de cursos de extensão, cursos de curta duração, semanas de estudos pedagógicos, participação em seminários, congressos, simpósios, oficinas, cursos de pós-graduação stricto ou lato sensu e, especialmente, as aprendizagens decorrentes das experiências que cada profissional vivencia no cotidiano de sua atividade docente

131

docente, de tantas questões complexas que circulam o assumir essa experiência, e sendo

assim defendem um espaço/tempo pensado e estruturado que favoreça a construção de

saberes e a tomada de decisões para lidar com tal complexidade.

Isso implica processos formativos que ultrapassem a fins meramente

instrumentais e os prepare, a partir de reflexões contínuas e coletivas, em momentos

sistematizados, para incorporar na prática educativa, no que for possível, as concepções,

princípios e diretrizes estabelecidos para a oferta integrada. Pressupõe, portanto,

redirecionar experiências que ainda persistem, pois como alerta Haddad (1998), os

cursos esporádicos, aligeirados e sem continuidade garantida são instrumentos de

desserviço a EJA, na medida em que criam expectativas que não serão correspondidas,

frustrando alunos e professores e reforçando a concepção negativa de que não há o que

fazer nesta modalidade de ensino.

O posicionamento de Fausto se aproxima desse entendimento. Ao ser expresso

por ele que é preciso mais estudos, mais planejamentos com todos juntos, mais

encontros para avaliação do que está sendo feito, entendo que demonstra reconhecer,

tal como Paiva (2012), que a prática de formação continuada não pode ser lugar de se

chegar aos professores com ideias ‘salvacionistas’ daqueles que sabem o que devem

saber professores de jovens e adultos. Deve ser um caminho com particularidades

relevantes:

[...] de fazer com, refletindo e mediando saberes, conhecimentos e práticas pedagógicas que os professores desenvolvem, os quais constituem repertório e patrimônio concreto, a partir do que é possível pensar a EJA e a educação profissional e para elas propor mudanças (PAIVA, 2012, p. 62).

O planejamento e a avaliação coletivos, como parte desse processo, tornam-se

fundamentais para que possam refletir, trocar, discutir, decidir e avaliar o que fazem, o

que não fazem e o que é possível ser feito, e, nesse percurso, aprender e crescer como

pessoas e profissionais, gerando consequências para o saber, o saber ser e saber fazer no

PROEJA. O expresso pelos sujeitos dá a entender que obstáculos se interpõem para a

efetividade destas ações tão cara ao processo educativo pressuposto pelo programa.

Com relação à construção desse caminho, Fausto acrescenta que isso deve

acontecer sem ter que sacrificar outras atividades. Creio que está se referindo à

necessidade de que lhes assegurem espaço formativo a partir de suas demandas

concretas, respeitando a condição de profissionais que são. Refere-se ao ser profissional

ao qual deve ter assegurado o tempo de conciliar trabalho e estudo, como condição

importante para que possa, qualitativamente, realizar as funções requeridas para esse

132

novo exercício em compatibilidade com as possibilidades de crescimento profissional.

Para isso, os espaços- tempos de formação continuada devem ser previstos dentro da

jornada de trabalho, e isso não significa apenas uma decisão pedagógica e

administrativa, mas uma decisão política assentada no reconhecimento de que assim

como os alunos da EJA, os seus professores devem também ter assegurado o direito de

aprender ao longo da vida para poder intervir, de forma qualificada e consciente, na

realidade educativa sempre perpassada por novos desafios (BRASIL, 2007a).

Tal compreensão parece estar evidente no relato que, em seguida, foi feito pelo

Elano:

Como falei antes, o trabalho com jovens e adultos não é novidade para mim, pois são mais de 30 anos de experiências dando aulas para eles, desde o madureza, no supletivo, na EJA... Mas isso não significa que já sei tudo...É sempre necessário e bom aprender mais (ELANO, trecho da Entrevista)

Fica expresso que este sujeito reconhece a experiência que o faz caminhar com

certa segurança e ter confiança no que realiza, mas reconhece, claramente, que essa

experiência sozinha não lhe garante bagagem suficiente para uma boa atuação nessa

proposta que lhe é nova. Pontua a necessidade e a disponibilidade de aprender mais,

que considero condição importante para poder contribuir para que a formação integrada

se faça como direito. É possível notar que essa concepção se aproxima de reflexões

feitas por Freire (1996, p. 50) e que eu considero pertinente para o enfrentamento dos

desafios postos por esta prática educativa em construção. Este autor apresenta uma

provocação sobremaneira relevante de que o educador deve assumir a condição de

aprendiz permanente, que não se intimida diante do novo e tem predisposição a

mudanças. Afirma que não estamos prontos, e que o inacabamento é próprio do humano

que somos. Nesse sentido, faz a seguinte menção:

Minha franquia ante os outros e o mundo mesmo é a maneira radical como me experimento enquanto ser cultural, histórico, inacabado e consciente do inacabamento. [...] Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da existência vital. Onde há vida há inacabamento (Grifos meus).

Elano parece assumir sua condição de sujeito inacabado e a disposição de

eterno aprendiz, ao tempo que reconhece a importância da formação continuada frente

ao proposto pelo processo formativo em questão. Por outro lado, chama a atenção para

a amplitude/complexidade de aspectos que envolvem um programa desta natureza ao

trazer o seguinte alerta:

133

Mas veja só, são necessárias também outras coisas, pois a formação sozinha não vai resolver tudo. Precisamos de mais condições de trabalhar com esses alunos, melhor assistência para eles, laboratórios mais bem equipados, valorização profissional de fato, e mais outras coisas (ELANO, trecho da entrevista)

Embora Elano não tenha aprofundado a questão, arrisco inferir que ao

mencionar tais exigências expressa que é necessário ficarmos atentos ao poder que é

dado à formação continuada como se ela fosse a redentora dos problemas que

atravessam a educação, e por si só, pudesse resolvê-los. Menciona que ao lado desta

formação, melhores condições de trabalho, assistência aos alunos, valorização docente,

dentre outros, são fatores importantes que não podem ser descuidados para poder ir ao

encontro dos objetivos visados. Sem dúvida, o preparo docente é condição importante,

pois não ocorre pensar em um bom ensino sem um bom professor45. Contudo, existem

outros aspectos a serem considerados, alguns que se interpõem para além do que

acontece na escola e na sala de aula, exigindo outras decisões e ações, como pontua

Elano.

Levando em conta o que coloca esse sujeito considero pertinente evocar a

análise de Kuenzer (2010), que faz crítica à visão reducionista de formação docente que

desconsidera as implicações do contexto sócio-político e econômico em que esta

formação se encontra inserida. Isto é, regida pela lógica capitalista, sob o esteio do

ideário neoliberal, alimenta-se uma compreensão restrita e simplificada do fenômeno

educativo fazendo crer que, por si só, o investimento no percurso formativo docente,

inevitavelmente, produzirá bons resultados na educação. A educação escolar, cabe

lembrar, é um processo multidimensional que mantém interface com diferentes

dimensões da sociedade, não podendo ter seus resultados creditados a sujeitos e a

aspectos isolados, sob o risco de acharmos os ‘culpados’ sem atentarmos para questões

amplas nas quais se funda a raiz de tantos problemas educacionais.

Na forma como adverte Elano, com registro também no narrado pelos outros

investigados, encontra-se evidenciado no Documento Base (2007a) que as condições

fundamentais para implantação desse programa não estão dadas, devem ser buscadas,

construídas e alimentadas pelo coletivo nele envolvido. Evidentemente que existem

contradições, problemas e limites que extrapolam o alcance do coletivo institucional -

pelo menos de forma mais imediata - por terem sua origem na própria forma como 45Refiro-me a um professor com domínio dos saberes da docência, já explicitado, competente e comprometido com um projeto educacional e social emancipador.

134

nossa sociedade encontra-se organizada. É importante ter esta clareza para não ter a

ingenuidade de pensar que a escola pode resolver tudo, ou para não cair no sentimento

de incompetência diante do que precisa ser feito. Não se trata, entretanto, de assumir

postura pessimista. Antes vejo como Gramsci (1991) que assinala que é necessário

compreender os limites impostos pelas condições objetivas e subjetivas que se

produzem na sociedade capitalista para que se possa avançar. Para tanto, é preciso saber

sob quais condições as limitações existem para conduzir o necessário enfrentamento,

rumo ao alcance de avanços possíveis.

Na busca de compreender as concepções e ações expressas pelos sujeitos

pesquisados frente ao desafio de ensinar Ciências da Natureza e da Matemática no

Curso objeto dessa pesquisa consegui capturar possibilidades e limites, aproximações e

distanciamentos que de suas manifestações emergiram. Sob o filtro de meu olhar de

pesquisadora percebi que as preocupações esboçadas por estes sujeitos não se reduziram

ao específico de uma área de conhecimento, mas de um todo - o curso, a instituição -

que precisa ser repensado. Suas manifestações revelam indícios da necessidade e

disposição para o planejamento coletivo e para a formação continuada, no sentido de

responderem ao proposto pelo programa, ao tempo em que desvelam lacunas a serem

preenchidas. Reconhecem ganhos que tiveram com a participação na formação

continuada, contudo, expressam os limites desse processo formativo que revelam os

próprios limites da instituição ao assumir um curso sem potencializar as condições

efetivas de participação contínua dos professores. A escassez de momentos formalmente

institucionalizados na jornada de trabalho docente, com o propósito específico de

promover estudos, debates, troca de experiências, avaliações do processo e de resultados

parecem estar se constituindo obstáculo para o alcance do que propõe a formação

integrada em pauta.

Isso contraria a perspectiva apontada por diferentes teóricos com o qual

dialoguei (KUENZER, 2001; MACHADO, 2006a, 2006b; RAMOS, 2008, 2010;

MOURA, 2006, 2008a) e pelo Documento Base (2007a) que ressalta a necessidade da

construção de uma cultura institucional de planejamento coletivo e de formação docente

continuada, que se expresse na prática de encontros pedagógicos periódicos de estudo,

de planejamento e de avaliação, com todos os sujeitos envolvidos no processo

formativo, inclusive os estudantes. Considero que os esforços que se direcionam ao

encontro do que anuncia o PROEJA, para Cursos Técnicos Integrados ao Médio, não

podem ficar centrados em ações esporádicas, sem continuidade, com uma pequena

135

parcela de profissionais. Isso exige um trabalho árduo, sistemático e comprometido por

parte da instituição como um todo, de forma que incorpore, de fato, os pressupostos,

referenciais e princípios que sustentam este programa e assuma, coletivamente, o

conjunto de ações que possam assegurar que a atividade básica que lhe confere sentido

se concretize na realidade institucional.

O que é concebido e atribuído ao PROEJA e ao currículo integrado, a partir da

experiência que os profissionais nele envolvidos vêm acumulando, é do que trato a

seguir.

(ii) PROEJA e Currículo Integrado

Entendo que as concepções e ações que sustentam o ensino das Ciências da

Natureza e da Matemática de que trata esta tese se encontra enraizadas na visão que os

sujeitos desses processos elaboram sobre o PROEJA, do qual é parte o curso em que o

ensino da referida área se efetiva, que deve estar assentado em um currículo integrado.

Foi na escuta permeada por silêncios e diálogos que pude compreender que os sujeitos

concebem, de forma singular, o PROEJA e o currículo integrado, que em suas

atividades de ensinar/vivenciar o ensino contribuem para lhes dar vida. Por entender

como Freire (1992) que toda prática educativa antes anuncia um projeto educacional e

social a que se volta e a qual pretende atender, considero que ao dizerem sobre este

programa e sobre o currículo que os sustentam, os sujeitos pesquisados anunciam

perspectivas de ensino a serem efetivadas.

Esses sujeitos deixaram transparecer em seus relatos46, a exemplo do tópico

anterior, recorrências e singularidades, manifestas em pontos de vistas, ideias e

valores acerca do PROEJA e do Currículo Integrado. Trazem expressos no que

narraram, o movimento dialético de aproximação/distanciamento dos pressupostos e

princípios que sustentam a proposta deste programa, de forma particular dos Cursos

Técnicos integrados ao Médio, que deve se traduzir por um currículo integrado,

conforme anunciado no Documento Base (BRASIL, 2007a), que por sua vez traz novas

exigências ao ensino que deve materializá-lo. Os relatos docentes a seguir são

indicativos desta constatação:

46 Nas entrevistas semiestruturadas junto aos docentes, no grupo focal com os estudantes do curso e nas anotações em diários.

136

Esse programa trouxe muitas vantagens para esses alunos que tiveram que parar os estudos... porque antes, lembro, era mais alfabetização... teve o Mobral, o Madureza – onde iniciei minha vida de docente, ensinando Matemática-, teve o supletivo, em que ensinei por muitos anos também…o PROEJA é essa proposta nova, é um outro momento e traz o desafio de outra oportunidade para estes alunos com a ideia de integrar a parte de formação geral com a profissionalizante. Não é que acho que não tenha problemas e dificuldades, principalmente quanto ao currículo integrado para EJA .... É claro que tem problemas, né? ... mas acho que esta ideia da integração vai dar uma oportunidade melhor para esses alunos, vai com isso fazer uma formação mais completa.... Penso que no caso deles não poderia ter sido melhor, pois é o que tem direito mesmo, de um curso que lhes prepare bem para uma formação profissional bem fundamentada por todas as disciplinas técnicas e ao mesmo tempo do ensino médio. Isso vai fazer com que ele não seja apenas um apertador de parafusos... Mas que comece a ver as coisas da vida e do mundo com outros olhos... ser mais qualificado profissionalmente.... Penso que isso é muito importante.... Agora é necessário que as condições melhorem como já até falei, mais valorização do professor.... (ELANO, trechos da entrevista). Para integrar a parte básica da parte profissional o PROEJA vai necessitar de muitas mudanças na escola para que esta integração possa ser realizada. ... Através do currículo integrado a gente deve procurar fazer essa integração.... Como já falei são todos que devem se preocupar com isso... A instituição.... Todo professor deve trabalhar com o intuito dessa formação integrada... que é a formação para a cidadania e para o trabalho... O complicado é que estamos acostumados a cada um fazer o seu pedaço... (FAUSTO, trechos da entrevista). O PROEJA é muito importante porque traz a chance de uma boa formação profissional para os alunos .... Poderá lhes preparar melhor para ingressar no mercado de trabalho, para que possam arrumar um emprego melhor... (KIARA, trechos da entrevista). Vejo o PROEJA, esse curso que estamos ofertando de grande importância para esses alunos.... Agora acho que temos que considerar a realidade deles.... Não é fácil, não está sendo fácil para eles que ficaram algum tempo fora da escola, uns mais, outros menos.... Nem para nós, né? A gente diz que o currículo tem que ser integrado, né? Lembro das nossas discussões, mas não é tão fácil assim... E fico preocupada se de fato está sendo oferecido.... Já temos evasão e isso é complicado (MARIANA, trechos da entrevista).

Esses sujeitos falam de si, de suas experiências, de suas histórias e, nesse

movimento, deixam transparecer que o PROEJA e o currículo integrado que ele anuncia

carregam complexidades, que implicam desafios a serem assumidos no e para além do

cotidiano.

O interlocutor Elano se reporta às experiências de educação voltadas para este

público, do qual tinha conhecimento e com o qual havia exercido a docência, para dizer

que o PROEJA trouxe muitas vantagens aos alunos jovens e adultos. Recupera na

memória que antes era mais alfabetização.... Que teve o Mobral, o Madureza - em que

iniciou a vida de docente, ensinando Matemática - que teve o supletivo - em que

ensinou por muitos anos. Observo que evidencia nuances do histórico da EJA que

137

assume funções paliativas de reparação ou de compensação de uma dívida social que se

formou ao longo da história. Expressa reconhecer que a EJA se volta para sujeitos com

históricos de exclusão que, em determinado momento de suas trajetórias de vida, não

puderam ter acesso à escola ou tiveram que parar os estudos, como ele mesmo pontua.

Para este sujeito o PROEJA é outro momento e traz o desafio de outra

oportunidade para os alunos com a ideia de integrar a parte de formação geral com a

profissionalizante. Transparece acreditar neste programa como um direito social de

jovens e adultos trabalhadores, que são oportunizados a voltar à escola - da qual já

haviam sido excluídos - para participar de um curso que lhes prepare bem para uma

formação profissional bem fundamentada por todas as disciplinas técnicas e ao mesmo

tempo do ensino médio. Esse entendimento encontra ressonância nas ideias de Ferreira e

Oliveira (2010, p. 94) para os quais o PROEJA, com a proposta de integração

curricular, apresenta pela primeira vez condições objetivas de avanços, pois a EJA está

teoricamente alçada, para além da alfabetização e do ensino fundamental na

perspectiva compensatória, como possibilidade de efetivação do direito à educação

básica no ensino médio. É possível perceber que o próprio Documento Base (BRASIL,

2007a) dá guarida a esta posição ao trazer o enunciado que um dos grandes desafios

desta política é construção de uma identidade própria para essa nova forma de se fazer

educação de adultos, com profissionalização integrada ao ensino médio, buscando

alcançar objetivos complexos.

Ao continuar com o relato manifesta acreditar ser este um processo formativo

que, ao integrar os conhecimentos da base geral e da base técnica, poderá contribuir

com uma formação mais completa, que não seja reduzida à aprendizagem de aspectos

operacionais, de caráter prático, destituídos de sistematização e fundamentação teórica

(KUENZER, 2001). Isso fica explícito, sobretudo, quando destaca a ideia de um

trabalhador que não seja apenas um apertador de parafusos, mas que seja mais

qualificado profissionalmente. Ao dar ênfase à formação que leve o trabalhador a ver as

coisas da vida e do mundo com outros olhos, arrisco dizer que pode estar se referindo

ao sujeito trabalhador capaz de assumir uma postura crítica frente à realidade. Isso

implica a transformação do senso comum em senso crítico, como condição primordial

para o alcance de uma compreensão aprofundada de mundo (SAVIANNI, 2009;

CIAVATTA, 2005, 2011). Tal possibilidade demanda o princípio do trabalho, em suas

dimensões ontológica e histórica, para que potencialize uma formação em que os

sujeitos ao tempo que passem a dominar os fundamentos científico-tecnológicos do ser

138

e fazer profissional passem, igualmente, a compreender as contradições e conflitos que

movimentam o mundo do trabalho contemporâneo em que estão inseridos, na condição

de trabalhadores, empregados ou não.

Na mesma direção o outro entrevistado - professor Fausto- ao se referir ao

PROEJA dá ênfase ao pressuposto da formação integrada, que no seu olhar diz respeito

à formação para a cidadania e para o trabalho. A meu ver, cidadania e trabalho devem

ser concebidos, de fato, como dimensões constitutivas indissociáveis do homem, da

sociedade e da educação que a estes devem se voltar. Cabe lembrar que a perspectiva

ampliada de formação e de integração que supõe o exercício da cidadania é anunciada

em instrumentos legais47 e reafirmada no documento norteador dos cursos do PROEJA.

Em relação aos cursos técnicos integrados, como o que aqui está sendo pesquisado,

orienta que devem se fundamentar na integração entre trabalho, ciência, técnica,

tecnologia, humanismo e cultura geral com a finalidade de contribuir para o

enriquecimento científico, cultural, político e profissional como condições necessárias

para o efetivo exercício da cidadania (BRASIL, 2007a, p. 5).

Pela visão que aqui expressa e pelo posicionamento em outros momentos desta

pesquisa, pressuponho que o professor Fausto pode estar apontando para a formação de

sujeitos que sejam conscientes e atuantes socialmente. Cabe trazer os posicionamentos

de Chassot (2011), Zanon e Maldaner (2011) e Maldaner (2013) que ao tratarem mais

especificamente do ensino de Ciências na perspectiva da cidadania, ressaltam a

exigência de uma escolarização que possibilite a formação de profissionais com efetiva

consciência de cidadania, pensamento autônomo e capacidade crítica. Acentua a

necessidade da formação de cidadãos que não só saibam ler melhor o mundo onde estão

inseridos, como também, e principalmente, sejam capazes de transformar este mundo

para melhor (CHASSOT, 2011, p. 101). Posso antever a partir desta concepção, do

cenário que está posto e da realidade em que a implementação desse programa vem se

dando na instituição, que profundos e complexos desafios devem ser assumidos para

que emerjam possibilidades de uma formação nesta perspectiva.

Vale ressaltar que a formação para a cidadania, expressa na integração entre

trabalho, ciência, cultura, tecnologia, conforme preceituado para os Cursos Técnicos

47A Constituição Nacional de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n. 9394/96 e , em específico, o Parecer CEB 11/2000 – que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA expressam a educação com o papel de possibilitar aos educandos a aquisição de instrumentos necessários ao exercício da cidadania, preparação para o mundo do trabalho e para uma participação crítica na vida política.

139

Integrados se apoia no entendimento de que essas são dimensões da formação humana

que se encontram indissociáveis no acontecer do mundo real. Para Ciavatta (2005),

Kuenzer (2001), Ramos (2010) essa concepção de educação está assentada no trabalho

como princípio educativo e tem como horizonte a formação politécnica e omnilateral

dos trabalhadores. No trabalho como princípio educativo se afirma o caráter formativo

tanto do trabalho como da educação, como ação humanizadora que promove o

desenvolvimento das potencialidades do ser humano (CIAVATTA, 2005). Isso implica

que é por meio do trabalho que o homem produz os bens materiais e culturais que

constituem a sua humanidade e, nesse movimento, gera conhecimentos, formas de

sociabilidade, valores, tecnologia, entre outros.

Sendo assim, todo conhecimento veiculado pela escola tem seu fundamento na

prática social do trabalho e, portanto, tem que com ela estabelecer relação. Nesta

perspectiva, a escola como instituição responsável pela formação humana deve

instrumentalizar o cidadão trabalhador para compreender o funcionamento das relações

sociais de trabalho e, a partir disso, ser capaz de decidir por sua transformação ou

manutenção (YAMANOE; VIRIATO, 2011, p.122). Neste caso, a formação para a

cidadania não pode ser subsumida à possibilidade de mera inclusão no mercado de

trabalho, nem de outras oportunidades criadas sob o viés da educação assistencialista.

As contribuições de Corrêa (2005, p. 4) fertilizam este entendimento ao dizer que

pensar o cidadão enquanto ser omnilateral é concebê-lo como sujeito de direitos e

deveres, construtor de sua história, sem, porém, excluí-lo do mundo do mercado, mas o

dotando de consciência crítica que lhe possibilite autonomia ao se relacionar com este

mundo, sem que seja simplesmente subserviente a ele.

Ao ressaltar ainda que a formação integrada deva ser potencializada através

do currículo integrado suponho que o docente Fausto reforça o ponto de vista, já

manifestado sobre o currículo contrário à segmentação entre a formação básica e a

formação técnica que não lhe é indiferente por já ter realizado estudos sobre esta

temática antes da implantação do PROEJA, no âmbito institucional. Conceber o

currículo nesta dimensão remete, como antes abordado, à integração dos conteúdos da

formação geral e dos conteúdos de um campo profissional específico, como processo

inerente ao próprio fazer pedagógico, ao próprio ensinar um campo de conhecimento,

que busca recuperar a relação entre teoria e prática, numa dimensão transformadora.

Saviane (2007, p. 9) esclarece que no ensino médio a relação entre educação e trabalho,

140

entre o conhecimento e a atividade prática deverá ser tratada de maneira explícita e

direta, considerando o seguinte:

... O saber tem uma autonomia relativa em relação ao processo de trabalho do qual se origina. O papel fundamental da escola de nível médio será, então, o de recuperar essa relação entre o conhecimento e a prática do trabalho. Assim, no ensino médio já não basta dominar os elementos básicos e gerais do conhecimento que resultam e ao mesmo tempo contribuem para o processo de trabalho na sociedade. Trata-se, agora, de explicitar como o conhecimento (objeto específico do processo de ensino), isto é, como a ciência, potência espiritual, se converte em potência material no processo de produção. Tal explicitação deve envolver o domínio não apenas teórico, mas também prático sobre o modo como o saber se articula com o processo produtivo.

