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Elasmovisor Boletim Informativo para sócios Junho 2004 Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios - SBEEL ¿Adonde fue el longimanus? 6 APAMs no Brasil 7 Produtividade de tubarões 9 Oceano pequeno 10 11 Conservação das raias de água doce 12 Como o tubarão-azul é azul 13 O nome Prionace glauca 14 Nidamentária ou ovidutal?

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Elasmovisor - 1

ElasmovisorBoletim Informativo para sócios

Junho 2004

Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios - SBEEL

¿Adonde fue el longimanus? 6

APAMs no Brasil 7

Produtividade de tubarões 9

Oceano pequeno 10

11 Conservação das raias de água doce

12 Como o tubarão-azul é azul

13 O nome Prionace glauca

14 Nidamentária ou ovidutal?

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2 - Elasmovisor

Diretoria da SBEEL no biênio 2002-2004:

Dra. Rosângela Paula Teixeira Lessa, presidente M.Sc. Getúlio Rincón Filho, secretário M.Sc. Patrícia Charvet Almeida, tesoureira

Conselho Deliberativo da SBEEL no biênio 2002/2004:

Dr. Ricardo de Souza Rosa, Presidente M.Sc. Maria Lúcia Góes de Araújo M.Sc. Francisco Marcante Santana da Silva Biólogo Fábio dos Santos Motta Dr. Carolus Maria Vooren

Endereço da Secretaria da SBEEL no biênio 2002/2004

M.Sc. Getúlio Rincón FilhoAOS 1, Bloco B, Apto 506Octogonal – Cruzeiro – DFCEP 70660-012Brasile-mail [email protected]

A Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios,com a sigla SBEEL, foi fundada em 1 de agosto de 1997,como entidade civil de caráter científico-cultural, sem finslucrativos, tendo como sede Rodovia Estadual 734, km 03,casa 6661, Rio Grande – RS, CEP 96216-400, e foi inscritono CNPJ com o número 02602107/0001-35.

ELASMOVISOR é o Boletim Informativo da SBEEL, com periodicidade anual.

ELASMOVISOR de junho de 2004 foi produzido na Fundação Universidade Federal do Rio Grande -FURG, Rio Grande – RS, por:

Prof. Dr. Carolus Maria Vooren, Departamento de Oceanografia, Editor M.Sc. Santiago Montealegre Quijano, PPGOB-FURG, Assistência Editorial Miguel Angelo Isoldi, Departamento de Oceanografia, Coordenação Técnica Irai Francos Mirapalhete – Divisão Gráfica da FURG – Formatação e Diagramação

Foto da capa: um tubarão-azul (Fonte: Recursos Pesqueiros, Gestão e Sustentabilidade, 2003, IBAMA – MMA).

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EditorialNo ano de 1947 o arqueólogo

