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  • Elfos: Tomo I

    A Caada dos Elfos

    Bernhard Hennen

  • Sobre este livro

    Um frio congelante reinava nas Terras do Fiordes, quandoMandred Torgridson partiu com seus companheiros para caaruma besta que aterrorizava os arredores de seu povoado. Noentanto, o grupo acaba atacado de surpresa por uma fera meiojavali, meio homem. Somente Mandred se salva. Gravementeferido, consegue adentrar um crculo de pedras, mas, devido sdores e ao frio intenso, acaba tomado por um sono profundo.Quando surpreendentemente desperta, est ao p de umcarvalho, que lhe oferece seus milagrosos poderes de cura.Mandred ento percebe que adentrou o misterioso mundo doselfos.

    Tomado pela suspeita de que era dali que teria vindo omonstro, pe-se diante da bela rainha do povo lfico e exigevingana pelas vtimas da besta. A rainha nega e, ento,convoca a legendria Caada dos Elfos para acabar com a fera.Rene seus melhores guerreiros, Nuramon e Farodin, dois elfoscercados de segredos, e forma um grupo liderado por Mandred,que conta ainda com Aigilaos, um centauro, como arqueiro;Brandan, um elfo rastreador; Vanna, a feiticeira; e Lijema, ame dos lobos. O grupo parte, ento, para o Mundo dosHomens e a perseguio comea, desdobrando-se em vriasaventuras fantsticas. No entanto, seu alvo revela-se umdemnio de tempos remotos e as sombras da morte e da ilusologo recaem sobre a cruzada. Mandred, Nuramon e Farodintero de pr prova toda a sua coragem, amizade e lealdadepara cumprir a misso.

  • Sobre o autor

    Bernhard Hennen, autor de um dos escritores de romances fantsticos mais conhecidos da Europa. Nascido emKrefeld, Alemanha, em 1966, tambm jornalista. Escreveu seu primeiro livro, (o ano de Griffen, em traduolivre) em coautoria com Wolfgang Hohlbein em 1994. Depois de enveredar-se por romances histricos, firmou-se no gnero de fantasia.Esta saga Os Elfos, lanada em toda a Europa, o seu trabalho mais conhecido, que a Editora Europa traz para o Brasil.

  • Copyright 2004 by Bernhard Hennen & James A. Sullivan

    Ttulo original em alemo: Die Elfen (ISBN 3-453-53001-2)

    TODOS OS DIREITOS NO BRASIL RESERVADOS PARA

    Rua MMDC, 121

    So Paulo, SP

    http://www.facebook.com/editoraeuropa

    978-85-7960-136-1

    Aydano Roriz

    Luiz Siqueira

    Mrio Fittipaldi

    Fernanda Romero

    Ctia de Almeida

    Jeff Silva

    Michael Welply

    Dirk Schulz

  • SumrioFrontispcio

    Sobre este livro

    Sobre o autor

    Expediente

    Mapa

    Epgrafe

    Tomo 1

    O homem-javali

    Jogos de galanteio

    O despertar

    Uma noite na corte

    O chamado da rainha

    A noite no castelo dos elfos

    A despedida

    O mundo dos homens

    O sussuro das sombras

    Antigas feridas

    A caverna de gelo

    Um sonho

    O feitio de cura

    O filho da feiticeira

    O vale abandonado

    A sentena da rainha

    O exlio

    A saga de Mandred Torgridson

    O preo da palavra

    Retorno terra dos Albos

    As palavras de Noroelle

    Trs faces

    Trs gros de areia

    Partida noturna

    A saga de Alfadas Mandredson

    O milagreiro de Aniscans

    Visitando Guillaume

    O infortnio

    As janelas muradas

    Os escritos sagrados de Tjured

    O Jarl de Firnstayn

  • Heinrich Heine

  • Epgrafe

    Tomo I

    A Caada dos Elfos

  • O homem-javali

    Na clareira coberta de neve jazia o cadver de um alce. Sua carne destruda aindafumegava. Para Mandred e seus trs companheiros ficou claro o que isso significava:haviam afugentado o caador. O corpo estava coberto de sangue, e o pesado crnio dapresa, partido. Mandred no conhecia nenhum animal que caasse para se alimentarsomente do crebro da vtima. Um rudo abafado se fez ouvir. No fim da clareira, a neveescorregava dos galhos de um enorme pinheiro, formando cascatas sinuosas. O ar estavatomado por finos cristais de gelo. Desconfiado, Mandred espiou por entre as moitas. Obosque agora estava novamente em silncio. Sobre as copas das rvores, as sinistrasluzes verdes das fadas se agitavam em uma dana frentica bem alto no cu. No erauma boa noite para cruzar florestas!

    S um galho que se partiu com o peso da neve disse o louro Gudleif, batendo emsua pesada capa para tirar o gelo e pare de ficar espiando por a como um co raivoso.Voc vai ver... No final, o que estamos seguindo s um bando de lobos.

    A preocupao tomava aos poucos os coraes dos quatro homens. Todos pensavamnas palavras do ancio que os alertara sobre uma besta mortfera das montanhas. Eledevia ser levado a srio ou teria alucinaes provocadas pela febre? Mandred era o jarl1de Firnstayn, um pequeno povoado atrs da floresta junto ao fiorde. Era sua obrigaoafastar quaisquer perigos que ameaassem o seu vilarejo. As palavras do ancio foramto penetrantes que os perseguiam. E como...

    Em invernos como este, que comeavam cedo e traziam frio demais, quando as luzesdas fadas faiscavam no cu, os filhos dos albos2 adentravam o mundo dos homens.Mandred e seus companheiros tambm sabiam disso.

    Asmund apoiara uma flecha no cho e piscava nervosamente. O homem ruivo emagricela nunca era de muitas palavras. Viera havia dois anos para Firnstayn. Dizia-seter sido um conhecido ladro de gado no sul, e que o rei Horsa Starkschild teriaprometido uma recompensa em troca dele. Mas Mandred no se importava com isso.Asmund era bom caador; trazia muita carne para o vilarejo. Isso contava mais quequalquer boato.

    Mandred conhecia Gudleif e Ragnar desde quando era criana. Ambos erampescadores. Gudleif um cara robusto, forte como um urso; sempre bem-humorado, temmuitos amigos, mesmo sendo visto como um homem rstico. Ragnar baixo e decabelos escuros, bastante diferente dos altos e geralmente louros habitantes das terrasdo fiorde. s vezes zombam dele por isso, chamando-o de duende pelas costas. Isso um absurdo. Ragnar um homem de corao de ouro. Algum em quem se pode confiar

  • incondicionalmente!

    Saudoso, Mandred pensava em Freya, sua esposa. Certamente estava agora sentadaperto do braseiro e permaneceria espreita por toda a noite. Ele tinha consigo o seuclarim de alerta. Um toque significava perigo; se soprasse duas vezes todos no vilarejosaberiam que tudo correra bem e que os caadores estavam a caminho de casa.

    Asmund baixou seu arco e ps o dedo sobre os lbios, em sinal de alerta. Ergueu acabea como um co de caa que farejava algo. Agora Mandred tambm sentia. Umcheiro estranho como o de ovo podre invadiu a clareira.

    Talvez seja um troll sussurrou Gudleif. Dizem que eles descem as montanhasnos invernos rigorosos. Um troll consegue abater um alce com um simples soco.

    Asmund encarou Gudleif de forma sombria, e fez um sinal para que se calasse. Amadeira das rvores estalava baixinho no frio. Mandred foi tomado pela sensao deestar sendo observado. Havia alguma coisa ali. E muito perto.

    De repente, os ramos de uma aveleira agitaram-se no ar, e duas silhuetas brancasrevoaram sobre a clareira num barulhento bater de asas. Mandred apontou sua lanainvoluntariamente para o alto, e ento respirou aliviado. Eram apenas pombos da neve!

    Mas o que os assustara? Ragnar mirou seu arco na direo da rvore. O jarl baixou aarma, sentindo seu estmago encolher. Estaria o perigo ali, espreita, escondido nosramos? Ficaram imveis e em silncio.

    Uma eternidade inteira pareceu passar, e nada ali se mexia. Os quatro formavam umsemicrculo ao redor do arbusto. A tenso era insuportvel. Mandred sentia o suor geladoescorrer por suas costas e se acumular em cima do cinto. O caminho de volta para ovilarejo era longo. Se sua roupa ficasse empapada e no o protegesse mais contra o frio,ele seria obrigado a armar um acampamento em algum lugar e fazer uma fogueira.

    O gordo Gudleif ajoelhou-se de novo e fincou sua lana no cho. Enfiou as mos naneve fresca e, sem fazer rudo, formou uma bola. Gudleif olhou para Mandred, queconsentiu com a cabea. A bola de neve voou at acertar o arbusto. Nada se moveu.

    Mandred respirou aliviado. O medo que o grupo sentia tinha dado vida s sombras danoite. Foram eles mesmos quem afugentaram os pombos da neve!

    Gudleif sorriu aliviado:

    Isso no foi nada. Seja l o que matou o alce, j deve ter subido as montanhas faztempo.

    Mas que belo bando de caadores somos ns zombou tambm Ragnar. Daquia pouco tambm vamos fugir correndo do peido de um coelhinho.

    Gudleif se levantou e apanhou a lana.

    Agora vou espetar as sombras! rindo, remexeu com a lana dentro da moita.

    De repente, foi puxado com fora, de um s golpe. Mandred viu uma grande mo em

  • formato de garra segurar o cabo da lana. Gudleif deu um grito estridente, que logo setransformou num rudo gutural. O forte homem recuou cambaleante, com ambas as mosem torno do pescoo. O sangue espirrava por entre seus dedos e escorria por seu mantode pele de lobo.

    Da moita saiu um vulto gigantesco, meio homem e meio javali. O peso de sua enormecabea de javali lhe fazia curvar muito para a frente, e ainda assim ele tinha mais de ummetro e meio de altura. O seu corpo era extremamente robusto; msculos fortes e cheiosde ns cobriam seus ombros e braos. Suas mos terminavam em garras escuras. Abaixodos joelhos, suas pernas eram estranhamente finas, cobertas de cerdas grossas cinza-escuras. Em vez de ps, a criatura tinha grandes cascos.

    O homem-javali soltou um grunhido grave e rouco. Presas longas como punhais saamde seus maxilares, e seus olhos pareciam querer devorar Mandred.

    Asmund apontou seu arco para cima e disparou uma flecha. Acertou a lateral dacabea do monstro, deixando um rastro fino e vermelho. Mandred agarrou mais forte asua lana.

    Gudleif caiu de joelhos, vacilou alguns segundos e ento tombou para o lado. Suasmos crispadas se soltaram. O sangue ainda brotava de sua garganta, e suas fortespernas tremiam desamparadas.

    Mandred foi tomado por uma fria cega. Lanou-se para a frente e cravou a lana nopeito da besta. Teve a impresso de ter atacado uma rocha. A lmina da lana sresvalou no monstro, sem causar qualquer dano. Uma de suas garras puxou edespedaou o cabo da arma.

    Para afastar a criatura de Mandred, Ragnar atacou-a pelo lado. Mas sua lanatambm no conseguiu feri-la.

    Mandred atirou-se sobre a neve e tirou um machado do cinto. Era uma boa arma, coma lmina fina e afiada. O jarl golpeou com toda a fora os tornozelos da fera. O monstrogrunhiu e ento acertou o guerreiro com sua pesada cabea. Uma presa acertou Mandredna parte interna da coxa, dilacerando seus msculos e despedaando o clarim de prataque pendia do seu cinto. Em um s golpe, o ser monstruoso jogou a cabea para trs,lanando Mandred por sobre a aveleira.

    Meio anestesiado de dor, apertou a ferida com uma mo, enquanto com a outrarasgou uma tira de tecido de sua capa. Pressionou rapidamente a l sobre a ferida abertae ento tirou o cinto para amarrar a tira na perna e estancar o sangue.