Explicita-se, pois, como desafio, a retomada de significação da base

epistemológica e pedagógica dos saberes que integram o currículo, vinculando-os aos

saberes que jovens e adultos trazem consigo ao retornarem à escola. Decorre daí que os

conhecimentos científicos passam a ser concebidos como produções históricas,

expressão do trabalho humano no processo de produção e recriação das condições

materiais e sociais de existência, portanto, são sempre carregados de valores e movidos

por intencionalidades (RAMOS, 2008; CIAVATTA, 2011). Os conhecimentos de

Química, Física, Biologia e Matemática – inseridos neste universo – dizem respeito aos

conhecimentos historicamente produzidos e legitimados socialmente, na busca humana

de compreensão, explicação e transformação dos fenômenos naturais e sociais (GIL-

PEREZ, 1993, SCHNETZLER, 1994, 2011, DUARTE,2006, GERALDO, 2009). Tal

compreensão é imprescindível para subsidiar encaminhamentos necessários à

construção do currículo possível, que resulte do diálogo entre a base geral e a específica.

De certo modo, vejo nas perspectivas apontadas por estes sujeitos, indicativos

de contraponto à oferta de formação profissional estreita, fragmentada, precarizada que

favorece uma inclusão excludente48, por se revestir, antes, de caráter certificatório do

que da qualidade social necessária para favorecer uma inclusão menos subordinada

(KUENZER, 2011, p.52). É possível considerar que em suas manifestações tendem a

corroborar com o pressuposto de educação como condição humanizadora, que viabiliza

o acesso aos saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos, como expressão da

construção histórica que homens e mulheres realizaram, das mais simples, cotidianas

48Para Kuenzer a inclusão excludente se refere à oferta educacional precarizada, que inclui precariamente para excluir pela desqualificação, ou seja a formação que traz no bojo o que esta autora denomina de certificação vazia. Aprofundar em Kuenzer (2001; 2005; 2007).

141

inseridas e oriundas no/do espaço local até as mais complexas, expressas pela

revolução da ciência e da tecnologia (BRASIL, 2007a, p. 13).

Outra dimensão do PROEJA é revelada no percurso das interlocuções. A

professora Kiara, ao se manifestar, realça a importância deste programa por trazer a

chance de uma boa formação profissional para os alunos, podendo lhes preparar

melhor para o mercado de trabalho, para que possam arrumar um emprego melhor.

Este relato ao tempo que explicita se tratar de uma boa formação profissional, o que

sugere que não seja esvaziada de conteúdos, mas que seja ampla, expressa a

compreensão da interface que estabelece com mercado de trabalho. Ao fazer alusão à

boa formação profissional relacionando-a com a oportunidade de emprego, creio que

reconhece que a organização do trabalho sob bases flexíveis, traz como exigências para

a ocupação de determinados postos de trabalho49 o domínio de conhecimentos

científicos básicos, além de outros requisitos. Contudo, sem desconhecer a necessidade

de sobrevivência dos sujeitos desta formação, a principal preocupação do processo

formativo em pauta não deve ser com o mercado, embora, tenha que, também,

responder a ele.

Apesar de reconhecer a positividade implícita na demanda por formação mais

ampla é preciso ficar atenta ao discurso sedutor de que maior investimento em educação

resultaria, linearmente, em acesso aos melhores postos de trabalho, melhor renda,

produtividade, desenvolvimento pessoal e social50. Não se pode esquecer que nos

49Pesquisas demonstram (KUENZER, 2001, 2005, 2007; FRIGOTTO, 2000, 2005, e outros) que o mundo do trabalho reestruturado, no âmbito da globalização da economia, ao tempo que necessita, em determinados postos, de profissionais com perfil qualificado, convive com grande contingente de trabalhadores precariamente educados, responsáveis por trabalhos igualmente precarizados. Neste cenário, restringe cada vez mais o número de postos de trabalho, e cria, ou recria, na informalidade, um sem números de ocupações precárias, temporárias e fragmentadas, para os quais trabalhadores “descartáveis” e fragmentados são o suficiente. Alertam que sob a lógica da produção flexível, nem todo trabalho necessita de fundamentos. 50A teoria do capital humano elaborada por Theodore Schultz (SCHULTZ, 1973), na década de 1960, foi ressignificada na década de 1990, no contexto da reestruturação econômica capitalista, fazendo renascer a crença de que o investimento no capital humano é ponto chave para o combate da distribuição desigual de renda e das desigualdades sociais, uma vez que justifica serem tais fatores resultantes da despreparação dos indivíduos. É necessário investir no capital humano para gerar o desenvolvimento econômico. O mito da educação como meio de ascensão social, de obtenção de emprego e de sucesso no mercado de trabalho é revigorado. Para Frigotto (2000, 2005) essa teoria provoca uma inversão na realidade por tentar atribuir à educação, em geral, e à formação profissional, em particular, o papel determinante das relações de poder no plano econômico e político, quando o que ocorre é o contrário, os investimentos educativos e a melhoria educacional é que são determinados pelas relações de poder político e econômico. A profissionalização como condição dos indivíduos competirem no mercado e melhorarem suas condições econômicas não tem sustentação, na medida em que a desigualdade social não decorre da distribuição desigual do conhecimento, mas das próprias características do modelo econômico que tende a concentrar riqueza.

142

marcos do capitalismo globalizado a perspectiva instrumentalista da educação ganha

fôlego, na medida em que sob os princípios da Teoria do Capital Humano, é concebida

como potencializadora da capacidade de trabalho, de renda e de produtividade,

portanto, um fator de desenvolvimento econômico do país (FERREIRA, 2012, p. 101).

Há que ficar alerta, ainda, à defesa de uma formação polivalente que apregoa o

desenvolvimento de competências profissionais para responder às necessidades

flutuantes dos processos produtivos na contemporaneidade.

O cenário que se desenha com a globalização da economia, em que convive

maior necessidade de formação de trabalhadores ao lado de novas formas de exploração

do trabalho, não deixa brechas para dúvidas: ainda que todos pudessem receber uma

formação educacional e profissional adequadas não há garantia de que todos seriam

absorvidos pelo mercado (FERNANDES, 2012). Embora a formação profissional seja

um ponto importante, outros fatores, inclusive de ordem conjuntural, intervêm. Não há,

pois, nenhuma garantia de que ao concluir os estudos - por mais qualitativos que sejam -

os alunos tenham assegurados um lugar no mercado de trabalho. Sem dúvida, o

mercado dispõe de critérios para tal, e se a falta de escolarização serve de argumento

para excluir da inserção, esta mesma escolarização não é a garantia de promover a

inclusão.

É necessário ficar atento, pois como Frigotto (2000) adverte a educação

estabelece diferentes mediações com o modo de produção capitalista. Pode tanto atuar

para reforçar os interesses dominantes ou, ao contrário, para atender aos interesses da

classe trabalhadora, desde que sua formação seja pensada na direção da

omnilateralidade, em que as questões do trabalho na perspectiva emancipatória se façam

presente. As contribuições de Moll (2010, p. 132) acenam nesta direção ao destacar que

a inclusão de jovens e adultos na dinâmica da sociedade atual, implica a ampliação de

oferta de educação básica de qualidade e gratuita, não na perspectiva do alinhamento da

educação ao capital, mas da construção de projetos educativos plenos, integrais e

integrados que aproximem ciência, cultura, trabalho e tecnologia.

No que foi expresso até o momento sobre o PROEJA por estes interlocutores

docentes, consegui capturar que creditam sua positividade ao papel social que

consideram ser possível cumprir junto aos sujeitos jovens e adultos, substanciado por

um currículo integrado. Assim, por um lado, manifesta-se a compreensão de que sua

143

importância reside na possibilidade de jovens e adultos terem uma preparação para o

trabalho na perspectiva da formação cidadã, que definem como uma formação

integrada, uma formação mais completa (ELANO). Por outro lado, a positividade é

ressaltada pela oportunidade de uma boa preparação profissional que lhes confira

condições de arrumar emprego (KIARA). Percebo nuances do próprio papel da escola,

entendida como instituição que a humanidade criou para socializar o saber

sistematizado (PENIM; VIEIRA, 2001, p. 17), mas que, historicamente, tem se

constituído problemática e conflituosa quando se trata de decidir o modelo educacional

a ser destinado a determinados e diversificados grupos sociais.

As contribuições de Gramsci (2001) podem ser válidas para a compreensão do

que ressaltam estes interlocutores, pela análise que fez do modelo escolar de seu

momento histórico. Como já ressaltei, em suas reflexões a respeito da formação ofertada

teceu críticas a esse modelo por oportunizar formação diferenciada para os indivíduos,

de acordo com a classe social a que pertenciam. Questionou que para muitos a oferta era

de escolas do tipo profissional, preocupadas em satisfazer interesses práticos

imediatos, que predominam sobre a escola formativa de base humanística (GRAMSCI,

2001, p. 49), comprometida com uma formação de caráter amplo. Assim, a educação ao

invés de prática social, histórica, política e técnica se reduz à função meramente técnica

de formar recursos humanos, que, não por acaso estavam centrados entre os segmentos

menos favorecidos sócio-econômico e culturalmente (KUENZER, 2001).

Ao trazer à discussão o que identifica como sendo a ‘marca social da escola’,

em que para cada grupo social é pensado um tipo de escola destinada a perpetuar nestes

estratos a função dirigente ou instrumental (GRAMSCI, 2001, p. 49) aponta o modelo

de escola unitária como possibilidade. Refuta, assim, tanto os esquemas tradicionais de

profissionalização estreita, quanto a escola média humanista tradicional voltada a

formar o eloquente, o erudito. Kuenzer evidencia (1997, p. 128) que o humanismo, por

Gramsci preconizado, significa a posse da consciência da história da humanidade

enquanto história do domínio progressivo, científico-técnico do homem sobre a

natureza. A função da educação escolar deve ser o desenvolvimento da capacidade, ao

mesmo tempo, intelectiva e prática dos seus alunos, a partir de uma relação

qualitativamente diferente entre escola e trabalho (KUENZER, 1997). Com isso, tal

autora insiste em um processo formativo que incorpore a dimensão intelectual ao

trabalho produtivo direcionado a formar trabalhadores capazes de produzir e de,

também, serem dirigentes. Propiciar a aquisição tanto dos conhecimentos das leis da

144

natureza, como das humanidades e da ordem legal que regula a vida em sociedade,

numa dimensão práxica, é um fim a ser atingido.

Os interlocutores expressam que a formação integrada implica a vinculação da

cidadania com o trabalho (FAUSTO) e uma formação mais completa, que qualifique o

trabalhador e lhe prepare para ver as coisas da vida e do mundo com outros olhos,

como realça Elano. Parece que um rumo que se diferencie da fragmentação do ensino

médio e da profissionalização é sinalizado. Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 15)

evidenciam que o ensino médio integrado ao ensino técnico - base do PROEJA - por

buscar conter os elementos de uma educação politécnica, contém também os germens

de sua construção. Ou seja, a integração desses conhecimentos decorrentes de um

ensino assentado em novas concepções, por condições materiais objetivas, poderá se

constituir gérmen para a formação humana de caráter geral. Isso implica, por exemplo,

que os conhecimentos das Ciências da Natureza e da Matemática, como parte do

currículo, deixem de ser abordados como prontos, inquestionáveis, neutros e

descontextualizados social, histórica e culturalmente. A perspectiva é que contribuam

para enriquecer a dimensão técnica da formação, integrando-a a uma dimensão mais

ampla que é a formação humana.

Não obstante os profundos desafios que se colocam é preciso reconhecer o

potencial que abarca o projeto formativo ora em discussão, como bem sinalizaram os

sujeitos pesquisados. Assumir a integração das dimensões fundamentais da vida humana

- trabalho, ciência, cultura e tecnologia - no processo formativo significa compreender o

trabalho como princípio educativo, o que implica entender que o processo de produção

e de reprodução da vida se dá por meio do trabalho... Contudo, essa perspectiva de

trabalho não está necessariamente atrelada a uma profissionalização, mas, sobretudo,

a uma experiência escolar mesclada entre a teoria e a prática, na perspectiva da práxis

(FERREIRA, 2012, p.114). Isso remete à necessidade que o trabalho e a educação

estejam posicionados no currículo em uma nova dimensão, o que significa assegurar a

unidade entre teoria e prática durante o processo formativo e, portanto, em cada campo

de conhecimento que integra o currículo da formação.

Decorre daí a necessidade que os ‘ditos’ conhecimentos gerais e os

conhecimentos específicos se integrem no percurso formativo como totalidade

curricular. Os conteúdos ‘gerais’ não podem contribuir unicamente para a compreensão

da natureza e da cultura, e os conteúdos ‘especiais’ exclusivamente para o exercício das

atividades profissionais. Todos os conteúdos - sejam eles de Matemática, Física,

145

Química, Biologia, entre outros – poderão possibilitar a compreensão das relações

naturais e sociais em seu conjunto e a preparação para a atuação competente do

exercício profissional (KUENZER, 1997, 2001; MACHADO, 2006, 2010; RAMOS,

2008, 2010).

A separação que existe é mero reflexo da divisão entre o trabalho intelectual e

o trabalho operacional que veio se produzindo e se aprofundando no movimento

histórico da sociedade, com implicações para o trabalho que se desenvolve na escola.

Sendo assim, o problema desta integração, não é meramente metodológico, mas é,

sobretudo, político. Depende do tipo de homem que pretende formar: que domine

‘apenas’ o fazer e se restrinja a ser um executor, ou, que domine os fundamentos

teóricos e metodológicos que expliquem e permitam a entender o trabalho em sua

dimensão de totalidade (KUENZER, 1997).

Há indícios de que os docentes pesquisados - talvez como outros tantos -

reconhecem que a implementação desta proposta requer processos qualitativamente

diferenciados, entretanto, igualmente se dão conta dos limites que se interpõem. Ainda

que reconheçam a positividade da proposta em foco, a complexidade e os desafios que

perpassam uma proposta dessa natureza não lhes são indiferentes.

Ao tempo que o Elano expressa a significação do programa demonstra

reconhecer - como já o fez antes - os limites que o cercam quando assim se pronuncia:

não é que acho que não tenha problemas e dificuldades, principalmente quanto ao

currículo integrado para EJA.... É claro que tem problemas.... É necessário que as

condições melhorem. A experiência que vem acumulando como docente na EJA em

outros espaços da educação básica, e como professor do IFMA há décadas, certamente,

lhe confere autonomia para fazer tal leitura. Pode estar se referindo aos obstáculos

advindos de uma cultura escolar em que a diversidade e a especificidade de jovens

adultos ainda não foram assimiladas. Ademais, há que se admitir que, ainda que tenha

havido avanços, os conflitos entre concepções e práticas curriculares e pedagógicas,

assentadas na lógica fordista, que se caracterizam pela fragmentação da formação geral

versus técnica ainda persistem no ser e no fazer de nossas escolas. Além de outros

intervenientes que se situam para além da escola, as lacunas da formação docente e os

limites das condições de trabalho, ressaltadas pelo Elano desde a seção anterior,

certamente, obstaculizam a integração sinalizada. Enfim, a prática do currículo

integrado apresenta desafios que não tão simples de serem assumidos pelo coletivo

institucional, dada a complexidade que o perpassa.

146

Fausto manifesta, ainda, que a proposta em foco carrega em si a necessidade

de muitas mudanças na escola para que integração possa ser realizada. Em sua

interlocução reforça - o já dito no eixo anterior - que a formação integrada, em

particular no âmbito desta experiência em construção, traz desafios e responsabilidades

para a instituição como um todo, e que todo professor deve trabalhar com o intuito

dessa formação. O envolvimento do coletivo institucional traduz decisões políticas e

pedagógicas que requer compartilhamento de outros profissionais que vivem da e na

escola, ou seja, muitos agentes escolares não docentes, cujas atividades são

constitutivas de um fazer pedagógico, com diferentes significados, mas essencialmente

mediadoras (PAIVA, 2012, p. 63) para o alcance do que este programa se propõe.

Conhecer os sujeitos de EJA, suas histórias, suas demandas e saberes e a eles

se voltarem não é tarefa apenas dos docentes do curso. Os gestores e demais servidores

precisam ter visão global e sensibilidade para a propositura acenada. Isso implica,

envolvimento e decisão coletiva tendo como referência o projeto pedagógico

institucional e, em particular, o projeto curricular do curso, concebido e

desenvolvido coletivamente, como antes discutido.

Quando Fausto declara que todo professor deve trabalhar com o intuito dessa

formação integrada, e que o complicado é que estamos acostumados a cada um fazer o

seu pedaço creio que se dá conta que a propositura desta formação exige mudanças nas

concepções que embasam as práticas da escola e, especialmente, a prática dos docentes.

Tal relato parece expressar os argumentos antes já apresentados por este interlocutor

quanto à necessidade de que todos os docentes, da base geral e específica saiam de seus

isolamentos, discutam e organizem o processo formativo, tendo em conta o currículo

integrado. Identifico referência à busca de possibilidades de organização curricular que

potencialize a ampliação de conhecimentos em sua totalidade e não por suas partes

isoladas. Isso significa espaços e tempos em que possam

coletivamente decidir por componentes, conteúdos e tratamentos curriculares que

permitam fazer relações cada vez mais amplas e profundas entre os fenômenos que se

deva ensinar para serem apreendidos. Por outro lado, não significa que as possibilidades

de que os conteúdos sejam explorados numa dimensão de totalidade só possa acontecer

se os professores estiverem juntos. Cada um em seu pedaço, com competência

epistemológica e pedagógica pode ter este alcance no tratamento do seu campo de

conhecimento, mas para isso é importante ter visão do todo.

147

O grande obstáculo reside no fato de que sendo herdeiros de uma formação

positivista, assumem uma prática de ensino igualmente assentada nesta base

epistemológica. Assim, apoiado na crença positivista de ciência, de ensino e de

aprendizagem é que os campos de conhecimentos – por exemplo, de Física, de Química,

de Biologia e de Matemática - são tratados de forma estanque, cada um em seu pedaço,

seguindo uma sequência convencionada de conteúdos, sem que haja inter-relações

desses conteúdos entre si, com as questões cotidianas e as mais amplas da sociedade

(ARAGÃO, 2000a, 2000b; MALDAMER, 2000, 2013; SCHNETZLER, 2000;

DUARTE, 2006; NASCIMENTO, 2009). Levando em conta a realidade de

fragmentação exposta por este sujeito, ao lado de alguns encaminhamentos por ele já

delineados, antevejo profundos e complexos desafios a serem assumidos. Além da

integração dos conhecimentos manifesta-se o desafio de integrar práticas educativas. O

planejamento coletivo e a formação continuada são potencializadores essenciais destas

possibilidades.

Mais uma vez as vantagens desse programa com a perspectiva da formação

integrada para jovens e adultos é mencionada por outro interlocutor da pesquisa. Ao

mesmo tempo, algumas preocupações são esboçadas. Essa percepção pode ser

observada quando Mariana se expressa da seguinte forma:

Vejo o PROEJA, esse curso que estamos ofertando de grande importância para esses alunos.... Agora acho que temos que ver a realidade deles.... Não é fácil, não está sendo fácil para eles que ficaram algum tempo fora da escola, uns mais, outros menos…Nem para nós, né? ... A gente diz que o currículo desse curso tem que ser integrado, né? Lembro das nossas discussões, mas não é tão fácil assim... E fico preocupada se de fato está sendo oferecido.... Já temos evasão e isso é complicado. (MARIANA, trechos da entrevista).

Neste relato a importância do curso para jovens e adultos signatários do

programa é expressa, ao tempo que evidencia complexas questões que não podem ser

ignoradas no percurso formativo. Ressalta que a realidade destes alunos deve ser levada

em conta, se de fato o curso pretende gerar as consequências positivas anunciadas. A

significação deste ponto de vista reside no fato de traduzir uma das diretrizes

orientadoras dos cursos do PROEJA que é a formação estar assentada na realidade dos

sujeitos históricos para os quais se volta. Tal entendimento remete às reflexões de

Oliveira (1999) de que a EJA se refere não somente a uma questão etária, mas,

sobretudo, envolve questões de especificidade sociocultural, pois não se dirige para

quaisquer jovens e adultos, mas para uma determinada parcela da população que traz

marcas que a caracteriza e a diferencia. A escola e seus educadores precisam ficar

148

atentos a esses sujeitos concretos e históricos, que trazem para o espaço educativo, ao

lado das dificuldades, as experiências anteriores de escolaridade, de vida e de trabalho, e

isso exige novas/outras concepções que embasem as práticas pedagógicas a serem

efetivadas. Esses profissionais têm um papel fundamental no trato com as

especificidades da formação desses sujeitos (OLIVEIRA; MACHADO, 2012b).

Entretanto, Mariana alerta para as dificuldades que se apresentam tanto para os

alunos quanto para os professores ao mencionar que: não está sendo fácil para eles que

ficaram algum tempo fora da escola, uns mais, outros menos.... Nem para nós. Denota

que os itinerários formativos descontínuos a que estes estudantes foram expostos

resultam em consequências e exigências singulares para estes e para o processo escolar,

não tão simples de atender. A perspectiva de formação integrada anunciada exige o

redimensionamento da prática educativa para assegurar um recomeço destes alunos,

com continuidade e êxito. As dificuldades dos educadores em atender esta demanda

formativa, sob o esteio de um currículo integrado, não passam despercebidas: A gente

diz que o currículo desse curso tem que ser integrado. Lembro das nossas discussões,

participei dos estudos, mas não é tão fácil assim. Ferreira (2012, p. 116) alerta que a

integração curricular é uma tarefa difícil que exige uma formação mais ampla dos

profissionais da educação, mas, acima de tudo, exige tempo e espaço para que no

coletivo se possam construir alternativas possíveis de enfrentamento de práticas

educativas já consolidadas. Persistem os limites e incompletudes que a formação

ofertada e os espaços coletivos exíguos não conseguiram superar.

Foi possível apreender que a complexidade e as dificuldades que perpassam o

exercício formativo pressuposto pelo Curso Técnico Integrado do PROEJA foram

reiteradamente manifestadas pelos interlocutores, especialmente por Elano, Fausto e

Mariana. Ao tempo que expressam sentidos, ideias, pontos de vistas que se aproximam

dos pressupostos e princípios anunciados pelo programa revelam ter dificuldades em dar

conta do anunciado. Manifesta-se o reconhecimento de que a perspectiva de um

processo formativo, substanciado por um currículo que deve se ocupar da formação

cidadã integradamente à formação em um campo profissional específico, não é algo

fácil de ser materializado. A formação docente pautada na racionalidade moderna que

fragmenta e hierarquiza praticas educativas, em que os campos de conhecimentos ficam

fechados em suas fronteiras, adicionada à prática gestora que não fomenta a gestão, o

planejamento coletivo e a formação profissional permanente, criam barreiras para a

concretização deste currículo.

149

Na continuidade do relato Mariana alerta que já temos evasão e isso é

complicado. Na preocupação esboçada há a sinalização de que a evasão já existente é

uma questão que necessita ser apurada. Cabe lembrar que um dos princípios do

PROEJA diz respeito ao papel e compromisso das instituições com a inclusão destes

segmentos de jovens e adultos em suas ofertas educacionais (BRASIL, 2007a), que

implica não apenas assegurar o acesso dessa população, mas, igualmente, prover

condições para a sua permanência e sucesso. A referência à evasão já existente revela

indicativos do que é ressaltado pelo próprio Documento Base (BRASIL, 2007a, p. 37),

de que é necessário questionar também as formas como a inclusão tem sido feita, muitas

vezes promovendo e produzindo exclusões dentro do sistema. Isso quando não

asseguram - dentro do que lhe compete – as condições para a continuidade e para a

aprendizagem do que lhe é devido ensinar. Mariana expressa preocupação se o que é

anunciado como proposta de currículo integrado de fato está sendo oferecido. Subjaz

nesse relato, lacunas com relação a espaços avaliativos em que trocas e discussões

possam dar visibilidade ao andamento do processo, ao tempo que viabilize tomada de

decisões que possam contribuir para enfrentar obstáculos que inevitavelmente essa

experiência nova traz em si. As contribuições de Arroyo (2005, p. 49) induzem a

algumas reflexões ao afirmar o seguinte:

A educação de jovens e adultos avançará na sua configuração como campo público de direitos na medida em que o sistema escolar também avançar na configuração como campo público de direito para os setores populares em suas formas concretas de vida e de sobrevivência... Na história da EJA encontraremos uma constante: partir dessas formas de existências populares, dos limites de opressão e exclusão em que são forçados a ter de fazer suas escolhas entre estudar ou sobreviver, articular o tempo rígido da escola com o tempo imprevisível da sobrevivência. Essa sensibilidade para essa concretude das formas de sobreviver e esses limites a suas escolhas merece ser apreendido pelo sistema escolar se pretende ser mais público. Avançando nessas direções, o diálogo entre EJA e sistema escolar poderá ser mutuamente fecundo. Um diálogo mutuamente político, guiado por opções políticas, por garantias de direitos de sujeitos concretos. Não por direitos abstratos de sujeitos abstratos...

