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  • Elementos para o estudo do

    Plano de Urbanizao da Cidade

    de Lisboa (1938)Vasco Br i to

    Ca ta r ina Te les Fe r re i ra Camar inhas

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  • 11.. I N T R O D U O

    O trabalho preparatrio do Plano Director de 1938/48, Elementos para o estudo do plano deurbanizao da cidade de Lisboa, foi publicado em 1938 e elaborado pelo engenheiro muni-cipal Antnio Emdio Abrantes, chefe da Repartio Tcnica da Planta da Cidade. Seguidore admirador confesso de Ressano Garcia, que numerosas vezes elogia nos seus planos,Emdio Abrantes foi autor de mais de 40 planos para o municpio de Lisboa at sua partic-ipao nos estudos para o Plano Director, que iniciaria em 1932.

    O Plano Director de Urbanizao de Lisboaseria desenvolvido sob direco do urba-nista francs de origem russa tienne deGrer, convidado em 1938 por DuartePacheco para ocupar o cargo de urbanista--conselheiro tcnico de cmara.

    Partindo do relatrio e desenhos elaboradospor Emdio Abrantes, revistos por tiennede Grer e constantes do ArquivoMunicipal do Arco do Cego, pretende-secontextualizar o trabalho preparatriodaquele que foi o mais importante instru-mento de planeamento da cidade de Lisboae que acabaria por traar a sua expanso edesenvolvimento urbanstico durante asegunda metade do sculo XX.

    O ano de 1938 marcar o incio de uma profunda reforma da administrao municipal,trazendo novas possibilidades jurdicas, tcnicas e financeiras, indispensveis urbanizao daCapital. A 1 de Janeiro, Duarte Pacheco deixa a direco do Instituto Superior Tcnico eassume a presidncia da Cmara Municipal de Lisboa, cargo que viria a acumular, a partir deMaio, com o de ministro das Obras Pblicas. O perodo de forte crescimento demogrfico,com problemas de alojamento, agravados pela inexistncia de polticas habitacionais e urbanaspersistentes durante os anos conturbados da I Repblica, que deixou uma herana urbansti-ca de difcil gesto.

    Ser um perodo de intensa actividade urbanstica municipal, apoiado por medidas de mbitonacional facilitadas pela presena de Duarte Pacheco no governo. As reformas administrati-vas so apoiadas nomeadamente pela simplificao do processo de expropriaes1, pela legis-

    Antnio Emdio Abrantes; natural de Lisboa, nasceu em 26 de Fevereiro de 1888. Ingressou na Cmara Municipal de Lisboa como praticante

    de desenhador em 1903, tendo sido ajudante de medidor em 1905, poca em que participou no trabalho de levantamento da cidade adjudi-

    cado a Jlio Antnio Vieira da Silva Pinto e Alberto de S Correia. Formou-se em Engenharia Civil em 1920, passando a engenheiro nesse

    mesmo ano. Leccionou no Instituto Superior Tcnico as cadeiras de Topografia e Geodesia.

    Reformou-se com o limite de idade de 70 anos em 1958, tendo falecido em 23 de Setembro de 1970.

    Nomeaes:

    18 de Agosto de 1927 foi proposta a efectivao do cargo de chefe da 3 Repartio , cargo que j desempenhava.

    6 de Maro de 1928: nomeado para fazer parte da comisso que deveria proceder delimitao de terrenos da margem do Tejo perten-

    centes Administrao do Porto de Lisboa.

    31 de Dezembro de 1929: nomeado para fazer parte da comisso de avaliao do estado e capacidade das escolas existentes.

    30 de Janeiro de 1931: nomeado como representante da Cmara Municipal de Lisboa na comisso para o estudo de arborizao do

    permetro do Monsanto.

    2 de Dezembro de 1932: nomeado para estabelecimento das bases de acordo amigvel com a Carris em terrenos a expropriar para a

    construo da Casa da Moeda e construo da Av. Joo Crisstomo e prolongamento da Rua de D. Estefnia.

    26 de Janeiro de 1933: nomeado para integrar a comisso encarregada de estudar os elementos para o plano de urbanizao da cidade

    de Lisboa.

    2 de Maro de 1933: nomeado para estabelecimento de um acordo com a C.P. para ocupao de parcelas de terreno destinadas aber-

    tura da Avenida de Ceuta.

    31 de Dezembro de 1936: nomeado chefe de Repartio.

    2 de Janeiro de 1939: nomeado Engenheiro Civil de 1 Classe.

    Sobre este assunto ver: Processo individual n. 262. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco Cego.

    1 DECRETO-LEI n. 28.797/38. D. R. I Srie. 159 (38-07-01). p. 1044 - Regime dos centenrios.

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  • lao relativa ao realojamento provisrio2 e pela criao da Seco deMelhoramentos Urbanos3 que dar orientao tcnica e exercer o con-trolo dos trabalhos de elaborao dos Planos Gerais de Urbanizao, anvel nacional.

    O municpio, reconhecendo a necessidade de orientao pblica, tomar,sob sua responsabilidade exclusiva, o estudo e a execuo dos trabalhosde urbanizao sobre o territrio de sua administrao. Os servios exis-tentes foram reorganizados em 1938 e foram feitas nomeaes de pessoalpara o estudo e reviso dos grandes problemas que se impunham administrao municipal. Foram traadas as grandes linhas de comuni-

    cao e delimitados os terrenos de forte implantao de contruo nova. Foi tambm travadaa iniciativa privada no sentido de no ser permitida a construo de bairros j previstos masque poderiam vir a comprometer o desenvolvimento urbanstico futuro. Foi ainda criado umfundo especial para a construo em terrenos rurais ou com construes precrias. O munic-pio desencadeou a compra dos terrenos, tentando utilizar os fundos resultantes da venda dasparcelas urbanizadas para fins pblicos, ao invs de virem a reverter para o benefcio privado.

    Uma das reas de interveno prioritria do municpio seria o Bairro da Mouraria, na pocaum bairro desfavorecido, descrito como bairro de construes insalubres e inestticas, alvode preocupaes higienistas e sociais. A construo do Parque de Monsanto (1934-38) seriaoutra condicionante forte do ponto de vista urbanstico. Em 1938 as nicas reas estudadasna escala 1:1000 eram as relativas ao Parque Eduardo VII e ao aeroporto de Lisboa. Uma dasdificuldades presentes era a ausncia de um levantamento actualizado da planta da cidade4.Seria urgente reunir um conjunto de elementos necessrios produo de um documento quepudesse orientar o desenvolvimento urbano da cidade.

    22.. OS E S T U D O S DE A N T N I O E M D I O A B R A N T E S

    Em Julho de 1932, foi apresentado publicamente pelo engenheiro Antnio EmdioAbrantes, um relatrio que visava a elaborao de um futuro plano de urbanizao no qual sepropusessem medidas a desenvolver durante as prximas dcadas, com a finalidade de resolver

    2 DECRETO-LEI n. 28.912/38. D.R. I Srie. 186 (38-08-12). p. 1198.

    3 DECRETO-LEI n. 29.218/38. D.R. I Srie. 282 (38-12-06). p. 1579.

    4 A 14 de Fevereiro de 1939 foi adjudicado, mediante concurso, o levantamento da planta da cidade esc. 1:1000 firma "OtticoMeccanica Italiana e Rilevammenti Aerototogrammetrici". Foram rapidamente obtidas as fotografias areas que viriam a ser uti-lizadas na elaborao do plano, atenuando o inconveniente da inexistncia de levantamento actualizado.

    FFiigguurraa 11 Duarte Pacheco, scar Carmona e Salazar na inaugurao do parque infan-

    til do jardim Guerra Junqueiro, 1938. Revista Municipal, n.2, 1939

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  • 5 Segundo um artigo do Dirio de Notcias, datado de 10 de Julho de 1932, o engenheiro Antnio Emdio Abrantes teria con-vocado a imprensa para dar conhecimento pblico do relatrio. Dividiu o estudo em duas partes: Melhoramentos de realizaoimediata e Melhoramentos de realizao futura. O objectivo era a elaborao de um plano "cuja realizao se arrastaria por duasou trs geraes." Veja-se Dirio de Noticias de 10/7/1932, p. 49.

    6 A proposta n. 424 datada de Dezembro de 1932 efectuada pelo presidente da Comisso Administrativa, General Vicente deFreitas, visava a organizao de uma "Comisso de Urbanizao". Aps a concordncia da Junta Urbana de Higiene, foi aprova-da em sesso de Cmara datada de 26 de Janeiro de 1933. Foi nomeada uma equipa constituda pelos engenheiros AntnioEmdio Abrantes, Antnio Nunes Freire e lvaro Fontoura e os arquitectos Henrique Taveira Soares, Antnio Piloto e Dr.Alberto Gomes. (SILVA, Carlos Nunes - Poltica urbana em Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 1994. ISBN 972-24-0878-X. p. 30;Sesso de 29 de Dezembro de 1933. Boletim da Cmara Municipal de Lisboa. Lisboa, (1933)).

    7 O pelouro de Urbanizao foi reorganizado em 1934 e era constitudo por: Secretaria Privativa do Pelouro, Servio da Plantada Cidade, Expropriaes e Servio de Edificaes Urbanas. No mbito da nova reorganizao de servios atravs do Decreto--Lei n. 29.389 datado de 7 de Janeiro de 1939 foi criada a Direco dos Servios de Urbanizao e Obras que passou a con-centrar todas as actividades municipais relativas urbanizao geral e expanso da cidade.

    8 GRER, tienne de - Plano Director de Lisboa: modo actual de construir. Lisboa: Cmara Municipal, 1948. p. 2. policopiado.

    problemas prementes e modernizar a cidade. Este relatrio seria a base de trabalho do estudoposteriormente realizado5.