norueguês Thor Heyerdahl e mais cincohomens da estirpe dos vikingsatravessam o Oceano Pacífico desde acosta do Peru até uma ilha próxima a Tahiti,a bordo de uma balsa de 13,7 m decomprimento e 9 m de largura. A balsa,uma réplica das antigas embarcaçõesdos Incas e batizada com o nome de Kon-Tiki, é uma plataforma flutuante feita denove toras de pau-de-jangada amarradasumas às outras com cordas de sisal, comno convés um abrigo de taquara e folhade coqueiro, e com um mastrosustentando a vela quadrada que é o únicodispositivo de propulsão. A finalidade daexpedição é de demonstrar a possibi-lidade de que importantes elementos dacultura indígena da Polinésia tais como, ocultivo do coqueiro e da batata-doce, foramtrazidos da América do Sul a bordo debalsas deste tipo que navegaram a favorda Corrente Equatorial Sul e dos ventosalísios do Oceano Pacífico. A travessia leva101 dias. No seu livro sobre a viagem,Thor Heyerdahl relata experiências comos seres vivos do oceano (páginas 108-120 da versão brasileira, Editora JoséOlympio, 2002). “Fomos muitas vezesvisitados por baleias... na maioria doscasos eram pequenos golfinhos e baleiasde dentes que, em cardumes, semovimentavam alegremente em volta denós, à flor d’água. Mas de quando emquando surgiam também imensoscachalotes e outras gigantescas baleias,que vinham sós ou em pequenoscardumes....O dourado, peixe tropical decolorido brilhante, tinha ordinariamente 1a 1,4 m de comprimento....Não havia umdia que não tivéssemos seis ou setedourados a acompanhar-nos, descre-vendo círculos em redor da jangada. Se,em certos dias, apareciam apenas doisou três, em compensação, no dia seguinte,podiam surgir uns trinta ou quarenta. Emgeral, se queríamos peixe fresco para ojantar, era bastante avisar o cozinheirocom vinte minutos de antecedência....Nãofazia ainda muito tempo que estávamosno mar quando o primeiro tubarão nosvisitou. Depois as visitas se tornaram umaocorrência quase cotidiana....Se o marestava encapelado, as ondas eramcapazes de erguer o peixe bem acima donosso nível, e nós tínhamos uma vistadireta lateral do tubarão como se eleestivesse numa redoma de vidro, quandonadava no nosso rumo, com portemajestoso e precedido da suaembaraçosa escolta de peixes-piloto, bemà frente das suas maxilas..... depois de laçarcom uma corda a barbatana caudal,puxamo-lo facilmente a bordo.... cada vezo processo se realizava com igualfacilidade.... geralmente vinham pegadasao seu corpo rêmoras negras e

escorregadias.... os tubarões quetrouxemos para bordo mediam em geral1,8 a 3 m, e havia-os azuis e pardos.... Oque mais apreciávamos era um mergulhoquando os grandes atuns-de-nadadeiras-douradas nos estavam fazendo uma visita.De quando em quando eles vinham até ajangada em grandes cardumes, mas asmais das vezes apareciam juntos uns doisou três e nadavam em volta de nós emtranqüilos círculos, dias a fio, a não serque conseguíssemos atraí-los com umanzol.... Vistos da jangada, apenaspareciam grandes e pesados peixesescuros.... mas se chegávamos até elesno seu próprio elemento, esponta-neamente mudavam de cor e de forma. Atransformação era tão assombrosa quevárias vezes tínhamos de subir de novopara ver se era o mesmo peixe para o qualestávamos olhando dentro d’água.Aqueles peixes não nos davam a mínimaatenção; imperturbáveis, continuavamsuas imponentes manobras; mas agoratinham adquirido maravilhosa elegânciade forma, a qual jamais tínhamos visto emnenhum outro peixe, e a cor havia setornada metálica, com uns toques devioleta pálido. Possantes torpedos de pratae aço resplandecentes, bastava-lhesmover levemente uma ou duasbarbatanas para pôr seus 60 a 80 kg adeslizar na água com a mais consumadagraça.” E é tartarugas, e peixes-voadores,e lulas, e plâncton luminescente, etubarões-baleia.... Manifesta-se a riquezaprimordial do oceano. É o que significabiodiversidade: o oceano tal como elesaiu das mãos do Criador, como dádivapara os homens. São as coisas em quesonham os jovens que estudam biologiamarinha, oceanologia.

Cinqüenta e sete anos maistarde: o que temos feito do oceano quenos foi dado? Escutamos o relato de umarecente viagem de pesca, contado por umpescador da frota espinheleira do sul doBrasil que pesca o espadarte, tambémconhecido como meca. Já que não seespera mais encontrar boa pescaria demeca na proximidade do continente, omestre decidiu tentar a sorte em lugarlongínquo, à distância de 600 milhas docontinente e sete dias de viagem. Apescaria começou com três dias de pescadirigida aos tubarões, para fazer o forro,isto é, para começar a juntar umaquantidade de galhas suficiente paragarantir o salário dos pescadores. Daprodução de barbatanas de tubarão, 30%é para o armador do barco e o restante édividido entre os tripulantes, em partesiguais. A pesca do meca já fora boa, comfartura de peixes grandes perto daplataforma continental. Hoje estes peixessão escassos e de pequeno tamanho, emuitas vezes as capturas de meca nãocompensam a viagem, mesmopescando-se com o light stick. Nestescasos, sem as galhas os pescadores