São para esses sujeitos concretos, com históricos de escolaridade

descontínuos, que apresentam identidades, subjetividades e singularidades que o

direito ao PROEJA, ao ensino sob as bases do Currículo integrado deve ser assegurado.

Sujeitos esses que, a exemplo dos professores, ao usarem a fala em debate para

150

dizerem sobre o PROEJA51 expressam pontos de vista, ideias, valores e expectativas

que revelam aproximações e distanciamentos, limites e possibilidades a serem

alcançadas a partir desta nova experiência que estão vivenciando. A esse respeito

assim se colocam:

.... Fazer um curso aqui sempre foi um grande sonho, mas era algo intransponível porque as dificuldades são muitas... Várias vezes eu tentei prova prá cá e nada de passar, porque era muito difícil, principalmente prá mim que comecei a trabalhar desde cedo... Então esse sonho de fazer um curso técnico no CEFET eu abandonei com o tempo, porque vi que era impossível entrar aqui... Era mesmo muito difícil prá mim... Comecei a fazer outras atividades.... Fiz alguns cursos profissionalizantes aqui no SENAI.... Quando soube deste curso, pensei logo: esta oportunidade não vou deixar passar.... Estou aqui com um sonho realizado e desta vez quero continuar no curso até o fim... Quero sair daqui como um bom técnico e o que é melhor é que é de um curso que tem a parte técnica com toda parte do ensino médio também... E isto vai oferecer mais oportunidades prá nós. Além da oportunidade de arrumar um emprego melhor, vou estar mais preparado para o vestibular que é também um sonho... O que espero mesmo é que nesse curso possa aprender muita coisa... (EDSON, trechos do grupo focal). ... Prá mim não é diferente, pois também estou aqui com a esperança de recuperar um tempo perdido... PROEJA para mim significa a oportunidade que não tive antes... Espero aqui melhorar meus conhecimentos na área de eletricidade que já trabalho há muitos anos e ter oportunidade de arrumar um emprego melhor, e também adquirir esses outros conhecimentos: de Português, Física, Química, Matemática, de História que são conhecimentos importantes prá tudo nessa vida no mundo de hoje, inclusive prá minha profissão que vai me ajudar muito, pois tenho a prática, mas preciso estar mais qualificado... (JOEL, trechos do grupo focal). .... É mais ou menos isso para todos nós que não conseguimos terminar os estudos, é uma chance na vida da gente. Também confio que estar aqui é uma grande oportunidade.... Ao mesmo tempo que a gente completa os estudos sai com uma boa profissionalização. É mais aprendizado na vida .... Aí a gente fica mais respeitado por ter estudo.... Fica mais valorizado como profissional e tem mais chance no mercado de trabalho.... Tem gente que já tá desistindo porque não é fácil trabalhar e estudar, mas espero não desistir e sair daqui preparado... (ALAN, trechos do grupo focal). .... Pegando o gancho do colega digo que eu também não vou desistir, mesmo já tendo faltado, pois às vezes não dá mesmo, e não é porque não quero...eu vim para cá por vontade e, também claro, por necessidade, pois sem ter estudo tudo fica mais difícil nesse mundo de hoje, né? Principalmente no mercado de trabalho que tá cada vez mais fechado... Sempre tive vontade de terminar meus estudos e agora tenho essa oportunidade de voltar e estudar... Estou satisfeito em estudar aqui e quero sair daqui com um bom conhecimento, tanto na parte de eletricidade como das outras matérias que também vai ser bom para o nosso curso, que tem muita coisa de matemática, de física e todas as outras também....Vai ser bom prá que a gente possa ter mais condições de arrumar um emprego melhor, como todo mundo já disse... (GILSON, trechos do grupo focal)

51 No espaço do grupo focal.

151

Nesses relatos é possível perceber que os estudantes se referem às suas

inserções no PROEJA como novas alternativas que se abrem para suas vidas, novas

oportunidades de aprendizagens, principalmente quando se dão conta dos limites e

dificuldades que marcaram/marcam suas trajetórias até chegarem ao curso de que trata

esta tese. Para o estudante Edson, estudar neste curso significa o alcance de uma busca

de vários anos, a realização de um sonho. O interlocutor Joel fala da esperança de

recuperar um tempo perdido, da oportunidade que não teve antes. Alan expressa que

para eles que não conseguiram terminar os estudos é uma chance na vida. O aluno

Gilson ao dizer de sua dificuldade em concluir os estudos básicos, ressalta a satisfação

em retornar os estudos em uma instituição que considera de qualidade. Igualmente

demonstram reconhecer - embora não signifique que tenham consciência das causas -

que as condições de existência desigual lhes cercearam o direito à escolaridade e à

continuidade dos estudos em determinados tempo de suas vidas, e que creem ter no

curso técnico do PROEJA a sinalização de mudanças.

Quando Edson diz: várias vezes eu tentei prova pra cá e nada de passar,

porque era muito difícil, principalmente prá mim que comecei a trabalhar desde cedo,

não só afirma os limites advindos de sua necessidade de luta precoce pela

sobrevivência, como revela os obstáculos de adentrar em uma estrutura institucional

organizada para a oferta de cursos técnicos e tecnológicos a uma clientela que passou

por um itinerário formativo dentro dos padrões regulares estabelecidos pela sociedade

brasileira (FERREIRA, 2012, p. 105). De certa forma, esta manifestação parece

traduzir a realidade que foi sendo assumida pelo IFMA em que a cultura do trabalho

simples e de baixa escolaridade dos trabalhadores, que justificou a origem desta

instituição, foi, gradativamente, sendo superada pela cultura do trabalho complexo, de

base científico-tecnológica, cujo público-alvo compõe-se de jovens em idade escolar

prevista (CIAVATTA, 2012, p. 83).

Ao mencionar, ainda, que o sonho de fazer um curso técnico no CEFET foi

abandonado com o tempo porque viu que era impossível nele entrar evidencio que

Edson reforça as dificuldades que terminam sendo naturalizadas e, por vezes,

alimentadas por sentimento de culpa, por creditar à incompetência pessoal os obstáculos

de alcançar o projeto almejado. Certamente, ainda não conseguiu compreender que tais

limitações têm raízes nas relações desiguais e contraditórias que movem a sociedade do

qual ele é parte. As instituições com seus tempos rígidos e currículos muitas vezes

distantes da realidade de determinados grupos sociais, também trazem peso a esta

152

situação. Favorecer a compreensão das causas que estão por trás da negação da

oportunidade sonhada, e do usufruto do direito conquistado é um desafio que não pode

ser descuidado por um processo formativo, que se diz comprometido com a perspectiva

da cidadania. Portanto, a responsabilidade social de inclusão desse público - jovem e

adulto - com marcas identitárias específicas, não pode ser mais adiada pelo IFMA.

Por outro lado, quando estes interlocutores dizem: estou aqui com um sonho

realizado e desta vez quero continuar até o fim, no caso de Edson; eu também não vou

desistir, mesmo já tendo faltado, ressaltado por Gilson, assim como, confio que estar

aqui é uma grande oportunidade e espero não desistir e sair daqui preparado,

mencionado por Alan, expressam sentimentos de persistência e de esperança.

Pressupõem reconhecer ser este um percurso complexo, que não depende só deles, mas

que fatores externos e internos à instituição podem contribuir ou dificultar este alcance,

como já lhes aconteceu em outras experiências passadas. Embora sem aprofundamento,

de seus relatos emergem resquícios do entendimento de que a negação do direito à

educação, seja pelas condições socioeconômicas desfavoráveis, seja pela oferta irregular

de vagas, ou pelas inadequações do sistema de ensino às suas realidades, requer

enfrentamento e superação. Isso traduz o que é expresso no Documento Base (BRASIL,

2007a, p. 34) que ao denunciar a ausência de sujeitos com o perfil dos estudantes de

EJA na Rede Federal, anuncia que lhe cabe mesmo que tardiamente, repensar as ofertas

até então existentes e promover a inclusão desses sujeitos, rompendo com o ciclo das

apartações educacionais, na Educação Profissional e Tecnológica.

É isso que esses estudantes expressam esperar desta instituição que embora

tenha lhes abrigado por força de Decreto, cabe não só lhes garantir o acesso, mas a

qualidade de ensino possível que favoreça alcançar as intencionalidades que lhes

trouxeram de volta à escola, à custa de sacrifícios de toda ordem. Não perder isto de

vista é fundamental, considerando que não apenas a educação básica tem sido negada,

particularmente a estes jovens e adultos, como também a qualidade de educação

oferecida tem prescindido de elementos fundamentais para lhes potencializar o domínio

das técnicas e a compreensão do mundo em que vivem (CIAVATTA; RUMMERT,

2010, p. 471). Estas perspectivas encontram eco nas considerações de Machado (2011,

p. 20) quando enuncia que os Institutos de Educação, lugar de excelência na formação

profissional do país, ao abrir as portas para a entrada de jovens e adultos trabalhadores,

via PROEJA, passam a assumir o desafio de manter essa excelência com um público

diferenciado do que vinha atendendo.

153

Essa realidade demanda reforçar o que antes foi abordado acerca da função

social da educação a ser ofertada para esses sujeitos, em que muitos pelas necessidades

prioritárias de sobrevivência tiveram que antecipar a entrada no mundo do trabalho, e

que na volta à escola precisam conciliar escolarização e participação no espaço

produtivo. Ao continuar se referindo ao PROEJA Edson diz que quer sair como um bom

técnico, dando ênfase de que o melhor é o fato de ser um curso que tem a parte técnica

com toda parte do ensino médio também, que considera condição importante para que

mais oportunidades lhes abram. Um dos interlocutores menciona que: ao mesmo tempo

em que a gente completa os estudos sai com uma boa profissionalização. É mais

aprendizado na vida acentua Alan. O estudante Gilson ressalta a satisfação, tanto por

estar em uma escola que considera muito boa quanto em um curso em que aspira

aprender tanto a parte de eletricidade como os conteúdos da base geral. Joel reafirma

que esses conhecimentos são muito importantes no mundo de hoje e que, certamente,

contribuirão para qualificar a prática profissional que já possui.

Esses quatro interlocutores discentes expressam expectativas e esperança de

uma boa formação profissional e de mais aprendizagens, levando em conta o curso que

acreditam ter a positividade de lhes possibilitar a profissionalização técnica

integradamente à formação da cultura geral básica. Nas entrelinhas demonstram

reconhecer o avanço perante a profissionalização circunscrita aos parâmetros de

treinamento, com saberes fragmentados e parciais, que permeia a lógica e a prática da

educação destinada ao segmento do qual são parte. Ao se colocarem, revelam esperar

que a apropriação de saberes técnicos revestidos dos princípios teóricos e

metodológicos que o sustentam seja possível. Denotam aspirar que o acesso a estes

saberes lhes viabilize melhores oportunidades em diferentes aspectos. Sendo assim,

além da perspectiva de ingresso/alcance de melhores postos no mercado de trabalho, da

oportunidade de conhecer e participar de outras experiências sociais e culturais, a

possibilidade de estar mais preparado para o vestibular que é também um sonho

(EDSON) se encontra mencionada. Isso expressa que intenciona uma formação em que

a possibilidade de continuidade nos estudos se faz presente.

Em parte essas perspectivas sinalizadas se aproximam do que é proclamada

pelo Documento Base (BRASIL, 2007a, p. 11) que é a intenção de promover a elevação

de escolaridade com profissionalização no sentido de contribuir para a integração

sociolaboral desse contingente de cidadãos. Este entendimento ganha reforço com

ênfases expressas nos relatos destes estudantes. O que espero mesmo é que nesse curso

154

possa aprender muita coisa, menciona Edson. Para Joel além de melhorar os

conhecimentos na área de eletricidade, espera adquirir muitos conhecimentos nas

outras áreas: de Português, Física, Química, Matemática, de História que, em sua

opinião, são conhecimentos importantes para tudo nessa vida no mundo de hoje,

inclusive para essa profissão. Aproximada a esta compreensão, Gilson manifesta o

desejo de alcançar um bom conhecimento, tanto na parte de eletricidade, como nas

outras matérias que considera ser válido aprender para conhecer melhor as coisas da

atualidade, onde tudo é conhecimento. Já Alan ao acentuar que é mais aprendizado na

vida, complementa dizendo que a gente fica mais respeitado por ter estudo.

As ideias expressas tendem a se aproximar do pressuposto de uma formação

integrada consubstanciada pelo currículo discutido, na medida em que partilham da

expectativa de aquisição de conhecimentos da base profissional de forma integrada aos

conteúdos da formação geral, de modo que lhes propiciem participar em diferentes

espaços da vida social. Ao darem ênfase à apropriação de conhecimentos – entre eles o

da base geral – como possibilidade de melhor apreenderem e compreenderem o mundo

atual, em que o trabalho é parte, parece haver o entendimento de que o nível de

desenvolvimento atingido pela sociedade contemporânea coloca a exigência de um

acervo mínimo de conhecimentos sistemáticos, sem o que não se pode ser cidadão, isto

é, não se pode participar ativamente da vida da sociedade (SAVIANNI, 1989). Nesse

universo encharcado de ciência, tecnologia e cultura em todos os setores da vida social,

o acesso a tais conhecimentos é condição imprescindível para que possam ser incluídos

socialmente. O aumento da autoestima e o sentimento de ser respeitado por ter estudo

são parte desse universo.

Especialmente a interlocução de Joel quanto à aprendizagem de Física,

Química, Matemática e de História que, em sua opinião, são conhecimentos

importantes prá tudo nessa vida no mundo de hoje, inclusive para a profissão e a de

Gilson que explicita a importância de aprender tanto os conhecimentos de eletricidade

como os das outras matérias, inclusive os de Física e de Matemática que são

fundamentos do curso, revelam perspectivas diferenciadas para a formação. Resquícios

do entendimento de que o saber sobre o trabalho repousa sobre uma sólida formação

básica, em que os conhecimentos das Ciências da Natureza e da Matemática são parte,

parecem se manifestar. O desafio que se coloca é o da superação da concepção

conteudista de ensino médio e de uma profissionalização estreita, em que a apropriação

de modos operacionais esteja despida dos princípios teórico-metodológicos que os

155

expliquem. A aquisição articulada de conteúdos, implicados na sólida formação geral e

na formação específica do campo profissional é sinalizada.

Cabe evocar as reflexões de Kuenzer (2001), Frigotto (2000) acerca das

exigências para a formação profissional do trabalhador, que pelas mudanças ocorridas

no mundo do trabalho devem ser capazes de realizar atividades que exigem a criação de

soluções originais para problemas que surgem, a partir do domínio do conhecimento e

de habilidades complexas. A capacidade para lidar com a incerteza, substituindo a

rigidez pela flexibilidade e rapidez, de forma a atender a demandas dinâmicas, que se

diversificam em qualidade e quantidade (KUENZER, 2001, p. 32), repousam sobre

conhecimentos e habilidades cognitivas e comportamentais, resultantes da articulação

de diferentes elementos, entre os quais de uma sólida base de educação geral. Contudo

esclarecem, como abordado, que esse nível de exigência não se estende a todos os

trabalhadores dado o caráter de excludência imanente às relações sociais do processo

produtivo capitalista. Ao lado de trabalhadores com uma sólida preparação científica e

tecnológica convivem um grande contingente de trabalhadores precariamente formados,

mas incluídos ainda, por serem responsáveis por atividades igualmente precarizadas,

que também compõem o processo produtivo na atualidade.

Apesar do discurso aparentemente igual da necessidade de um trabalhador de

novo tipo, a realidade de fechamento dos postos de trabalho, do desemprego estrutural,

mostra que a nova pedagogia não é para todos, mas apenas para parcela dos incluídos

(KUENZER, 2001). Alerta, ainda, que é preciso ter claro o projeto educacional a ser

defendido, a serviço de qual sociedade ele se volta. O trabalhador pode ser qualificado

tanto para se ajustar ao processo de trabalho capitalista contribuindo para reproduzir as

relações sociais vigentes, ou, ao contrário, numa perspectiva emancipatória, para

participar como sujeito coletivo na construção de uma sociedade na qual o resultado

da produção material e cultural esteja disponível para todos, de modo a assegurar

qualidade de vida e preservar a natureza (KUENZER, 2001). Considero, como a autora,

que para além da aparente aproximação, há uma diferença fundamental a separar

radicalmente os dois projetos: a concepção de homem e de sociedade que lhes confere

direção.

Implícitas às compreensões expressas estão as aspirações dos sujeitos ao

buscarem o curso sob consideração. Ainda que os relatos indiquem a expectativa de um

processo formativo que prepare para o usufruto de bens culturais diversos, revela-se

unanimidade entre os interlocutores a expectativa das possibilidades de

156

inserção/permanência no mercado de trabalho. Sem descartar o sonho do vestibular

Edson menciona a oportunidade de arrumar um emprego melhor. O desejo desta

oportunidade também é expresso por Joel por crer que vai melhorar os conhecimentos

na área de eletricidade na qual já trabalha há anos. Isso não é diferente para Gilson.

Igualmente Alan expressa a oportunidade de ser mais valorizado como profissional e ter

mais chance no mercado de trabalho. No horizonte desses estudantes o Curso Técnico

Integrado do PROEJA traz a primazia do mercado de trabalho como força motriz que os

impulsiona a retomar os estudos. Isso fica claro na medida em que todos manifestam

acreditar em oportunidades de conquistas de emprego e de alcance de melhores postos

de trabalho.

Posso inferir que as perspectivas manifestadas pelos estudantes expressam

concepções de formação que, no limite, indicam a função a ser alcançada pela educação

que buscam. A educação escolar, como já discutido, tanto pode atender as necessidades

imediatas, como pode cumprir um papel formativo em que esteja para além da

finalidade utilitária. Isso remete a Gramsci (1991, 2001), cuja proposta da escola

unitária deve ofertar uma formação desinteressada, que significa criar as condições para

a apropriação do saber socialmente produzido em contraposição a interesses

imediatistas e utilitários. Esta escola que toma o trabalho como práxis humana se

ocuparia da cultura geral, dos conhecimentos científicos produzidos historicamente e

que são essenciais a toda coletividade para o domínio dos fundamentos da prática do

trabalho social. Só após esta formação os sujeitos passariam a uma especialização

profissional, a uma relação direta com o mundo do trabalho.

Ocorre que este pensamento traz a exigência de que a escola seja, a de fato,

democratizada, que se estenda para todos e não apenas para alguns. Pressupõe que todos

tenham acesso à escola básica e se apropriem dos conhecimentos que a ela cabe ensinar.

O problema, entretanto, está no fato de não termos educação básica universalizada para

todos os sujeitos, não só pela impossibilidade do acesso, mas pelo caráter seletivo

interno dos sistemas de ensino, caracterizados por alto grau de repetência e evasão

(KUENZER, 2001; RAMOS, 2010; CIAVATTA, RUMMERT, 2010), situações essas

que, em parte, explicam a necessidade da EJA na perspectiva compensatória. A

limitação do acesso e da permanência de determinados indivíduos, assim como, da

apropriação dos instrumentos teóricos e metodológicos necessários à compreensão e

elaboração teórica de sua própria prática, como ponto de partida para a apropriação da

ciência, das artes e da técnica (KUENZER, 2001) tem se constituído obstáculo para

157

avanços possíveis na educação de modo geral e, em particular, de jovens e adultos

trabalhadores.

Contudo, é preciso considerar que apesar dos limites, a escola se constitui

espaço o qual trabalhadores jovens e adultos buscam para se apropriar dos saberes

socialmente produzido, em que o saber do trabalho também é parte (KUENZER, 1997,

2001), como ressaltam Girotto, Miguel e Miller (2004) ao se referirem à busca dos

alunos por conhecimentos matemáticos sistematizados no âmbito escolar. Se ter o

trabalho como princípio educativo não significa educação necessariamente

profissionalizante, em uma sociedade como a nossa – de estrutura sócio-econômica e

cultural desigual – a formação geral integrada à profissionalização se impõe como

necessidade a jovens e adultos, como os que foram pesquisados. Por serem parte da

nossa realidade conjunturalmente desfavorável, não podem adiar para depois da

conclusão da educação básica o projeto de profissionalização em suas vidas

(FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2005). Portanto, diferente dos que podem ter o

percurso de escolarização traçado linearmente, em que geralmente a educação básica

precede às vivências em espaços profissionais, para estes jovens e adultos a relação

trabalho e educação assume outra dimensão. A manifestação de Ramos (2010, p. 75-76)

é esclarecedora por evidenciar ideias relevantes:

... Para as pessoas que constroem suas trajetórias formativas em tempos lineares considerados regulares, mediante um processo de escolarização que acompanha seu desenvolvimento etário, a educação básica tende a preceder a educação profissional, de modo que a relação entre conhecimento e atividade produtiva seja mais imediata a partir de um determinado momento da vida escolar... No caso das pessoas jovens e adultas que não traçaram sua vida escolar com essa mesma linearidade, ou não podem assim fazê-lo a partir do ensino fundamental – como os jovens que não esperaram pela conclusão do ensino superior para trabalhar – a relação entre educação e trabalho é muito mais imediata e contraditória. Para elas, o sentido do conhecimento não está em proporcionar, primeiro, a compreensão geral da vida social e, depois, instrumentalizá-las para o exercício profissional. Na realidade, muitas vezes, o acesso ou o retorno à vida escolar ocorre motivado pelas dificuldades enfrentadas no mundo do trabalho, pela necessidade de nele se inserir e permanecer.

Creio ser essas razões que justificam a profissionalização ocupando um lugar

de destaque entre estes sujeitos investigados, posto que acreditam que lhes abrirão

melhores possibilidades para inserção/continuidade no mercado de trabalho. O

estudante Gilson menciona que sem ter estudo tudo fica mais difícil nesse mundo de

hoje, principalmente no mercado de trabalho que está cada vez mais fechado. O

interlocutor Joel expressa a esperança de arrumar um emprego melhor ao se habilitar na

158

área de eletricidade em que trabalha há anos. É enfático ao dizer: tenho a prática, mas

preciso estar mais qualificado. A formação para o trabalho se expressa como uma

necessidade imediata, como alternativa para a sobrevivência nesse cenário competitivo

e também como possibilidade de continuidade de estudos O pressuposto de que as

mudanças da base técnica da produção trazem novos requerimentos ao trabalhador, e

que a falta de escolarização não lhes permite arrumar emprego ou alcançar melhores

condições de vida, incitam esses sujeitos a retornarem aos estudos. Muitos pelo trabalho

tiveram que abandonar a escola e, agora, pela necessidade de trabalhar são

impulsionados a ela retornar.

Mais uma vez, chamo atenção para o discurso ideológico de culpabilização dos

indivíduos pelo seu desemprego/emprego precário decorrente da baixa escolarização e

desqualificação profissional, frente às exigências do mercado de trabalho atual.

Prevalece o discurso de que a formação/qualificação profissional será a via para o

enfrentamento do desemprego, desconsiderando as bases estruturais que geram tal

realidade. Esta é uma questão também argumentada no Documento Base (BRASIL,

2007a, p. 11) ao ressaltar o seguinte:

Esses jovens retornam, via EJA, convictos da falta que faz a escolaridade em suas vidas, acreditando que a negativa em postos de trabalho e lugares de emprego se associa exclusivamente à baixa escolaridade, desobrigando o sistema capitalista da responsabilidade que lhe cabe pelo desemprego estrutural.

Considero, então, que os interlocutores discentes, como trabalhadores que são,

demonstram almejar com a participação no curso técnico do PROEJA uma forma de

inserção nesta sociedade marcada pela competição. Isso é compreensível, pois, como

ressalta Ramos (2010, p. 77), a EJA que exclui o trabalho como realidade concreta da

vida desses jovens e adultos não os considera como sujeitos que produzem sua

existência sob relações contraditórias e desiguais. Contudo, não significa reduzir a

educação/escola ao sentido instrumental, como se tivesse o poder de assegurar o acesso

e permanência no mercado de trabalho. Ao tempo que não pode ser ignorada em sua

importância para o enfrentamento das questões colocadas pelo mundo do trabalho, não

pode ser reduzida à instrumentalidade para esse mundo com um sentido economicista

(RAMOS, 2010).