    Em Dezembro desse mesmo ano, foi proposta a elaborao de um estudo que pudesse con-tribuir para a elaborao de um plano de urbanizao da capital. Esta proposta6, viria a serefectivada em 23 de Janeiro de 1933 mediante a designao de uma comisso encarregada deestudar o plano de urbanizao e melhoramentos da cidade, a qual seria liderada pelo enge-nheiro Antnio Emdio Abrantes, funcionrio municipal e figura proeminente da CmaraMunicipal de Lisboa, onde desempenhava funes no Pelouro de Urbanizao7.

    Em 1938 apresentado um relatrio sobre a cidade de Lisboa com o ttulo Elementos para oestudo do plano de urbanizao da cidade de Lisboa.

    O estudo de Emdio Abrantes ter sido estabelecido na sequncia de um programa de anlisepreliminar proposto por De Grer, como referido pelo prprio no Relatrio do PlanoDirector de Lisboa de 1948: No que se refere ao texto do presente Relatrio, pude concentr-lo graas circunstncia seguinte: na poca em que eu estava a desempenhar o papel de urbanista-conselheiro tcnico, redi-gi um programa para o estudo dos elementos analticos, que deviam servir para estabelecimento do PlanoDirector, e o Sr. Engenheiro Civil Antnio Emdio Abrantes ps-se ento procura dos documentosnecessrios para constituir o estudo geogrfico, geolgico, climtico, histrico e econmico da cidade, e a anlise doseu estado actual; tendo-os na sua posse, escreveu um volume intitulado: "Elementos para o Estudo do Planode Urbanizao de Lisboa", muitas partes do qual tm at agora um valor real. Como consequncia disso oDignssimo Municpio de Lisboa j est na posse duma documentao bastante completa, e no acho til repro-duzi-la aqui 8.

    O trabalho, desenvolvido pelo engenheiro Antnio Emdio Abrantes e publicado pelaCmara Municipal de Lisboa, constitudo por uma parte escrita e uma parte desenhada,remetendo o relatrio para as peas desenhadas que o acompanham. No Arquivo Municipal

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  • 9 Os estudos de Emdio Abrantes sero complementados em 1941, pelo arquitecto Lauga que desenvolver um levantamento dosequipamentos escolares, do abastecimento e mercados. Sobre este assunto ver: Estudos e projectos de urbanismo, pasta n. 101, caixan. 82, Relatrios das escolas primrias e relatrio dos mercados. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

    10 ABRANTES, Antnio Emdio - "Elementos para o estudo do plano de urbanizao da cidade de Lisboa". In Planos DirectoresMunicipais. p. 2. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

    do Arco do Cego existem dois exemplares do relatrio, contendo anotaes e recomendaesdo urbanista tienne de Grer, que ter acompanhado de perto a sua realizao.

    Nos Elementos para o estudo do plano de urbanizao da cidade de Lisboa so analisados os seguintesaspectos:

    Desenvolvimento superficial (sobreposio, numa mesma carta, dos vrios limitesadministrativos da cidade, 1147, 1383, 1850 e 1895);

    Divises fiscal e administrativa;

    Anlise do parque habitacional e escolar existente;

    Localizao das habitaes clandestinas;

    Levantamento das actividades comerciais, principais fbricas e oficinas, serviosmunicipais, correios, servios sociais e sanitrios, hospitais;

    Estudo de trfego, incluindo rede de transportes e estudo detalhado do Rossio;

    Levantamento geolgico;

    Curvas referentes aos valores de terreno;

    Redes de guas (apenas zonas no abastecidas e reservatrios), gs e electricidade;

    Lista dos Edifcios e Monumentos Nacionais e de Interesse Pblico9.

    22..11.. A S P E C T O S H I S T R I C O SO autor comea por situar a cidade de Lisboa na margem do rio Tejo, encruzilhada naturalde caminhos de longo curso e aprazvel residncia de quantos buscam uma urbe funcional erica de elementos paisagsticos cada vez mais valorizados: Claridade, tons alegres, ruas serpen-teadas, perfis movimentados, simtricos e assimtricos, riqueza de vegetao, acessos fceis aos pontos altos,miradouros ajardinados e panormicas sobre o rio Tejo, sobre o casario 10. Lisboa uma cidade voca-cionada para uma histria complexa, na qual, as sucessivas ondas civilizacionais deixarammarcas que o engenheiro Antnio Emdio Abrantes procura entender, antes de proceder elaborao do trabalho. Nesta viagem ao passado da cidade o autor considera numa perspec-tiva histrica, o desenvolvimento econmico e demogrfico da zona urbana, recuando aostempos anteriores romanizao quando Lisboa no passava de um centro habitacional dis-perso nas encostas das colinas que as primeiras cercas encerraram em reas, hoje conside-radas muito pequenas.

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  • 11 Idem, ibidem, p. 5.

    12 Idem, ibidem, p. 1.

    O aumento da populao, que se estendeu para "fora de portas" no exterior das muralhas,modificou a estrutura da urbe que as guerras obrigaram a reforar com novas defesas mura-lhadas e cuja complexidade se traduziu em divises administrativas cada vez mais amplas. Acerca Fernandina, construda aps a invaso castelhana de Fevereiro de 1373, encerrava juma rea quase sete vezes maior do que aquela que em 1147 passara para as mos crists sobo comando de D. Afonso Henriques11.

    Esta conquista, ponto de partida de um devir grandioso, o primeiro marco de referncia naevoluo da cidade a que o autor chamou "trio do velho mundo"12, mas s em 1845 a cons-truo da estrada da circunvalao da cidade de Lisboa para a fiscalizao das alfndegas, vai seroutra referncia no conhecimento dos contornos e dimenses reais do municpio de Lisboa.

    Este conhecimento histrico do real permetro da cidade e do seu crescimento atravs dostempos revela uma metodologia cientfica, em termos urbansticos, adoptada pelo autor naplanificao do crescimento da cidade. Esta preocupao foi inovadora para a poca, j queos planos anteriores no o fizeram.

    A perspectiva histrica levaAntnio Abrantes a consi-derar a evoluo econmica edemogrfica que se reflectena estrutura urbana, desta-cando o Rossio como espaode eleio da cidade em ter-mos comerciais, nomeada-mente como local de feiras,no perodo anterior aoterramoto de 1755. A recons-truo desta parte da cidade,efectuada com base numplano urbanstico estudadominuciosamente, fez concen-trar nesta rea toda a activi-dade comercial terciria e atpoltica, o que contribuiu FFiigguurraa 22 Elementos para o estudo do plano de urbanizao da cidade de Lisboa, planta n 1, sendo visvel o crescimento da Cidade de 1147 a 1895. Portugal, Arquivo

    Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

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  • 13 Idem, ibidem, p. 13.

    14 Idem, ibidem, p. 18.

    tambm para um congestionamento do trfego na zona daBaixa: "Nesta, porm, ainda se encontram instalados os grandes estabele-cimentos, todos os bancos e casa bancrias, os escritrios das mais impor-tantes firmas comerciais e industriais, agncias de navegao, muitos hotis,tribunais, qusi todos os ministrios, etc; se o problema de Lisboa degrande acuidade, o da Baixa verdadeiramente asfixiante" 13.

    Mas, o crescimento urbano continuou e j no cabia nos limitestraados, estendendo-se para novos bairros e avenidas. Para aresoluo deste problema, aconselhou-se a distribuio docomrcio, recorrendo criao de zonas novas comerciais quecomearam a surgir pela aco da iniciativa privada mas aindainsuficientes, pois era necessrio um impulso e um plano.

    22..22.. A S P E C T O S D E M O G R F I C O SUma resenha sobre o desenvolvimento demogrfico mostra, napgina 19, um quadro que apresenta o nmero mdio de habi-tantes por fogo de 1801 a 1936. tienne de Grer, consideroueste quadro insuficiente, dizendo que seria importante ter umaperspectiva sobre a demografia infantil e juvenil, distribuindo-apelas categorias:

    a) dos 0 aos 4 anos,

    b) dos 4 aos 15 anos;

    c) dos 15 aos 20 anos.

    Solicitou ainda a informao sobre o nmero de crianas por famlia.

    Quanto ao quadro relativo ao nmero de nascimentos e bitos verificados desde 1924 a 1936,Grer disse que dever ser apresentado em termos percentuais, segundo as regras interna-cionais em vigor, chegando mesmo a fazer as respectivas percentagens.

    Do estudo, ressalta o enorme aumento demogrfico de Lisboa que crescera de tal forma que"uma dcima parte da populao de Portugal se acha concentrada" em Lisboa14. So apontadas as

    FFiigguurraa 33 Como se pode verificar as solues apontadas foram contestadas por Etienne de Grer que as

    anulou e rubricou. In Elementos para o estudo do plano de urbanizao da cidade de Lisboa.

    Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego, p.13.

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  • 15 Em data anterior a 1923, projectou-se o prolongamento da Avenida Almirante Reis para Norte, prevendo-se a demolio daIgreja dos Anjos e o consequente corte da antiga estrada de Sacavm. Na zona envolvente projectou-se a sua urbanizao, futuro"Bairro das Colnias", implantado a partir do declive a existente. A zona oposta foi tambm alvo de regularizao da qual sedestaca o projecto da abertura da Rua Antnio Pedro, datado de 1927, no qual se pode observar a expropriao de terrenos par-ticulares, sendo um deles e a ttulo de curiosidade pertencente Companhia Portuguesa de Malte e Cerveja - Portuglia. Veja-sePlantas de Alinhamento, caixas ns 5, 13 e 16, plantas ns 263, 264, 695 e 838. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivodo Arco do Cego.