saem endividados pois eles têm quepagar sua parte da despesa da viagem. Equando a captura de meca é razoável maso pescado perdeu qualidade no porão,novamente os pescadores se safam comas galhas. No cais, um único jogocompleto de galhas de um tubarão-martelo adulto vale cerca de R$ 300,00.Atualmente, com o declínio das capturasde espadarte, as barbatanas de tubarãomantêm a frota funcionando. Mas, atéquando? Tubarões-azuis grandes, comcomprimento de mais de dois metros, jáforam boa parte da captura mas hoje sãoraros. Nas águas brasileiras, a pesca como espinhel pelágico vai mal. Até aqui, odepoimento dos próprios pescadores.

Muitas espécies de vertebradospelágicos de porte médio e grandecomem peixes e lulas e percorrem oambiente sem cessar, em busca doalimento. O espinhel não é seletivo porqueo anzol iscado tem para todos estesanimais o aspecto de um item alimentarnatural. Tartarugas, albatrozes, petréis,tubarões, raias, peixes-lua Mola mola,peixes dos gêneros Ruvettus, Alepisaurus,Trachypturus, Brama, Lepidocybium eGempylus e outros animais que sealimentam de lulas e pequenos peixessão fisgados e morrem no espinhel ousão descartados com graves ferimentospara morrer mais tarde. É o fenômeno da“captura incidental”. Um exemplo é a raiapelágica Pteroplatytrygon violacea, quenão tem valor econômico, é relativamentepequena mas mesmo assim é capturadacom os anzóis de atum e espadarte,sempre fisgada na boca. Esta raia nãomorre no espinhel, chega inteira e viva noconvés. Grandes capturas desta raia sãofreqüentes, significam prejuízo pela perdade iscas, e atrapalham a manobraapressada do recolhimento do espinhel.O problema é rapidamente resolvido comum puxão que arranca fora o anzol comas maxilas da raia aderidas, e o animal édevolvido ao mar com vida mas sem asmaxilas. É uma rotina cruel mas, “tempoé dinheiro”. A frota espinheleira que pescaThunnus maccoyi no hemisfério sul matou44.000 albatrozes em sete anos.Atualmente a frota brasileira de espinhelpelágico captura cerca de 4.000 aves porano, entre albatrozes e petréis. No casodos albatrozes, trata-se de espécies cujaspopulações mundiais são, na maioria doscasos, da ordem de apenas dezenas demilhares de indivíduos. Das 24 espéciesde albatrozes, 20 estão em perigo deextinção. A tartaruga-de-couroDermochelys coriacea schlegeli doOceano Pacífico está criticamenteameaçada de extinção, e seu principalinimigo é o espinhel. Na área de pescada frota espinheleira do sul do Brasil, otubarão Carcharhinus longimanus eraabundante nas capturas mas hoje ele éraramente encontrado.

Pela natureza técnica e

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4 - Elasmovisoreconômica da pesca com o espinhel, epela magnitude do esforço desta pescariaem nível mundial, a matançaindiscriminada da fauna pelágica dooceano e o empobrecimento desta faunasão inevitáveis, e isto inclui as espécies-alvo da pescaria. A situação já começou aser crítica para muitas espécies. Abiodiversidade do oceano está ameaçada.