A função social da escola é bem mais ampla, de forma que ao escolarizar e ao

qualificar profissionalmente deve fornecer os instrumentos para o exercício da

cidadania, a qual integra o direito ao trabalho, como expressou Fausto. Como antes

159

alertei, é necessário ficar atento ao discurso que confere à escolarização e qualificação

profissional o status de promotoras da empregabilidade. O processo educativo deve se

comprometer em desmistificar esse senso comum, contribuindo para a compreensão

crítica de que a luta pelo direito a um lugar no mercado de trabalho se dá no campo

mais amplo da sociedade (FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2005, p. 15), portanto,

além do que a escola pode se responsabilizar. Permitir entender isso é tarefa de um

processo educativo emancipatório, tal qual sinalizam estes mesmos autores.

Proporcionar educação básica sólida integrada à formação profissional, no

sentido de contribuir com a integração social do educando, o que compreende tanto as

possibilidades de continuidade dos estudos, quanto as do mundo do trabalho, sem

resumir-se a ele, é o que se encontra propagado pelo Documento Base (BRASIL, 2007a,

p. 35), assim:

Os sujeitos alunos deste processo não terão garantia de emprego ou melhoria material de vida, mas abrirão possibilidades de alcançar esses objetivos, além de se enriquecerem com outras referências culturais, sociais, históricas, laborais, ou seja, terão a possibilidade de ler o mundo, no sentido freireano, estando no mundo e o compreendendo de forma diferente da anterior ao processo formativo.

O desafio de propiciar a esses alunos que se situem e compreendam o mundo

de forma qualitativamente diferente da anterior à formação, como enfatizaram os

sujeitos Fausto e Elano - com resquícios nos relatos dos discentes - remete a Freire

(1992, 1996) para quem a educação assume a dimensão transformadora e libertadora na

medida em que possibilita que sujeitos históricos construam formas de pensar

autônomas, que propiciem a leitura, a compreensão e a intervenção na realidade da qual

tomam parte. Saviani (2009) fertiliza este entendimento por evidenciar a importância

do acesso aos conhecimentos socialmente elaborados e sistematizados para que possam

passar de uma visão de senso comum à uma visão articulada, científica de mundo, de

modo a assumir uma postura crítica perante esse mundo.

Isso inclui a apropriação dos conhecimentos das Ciências da Natureza e da

Matemática que são parte do currículo da formação que almejam alcançar e que devem

ser revistos na a-historicidade, fragmentação e dissociação da vida real em que

geralmente são abordados (ARAGÃO 2000a 2000b; CARVALHO, PEREZ, 2001;

SANTOS, SCHNETZLER, 2003; DUARTE, 2006; GERALDO, 2009; CHASSOT,

2011). Implica, portanto, reconhecer a dimensão transformadora da prática educativa

160

escolar ao contribuir com a formação humana dos sujeitos a quem atende, obviamente,

sem desconsiderar os limites que lhe atravessam.

Evidentemente que as expectativas, as demandas sociais e dos sujeitos

individualmente devem ocupar um lugar de destaque, afinal qualquer projeto

educacional deve ter como ponto de partida e de chegada as necessidades e demandas

que lhe conferem legitimidade. Desconsiderá-las expressa o risco de negar a função

social que justifica o ser e o fazer da escola. As necessidades reais dos estudantes de

EJA ora pesquisados - que inclui a demanda por um espaço no mercado de trabalho -

não podem ser ignoradas. Contudo, é preciso ter claro que o possível à escola é

promover o acesso aos saberes científicos, artísticos, tecnológicos e técnicos de forma a

capacitá-los para se inserir, participar e usufruir dos benefícios gerados pelo trabalho,

nessa sociedade atravessada por contradições e, por isso mesmo, passível de ser

transformada.

Portanto, guardadas a dimensão de seus limites, o PROEJA pode oferecer aos

estudantes respostas condizentes com a natureza da educação que buscam, dialogando

com as concepções formadas sobre o campo de atuação profissional, sobre o mundo do

trabalho, sobre a vida (BRASIL, 2007a, p.36), na medida em que a instituição

educativa que os acolhem, como é o caso do IFMA, cumprir com a sua função precípua

que é a socialização do saber historicamente elaborado e sistematizado.

Assumir, pois, esse processo formativo que implica um currículo que integre

formação geral e profissional, tendo como esteio o trabalho como princípio educativo

em busca da emancipação humana é um desafio que se impõe. Evidentemente que esta

não é uma decisão que se reduz à dimensão didático-pedagógica como antes abordado ,

mas também passa por tal dimensão.

Não dá para desconsiderar que a concepção minimizadora da educação se

encontra permeada por uma cultura institucional que mantém interface com a estrutura

da nossa sociedade cindida e desigual, com rebatimentos na prática educativa/curricular

em que se materializam os processos de formação profissional e a prática pedagógica

que lhe dá direção. A lógica é: se não é possível à escola resolver o problema da

dicotomia entre o trabalho manual e trabalho intelectual que se produz e se expressa no

nível das relações sociais mais amplas, cabe a ela, dentro do possível, buscar construir

uma ação educativa orientada por princípios que possibilitem retomar o que é intrínseco

ao trabalho humano. É essa compreensão que deve orientar o projeto a formação desses

jovens e adultos, de modo a capacitá-los para serem, ao mesmo tempo, político e

161

produtivo e, portanto, em condições de atuar intelectualmente e pensar praticamente

(GRAMSCI, 2001; KUENZER, 2001)

Cada um dos sujeitos, professores e alunos, à sua forma, embasados por suas

experiências, por seus conhecimentos adquiridos em suas trajetórias pessoais e

profissionais, expressaram ideias, pontos de vista, valores, expectativas e perspectivas

que terminam por traduzir concepções sobre o PROEJA, sobre a formação que se

perspectiva para cursos técnicos integrados ao médio, numa proposta de currículo

integrado. Ainda que essas concepções manifestadas expressem não só aproximações,

mas, também, distanciamentos dos pressupostos e princípios que lhes dão esteio, na

minha visão - na medida do possível - apresentam nuances de uma concepção de

formação que não seja a de incluir para excluir pela desqualificação, como alerta

Kuenzer (2005). Mesmo quando apontam na direção de uma formação para o mercado

de trabalho, como foi possível apreender em relatos destes interlocutores, estas não

revelam consonância com a perspectiva de uma formação estreita, destituída de

fundamentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos básicos. Essa contradição

precisa ser levada em conta.

Nesse sentido, a partir da função que lhe confere identidade, urge rever a

relação teoria-prática, dando um novo sentido à organização e ao funcionamento da

escola, com implicações no ensino que nela se desenvolve. A necessidade de uma nova

síntese entre a formação geral e a formação específica, entre o saber teórico e o saber

prático, entre o ensinar e o aprender, que considere as especificidades de jovens e

adultos, a partir de um projeto curricular elaborado e dinamizado coletivamente, se situa

neste contexto. Esta é uma perspectiva que precisa ser construída.

Não perder isso de vista é condição essencial para que a proposta anunciada

pelo Curso pesquisado alcance materialidade no interior dos processos em que a função

social da escola ganha vida, isto é, no ensino e na aprendizagem. O que concebem e

atribuem ao ensinar/vivenciar o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática no

âmbito do Curso em que me debrucei é o que apresento a seguir.

(iii) Ensinar/Vivenciar o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática

A reflexão desenvolvida evidenciou que o PROEJA, na versão do ensino

técnico integrado, pressupõe um currículo que estabeleça a integração entre cultura

geral e cultura específica no sentido de uma formação que tenha como perspectiva a

162

vivência de um processo crítico, emancipador e fertilizador de outro mundo possível

(BRASIL, 2007a, p. 32). É por meio do currículo que são possibilitadas uma maior ou

menor aproximação do conhecimento científico com a prática social, desvelando suas

implicações, contradições, limites e possibilidades (KLEIN, 2007). Evidentemente,

como explicitei isso não se reduz à questão de desenho curricular, embora ele também

tenha importância.

A integração proposta, sob um currículo integrado (BRASIL, 2007a, p. 41),

antes explicitada, é de natureza epistemológica, de conteúdos, de metodologias e de

práticas educativas, que se traduz na relação teoria – prática, entre o saber e o saber

fazer. No aspecto operacional a possibilidade e a exigência desta integração trazem à

tona o ensino, pois é durante esta ação curricular que o professor realiza as mediações

que podem potencializar o estudante a construir no pensamento a unidade do conteúdo

a ser aprendido. Isto quer dizer que é neste processo que devem se realizar as

mediações necessárias entre o conteúdo e a prática/realidade social (VIRIATO,

FAVORETO, KLEIN, 2012, p. 735), com o sentido de favorecer a aprendizagem plena.

‘Ensino’ nesta tese, vale insistir, é entendido como um processo sistemático,

intencional, dinâmico, interdependente e relacional que se dirige para potencializar a

apreensão da realidade por parte do aluno. O fato de ser o foco neste estudo não

significa que o concebo desvinculado da aprendizagem. Ao contrário, assim como

Veiga (2009), compreendo que estes processos – ensino e aprendizagem - estabelecem

relação entre si, sendo imprescindíveis para a formação humana. São processos que se

intercomplementam e se caracterizam pela unidade dialética do papel sistematizador e

mediador do professor, e da auto-atividade discente, expressa pela ação intencional do

aluno de se apropriar do conhecimento veiculado pelo ensino.

A reiteração de manifestações referentes ao ensino, por parte dos sujeitos

pesquisados, com desdobramentos nos diferentes elementos que o compõem, justifica

ser esta uma unidade analítica. Os pontos de vistas, opiniões, significados e valores

que emergiram dos relatos dos interlocutores - professores e alunos - revelaram

confluências, aproximações e distanciamentos das perspectivas e desafios que

perpassam o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, tendo em vista o

alcance da integração que medeia a proposta de currículo integrado enunciada pelo

programa. As manifestações a seguir apresentadas são elucidativas deste

entendimento:

163

É através do ensino que cada um de nós vai contribuir... É claro que deve ser um ensino diferente e não aquele que fique só na transmissão pela transmissão, pois esse ensino não vai fazer diferença... Não é porque tá no papel que ela vai acontecer... A forma como a Física é geralmente trabalhada, desligada da vida dos alunos e dos professores, sem contextualização, ela se torna sem sentido, de difícil compreensão e não vai contribuir com essa formação... Tento ensinar de forma que haja uma compreensão da física de forma diferente que tem prevalecido no ensino... É preciso que haja mudanças... A Física não é isso ... Ela não é como está sendo trabalhada na escola, ela está na vida, no mundo, nas coisas que nos rodeiam.... Não é porque está no papel que as coisas vão acontecer... (FAUSTO, trechos da entrevista). .... Também é necessário um bom ensino mesmo, quero dizer, mudanças no ensino das disciplinas do curso, muita coisa precisa melhorar.... Vejo que o conhecimento Matemático, se bem trabalhado, sempre vai fazer essa integração, pois a matemática está em tudo na vida....(ELANO, trechos da entrevista). Ensinar Química no currículo integrado, como propõe o PROEJA, estou tentando pois não fui formada para trabalhar com alunos da EJA... Mas uma coisa sinto: é um ensino que deve ser diferente...aliás, como você mesmo disse, tem que ser O ensino ...Estou fazendo esse ensino? Estou tentando fazer diferente da turma passada.... Acho que estou conseguindo, levando em conta a resposta dos alunos, a participação deles... (KIARA, trechos da entrevista). A verdade é que precisamos nos preparar mais para fazer um trabalho como é exigido pelo PROEJA.... Fomos formados em um ensino em que aprendíamos as regras, as fórmulas.... Posso dizer, só consumíamos.... Muito tradicional tudo (MARIANA, trechos da entrevista).

Ao se referirem aos desafios de trabalhar os conhecimentos na perspectiva da

formação integrada, os sujeitos docentes expressam entendimentos que coadunam com

a ideia de que o ensino tem um papel imprescindível para que esta integração possa

se efetivar, contudo, dificuldades não passaram despercebidas. Fausto reconhece a

importância desse processo ao ressaltar que é através do ensino que cada um de nós vai

contribuir. Isso também não é indiferente a Elano que adverte ser necessário um bom

ensino mesmo, quer dizer, mudanças no ensino das disciplinas do curso e que muita

coisa precisa melhorar. Tal necessidade não passa despercebida por Fausto que

menciona: É claro que deve ser um ensino diferente e não aquele que fique só na

transmissão pela transmissão, pois esse não vai fazer diferença.... Não vai contribuir

com essa formação. Kiara revela que o ensino deve ser diferente, e apesar da dúvida se

de fato está fazendo esse diferencial, expressa que está tentando e que vê a resposta dos

alunos, a participação deles... Mariana, por sua vez, demonstra reconhecer não ser fácil

realizar um ensino que responda à integração proposta, em decorrência do ensino

tradicional que deu base à sua formação docente.

164

Os interlocutores acima destacados, ao tempo que expressam entendimentos

acerca da importância que o ensino assume no sentido da integração anunciada,

demonstram reconhecer que este processo assentado na visão conservadora, que tem

prevalecido nas escolas não vai dar conta de atender a esta perspectiva. Klein (2007)

ao discutir o conhecimento no currículo integrado ressalta que o ensino de base

tradicional se apresenta problemático, por um lado, por abordar os conteúdos sob um

ponto de vista conservador, reacionário, objetivando conformar os sujeitos ao modelo

social vigente. Por outro lado, por tomar como conteúdo as generalizações,

classificações, regras, leis, fórmulas, ao invés de buscá-los nos fundamentos

elucidadores dos objetos de conhecimento.

Por se caracterizar pela mera transmissão de conteúdos estáticos, prontos,

fragmentados e desconectados de suas finalidades sociais termina comprometendo a

possibilidade de integração entre os conhecimentos da educação geral e da educação

profissional. Isto porque tal perspectiva implica um ensino que tenha como centro

conhecimentos indissociados das diferentes dimensões da vida humana. Por esses

saberes se originarem integrados na produção material da existência, nas relações

sociais e nas práticas laborais, mantêm estreita relações com a vida cotidiana,

trazendo em si implicações sociais, econômicas, tecnológicas, ambientais, entre

outras. Em decorrência, os conhecimentos produzidos e transformados em conteúdos

de ensino devem ser tratados não como produtos neutros, fragmentados, a-históricos,

mas como uma expressão complexa da vida material, intelectual, espiritual dos

homens de um determinado período da história (GASPARIN, 2005, p. 3).

O interlocutor Fausto expressa a necessidade de superação do ensino de

caráter transmissivo ao mencionar que a forma como a Física é geralmente

trabalhada, desligada da vida dos alunos e dos professores, sem contextualização, se

torna sem sentido, de difícil compreensão e não vai contribuir com essa formação...

Mariana, sem ser indiferente a estas dificuldades, diz: fomos formados em um ensino

em que aprendíamos as regras, as fórmulas.... Posso dizer, só consumíamos.... Muito

tradicional tudo. É evidente nestes relatos a percepção do ensino que se ocupa

exclusivamente da exposição de conhecimentos abstratos, descontextualizados,

restringindo-se, do ponto de vista metodológico, à prática da verbalização, pelo

professor, e da memorização, pelo aluno. As críticas que Freire (1986, p. 66) faz à

165

escola tradicional – assentada na concepção bancária de educação – traduzem as

ressalvas destes interlocutores, na medida em que nela o saber é uma doação dos que

se julgam sábios aos que julgam nada saber... Em lugar de comunicar-se, o educador ‘faz’

comunicados e depósitos que os estudantes recebem, memorizam e repetem.

Ensinar os campos de conhecimentos na perspectiva da formação integrada,

ora analisada, é um desafio que se coloca, como pontuam os sujeitos acima. Isso,

principalmente pelo fato de que, historicamente, tem predominado o ensino

fragmentado, centrado no modelo transmissão-recepção e na concepção empirista-

positivista de Ciências, em que os alunos são vistos como seres abstratos,

homogêneos, portanto, negados em suas historicidade e singularidade. Ao atentar

para o que relatam estes sujeitos, encontro em Aragão (2000a, 2000b), Schnetzler

(2011) apoio por evidenciarem que as concepções de conhecimento científico, de

ciência, de ensino e de aprendizagem dos professores têm implicações no modo como

organizam e desenvolvem o ensino. Isto porque há sempre uma concepção

epistemológica, com seus princípios e leis, subjacente a qualquer situação de ensino,

embora nem sempre esteja explicitada e seja quase sempre assumida tácita e

acriticamente.

As manifestações destes interlocutores docentes revelam vestígios de limites

advindos do ensinar Ciências embasado na visão de conhecimento científico em que os

conteúdos de Biologia, Física, Química e Matemática se assentam como verdadeiros,

neutros, inquestionáveis e descontextualizados social, histórica e culturalmente.

Pesquisas demonstram (SCHNETZLER, 1992, 1994; ARAGÃO, 2000a, 2000b;

MALDANER, 2000, DUARTE, 2006; GERALDO, 2009) que apesar de avanços, a

concepção empirista-indutivista ainda tem forte influência no ensino das Ciências da

Natureza nas escolas brasileiras. Esta epistemologia se apoia nas teses de que o

conhecimento científico se constitui uma síntese indutiva do observado, do

experimentado, em que a especulação, a imaginação e a criatividade não exercem

qualquer influência na obtenção deste conhecimento. Sendo assim, as teorias

científicas não são produzidas, mas tidas como descobertas em conjuntos de dados

empíricos, constituindo-se conhecimentos inquestionáveis, neutros, porque livres de

pressupostos ou preconceitos.

166

As contribuições de Cachapuz, Gil-Perez et al. (2011) podem enriquecer esta

reflexão por trazerem à discussão a necessidade de que sejam superadas as visões

deformadas52 da ciência e da tecnologia como requisito para a renovação da educação

científica, tendo em vista a formação de cidadãos conscientes das implicações sociais

destes produtos humanos. Evidenciam que as concepções epistemológicas

inadequadas sobre a natureza da ciência e da atividade científica têm incidido em

obstáculos para uma educação comprometida com a formação de sujeitos críticos,

com espírito científico. Esclarecem que assentados em concepções errôneas os

conhecimentos científicos aparecem como obra de gênios isolados, que os elaboram as

margens das contradições e conflitos que atravessam as relações sociais (CACHAPUZ,

GIL-PEREZ, et al., 2011). Ignorado como produto do trabalho coletivo se eleva ao

patamar de atividade inacessível, privilégio de uma minoria de dotados. A visão

empiro-indutivista e ateórica da atividade científica reforça o papel da observação e da

experimentação ‘neutra’, como caminho para o descobrimento dos conhecimentos,

que resultam da exatidão e objetividade do método empregado. A ciência, os

conhecimentos científicos, portanto, consistem em algo exato, neutro, verdade

inquestionável, incapaz de mudanças.

Quanto aos conhecimentos científicos matemáticos, Fiorentini (1995), Bicudo

(1999) e Duarte (2006) expressam as relações existentes entre as concepções que os

embasam e as práticas pedagógicas decorrentes. Conceber a Matemática em uma

dimensão, seja qualquer uma, traz implicações para os contextos de ensino e de

aprendizagem deste campo de conhecimento. Assim, ao analisarem o que tem

prevalecido na escola vem à tona a concepção absolutista desta Ciência apoiada em

correntes filosóficas da Matemática53, nas quais é vista como uma ciência neutra,

52Cachapuz, Gil-Perez et al. (2011) em estudo realizado discutem as visões deformadas da atividade científica, que se encontram estreitamente relacionadas entre si e que expressam uma imagem ingênua e distorcida do que supõe a construção de conhecimentos científicos, trazendo fortes implicações para o ensino. Ressaltam, entre outras, os seguintes equívocos, visões deformadas quanto às ciências e as tecnologias: uma visão descontextualizada; uma visão individualista e elitista; uma concepção empiro-indutivista; uma visão rígida, algorítima, infalível; uma visão a-problemática e a-histórica; visão exclusivamente analítica; visão acumulativa de crescimento lineal. Essas concepções 53 Pesquisa desenvolvida por Castro e Moraes (2010) acerca das concepções matemáticas de professores em formação traz à discussão a Filosofia da Educação Matemática que tem por base a Filosofia da Matemática. Ressaltam que a Filosofia da Educação Matemática reflete na Educação Matemática nos modos de pensar e atuar sobre os objetos matemáticos e, sobretudo, sobre sua aplicabilidade no cotidiano (2010, p. 76). Discutem as Filosofias Absolutista e Falibilista da Matemática e suas implicações

167

abstrata, independente da ação humana. Essa visão repercute em seu tratamento em

termos de regras, leis, abstrações no ensino, tido como sinônimo de transmitir,

transferir, repetir e memorizar regras, definições. O professor, supostamente, como

único detentor de conhecimentos trata a Matemática desarticulada dos contextos

sociais junto a alunos ‘tábulas rasas’, desconsiderados em seus conhecimentos prévios

e na capacidade de produzir conhecimentos.

Conceber, pois, as Ciências da Natureza- expressas em conhecimentos de

Química, de Biologia, de Física - e os conhecimentos da Matemática nesta dimensão

traz implicações diretas aos processos de ensinar e aprender estes campos de

conhecimentos. Posso, pois, afirmar que estes não se dão apartados da concepção

epistemológica de Ciência, de conhecimento científico, que antes se vinculam a uma

dimensão política que traz em seu seio respostas ao para quê ensinar/por quê

ensinar. Como processos inerentes à prática educativa escolar, constituem-se

expressões e respostas às necessidades pessoais e sociais, portanto, carregam sempre

imanentes intencionalidades. Sendo assim, nunca são neutros, mas sempre ideológicos

e politicamente comprometidos. Isso remete a Freire (1992) para o qual o ensino

consequente com a aprendizagem emancipatória, não pode, pois, descuidar das

dimensões teórico-metodológicas e epistemológicas que constituem a prática

educativa que assume esta direção. Alerta que é necessário romper com práticas

pedagógicas conservadoras, o que implica opção política por um novo projeto

educacional a serviço da formação do ser humano emancipado.

As reflexões sobre as concepções de Ciência e seus decorrentes modelos de

ensino discutidos, permitem mostrar as contradições e incoerências frente às

necessidades de um currículo que efetivamente congregue conhecimentos necessários

na realidade vivenciada na escola. Evidenciam que a Concepção Absolutista expressa nas correntes do pensamento filosófico da Matemática, a saber: Platonismo, Logicismo, Formalismo e Intuicionismo. O Platonismo, originária do pensamento de Platão, com colaboração de Aristóteles, prega que o conhecimento matemático é puramente intelectual, sem a participação dos sentidos. Seus objetos são imutáveis, porque bem determinados, com propriedades fixas e particulares, existentes fora do espaço e do tempo. O Logicismo apoiado principalmente em Gottfried Leibniz (1646 – 716), Gottlob Frege (1848 – 1925) e Bertand Russel (1872 – 1970), por princípio, tenta reduzir a Matemática à lógica e, assim, à teoria das formas vazias do pensamento correto. Leibniz elege o cálculo lógico como instrumento indispensável ao raciocínio dedutivo. O Formalismo que tem em David Hilbert (1862 – 1943) seu principal expoente se apoia no entendimento de que não existem objetos matemáticos e a Matemática se resume a axiomas, definições, teoremas e fórmulas. O Falibilismo, por sua vez, tendo o matemático, físico e filósofo Imre Lakatos (1922-1974) como um dos principais expoentes, pressupõe a substituição da crença da verdade absoluta da Matemática pela verdade relativa, desvelando que o pensar matemático é passível de erros e revisões.

168

à emancipação da classe trabalhadora. A proposta de formação com um currículo

integrado, formalmente anunciado pelos documentos reguladores do PROEJA, por ter

como esteio o trabalho como princípio educativo, traduzido na relação indissociável

entre as dimensões básicas da vida humana - o trabalho, a ciência, a cultura e a

tecnologia - na direção do ser humano omnilateral, exige um ensino assentado em

nova concepção de Ciência. Com efeito, passa a ser concebida como conhecimento

elaborado pelos seres humanos em suas práticas sociais, que carrega consigo as

marcas próprias da época, do lugar e da história em que foi produzido.