    O Campo Grande veio, de igual forma, a ser alvo de ordenao. Veja-se Plantas de Alinhamento, caixa n. 70, planta n. 4114.Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego. Esta zona ir permanecer uma zona fabril e ldica at aosanos 50 do sculo XX, data a partir da qual foi radicalmente transformada com a construo dos edifcios da Biblioteca Nacional,Hospital de Santa Maria e edifcios da Cidade Universitria. Sobre este assunto ver: BRITO, Vasco - "O urbano adiado". InVIEGAS, Ins, dir. - Do Saldanha ao Campo Grande. Lisboa: Cmara Municipal, 1999. ISBN 972-8517-11-4. p. 153-187.

    A estrada de Benfica sofreu rectificaes e Antnio Emdio Abrantes sabia que era uma zona apta a receber uma expansourbana, facto que se pode confirmar pela autoria de uma planta, datada de 1930, para a rectificao da estrada de Benfica. Plantasde Alinhamento, cx. n. 21, planta n. 1138. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego. A consulta dadocumentao deste arquivo permite concluir que este processo teve continuidade atravs de diversas plantas posteriores.

    Alm dos projectos indicados, o movimento de obras efectuadas pelo municpio estendeu-se s seguintes zonas: Baixa, S, do1 Cemitrio (Alto de S. Joo), Avenidas Novas, Campo Mrtires da Ptria e Alcntara. Dada a sua importncia estas foram visi-tadas pelos presidentes da Repblica e Governo em 1928. Sobre este o assunto ver: LISBOA, Cmara Municipal, Visita de S. Ex.o presidente da Repblica e Governo a algumas obras municipais em 3 de Outubro de 1928, por ocasio das festas comemorando a proclamao daRepblica. Lisboa: Typografia Universal, 1928. p. 3-8.

    16 ABRANTES, Antnio Emdio, Op. cit., p. 26-A e 26-B. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

    tendncias de evoluo urbana da cidade para a zona nortenomeadamente, Campo Grande, Almirante Reis e Benfica15 emdetrimento do crescimento natural para ocidente.

    O estudo continua com a anlise da populao, arrumando-a emmapas, segundo o grupo profissional. Um quadro exaustivo napgina 23-A e seguintes informa-nos que o maior grupo o dasindstrias relativas construo civil. Entre os prestadores deservio, destacam-se os servios domsticos, ao que no estra-nha a existncia de uma classe burguesa em ascenso, principalconsumidora deste tipo de servios.

    22..33.. D I V I S O A D M I N I S T R A T I V ASo ainda apresentados mapas da diviso administrativa dacidade, a qual se divide em quatro bairros, registando a respecti-va densidade populacional, sendo o segundo o bairro de maiordensidade. Estes mapas, seriam de extrema importncia parauma futura planificao do crescimento e urbanizao, pois per-mitiam verificar como estava distribuda a densidade popula-cional pelos quatro bairros administrativos16 e ainda, uma reor-ganizao da rea ocupada por cada freguesia mantendo a mesma diviso administrativa.

    FFiigguurraa 44 Nota junta pag. n. 20 manuscrita por Etienne de Grer, com referncias taxa de mortali-

    dade e natalidade. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego

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  • 17 Idem, ibidem, p. 126.

    18 Esta planta seria a base de trabalho na qual Duarte Pacheco se baseou para efectuar os clculos das indemnizaes dos ter-renos a expropriar, para o arranque inicial necessrio para levar prtica a concretizao do Plano Director de 1938/1948.

    22..44.. C L A S S I F I C A O E U T I L I Z A O DOS SOLOS-nos apresentada uma classificao da cidade em duas grandes zonas: a zona urbana,correspondente zona central, mais densa e essencialmente comercial e a zona suburbana,denominada tambm, zona perifrica, de menor densidade populacional (apenas 17,54% em1930), constituda pelas freguesias mais afastadas do centro (Olivais, Charneca, Ameixoeira,Lumiar, Campo Grande, Carnide, Benfica, Ajuda e Belm).

    No que diz respeito utilizao dos solos, foi apresentado o levantamento das superfcies eavaliao dos terrenos. Os 8.245 hectares de rea total da cidade so distribudos, segundo osestudos de Antnio Emdio Abrantes, da seguinte forma:

    rea total da parte aglomerada, 2111 hectares;

    rea total da parte dos espaos construdos e no aglomerada, 421 hectares;

    rea total da parte dos espaos no aglomerados e semi-rurais, 5713 hectares17.

    O relatrio remete para uma pea desenhada onde se encontram descritas as curvas referentesaos valores do terreno18. A avaliao foi feita por zonas, variando o respectivo valor, conformea localizao e facilidades de acesso.

    O levantamento dos parques, "Parques--Avenidas" e jardins e a respectiva loca-lizao e rea que ocupam so indicadosem tabela. O estudo limitou-se a fazer olevantamento, do qual, de Grer, emnota parte, solicitou o somatrio geral.

    22..55.. A Q U E S T O H A B I T A C I O N A LO estudo levanta a questo da insalubri-dade de algumas zonas da cidade, iden-tificando os seus problemas, os quais sepodem sintetizar nestes termos: morganizao urbanstica, deficincias aonvel da iluminao e abastecimento degua, falta de limpeza e de arejamentoFFiigguurraa 55 Elementos para o estudo do plano de urbanizao da cidade de Lisboa, planta n 11, com o traado das curvas referentes ao valor dos terrenos.

    Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego

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  • 19 Relativamente ao problema da falta de um traado eficaz de esgotos, o Vereador Jos Carlos de Carvalho Pessoa, em 1904,afirma que "no menos necessrio tratar-se do saneamento e hygiene da mesma cidade". (Sesso de 7 de Janeiro de 1904. Boletim da CmaraMunicipal de Lisboa. Lisboa (1904). p. 11). Esta questo foi retomada no princpio do sculo aps diversas comisses nomeadaspara o efeito, constituindo-se um aspecto central e de grande importncia no ordenamento da capital. Sobre esta assunto ver:LISBOA, Maria Helena - Os engenheiros em Lisboa: urbanismo e arquitectura (1850-1939). Lisboa: Livros Horizonte, 2002. ISBN 972-24-1214-0. p. 156 e segs.

    por ausncia de estruturas urbansticas. ainda apontada a escassez de traado dos esgotos,traduzindo-se, muitas vezes na total ausncia destes19. As zonas consideradas insalubres, nombito do estudo de Emdio Abrantes so: Baixa, Castelo, Alfama, Alcntara, Sete Rios,Santos, Encarnao e os bairros clandestinos do Alto Pina, Alto do Varejo e Chelas.

    So indicados os extractos sociais e como se encontram alojados, fazendo um retrato socialpormenorizado em termos habitacionais. As classes operrias encontram-se a viver emhabitaes de m qualidade com falta de condies, especialmente de salubridade, exceptoalgumas, que habitavam bairros de habitao social como os do Arco Cego, Alto da Ajuda eAlto da Serafina.

    Como referido pelo autor, a classe mdia reparte-se por dois tipos de habitao: um grupovive em casas antigas, sem condies, muitas vezes sem casa de banho e outro grupo em casasrecm-construdas e com qualidade, mas cujas rendas so demasiado elevadas para os seusrendimentos, obrigando ao recurso do aluguer de quartos para ajuda econmica. Para ilustraras dificuldades habitacionais que se enfrentavam neste perodo, Emdio Abrantes citou oexemplo de certas classes mdias mais abastadas, proprietrias de prdios de rendimento, porvezes preferiam alug-los e viverem em casas alugadas com menores condies, com o objec-tivo de ficarem com o lucro dos alugueres. Outras famlias viviam em casas com ptimascondies, mas com rendas elevadssimas.

    O autor refere que a razo dos prdios de construo recente terem rendas to elevadas seprende com o elevado custo dos terrenos, que encarece a construo, a qual, por sua vez, parase obter de lucro do capital investido, leva a uma inflao do mercado de arrendamento.Tambm por esta razo os prdios construdos so em altura, predominando duas habitaespor andar. A casa individual era rara.

    Existia uma grande carncia na quantidade de fogos destinados s classes pobres o que fezaumentar o nmero de barracas existentes e construes clandestinas, situando-se estas, fun-damentalmente nos bairros da chamada zona suburbana. Quanto s habitaes de qualidade ecom rendas elevadas, o estudo diz serem perfeitamente suficientes, enquanto as de renda mdiaeram em nmero insuficiente. No entanto, a construo de prdios novos e ampliao de ou-tros, entre 1920 e 1936, teve uma mdia de crescimento elevada, com um surto em 1935.

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  • 22..66.. A C T I V I D A D E S I N D U S T R I A I S EPORTO DE L ISBOANo havia indstrias especficas emLisboa, existindo uma diversidade depequenas oficinas relacionadas com aindstria metalo-mecnica. As inds-trias mais importantes, localizavam-sejunto zona ribeirinha, que vai desde area de Pedrouos ao Poo do Bispo,exceptuando-se o caso de algumascomo a indstria da tipografia, metalo-mecnica, de vidro, de cervejas, e decermica, que se situavam afastadas dassupra citadas reas. Encontravam-se

    instaladas entre o limite da zona central e o incio da zona perifrica. Abriu-se uma excepopara as indstrias tipogrficas, que se encontravam no centro, Bairro Alto e Restauradores.

    A indstria que inclui o maior nmero de operrios a relacionada com a construo civil.Em segundo lugar, vem a do vesturio e calado e em terceiro lugar, a da metalurgia que seencontrava disseminada pelo "tecido" urbano. As principais evidenciavam uma tendncia demodernizao nos processos de fabrico, embora esta tentativa no se estendesse a todas asactividades, principalmente as de menor dimenso.