Há países que reconhecem isto.No Atlântico Norte, desde o ano de 2001os países membros da ICCAT adotamrestrições do esforço de pesca com oespinhel, sazonalmente ou de maneirapermanente, em grandes áreas dooceano. No mês de março de 2004, oServiço Nacional da Pesca Marítima(NMFS) dos Estados Unidos proibiu apesca de espadarte com o espinhel, porbarcos daquele país, em uma grande áreado Oceano Pacífico, entre a Costa Oestedo país e Havaí. Motivo declarado damedida é a proteção de duas espéciesde tartarugas marinhas ameaçadas deextinção. A frota afetada é pequena,apenas “cerca de duas dúzias de barcos”,e a frota do país constitui apenas 5% dafrota espinheleira mundial que pescaespadarte. A medida por si só não salvaráas tartarugas mas coloca os EstadosUnidos em melhor posição moral parainsistir em ações semelhantes da partede outros países. A estratégia que resultouna medida incluiu uma decisão judicialem nível federal, no mês de agosto de2003, de que o NMFS, ao autorizar a pescacom espinhel pelágico na Costa Oeste,infringiu a Lei de Espécies Ameaçadas.Em poucos meses o NMFS cumpriu adecisão após consulta com cientistasautoridades em tartarugas marinhas. Éum exemplo de resultados obtidos por umgrupo resoluto de conservacionistas. Astartarugas não eram recurso pesqueiro.É provável que a inexistência deinteresses econômicos em matança detartarugas tenha facilitado o processo. Nopresente caso, é graças às tartarugas queos albatrozes, os tubarões e os demaisanimais que sofrem a captura incidentalpelo espinhel ganham proteção. A lição éde que os que querem proteger albatrozese tubarões devem levar as tartarugas asério.

Com relação aos recursos vivose à biodiversidade do ambiente pelágicoda ZEE do Brasil e das águasinternacionais adjacentes, a situação épreocupante. Os estoques dos peixes-alvodo espinhel pelágico estão dando sinaisde sobrepesca. As informaçõesdisponíveis justificam o alerta de que onível atual do esforço de pesca comespinhel pelágico não é sustentável e queesta pesca está causando gravesimpactos sobre o ecossistema pelágicocomo um todo, em termos da abundânciados organismos e da biodiversidade dosistema. O esforço de pesca dirigido aoespadarte e aos tubarões é excessivo e

precisa ser reduzido. É bem conhecidoque a pesca intensiva de grandestubarões não é sustentável. Um caso típicoé o declínio do tubarão-noturnoCarcharhinus signatus no lado oeste doAtlântico Norte, relatado por José Castroe co-autores em 1999 no FAO FisheriesTechnical Paper No. 380, páginas 50-51.Até o ano de 1970, Carcharhinus signatusera o tubarão mais abundante na costasudeste dos Estados Unidos. Nesta áreaa pesca intensiva de espadarte começoupor volta do ano de 1970. Durante osprimeiros quinze anos da pescaria,grandes números de tubarões foramcapturados e era comum obter “de 50 a80 tubarões-noturnos mortos, geralmentegrandes fêmeas grávidas, em cada lancedo espinhel em toda a área de Florida atéas Carolinas....No sul da Florida,pescadores esportivos muitas vezesresolviam capturar tubarões-noturnosquando os espadartes não apareciam. Oregistro fotográfico dos troféus da pescaesportiva mostra que na década de 1970grandes tubarões-noturnos foramcapturados diariamente e desembarcadosnas docas de Miami.” Nos anos de 1981 a1983, Carcharhinus signatus constituiu 26% dos tubarões capturados na pescacomercial do espadarte. No ano de 1991apenas 2 espécimes de Carcharhinussignatus ocorreram em uma amostrarepresentativa de 439 tubarõescapturados, e “hoje em dia a espécie érara em toda a costa sudeste dos EstadosUnidos.” A pesca intensiva de grandestubarões reduz a abundância destespeixes a níveis baixos, em cerca de 10 a20 anos. Há sinais de que na ZEE doBrasil a pesca com o espinhel pelágico járeduziu em muito a abundância doespadarte e está agora fazendo o mesmocom os tubarões. É preciso reduzir oesforço desta pescaria o mais cedopossível para que, com os atuns,espadartes, tubarões, albatrozes etartarugas que ainda existem, a faunapelágica do oceano recupere suaabundância e conserve suabiodiversidade.

A ingestão de carne de espadartee de sopa de barbatanas de tubarão édesnecessária para que uma pessoarealize seu potencial como ser humano etenha boa saúde. Trata-se de artigos deluxo. Questiona-se a razão de ser de umapescaria que ameaça a biodiversidade dooceano em prol da satisfação do mercadointernacional do supérfluo culinário.