O entendimento de Ramos (2010, p. 49–50) traz fertilidade a este

entendimento por definir Ciência como:

... Conhecimentos produzidos e legitimados socialmente ao longo da história, como resultado de um processo empreendido pela humanidade na busca da compreensão e transformação dos fenômenos naturais e sociais. Nesse sentido, a ciência conforma conceitos e métodos cuja objetividade permite a transmissão para diferentes gerações, ao mesmo tempo em que podem ser questionados e superados historicamente, no movimento permanente de construção de novos conhecimentos.

Na mesma direção, Carvalho e Gil-Pérez (2000, p. 24) ressaltam que fazer

Ciência é muito mais que o se trancar em uma torre de marfim, por envolver

aspectos históricos e sociais e exigir tomada de decisões. A esse respeito esclarecem

que:

O trabalho dos homens e mulheres de Ciências – como qualquer outra atividade humana – não tem lugar à margem da sociedade em que vivem, e se vê diretamente afetado pelos problemas e circunstâncias do momento histórico, do mesmo modo que sua ação tem uma clara influência sobre o meio físico e social em que se insere.

Em contraponto à concepção anterior, a Ciência é entendida como atividade

humana, que surge das necessidades históricas e sociais a que o homem tem que

responder, e nesse movimento transforma e é transformada. Apoiada em uma visão

histórica e problemática constitui conhecimentos sistematizados, elaborados ao longo

da história a partir de problemas que geraram sua produção, o que rompe com a ideia de

que os conhecimentos seriam já construídos e o homem apenas os descobre. Perpassada

pelo inesperado, pela dúvida e criatividade foge de uma concepção baseada em um

método rígido, em um conjunto de etapas com um controle quantitativo rigoroso. Não

se trata de conhecimentos neutros, descontextualizados, lineares e puramente

cumulativo, mas de conhecimentos científicos vivos, abertos, provisórios, porque

sujeitos a mudanças e reformulações.

169

Ao se manifestarem acerca do tratamento destes campos científicos – na

forma de conteúdos escolares - na perspectiva da formação integrada, nesta tese

discutida, tanto os sujeitos Fausto quanto o Elano expressam nuances de concepções

de conhecimentos de Matemática e de Física para além da raiz positivista, com

resquícios de características da concepção acima abordada. Em seu relato Fausto faz a

seguinte menção: Tento ensinar de forma que haja uma compreensão da Física de

forma diferente... A Física não é isso.... Ela não é como na maioria das vezes está sendo

trabalhada na escola, ela está no mundo, nas coisas que nos rodeiam... Elano, por sua

vez, ressalta que o conhecimento matemático, se bem trabalhado, sempre vai fazer

essa integração, pois a matemática está em tudo na vida.... Acrescenta o seguinte,

trazendo registro de suas experiências:

Aprendi a Matemática como uma coisa muito fechada, longe da realidade, aquela coisa só de cálculo pelo cálculo... Os considerados os ‘bons’ iam longe, e a grande maioria nada... Procuro fazer um caminho diferente do que vivi... A Matemática não é o bicho papão.... Tem cálculo sim, tem coisas que são abstratas, mas não pode ser vista como uma coisa que é distante da realidade. A Matemática está em tudo na vida.... Eu até desafio os alunos: vocês são capazes de me dizer alguma coisa em que o conhecimento matemático não esteja presente? Eles não conseguem dizer, aliás, ninguém consegue dizer. É importante que eles pensem assim... E para que isso aconteça é preciso que sejam criadas as situações.... Por exemplo, os números complexos que são abstrações, mas ali estão eles nas correntes elétricas contínuas, nas correntes elétricas alternadas... Eles vão entender que estes conhecimentos têm um sentido... (ELANO, trechos da Entrevista)

Este interlocutor, ao mesmo tempo que denuncia o viés de ciência absoluta, a

Matemática da ‘abstração’ desvinculada da realidade exterior que marcou sua

experiência de escolarização, realça o caráter discriminatório que perpassa esta

Ciência, por vezes descrita como inalcançável, como privilégio de acesso para os

poucos ‘bens dotados’. A problemática da discriminação é uma realidade que tem

marcado a subjetividade de sujeitos da EJA, muitas vezes considerados incapazes de

aprender os conteúdos a serem ensinados na escola, especialmente os ‘ditos’ de

grande complexidade e, portanto, inacessíveis a eles que tiveram, por vezes, que se

distanciar da escola. A exemplo de Elano, Castro e Moraes (2010) alertam com relação

à postura discriminatória que perpassa o saber e o fazer no âmbito do ensino da

Matemática. Ressaltam que os nexos que este campo de conhecimento estabelece

com a realidade são perceptíveis e que devemos ter claro que ninguém pode ser

170

excluído deste conhecimento sob o risco de estarmos fazendo de sua utilização

instrumento de discriminação e segregação. A forma como a Matemática

historicamente tem sido tratada tem conduzido a isto.

Os relatos desses sujeitos deixam transparecer o compartilhar que os

conhecimentos de Física e de Matemática ganham sentido por se encontrarem

vinculados à concentricidade da vida. Fausto relata que busca ensinar de modo que os

conhecimentos de Física sejam apreendidos de forma diferente, uma vez que estes

estão no mundo, nas coisas que nos rodeiam. Manifesta entender que estes se

encontram impregnados nas situações do cotidiano próximo que são parte da prática

social global. O interlocutor Elano expressa que o apreender determinados objetos

matemáticos requer abstrações, operações mentais complexas, o que não significa que

deva ser subtraído das relações que, inevitavelmente, estabelecem com a vida, com o

mundo do qual se originam. Afinal, como diz este sujeito, a Matemática está em tudo

na vida, na realidade, e como construção humana se volta para compreender, explicar

e agir sobre esta realidade. É necessário que sejam criadas situações para a

apropriação da concretude destes saberes, ressalta Elano. A meu ver, emerge destes

relatos, o esforço dos docentes em retornarem estes conhecimentos separados da

vida real pelo princípio da fragmentação da ciência positivista, ao contexto da

realidade, do mundo vivido, isto é, ao lugar onde eles fazem sentido e podem ser

compreendidos.

Revelam, pois, vestígios de um novo posicionamento, uma outra atitude em

relação ao ensino, coerente com a concepção de conhecimentos de Ciências e de

Matemática que expressam. Os saberes passam a ser compreendidos imbricados às

práticas sociais, aos elementos presentes no acontecer da vida. Isso remete a Saviani

(1999) para o qual a escola não deve se ocupar de qualquer conteúdo, mas de

conteúdos vivos, concretos e, portanto, indissociáveis das realidades sociais. Essa é a

perspectiva a ser alcançada na intenção de possibilitar uma formação em que trabalho

e educação se unifiquem, por meio de um currículo integrado que dê unidade aos

conhecimentos básicos - entre os quais os de Química, Física, Biologia, Matemática - e

aos conhecimentos técnicos profissionais, tendo em vista formar não apenas técnicos,

mas pessoas que compreendam criticamente a realidade e atuem profissionalmente,

de forma competente.

171

Ao considerar as questões discutidas posso afirmar que organizar e trabalhar os

conhecimentos científicos, estruturados em conteúdos escolares, na feitura de um

currículo integrado não é um processo que se realiza a priori, como expressaram os

interlocutores desta tese em seções anteriores. A integração pressuposta pelo PROEJA,

como abordei, tem o trabalho como princípio educativo, focando no sujeito trabalhador,

considerado como construtor de novas possibilidades de intervir de forma crítica no

enfrentamento da exclusão educacional e social.

Se esta integração traz as noções de ‘unificar nível’ e ‘modalidade de ensino’,

de integrar as disciplinas do Ensino Médio às da Educação Profissional e de

operacionalizar esta integração no processo de ensino e aprendizagem, certamente, além

de outros aspectos, é necessário por parte de quem a operacionaliza o domínio do que

seja a integração proposta pelo PROEJA e da opção teórica e metodológica para poder

assegurar a unidade dos conteúdos, numa dimensão transformadora (VIRIATO;

FAVORETTO, 2010), tendo em vista a formação do cidadão trabalhador anunciado. As

concepções de integração que emergem dos relatos dos sujeitos a seguir, expressam a

complexidade e os desafios que perpassam o processo formativo que traz a intenção de

integrar como fim, senão vejamos:

.... Eu tive o maior interesse de saber sobre a área de Eletrotécnica, prá saber onde estava trabalhando e em que poderia contribuir... É bem assim... Não tem um jeito só... Procuro integrar os conhecimentos de Química com os conhecimentos da parte profissional... Preocupo-me em estar conversando com os outros professores do curso para poder fazer isso, mesmo fora dos nossos momentos de encontro. Com uns dois da Eletrotécnica tenho grande aproximação, pois estamos sempre conversando e trocando a respeito dos conteúdos a serem trabalhados em que uns complementam e fundamentam os outros. Tento trabalhar os conteúdos de Química para integrar os conteúdos das disciplinas da Eletrotécnica, no que for necessário de conhecimento químico... e claro com as outras disciplinas também... (KIARA, trechos da entrevista). ... A Física tem importância para a formação integrada, pois como já falei, ela vai contribuir com a formação para a cidadania e o trabalho, principalmente neste curso... Veja só, a base do Curso de Eletrotécnica é a Física... Sei disso, pois fiz o curso de Eletrotécnica nesta instituição e vejo a importância destes conhecimentos para fundamentar os conhecimentos específicos desta área.... Aliás, deixa a aula mais rica, pois todas as duas áreas terminam se fundamentando... Por conhecer bem esta área não tenho dificuldades de fazer esta integração da minha disciplina com outras da área das Ciências da Natureza, da Matemática, com as disciplinas específicas da Eletrotécnica e isso sai naturalmente... Além do mais, às vezes os próprios alunos que já tem experiência na área perguntam, questionam, terminam ajudando muito.... Assim a gente forma para a cidadania e para o trabalho como já falei.... É através desses conhecimentos (FAUSTO, trechos da entrevista).

172

.... Contribuir com a formação integrada no ensino da Matemática.... Os conhecimentos da Matemática devem estar integrados com os conhecimentos da parte profissional, e claro com todos os outros.... Os conteúdos já são integrados o que falta é de fato todos saberem isso e fazer tudo para o aluno também aprender assim... Ensinar em um currículo integrado é isso... É integrar os conhecimentos com a vida, no caso aqui é como já falei, a matemática está em tudo.... É levar os alunos a raciocinar, buscar respostas para problemas e não decorar as regras e fórmulas... E integrar a teoria e a prática, os conhecimentos dos alunos com os das disciplinas, o professor e os alunos.... Os conteúdos sempre acabam sendo integrados.... (ELANO, trechos da entrevista).

E a integração? Como fazer? Bem como falei acho que esse é uma questão que precisa ser melhor trabalhada entre nós, mais planejada com a participação de todos...... E não tem que ser todos na mesma direção para a formação destes alunos? Estou procurando fazer o que acho melhor, dentro das possibilidades.... Uma coisa que considero importante é integrar os conhecimentos da minha disciplina com os conhecimentos dos alunos, pois termina mexendo com a turma e até os que participam pouco terminam dando opinião.... Procuro agir dessa forma. (MARIANA, trechos da entrevista)

Cada interlocutor a partir da história que vive e da experiência que acumulou

expressa, a seu modo, a concepção de integração que acredita, a qual traz implicações

para a ação pedagógica que realiza, tendo em vista o alcance do propósito a qual se volta.

No esforço de expressar seu entendimento sobre integração na perspectiva do

programa, Kiara dá destaque à visão de conjunto do curso ao dizer que: Eu tive o maior

interesse de saber sobre a área de Eletrotécnica, para saber onde estava trabalhando e

em que poderia contribuir. Transparece em seu relato que busca combinação conjunta do

andamento da disciplina Química com outros professores, principalmente com uns da

Eletrotécnica com os quais está sempre conversando e trocando a respeito dos

conteúdos a serem trabalhados em que uns complementem e fundamentem os outros.

Isso se reforça quando expressa que tenta trabalhar os conteúdos de Química para

integrar os conteúdos das disciplinas da Eletrotécnica no que for necessário de

conhecimento químico, e com as outras disciplinas também. Denota reconhecer que os

conhecimentos não são isolados, especialmente quando exemplifica situações em que o

dialogar dos conteúdos entre si é imprescindível, como abaixo segue:

Por exemplo, a disciplina Física é uma disciplina importante para o Eletrotécnico.... Eles precisam, por exemplo, saber o que é um átomo, o que é um elétron, então eles devem ter esse conhecimento básico. Eu uso os conhecimentos da física, os conhecimentos de cálculo matemático, por exemplo, para fazer os cálculos estequiométricos... (KIARA, trechos da entrevista).

173

É inegável a positividade de a interlocutora visualizar que os conhecimentos da

disciplina que ministra e outros entre si dialogam, não estão isolados. Para possibilitar

esse diálogo busca potencializar situações de trocas com outros professores visando

tornar o seu saber e o seu fazer mais preparado, o que denota compromisso com a

atividade assumida. Entretanto, ainda que a interação entre os profissionais seja

importante, a integração não pode ficar condicionada às iniciativas e disponibilidades de

encontros casuais para criar situações da mesma acontecer. Isso não é o suficiente para

que as partes do todo possam se integrar. A meu ver, esta busca de integração espontânea

junto aos colegas com os quais mantém bom relacionamento, deixa transparecer que os

espaços de formação e planejamentos coletivos já vivenciados não foram suficientes para

assegurar o caráter integrador que requer a proposta do curso pesquisado. O que o

Documento Base (2007a) orienta é que deve ser uma construção coletiva e solidária, de

modo que seus sujeitos incorporem a concepção pretendida e sejam criadas as situações

favoráveis à sua efetivação. Portanto, deve se dar para além de iniciativas individuais e

esporádicas.

A integração entre os conhecimentos que compõem a base geral – como o caso

de Química – e os da base profissional, se justifica por serem estes indissociáveis das

diferentes dimensões da vida, uma vez que se originaram integrados às práticas laborais

e demais relações sociais e, por isso, não têm como estar dissociados. Portanto, como

parte do currículo esses conhecimentos - organizados como conteúdos escolares -

assumem uma função pela especificidade dos conceitos, teorias e métodos que os

constituem, consoantes com a intencionalidade que lhes dá direção. Isso significa que

ao ser definido o projeto curricular de curso cada campo de conhecimento tem um

sentido para nele se encontrar, tendo em vista o alcance dos objetivos a que se volta, que

devem estar claros para todos os envolvidos desde seu planejamento ao percurso de sua

materialização. A esse respeito, Fazenda (1992) alerta quanto ao real sentido da

interdisciplinaridade que não pode ser algo artificial, mas uma necessidade. Esclarece

que por ser a prática social uma totalidade integrada, os conhecimentos que nela se

produzem também o são, portanto, o trabalho interdisciplinar se apresenta como uma

necessidade de que isso seja explicitado, tanto na produção do conhecimento quanto nos

processos educativos e de ensino.

Nesse sentido, a integração no currículo tem a ver com a postura assumida

perante os conhecimentos, sejam eles da formação geral ou da formação profissional.

Sem desconsiderar os momentos/espaços coletivos, ou até como decorrente disso, cada

174

professor, como os de Química, Biologia, Física e de Matemática, a partir do lugar que

ocupa no processo formativo deve tratar os conhecimentos na perspectiva de totalidade,

em seus fundamentos explicativos, de forma que os conteúdos trabalhados contribuam,

simultaneamente, tanto para a formação básica como para a formação profissional a que

se volta. Não se trata de somar conhecimentos, nem de unificar o que não é

unificável, mas de considerar a complexidade e a pluralidade da realidade e dos

fatos, em suas múltiplas facetas de olhar e compreensão (MORIN, 2002). Ou seja,

não significa reduzir as disciplinas da formação geral à posição de instrumentais à

formação profissional, nem de somatório, ou subordinação de conhecimentos uns aos

outros, mas de assumir uma postura epistemológica, assentada nos princípios da

interdisciplinaridade, da contextualização e na visão totalizante da realidade (RAMOS,

2008), de forma a resgatar a ciência na sua inteireza, como construção histórica mediada

por valores e interesses de caráter social, assumindo um caráter transformador.

Para Fausto, a integração passa pelo lugar que a Física ocupa na matriz do

curso e pelo objetivo ao qual seu ensino se volta que é contribuir com a formação para

a cidadania e para o trabalho. Manifesta, assim, pertinência com a concepção antes

expressa que os conhecimentos físicos são vivos e dinâmicos. Portanto, não podem ser

tratados desligados da vida, descontextualizados, sob o risco de se tornarem sem sentido

e não contribuírem para a formação coadunada com a ampliação da leitura de mundo e

com a participação, de maneira engajada, nas atividades sociais e profissionais. Ao

expressar que a base científica do Curso de Eletrotécnica é a Física, esse sujeito

evidencia a importância deste campo de conhecimento no processo formativo em foco.

Como componente do currículo do curso constitui fundamento científico básico que não

pode ser abstraído da formação pretendida.

A integração entre os campos de conhecimentos que constituem as bases da

formação é expressa por este interlocutor que traz sua própria experiência de Técnico

em Eletrotécnica para exemplificar diferentes possibilidades de integrar os

conhecimentos científicos e técnicos entre si no percurso formativo. A esse respeito

evidencia que:

Veja só, a base do Curso de Eletrotécnica é a Física.... Sei disso, pois fiz o curso de Eletrotécnica nesta instituição e vejo a importância destes conhecimentos para fundamentar os conhecimentos específicos desta área.... Aliás, deixa a aula mais rica, pois todas as duas áreas terminam se fundamentando... A Eletrotécnica estuda os efeitos da eletricidade e quem estuda a eletricidade é a Física.... Então, não tem como trabalhar os s

175

conteúdos como Movimento, Eletricidade, Força, Energia, Trabalho, Escalas, Temperatura, Calorimetria sem que não estejam integrados aos conhecimentos de Eletricidade, Comandos Elétricos, Máquinas Elétricas e assim por diante.... (FAUSTO, trechos da entrevista).

Nesse relato deixa transparecer certa autonomia no tratamento dos conteúdos,

decorrente do domínio que advém de sua formação de técnico em eletrotécnico, que

possibilita fazer a vinculação dos conhecimentos físicos com outros campos de

conhecimentos do curso, especialmente os da formação específica, sem descaracterizá-

los em suas especificidades. Corrobora esta compreensão ao se referir no seguinte: Por

conhecer bem esta área não tenho dificuldades de fazer esta integração da minha

disciplina com outras da área das Ciências da Natureza, da Matemática e com as

disciplinas específicas da Eletrotécnica e isso sai naturalmente. Explicita, pois, que

busca, ao ministrar a disciplina Física, relacionar conceitos que são comuns a outros

campos curriculares do curso, especialmente ao campo profissional, no sentido de

aprofundá-los, esclarecê-los, fundamentá-los.

Isso tende a reforçar o discutido por Moura (2008)54 acerca da necessidade e a

importância dos docentes de Cursos Técnicos Integrados do PROEJA - sejam de

qualquer campo científico - terem, junto com os saberes docentes, visão do mundo do

trabalho e do campo profissional em que irão lecionar, para que possam estabelecer

conexões entre as disciplinas que ministram, o mundo do trabalho e a formação

profissional específica, contribuindo, assim, para diminuir a fragmentação do currículo.

Demanda-se, pois, que cada docente tenha não somente uma visão de conjunto do curso,

mas das implicações práticas que esta visão traz para o dia a dia da sala de aula.

A inevitável integração entre os campos científicos da educação básica e da

profissional como pressuposto da formação discutida, também é ressaltada pelo Elano

ao mencionar que os conhecimentos da Matemática devem estar integrados com os

conhecimentos da parte profissional, e, claro, com todos os outros. Ao tempo que

expressa esta indissociabilidade evidencia lacunas e compromissos a serem assumidos

quando relata: o que falta é de fato todos saberem isso [que os conteúdos já são

integrados] e fazer tudo para o aluno também aprender assim... No que diz respeito à

inter-relação de conteúdos apresenta exemplos em que diferentes situações de diálogos

de conceitos se explicitam, como a seguir:

54Na seção que trata do Planejamento Coletivo e da Formação Continuada

176

... Os conteúdos sempre acabam sendo integrados.... Por exemplo, na Biologia, quando eles chegam naquela parte de genética eles precisam de um conteúdo chamado probabilidade e dentro dessas probabilidades tem a análise combinatória.... Na Química, as quatro operações são fundamentais para cálculo estequiométricos, as quatro operações com inteiros e decimais são fundamentais... Na Geografia, temos contribuição de René Descartes que fez os planos cartesianos e hoje com a evolução nós temos o G.P.S que nos localiza em qualquer ponto no mundo... Na parte de circuitos elétricos precisam além da função em si, dos cálculos das funções, da parte de trigonometria... Instalações elétricas prediais e a parte geométrica do que cada prédio precisa... Então eles terão que ter esse conhecimento pra trabalhar nessa confecção de instalação com o mínimo de material possível pra não haver desperdício de fio, de fitas, de interruptores, de conectores, então eles tem que calcular primeiro a área e ver aonde vai levar menos material a ser consumido... Se a gente faz quando necessário essa inter-relação contribui para que os conteúdos sejam melhor entendidos. (ELANO, trechos da entrevista)

A partir do que relatam estes interlocutores é possível perceber que a inter-

relação entre conteúdos das disciplinas do curso é parte do entendimento de integração

que assumem, expresso nos exemplos em que conteúdos tanto das disciplinas da base

geral como da base profissional dialogam entre si. Conforme já discutido, a perspectiva

de integração curricular implica uma proposta capaz de articular a teoria e a ação

sustentadas no e pelo princípio educativo do trabalho, o que remete a Gramsci (1991,

2001) que propõe uma formação unitária por meio da articulação entre ciência, cultura e

tecnologia. Se os conteúdos reúnem dimensões conceituais, científicas, históricas,

econômicas, políticas, culturais, que devem ser explicitadas e apreendidas no processo

ensino-aprendizagem, significa que devam ser abordados de diversos pontos de vista, o

que requer conhecimentos pertinentes a mais de um componente ou área curricular. Isto

quer dizer que para haver uma compreensão mais abrangente e aprofundada é preciso

envolver necessariamente diversos conhecimentos, situados nos diferentes campos que

compõem o currículo, de forma que estes sejam explorados em suas múltiplas

dimensões.

As manifestações de Fausto e de Elano acerca do integrar a base científica com

a base técnica do curso parecem expressar subsídios que remetem aos pressupostos de

integração presentes no Documento Base (2007a), e nas contribuições de Ramos (2005,

2008) e Machado (2006b) os quais discutem que no PROEJA a educação geral deve ser

tratada como parte inseparável da educação profissional, assumindo uma visão mais

abrangente de formação. Ramos (2005, p. 121) ressalta que no currículo integrado

nenhum conhecimento é só geral, por estruturar objetivos da produção, nem somente

específico, pois nenhum conceito apropriado produtivamente pode ser formulado ou

compreendido desarticulado da ciência básica. Portanto, o pretendido é que os

177

conteúdos da base geral - como no caso dos da Física, Química, Biologia e Matemática

- sejam tratados e compreendidos de forma histórica, contextualizada e explicitados em

seus potenciais produtivos no campo da Eletrotécnica, e, ao mesmo tempo, que os

conhecimentos específicos da Eletrotécnica estejam vinculados aos fundamentos

explicativos destes saberes denominados gerais (MACHADO, 2006b; RAMOS, 2005,

2008).

Os exemplos apresentados por estes interlocutores, que revelam inter-relação

entre os conceitos científicos, podem ser indicativos de avanços, ou não, de suas

práticas de ensino na área das Ciências da Natureza e da Matemática, considerando o

que propõe o programa. Para constituir avanço implica que a relação teoria e prática

seja o eixo condutor da abordagem/apropriação destes conteúdos, de forma que sejam

apreendidos contextual e interdisciplinarmente. Cabe atentar para a concepção

equivocada de integração que expressa uma compreensão distorcida de

interdisciplinaridade. Isso se traduz no enlaçamento superficial entre os conteúdos, em

que se envolvem diversos conceitos de diferentes campos curriculares sem que sejam,

de fato, estabelecidas relações mais consistentes entre eles. Ademais, integração não se

reduz à interdisciplinaridade.