    A clareira estava tomada de gritos estridentes. Mandred quebrou um galho da rvoree passou-o por dentro do cinto. Ento apertou mais a tira de couro para deix-la maisjusta em sua coxa. Estava quase desmaiando de dor.

    Os gritos na clareira silenciaram. Mandred espiou cuidadosamente por entre osgalhos. Viu seus companheiros deitados na neve. O monstro estava curvado sobreRagnar, ferindo-lhe mais e mais o peito com as presas. O machado de Mandred jazia bem

  • ao lado da fera. S conseguia pensar em pular perigosamente sobre o monstro, mesmodesarmado. No era honrado fugir de uma luta como essa! Ele era o jarl responsvel pelovilarejo. Por isso precisava avisar os que ainda estavam vivos, mas no podiasimplesmente voltar para Firnstayn. A sua pista levaria o monstro diretamente para aaldeia. Tinha de encontrar outro jeito.

    Centmetro por centmetro, Mandred arrastou-se para trs, para fora do arbusto. Acada barulho que os galhos faziam, seu corao quase parava. Mas o monstro nopercebeu: agachado na clareira, fazia seu horripilante banquete.

    Quando Mandred conseguiu, arrastando-se, sair do arbusto, arriscou levantar. Umador aguda percorreu a sua perna. Apalpou os farrapos de l. Crostas de gelo se formavamsobre eles. Por quanto tempo suportaria o frio?

    O jarl percorreu mancando a curta distncia at o limite da floresta. Olhou para ogrande rochedo de cume escuro que se erguia sobre o fiorde. Ali em cima havia umantiqussimo crculo de pedras. E bem perto dali estava empilhada a lenha para afogueira de alerta. Se conseguisse acender a fogueira, a aldeia estaria avisada. Mas ocaminho at l em cima tinha mais de trs quilmetros.

    Mandred seguia a borda da floresta, mas avanava lentamente sobre a neve.Encarava angustiado vasto tapete branco diante de si que suavemente formava umasubida em direo ao topo do rochedo. Ali mal havia vegetao e as pegadas que eledeixaria no passariam despercebidas. Esgotado, recostou-se no tronco de uma velhatlia e reuniu foras. Se tivesse ao menos acreditado nas palavras do ancio!

    Certa manh, encontraram-no diante da paliada que protegia a aldeia. O frio quasetirara a vida do pobre homem. Enquanto delirava de febre, contou sobre um javalimonstruoso que andava sobre duas pernas. Sobre um monstro que viera do norte, dasmontanhas distantes, para espalhar a morte e a desgraa nas aldeias das terras dofiorde. Um devorador de humanos! Se o velho tivesse falado dos trolls, que vinham dofundo das montanhas, ou dos duendes perversos, que tingiam seus gorros de l com overmelho do sangue de suas vtimas, ou ento da Caada dos Elfos e seus lobos brancos,Mandred teria acreditado. Mas sobre um javali que andava ereto e se alimentava dehomens... De tal criatura ningum jamais ouvira falar! Logo atriburam o falatrio dovelho a confusas alucinaes febris.

    Veio a noite do solstcio de inverno. Em seu leito de morte, o estranho chamaraMandred, a quem fez jurar que procuraria o monstro e alertaria as outras aldeias dofiorde. S ento ficou em paz. Mandred ainda no acreditava no ancio, mas era umhomem honrado, que levava a srio os seus juramentos. Por isso sara naquela jornada...

    Se tivessem ao menos sido mais cautelosos!

    Mandred respirava profundamente e seguia mancando sobre o vasto campo nevado.Sua perna esquerda estava totalmente entorpecida e dificultava o seu caminhar.Tropeava o tempo todo. Meio em p, meio agachado, lutava para ir adiante. Ao menoso frio tinha um lado bom: a ferida agora no doa mais. J no ouvia mais a terrvel

  • criatura. Teria terminado o banquete?

    Finalmente, chegou a uma vasta campina coberta de cascalho, onde ocorrera umaavalanche no ltimo outono. A superfcie traioeira agora estava oculta sob uma grossacamada de neve. Mandred respirava aos soluos. Brancas e espessas nuvens de vapor seformavam diante de sua boca, e se condensavam em sua barba como geada. Malditofrio!

    O jarl lembrou-se do ltimo vero. Viera ali com Freya algumas vezes, quandodeitaram-se na grama para observar o cu estrelado. Gabou-se de suas aventuras decaa e contou-lhe sobre como escoltara o rei Horsa Starkschild durante sua expediomilitar na costa de Fargon. Freya ouvia pacientemente e zombava um pouco dele quandoexagerava demais nos seus feitos heroicos. s vezes sua lngua era afiada como umafaca! Mas ela beijava como... No, sem pensar nisso! Ele engolia com dificuldade. Logoseria pai. Mas jamais veria seu filho. Seria um menino?

    Mandred recostou-se em uma rocha para descansar. J conseguira transpor metadedo caminho at l em cima. Seu olhar percorria de volta os limites da floresta. Aescurido do bosque escondia a luz verde das fadas, mas ali, na encosta das montanhas,via-se tudo to nitidamente como numa clara noite de lua cheia.

    Sempre gostara de noites como essas, embora aquela sinistra luz causasse medo namaioria dos habitantes das terras do norte. Parecia que um enorme pano de rbitas,tecido com o brilho resplandecente das estrelas, fora estendido no cu.

    Alguns diziam que os elfos ocultavam-se nessa luz, quando cavalgavam noite paracaar sobre o gelado e lmpido cu. Mandred sorriu. Freya ficaria contente com essespensamentos. Nas noites de inverno, ela amava se sentar diante do braseiro e ouvirhistrias; histrias de trolls das montanhas distantes ou de elfos de corao to frioquanto as estrelas de inverno.

    Um movimento nos limites da floresta tirou Mandred de seus devaneios. O homem-javali! Ento a fera seguira a sua pista. A cada passo em direo ao rochedo, ele eraatrado para mais longe do vilarejo. Ele s precisava ser forte... A fera poderiatranquilamente rasgar o seu peito para comer o seu corao, desde que ele conseguisseacender a fogueira de alerta!

    Mandred desencostou-se da rocha e tropeou. Seus ps... eles ainda estavam l, masj no os sentia mais. Ele no deveria ter parado! Isso foi loucura... At uma crianasabia que descansar num frio como esse poderia significar a morte.

    Mandred olhou desesperado para os ps. Congelados e sem qualquer sensibilidade,eles no o avisariam caso o cascalho debaixo dele escorregasse. Eles o traram, aliaram-se ao inimigo o inimigo que queria impedir que ele acendesse a chama de alerta.

    O jarl desatou a rir. Mas no seu riso no havia nem sinal de alegria. Os seus pslevaram o inimigo at ele. Que ironia! Aos poucos foi perdendo a razo. Os ps eramsomente carne morta, a mesma carne morta que logo ele inteiro viraria. Furioso, tentou

  • chutar o rochedo. Nada! Como se os ps no estivessem l. Mas ele ainda conseguiaandar. Era s uma questo de vontade. E de prestar muita ateno onde pisava.

    Tomado pela preocupao, olhou para trs. A besta caminhava sobre o campocoberto de neve e parecia no ter pressa. Saberia ele que este era o nico caminho parasubir o rochedo? Mandred no conseguiria mais escapar. Mas ele no tinha mesmo essainteno, desde que conseguisse acender o fogo!

    Um rudo o assustou. A fera rosnava. Mandred teve a sensao de que o olhavadiretamente nos olhos. claro que isso no era possvel quela distncia, mas... Umagelada lufada de ar pareceu soprar sobre seu corao.

    O jarl acelerou seus passos. Ele precisava manter vantagem! Seria necessrio umpouco de tempo para acender a fogueira. Sua respirao assobiava. Quando expirava, osom era como o tilintar baixo dos pingentes de gelo que se acumulavam sobre as copasdos pinheiros e batiam uns contra os outros com o vento mas mais suave. O beijo dafada do gelo! Lembrou-se de uma lenda que se contava s crianas: a fada do gelo erainvisvel e passeava pelas terras do fiorde durante as noites em que, de to frias, atmesmo a luz das estrelas congelava. Quando ela se aproximava, o vapor da respiraodesaparecia e um tilintar soava no ar. Mas se ela chegasse to perto a ponto de seuslbios tocarem a face do viajante, ento seu beijo causava a morte. Qual era o motivo?Por que o homem-javali no ousava se aproximar mais?

    Mais uma vez Mandred olhou para trs. A fera no parecia fazer esforo para semovimentar pela neve. Na verdade, ela poderia alcan-lo muito mais rpido. Por queestava brincando de gato e rato com ele?

    Mandred escorregou e bateu a cabea com fora contra uma rocha, mas no sentiudor. Passou as luvas sobre a testa. Sentiu seu sangue escuro escorrer. Estava comtontura. Isso no deveria ter acontecido! Acossado, olhava para trs. O homem-javali sedetivera e de cabea erguida olhava para cima, em sua direo.

    Mandred no se aguentava mais sobre as pernas. Como fora tolo! Olhar para trs eandar ao mesmo tempo!

    Com toda a fora, tentou subir. Mas a perna meio congelada o impedia de prosseguir.Ele precisaria de uma grande rocha para conseguir se alar para cima. Agora tinha de searrastar. Que humilhao! Ele, Mandred Torgridson, o mais conhecido guerreiro dosfiordes, curvado e rastejando diante de seu inimigo! S durante a expedio militar do reiHorsa, sete homens foram vencidos em duelos contra Mandred. Para cada adversriovencido fazia, cheio de orgulho, uma nova trana. E agora rastejava diante do inimigodessa forma.

    Entretanto, esse era um outro tipo de luta, advertiu a si mesmo. No era possvel seimpor com armas diante desse monstro. Ele viu como a flecha de Asmund ricocheteara aoatingi-lo, e como o seu machado no lhe ferira. No, essa batalha tinha outras regras. Elea venceria se conseguisse acender o fogo.

  • Desesperado, Mandred rastejava sobre os cotovelos. Aos poucos, a fora de seusbraos tambm esvanecia. Mas o cume j no estava longe. O guerreiro olhou para aspedras erguidas; era como se vestissem gorros de neve, que as protegesse do verdecintilante do cu. Logo atrs do crculo de pedras estava empilhada a lenha para afogueira de alerta.

    Apertando os olhos, Mandred continuava a rastejar sobre o cascalho liso. Diante delesurgiu um dos pilares do crculo de pedras. Ele se apoiou na pedra e, vacilante, ps-se dep. Suas pernas j no conseguiriam lev-lo para muito longe.

    O cume era achatado e to plano quanto o fundo de um prato de madeira.Normalmente ele teria feito a volta em torno do crculo de pedra. Ningum pisava entreas pedras erguidas! No era uma questo de coragem. Certa vez, durante o vero,Mandred observou o cume por uma tarde inteira. Nenhum pssaro voou por cima docrculo de pedras.

    Uma trilha estreita rente ao rochedo contornava-o, e por isso era possvel dar a voltano crculo. Mas com as pernas anestesiadas, ele j no tinha mais segurana para seaventurar por esse caminho. No lhe restava outra coisa seno passar por entre aspedras.

    Como que se preparando para receber um golpe repentino, Mandred encolheu acabea entre os ombros ao pisar no centro do crculo. Dez passos e alcanaria o outrolado. Era um trecho to ridiculamente curto...

    Amedrontado, Mandred olhou ao redor de si. No havia neve ali. Era como se oinverno no quisesse penetrar no interior do crculo. Nas pedras estavam riscadosdesenhos estranhos, de linhas curvas.

    Dali at o fiorde, o penhasco era quase vertical. L de baixo, do vilarejo, parecia quealgum havia colocado uma coroa rochosa sobre o seu cume. Os blocos de granito, queformavam um amplo crculo ao redor do planalto rochoso, eram maiores que a altura detrs homens. Dizia-se que estavam ali havia muito tempo, desde antes de os sereshumanos chegarem s terras do fiorde. Eles tambm eram enfeitados com inscriescurvilneas. A trama que formavam era to fina que nenhum homem seria capaz de imit-la. E, ao observ-la por muito tempo, a sensao era de se estar bbado do pesado econdimentado hidromel de inverno.