    Foi elaborado um mapa estatstico com o nome da fbrica, tipo de indstria e nmero deoperrios que empregava, bem com a fora motriz, traduzida na unidade medidora de cava-los a vapor. Encontram-se arroladas 148 "empresas", sendo a maior, a Companhia UnioFabril com 1077 operrios e com uma fora motriz de 1849 "cavalos vapor". Como oposto,temos trs fbricas de extraco de leos gordos de animais, apenas com 4 operrios e semrecurso a qualquer tipo de mecanismo elctrico, o mesmo acontecendo com uma indstria depirotecnia e de tratamento de peles. Todas as outras indstrias recorriam a mecanismos,estando estes em proporo com a sua dimenso e o nmero de operrios que empregavam20.

    Foca-se o problema das indstrias insalubres e da sua localizao. Dividiam-se em categoriasconforme o seu grau de perigosidade e, embora no apontassem medidas, denota-se umantida preocupao com este tipo de indstrias, as quais deviam obedecer a normas e ser alvode vigilncia.

    20 ABRANTES, Antnio Emdio, Op. cit., p. 45. A ,B ,C, D,E, F. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

    FFiigguurraa 66 Elementos para o estudo do plano de urbanizao da cidade de Lisboa planta n 3, onde se detectam as manchas das construes clandestinas.

    Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego

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  • O estudo diz-nos ainda que o 1 bairro o que tinha maior nmero de fbricas(Xabregas, Marvila, Poo de Bispo)seguindo-se o 4 bairro (Alcntara ePedrouos) que correspondem zonaribeirinha21.

    O estudo do engenheiro AntnioEmdio Abrantes ocupa-se do Porto deLisboa e d-nos uma panormica da suaextenso, que se prolonga desde as tor-res de So Julio do Bugio at Ribeirados Olivais com uma rea aproximadade 11.150 hectares22.

    Os cais e terraplenos, estavam divididos em duas grandes categorias: entrepostos comerciais ecais livres, onde podiam acostar embarcaes de mercadorias e tambm embarcaes de pas-sageiros, cujo nmero era bastante significativo: em 1937, os passageiros em trnsito totalizarammais de 350.70023. Os entrepostos comerciais estavam apetrechados com os guindastesnecessrios, bem como os respectivos armazns e linhas-frreas prprias, num total de quarentaquilmetros. O porto em toda a sua extenso, possua como apoio, seis docas de abrigo e cincodocas secas, para o caso da necessidade de reteno dos navios para a sua reparao. Asmatrias-primas que comercializava passava por animais vivos, matrias-primas diversas, nasquais se incluam fios, tecidos e bens alimentares, maquinaria, ferramentas e manufacturas.

    22..77.. L E V A N T A M E N T O DOS E Q U I P A M E N T O S E S E R V I O SNa cidade havia trs mercados abastecedores, nove municipais e quatro concessionados.Fizeram-se fortes crticas aos mercados existentes. A falta de planeamento era uma das prin-cipais falhas apontadas resultando na falta de condies, especialmente no que dizia respeito

    21 A concentrao industrial nesta zona ribeirinha j vem desde o sculo XIX e o facto de instalao de fbricas no estar sujeita aqualquer plano, permite-nos concluir que esta escolha cingia-se s boas acessibilidades para recebimento das matrias-primas eescoamento dos seus produtos. Posteriormente, a linha do caminho-de-ferro viria a assumir as mesmas funes. Sobre este assun-to ver: SANTANA, Francisco; SUCENA, Eduardo, dir. - Dicionrio da Histria de Lisboa. Lisboa: Carlos Quintas & Associados, 1994.ISBN 972-96030-0-6. p. 967-973.

    22 No sculo XVII aparecem os primeiros projectos gerais de melhoramento do Porto de Lisboa. Os primeiros melhoramentosdatam de 1884 e aps o lanamento do concurso internacional, em 4 de Setembro de 1886, a obra foi adjudicada ao engenheirofrancs Pierre Hildernt Hersent que, a partir de 1887, modernizou o Porto de Lisboa. Iniciaram-se obras constitudas pordrenagem e/ou aterros dos terrenos ribeirinhos de forma a regularizar a zona, da construo de cais de acostagem com paredesem cantaria e implementao de infra-estruturas de apoio s embarcaes, cargas e descargas. Sobre este assunto ver: NABAIS,Antnio; RAMOS, Paulo - 100 anos do Porto de Lisboa. Lisboa: Administrao do Porto, 1987.

    23 ABRANTES, Antnio Emdio, Op. cit. Clculos baseados nos dados apresentados no mapa n. 18, p. 55 B e mapa n 19, p. 55.

    FFiigguurraa 77 Elementos para o estudo do plano de urbanizao da cidade de Lisboa planta n 5, onde visvel a localizao das indstrias, as quais se con-

    centravam principalmente junto zona ribeirinha. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego

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  • higiene. O seu nmero era considerado insuficiente e, por isso, tornava-se necessrio umplaneamento para a construo de outros mercados, cuja localizao devia ter sempre emlinha de conta a densidade populacional das diversas zonas da cidade. Em 1936, foi nomeadauma comisso encarregada de estudar os mercados existentes e calcular quantos mais seriamnecessrios construir na capital. Para resoluo deste problema, e aps o estudo, foi recomen-dada a criao de nove novos mercados abastecedores retalhistas.

    O relatrio d-nos uma panormica sobre os estabelecimentos de ensino primrio, escolasprofissionais, escolas comerciais, ensino mdio e ensino superior - todas se encontramdescriminadas. tienne de Grer anotou a ausncia do n de alunos que frequentam o ensi-no primrio, sendo necessrios para planear uma previso da quantidade de novas escolas aconstruir e em que zonas, ou concluir que bastava apenas ampliar as j existentes. Tambm oprograma de construes de escolas profissionais, que se encontra referido no Boletim Oficialdo Ministrio da Educao Nacional lhe parecia importante. Em termos futuros o autor pre-via a construo da reitoria da Universidade de Lisboa e faculdades a oeste do Campo 28 deMaio (Campo Grande) cuja construo se efectivaria em meados do sculo XX.

    O estudo d especial ateno aos servios pblicos, referindo a constituio do Municpio,poderes do Presidente e competncias legais da Cmara Municipal. So ainda descriminadasas Direces de Servio data existentes, que constituam a Cmara Municipal de Lisboa,chegando ao pormenor de especificar, em planta prpria, a respectiva localizao. Os serviosextra municipais, como os Bairros Administrativos e Fiscais, os Registos Civis e de ExecuesFiscais tambm no foram negligenciados, havendo a preocupao de indicar aqueles queocupavam edifcios camarrios ou prdios de particulares. evidente o peso da administraocamarria e central na organizao da cidade.

    Este trabalho inclui ainda um captulo referente aos servios de correios e telgrafos. indicadaa previso de construo de uma nova central dos correios, telgrafos e telefones nas imediaesdo Parque Eduardo VII, apetrechada de melhorias tcnicas, como redes de fonogramas,melhoramento das ligaes subterrneas entre a nova central dos Restauradores, a Praa doRossio, e a Praa do Comrcio (considerado como o eixo principal das comunicaes) e a obri-gatoriedade de todos os edifcios possurem receptculos postais, medida importantssima e queviria a tornar-se prtica corrente facilitando a distribuio da correspondncia ao domiclio.

    A Cmara Municipal de Lisboa dispunha de servios sanitrios cujo objectivo era a fiscaliza-o de todos os produtos alimentcios de origem animal ou vegetal comercializados na cidade,fossem de produo nacional, ou importados. Os treze postos de inspeco sanitria estavamsituados junto aos terminus rodovirios de acesso a Lisboa, das estaes ferrovirias, dos caisfluviais e mercados estabelecidos na margem norte do Tejo. Dispunha ainda de treze sub-de-legaes com os mesmos objectivos.

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  • Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

    Dependente do Ministrio do Interior e da Direco Geral de Sade, o estudo enumera vintee seis unidades hospitalares existentes na capital, indicando a sua respectiva localizao e emalguns casos, a sua capacidade.

    22..88.. C E M I T R I O SO estudo foca a questo da "populao morturia" a qual foi objecto de anlise por-menorizada, relacionando-a com a populao da cidade. A ateno do autor levou-o tambma analisar os registos do movimento morturio nos ltimos vinte e cinco anos assim e aumen-to populacional previsvel (a partir do estudo dos censos).

    Com base neste seria necessria a criao de dois novos cemitrios com uma superfcie de 30hectares. Esta rea era previsvel para um perodo temporal de 50 anos. Caso o perodo tem-poral fosse alargado para 80 anos, ento a rea deveria atingir 40 hectares.

    Quanto aos jazigos, Antnio Emdio Abrantes considera que bastariam 32200 m2 para operodo temporal de 50 anos ou 51930 m2 caso se considerasse um perodo de 80 anos. Estasreas, calculadas para o destino dos jazigos particulares, seriam distribudas pelos cemitriosdo Alto de So Joo, Prazeres, Benfica e Olivais.

    22..99.. I N S T A L A E S M I L I T A R E SO autor no descurou as instalaes militares distribudas pela cidade. Em lista prpria enu-mera 28 instalaes (fortes, regimentos, escolas, fbricas e depsitos de material de guerra)acompanhadas da respectiva localizao (38) e com as quais finaliza o seu estudo.

    22..1100.. M O N U M E N T O S N A C I O N A I S E E D I F C I O S DE I N T E R E S S E P B L I C OFazem parte da existncia imobiliria urbana inmeros edifcios e parcelas de edifcios, atpequenas peas, que o autor inventariou em lista prpria. De interesse municipal ainda numafase de proposta para classificao, d-nos uma lista de onze pginas, onde agrupou mura-lhas, palcios, casas, igrejas, ermidas e capelas, arcos, chafarizes, portas, portas brasonadas,nichos, caravelas, lpides e azulejos24.