Se integrar implica tornar inteiro, compreender as partes no seu todo e tratar a

educação como uma totalidade social (CIAVATTA, 2005), visto antes, significa que no

ensino os objetos de conhecimentos deverão ser abordados na sua totalidade, o que quer

dizer não fragmentado, sem disposição etapista dos conteúdos que lhes dizem respeito

(KLEIN, 2007) visando à perspectiva emancipatória da educação. O ideal a ser

alcançado é de integração das dimensões formativas dos sujeitos, de apreensão das

diversas faces sociais que os conceitos carregam consigo, e não de integração

superficial entre as disciplinas, entre seus conceitos.

Ao considerar os relatos desses sujeitos em sua totalidade arrisco pressupor que

a concepção de integração expressa tende apontar na direção contrária da

superficialidade, ainda que não seja de todo satisfatório, considerando os limites que

enfrentam e explicitam no percurso da prática formativa que vêm vivenciando, como

disseram. Apesar dos receios manifestados por estes interlocutores frente ao desafio de

trabalhar nos marcos apregoado pela formação em pauta, transparece indícios de uma

prática que busca, mesmo com obstáculos, se aproximar do que está proposto. Fausto

reforça o entendimento que por meio da integração destes conhecimentos vislumbra a

possibilidade de uma formação que integre cidadania e trabalho. Elano ressalta que

178

procura integrar os conhecimentos com a vida, a teoria com a prática, levar os alunos a

raciocinar, buscar respostas para problemas e não decorar as regras e fórmulas. Isso

parece se manifestar no relato dos estudantes quando se referem ao que vivenciam nas

disciplinas das Ciências da Natureza e da Matemática, como se vê a seguir:

A gente chega e as vezes a achar que não vai aprender.... Tem hora que fica muito difícil mesmo... Pelo menos eu sempre tive dificuldade em Matemática, em Física e Química também. E aí, por exemplo, quando o professor pergunta se a gente é capaz de dizer onde não existe Matemática, ninguém consegue mesmo... Mas, por quê? Por que ela está em tudo e em todos os lugares como nós mesmo vimos... Mas para falar a verdade nunca tinha pensado nisso... Foi uma coisa muito simples que ele perguntou e nos mandou pensar sobre isso.... Os cálculos que estão em todas as coisas da nossa vida, nas compras que a gente faz, nas contas que a gente paga, na hora de fazer as plantas das instalações elétricas.... Nos cálculos que a gente tem que fazer para sobreviver com tão pouco que a gente ganha... A gente vê que a matemática serve é prá vida da gente... (LUÍSA, trechos do grupo focal). .... Os conhecimentos estão na vida porque eles servem pra resolver problemas... por exemplo quando contavam os animais ainda na idade antiga, e que os números... também a matemática pra facilitar as navegações e que hoje tem o GPS, as máquinas de calcular...A gente aprende muita coisa... (FÁBIO, trechos do grupo focal). .... Todas elas (as disciplinas) têm sido boas.... Nas aulas botam pra gente participar bastante, pesquisar e isso é que vai fazer com que a gente se torne um Eletrotécnico de verdade... Por exemplo, eu já sabia que os raios, o ferro de passar têm eletricidade, quem não sabe? No secador também... Mas com as aulas de Física em que vimos eletricidade... A gente vê que toda eletricidade é Física.... Vai estudando calorimetria, movimento e passa a entender melhor aquilo que a gente já faz principalmente para quem já está na profissão.... A gente pergunta, tira dúvidas, e isso é muito importante para nossa profissão de técnico, na hora de trabalhar com os motores, ver as correntes elétricas, análise de circuito...ficamos mais preparado por que tem a teoria e a prática juntas e isso dá mais segurança no trabalho e nas outras coisas ... (JOEL, trechos do grupo focal)

É possível perceber no que manifestam estes interlocutores o ensino tendente a

ampliar os estudos para além da memorização dos conteúdos, com vestígios de provocar

nos alunos novas significações e instrumentos de análise diante dos objetos. Subjaz que

os conhecimentos cotidianos e o conhecimento científico mediados pelos professores

passam a fazer sentido para esses sujeitos, na medida em que evidenciam que os

assuntos das aulas já estão presentes na prática social, como parte constitutiva dela. A

estudante Luísa diz que conseguiu apreender que os cálculos estão nas situações do dia

a dia, nas compras que a gente faz, nas contas que a gente paga, na hora de fazer as

plantas das instalações elétricas.... Nos cálculos que a gente tem que fazer para

sobreviver com tão pouco que a gente ganha... O interlocutor Joel realça os

conhecimentos físicos presentes na vida, expressando que estes mediados por situações

179

participativas possibilitam sua apreensão integrada aos conhecimentos profissionais, o

que contribuirá para uma prática mais qualificada. Em seu olhar, isso é importante para

que fiquem mais preparados, adquiram mais segurança no trabalho por que tem a

teoria e a prática juntas. Expressam vestígios da contextualização dos conteúdos, de

modo que passam a ser percebidos integrados a situações cotidianas, datadas e situados.

Essas manifestações remetem ao que é discutido por Machado (1989), Kuenzer

(2001), Ramos (2010), Zanon e Maldaner (2011), que a integração pressupõe explorar

os conhecimentos interligados na concretude da vida, de forma que sejam

compreendidos como produção histórico-social advindos das necessidades humanas, e

assim passem a ter significado. Cabe, portanto, à escola em face da realidade social e do

trabalho contemporâneo possibilitar a compreensão e aplicação dos princípios

científicos, tecnológicos e dos fundamentos sócio-históricos subjacentes à atividade

para o qual o sujeito está sendo formado. Trata-se, pois, de possibilitar a prática de

refletir sobre os fatos e acontecimentos no espaço profissional e em outros, como

interligados e constituídos de múltiplas determinações. Isso requer um processo em que

teoria e prática se alimentem e se revigorem mutuamente. Esse é um desafio que

precisa urgentemente ser assumido, pois a formação politécnica se mostra necessária à

relação crítica, ativa e criativa com o mundo social e profissional, posto que visa não

somente a formação de operários qualificados, mas de dirigentes da classe trabalhadora

(GRAMSCI, 2001).

A integração entre os conhecimentos científicos e os conhecimentos dos

estudantes jovens e adultos passa a ocupar espaço no processo educativo, considerando

o relatado pelos interlocutores. Parece se explicitar a compreensão de que estes

estudantes acumulam experiências e saberes que devem ser valorizados, sinalizando

viabilizar um ambiente de trocas e de aprendizagens mútuas. Kiara, ao tempo que narra

o receio de quando iniciou a atividades no PROEJA, reconhece que estes estudantes

apresentam limites e dificuldades, mas que trazem experiências ricas para as aulas....

Eles são muito interessados, têm sede de aprender e isso é estimulante. Por sua vez,

Elano faz a seguinte menção:

.... Alguns têm mais dificuldades que outros, mas ninguém chega aqui zerado... Todos de alguma forma têm conhecimentos que devem ser aproveitados nas aulas.... Busco integrar os conhecimentos dos alunos com os das disciplinas, o professor e os alunos... .... Eu sempre procuro saber o que eles já sabem sobre o que vai ser ensinado.... Eles são curiosos, interessados e

180

termina sendo um grande aprendizado para todos (ELANO, trechos da entrevista).

O manifestado por estes interlocutores remete a Freire (1986, 1996) para o qual

é necessário considerar a história, a identidade, a cultura, os saberes e a assunção dos

lugares que os jovens e adultos ocupam na sociedade, de modo que passem a ocupar o

lugar de sujeitos e não de objetos da ação educativa. Quanto às dificuldades que estes

apresentam há que se reconhecer que o distanciamento e a descontinuidade nos estudos

geram consequências para o processo educativo, exigindo a recomposição de uma série

de hábitos55, que na relação escolar devem ser potencializados. Em compensação, como

trabalhadores que são - empregados ou não - trazem vivências, experiências da vida

laboral e saberes tácitos que podem contribuir para a contextualização dos

conhecimentos científicos, enriquecendo-os. Trata-se da visão da totalidade empírica

que possuem em relação aos objetos de estudo que não deve ser desconsiderada. Elano

relata que todos de alguma forma têm conhecimentos que devem ser aproveitados nas

aulas. Isso traduz o pensamento de Arroyo (2006, p. 30) que diz o seguinte:

As trajetórias sociais e escolares truncadas [dos jovens e adultos] não significam sua paralisação nos tensos processos de formação mental, ética, identitária, cultural, social e política. Quando voltam à escola, carregam esse acúmulo de formação e aprendizagens.

Por entender a visão preconceituosa que permeia a EJA, em que os jovens e

adultos com histórico de escolarização interrompida são vistos como incapazes de se

apropriar de conhecimentos para uma profissionalização consistente no saber e fazer,

posso considerar avanço as concepções expressas por estes docentes. Parecem

compreender que a integração deve se dar com estes sujeitos concretos e históricos, em

diálogo com o que são e como estão. Fausto pontua que esses alunos trazem conceitos

que eles elaboram não só de Física, mas de outras disciplinas e que às vezes já tem

experiência na área, daí perguntam, questionam, terminam ajudando muito. A

interlocutora Mariana, sem desconsiderar as inúmeras dificuldades, como a escassez de

tempo individual e de momentos coletivos, faz a seguinte manifestação:

.... Estou procurando fazer o que acho melhor, apesar das dificuldades... E uma coisa que considero importante é integrar os conhecimentos da minha disciplina com os conhecimentos dos alunos, pois termina mexendo com a

55 Por exemplo, alguns relacionados à leitura, metodologia de estudo, pesquisa e outros.

181

turma e até os que participam pouco terminam dando opinião... E isso faz com que eles aprendam mesmo... (MARIANA, trechos da Entrevista).

Creio que estes interlocutores podem estar se referindo aos conhecimentos que

os estudantes adquirem nos espaços e situações que vivenciam - inclusive na escola já

que cursaram até o nível fundamental - que devem se constituir ponto de partida do que

vai ser ensinado/aprendido. Para Freire (1996), os sujeitos da educação não chegam

como tabulas rasas. No processo educativo deve ser considerado o nível de

conhecimento que o aluno carrega consigo para a escola, pois é sua ‘leitura do mundo’

inicial que traz em si. É necessário que sejam criadas situações para que os alunos

manifestem as concepções que possuem a respeito dos conteúdos que serão trabalhados,

ao tempo em que são mobilizados a se envolver no processo de construção de

conhecimento, como expressaram os interlocutores acima. Esse é um passo

fundamental, pois, como evidencia Cortella (2001), não há conhecimento que possa ser

apreendido e recriado se não se mexer, inicialmente, nas preocupações e interesses que

os aprendentes têm. É imprescindível relacionar os conteúdos aos conceitos empíricos

trazidos por eles, caso contrário só se conseguirá que decorem os conhecimentos que

deveriam ser apropriados, ou seja, tornados próprios.

Consoante com o que explicitaram estes sujeitos é possível apreender em

relatos discentes que a busca em romper com o distanciamento entre os

conhecimentos escolares e os seus que trazem se fertiliza em um espaço marcado

por relações pedagógicas dialógicas, em que vivem seus medos, suas inseguranças,

trocam, apreendem e aprendem uns com os outros. Os sujeitos seguintes convergem

nessa direção:

Aprendi, aos poucos, a perder o medo de falar, de participar... Antes se algum professor me perguntava alguma coisa sentia vontade de não voltar mais nas aulas, tinha medo de falar besteira, de errar... Quando o professor de Matemática disse que só fala besteira quem fica com a boca fechada ficava muda e achava que ele tava falando comigo... Com o tempo aprendi que posso errar sim, sem medo... Erro para aprender... Vi que o professor pergunta e escuta o que a gente diz, não prá dizer se estamos errados ou não... Ele quer saber o que a gente já sabe, também o que vamos aprender mais... Os trabalhos de grupo faz com que a gente participe, pesquise, aprenda mais... Acho que tem que ser assim mesmo, pois a gente vem pra cá é prá aprender.... (VANDA, trechos do grupo focal).

A interlocutora ao tempo que visualiza o medo da rotulação e do estigma do

fracasso, expressa a oportunidade da vivência de um ensino em que o acolhimento e

a valorização de seus saberes, experiências e dificuldades, implicou na elevação da

182

autoestima e da autoconfiança. Isso converge para o que indica o Documento Base

(2007 a, p.36), que professores e alunos devem viver o exercício de compreender e

apreender uns dos outros, em fértil atividade cognitiva, afetiva e emocional. Ao levar

em conta o expresso por estes sujeitos, posso arriscar que vêm buscando potencializar o

papel formativo não só na dimensão intelectual e cognitiva, mas também na dimensão

emocional e afetiva. Freire (1996, p. 51), a esse respeito, alerta que nas relações que

permeiam a prática educativa não devem ser desconsiderados o valor dos sentimentos,

das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que,

ao ser ‘educado’, vai gerando a coragem.

Esse ambiente de mutualidade não é indiferente a outro discente que faz o

seguinte relato:

Acho que os professores nos tratam bem.... As aulas são boas e os professores botam a gente para participar.... Eu também não gostava de falar.... Por exemplo, nas aulas de Química a professora sempre quer tirar da gente os assuntos... Ela quer que a gente diga o que acha das coisas, o que a gente sabe sobre alguma coisa que ela traz para fazer experiências, como aquela vez da vela... A gente ia falando e ela anotava... Depois a gente estudou e fez experiência também nos grupos e foi muito bom... Foi muito legal ver que o que a gente já sabe serve prá falar do assunto ... A gente aprende assim... Todo mundo participando, sem medo de errar... E hoje participo porque se eu errar ou se não souber explicar por que das coisas na hora na hora que perguntam, depois eu termino aprendendo... (FÁBIO, trechos do grupo focal).

Com indícios de contraponto ao monólogo do ensino tradicional, o estudante

denota a vivência de situações em que a voz do aluno, seu ponto de vista ganha

espaço na sala, o que contribui para que se percebam como sujeito em um processo

mútuo de construção do conhecimento. Expressa que a professora ao criar situações

em que puderam dizer o que já sabiam ou pensavam saber em relação aos assuntos da

aula, lhes propiciou contribuir para que os conhecimentos da disciplina alcançassem

relevância. Essa experiência se fortalece nas ideias de Freire (1996, p. 46) para quem na

prática educativa emancipadora prevalece o diálogo e a reflexão, cabendo aos docentes:

Propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos....

Vale ressaltar, pois, o seguinte:

183

· conhecer segmentos de jovens e adultos para os quais a ação

educativa se dirige;

· reconhecer os conhecimentos que portam, suas lógicas, estratégias e

táticas de resolver situações e enfrentar desafios;

· levar em conta suas motivações, seus contextos culturais, os mais

diversos saberes produzidos em diferentes espaços sociais, numa

relação dialógica que assegure um processo educativo baseado no

respeito e confiança mútua são orientações reiteradas por estudiosos

os quais me referencio (MACHADO, 2006a) e pelo Documento

Base do PROEJA (BRASIL, 2007a ).

Isso precisa se constituir base do processo pedagógico, competentemente

mediado, que deve ser planejado, preparado antecipadamente para que não fique em

nível superficial e sem continuidade.

Ter a prática social como ponto de partida para a abordagem dos conteúdos,

como se explicita nas narrativas dos sujeitos acima, atribui outro sentido ao processo

formativo, especialmente por ter significado um olhar diferenciado para essas pessoas

que vêm para o PROEJA, que trazem experiências de trabalho como marca em suas

vidas. Este ‘ponto’ deve dar direção à caminhada, ao percurso do ensino e da

aprendizagem, vislumbrando o alcance do ponto de chegada que é a formação humana

dos jovens e adultos, que evidentemente implica a formação profissional qualificada.

Portanto, superar a fragmentação entre a formação de cultura geral e

profissional, a partir do tratamento integrado entre conhecimentos científicos e técnicos

só alcança sentido se tem a direção de assegurar, àqueles para a qual se volta, autonomia

intelectual e ética no processo de construção profissional e humana. É importante

reconhecer que não é possível a formação do profissional autônomo, com qualidade,

sem uma educação geral ampla e sólida.

Interlocutores desta pesquisa parecem tender a essa compreensão, na medida

em que manifestam a necessidade de que sejam apropriados outros saberes para além

dos da experiência que já possuem. Expressam que os conhecimentos que portam são

importantes e que os fazem interferir no mundo, contudo não são o suficiente diante da

complexidade que a ciência alcança na contemporaneidade, da formação que buscam e

do que a escola deve lhes ofertar. Por parte dos discentes é possível apreender isso

quando assim se expressam:

184

Esses professores são legais, amigos, nos compreendem, mas se não tiver aprendendo de nada iria adiantar .... Vejo, então, que o mais legal mesmo é porque nós estamos aprendendo ... O nosso principal objetivo aqui é aprender mais do que a gente já sabe.... (LUÍSA, trechos do grupo focal). O motivo maior de eu vim prá cá é que aqui é uma boa escola... Eu sempre quis vir prá cá por isso... Por esta escola ter um bom ensino e aqui a gente aprender mesmo, porque os professores são bons... É claro que também aprendi nos outros cursos que fiz, mas aqui sei que vou conseguir aprender e crescer nos estudos muito mais e é o que está acontecendo... (EDSON, trechos do grupo focal). Essas matérias e as outras são importantes. Vai fazer com que a gente saia daqui com uma melhor qualificação na área.... Queremos não só teoria, mas teoria e prática, senão não valer tanto sacrifício... (JOEL, trechos do grupo focal) .

É possível apreender que estes sujeitos atribuem valor positivo à valorização

dos seus saberes, mas o que confere sentido à sua busca pela escola é a

possibilidade de se apropriarem do conhecimento científico e técnico por

acreditarem que tornará a formação mais qualificada. Embora não tenham

explicitado a respeito, posso pressupor o reconhecimento de que a atuação prática

mesmo tendo uma dimensão teórica, apoiada nos saberes tácitos, por não ser

sistematizada se ressente da base explicativa assentada em princípios científicos

coerentes, o que pode inviabilizar uma ação profissional consistente e autônoma. Visam

ter qualificação profissional na formação do curso em pauta para aumentar as chances

no mercado de trabalho competitivo, como relataram. Em síntese, revelam aspiração a

melhores condições de trabalho e de vida. Creem que esse é um caminho.

A consonância dos docentes com o que concebem os estudantes se expressa

nos relatos a seguir:

O que mais chama a atenção é a vontade que têm de aprender ... E eu que pensei duas vezes antes de aceitar.... Agora isso não é sem dificuldades.... Temos muito trabalho para poder corresponder... (KIARA, trechos da entrevista). Eles vêm para cá com muito sacrifício.... Mas vêm porque querem aprender, não é só pegar o diploma de técnico.... Eles são curiosos, trazem seus conhecimentos para ilustrar, perguntam mesmo, pedem explicação, porque querem aprender mesmo... (ELANO, trechos da entrevista).

Esses interlocutores reafirmam a importância dos saberes experienciais, tácitos,

dos estudantes para o processo de ensino. Contudo, parecem evidenciar que não se trata

apenas de aproximar as experiências de vida destes sujeitos com o saber sistematizado

185

que faz parte da herança da humanidade, mas de fazer a mediação para que o estudante

compreenda e se aproprie deste conhecimento científico. É para isso que os estudantes

buscam a escola. Fausto menciona que procura fazer pergunta, esgotar para que vejam

que tem outra forma de explicar e de fazer com a ajuda desses conhecimentos [os

científicos]. Elano relata que não tem que dar a coisa pronta, tem que problematizar.

Ressalta que têm que apresentar atividades para que eles se envolvam, e eles têm que

também querer se envolver.

É possível apreender, a partir do que expressam estes interlocutores, indícios

de que têm procurado conduzir a mediação entre os conhecimentos tácitos que os

estudantes trazem e os conhecimentos científicos e sistematizados que buscam na

escola, no sentido de contribuir para que deles se apropriem, tendo em vista uma

formação consistente. Não se trata de negar o que os estudantes, jovens e adultos, já

sabem, mas de incorporar ao que já sabem novos saberes, de modo a alcançarem

nova/outra base explicativa na leitura da realidade. A partir das suas experiências, dos

seus conhecimentos prévios é necessário avançar para que não permaneçam nos

conhecimentos empíricos - ainda que por vezes carregados de bom senso - e sim, que se

apropriem dos conhecimentos científicos nas dimensões que abarcam. A esse respeito,

Ramos (2010) explica que a contextualização possibilita levar o aluno a ter consciência

de seus modelos de explicação e compreensão da realidade, reconhecê-los como

limitados a determinados contextos, colocá-los em cheque num processo de

desconstrução, reconstrução e apropriação de outros. Giardinetto (1999), por sua vez,

alerta que a compreensão naturalizada da realidade advinda dos conhecimentos

cotidianos não possibilita apreendê-la como síntese de múltiplas determinações.

O grande desafio é criar as condições para outra/nova centralidade à formação,

habitualmente reduzida no ensinar/aprender a executar atividades profissionais, sem o

domínio dos diferentes fundamentos científicos das diversas técnicas utilizadas na

produção moderna (KUENZER, 2001; SAVIANI, 1989, 2007). Os alunos revelam

aspirar a um curso de qualidade, que lhes dê acesso ao saber e fazer científico-

tecnológico- técnico. Isso alcança importância fundamental se considerarmos a

perspectiva da formação integrada para os quais os conhecimentos a serem apropriados

se voltam: a formação para o trabalho e para a cidadania. Torna-se, portanto, necessário

assegurar um processo educativo em que a teoria e prática, o pensar e o fazer, o trabalho

intelectual e o manual, num movimento práxico, propiciem compreender a ciência

186

inerente à atividade produtiva, como requisito fundamental para uma prática autônoma,

condição importante para o exercício da cidadania.

Vale reforçar o entendimento que o ser humano ao produzir conhecimentos,

age e reflete sobre a ação que realiza, num movimento dialético - de ação-reflexão- ação

- que lhe permite, continuamente, elaborar e reelaborar os conhecimentos que produz

(SAVIANI, 2005; GASPARIN, 2009). Isso explica que o conhecimento como fato

histórico e social, supõe sempre continuidades, rupturas, reelaborações,

reincorporações, permanências e avanços (GASPARIN, 2009, p.4-5). Portanto, a

apreensão dos conhecimentos pelos sujeitos deve se dar no mesmo percurso com que

homens os produzem. Kosik (1976) e Kuenzer (2001) ressaltam a fertilidade da

elaboração do conhecimento sob o esteio da concepção epistemológica dialética

materialista, que se traduz no movimento do pensamento no pensamento, em que

transita entre o abstrato e o concreto, entre o imediato e o mediato, entre o simples e o

complexo, entre o conteúdo e a forma, entre o que está dado e o que se anuncia. Para

Kosik (1976, p. 29 – 30) isso se caracteriza por idas e vindas que se realizam com o

seguinte percurso:

O ponto de partida é apenas formalmente idêntico ao ponto de chegada, uma vez que em seu movimento em espiral crescente e ampliado, o pensamento chega a um resultado que não era conhecido inicialmente e projeta novas descobertas. Não há, pois, outro caminho para a produção do conhecimento senão o que parte de um pensamento reduzido, empírico, virtual, com o objetivo de reintegrá-lo ao todo depois de compreendê-lo, aprofundá-lo, concretizá-lo. E, então, tomá-lo como novo ponto de partida de novo limitado, em face das compreensões que se anunciem.

Nesse processo ganha relevo o papel mediador do professor, assegurado por

ações didático-pedagógicas e recursos que lhes são necessários. Essas ações se

embasam na concepção teórico-metodológica de conhecimento, ensino e aprendizagem

que tem como esteio o trabalho como princípio educativo, base da formação em foco.

O domínio da ciência básica, na perspectiva da compreensão dos fundamentos

científicos e tecnológicos que explicam o processo de produção da existência humana

em seus aspectos material e imaterial e histórico-cultural, não se obtém pela reprodução

pura e simples dos conceitos. Essa reprodução não traduz a educação que ajude a ler a

realidade (FREIRE, 1986, 1992, 1996), compreendê-la e nela agir criticamente. Vale

destacar as possibilidades que se gestam com a metodologia dialética do processo de

ensino e aprendizagem, derivada da teoria dialética do conhecimento, a qual defende

187

que o ensinar deve se dar da mesma forma como se concebe a aquisição do

conhecimento pelo sujeito. Saviani56 (2005, p. 83. Grifos nossos) a esse respeito

esclarece que:

O movimento que vai da síncrese - a visão caótica do todo- à síntese - uma rica totalidade determinações e de relação numerosas - pela mediação da análise - as abstrações e determinações mais simples - constitui uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos - os métodos científicos - como para o processo de transmissão-assimilação de conhecimentos - os métodos de ensino.