Em conclusão, a frotaespinheleira da ZEE do Brasil deve serreduzida ao número de barcos quecorresponde com o rendimentosustentável da pescaria e com aconservação da biodiversidade doecossistema pelágico do oceano.

A pesar disto, a política pesqueiraatual está no sentido oposto. Responsáveldesta política é a Secretaria Especial de

Aqüicultura e Pesca – SEAP, órgão federalque responde diretamente à Presidênciada República. No mês de novembro de2003 a SEAP lançou edital convocandoinscrições para 62 (sessenta e duas)licenças para a pesca com o espinhel desuperfície por barcos estrangeirosarrendados de 35 a 48 metros decomprimento. Até o dia 31 de março de2004 inscreveram-se 29 barcos debandeiras espanhola, panamenha,canadense e portuguesa. As 29inscrições estão sendo julgadas. A SEAPconsiderou este número de inscriçõesinsuficiente e lançou no dia 1 de abril de2004 novo edital convocando inscriçõespara mais 32 licenças para pesca comespinhel de superfície nos moldes doedital anterior. A frota brasileira deespinheleiros de superfície era de 58barcos no ano de 1998. A SEAP pretendeaproximadamente duplicar, o maisrapidamente possível, a frota brasileiraque pesca com espinhel de superfície naZEE do Brasil e no Atlântico Sul como umtodo. Isto implicará num aumentocorrespondente do esforço de pesca naárea, pois dificilmente os outros paísesque pescam na área deixarão de querermanter ou mesmo aumentar suas quotasICCAT e seu esforço de pesca. Tudo indicaque, se o plano da SEAP venha a serrealizado, resultará um impactoassombroso sobre o ecossistemapelágico da ZEE do Brasil e das águasadjacentes, e isto incluirá os estoques dotubarão-azul e de outras espécies deelasmobrânquios.

O Brasil é o país que controlamaior área do Atlântico Sul. O que o Brasilfaz com sua ZEE determina o destino dametade sul do Oceano Atlântico, isto pelamagnitude da sua ZEE em si e peloimpacto político internacional das suasdecisões nesta grande área. O que osEstados Unidos fizeram recentemente noOceano Pacífico, proibindo a pesca porsua frota de espinheleiros entre a CostaOeste e Havaí, serve de exemplo. O Brasilpossui as condições e o dever de tomar adianteira na conservação dabiodiversidade do Atlântico Sul. Não faltamno país os recursos humanos qualificadose os conhecimentos científicos e técnicos,necessários para a gestão responsávelda biodiversidade e dos recursos vivos doambiente pelágico da ZEE do Brasil. Épreciso que, no Brasil, uma frente únicaconstituída pelas pessoas e entidadesenvolvidas com a biodiversidade e osrecursos vivos do Atlântico Sul, reúne seusesforços para que tal gestão responsávelaconteça. Uma destas entidades é aSBEEL. A IV RESBEEL será uma ocasiãopara que a SBEEL discuta seuposicionamento como entidade, diantedos impactos da pesca oceânica sobre oecossistema pelágico do Atlântico Sul.

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Palavras da presidenteAo finalizar a III Reunião da SBEEL, realizada em João Pessoa - PB, sob a responsabilidade do Dr. Ricardo Rosa da

UFPB, havíamos recebido um honroso legado, a Presidência da SBEEL, e uma missão quase impossível, a de organizar a IVRESBEEL, tendo como padrão aquela que brilhantemente se encerrava.

A Presidência trazia o desafio de tornar a Sociedade funcional no intervalo entre as Reuniões. Esse desafio se deve àcrítica, comum entre os membros, de que a Sociedade somente atua para e durante as Reuniões. Por isso, muito cedo, entredezembro de 2002 e fevereiro de 2003, retomamos as atividades para a conclusão do Plano de Ações para o Manejo deElasmobrânquios no Brasil. Essa atividade, ao longo de todo o tempo, tem sido uma fonte importante de trocas entre osmembros da Comissão.