    Certa vez, alguns anos antes, um escaldo um bardo que declamava sua poesia viajou a Firnstayn, afirmando que as pedras ali erguidas eram velhos guerreiros lficosque teriam sido amaldioados por uma praga de seus ancestrais, os albos. Estavamcondenados a permanecer solitrios e despertos por toda a eternidade, at que num diadistante o prprio pas clamasse por sua ajuda e o feitio ento fosse quebrado. Naocasio, Mandred fez troa do escaldo. Qualquer criana sabia que os elfos tinham baixaestatura e no eram mais altos que os homens. As pedras eram vigorosas demais paraserem elfos.

    Ao atravessar o crculo, Mandred foi golpeado por um vento glacial. Agora estava

  • quase conseguindo. Nada iria lhe... A pilha de lenha! Daqui ele j deveria conseguir v-la! Ela estava sobre uma salincia na pedra, protegida contra o vento logo abaixo daborda do penhasco. Mandred caiu de joelhos e rastejou um pouco mais. No havia nadaali!

    O penhasco descia por quase sessenta metros at as profundezas. Teria havido umaavalanche? A salincia teria se partido? Mandred tinha a sensao de que os deusesestavam lhe pregando uma pea. Empregara todas as suas foras para conseguir chegarat ali, e agora... Desesperado, lanou um olhar sobre as terras do fiorde. Bem abaixo,do outro lado do brao de mar congelado, o seu vilarejo descansava sobre a neve.

    Firnstayn. Era formado por quatro longas casas comunais e um punhado de pequenascabanas, cercado de uma paliada ridiculamente frgil: a muralha de madeira, feita detroncos de pinheiro, servia para afastar os lobos e era obstculo para saqueadores.Jamais conseguiria deter o homem-javali.

    O jarl tomou coragem, aproximou-se cuidadosamente do precipcio e olhou parabaixo, para o fiorde. A luz das fadas no cu lanava a mgica de suas sombras verdessobre a paisagem coberta de neve. No se podia ver homens nem animais. Dos fumeirossob o vrtice dos telhados subia uma fumaa branca, que era desfiada pelas rufadas devento e varrida sobre o fiorde. Era certo que Freya estava sentada ao lado do braseiro,atenta ao sinal do clarim que anunciaria o retorno dos caadores.

    Se ao menos o clarim no tivesse sido destrudo! Dali de cima, o seu chamadocertamente seria ouvido da aldeia. Mas que pea cruel os deuses pregavam nele e nosseus! Ser que assistiam a tudo aquilo e riam?

    Mandred ouviu um rudo seco. Ento virou-se, fraco. Deu de cara com o homem-javali,do outro lado do crculo de pedras. Deu a volta lentamente. Ento ele tambm noousava pisar entre as rochas? Em seguida, rastejou afastando-se da borda do penhasco.Sua vida tinha acabado, ele sabia. Mas se podia escolher, preferia ser morto pelo frio avirar comida de fera.

    O bater dos cascos foi ficando mais rpido. Precisava ainda de um ltimo esforo.Uma sbita arrancada e... Mandred conseguiu. Estava no crculo mgico de pedras! Umcansao de chumbo pesava sobre suas juntas. O frio congelante cortava sua garganta acada respirao. Esgotado, recostou-se em uma das pedras. Um vento violento lherepuxava as roupas duras de gelo. O cinto em sua coxa se afrouxara. O sangueatravessava o retalho de l.

    Em voz baixa, Mandred rezava para seus deuses. Para Firn, senhor do inverno; paraNorgrimm, senhor das batalhas; para Naida, a amazona das nuvens que rege os 23ventos; e para Luth, o mestre tecelo que, com os fios do destino dos homens, tece umapreciosa tapearia para as paredes do trio dourado, aquele no qual os deuses bebem nacompanhia dos mais valentes entre os guerreiros mortos.

    Os olhos de Mandred se fecharam. Ele dormiria o longo sono... Perdera seu lugar notrio dos heris. Ele deveria ter morrido com seus companheiros. Era um covarde!

  • Gudleif, Ragnar e Asmund nenhum deles fugira. A pilha de lenha ter despencado dorochedo seria certamente um castigo dos deuses.

    Voc tem razo, Mandred Torgridson. Os deuses deixam de proteger quem covarde uma voz soou em sua cabea. Era a morte?, perguntou-se Mandred. Apenasuma voz?

    Mais que uma voz! Olhe para mim!

    O jarl mal era capaz de sustentar suas plpebras. Um hlito quente soprou-lhe orosto. Ele olhou dentro de grandes olhos, azuis como o cu de um fim de tarde de vero,quando a lua e sol ali convivem. Eram os olhos do homem-javali! A fera se agachara aoseu lado, logo na extremidade exterior do crculo de pedras. A baba pingava de seufocinho coberto de sangue. Em uma das longas presas ainda pendiam fibrosos pedaosde carne.

    Os deuses deixam de proteger quem covarde ressoou a voz estranha nacabea de Mandred. Agora os outros podem pegar voc.

    O homem-javali ergueu-se totalmente. Seus beios tremiam. Ele quase parecia sorrir.Ento deu meia-volta. Contornou o crculo de pedras e logo ficou totalmente fora docampo de viso.

    Mandred levantou a cabea. A fantstica luz das fadas ainda danava no cu. Osoutros? Logo foi cercado pela escurido. Suas plpebras teriam despencado sem quepercebesse? Dormir... s por pouco tempo. A escurido era tentadora. Era um prennciode paz.

    1. Ttulo de nobreza escandinavo da Idade Mdia.

    2. Os ancestrais dos elfos.

  • Jogos de galanteio

    Noroelle estava sentada beira de um pequeno lago, sombra de duas tlias, edeixava-se encantar pela flauta de Farodin e o canto de Nuramon. Era como se os doispretendentes de modos afveis lhe presenteassem com novas sensaes. Contemplava ojogo de luz e sombras no teto de folhas muito acima dela. Seu olhar vagueou at anascente que havia quase na fronteira das sombras, atrado pela luz do sol que cintilavanas pequenas ondas. Inclinou-se para a frente, deixou a mo molhar-se e sentiu umagradvel formigamento, provocado pela magia da gua.

    Seu olhar seguiu o curso da nascente que formava o laguinho. Os raios de solchegavam at o fundo e faziam brilhar as pedras preciosas coloridas que Noroelle certavez pusera ali com cuidado. Elas absorviam parte da magia da nascente. O restanteaflua, junto com a gua, para um riacho. L fora, os prados se alimentavam dessamagia. E, noite, as fadas das campinas deixavam suas flores e se encontravam parapassear sob a luz das estrelas e celebrar com seu canto a beleza da Terra dos Albos.

    Os campos vestiam seus mantos de primavera em flor. Um vento suave carregava orico perfume das plantas e flores at Noroelle; sob as rvores, ele se misturava ao docearoma das tlias. Um zumbido pairava sobre os elfos, que se unia ao canto dos pssaros eao marulhar da gua da nascente como acompanhamento para a msica de Farodin eNuramon. Enquanto Farodin conseguia, com a melodia de sua flauta, tecer um fino tecidode sons com todas as vibraes do lugar, Nuramon elevava sua voz sobre eles einventava palavras que descreviam Noroelle como uma alba. Ela olhava afetuosamentepara Nuramon, sentado sobre uma pedra plana perto da gua, e novamente paraFarodin, recostado no tronco da maior das duas tlias.

    O rosto de Farodin era o de um prncipe elfo das velhas fbulas, cuja nobre beleza eraexaltada como o brilho dos albos. Seus olhos, de um verde intenso, eram as joias da suaface e os cabelos, quase brancos de to louros, lhe serviam de moldura. Vestia o trajedos trovadores, e tudo a camisa, a cala, o casaco, o leno no pescoo era feito damais distinta seda vermelha das fadas. Apenas seus sapatos eram de macio couro degelgerok. Noroelle observava seus dedos, que danavam sobre a flauta. Poderia passar odia todo admirando-os...

    Enquanto Farodin correspondia ao ideal de um elfo, o mesmo no se podia dizer deNuramon. As elfas da corte zombavam declaradamente de sua aparncia, mas depoiscochichavam com entusiasmo sobre sua beleza peculiar. Nuramon tinha olhos castanho-claros e cabelos cor de mel, que caam em ondas um pouco selvagens quase at seusombros. Com seus trajes cor de areia, ele de fato no correspondia figura de umtrovador, mas ainda era uma viso agradvel. Em vez da seda, elegera das fadas o seu

  • tecido de l que certamente era menos precioso, mas to firme e macio que provocavaem Noroelle o desejo de deitar a cabea no seu peito s ao observar sua camisa e ocasaco cor de bosque. At suas botas de cano mdio, cor de terra e feitas de couro degelgerok, despertavam em Noroelle o desejo de toc-las. A expresso da face deNuramon variava tanto quanto a sua voz, que dominava todas as formas do canto e davavida a cada emoo com o som que melhor lhe cabia. Seus olhos castanhos, contudo,expressavam saudades e melancolia.

    Farodin e Nuramon eram diferentes, mas cada um impressionava sua maneira.Ambos tinham sua prpria perfeio, assim como a luz do dia e a escurido da noiteeram encantadoras cada uma a seu modo, como o vero e o inverno, a primavera e ooutono. Noroelle no queria abrir mo de nada disso, e comparar a aparncia de amboscertamente no tornaria mais fcil sua deciso por um deles.

    Alguns membros da corte aconselhavam Noroelle a levar em conta para sua escolha alinhagem da famlia de seu companheiro. Mas qual era o mrito de Farodin no fato deque sua bisav fora uma alba? E tinha Nuramon alguma culpa por descender de umafamlia que estava distante dos albos havia muitas geraes? Noroelle queria que suadeciso no fosse condicionada pelos antepassados deles, mas somente por si prpria.

    Farodin sabia como cortejar uma elfa de estirpe. Conhecia todas as regras e costumese agia sempre de forma to apropriada e honrosa que era inevitvel admir-lo. Issocausava em Noroelle a impresso de que ele conhecia o seu mago, de que era capaz detoc-lo, encontrando sempre as palavras precisas, como se a todo momentocompreendesse seus pensamentos e sentimentos. Mas era a que tambm estava o seudefeito. Farodin conhecia todas as canes e todas as histrias antigas. Se sempre sabiaqual doce palavra dizer, era porque j ouvira todas elas antes. Ento como saber quaiseram as suas prprias palavras e quais eram de poetas antigos? Essa melodia era mesmosua ou ele j a ouvira antes? Noroelle teve vontade de sorrir; tal defeito visvel noestava em Farodin, mas nela prpria. Este lugar adorvel no era exatamente como odescreveram os bardos antigos? O sol, as tlias, as sombras, a nascente, o encanto? Elesno nos presentearam, portanto, com as canes perfeitas para este lindo lugar? Deviaento repreender Farodin s por no fazer diferente daquilo que j era to apropriado?No, ela no podia fazer isso. Farodin era perfeito em todos os aspectos, e o seu cortejofaria feliz toda e qualquer elfa sobre as campinas.

    Mas Noroelle se perguntava quem Farodin realmente era. Ele se esquivava dela,assim como a nascente de Lyn repelia o olhar dos elfos com sua luz ofuscante. Eladesejava que ele brilhasse menos por um momento, para que ela pudesse lanar umolhar sobre sua prpria nascente. Frequentemente tentava induzi-lo a isso, mas ele nocompreendia os seus gestos. Assim, fora at ento impedida de conhecer o seu interior. Es vezes temia que ali dentro pudesse estar espreita algo de obscuro, algo que Farodinpretendia esconder a qualquer preo. De quando em quando, o seu preferido fazia longasviagens, mas nunca falava sobre elas aonde ia e por qual motivo. E, quando voltava,surgia diante de Noroelle ainda mais fechado que antes, apesar da alegria do reencontro.