    22..1111.. M O B I L I D A D EA circulao na cidade, principalmente na zona da Baixa, considerada catica. Apontavam-secomo principais causas as deficincias dos traados da rede de elctricos. Devido influnciainglesa a sua implementao foi quase sempre encostada esquerda, obrigando os passageirosa apearem-se para a faixa de rodagem, fazendo parar o trnsito dos veculos automveis. Amudana de agulha das linhas era executada por mtodo manual, o que fazia parar o trnsito 177

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  • sempre que um elctrico mudava delinha, acontecendo com frequncia.As paragens eram consideradasexcessivas e os horrios mal escalo-nados, tendo apenas em linha deconta o acerto das diversas carreiras,mas excluindo as horas de maiorafluncia de passageiros. Todos estesfactores contribuam para um trnsi-to lento e desconexo na zona daBaixa. Esta zona, considerada umponto fulcral no trnsito de toda acidade, foi estudada com pormenor,tendo sido elaborada uma plantaespecfica sobre o congestionamento

    de trfego e os diversos sentidos de trnsito. Este levantamento foi dividido em duas plantas,uma respeitante a toda a zona da Baixa e outra relativa praa D. Pedro IV (Rossio).

    Em contraste com esta situao, na Avenida da Liberdade (inaugurada em 1886), Praa dosRestauradores e Avenidas Novas, o trnsito era relativamente fcil, por serem zonas maisrecentes, onde houve o cuidado de uma planificao na rede de elctricos e regularizao dotrnsito. Apontou uma srie de medidas para uma tentativa de resoluo do problema do trn-sito na Baixa. Ser ocioso descrev-las, optando-se apenas por faz-lo relativamente s queso contestadas por tienne de Grer, apesar serem retomadas posteriormente no PlanoDirector de 1938/48.

    A Rua do Arco do Marqus do Alegrete tinha apenas um sentido. O seu descongestionamen-to tornava-se impossvel, devido estreiteza da Rua Marqus do Alegrete, a qual albergava opalcio com o mesmo nome, sob o qual estava o arco que estreita a rua. Props-se o alarga-mento da rua com a demolio de alguns prdios e parte do palcio que detinha o arco.

    Para a Rua da Palma, sendo a nica artria que estabelecia a ligao com a Baixa, o seu con-gestionamento era enorme, devido ao enorme afluxo de carroas que abasteciam o mercadoda Praa da Figueira.

    Propunha-se o prolongamento da Avenida Almirante Reis at ao Rossio.

    Relativamente Rua do Arsenal, devido ao grande afluxo de trnsito entre a Praa doComrcio e o Cais do Sodr e tendo em conta o movimento do porto da Marinha que davapara a Rua do Arsenal, esta encontra-se congestionada, principalmente entre as 10h e as 14 he as 17h e as 19h.

    FFiigguurraa 88 Elementos para o estudo do plano de urbanizao da cidade de Lisboa planta n 7, na qual podemos observar o estudo pormenorizado das "linhas" de

    trnsito de veculo e pees na praa D. Pedro IV (Rossio). Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

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  • Dado que o arsenal da Marinha seria deslocado para o Alfeite, o terreno que ficava dispon-vel junto ao Tejo poderia ser aproveitado para a construo de uma avenida marginal entre aPraa do Comrcio, Terreiro do Pao e o Cais do Sodr.

    O congestionamento da Avenida da Repblica dava-se junto ao n de ligao com a via--frrea, e nos dias em que existiam actividades no Campo 28 de Maio (Campo Grande) comofestas, corridas de automveis e de cavalos no Hipdromo. A soluo proposta era a cons-truo de um viaduto, para os automveis na zona de cruzamento da avenida com avia-frrea ou a construo de um tnel para a passagem desta.

    Analisando estes dados, ressalta que, todas as propostas de demolio referidas, assim comoas solues adiantadas para a Avenida da Repblica, foram suprimidas do estudo aquando dareviso deste por tienne de Grer. So ainda referenciados outros locais de congestiona-mento habitual que a seguir se enunciam: Largo de So Domingos, Rua do Arco do Cego, emfrente estao dos elctricos, Praa Lus de Cames, Cais do Sodr, Largo do Chiado e Praado Comrcio, nas quais existiam dificuldades de trnsito, mais uma vez originadas pela circu-lao dos elctricos que no respeitavam as normas regulamentares de trnsito.

    Chama-se a ateno para o papel preponderante que a Cmara Municipal de Lisboa deveriater na regulamentao do trnsito na cidade, de forma a resolver situaes que se encon-travam em desacordo com as regras do cdigo da estrada.

    O estudo refere ainda a questo dos parques de estacionamento automvel. Quanto aos txis,discrimina 83 praas com a indicao da respectiva capacidade e at o nmero de telefone queas servia. Apesar de um nmero considervel de txis admitidos em praa (1270), as regraspelas quais se tinham de reger eram rgidas e limitativas notando-se um favorecimento dascarreiras de elctricos. Atravs de uma postura datada de Junho de 1937, foram estabelecidaspela primeira vez as regras de estacionamento nos parques automveis e tambm o modelode tales de estacionamento a colocar nos veculos, pelos quais se pagava um escudo dandodireito de estacionamento das 9h as 20h. Estas regras, inicialmente foram aplicadas apenas noparque de estacionamento automvel dos Restauradores, o nico data j construdo.

    FFiigguurraa 99 Planta levantada por F. Goullard e executada na sequncia do Plano Geral de Melhoramentos da Capital (1876-1879). Nesta excerto pode-se observar o espao ocupado pelo Arsenal da Marinha para a qual foi proposta a abertura de uma aveni-

    da de ligao entre a Praa do Comrcio e a Praa do Cais do Sodr ainda referida com a nomenclatura anterior Praa dos Remolares. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego, Coleco de Plantas e Desenhos, Rolo n 351.

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  • 24 Idem, ibidem, p. 81-192.

    25 Datam de 1938 as primeiras expropriaes para a construo de um Estdio Nacional. Das propostas apresentadas pelos arqui-tectos Cristino da Silva e Jorge Segurado a segunda seria vencedora. O arquitecto paisagista Caldeira Cabral teceu fortes crticasao projecto, nomeadamente sobre o local da sua implementao. Aps vrias polmicas, Caldeira Cabral e o arquitecto alemoWiesner, refizeram o projecto e aproveitaram a topografia do terreno, vindo este a ser construdo numa encosta. O arquitectoMiguel Jacobetty Rosa participou projectando a tribuna presidencial. Sobre este assunto ver: ANDRESEN, Teresa, coord. - DoEstdio Nacional ao jardim Gulbenkian. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2003. ISBN 972-678-034-9. p. 31-64.

    26 Este estudo, aprovado em 11 de Novembro 1937, previa como sadas da cidade via norte, Benfica e Lumiar. Sobre este assun-to ver: Estudos e Projectos de Urbanismo, Ante-projecto de sadas de cidade por Benfica e Lumiar, dossier n. 431. Portugal,Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

    Quanto rede de transportes em comum o estudo destaca: caminhos-de-ferro, ascensores,elctricos e txis.

    Vrias linhas de caminhos-de-ferro serviam a capital, entre as quais se salientam: Cais doSodr-Cascais (totalmente electrificada e explorada pela sociedade Estoril); Lisboa - Sintra -Torres Vedras e linha urbana de cintura. A linha de Cascais - Estoril era das trs a que movi-mentava maior nmero de passageiros, segundo os dados estatsticos apresentados em 1935e 1936. Em caso de necessidade, podiam transportar mercadorias de pequena velocidade,provenientes das outras linhas. O relatrio revela um acrscimo de passageiros na linha Caisdo Sodr - Cascais e um decrscimo nas outras duas linhas.

    Os quatro ascensores da capital e os 418 carros elctricos eram explorados pela CompanhiaCarris de Ferro de Lisboa que detinha a sua concesso at 1987. Serviam 14 carreiras, com108 km de extenso, algumas transpondo a zona central da cidade como era o caso dascarreiras de Benfica, Carnide e Lumiar. Transportando 125.863.595 passageiros em 1937, oelctrico era o principal transporte colectivo dentro da cidade, dado que os primeiros auto-carros datam dos primeiros anos da dcada de 40.

    O autor apresenta diversas propostas no que diz respeito mobilidade. Devido situaogeogrfica de Lisboa, esta ponto de chegada e partida de navios que atravessam o Atlntico.Possuindo a cidade ligaes de caminhos-de-ferro Europa, via Espanha e Frana, serianecessrio a construo de uma gare martima na qual se pudesse fazer o transbordo dospassageiros de barco, caminhos-de-ferro e vice versa, sem dificuldades.

    As entradas e sadas de Lisboa eram dificultadas pela falta de acessos eficazes, de forma apoderem escoar o trnsito com facilidade. Estava prevista a construo da auto-estradaLisboa - Cascais, servindo o Estdio Nacional, projectado para Cruz Quebrada25. O estudoteve vrios projectos para o eixo principal de entrada e sada da cidade via Norte26. Mais umavez devido posio geogrfica da capital, o trfego areo comeava a intensificar-se dado ointeresse de algumas companhias internacionais de aviao estabelecerem carreiras regulares

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  • 27 Data de 1928 um ante-projecto para o Aeroporto de Lisboa. Sobre este assunto ver: Estudos e Projectos de Urbanismo,Aroport de Lisbonne, dossier n. 427. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

    28 O local da amaragem estava previsto a Oeste da Portela na zona aonde actualmente se inicia a urbanizao da Expo. NoArquivo do Arco do Cego pode consultar-se o projecto da avenida de ligao entre os aeroportos terrestre e martimo. Ver:Estudos e Projectos de Urbanismo, caixa n. 103. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

    29 Estas novas captaes de gua tiveram a total concordncia de Duarte Pacheco que as viu como uma oportunidade de debe-lar a falta de gua com que se debatia a capital. Sobre este assunto ver: PINTO, Lus Leite - Histria do abastecimento de gua capi-tal. Lisboa: Imprensa Nacional, 1987. p. 299-300.

    que fizessem escala em Lisboa27. J se encontrava em estudo a construo de um aeroportona zona da Portela, considerada uma zona limtrofe ligada por bons acessos ao centro dacidade, isto , por avenidas de fcil percurso. Tambm se previa a necessidade da construode um local de amaragem de hidroavies, recomendando que a sua localizao tivesse fcilacesso e boas ligaes ao aeroporto28.