Com base neste entendimento Vasconcellos (1993) explica que a construção do

conhecimento parte do conhecimento que se tem, isto é, do sincrético, caótico, e pela

mediação da análise, progressivamente, este vai se ampliando, negando, superando,

chegando a um conhecimento mais complexo e abrangente, ou seja, ao sintético.

Portanto, por meio do ensino deve ser possibilitado que o aluno não só se aproprie do

conhecimento, mas também, dos recursos metodológicos utilizados em sua produção, de

forma a propiciar a construção da autonomia intelectual.

Criar as condições para a apropriação do que é socialmente necessário para o

exercício profissional e o da cidadania é uma necessidade urgente. Entretanto, ao levar

em conta o que os sujeitos manifestaram em outro momento desta pesquisa, posso

concordar com o que menciona Kiara: isso não é sem dificuldades. De fato, é muito

trabalho para poder corresponder, acentua a interlocutora. Para isto o professor deve

estar devidamente preparado e ter as condições que o favoreça a tal.

Os sujeitos pesquisados expressam que buscam efetivar o processo formativo

por meio de diferentes e diversificadas atividades didático-pedagógicas visando o

alcance do pensar e fazer autônomo. A aula expositiva foi revelada como procedimento

usado pelos professores, contudo explicitaram diferenciais da aula monólogo, como

abaixo é possível constatar:

Uso a exposição para explicar os conteúdos e vejo que eles gostam, perguntam, participam, trazem situações do dia a dia para comparar com o que está sendo trabalhado na aula... E eu também pergunto, trago exemplos da vivência pois é uma forma de fazer com que eles se envolvam com o

56 Para Saviani (1999, 2005) cabe à educação escolar em um processo intencional e planejado assegurar aos alunos a apropriação dos conhecimentos elaborados historicamente pelo homem, possibilitando o enriquecimento intelectual de todos os indivíduos. Apoiado no materialismo histórico dialético define que o conhecimento se expressa pela passagem da síncrese à síntese pela mediação da análise (SAVIANI, 2005, p. 142), dessa forma propõe em sua Pedagogia Histórico- Crítica a metodologia dialética da prática pedagógica estruturada em cinco momentos interdependentes: a prática social como ponto de partida, problematização, instrumentalização, carats e a prática social qualitativamente superior, como ponto de chegada.

188

assunto.... Peço para eles resolverem os exercícios dos assuntos explicados, às vezes em dupla, individual, chamo no quadro.... (ELANO, trechos da entrevista). Nas aulas faço exposição dos conteúdos, mas procuro fazer os alunos participarem.... Não pode ser uma aula sem a participação deles porque senão não há retorno de aprendizagem.... Nem que a gente quisesse falar sozinha, sempre tem aqueles que vem com perguntas, daí há sempre envolvimento deles... (MARIANA, trechos da entrevista).

Essas manifestações dos interlocutores evidenciam Freire em sua crítica ao

ensino bancário, no qual a relação professor e aluno se caracteriza pela verticalidade do

primeiro sobre o segundo, onde um fala e o outro só ouve, passivamente. É possível

inferir que a questão não se reduz ao fato de ser aulas expositivas, mas da exposição

assumir a condição de monólogo eximindo o aluno da possibilidade de se expressar,

participar, trocar, enfim, de ser sujeito no processo. Apontando o caminho inverso

Freire (1996, p. 96) adverte que:

...O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos. Neste sentido, o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma “cantiga de ninar”. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas.

Ao levar em conta o que relataram os interlocutores acima posso deduzir que

as exposições a que se referiram se encaminham nesta direção, sinalizada por Freire.

Outras possibilidades são expressas pelos docentes. Fausto ressalta que procura tornar

as aulas interessantes, provocativas para que os alunos nelas se envolvam e aprendam.

Acrescenta que é necessário articular a teoria e a prática e para isso procura trabalhar

com pesquisas, experimentos tanto na sala como no laboratório; aulas que levem o

aluno a investigar, a ter participação mesmo. Aponta potencialidades ao lado de limites

ao trazer a seguinte observação: Quem disse que estes alunos não gostam de pesquisar?

O que falta a eles é oportunidade e para nós bem mais condições... Elano ao refletir

sobre a própria experiência junto aos jovens e adultos ao longo de sua carreira docente

reforça a dimensão dialógica e problematizadora das atividades didático-pedagógicas

que prioriza, quando faz a menção a seguir:

Ao contrário de que muita gente pensa e diz vejo esses alunos como pessoas curiosas, que perguntam.... Querem sempre saber o porquê e não se

189

conformam com qualquer explicação.... Eu também não gosto de dar respostas prontas.... Prefiro fazer eles pensarem.... Tem que problematizar... nós professores temos que colocar para eles atividades em que participem, se envolvam, raciocinem, estabeleçam relações.... Não faço aulas sozinho…Claro que faço exposição, mas não falo sozinho... Faço trabalho em grupo com resoluções de problema, pesquisas, para que eles sintam a importância do domínio dos conceitos e das ferramentas que a Matemática oferece para a nossa vida...Claro que eles têm que também querer se envolver...... E assim eles aprendem... (ELANO, trechos da entrevista)

Kiara, além de outros procedimentos, dá relevo às atividades experimentais e

de pesquisa ao fazer o seguinte relato:

…Combinamos realizar um estudo a respeito da condutividade, em que conteúdo da Eletricidade e da Química caminham juntas. Foi muito rico: discutimos a atividade, vimos juntos o objetivo que era identificar substâncias que conduziam ou não eletricidade. Separei vários materiais, como um artigo muito interessante sobre o assunto para eles estudarem em grupo.... Eles realizaram experimentos com materiais que trouxemos para sala.... Eu acompanhando de perto, fazendo perguntas para eles, orientando, colaborando.... Fizeram o relatório…Houve muito envolvimento.... E no dia da apresentação foi surpreendente. Teve uma equipe que apresentou o resultado a que chegaram por meio de uma situação prática: fez um carro se mover e explicou o processo da condutividade que levou a esse movimento.... Compreenderam a essência do conteúdo .... (KIARA, Trechos da entrevista)

Sem desconsiderar as dificuldades que perpassam a realidade em que exercem

a atividade docente, esses interlocutores explicitam que procuram desenvolver

atividades que consideram mais adequadas para potencializar relações recíprocas entre

os sujeitos aprendizes e os objetos de suas aprendizagens. A meu ver, expressam

vestígios do papel mediador docente com atuação na zona de desenvolvimento

proximal57, oportunizando experiências significativas, na busca de elevar o nível de

aprendizagem dos alunos (VYGOTSKY, 2001). Em outros termos, implica possibilitar

o confronto de conhecimento entre o sujeito e o objeto, onde o educando possa penetrar

no objeto, compreendê-lo em suas relações internas e externas, captar-lhe a essência

(VASCONCELLOS, 1993, p. 42). Ainda que carregados de limites, posso crer que

buscam organizar processos pedagógicos que a partir de suas mediações potencializem

ao estudante incorporar, apropriar-se do objeto de conhecimento em suas múltiplas

determinações e relações, transformando-o em instrumento de construção pessoal e

profissional.

57 O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal é definido por Vygotsky (2001) como sendo a distância entre o nível do desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.

190

No que se refere às atividades experimentais pontuadas por esses interlocutores

cabe enfocar que estas, per se, não possibilitam a aprendizagem na perspectiva indicada

pelo currículo integrado. É necessário considerar a ação pedagógica que nela intervém

que traz em si concepções que a sustenta. A concepção que os professores têm de

Ciência, traz implicações para o trabalho experimental nas aulas de Ciências,

condicionando a forma como preparam, organizam e integram o trabalho experimental

no currículo (SILVA E ZANON, 2000; PRAIA; CACHAPUZ; GIL-PÉREZ, 2002). A

concepção positivista-indutivista de Ciência que vincula e reduz as atividades

experimentais à comprovação da teoria ou a fator motivacional não coaduna com a

perspectiva de formação que está se discutindo. É fundamental assumir o ensino

experimental em uma dimensão investigativa/dialógica, que mobiliza a relação teoria e

prática, instigando atitudes de questionamentos, reflexão, produção e sistematização de

conhecimentos, com o intuito de romper com a lógica de que a uns cabe pensar e a

outros executar.

No conjunto de atividades didático-pedagógicas vivenciadas pelos sujeitos -

professores e alunos - alcança relevo o Projeto Didático Energia, Trabalho e

Desenvolvimento58 que, fruto da ação coletiva, favoreceu que o trabalho como

princípio educativo e a pesquisa como princípio pedagógico ganhassem vida, tendo em

vista a formação para a autonomia intelectual, compreensão e intervenção na realidade.

Os relatos dos interlocutores a seguir esclarecem o que viveram:

O projeto integrador foi um momento muito rico para os professores e alunos, aliás, para a instituição, por muitos motivos: pelo trabalho em parceria desde o planejamento, em que se envolveram professores e alunos nas discussões das atividades e durante a realização da pesquisa.... Temos que tirar isso como lição pois os resultados ficam visíveis quando nos envolvemos em prol de um mesmo objetivo... (FAUSTO, trechos da entrevista). Esse projeto foi muito importante pra nós desde o início, pois a gente foi chamado prá participar, deu opinião sobre as atividades, e foi um trabalho conjunto de pesquisa... Foi a primeira vez que participei de uma atividade assim... (ALAN, trechos do grupo focal).

58 Este Projeto correspondeu à Atividade Integradora I que compõe o Currículo do Curso Técnico de Eletrotrotécnica Integrado ao Médio, sob análise, desenvolvido como síntese dos 1º e 2º semestres do Curso. Como eixo orientador das atividades pedagógicas tem o seguinte problema de pesquisa: É possível considerar a energia como fonte de desenvolvimento econômico e social, ecologicamente viável em São Luís? Nele estiveram envolvidos os Professores de Ciências da Natureza e da Matemática, os outros professores que ministraram aulas nos semestres aludidos e os alunos do curso.

191

Os entendimentos acima explicitados levam a identificar avanços diante de

uma realidade que ainda se ressente de espaço/momento regular, formalmente instituído

para discussões e decisões coletivas. O ensino que se subsidie pela pesquisa não deve

ser definido ao revés dos que dele devem dar concentricidade, pois é a participação que

gera o sentimento da autoria que potencializa a construção da autonomia. Freire (1983)

adverte que sem o envolvimento dos sujeitos do conhecimento - jovens e adultos - no

movimento de pesquisar e educar o processo educativo se reduz ao treinamento de mão

de obra. Isso é contrário ao que anuncia a formação integrada.

O interlocutor discente expressa o processo de envolvimento e instigação que

vivenciou ao fazer a seguinte manifestação:

Quando foi pra iniciar o projeto que a gente dizia o que já sabia sobre a energia aqui em São Luís foi muito legal, todo mundo falava, dizia o que entendia, mas depois a gente viu que algumas coisas são muito diferentes do que a gente pensa.... Acho que por isso que é bom pesquisar (FÁBIO, trechos do grupo focal).

Partir do que os sujeitos já sabem e da percepção que têm sobre a realidade

fertiliza a busca, gera inquietude, instiga o estudante no sentido da curiosidade que foi

mexida, evitando que incorporem ‘pacotes fechados’ de visão de mundo, de

informações e de saberes científicos. Nesse movimento de apreender o conhecimento

constroem atitudes de questionamento, busca de entendimento e a tomada de atitudes

críticas diante do mundo em que vivem (DEMO, 1997). Fausto expressa que a

abordagem indissociável da teoria e da prática se fez presente a partir dos diferentes

procedimentos metodológicos vivenciados. Ressalta que os alunos levantaram

hipóteses sobre a energia na cidade, a respeito de seu uso ecologicamente viável ou

não; fizerem estudo a respeito do assunto; levantaram informações junto ao público e

socializaram os resultados. O interlocutor discente Edson manifesta que o

conhecimento, fruto do processo de pesquisar, gerou outro olhar sobre a realidade,

expressando revigoramento em sua capacidade de pensar, sentir e agir em

conformidade com os objetivos da formação em foco. Isso fica evidente no relato a

seguir:

Eu fiquei abismado com o que aprendemos neste projeto, com a pesquisa.... Eu jurava que lá na área de redução da ALUMAR no forno, que eles usassem madeira essas coisas, ou algo parecido, mas não, é todo um processo químico que tem a Física no meio e a Matemática com tudo calculado. Aquela matéria prima que vem, tudo no transporte, nos vagões do trem...É a energia que aquece todo aquela matéria pra ela se fundir com outro material... Nunca

192

imaginei. Então, isso aí foi um aprendizado muito grande porque eu pensava que era outra coisa, mas é totalmente diferente de como eu pensava.... É tudo através de energia.... É muita energia...E o controle disso, a fiscalização dos gastos de uma coisa que é de todos... e o meio ambiente? É preciso mais controle... (EDSON, trechos do grupo focal).

Sendo a pesquisa uma atividade inerente ao ser humano, ensinar a pesquisar

constitui ponto de partida e de chegada do apreender a realidade. Portanto, em

concordância com Freire (1996), se deve ensinar nesta formação, sob estudo, não

apenas o conteúdo, mas, também, a forma de se chegar ao conhecimento visando que

os trabalhadores, jovens e adultos, tornem-se sujeitos críticos e autônomos, em

condições de agir na realidade com qualidade formal e política, como evidencia

Moraes (2002). Isso parece ser a compreensão de Kiara e do sujeito discente Jorge ao

sinalizarem que a experiência vivida por professores e alunos resultou em ganhos para

ambos, como abaixo é possível identificar:

O que foi mais interessante foi ver a curiosidade que rondava o grupo.... Eles queriam mais fonte para enriquecer os trabalhos de seu grupo.... Eles não se contentavam com poucas informações, queriam mais para fundamentar suas explicações…. Isso foi um grande ganho para eles.... Um momento rico de aprendizagem para todos nós do curso. (KIARA, trechos da entrevista). Eu me senti importante e no dia das apresentações.... Nos sentimos valorizados e importantes de ver que tínhamos feito algo que todos gostaram.... E a gente aprendeu que tem muitas formas de aprender (JOEL, trechos do grupo focal).

Ao considerar o explicitado pelos interlocutores posso pressupor que a vivência

deste projeto foi uma experiência fértil e enriquecedora para os sujeitos docentes e

discentes, contudo, não se realizou sem limites e obstáculos. Fausto expressa que foi

uma boa oportunidade para todos, mas houveram dificuldades. É necessário mais

tempo para nos disponibilizarmos a atividade como esta, e que todos se envolvam

mesmo, acrescenta. Elano pontua que a instituição deve oferecer condições para que

possam desenvolver adequadamente as atividades propostas. Mariana ao tempo que

também menciona sobre as condições de trabalho, alerta quanto a necessidade de mais

preparo de todos. Isso é endossado por Kiara ao dizer: precisamos estudar mais,

planejar e fazer acontecer.

As dificuldades que perpassam a experiência que assume o desafio da

formação integrada também não são indiferentes aos sujeitos discentes, que expressam

limites e obstáculos enfrentados, quando assim se referem:

193

Deveríamos ter mais aulas no laboratório…O dia que tivemos aula de Física no laboratório de eletricidade foi ótimo, houve muita participação, demonstramos também nossos conhecimentos.... A gente botou nossos conhecimentos de eletricidade na Física e foi botado conhecimento de Física no nosso... O negócio é que muitas vezes o laboratório já está ocupado por outros alunos... (EDSON, trechos do grupo focal). Também a professora diz que é difícil nós irmos para o laboratório de Química, pois lá é dos alunos que fazem o técnico em Química, que eles têm jaleco, que é preciso segurança.... Eu acho isso errado, pois também somos alunos daqui e queremos ter direito a todos os lugares como os outros... (VANDA, trechos do grupo focal). Foi combinado com a professora de Biologia e de Química que íamos ter uma aula de campo na Praia do Araçagi, muita gente não podia ir, daí não teve.... Agora a visita da Eletronorte que a gente devia ir terminou não acontecendo... (FABIO, trechos do grupo focal).

Aspectos limitadores relativos à infraestrutura e às condições materiais

didático-pedagógicas são evidenciados. Isso se expressa tanto no que refere às

limitações de possibilidades de travarem relações profícuas com o conhecimento,

quanto à impossibilidade de usufruírem em condições de igualdade dos mesmos

espaços de aprendizagem disponibilizados a outros alunos. Isso faz retomar o que

disse Elano quanto a essas condições imprescindíveis ao desenvolvimento da ação

formativa para que pudessem responder ao proposto pelo programa. É importante ter

em conta, como ressalta Machado (2006b) que além da sala de aula outros diversos

espaços e situações de aprendizagem devem ser explorados, de modo que possam criar

condições e situações que favoreçam integrar prática e teoria, trabalho, ciência, cultura

e tecnologia.

O relato de Fausto a seguir, a meu ver, sintetiza parte dos problemas, limites e

dificuldades enfrentados no percurso da formação, expressos, também, pelos demais

interlocutores:

.... Se tivéssemos mais tempo para estudar, discutir, planejar esta integração juntos e executar seria bem mais produtivo, pois temos professores com bons potenciais.... É o que já falei antes, o fato de já termos alguma experiência não significa que estamos fazendo, de fato, esta integração... A integração deve ser um projeto comum.... É necessário que todos os envolvidos no curso trabalhem com a mesma intenção de integração... E que a gente tivesse mais tempo para planejar as aulas, as atividades de um modo geral, se envolver mais em projetos, ter mais momentos para que cada um fale do que está fazendo, avaliar essa integração .... É necessário que façamos da formação integrada uma oportunidade de crescimento para professores, alunos e para esta instituição... (FAUSTO, trecho da entrevista. Grifos meus).

194

Reforça, pois, que a integração proposta supõe intencionalidade comum,

construída em um processo coletivo, que exige planejamentos e avaliação contínuos.

Ademais, a especificidade de cada campo de conhecimento exige tempo e espaço

individual para planejamentos, preparação das aulas, dentre outros. Ao que parece não

tem sido esta realidade vivenciada, o que certamente compromete os resultados

almejados.

Isso expressa que no ensinar/vivenciar o ensino das Ciências da Natureza e da

Matemática no contexto do Curso de Eletrotécnica, ao lado de possibilidades que se

gestam, limites e dificuldades devem ser enfrentados, superados para que possa atingir

os objetivos pretendidos.

ALINHAVANDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditemos na capacidade coletiva e aguerrida de defender ideias e de propor para a construção de novas possibilidades. O novo nasce do velho, daquilo que sabemos. A fórmula não existe e o pronto nunca existirá...

Marise Ramos

Esta pesquisa resultou de inquietações que foram tomando forma no

imbricamento das ações de docência e de pesquisa em que questões dos campos da

formação profissional, da educação de jovens e adultos e do ensino das Ciências da

Natureza e da Matemática se entrecruzam. A propositura do PROEJA - especialmente

para os Cursos Técnicos Integrados ao Médio - de uma formação capaz de

proporcionar educação básica sólida, em vínculo estreito com a formação profissional,

na perspectiva da formação integral do estudante traz como corolário o

195

desenvolvimento do currículo integrado. Isso implica integração epistemológica, de

conteúdos, de metodologias e de prática educativas, traduzida na integração teoria-

prática, entre o saber e o saber-fazer. Essa propositura abre brechas para estudos dada

a complexidade e profundos desafios que lhe atravessam.

As Ciências da Natureza - Química, Física e Biologia - e a Matemática, como

partes do currículo dos cursos são essenciais para o alcance da formação em foco, uma

vez que constituem fundamentos científicos básicos dos processos tecnológicos

modernos, ao tempo que contribuem para a formação da consciência científica, crítica e

para a atuação transformadora dos sujeitos. Para que possam sinalizar no rumo da

formação integrada, seu ensino deve estar assentado no trabalho como princípio

educativo, com um caráter politécnico, de forma que os conhecimentos que as compõem

sejam evidenciados na relação com a produção e relações sociais como um todo. Para

isso, devem ser tratados na dimensão de totalidade e historicidade, integrados aos

saberes constituintes das outras áreas da formação geral e da base técnica profissional,

assumindo uma perspectiva histórico-crítica.

Os questionamentos e inquietações no seio institucional quanto ao proposto,

atravessados por atitudes e sentimentos contraditórios de otimismo/descrença,

aceitação/negação e reconhecimento/estranhamento do público de EJA me instigaram a

debruçar sobre o contexto formativo. Fui movida, pois, a encontrar respostas a questões

norteadoras que sintetizaram o problema de pesquisa atinente às concepções e ações que

sustentam o Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática frente aos desafios da

formação integrada, na perspectiva de um currículo integrado, no Curso Técnico de

Eletrotécnica/EJA.

Apoiada no entendimento de que as concepções revelam nossa compreensão de

mundo, a visão que temos sobre o que nos cerca, ao tempo que orienta nossas ações,

assumi a tese de que as concepções e ações que sustentam o ensino das Ciências da

Natureza e da Matemática no Curso Técnico em Eletrotécnica Integrado ao Médio de

EJA implicam processos relativos a pressupostos, princípios e fundamentos inerentes ao

desenvolvimento da formação integrada, sob a base de currículo integrado, tal qual

enunciado por cursos desta natureza.

Nessa perspectiva, procurei compreender efetivamente o que pensam, o que

sentem e o que expressam a partir do que declaram os sujeitos que vivem a experiência

do Ensino das Ciências da Natureza e da Matemática, no curso pesquisado. Entendo que

o desvelamento dessa realidade poderá explicitar elementos conducentes a novas

196

pesquisas, ao tempo que poderá contribuir para gestar intervenções significativas no

sentido da construção de um projeto educacional emancipatório para jovens e adultos.

Nas análises das interlocuções realizadas, busquei contribuições teóricas de

autores que voltam suas investigações para os campos de estudo que entrecruzam o

objeto investigado. Por esta razão, são feitas reflexões sobre o percurso histórico da

EJA, as concepções que lhe dão movimento se estendendo ao sinalizado com as

proposituras do PROEJA. Mantenho foco na análise do Documento Base,

especificamente, que se volta à formação profissional de nível técnico integrado ao

ensino médio, buscando conhecer as diretrizes, os fundamentos e princípios que lhe

fundamentam. A abordagem do currículo integrado, respeitando as especificidades da

EJA, com vista à formação integrada se embasa em referenciais com esteio na relação

trabalho e educação que implica novas/outras concepções epistemológicas e

pedagógicas para o ensino das Ciências da Natureza e de Matemática, como sinalizado

por estudiosos que coadunam com a visão de educação numa perspectiva emancipatória.

Foi possível apreender que o Projeto Político Pedagógico – PPP- do

IFMA/Campus Monte Castelo incorpora o trabalho como princípio educativo,

sugerindo processos formativos em que educação, trabalho e conhecimento deverão

constituir uma unidade orgânica, visando à formação omnilateral dos sujeitos que

atende. A interdisciplinaridade e a contextualização aparecem como princípios

pedagógicos norteadores das formações a serem ofertadas. Atendendo às determinações

do MEC esta instituição passa a oferecer a formação técnica integrada para jovens e

adultos, com a implantação de cursos do PROEJA.

No Projeto Curricular do Curso Técnico de Eletrotécnica Integrado ao

Médio/EJA se expressa a intencionalidade de formar profissionais nas diferentes

dimensões humanas, com competência para assumir atividades profissionais de forma

autônoma. A exemplo do que se encontra indicado no PPP, o trabalho como princípio

educativo, a pesquisa, a interdisciplinaridade e a contextualização se constituem eixos e

princípios pedagógicos em que a formação profissional deve estar assentada. Entretanto,

os relatos dos interlocutores sugerem que as possibilidades da manifestação destes

princípios no contexto da formação decorrem antes da postura dos docentes do que

como diretriz definida e assumida coletivamente. Cabe lembrar que os projetos

curriculares para serem, de fato, consequentes com o que assumem devem ser

construídos de forma dialógica e conjunta, constituindo-se espaços de negociação e de

197

construção de alternativas condizentes às possibilidades e dificuldades que o processo

formativo proposto traz em si.