  • Por outro lado, no que dizia respeito a Nuramon, Noroelle sabia exatamente de quemse tratava. J ouvira vrias vezes que ele no era o elfo certo para ela, que no estava altura de seu brio. Ele no s descendia de um cl numeroso, mas tambm de umalinhagem marcada por uma desonra. Nuramon carregava em si a alma de um elfo que,em todas as vidas que j viveu, no encontrou uma realizao para sua existncia, e quepor isso no conhecia o luar. Aqueles que permanecessem alheios a esse caminhorenasceriam sempre na mesma linhagem, at que o seu destino se realizasse. Mas nuncaseriam capazes de se lembrar da vida anterior.

    Ningum havia reencarnado tantas vezes quanto Nuramon; j estava h milniossubmetido ao jogo de vida, morte e renascimento. Junto com a alma, herdou o seunome. A rainha reconheceu nele a alma de seu av, e por isso batizou-o assim. A buscapor seu destino, que parecia ser infinita, provocou escrnio arrogante at mesmo na suaprpria famlia. Ao menos ningum precisava se preocupar com aquele recm-nascido;porque, assim que ele morresse, sua alma retornaria imediatamente para lanar suasombra sobre a linhagem. Mas ningum sabia quem daria luz o prximo Nuramon.

    Em suma, ele no podia realmente prezar a sua ascendncia e contar com elogios porela. Ao contrrio, todos diziam que Nuramon seguiria a mesma trilha de antes buscariao seu destino, morreria e renasceria. Noroelle era contrria a esse ponto de vista. Viasentado diante de si um homem primoroso e, enquanto Nuramon cantava mais umacano em homenagem sua beleza, sentia que cada uma de suas palavras eramotivada por seu profundo amor por ela. Ele conseguira por si prprio tudo o que seubero lhe havia negado. S uma coisa ainda no conquistara: a chance de se aproximardela. Nunca a tocara, nunca ousara fazer como Farodin: segurar a sua mo e beij-la.Sempre que ela tentava demonstrar o seu carinho inocente, ele o rejeitava com doces earrebatadoras palavras.

    De qualquer perspectiva que Noroelle observasse seus pretendentes, jamaisconseguia chegar a uma deciso. Se Farodin revelasse o seu ntimo, seria ele quem elaescolheria. Se Nuramon lhe estendesse a mo e segurasse a sua, seria dele a suapreferncia. A deciso no dependia dela. Tais galanteios comearam havia apenas vinteanos; mais vinte anos provavelmente se passariam at que comeassem a esperar poruma deciso. E caso no tomasse nenhuma, ento aquele que se mostrasse maisdeterminado cairia em suas graas. E caso provassem ter o mesmo valor, ento a cortepoderia durar para sempre o que fazia Noroelle sorrir s de pensar.

    Farodin deu o tom de uma nova cano, e tocava de forma to profunda que Noroellefechou os olhos. Ela conhecia a msica, ouvira-a certo dia na corte. Mas cada nota queFarodin tocava superava a que ouvira naquela ocasio. Diante disso, a voz de Nuramonperdeu um pouco a cor, at que Farodin iniciou novamente uma outra cano.

    Oh, veja, graciosa filha de albos! cantava agora Nuramon. Noroelle abriu osolhos, surpresa com a repentina mudana em sua voz. Ali, na gua, um rosto!

    Ele olhou para a gua, mas ela no conseguiu acompanhar seus olhos, de toencantada que estava com a voz.

  • Oh, Noroelle, v depressa; das sombras para a luz.

    Noroelle levantou-se e obedeceu s palavras; ela se afastou alguns passos danascente e ajoelhou-se na margem do lago, para olhar para dentro da gua. No havianada ali.

    Nuramon continuou a cantar:

    Os olhos azuis so um lago.

    Noroelle viu os olhos azuis: eram seus prprios olhos, que Nuramon gostava decomparar a um lago.

    Os seus cabelos se agitam na brisa da primavera.

    Viu ento o seu prprio cabelo, como tocava de leve o pescoo, e sorriu.

    Voc sorri como uma fada. Veja, graciosa filha de albos!

    Observou-se atentamente e escutou como Nuramon cantava a sua beleza nasdiferentes lnguas dos filhos dos albos. Na lngua das fadas tudo soava bonito, mas elesabia falar at a lngua dos duendes para lisonje-la.

    Enquanto o ouvia, no era mais ela prpria quem tinha diante dos olhos, mas outraelfa, muito mais bonita do que j se sentira, to sublime quanto a rainha e toencantadora quanto diziam ser os albos. Ainda que no se visse dessa forma, sabia queas palavras de Nuramon vinham direto do corao.

    Quando os seus queridos emudeceram, desviou, insegura, o olhar da gua; fitouNuramon e depois, Farodin.

    Por que vocs pararam?

    Farodin olhou para cima, para o telhado de folhas que os cobria.

    Os pssaros esto inquietos. Parece que no esto mais com vontade de cantar.

    Noroelle virou-se para Nuramon.

    Era mesmo o meu rosto o que vi na gua? Ou era um feitio?

    Nuramon sorriu.

    Eu no fiz nenhum encanto... Apenas cantei. Mas, se voc no v a diferena,ento sinto-me lisonjeado.

    Farodin ergueu-se repentinamente. Nuramon tambm se levantou e olhou para almdo lago e das campinas. Um intenso toque de clarim soava, percorrendo todas aquelasterras.

    Noroelle tambm se levantou.

    A rainha? O que pode ter acontecido?

    Farodin estava a poucos passos de Noroelle, e pousou a mo sobre seu ombro.

  • No se preocupe, Noroelle.

    Nuramon se aproximou e sussurrou-lhe ao ouvido:

    Certamente no nada que no possa ser resolvido por um grupo de elfos.

    Noroelle suspirou.

    Estava lindo demais para durar o dia todo. Observou como os pssaroslevantavam voo e iam em direo ao castelo da rainha, imponente sobre uma colina, dooutro lado das campinas e dos bosques. Da ltima vez a rainha o chamou para aCaada dos Elfos. Preocupo-me com voc, Farodin.

    Mas eu no voltei todas as vezes? E Nuramon no adoou sempre a sua espera?

    Noroelle soltou-se de Farodin e voltou-se para ambos:

    E se desta vez ambos tiverem de partir?

    No me confiariam essa tarefa retrucou Nuramon. Sempre foi assim e sempreser.

    Farodin permaneceu calado, mas Noroelle disse:

    Eu lhe darei o reconhecimento que os outros lhe negam, Nuramon. Mas vo agora!Apanhem os seus cavalos e cavalguem at l! Eu irei em seguida e os verei hoje noitena corte.

    Farodin tomou a mo de Noroelle, beijou-a e se despediu. A despedida de Nuramonfoi um sorriso carinhoso. Ele ento foi at Felbion, o seu cavalo branco. Farodin j estavasentado no seu, que era baio. Noroelle acenou-lhes mais uma vez.

    A elfa observou seus amados cavalgarem pelas campinas, desviando das flores dasfadas, pelo bosque e at o castelo, que jazia do outro lado. Bebeu um pouco de gua danascente e ps-se a caminho. Andava descala pelas campinas. Queria ir at o Carvalhodos Faunos. Sob a sua sombra, conseguia refletir como em nenhum outro lugar. Ocarvalho falava com ela em silncio, e na juventude lhe ensinara muitas magias.

    Ao longo do caminho, pensava em Farodin e em Nuramon.

  • O despertar

    Surpreendente este calor, Mandred pensou assim que acordou. Ouvia o gorjeio dospssaros, mas certamente no adentrara o trio dos heris. L no havia pssaros... Ejamais haveria o forte odor de hidromel que pairava no ar, muito menos o aroma doce daresinosa madeira de pinheiro que queimava na fogueira.

    S precisaria olhar para cima para saber onde estava. Mas Mandred adiava essemomento. Estava deitado sobre algo macio. Nada doa. Suas mos e ps formigavam deleve. No queria saber onde estava. Queria apenas aproveitar o momento, j que sesentia to bem. Ento assim era estar morto.

    Sei que est acordado a voz soava como se tivesse dificuldade de formar aspalavras.

    Mandred levantou o olhar. Estava deitado sob uma rvore, cujos galhos se arqueavamsobre ele como uma cpula. Um estranho estava de joelhos ao seu lado e apalpava o seucorpo com mos fortes. Os galhos chegavam at bem perto da cabea dele, e seu rostopermanecia oculto sob uma dana de luz e sombra.

    Mandred piscou para poder ver melhor. Havia algo de errado. As sombras pareciamgirar em torno do rosto do estranho como se quisessem escond-lo intencionalmente.

    Onde estou?

    Em segurana respondeu sucinto o estranho.

    Mandred queria se levantar. Ento percebeu que suas mos e ps estavam amarradosao solo. Conseguia apenas erguer a cabea.

    O que voc pretende fazer comigo? Por que estou preso?

    Dois olhos lampejaram brevemente entre as sombras. Eram cor de mbar-claro, comoo que s vezes encontravam na costa do fiorde aps fortes tempestades.

    Quando Atta Aikhjarto tiver curado voc, poder ir. H algum tempo j no confiomuito na sua sociedade, ento achei prudente mant-lo assim. Foi ele quem insistiu quecuidssemos de suas feridas... O estranho fazia um rudo estranho, uma espcie deestalo. O seu idioma d um n na minha lngua. Ele no tem qualquer... beleza.

    Mandred olhou em volta. No havia ningum alm do estranho, oculto meia-luz deforma sinistra. Folhas caam dos galhos mais baixos da rvore imponente, como num diade outono sem vento, e mergulhavam suavemente e balanantes at cho.

    O guerreiro olhou para cima, para a copa da rvore. Estava deitado sob um carvalho.

  • Sua folhagem brilhava num forte tom de verde-primavera, e seu cheiro era de terra boa eescura, mas tambm de decomposio; de carne estragada.

    Um raio de luz dourado atravessou a copa de folhas e iluminou sua mo esquerda.Agora podia ver o que o mantinha preso: eram as razes do carvalho! Elas enlaavam oseu pulso, nodosas e grossas como um dedo. E os seus dedos estavam cobertos por umadelicada e branca teia de razes. Era dali que vinha aquele cheiro podre.

    O guerreiro tentou se erguer, forando contra as razes que o prendiam, mas qualquerresistncia era em vo. Elas o detinham com mais fora que correntes de ferro.

    O que est acontecendo comigo?

    Atta Aikhjarto se ofereceu para cur-lo. Sua morte era certa quando atravessou oportal. Ele ordenou que eu o trouxesse at aqui. O estranho apontou para cima, paraos galhos que se destacavam ao alto. Ele est pagando um alto preo para acabarcom a sua intoxicao pelo gelo e para devolver sua carne a cor das ptalas de rosa.

    Por Luth, onde estou?

    O estranho fez um rudo de reprovao, que de longe lembrava uma risada.

    Voc est onde os seus deuses j no tm mais poderes. Voc provavelmente osirritou, porque normalmente eles protegem vocs, filhos dos homens, de atravessar essesportais.

    Portais?

    O crculo de pedras. Ns ouvimos como voc rezou para os seus deuses. Novamente, o estranho emitiu o rudo de reprovao. Voc agora est na Terra dosAlbos, Mandred, com os filhos dos albos. Aqui estamos muito longe dos seus deuses.

    O guerreiro se assustou. Aqueles que atravessavam os portais para o Outro Mundoeram amaldioados! J tinha ouvido histrias suficientes sobre a busca por homens emulheres no reino dos filhos dos albos e nenhuma delas teve final feliz. Mas... quandoalgum corajosamente os cruzava, s vezes podia pedir favores. Ser que eles sabiamsobre o homem-javali?

    Por que o Atta Aik... Atta Ajek... o carvalho est me ajudando?