    22..1122.. INFRA -E S T R U T U R A SA Companhia das guas de Lisboa detinha o monoplio do abastecimento de gua capital.Lisboa recebia gua de quatro provenincias:

    Serra de Belas via Aqueduto das guas Livres;

    Olhos de gua, com origem no rio Alviela;

    Ota e Alenquer, ambas conduzidas pelo Canal Alviela.

    A este caudal juntar-se-ia quando terminaram as obras do aqueduto do Tejo, a gua captadaa montante de Santarm, nos rios Tejo e Zzere29. Lisboa dispunha de 250 litros dirios porhabitante para uma populao cuja previso de crescimento era de um milho de habitantes.

    Por se tratar de uma cidade acidentada, para evitar sobrecargas de presso nas canalizaesmais baixas, foi preciso dividi-la e instalar reservatrios. Antnio Emdio Abrantes enumerouos reservatrios num total de doze, indicando a respectiva localizao, capacidade e cota,assim como trs depsitos em fase de projecto. Num quadro pormenorizado d-nos apanormica do consumo particular e pblico dos anos de 1933 a 1937. A denominada zonacentral era servida de gua canalizada, enquanto que a zona rural (Olaias, Portela, Olivais,Encarnao, Charneca, Telheiras, Carnide, Benfica, Tapada da Ajuda, Caselas) no dispunhadesta infra-estrutura, recorrendo a cisternas, poos e minas.

    O fornecimento de gs era assegurado pelas "Companhias Reunidas de Gaz e Electricidade".Dois gasmetros distribuidores, instalados em Pedrouos, recebiam o gs produzido na fbri-ca existente junto Torre de Belm e por meio de duas condutas, alimentavam a rede geral.J se previa neste estudo, a substituio da fbrica de Belm por outra, a construir na Quintada Matinha situada entre Brao de Prata e Cabo Ruivo.

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  • 30 Sobre este assunto ver: Projecto dos Esgotos da Capital. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

    31 No estudo foi proposta uma classificao da gravidade das consequncias ssmicas. Antnio Emdio Abrantes considera desas-trosos, os abalos que provocavam a runa de edifcios e muitas mortes.

    O sistema de esgotos era muito deficiente por vrios motivos: no servia toda a cidade, haviazonas que apenas dispunham de valas a cu aberto, os colectores que existiam so quase todosde seco rectangular e cobertos de "casces". S os novos arruamentos dispunham de colec-tores de seco ovide. Todos eram conduzidos ao rio Tejo em vrios pontos da margem.Impunha-se a renovao da rede e o seu alargamento a toda a cidade.

    O autor refere o projecto do engenheiro Ressano Garcia30 (1884) que divide a cidade em duasgrandes zonas; aproveitando a aco da gravidade ou recorrendo ao auxlio de bombas ele-vatrias debitando os esgotos num emissor comum s duas zonas. Para os excessos das guaspluviais, uma srie de galerias desembocava directamente no Tejo.

    Cerca de 40 anos mais tarde, um segundo estudo embora da autoria de Incio Pimentel pre-coniza o recurso a um sistema separado de recolha, permitindo a introduo de alguma guapluvial na rede de esgotos e guas caseiras a fim de obter uma limpeza regular das canaliza-es. O plano indica a foz do Rego (a Sul da Costa da Caparica) para local de descargas obri-gando construo de um sifo entre a Torre de Belm e a Trafaria, e de um emissor mistode canal e tnel. As guas pluviais eram conduzidas directa e livremente ao Rio Tejo, numsistema independente. Antnio Emdio Abrantes considera que sem uma planta da cidadeque re-gistasse as bacias hidrogrficas, no era possvel estudar convenientemente a rede decana-lizao a adoptar no plano geral de melhoramentos da cidade, que data do estudo,vinha sendo objecto de substituio metdica dos colectores de seco rectangular pormanilhas de grs de dimetro varivel.

    22..1133.. S I S M O L O G I AO estudo da sismologia abordado de uma forma cientfica, efectuado com base no histo-rial ssmico da cidade, local de abalos telricos desastrosos31, dos quais so destacados os de1531 e o de 1755. Demora-se num primeiro relato recorrendo aos trabalhos de Paul Choffat,Ferreira Diniz e especialmente ao do professor Pereira Sousa que, baseado nos inquritosmandados executar pelo Marqus de Pombal aquando do terramoto de 1755, permitiu obteruma viso das zonas mais perigosas da cidade e fazer uma previso dos locais onde sedeviam tomar mais precaues. Aponta ainda uma srie de medidas preventivas, visando mi-nimizar os estragos causados pelos abalos ssmicos.

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  • 32 E. De Grer j tinha desenvolvido trabalho em Lisboa, mas escala regional, em colaborao com o urbanista Alfred Agache,nos planos de ordenamento da Costa do Sol. A Cmara de Lisboa contratou De Grer em 1938 como "urbanista-consultor",cargo que desempenhou at 1940, num perodo coincidente com o incio da presidncia do engenheiro Duarte Pacheco (1938-43). Mais tarde, em 1946, retomou a elaborao do Plano de Urbanizao de Lisboa, mediante novo contrato com a CmaraMunicipal, ficando o plano concludo em 1948.

    Sobre este assunto ver: Anais do Municpio de Lisboa de 1946 e Administrao Geral / Notariado, Livro de Notas n. 83- A,p.8-11. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

    Reconhece-se que os terrenos situados junto orla do litoral da cidade, por serem de formaomais recente, encontravam-se expostos a abalos ssmicos devido a desequilbrios tectnicos.Com base no estudo do professor Jaggar, foram sistematizados os seguintes aspectos:

    Constituio de uma rede de sismologia;

    Proposta de um plano urbanstico adequado, de forma a possibilitar a intervenorpida em caso de deflagrao de incndios simultneos;

    Uso obrigatrio de materiais leves nos andares superiores de forma a diminuir ocentro de gravidade dos edifcios;

    Os edifcios deviam estar apetrechados com interruptores automticos de electrici-dade e gs, reservatrios de gua, e colocao de produtos explosivos em armaznsespeciais.

    A preveno era tambm essencial passando pela educao nas escolas sobre estes fen-menos, bem como por uma informao aos cidados em geral, com vista a ajudar, em muito,a eficincia dos elementos de defesa em caso de catstrofe.

    33.. O P LANO DE GRER ((11993388-4488))

    Um dos primeiros objectivos da nova viso daadministrao urbanstica da cidade era entre-gar Cmara Municipal de Lisboa a exclusividadedos trabalhos de urbanizao. At a, estavamquase todos na mo de particulares, dada a falta demeios financeiros por parte da Cmara. Pretendia--se impedir que o desenvolvimento de Lisboafosse impulsionado pela iniciativa interesseira depro prietrios e especuladores. Para coordenar aelaborao do Plano Director de Urbanizao deLisboa foi contratado o urbanista tienne deGrer32.

    A sua participao no Plano Director ser umreflexo do seu complexo percurso pessoal: filho

    tienne de Grer: nascido em Varsvia, em 1882, naturalizou-se francs em 1936. Estudou no liceu de Nice e diplomou-se em

    Arquitectura pela Escola de Belas-Artes de So Petersburgo. Iniciou a sua actividade profissional no Gabinete Municipal de

    Urbanismo de So Petersburgo.

    Em 1920 estabeleceu residncia em Frana onde colaborou em dezoito planos de ordenamento e extenso de cidades, sendo os

    principais os planos de Dunkerque, regio de Creil e regio de Courneuve. Colaborou em diversas ocasies com o urbanista Alfred

    Agache, nomeadamente no plano do Rio de Janeiro, dirigindo, entre 1927 e 1930, o atelier no Rio de Janeiro responsvel pelo

    plano de urbanizao encomendado a Agache.

    Contratado pelo Instituto de Urbanismo de Paris para funes de conferencista, foi responsvel por uma rea disciplinar onde eram

    expostos os princpios da "cidade-jardim" e sua aplicao em Inglaterra.

    A sua primeira participao num estudo urbanstico em Portugal aconteceu por convite de Alfred Agache, que iniciou os estudos de

    desenvolvimento urbano da regio de Lisboa, no "Estudo preliminar de urbanizao da zona de Lisboa ao Estoril e a Cascais" que

    tienne de Grer viria a desenvolver posteriormente enquanto "Plano da Costa do Sol". Aos 56 anos foi contratado pela Cmara

    Municipal de Lisboa para o cargo de "urbanista-conselheiro tcnico da Cmara" (1938-1940). Autor do Plano Director de

    Urbanizao de Lisboa (1938/48), encomenda de Duarte Pacheco. Foi um dos principais urbanistas do Estado Novo, tendo sido

    autor de diversos planos de urbanizao, nomeadamente de Abrantes, Almada, Beja, Braga, Coimbra, vora, Luanda, Sintra e Costa

    do Sol (1948).