As disciplinas das Ciências da Natureza - Química, Física e Biologia - e da

Matemática, conforme o projeto, são trabalhadas paralelamente aos saberes

constituintes das outras áreas da formação geral e da base técnica profissional. Pelo que

expressam os professores que as ministram é possível evidenciar objetivos que se

direcionam para além do assegurar a memorização dos conceitos pelos alunos, assim

como, apontam abordagens não reduzidas a visão utilitarista, para a qual a memorização

e a reprodução dos conhecimentos são suficientes.

No que se refere ao percurso de implementação do Curso pesquisado os

sujeitos manifestaram questões que advêm da forma como o PROEJA foi implantado na

instituição. Não houve discussões coletivas com relação às propostas de Cursos

Técnicos Integrados ao Ensino Médio voltados para jovens e adultos, tendo em vista a

formação básica integrada à formação profissional, o que gerou insatisfações e

ressalvas. Em concordância com os interlocutores considero que esse seria um

movimento necessário para potencializar o envolvimento de todos no processo de

construção e decisão coletiva sobre a formação a ser ofertada.

Em seus relatos deixam claro que se envolveram no curso em pauta a partir de

convites da Coordenação Pedagógica. Contudo, o critério da composição do corpo

docente não pode ser reduzido à disponibilização e boa vontade dos professores. A

formação em pauta requer profissionais preparados adequadamente, que tenham

domínio das especificidades desse processo formativo complexo que trazem desafios de

três campos historicamente dissociados: a educação profissional, o ensino médio e a

EJA. Ademais, devem estar embasados epistemológica e pedagogicamente nos campos

científicos em que assumem a docência, no caso nas Ciências da Natureza e da

Matemática, de forma que tratem o trabalho como princípio educativo, e a pesquisa, a

contextualização e a interdisciplinaridade como princípios pedagógicos.

Pude apreender que os sujeitos docentes pesquisados, com limites, expressam

concepções indicativas nessa direção. Denunciam a imposição do Programa de forma

aligeirada, sem as devidas discussões, que trouxe consequências negativas à sua

implantação. De outra forma, manifestam que o planejamento coletivo e a formação

continuada são condições importantes, embora não únicas, para potencializar que

assumam o processo formativo em questão. Revelam reconhecer que estar envolvidos

neste programa implica compreensão de suas especificidades, apropriação de suas

198

bases, de seus pressupostos e princípios. A meu ver, as manifestações desses

interlocutores dão indícios de que as práticas educativas escolares e os currículos que

lhes dão materialidade envolvem, além de questões técnicas, aspectos éticos e políticos.

No que se refere ao planejamento coletivo revelam aproximação com os

preceitos do Documento Base que implicam a organização curricular dos cursos como

uma construção contínua, processual e coletiva que envolva todos os que dele estão

participando. Expressam concepções que vão ao encontro dos pressupostos de autores

que anunciam necessidades de mudanças e de uma nova cultura a ser assumidas pelas

instituições. Isso significa práticas pedagógicas compartilhadas com o envolvimento de

todos os segmentos, movidos pela intencionalidade de romper com o modelo

educacional hierárquico fragmentado em que decisões do nível macro ao nível micro -

relativas aos processos de ensino e de aprendizagem - ficam reduzidas a poucos. É

preciso, pois, assumir posições de resistência para dar conta de um currículo

comprometido com a emancipação humana. Para isto, devem ser criados espaços

democráticos em que os sujeitos se envolvam em críticas, discussões e decisões no

horizonte da reconstrução da escola, trazendo implicações para a prática educativa que

desenvolvem.

O reconhecimento de que a formação proposta exige saberes e práticas para

além do que acumulam explica a necessidade da formação continuada que os sujeitos

pesquisados explicitam. Ao requerer integração de funções e de conteúdos da educação

básica e da educação profissional, considerando a especificidade da EJA, a formação em

pauta traz no bojo profundos desafios a serem assumidos. Embora os interlocutores

docentes já tenham certa experiência na educação profissional integrada não se sentem

ainda seguros para dar conta das exigências formativas do PROEJA. Ao tempo que

expressam indícios de clareza dos limites de suas formações docentes, esses

interlocutores revelam compromisso com o processo formativo em pauta, pois apenas a

boa vontade que demonstram não é suficiente para dar conta dos desafios dessa nova

experiência assumida.

O que esses sujeitos manifestam a respeito da necessidade de tal formação

indica aproximação dos pressupostos teóricos assumidos nesta pesquisa e das

orientações dos documentos oficiais que regulam ações da EJA e do PROEJA,

especificamente. Dada a complexidade da oferta integrada da Educação Profissional

Técnica ao Ensino Médio, na modalidade EJA, a formação continuada é uma das

estratégias fundamentais para que possam se preparar para assumir o universo de

199

questões que perpassam cursos dessa natureza. A formação continuada de professores e

gestores consta como orientação, tendo em vista a construção de referenciais e de

práticas que subsidiem o processo formativo previsto, continuamente, desde o

planejamento à avaliação do realizado.

A formação desenvolvida no percurso de implantação do curso pesquisado teve

positividade para a compreensão do programa. No entanto, essa ação formativa

apresenta face contraditória na medida em que não assegurou a participação integral dos

docentes, como condição importante para o crescimento profissional necessário à

realização das atividades requeridas pela formação em foco. A não previsão de espaços-

tempos coletivos de formação continuada dentro da jornada de trabalho que propicie

reflexão sobre a prática, no sentido de melhor compreendê-la e nela intervir para

transformá-la parece expressar os próprios limites da instituição que - como parte da

totalidade educacional - carrega ainda nuances da desintegração produzida no

movimento histórico da educação brasileira, como expressão das relações fragmentadas

e contraditórias que movem a sociedade.

As disposições manifestadas pelos interlocutores para o planejamento coletivo

e para a formação continuada, no sentido de responderem ao proposto pelo programa,

precisam ser assumidas pela instituição. Isso deve se dar a partir de ações que

contribuam para transformar pela raiz a cultura do trabalho esporádico, descontínuo,

dividido que impede a possibilidade de formação do homem omnilateral. A construção

de uma cultura institucional de planejamento coletivo e de formação docente

continuada, manifestada na prática de encontros pedagógicos periódicos de estudo, de

planejamento e de avaliação, com todos os sujeitos envolvidos no processo formativo,

inclusive os estudantes, é condição para que o trabalho seja incorporado como princípio

educativo das diferentes ações educativas que lhe conferem identidade. Apesar do

avanço que a instituição já alcançou essa é uma possibilidade que está por vir.

Por parte dos interlocutores docentes transparece a concepção de PROEJA

como oportunidade de exercício de um direito social, por favorecer uma formação mais

completa, não reduzida à aprendizagem de aspectos operacionais, de caráter prático,

destituídos de sistematização e fundamentação teórica. O entendimento de que este

significa a formação para a cidadania e para o trabalho expressa aproximação aos

pressupostos enunciados nos instrumentos legais de EJA, e reafirmado no Documento

Base dos cursos técnicos integrados do PROEJA. Tais pressupostos sinalizam para o

trabalho como princípio educativo desta formação, em que trabalho, ciência, técnica,

200

tecnologia, humanismo e cultura geral se integram com a finalidade de contribuir para o

enriquecimento científico, cultural, político e profissional como condições necessárias

para o efetivo exercício da cidadania.

O PROEJA como oportunidade de uma boa preparação profissional para

garantir vaga no mercado de trabalho também é expressa, o que termina por reduzir a

perspectiva que tal formação proclama alcançar. Essa compreensão parece revelar

desconhecimento da lógica que preside as relações de trabalho no contexto produtivo

contemporâneo. Embora a qualificação profissional seja aspecto importante não

representa garantia de inserção no mercado. Portanto, a relação formativa entre

educação e trabalho deve ir para além da concepção de oportunidade de ascensão social,

que prima pelo imediatismo da prática, em que a oportunidade de emprego aparece

como fim. O trabalho, pois, deve ser compreendido nas dimensões histórica e

ontológica. Na dimensão histórica se expressa o caráter limitador alcançado na forma

atual, mas, simultaneamente, revela-se que esta forma foi historicamente construída,

sendo, portanto, passível também de transformação. Na dimensão ontológica se

expressa como práxis humana, atividade intencional de intervenção e transformação da

natureza e dos próprios homens.

Para os interlocutores discentes o PROEJA se manifesta como possibilidade de

formação profissional e de aprimoramento de aprendizagem, por propiciar

profissionalização técnica integradamente à formação da cultura geral básica. Além da

oportunidade de aprender para participar de outras experiências sociais e culturais, e da

possibilidade de continuidade nos estudos, a perspectiva de ingresso/alcance de postos

desejáveis no mercado de trabalho revela unanimidade. De fato, para esses sujeitos,

imersos em uma realidade social conjunturalmente desfavorável, a profissionalização é

uma necessidade imediata como alternativa de busca de sobrevivência. Contudo, isso

não significa que esta deva ser restrita aos modos operacionais, ao contrário, deve ser

ampla e sólida, pois a educação que interessa aos trabalhadores ultrapassa a dimensão

de mera preparação instrumental.

A concepção de currículo integrado se encontra ora explícita ora implícita entre

os sujeitos docentes e discentes substanciada por entendimentos que revelam

aproximação dos princípios que lhes dão base. Ao se ocupar da formação cidadã

integradamente à formação em um campo profissional específico exigências

epistemológicas e pedagógicas emergem e lhes atravessam. A necessidade de dar

concretude ao trabalho como princípio educativo, propiciando a integração entre os

201

conhecimentos da base geral e específica, considerando os saberes e experiências dos

jovens e adultos, emerge claramente dos relatos dos interlocutores, ainda que não

manifestem aprofundamento teórico dos pressupostos e princípios que a perspectiva em

questão requer.

Ao tempo que os interlocutores expressam concepções sobre o PROEJA e o

currículo integrado, que tendem a se aproximar dos pressupostos, princípios e

fundamentos que, pelo menos formalmente, lhes sustentam, admitem que sua

materialidade apresenta desafios não tão simples de serem assumidos pelo coletivo

institucional, dada a complexidade que o perpassa. Os limites e dificuldades já

evidenciados persistem. Espaços-tempos insuficientes de planejamento coletivo e de

formação profissional permanente, assim como, insuficientes condições de trabalho

criam barreiras para a concretização da formação integrada neste currículo em foco.

Ensinar/vivenciar o ensino das Ciências da Natureza e da Matemática também

encontram esteio em concepções que emergem dos ditos sujeitos. Para interlocutores

docentes, as possibilidades de integração entre a educação geral e a profissional, na

perspectiva da formação profissional cidadã passa pelo redimensionamento do ensino

que historicamente tem prevalecido nas escolas. Manifestam ser necessário superar a

concepção empirista-indutivista de ciência que tem sustentado o modelo de ensino das

Ciências da Natureza e da Matemática, reduzido à transmissão de conhecimentos

prontos, verdadeiros, imutáveis e fragmentados, a alunos receptores que devem decorar

fórmulas, descrições, enunciados e leis. Expressam vestígios de concepções destes

conhecimentos para além da raiz positivista, na medida em que são explicitados como

saberes imbricados às práticas sociais, presentes nas relações cotidianas.

Os sujeitos transparecem indícios da concepção de integração advinda da

indissociabilidade dos conhecimentos das Ciências da Natureza e da Matemática às

diferentes dimensões da vida. A inevitável integração entre os conhecimentos da

Química, Física, Biologia e Matemática aos saberes da base profissional é parte desta

indissociabilidade manifestada, que constitui condição fundamental para o alcance da

formação politécnica. É necessário superar a ideia que a integração de conhecimentos da

formação geral e profissional se resolve pela junção de conteúdos, por meio de

possibilidades ‘criadas’ para que ocorra diálogo entre os mesmos. Esta não ocorre pela

relação entre disciplinas e, sim, pela integração de todas as dimensões formativas do

sujeito. Ademais, ações que a condicionam às iniciativas individuais e disponibilidades

de encontros casuais entre docentes revela distanciamento da concepção que lhe dá base.

202

As possibilidades de integração advêm de postura perante os conhecimentos, da forma

de tratá-los, considerando as dimensões de totalidade e historicidade que remetem à

concepção de conhecimento que se assume.

A busca em romper com o distanciamento entre os conhecimentos escolares e

os saberes que os jovens e adultos constroem nas relações que estabelecem com o mundo

- de que as experiências de trabalho são parte - evidencia a fertilização de espaços

embasados na escuta, no diálogo, na troca de experiências e na ação dos sujeitos

envolvidos no processo educativo. Sem desconsiderar as dificuldades, os limites

advindos das descontinuidades nos estudos, da própria vida marcada por exclusão, os

professores manifestam reconhecimento de que os alunos não chegam à escola como

tábula rasa, mas trazem sua leitura inicial de mundo, experiências e saberes que devem

ser valorizados. Reconhecer as formas de vida e de trabalho dos jovens e adultos como

potencializadores de novas aprendizagens é optar por uma educação que seja a favor de

sua emancipação. Isso também traduz pressupostos explicitados pelos documentos

norteadores da formação em pauta.

Ao tempo que a positividade de ter os saberes dos alunos como ponto de partida

é expressa, manifesta-se pelos interlocutores que é a necessidade de apropriação dos

conhecimentos científicos que motiva a procura pela escola. Portanto, o compromisso

em mediar o conhecimento da experiência para realimentar e enriquecer o

conhecimento científico possibilitando condições de sua apropriação na perspectiva da

integração deve ser o foco do processo de ensino. Sendo assim, propiciar aos jovens e

adultos a apreensão dos saberes das Ciências da Natureza e da Matemática em uma

dimensão de totalidade, integrados ao trabalho, à cultura e à tecnologia parece se

constituir desafio constante aos interlocutores deste estudo.

A preocupação em empregar diversificadas atividades didático-pedagógicas

revela compromisso com a formação profissional que potencialize o alcance acima

evidenciado. Aulas expositivas dialogadas, atividades experimentais, projetos

integradores são expressos como alternativas metodológicas visando propiciar

apropriação do conhecimento consubstanciado pelo trabalho como princípio educativo e

pelos princípios pedagógicos da pesquisa, da interdisciplinaridade e da

contextualização. É preciso esclarecer que a questão não se resume aos procedimentos

didáticos priorizados ou ao uso de materiais, mas a relação que o estudante poderá

estabelecer com o conhecimento a partir destas situações didáticas que vivenciam. Isso

implica que além do domínio teórico-metodológico dos princípios em que se assenta a

203

perspectiva de integração anunciada, os docentes devem ter tempo disponível para

planejar, organizar e avaliar as ações de ensino, assim como, dispor de condições

materiais e estruturais para concretizar o que planejam.

Os desafios que se colocam para a propositura na dimensão desta proposta são

enormes e complexos. Tendo por base os pressupostos, princípios e fundamentos que

lhes servem de esteio, posso dizer que as concepções e ações reveladas pelos sujeitos

pesquisados configuraram possibilidades e limites, aproximação e distanciamento e, por

isso, tanto podem contribuir para gerar um terreno fértil para o seu alcance quanto gerar

obstáculos. Contudo, tais responsabilidades não podem ser reduzidas ao ensino de áreas

de conhecimentos, como a exemplo da área das Ciências da Natureza e da Matemática.

As responsabilidades devem ser compartilhadas entre os que gestam e materializam o

processo educativo no âmbito micro - da sala de aula -, no meso - da instituição escolar

-, e no âmbito macro das políticas educacionais elaboradas pelo Estado, enquanto poder

político responsável pela garantia de direitos fundamentais.

Sem desconhecer os limites e contradições que a perpassam, posso considerar,

a partir deste estudo, que a formação integrada regida pelo currículo integrado - ao

apontar unicidade entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura; educação básica e

educação profissional; teoria e prática – traz imanente novas possibilidades e

oportunidades formativas para alunos, professores e instituição. O IFMA para além

de abrir as portas para receber os jovens e adultos trabalhadores deve construir as

condições concretas para assegurar que alcancem o que nele vieram buscar. Deve,

pois, assumir, de fato, o compromisso com a inclusão deste público, o que significa

não somente ofertar vagas, mas, também, garantir condições de continuidade e de

aprendizagem com relevância social. É necessário, portanto, aprender a ser, na

caminhada, um espaço educacional melhor, também, para esse segmento que até

pouco tempo sequer sonhava nele adentrar.

Foi possível apreender que - ainda que em meio a profundas dificuldades -

novos anúncios já se apontam. Quando nos deparamos com jovens e adultos

trabalhadores aprendendo Ciências da Natureza e da Matemática, investigando

fenômenos físicos, químicos, biológicos e matemáticos junto aos fenômenos das

atividades profissionais; aprendendo a Língua Portuguesa envolvidos em práticas

sociais de uso da língua; aprendendo a filosofia pela exercício da reflexão filosófica,

além de outras vivências enriquecedoras que a pesquisa possibilitou desvelar, somos

impulsionados a acreditar que pequenos passos já foram dados.

204

Os sujeitos dessa experiência têm muito ainda a narrar, por isso, precisam

continuar sendo ouvidos para falar das potencialidades e de dificuldades que

vivenciam e que devem se tornar pontos de reflexão, tanto no interior da instituição

quanto no contexto em que as políticas educacionais são elaboradas.

Continuarei, certamente, envolvida em práticas de ensino e de pesquisa

buscando contribuir ancorada no entendimento de que o possível não se encontra

pronto. Ele pode estar presente imediatamente na situação, mas também é construído a

partir dela. Construir o possível significa explorar os limites, no sentido de reduzi-los,

e as alternativas de ação, no sentido de ampliá-las.

205

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219

APÊNDICE 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI - ESTRUTURADA

SUJEITOS - DOCENTES DAS DISCIPLINAS DA ÁREA DAS CIÊNCIAS DA

NATUREZA (QUÍMICA, BIOLOGIA E FÍSICA) E DA MATEMÁTICA

1 INFORMAÇÕES PARA IDENTIFICAÇÃO DOS SUJEITOS

· Nome do Professor/a:

· Disciplina que leciona

· Tempo de atuação profissional na docência

· Tempo de atuação no IFMA

· Formação inicial completa

· Cursos de Pós-graduação (Especialização/ Mestrado/Doutorado)

· Algum curso específico de EJA

2 INFORMAÇÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES NO

CURSO TÉCNICO INTEGRADO AO MÉDIO DE ELETROTÉCNICA/PROEJA

· Opinião a respeito do PROEJA /Ensino do campo de conhecimento que trabalha

na perspectiva de Currículo Integrado

· Experiência anterior com Educação de Jovens e Adultos

· Como se tornou professor deste Programa.

· Oportunidade de formação/estudos, planejamentos e discussões promovidos pela

instituição visando implantar e desenvolver cursos Técnicos Integrados ao

Médio/ PROEJA.

220

· Oportunidade de participação no percurso de implantação e elaboração da

Proposta Curricular do Curso de Eletrotécnica Integrado/PROEJA no qual

leciona.

· Existência de espaços/momentos para planejamentos das atividades do curso.

Interações com outros professores da área e do Curso como um todo.

· Opinião a respeito do PROEJA/Ensino do campo de conhecimento que trabalha

na perspectiva de currículo integrado.

· Opinião se o Curso de Eletrotécnica Integrado/PROEJA poderá contribuir com a

formação para a cidadania/ mundo do trabalho.

· As contribuições da disciplina com o qual trabalha (FÍSICA, QUÍMICA,

BIOLOGIA, MATEMÁTICA) para o alcance dos objetivos da formação

integrada.

· Com relação à disciplina com o qual trabalha (Física, Química e Biologia e

Matemática) considera que existe integração e/ou o que tem sido feito para

estabelecer integração:

• Com outras disciplinas da própria área

• Com disciplinas que compõem outras áreas da formação geral

• Com disciplinas da área específica do Técnico em Eletrotécnica /PROEJA

• Exemplifique

· Disciplinas/Conteúdos em que a interação, diálogo é imprescindível e tem sido

evidenciado. Exemplifique.

· Desenvolvimento de atividade/projeto em que estivessem integrados os

professores. Com quais professores/disciplinas. Como se deu o planejamento da

atividade. Descreva-as/os sucintamente.

· Opinião a respeito dos jovens e adultos que são alunos/as do curso de

Eletrotécnica do PROEJA. Similitude e Diferença com relação aos alunos de

221

outros cursos do ensino médio/técnico. Características que possibilitam e ou

dificultam o ensino-aprendizagem

· Critérios usados para selecionar conteúdos da disciplina, considerando

especificidade Curso Técnico/PROEJA

· Metodologias que comumente usa no ensino da disciplina que leciona,

considerando os objetivos da formação. Considera necessidade de realizar

atividades diferenciadas das que desenvolve com alunos de outros cursos

técnicos/médio

· Opinião a respeito das condições materiais e didáticas (biblioteca, equipamentos e

materiais de laboratórios) e as demandas do ensinar/aprender a disciplina (área

das Ciências da Natureza e da Matemática) no Curso de Eletrotécnica/PROEJA

· Recursos didáticos que comumente utiliza. Adequação para promover o processo

ensino-aprendizagem junto a alunos do PROEJA

· Técnicas/ instrumentos mais utilizam nas avaliações

· Principais possibilidades e dificuldades para ensinar a disciplina na perspectiva de

currículo integrado.

222

APÊNDICE 2- ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI - ESTRUTURADA

SUJEITO – COORDENADOR PEDAGÓGICODO CURSO TÉCNICO INTEGRADO

AO MÉDIO DE ELETROTÉCNICA/PROEJA

1 INFORMAÇÕES PARA IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO

· Nome do Coordenador Pedagógico

· Tempo de atuação no IFMA

· Formação inicial completa

· Cursos de Pós- graduação (Especialização/ Mestrado/Doutorado)

· Algum curso específico de EJA

2 INFORMAÇÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES NO

CURSO TÉCNICO INTEGRADO AO MÉDIO DE ELETROTÉCNICA/PROEJA

· Opinião a respeito do PROEJA / Ensino na perspectiva de Currículo Integrado

· Experiência anterior com Educação de Jovens e Adultos

· Aspectos que motivaram a implantação do curso Técnico de Eletrotécnica

Integrado ao médio/PROEJA na instituição

· Como foi o processo de seleção dos alunos do Curso

· Critérios utilizados/estratégias para compor o corpo docente do curso

· Criação de espaços para estudos, planejamentos e discussões visando

implantar e desenvolver Cursos Técnicos Integrados ao Médio/ PROEJA.

· Processo de elaboração da Proposta Curricular do Curso de

Eletrotécnica/PROEJA. Envolvimento do coletivo docente. Organização da

matriz curricular do curso

223

· Existência de espaços/momentos para planejamentos das atividades do curso.

Interações entre os professores do Curso.

· Importância que atribui ao ensino das disciplinas das Ciências da Natureza e

da Matemática (FÍSICA, QUÍMICA, BIOLOGIA, MATEMÁTICA) para o o

desenvolvimento da formação integrada

· Critérios usados para selecionar conteúdos das disciplinas , considerando

especificidade Curso Técnico/PROEJA

· Procedimentos adotados para possibilitar que as disciplinas se integrem:

• Entre si na própria área

• Disciplinas de outras áreas de formação geral/ vice-versa

• Disciplinas da parte da formação específica/ vice-versa

· Espaço/momento para planejamento das atividades do curso, no sentido de

possibilitar essa integração

· Desenvolvimento de atividades/ projetos com o envolvimento de diversos

professores do curso, em que as disciplinas se integram no desenvolvimento da

atividade. Descreva

· Como as atividades desses projetos tem sido planejada/ Como as disciplinas das

Ciências da Natureza de da Matemática estão situadas no contexto dessas

atividades.

· Os professores das disciplinas da área das Ciências da Natureza e da Matemática

buscam orientação para a realização das atividades/ E os da área de

conhecimentos em específico

224

· Considera que os professores das Ciências da natureza e da Matemática têm

procurado inovar as aulas nas perspectivas dos princípios do currículo integrado

de cursos técnicos/ PROEJA

· Opinião a respeito dos jovens e adultos que são alunos/as do curso de

Eletrotécnica do PROEJA. Similitude e Diferença com relação aos alunos de

outros cursos do ensino médio. Características que considera positiva e/ou

dificuldade que interferem no desenvolvimento do curso.

· Opinião a respeito das condições materiais e didáticas (biblioteca, equipamentos e

materiais de laboratórios) e as demandas do ensinar/aprender as disciplinas das

Ciências da natureza e da Matemática

· Orientações quanto à avaliação

· Possibilidades e dificuldades para a efetivação do curso na

perspectiva de currículo integrado.