    O estranho ficou um tempo calado. Mandred queria conseguir ver o seu rosto. Aquiloque o protegia de seu olhar de forma to persistente devia ser um feitio.

    Atta Aikhjarto deve achar que voc importante, guerreiro. As razes de algumasrvores muito velhas so to profundas que esto presas ao seu mundo, humano. O queAtta Aikhjarto sabe sobre voc deve ter tanto significado para ele que est sacrificandouma boa parte de suas foras por voc. Ele est absorvendo o seu veneno e lheoferecendo em troca a sua seiva da vida. O estranho apontou para as folhas quecaam. Ele est sofrendo no seu lugar, homem. E de agora em diante voc tem a forade um carvalho no seu sangue. Voc j no mais como os outros da sua espcie, evai...

  • Chega! Uma voz aguda interrompeu a fala do estranho. Os galhos da rvore seabriram e um centauro se aproximou do leito de Mandred.

    O guerreiro observou a criatura, perplexo. Nunca ouvira nada sobre aquilo antes. Ohomem-cavalo tinha o tronco musculoso de um homem, que crescia do corpo de umcavalo! Seu rosto era emoldurado por uma barba torcida em cachos. O cabelo era cortadocurto e um cordo de ouro descansava sobre sua testa. Trazia nas costas uma aljavacheia de flechas, atravessada entre os ombros, e na mo esquerda tinha um arco curtode caa. Poderia se passar por um imponente guerreiro, no fosse o corpo castanho decavalo.

    O centauro fez uma rpida reverncia a Mandred:

    Meu nome Aigilaos. A soberana da Terra dos Albos deseja v-lo, e concedeu-mea honra de conduzi-lo at a corte real disse com voz grave e melodiosa.

    Mandred sentiu a fora de ferro das razes se afrouxar, at libert-lo totalmente. Masele s tinha olhos para o centauro que, no sem motivo, recordava-lhe o homem-javali.Ele tambm era metade homem e metade animal. Como seria ento a aparncia dasoberana a quem esse homem-cavalo obedecia?

    Mandred apalpou a coxa. A ferida profunda se fechara sem deixar sequer uma cicatriz.Experimentou estender as pernas. Nenhum formigamento desagradvel, nada de dor!Parecia totalmente curado, como se nunca tivesse sido mutilado pela fera e pelo frio.

    Levantou-se cuidadosamente, ainda sem confiar na fora de suas pernas. Atravs dasola de suas botas podia sentir o macio cho do bosque. Isso era mgica! Uma mgicapoderosa que nenhuma bruxa das terras do fiorde seria capaz de fazer. Seus ps epernas estiveram mortos. Agora a sensibilidade retornara a eles.

    O guerreiro aproximou-se do imenso tronco do carvalho. Nem cinco homensconseguiriam juntos, de braos esticados, abraar a rvore. Devia ter sculos de idade.Mandred ajoelhou-se respeitosamente diante dele e tocou com a testa a sua cascairregular:

    Agradeo a voc, rvore. Devo-lhe a minha vida pigarreou, ento, constrangido.Como se agradece a uma rvore? A uma rvore com poderes mgicos, a qual o estranhosem face tratava com tanto respeito, como se fosse um rei. Eu... Eu retornarei e dareiuma festa em sua honra. Uma festa como as que fazemos nas terras do fiorde. Eu... Ele abriu os braos. Era lamentvel agradecer quele que salvara sua vida assim, com onada como promessa. Precisava ser algo slido...

    Mandred rasgou uma tira de tecido de sua cala e amarrou-a em um dos galhos maisbaixos:

    Se houver algo que possa fazer por voc, envie-me um mensageiro e pea-lhe queme entregue este pedao de tecido. Eu juro pelo meu sangue impregnado nele que, dehoje em diante, o meu machado se colocar entre voc e todos os seus inimigos.

  • Um rudo fez Mandred erguer os olhos. Uma bolota, fruto do carvalho, soltou-se dacopa da rvore, tocou o seu ombro e caiu sobre as folhas secas.

    Fique com ela disse o estranho em voz baixa. Atta Aikhjarto raramente dpresentes. Ele aceitou a sua jura. Guarde bem a bolota. Ela pode ser um grande tesouro.

    Um tesouro que todos os anos ganha milhares de irmos, que crescem nos galhosde Atta Aikhjarto zombou o centauro. Tesouros com os quais legies de esquilos eratos enchem suas barrigas. Voc foi realmente presenteado com muita riqueza, filho dehumanos. Venha agora, ou vai deixar a nossa soberana esperando?

    Mandred examinou desconfiado o centauro e curvou-se para apanhar a bolota.Aigilaos tinha algo de suspeito.

    Tenho medo de no conseguir acompanh-lo.

    Dentes muito brancos reluziram no meio da barba espessa. Aigilaos sorriulargamente.

    Isso no ser necessrio, filho de humanos. Suba nas minhas costas e segure comfora a tira de couro da minha aljava. No quesito fora, eu no perderia para um cavalode guerra do seu mundo, e aposto minha cauda que venceria uma corrida contraqualquer equino que encontrasse. Ao mesmo tempo, meu trote to leve que nenhumcapim se dobra sob meus cascos. Eu sou Aigilaos, o mais rpido dos centauros,enaltecido por...

    ... uma lngua ainda mais rpida caoou o estranho. Dizem que os centaurostm a lngua solta. Ela to rpida que s vezes ultrapassa at a verdade.

    E voc, Xern, dizem ser to rabugento que s as rvores o aguentam retrucouAigilaos, rindo. E isso provavelmente s assim porque elas no conseguem saircorrendo de voc.

    As folhas do grande carvalho se remexeram, embora Mandred no tivesse notadonem uma brisa. Folhas murchas caram como neve de primavera.

    O centauro olhou para cima, para o vigoroso carvalho. O sorriso desaparecera de suaface.

    Com voc eu no brigo, Atta Aikhjarto.

    Uma corneta soou ao longe. O centauro de repente pareceu aliviado.

    As cornetas da Terra dos Elfos chamam. Devo lev-lo corte da rainha, filho dehumanos.

    Xern saudou Mandred com a cabea. O feitio que escondia seu semblantedesapareceu por um momento. Ele tinha o rosto estreito e belo, exceto pelos grandeschifres que brotavam de seus cabelos grossos. O guerreiro ficou sem ar. Recuouassustado. Ento ali s havia homens-animais?

    De repente todos os fatos se juntaram num quadro ntido diante de Mandred. Era dali

  • que viera o homem-javali! Ele o poupara durante a caada. No foi por acaso o nico ase livrar de ser morto por ele. A perseguio... Teria sido parte de um plano traioeiro?Ser que tinha sido levado at o crculo de pedras? Talvez tenha sido presa daquela fera,fazendo justamente o que ela queria. Ele entrou no crculo de pedras...

    O centauro bateu, inquieto, os cascos no cho.

    Venha, Mandred!

    O guerreiro agarrou ento o cinto da aljava e lanou-se sobre as costas do centauro.Ele encararia o que o esperava! Afinal, no era nenhum covarde. Essa misteriosasoberana podia fazer soar mil cornetas que ainda assim ele no se curvaria diante dela.No, ele a encararia de cabea erguida e cheio de orgulho, e exigiria uma indenizaopela desgraa que a sua criatura bizarra causara nas terras do fiorde.

    Aigilaos afastou com suas fortes mos a cortina protetora de galhos e saiu para umacampina pedregosa. Mandred olhou em volta de si, admirado. Ali reinava a primavera e ocu parecia muito mais amplo do que no fiorde! Mas, ento, como uma bolota madurapodia ter cado da rvore?

    O centauro iniciou um galope veloz. As mos de Mandred se agarravam fortemente aljava. Aigilaos no mentira. Corria sobre as colinas rpido como o vento. Passou pelasrunas de uma enorme torre. Atrs dela se erguia um monte coroado por um crculo depedras.

    Mandred nunca fora um bom cavaleiro. Tinha cibras nos msculos, de to forte quepressionava as pernas contra os flancos equinos da criatura. Aigilaos ria. Divertia-se ssuas custas! Mandred, claro, jurou para si mesmo, em silncio: jamais pediria aocentauro que galopasse mais devagar.

    Atravessaram um ralo bosque de btulas. O ar estava repleto de sementes douradas.Todas as rvores cresceram havia pouco e seus troncos brilhavam como marfim. Nenhumdeles tinha a casca caindo aos pedaos as rvores que conhecia nas terras do fiorde.Rosas selvagens subiam por rochas errticas solitrias. Era quase como se na matareinasse uma ordem estranha e selvagem. Pois quem desperdiaria o seu tempo paracuidar de um pedao de floresta que no produzia nenhuma colheita? Certamente noum ser como Aigilaos!

    O caminho subia continuamente e logo tornava-se pouco mais que uma estreita trilhaselvagem. As btulas se alternavam com faias de copas to espessas que a luz malconseguia atravess-las. Para Mandred, os troncos altos e esguios se pareciam comcolunas cinzentas. Tudo estava estranhamente calmo. Ouviam-se somente as batidas doscascos, abafadas pelo grosso tapete de folhas. De vez em quando, Mandred notava nascopas ninhos esquisitos, que pareciam grandes sacos de linho branco. Luzes brilhavamem alguns desses ninhos e o guerreiro sentia-se observado. Havia algo l em cima queos acompanhava com seu olhar curioso.

    Aigilaos ainda voava em seu galope vertiginoso. Cavalgaram uma hora ou at mais

  • pelo bosque silencioso, at finalmente subirem por um largo caminho. O centauro sequersuava.

    O bosque ento tornou-se mais ralo. Grossas faixas de cascalho cinzento e coberto demusgo cortavam o cho escuro. Aigilaos diminuiu o passo. Olhava atento em torno de si.

    Mandred avistou outro crculo de pedras, meio escondido entre as rvores. As pedraserguidas estavam cobertas de heras. Uma imensa rvore estava cada, atravessando ocrculo. O lugar parecia estar abandonado h muito tempo.

    O guerreiro sentiu os cabelos de sua nuca se arrepiarem. Ali, o ar era um pouco maisfresco. Oprimia-lhe a sensao de que algo estava espreita um pouco fora de seucampo de viso, algo estranho at para o centauro. Por que ergueram este crculo depedras? O que teria acontecido naquele local?

    O caminho os levava ao topo de um rochedo. A vista sobre as terras que os cercavamera de tirar o flego. Logo diante deles havia um amplo desfiladeiro que Naida, aamazona das nuvens, parecia um dia ter criado ao rachar o cho pedregoso com um raioviolento. Um estreito caminho esculpido na pedra levava a uma ponte que formava umacentuado arco sobre o abismo.

    Do outro lado do desfiladeiro havia suaves colinas que, na direo do horizonte, iamse transformando em montanhas cinzentas. Naquela margem do rochedo desaguava paradentro do abismo uma poro de pequenos riachos espumantes.

    Shalyn Falah, a ponte branca disse Aigilaos respeitosamente. Dizem que foifeita a partir do dedinho da gigante Dalagira. Quem a cruza adentra o corao da Terrados Albos. J se passou muito tempo desde que um filho de humanos teve aoportunidade de ver este lugar.

    O centauro se aproximou da descida para o desfiladeiro. A gua espumante molhavao cho de cascalho liso. Comeou a descer cuidadosamente, tateando com os cascos epraguejando em uma lngua que Mandred no compreendia.

    Ao chegarem a uma ampla borda de pedra, Aigilaos pediu a Mandred para descer.Estavam diante da ponte. Tinha apenas sessenta centmetros de largura e as bordaseram levemente curvadas para fora, para que os respingos de gua pudessem escoar emvez de se acumular em poas. No havia corrimo.

    Uma maravilhosa construo, de fato murmurou Aigilaos, mal-humorado. Osconstrutores s no pensaram que por acaso pudesse haver criaturas com ferraduras noscascos. melhor para voc que atravesse a ponte com seus prprios ps, Mandred. esperado do outro lado. Vou por um desvio e s devo chegar ao castelo noite, mas asoberana no deve esperar tanto sorriu. Espero que no tenha vertigem.