    Em 1945 tienne de Grer refere: "Se o meu trabalho deixar traos salutares em Portugal, a minha prpria dvida para com este

    pas no de menor importncia, pois que ele me ofereceu nesta terrvel poca de guerra, um calmo abrigo e uma tarefa apaixo-

    nante que me tornaram estes anos felizes e cheios de sol". (cit. por SANTOS, Lusitano dos - tienne de Grer: Polaco, Russo,

    Francs, Urbanista Portugus dos Anos 40. Munda: revista do Grupo de Arqueologia e Arte de Coimbra. N. 2, (Nov. 1981), p. 80.)

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  • 33 GRER, tienne de, Op. cit., p. 66.

    de me russa ortodoxa e pai polaco catlico, eleprprio de origem russa mas polaco, nascidoem Varsvia, mais tarde naturalizado francs;estudou no liceu de Nice e diplomou-se emArquitectura pela Escola de Belas-Artes de SoPetersburgo; iniciou a sua actividade profissio-nal no Gabinete Municipal de Urbanismo deSo Petersburgo, mas trabalhou depois tambmem Frana e no Rio de Janeiro onde coordenouo gabinete onde se elaborou o plano do Rio deJaneiro, da responsabilidade de Alfred Agache.A sua colaborao como professor no Institutode Urbanismo de Paris ser marcada pelas teo-rias da "cidade-jardim" e sua aplicao emInglaterra. Depois da Frana ter sido invadidapela Alemanha, tienne de Grer refugiou-seem Portugal, residindo em Oeiras at ao princ-pio da dcada de cinquenta.

    O Plano Director de Urbanizao ser uma sn-tese das suas ideias e aplicao das teorias de

    urbanismo que tinha vindo a desenvolver quer pela sua actividade prtica, quer enquanto pro-fessor do Instituto de Urbanismo de Paris. De Grer defendia a interveno da CmaraMunicipal de Lisboa e do Estado na criao de habitao "social". De Grer mostra cepti-cismo relativamente aos apoios a dar iniciativa privada, em sintonia com Duarte Pachecomas em desacordo com as propostas da Assembleia Municipal e da Cmara Corporativa.Defende ainda a aplicao de princpios de urbanismo na construo e na arte de projectar ahabitao, propondo a implementao de regulamentos urbanos para exercer o controlo daactividade urbanstica.

    No que diz respeito anlise urbana, De Grer utiliza os dados compilados por EmdioAbrantes em 1938, desenvolvendo uma anlise complementar relativamente aos temas daconstruo e de alojamento (populao, habitao, construo), espaos livres e anliseregional. Nela fez uma crtica severa aos prdios de rendimentos, de arquitectura "fachadista",projectada por construtores civis, cuja instruo geral e profissional bastante rudimentar. Caracterizaas zonas de construo mais recente, de feios e tristes bairros do fim do Sculo XIX e do comeo doSculo XX 33.

    FFiigguurraa 1100 Planta das circulaes, comunicaes principais e dos espaos livres do primeiro Plano Director de Urbanizao de Lisboa, 1948.

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  • 34 Idem, ibidem.

    35 Estas ideias foram influenciadas pela sua actividade docente no Instituto de Urbanismo de Paris onde os modelos inglesesvinham sendo divulgados e aplicados escala das cidades francesas, num programa "realista", definido por Henri Sellier em 1919para o Office public d'habitations bon march de la Seine.

    A sua crtica cidade existente, leva-o a uma definio do urbanismo moderno como aqueleque permite a introduo da ordem na cidade, atravs de um zonamento funcionalista, quepossibilite a rentabilizao das actividades urbanas:

    "O exame do zonamento natural da cidade leva-nos s concluses seguintes:

    Os quarteires de Lisboa esto na sua maior parte constitudos por prdios de rendimento onde se encontram,no rs-do-cho, lojas de venda, oficinas e mesmo fbricas. A tudo isto acrescentam-se, segundo o capricho doacaso, moradias com jardins, perdidas entre as altas paredes dos grandes imveis.

    ()

    Sobre toda superfcie da cidade (parte antiga e parte nova) estende-se uma zona mista, sem carcter determi-nado, nem saudvel, nem agradvel como lugar de habitao, nem mesmo prtica para o negcio.

    mesmo a negao do urbanismo.

    A instituio do zonamento moderno tem a maior urgncia, para que possa acabar com esta desorganizaourbana."34

    No seu estudo dos espaos livres pblicos faz um inventrio de todos os espaos existentesque classifica em 4 grandes categorias: parques (reas com mais de 10 ha), jardins (mais de 1ha), squares (menos de 1 ha) e terrenos de desporto. Conclui que Lisboa privilegiada no quediz respeito ao seu enquadramento natural, quer ao nvel municipal, quer ao nvel regional.Inventaria igualmente as principais vistas panormicas e algumas paisagens urbanas a proteger.

    Neste plano, aprovado em 1948, de Grer props a ligao do Parque de Monsanto com area do Parque Perifrico, que, juntamente com a rea do aeroporto e do Parque Oriental,dariam corpo coroa verde de Lisboa, desenhada como green belt, em torno do centro da--cidade. Por oposio to discutida linha de desenvolvimento no sentido Norte (o eixoBaixa Pombalina/Avenida da Liberdade), resultado da influncia haussmanianna no pensa-mento de Ressano Garcia e no traado da cidade ps-pombalina, tienne de Grer propsum modelo radioconcntrico que invertia o modelo que tinha vindo a ser aplicado no dese-nho de Lisboa. Ao grande eixo barroco, de influncia francesa, de Grer contraps o mode-lo ingls de estrutura menos rgida e adaptado s caractersticas morfolgicas e topografiada cidade de Lisboa.35

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  • 36 GRER, tienne de, Op. cit., I/81.

    37 Idem, ibidem, II/6.

    Pela primeira vez, apareceram, num docu-mento de escala local, preocupaes deescala regional, j que de Grer pretendiadefinir uma estrutura rural de proteco,fazendo uma anlise do desenvolvimentoregional de Lisboa desde o incio do sculo:

    A regio lisbonense est constituda por umncleo central, que a Capital do ImprioPortugus, e por uma srie de subrbios de confi-gurao tentacular, que se estendem ao longo devrias vias de comunicao.Entre estas localidades suburbanas, h grandesespaos agrcolas que preciso conservar para queo desenvolvimento urbano das ditas localidades noabafe o ncleo central e para que haja sempre entreelas faixas rurais, para bem arej-las.36

    indispensvel no deixar uma cidade crescer desmedidamente e preciso limitar nela a altura e a densidadeda construo 37.

    De Grer defende a conteno do desenvolvimento urbano atravs da definio de uma cin-tura verde, denominada zona rural de proteco, com uma largura mdia de 3 kms. O objec-tivo principal desta cintura verde seria o de constituir para a cidade uma permanente reservade ar puro e, em 2 lugar, isol-la das formaes urbanas circunvizinhas e impedir a fuso comestas. De Grer queixa-se da inexistncia de planos nacionais e regionais que definam a loca-lizao industrial. falta de planos de escala supra-municipal define a populao com basenuma frmula prtica de 10% da populao do pas, apresentando o nmero mximo de 1milho de habitantes como base para o estabelecimento do Plano Director de Lisboa. Defineo permetro da aglomerao alargado fora dos limites administrativos para incluir Moscavidea NE e a Pontinha a NO que seriam anexadas a Lisboa. Para l deste permetro, a construono autorizada. A zona rural (incluindo as aldeias a localizadas) estaria sujeita a legislaoespecfica, aplicada sobre o controlo dos tcnicos da Cmara Municipal de Lisboa. As aldeiasincludas na zona rural teriam elas mesmas o seu prprio permetro de aglomerao para noatingirem propores importantes. Defendeu o conceito de unidade residencial, pequenaaglomerao de 10.000 habitantes, que continha nos seus limites todos os elementos urbanos,

    FFiigguurraa 1111 Planta sntese do primeiro Plano Director de Urbanizao de Lisboa, 1948.

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  • 38 Vias de circulao rpida isoladas por reas arburizadas e ajardinadas de enquadramento envolvente. O conceito de Parkwaysurgiu em 1869, no mbito do plano para Riverside, nos arredores de Chicago da autoria dos arquitectos paisagistas FrederickLaw Olmsted e Calvert Vaux, autores do Central Park em Nova Iorque. O conceito foi sendo aplicado em diversos casos nosEstados Unidos da Amrica: Mystic Valley Parkway (1895), Bronx River Parkway (1907), Long Island Parkway (1908), Blue RidgeParkway (1912) e foi exportado para a Europa nos incios do sculo XX. Em Portugal este conceito foi introduzido peloengenheiro Frederico Ressano Garcia, no Plano Geral de Melhoramentos da capital de 1904, quando props a definio de umbosque "destinado principalmente a carruagens de cavalheiros". GARCIA, Frederico Ressano - Plano Geral de Melhoramentos. Memria jus-tificativa e descriptiva. 29 de Dezembro de 1903. Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa, Arquivo do Arco do Cego.

    39 Town and Country Planning Act, 1947.

    40 J anteriormente teria sido Salazar uma referncia para o urbanista francs Alfred Agache que iniciou os estudos de desen-volvimento urbano da regio de Lisboa, nomeadamente o "Estudo preliminar de urbanizao da zona de Lisboa ao Estoril e aCascais" e que tienne de Grer veio a desenvolver:

    Ce manque de prvoyance est, hlas! un fait que personne ne relve en France. Nous nous sommes moqus des plans quinquennaux russes, nous suiv-ons d'un air ddaigneux la ralisation des programmes de Mussolini, nous ignorons ce qui se fait dans d'autres pays, au Portugal par exemple, o lavolont d'un Salazar ne craint pas d'envisager des ralisations d'envergure, et nous sommes peine capables de prvoir quelques solutions prcaires des-tines rparer les inconsquences du pass !... (...)