    Ao observar a ponte lisa como um espelho, Mandred sentiu uma fraqueza. Mas nodemonstraria medo diante do centauro!

    claro que no tenho vertigem. Sou um guerreiro do fiorde. Sou capaz de escalar

  • como uma cabra.

    Pelo menos no peludo como uma cabra Aigilaos sorriu, insolente. Nosvemos na corte da soberana. O centauro deu-lhe as costas e logo galgou a ngremetrilha na borda do desfiladeiro.

    Mandred fitou a ponte. Nas lendas da terra das fadas, os guerreiros mortais sempreprecisavam passar por provaes. Seria essa a sua prova? Teria sido enganado pelocentauro? No fazia sentido quebrar a cabea com isso! Pisou na ponte, decidido.Surpreendeu-se que suas botas de inverno lhe davam bom apoio. Seguiucautelosamente, p ante p. Os respingos dgua escorriam pelo seu rosto e o ventoagarrava sua barba com mos invisveis. Logo estava em p, bem no meio do abismo. Agua espirrava sobre a ponte em nuvens cada vez mais densas. Era assim que ospssaros deviam se sentir nas alturas, entre o cu e a terra.

    Curioso, examinava o cho de pedra. No descobriu junes em nenhum lugar.Realmente parecia que a ponte havia sido recortada de uma nica rocha. Ou teria mesmosido feita do dedinho de uma gigante, como afirmara Aigilaos? Era lisa como marfimpolido. Mandred afastou esse pensamento. Se uma gigante como essa casse, sepultariasob si toda a terra do fiorde. Essa histria s podia ser uma lenda.

    Quanto mais longe ia, mais seguro se sentia. Finalmente pisou do outro lado. Olhoupara o abismo. As profundezas pareciam ter algo que o atraa e despertavam nele odesejo de pular; de se entregar liberdade da queda. Quanto mais olhava, mais forteficava o desejo de ceder a esse chamado.

    Mandred? Do vu de vapor saiu um vulto alto e esguio. Estava todo vestido debranco. Sua mo esquerda repousava sobre o cabo da espada presa ao seu cinto. Porreflexo, a mo direita de Mandred buscou o lugar no cinto que abrigava o machado. Foinesse momento que soube que estava desarmado.

    Seu acompanhante percebeu o movimento.

    No sou seu inimigo, filho de humanos. Afastou o cabelo do rosto com ummovimento displicente. Meu nome Ollowain. Sou o guardio da Shalyn Falah. Minharainha me incumbiu de acompanh-lo neste ltimo trecho at o castelo.

    Mandred examinou o homem. Ele se movimentava com a destreza de um gato. Noparecia muito forte, mas uma aura de autoconfiana o cercava, como se fosse o heri demuitas batalhas. Seu rosto era estreito e plido. Orelhas pontudas espetavam o cabelolouro-claro, desgrenhado pelo respingar da gua. Os olhos de Ollowain no revelavam oque estava pensando. Seu rosto era como uma mscara.

    Mandred pensou nas histrias que contavam nas longas noites de inverno. No haviadvida: aquele deveria ser um elfo! E ele tambm sabia o nome de Mandred...

    Por que todos me conhecem nesta terra? perguntou, desconfiado.

    As notcias correm rpido na Terra dos Albos, filho de humanos. Nossa rainha no

  • deixa passar nada que acontece nos seus domnios. Ela envia a seus filhos mensageirosque viajam com o vento. Mas agora venha. Temos uma longa viagem diante de ns, eno permitirei que deixe minha soberana esperando. Siga-me! O elfo virou-se sobre opatamar e pisou sobre a pequena ribanceira que havia depois da ponte.

    Mandred seguia o elfo com os olhos, espantado. Mas o que era aquilo? No assimque se trata uma visita, pensou ele, irritado. E irritava-se ainda mais com o fato de queOllowain aparentemente no duvidava em nenhum momento de que era acompanhado.Mal-humorado, seguia atrs do elfo pela ribanceira. As paredes vermelhas de pedra eramtranspassadas por veios cinza-azulados e negros. Mas Mandred no tinha olhos para abeleza das cores. Continuava pensando que seguia o elfo como um co segue o seudono.

    Se fosse tratado dessa maneira por um habitante do fiorde, o teria abatido semhesitar. Em sua terra natal ningum ousaria trat-lo de forma to desrespeitosa. Estavafazendo algo de errado? Talvez fosse falha sua? O elfo certamente era suscetvel aelogios. Todo guerreiro gostava de falar sobre suas armas.

    Voc leva uma espada magnfica, Ollowain.

    O elfo no respondeu.

    Eu prefiro lutar com machados.

    Silncio.

    Mandred cerrou os punhos. Mas que cara metido! Era o guardio de uma ponte eservial da rainha. De que isso valia? Para um guerreiro autntico, o elfo era franzinodemais.

    Na minha terra, s os homens mais fracos carregam espadas. O rei das lutas omachado. Para lutar com um machado preciso ter coragem, fora e habilidade.Somente poucos guerreiros tm essas trs virtudes na mesma medida.

    O elfo continuava sem esboar nenhuma reao. O que mais teria de dizer para tiraresse lacaio do srio?

    As ngremes paredes de pedra finalmente comearam a recuar e deram em umamuralha alta e branca. Era construda em forma de semicrculo, como se recuasse diantedo abismo. Mandred sabia qual era o sentido oculto disso: a muralha ficava mais longa.Dessa forma haveria lugar para mais arqueiros, caso um inimigo fosse louco o bastantepara atacar o centro da Terra dos Albos por este caminho.

    No meio da muralha havia uma torre estreita. Um grande porto de bronze se abriuquando se aproximaram.

    Se aquela torre ficasse no fim da ponte ou, melhor ainda, l em cima, na trilhangreme, seria mais fcil proteger a rea central. Dessa forma um punhado de homensseria capaz de deter uma tropa inteira disse Mandred casualmente.

    No se pode derramar sangue sobre a Shalyn Falah, filho de humanos. Voc

  • realmente acha que mais esperto que os construtores do meu povo? Ollowain sequerse deu ao trabalho de se virar enquanto falava.

    De fato no tenho muito respeito por construtores que se esquecem do corrimo aoconstrurem uma ponte retrucou Mandred, afiado.

    O elfo parou de caminhar.

    Voc mesmo ingnuo assim, filho de humanos, ou est confiando demais naproteo da rainha? Sua ama no lhe contou o que os elfos fazem com os humanos queos desrespeitam desse jeito?

    Nervoso, Mandred passou a lngua sobre os lbios. Tinha ficado completamente louco?Seria melhor ter ficado com o bico calado! Mas seria humilhante no responder agora,seria... Ele sorriu. Ainda havia uma sada.

    Voc mostra mesmo muita valentia ao zombar de um homem desarmado, elfo.

    Ollowain virou-se, girando a sua capa. Sua espada ergueu-se no ar, com o cabo paraa frente, a menos de um dedo de distncia do peito de Mandred.

    Voc acha que com uma arma na mo perigoso para mim, filho de humanos? Poisento tente!

    Mandred sorriu de forma insolente.

    Estaria lutando contra algum desarmado.

    O primeiro sinal para reconhecer um covarde a sua lngua solta replicouOllowain. Espero que agora no molhe as calas.

    A mo de Mandred fez um movimento rpido e agarrou a espada de Ollowain. Emseguida, deu um salto para trs. Isso estava passando dos limites! Na verdade, no farianada de mais contra esse cara arrogante, mas queria golpe-lo com o lado largo daespada e mostrar-lhe que se metera com a pessoa errada. Lanou um olhar rpido para omerlo da muralha, e viu que ningum os observava. Melhor assim, pensou. Certamenteno seria o prprio Ollowain que sairia contando por a que tinha levado uma surra.

    Mandred examinou o oponente. Estava vestido de forma suntuosa, era verdade, masheri ou mgico ele certamente no era. Que pessoa com a cabea no lugar seriacolocada como guardi de uma ponte que ningum cogita atravessar? Um babacaarrogante! Um z-ningum! Esse convencido agora ia aprender a ter respeito. Mesmo quefosse um elfo.

    Deu alguns golpes rpidos no ar para soltar os msculos. A arma era estranhamenteleve, muito diferente de uma espada humana. Era afiada dos dois lados. Precisaria tercuidado se no quisesse ferir Ollowain por engano.

    Voc vai me atacar agora ou vai precisar de mais uma espada? perguntou o elfo,entediado.

    Mandred lanou-se para a frente. Levantou a espada como se quisesse rachar o crnio

  • de Ollowain. No ltimo segundo mudou a direo do golpe, para acertar com as costas damo o ombro direito do elfo. Mas sua espadada perdeu-se no vazio.

    Ollowain se afastara o suficiente para que Mandred errasse o golpe por algumaspolegadas. O guerreiro vestido de branco riu com petulncia.

    Mandred tomou distncia. O elfo tinha a estatura de um menino, mas ainda assimqueria lutar. Mandred tentaria o seu melhor truque: uma artimanha que custara a vida detrs inimigos seus.

    Pisou para a frente com o p esquerdo como se quisesse dar uma sonora bofetada emOllowain. Ao mesmo tempo, deu um golpe de espada dobrando a mo direita, mirando ojoelho do oponente. Esse golpe de espada, dado com movimentos mnimos, s foipercebido por seus inimigos quando a lmina j os atingira. Mas um soco desviou suamo para o lado. E um pontap atingiu a ponta da espada, fazendo-a errar o alvo. O elfoento cravou-lhe o joelho entre as pernas.

    Mandred viu estrelas, e no conseguia respirar de tanta dor. Um empurro no peitotirou-lhe o equilbrio, e uma segunda pancada o fez tropear. Ele piscava para tentarvoltar a enxergar melhor. Mas o elfo era to rpido que seus movimentos sumiam, comoespectros sobrenaturais.

    Sem foras, Mandred deu um giro para se afastar do adversrio. Algo atingiu sua modireita. Seus dedos adormeceram de dor. A lmina de Mandred agora s era guiada porseus instintos de guerreiro, e desenhou um semicrculo no ar. Sentia-se desamparado,enquanto Ollowain parecia estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Ento umempurro arrancou a arma de sua mo. Um golpe de ar atingiu o guerreiro no ladodireito da face. E a luta ento acabou.

    Ollowain recuara alguns passos. Tinha a espada na bainha, como se nada tivesseacontecido. Aos poucos, Mandred voltava a enxergar com clareza. Havia muito tempoque ningum lhe dava uma sova como essa. O traioeiro elfo evitara acert-lo no rosto,assim ningum na corte perceberia o que aconteceu.

    Voc deve ter ficado com muito medo disse Mandred, ofegante , j queprecisou usar magia para me vencer.

    Ento, se os seus olhos so lentos demais para me acompanhar, trata-se demagia?

    Nenhum humano capaz de se mover to rpido sem mgica insistiu Mandred.

    Os lbios de Ollowain esboaram um sorriso:

    Isso mesmo, Mandred. Nenhum humano. Ele apontou para o porto da torre,que agora estava bem aberto. Ali dois cavalos selados esperavam por eles. Voc medaria a honra de me seguir?

    Todos os ossos de Mandred doam. Com as pernas rgidas, andou at o porto. O elfomantinha-se ao seu lado.

  • No preciso do apoio de ningum resmungou Mandred, mal-humorado.

    Caso contrrio faria papel de coitado tambm na corte. Um olhar amigvelsuavizou a acidez das palavras de Ollowain.

    Os cavalos aguardavam pacientemente sob o arco do porto. No se viam servos queos tivessem trazido at l. Uma entrada abobadada penetrava na forte torre como umtnel. Ela estava vazia. Atrs dos merles da muralha tambm no se via ningum. Derepente, Mandred mais uma vez se sentia observado. Ser que os elfos queriam esconderalgo, to forte era a guarnio que guardava o porto para a rea central? Ser que otomavam por um inimigo? Por um espio, talvez? Mas, se fosse assim, por que o carvalhoo teria curado?

    Dois cavalos, um branco e outro cinzento, esperavam por eles. Ollowain dirigiu-se aogaranho branco e afagou seu focinho, brincalho. Mandred teve a impresso de que ocavalo cinza o encarava com expectativa. No entendia muito de cavalos. Estes animaiseram de baixa estatura; tinham juntas magras e pareciam frgeis. Mas ele j se deixaraenganar pela aparncia de Ollowain. Eles provavelmente eram mais fortes e resistentesque qualquer outro cavalo que cavalgara at agora. Com a exceo de Aigilaos. Alembrana do centauro presunoso f-lo sorrir.

    Mandred gemeu ao se lanar sobre a sela. Quando estava sentado mais ou menosereto, o guerreiro elfo sinalizou que o seguisse. O pisar dos cascos sem ferraduras ecoavasurdo nas paredes do tnel do porto. Ollowain seguiu por um caminho que subia pelasverdes colinas levemente inclinadas. Foi uma longa cavalgada at o castelo da rainha doselfos, passando por bosques escuros e por uma infinidade de pequenas pontes. s vezesvia-se ao longe casas com telhados de abboda muito curvados. Colocadas na paisagemcom muito cuidado, lembravam a Mandred pedras preciosas, trabalhadas e engastadasde forma muito especial.

    As terras que cruzava com Ollowain eram de primavera. Mais uma vez Mandred seperguntava quanto tempo teria dormido sob o carvalho. As lendas diziam que na terrados elfos a primavera reinava eternamente. Certamente no se passaram mais que doisou trs dias desde que cruzara o crculo de pedras. Talvez at um s! Esforava-se paraorganizar os pensamentos, para no se colocar diante da rainha como um tolo. Nessemeio-tempo se convenceu de que o homem-javali viera dali, do mundo dos elfos.Pensava em Xern e em Aigilaos. Aqui no parecia ser nada incomum que homens eanimais se fundissem justamente como no caso da criatura que o atacara.

    Quando os nobres das terras dos fiordes se encontravam para falar de justia, cabia aMandred representar Firnstayn. Ele sabia o que era necessrio fazer para cortar umconflito pela raiz. Se ocorresse um assassinato que vitimasse um homem, a famlia doassassino tinha de arcar com uma indenizao famlia da vtima. Feito isso, no haviamais motivos para vingana e derramamento de sangue. A criatura viera daqui. Por causadela, Mandred perdera trs companheiros e a rainha dos elfos tinha responsabilidadesobre isso. Firnstayn era to pequena que a perda de trs homens robustos poderiaprejudicar a sua posio. Por isso exigiria uma alta indenizao! S Luth sabia quantos

  • homens de outras aldeias foram mortos pela fera. Os filhos dos albos causaram oprejuzo, e agora precisavam se responsabilizar por ele. Nada mais justo!

    Certamente os elfos no temeriam um conflito contra a sua aldeia. Mas, por seusamigos mortos, era seu dever se pronunciar diante da rainha para exigir justia. Ser quea soberana da Terra dos Albos pressentia isso? Sabia ela da culpa que tinha? Foi por issoque ordenou que o buscassem com tanta pressa e o levassem at a corte?

    No fim da tarde avistaram pela primeira vez o castelo da rainha dos elfos. Estavaainda um pouco distante, sobre uma colina ngreme do outro lado de uma ampla regiode bosques e campinas. A sua viso fazia Mandred perder a fala. O castelo pareciacrescer diretamente da pedra e querer perfurar o cu com o topo das torres mais altas.As muralhas eram de um branco reluzente e contrastavam com o verde-azulado dastorres que lembrava o tom do bronze velho. Nenhum dos senhores das terras do nortetinha um domiclio que pudesse ser comparado menor das torres deste castelo. Mesmoo trio dourado do rei Horsa pareceria insignificante em comparao a todo esseesplendor. Quo poderosa devia ser a senhora que reinava nestas terras! E quo ricaparecia ser... To rica que s precisaria estalar os dedos para mandar que cobrissem deouro todas as casas comunais de sua aldeia. Ele precisava refletir sobre o valor queestabeleceria como compensao pela morte de seus companheiros de caa.

    Embora no tivesse dito nada, Mandred estava surpreso com o quo lentamente seaproximavam do castelo. Os cavalos voavam sobre a terra, rpidos como o vento, mas nohorizonte o castelo mal aumentava de tamanho. Passaram por uma rvore que pareciato velha quanto as montanhas. Seu tronco era robusto como uma torre e havia coisasesquisitas em seus ramos amplamente espalhados. Era como se a madeira viva tivesseproduzido cabanas redondas nas junes entre os galhos. Havia pontes de corda que seesticavam ligando as cabanas entre si. Entre os galhos, Mandred conseguia ver silhuetassemiocultas. Seriam elfos como Ollowain? Ou ainda um outro povo estranho?

    De repente, uma revoada de pssaros levantou voo da rvore, como se obedecendo aum comando inaudvel. Suas plumagens brilhavam em todos os tons do arco-ris.Passaram voando sobre Mandred, muito prximos, traando um amplo arco no cu, eento deram voltas sobre os dois cavaleiros. Pareciam ser milhares. O ar se encheu dofarfalhar das asas. A dana das cores das penas era to maravilhosa que Mandred noconseguiu desviar o olhar, at que o bando aos poucos se dissipou.

    Ollowain ficara em silncio durante todo o percurso. Parecia estar absorto empensamentos, e indiferente s belezas das terras centrais. Mandred, em contrapartida,no se fartava de admir-las.

    Passaram ento por um lago raso. No fundo reluziam pedras preciosas. Que tipo deseres eram aqueles que simplesmente jogavam tesouros como esses na gua? Bem, eleprprio j tinha feito oferendas aos deuses. Numa calma noite de lua cheia, levou omachado do primeiro homem que venceu Fonte Sagrada, nas profundezas dasmontanhas, e com ele presenteou Norgrimm, deus das batalhas. Freya e as outrasmulheres prestaram homenagens a Luth, tranando os galhos da tlia da aldeia com tiras

  • de tecido feitas artisticamente. Mas nada que se comparasse quilo.J que o povo lficoparecia to rico, parecia apropriado oferecer pedras preciosas a seus deuses. No entanto,tanta riqueza irritava Mandred. Ele no sabia como chegara aqui, j que este reino nopodia estar to distante assim das terras do fiorde. E aqui havia tudo em abundncia,enquanto seus semelhantes passavam necessidades no inverno. Apenas uma pequenaporo destes tesouros j seria capaz de acabar com a fome para sempre. Qualquer valorque exigisse como reparao por seus companheiros mortos certamente seriainsignificante para os elfos.

    Em vez de ouro e pedras preciosas, ele queria outra coisa. Queria vingana. O corpodaquela fera, o homem-javali, teria de ser entregue sem vida a seus ps!

    Mandred observou Ollowain. Um guerreiro como ele certamente seria capaz dederrotar o monstro com facilidade. Suspirou. Agora tudo parecia mais fcil.

    Chegaram a um ralo bosque de faias. O som das flautas danava no ar. Em algumlugar das copas das rvores soava uma voz to pura que iluminava os coraes. EmboraMandred no entendesse uma palavra sequer, a sua ira evaporou. O que sobrou foisomente o luto pelos amigos perdidos.

    Quem est cantando ali? perguntou a Ollowain.

    O guerreiro vestido de branco olhou para a copa das rvores.

    Uma donzela do povo da floresta. um povo solitrio e sua vida muito ligada srvores. Se no querem ser vistos, ento ningum consegue encontr-los, a no ser osseus semelhantes, talvez. So conhecidos por seu canto e por sua habilidade com o arcoe movem-se pelos ramos como sombras. Tenha cautela ao adentrar uma de suasflorestas se tiver diferenas com eles, filho de humanos.

    Aflito, Mandred levantou os olhos para as rvores. Vez ou outra acreditava versombras l em cima, e estava satisfeito que logo deixariam o bosque novamente. O sommorno das flautas ainda os acompanhou por um tempo.

    O sol j tocava as montanhas no horizonte quando alcanaram o amplo vale sobre oqual o castelo da rainha se impunha. Ao longo de um pequeno riacho havia umacampamento. Estandartes de seda tremulavam ao vento e as barracas pareciamcompetir umas com as outras em suntuosidade. Nas colinas viam-se casas comcorredores ladeados por colunas. Algumas delas eram ligadas entre si por longoscaramanches cobertos de rosas e heras. As construes em torno da encosta eram tovariadas que no era possvel desviar o olhar. Porm, o que mais impressionava Mandredera o fato de no haver nenhuma muralha cercando a colnia dos elfos e nenhuma torrede observao nas colinas ao seu redor. Eles pareciam totalmente seguros de que estevale jamais seria atacado. Nem mesmo o castelo da rainha, com suas toimpressionantes torres da altura do cu, funcionaria como uma poderosa estrutura dedefesa. Muito ao contrrio: ele alegrava o olhar de um observador pacfico, em vez deintimidar conquistadores sedentos.

  • Mandred e Ollowain prosseguiram at o porto por um largo caminho, totalmentecoberto pelas copas de rvores e iluminado pelo brilho dourado da luz de lampies aleo. O tnel do porto era mais curto que o outro, na fortificao no desfiladeiro apsShalyn Falah. Guerreiros elfos cobertos at os tornozelos por cotas de malha recostavam-se sobre seus escudos. Seguiam Mandred com o olhar atentos, porm discretos. Noamplo ptio aglomeravam-se nobres ricamente vestidos que o examinavam semqualquer pudor. Seus olhares faziam Mandred se sentir sujo e insignificante. Todos alivestiam tnicas luxuosamente bordadas, a ponto de refletir a luz dos candeeiros. Ostrajes eram repletos de prolas e pedras que Mandred sequer conseguia nomear. Ele, emcontrapartida, estava vestido de trapos: uma cala rasgada e manchada de sangue, umcolete de pele pudo. Precisava passar por eles como um mendigo. Mas o fez altivamente,de cabea erguida. Vestira, na falta de algo melhor, o seu orgulho!

    Ollowain saltou da sela. S ento Mandred notou um fino rasgo na capa do guerreiro.Teria o atingido durante o duelo? Era certo que Ollowain jamais vestiria uma pea deroupa rasgada sem necessidade.

    Mandred tambm apeou. Um rapaz com pernas de bode aproximou-se apressado eagarrou as rdeas do cavalo. Mandred observou abismado o cuidador, que fedia como umbode velho. De novo um homem-animal! Eles eram aceitos at mesmo neste magnficocastelo!

    Do grupo de cortesos veio um elfo bem alto. Vestia uma longa tnica negra, com abainha ornada de bordados de prata em forma de folhas e flores entrelaadas. Tinhacabelos grisalhos como prata at a altura dos ombros e uma coroa de folhas prateadasmuito macias descansava sobre suas tmporas. Seu rosto era plido, quase sem cor, e oslbios eram apenas linhas finas. Nos seus olhos queimava um azul frio e claro. Ollowaincurvou-se rapidamente diante dele. A diferena entre os dois no poderia ser maior: paraMandred, eles eram como luz e sombra.

    Minhas saudaes, mestre Alvias. Como nossa soberana Emerelle desejava, trouxeo filho de humanos em segurana at o castelo. O tom de voz de Ollowain no deixavadvidas de que o desejo de sua rainha era uma ordem.

    Ambos os elfos trocaram olhares, e a Mandred pareceu como se conversassem emsilncio. Finalmente, mestre Alvias deu a entender com um gesto que deveria segui-lo.

    O guerreiro sentiu-se como se estivesse preso em um pesadelo quando, seguindomestre Alvias, comeou a subir uma larga escada que levava a um corredor com colunas.Tudo ao seu redor era de uma beleza opressora e impregnado de uma estranha auramgica um lugar to perfeito que causava medo.