    Le Portugal, ce pays encore peu connu chez nous et qui, dans les mains d'un dictateur avis et fort habile, donne actuellement l'exemple de finances sta-bilises et d'un relvement conomique et social remarquable, nous a fait confiance en nous chargeant de l'tude d'urbanisation de la rgion situe l'Ouest de sa capitale (entre Tage et ocan Atlantique).

    A vrai dire, la premire intention du gouvernement avait t de mettre en valeur les quelques plages qui bordent la " Costa do Sol " (la Cte du Soleil),au moyen d'un amnagement de l'ancienne route marginale, mais le ministre nous a fort bien suivis et mme encourags lorsque, la suite d'unrapport liminaire, nous lui avons dmontr combien il importait pour l'avenir du pays d'examiner le problme sous un angle plus vaste.(...)Pour ce faire, nous rsumerons le rapport liminaire que nous avons tabli a suite d'une consultation faite in loco en 1933. Dans ce rapport, le pre-mier conseil que nous nous permettions de donner, c'tait de remodeler et d'amnager toute la rgion ouest de Lisbonne, entre le Tage et l'Atlantique,avant d'tudier en dtail la " Costa do Sol " qui, avec raison, fait objet de la proccupation immdiate des autorits gouvernementales portugaises."AGACHE, Donat-Alfred - L' amnagement de la Costa do Sol (Portugal). Urbanisme. (Maro/Abril 1936), p. 147.

    incluindo a indstria ligeira. Cada unidade deveria ficar separada das outras por espaos livrese vias de circulao rpida (generalizao do conceito de Parkway 38).

    O plano ser traado num momento de aumento demogrfico, numa cidade que, a par da per-manncia de todas as suas estruturas histricas (poupada aos bombardeamentos) revelagrandes deficincias de oferta habitacional para as classes populares. tienne de Grer citaRaymond Unwin, como influncia, ("um dos pioneiros do urbanismo ingls", nas palavras DeGrer) o socilogo americano Lewis Mumford, o plano de Manchester e as concluses doCongresso Nacional de Urbanismo e de Habitao, em Frana, para defender a tese de baixadensidade populacional e da casa unifamiliar. Refere-se ao caso ingls e cita a legislao de194739, bem como o relatrio que o precedeu, cujas concluses prope como linhas orienta-doras da aco da Cmara Municipal de Lisboa a questo da habitao e dos solos urbanos.

    Outro vector nas propostas do Plano Director foi a questo da miscigenao social, to aogosto do regime e tida como caracterstica dos bairros tradicionais de Lisboa. O prprio pen-samento de Salazar40 seria uma influncia. No relatrio do Plano Director de Lisboa, tiennede Grer citou Salazar:

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  • 41 SALAZAR, Oliveira - Discursos e notas polticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1944. Vol. I, p. 202. Discurso proferido em16/3/1933.

    A famlia exige por si mesma duas outras instituies: a propriedade privada e a herana. Primeiro a pro-priedade - a propriedade dos bens que possa gozar e at a propriedade dos bens que possam render. A inti-midade da vida familiar reclama aconchego, pede isolamento, numa palavra exige a casa, a casa independente,a nossa casa. H impossibilidade, haver mesmo em muitos casos inconveniente em que o trabalhador possuaos meios de produo e em deixar dividir a terra por minsculas parcelas, dando-se a todos um pedao paracultura. Mas utilssimo que o instinto de propriedade que acompanha o homem possa exercer-se na possematerial do seu lar. naturalmente mais econmica, mais estvel, mais bem constituda, a famlia que seabriga sob o tecto prprio. Eis porque no nos interessam os grandes falanstrios, as colossais construes parahabitao operria, com os seus restaurantes anexos e a sua mesa comum. Tudo isto serve para os encontroscasuais da vida, para as populaes j seminmadas da alta civilizao actual; para o nosso feitio indepen-dente e em benefcio da nossa simplicidade morigerada, ns desejamos antes a casa pequena, independente,habitada em plena propriedade pela famlia41.

    Alguns anos depois, em 1938, dizia-se no prembulo do DL n. 28912: a casa econmica por-tuguesa constitui um excelente instrumento de defesa da instituio familiar e de conservao da ordem socialexistente.

    O Plano Director de Urbanizao de Lisboa foi apoiado no princpio de zonamento, apli-cando-se um modelo funcionalista centralizado, antropomrfico (rgos, racionalidadeorgnica) e instrumentalizado. Os planos de 1958 (coordenado pelo engenheiro GuimaresLobato) e de 1967 (coordenado pelo urbanista francs Georges Meyer-Heine) mantiveram osconceitos do Plano de Grer, embora com algumas redues das reas verdes propostas. Esteltimo plano (de 1967) tentou recuperar a ideia do eixo monumental de atravessamento domunicpio mas, parte a abertura do eixo Norte-Sul (que acabou por s ser construdo nosanos 90), a estrutura proposta no Plano Director de 1948 manteve-se marcante no desen-volvimento urbanstico da capital.

    44.. CONCLUSES

    Os estudos de anlise do Plano Director de 1938/48 inauguraram uma metodologia quese tornou corrente na prtica urbanstica portuguesa. Antnio Emdio Abrantes inicioueste trabalho em 1932, em data anterior ao incio da colaborao do urbanista francs tiennede Grer no Plano Director de Lisboa. Sabe-se que muitas das teorias urbanas do sculo XXviajaram pela Europa, em complexos itinerrios constitudos pelas redes de colaborao quecaracterizaram tambm os percursos profissionais dos urbanistas. Ser, portanto, natural quea inovadora tcnica de anlise urbana aplicada no Plano Director de Urbanizao de 1938/48,tenha sido trazida pela mo de tienne de Grer. As dvidas quanto autoria do estudo per-

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  • manecem, apesar de ter sido constitudo um volume parte, editado pela Cmara Municipalde Lisboa em 1938, data em que De Grer ter iniciado a sua colaborao com o municpiode Lisboa. Apesar de Emdio Abrantes ter reclamado a autoria dessa publicao, o facto queela resultaria de uma colaborao com o urbanista tienne de Grer que foi responsvel pelaestrutura de anlise preliminar e pela reviso final.

    O original do relatrio, contendo as anotaes de De Grer, conservado no ArquivoMunicipal do Arco do Cego, indica-nos que tienne de Grer fez a reviso do relatrio dosElementos para o estudo do plano de urbanizao da cidade de Lisboa, propondo o aprofundamentode alguns dados quantitativos e a eliminao de todas as propostas apresentadas em fase deanlise. Apesar de mais tarde vir a adoptar algumas das solues preconizadas no relatrio deEmdio Abrantes, De Grer ter possivelmente pretendido separar de forma distinta a fasede anlise da fase de proposta do Plano Director, ao mesmo tempo que salvaguardava, numafase preliminar, compromissos que mais tarde se poderiam revelar menos oportunos. Destaforma seguiu uma metodologia que se tornaria corrente em urbanismo.

    Como exemplo de aspectos "censurados" por De Grer e posteriormente abandonados nafase de proposta temos a questo da descentralizao. Emdio Abrantes referiu o incio de umprocesso desenvolvido por particulares, de estabelecimento de novas reas comerciais, sendosugerido que o Estado deveria acompanhar esse processo. Emdio Abrantes props norelatrio de anlise a constituio de novos centros de comrcio. De Grer elimina essa pro-posta, sendo que de facto o plano de urbanizao da capital veio a defender posteriormentea adopo de um modelo urbanstico centralizado, em que os novos plos comerciais seriamapenas de apoio aos novos bairros habitacionais, mas no pretendiam competir com o cen-tro j estabelecido atravs de formao de novas centralidades.

    A questo do trfego virio seria central no Plano Director de Urbanizao de Lisboa. DeGrer retirou sistematicamente todas as solues virias preconizadas na fase de anlise.Algumas das propostas seriam, no entanto, retomadas em fase posterior de elaborao doplano, como o caso das propostas para a Rua do Arsenal, Avenida Marginal, sadas da cidadevia Norte e prolongamento da Avenida Almirante Reis at ao Rossio (mesmo que nem sem-pre tenham sido concretizadas). O caso do desnivelamento da Avenida da Repblica, consti-tuiu o nico exemplo de uma proposta viria que foi retirada e que de facto no viria a sercontemplada no plano de 1938/48, optando-se pela proposta de um viaduto para o caminhode ferro.

    tienne de Grer assumiu uma preocupao relativamente ao clculo dos equipamentos equestes demogrficas, solicitando novos dados que visavam aprofundar os estudos deEmdio Abrantes e que se prendiam com o esclarecimento de dvidas sobre aspectos queseriam determinantes na fase de proposta. A sua postura assumiu um carcter cientfico,pioneiro no urbanismo de Lisboa. Pela anlise do manuscrito com as anotaes de De

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  • Grer, verifica-se tambm o seu interesse nos estudos geolgicos e sismolgicos que lhepermitiram definir desde logo uma das futuras reas de expanso urbana da cidade paraOcidente, identificando a rea do Restelo como uma potencial zona apta constituio deum bairro habitacional.

    Os Elementos para o estudo do plano de urbanizao da cidade de Lisboa so um trabalho muitoextenso e detalhado, constituindo um documento inovador para a sua poca. tienne deGrer introduziu na prtica urbanstica municipal a separao das fases de anlise urbana ede proposta, seguindo a metodologia prpria da disciplina e optando por no comprome-ter posteriores decises. A recolha e tratamento de dados foi criteriosa e rigorosa, tratan-do-se de uma anlise urbana elaborada de forma sistemtica e seguindo a nova metodolo-gia do urbanismo "cientfico" moderno.

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