    Atravessaram dois amplos trios. Cada um deles poderia abrigar toda uma aldeia. Doteto pendiam largos estandartes, enfeitados com guias e drages estilizados, mastambm havia figuras de animais que Mandred nunca vira antes. Embora no percebessenenhuma corrente de ar, eles se movimentavam como se embalados por uma suavebrisa. Ainda mais incomuns eram as paredes. Ao se aproximar, via-se que eram feitas de

  • pedra branca, assim como a ponte de Shalyn Falah e a fortificao do outro lado dodesfiladeiro. A pedra do castelo, contudo, parecia enfeitiada: dela irradiava uma luzplida e feminina. A poucos passos de distncia desaparecia a impresso de se estarcercado de pedra. Quem ali estava ento tinha a sensao de se mover por um trio deluz.

    Sempre que se aproximavam de uma porta, suas folhas se abriam como se movidaspor uma mo invisvel. No meio do segundo trio havia uma fonte cujas guas saam dagarganta de um monstro para desaguar em um lago pequeno e redondo. A besta estavacercada de guerreiros petrificados. Aflito, Mandred sentia seu corao bater mais rpido.Se precisava de mais uma demonstrao dos poderes mgicos da rainha, j a tinha. Se aaborrecesse, ela o transformaria num enfeite de pedra para o seu castelo!

    Outro porto alto abriu-se diante deles. Adentraram um salo de paredes ocultas poruma cortina de gua prateada e cintilante. No tinha teto: em vez disso, era o brilhoavermelhado do cu noturno que se arqueava sobre eles. Uma msica baixa pairava noar. Mandred no sabia dizer quais instrumentos seriam capazes de emitir to lindos sons.A msica dissipou o medo que crescera em seu peito desde que pisara no ptio docastelo. Este certamente no era um lugar feito para humanos. Ele no deveria estaraqui.

    Cerca de trs dzias de elfos j esperavam no salo, cujos olhos pousaram todossobre Mandred. Era a primeira vez que o guerreiro via elfas. Eram altas e magras, tinhamquadris mais masculinos que as fmeas humanas e os seios eram midos e rgidos.Quando se tratava de humanos, Mandred no gostava de mulheres assim, quase infantis.Mas as elfas eram diferentes. Tinham rostos de uma beleza capaz de fazer esquecer todoo resto. No sabia dizer se era culpa de seus lbios curvos, dos traos sem idade ou dosolhos que atraam para abismos que prometiam prazeres desconhecidos. Ao esconder asqualidades de seus corpos magros, realavam-nas ainda mais. Mandred no conseguiatirar os olhos de uma das elfas. Vestida de forma mais provocante que as demais, otecido de sua tnica deixava transpareceer as arolas rosadas de seus seios e umasombra atraente destacava-se entre suas coxas. Nenhuma humana ousaria vestir-seassim.

    Defronte do porto, sete degraus subiam at o trono do povo lfico: uma cadeira lisade madeira escura, com incrustaes de pedras pretas e brancas no formato de duasserpentes entrelaadas. Ao lado do trono havia uma coluna baixa com uma tigela rasa deprata. Diante do assento do soberano estava uma jovem elfa. Era um pouco mais baixaque as outras na sala. Seu cabelo louro-escuro caa em ondas sobre os seus ombros nuse brancos como leite. Seus lbios tinham a cor das amoras silvestres e seus olhos eramcastanhos-claros como a pele de um filhote de cora. Trajava um vestido azul, com fiosde prata entrelaados. Foi diante dela que mestre Alvias se curvou.

    Emerelle, soberana, este o filho de humanos Mandred, que adentrou o vossoreino sem ser chamado.

    A rainha fitou Mandred com um olhar penetrante. Ele no conseguia decifrar em seu

  • rosto o que ela estava pensando e permanecia inerte, como se talhado em pedra. Essemomento pareceu durar uma eternidade. A msica foi baixando at sumir, e agorareinava apenas o suave murmrio da gua.

    Qual o seu desejo, Mandred Filho de Humanos? Finalmente soou a clara voz darainha.

    A boca de Mandred estava seca. Durante a cavalgada pensara muito no que deveriadizer quando estivesse de frente com a rainha dos elfos. Mas agora sua cabea estavavazia, sem nada alm da preocupao com os seus e da ira pela morte de seuscompanheiros.

    Exijo uma indenizao pelo assassinato que um de seus sditos cometeu,soberana. Essa a lei do fiorde! Deu um passo adiante.

    O barulho da gua tornou-se mais alto. Atrs de si Mandred ouviu murmrios deindignao.

    Qual de meus sditos teria cometido tal assassinato? perguntou Emerelle comvoz calma.

    No sei o nome, mas um monstro metade homem, metade javali. Vi muitascriaturas como ele ao longo do caminho para vosso castelo.

    Uma ruga profunda surgiu entre as sobrancelhas da rainha.

    No conheo nenhum ser como o que voc descreve, Mandred Filho de Humanos.

    Mandred sentiu o sangue subir at suas faces. Que mentira insolente!

    Vosso mensageiro foi um centauro, e no ptio do castelo um homem-bode levou oscavalos. De onde mais poderia ter vindo um homem-javali seno de vosso reino, rainha?Eu exijo...

    A gua agora corria retumbante parede abaixo.

    Voc ousa chamar nossa rainha de mentirosa! indignou-se Alvias. Uma multidode elfos cercou Mandred.

    O guerreiro cerrou os punhos.

    Eu sei exatamente o que vi!

    Mantenham a hospitalidade! A rainha mal levantou a voz, mas foi ouvida portodos. Fui eu quem convidou o filho de humanos a esta sala. Aquele que toc-lotambm cutucar a minha honra! E voc, Mandred, segure a sua lngua. Eu lhe digo: noexiste na Terra dos Albos uma criatura como a que se referiu. Conte-nos o que essehomem-javali fez. Sei muito bem que vocs, homens, evitam o crculo de pedras. Por quevoc fugiu para c?

    Mandred contou sobre a caada em vo e sobre a fora da criatura. Quando terminou,viu que a ruga entre as sobrancelhas de Emerelle tornara-se ainda mais profunda.

  • Lamento pela morte de seus companheiros, Mandred. Que eles sejam bemacolhidos nos trios de seus deuses.

    O guerreiro encarava a rainha, surpreso. Esperava que ela prosseguisse, que lhefizesse uma proposta. Isso no podia ser tudo! O silncio continuava. Mandred pensouem Freya. Cada hora perdida colocava-a ainda mais em perigo isso se a fera j notivesse se lanado sobre Firnstayn h tempos.

    Envergonhado, baixou o olhar. De que valia o seu orgulho se fora pago com o sanguedos seus?

    Rainha Emerelle, eu... eu peo a vossa ajuda na caa a esse monstro. Eu... peoperdo se a ofendi. Sou s um homem simples. Lidar com palavras no o meu forte. Eufalo com o corao.

    Voc vem a meu castelo, Mandred, ofende-me diante de minha corte e agorapergunta se eu arriscaria a vida de meus caadores para cuidar de um problema seu?Voc s pode mesmo estar falando com o corao, filho de humanos. A mo deEmerelle fez um movimento circular sobre o recipiente de prata, e ela lanou um rpidoolhar sobre a gua. E por minha ajuda, o que me oferece em troca? O seu povo nopaga sangue com sangue?

    Mandred surpreendeu-se. Os soberanos das terras do fiorde sempre expressavamabertamente suas exigncias, sem pechinchar como comerciantes. Ps-se de joelhos:

    Liberte a minha ptria daquele monstro e vossa majestade reinar sobre mim.Estarei ao vosso dispor.

    Emerelle riu baixo.

    Mandred, na verdade voc no exatamente um homem que eu gostaria de verperto de mim todos os dias. Ela se calou e voltou a olhar dentro da tigela prateada. Eu exijo o que Freya, sua esposa, carrega no ventre. O primeiro filho que dar a voc,Mandred Filho de Humanos. No se consegue a amizade do povo lfico apenas compalavras vazias. Mandarei buscar a criana daqui a um ano.

    Era como se Mandred tivesse sido atingido por um raio.

    O meu filho? Voltou o olhar para os outros elfos, como que pedindo ajuda. Masem nenhum dos rostos havia compaixo. Como dizia mesmo a histria infantil? Oscoraes dos elfos so gelados como as estrelas de inverno... Crave-me um punhal nopeito, rainha. Minha vida termina aqui e agora. Pagarei esse preo sem hesitar se vossamajestade ajudar os meus semelhantes em troca.

    Grandiosas palavras, Mandred replicou a rainha com frieza. Mas de queserviria derramar o seu sangue diante dos degraus do meu trono?

    E de que serviria uma criana? protestou Mandred, em desespero.

    Essa criana ser um elo entre os homens e os elfos retrucou calmamente. Eladever crescer entre o meu povo, e ter os melhores mestres. Quando o seu filho tiver

  • idade suficiente, poder decidir se quer ficar conosco para sempre ou se deseja retornarpara os seus irmos humanos. Se quiser voltar, lhe daremos ricos presentes para levarconsigo, e estou certa de que conquistaria o seu lugar entre os mais importantes do seupovo. Mas a ddiva mais importante que levaria para o mundo dos homens seria aamizade do povo lfico.

    Mandred tinha a sensao de que a graciosa elfa segurava e apertava o seu coraocom mo de ferro. Como poderia prometer aos elfos o filho que ainda no nascera? Mas,se recusasse, ento a criana poderia sequer chegar a nascer. Quanto tempo duraria atque aquela besta adentrasse o pequeno povoado no fiorde? J teria chegado l?

    Freya, minha esposa, ainda est viva? perguntou tristemente.

    A rainha passou a mo suavemente sobre a tigela de prata.

    Alguma coisa est escondendo a criatura que voc chama de homem-javali. Masela ainda parece estar prxima do crculo de pedras. No atacou o seu vilarejo. Elaergueu os olhos e o encarou diretamente. Qual a sua deciso, Mandred Filho deHumanos?

    Ainda terei outros filhos com Freya, Mandred tenta convencer a si mesmo. Talvezela tenha no ventre uma menina, e a perda ento no seria to difcil. Ele era o jarl desua aldeia, o responsvel por todos. O que era uma vida se comparada a todas aquelasoutras?

    Voc ter o que exige, rainha. A voz de Mandred no era mais que um sussurro.Seus lbios queriam trancar as palavras, mas ele se obrigava a falar. Se os seuscaadores matarem o homem-javali, ento o meu filho pertencer a vs.

    Emerelle acenou com a cabea na direo de um elfo vestido de cinza-claro e pediu-lhe que desse um passo frente.

    Farodin do cl Askalel, voc j provou sua coragem muitas vezes. Sua sabedoria eexperincia tornaro a caada bem-sucedida. Convoco-o agora para a Caada dos Elfos.

    Mandred sentiu um arrepio subir por suas costas. A Caada dos Elfos! Quantashistrias j ouvira sobre essa sociedade cercada de segredos!

    Dizem que esses caadores extraordinrios no deixam passar nenhuma presa. E oseu alvo sempre encontra a morte. Lobos to grandes quanto cavalos so seus ces decaa e, nas veias de seus cavalos, corre fogo lquido. Eles cavalgam pelo cu noturno,escondidos sob a luz das fadas, e se atiram sobre as presas como guias. Apenas os maisnobres e valentes podem participar da caada. Todos so tanto guerreiros quantofeiticeiros e to poderosos que os trolls escondem-se em seus castelos quando eles saempara caar. At os drages os temem. Eu consegui coloc-los na pista daquela aberrao,pensou Mandred, exultante. Eles destroariam a fera numa vingana sangrenta por seusamigos mortos!

    A rainha ainda chamou mais alguns nomes, mas os que foram chamados pareciam

  • no estar na sala do trono. Finalmente indicou uma figura vestida de marrom, que primeira vista parecia assustadora.

    Nuramon do cl Weldaron, a sua hora chegou.

    Um murmrio tomou conta dos elfos aglo