O referido Plano de Ações não ficou pronto e acabado em fevereiro de 2003, como pretendíamos, mas as diversascorreções apresentadas pelos responsáveis regionais, nesse período, conferiram-lhe uma forma cada vez mais consistente.Houve, em 2003, várias oportunidades de falarmos sobre esse tema. A mais importante delas ocorreu durante a Reunião daIUCN em Manaus, que foi deveras proveitosa, pois nos colocou em contato com pesquisadores de diversos países, algunsdeles com experiências sobre Planos de Ações e Manejo de Elasmobrânquios de seus próprios países. Essa reunião da IUCNtrouxe diversas experiências que valeram a pena. Foi importante a consciência de que cada membro da SBEEL ali presenteestava, de modo concreto, contribuindo para a conservação dos elasmobrânquios na América do Sul, pois o produto era, nadamais, nada menos, do que a elaboração dos relatórios específicos para a lista vermelha da IUCN, que efetivamente sãorespeitados mundialmente como fonte para as políticas de Conservação.

Em setembro de 2003, a diretoria eleita se tornou de direito a diretoria da SBEEL, com todos os trâmites da transferên-cia de diretorias concluídos. Em seguida, tivemos que debruçar sobre o estatuto da SBEEL para, pela primeira vez, eleger oPresidente do Conselho da Sociedade, Dr. Ricardo Rosa, a fim de viabilizar a substituição do novo Secretário Executivo, poiso Secretário eleito havia renunciado. O Conselheiro Getúlio Rincón Filho foi, então, convidado para a função e teve seu nomeratificado pelo Conselho Deliberativo. Com essa movimentação, criou-se no Conselho uma vaga que foi preenchida pelo Dr.Carolus Maria Vooren, segundo mais votado durante a última Assembléia para o cargo.

Imediatamente, era tempo de cuidar da IV Reunião da SBEEL, pois essa deveria ocorrer, como acordado na Assembléiade Novembro de 2002, em São Luís, Maranhão, em Novembro de 2004, sob responsabilidade da Profa. Zafira Almeida daUEMA. Mais uma vez, o acaso mudou os planos e, no impedimento de São Luís, a Reunião poderia ocorrer em Itajaí - SC,como segunda opção. Na impossibilidade dessa, a terceira opção seria a sede da Presidente. Por essa razão, a IV RESBEELocorrerá em Recife - PE, no período de 29 de novembro a 03 de dezembro próximo, no Recife Praia Hotel, Bairro do Pina. Osdois primeiros meses do ano foram de muita troca e discussão para os membros da SBEEL que se envolveram na elaboraçãoda Programação da IV RESBEEL. Temos certeza de ter inaugurado o mais amplo e democrático processo de elaboração daProgramação, jamais antes vivido por nós. O tema central do evento: "A busca da sustentabilidade pesqueira dos elasmobrânquiosno Brasil", é assaz oportuno no momento em que grande preocupação surge da explotação dirigida, ou acidental, de váriasespécies cujos potenciais declinam ano a ano.

A Programação apresenta muitas novidades. Entre elas, dois grandes Workshops, que têm por objetivo apresentar umproduto final que integre as informações disponíveis no país e no Hemisfério Sul sobre as espécies estudadas. O resultadoconstituirá em uma síntese inédita do conhecimento sobre os temas: (1) Biologia, ecologia, pesca e identificação do estoquedo tubarão azul, Prionace glauca, no Atlântico Sul (coordenado por Carolus Maria Vooren) e (2) Biologia, ecologia e pesca dasraias de água doce do Brasil (coordenado por Getúlio Rincón Fo.).

Evidentemente, como não poderia deixar de ser, o Plano de Ações para o Manejo de Elasmobrânquios volta a discus-são, desta vez integrando representantes dos diversos Órgãos oficiais do Brasil, com representantes da FAO e IUCN. Como seavalia, o Plano de Manejo constitui na missão maior da SBEEL e, por isso, perseveramos na intenção de sensibilizar osdiversos atores do setor pesqueiro a discuti-lo e implementá-lo.

Por fim, como é do conhecimento de todos, a IV RESBEEL ocorrendo em Recife não pode se furtar à discussão do temamais importante do ponto de vista da população local, que se constitui nos ataques de tubarões. Devido a isso, muita discus-são e trocas de idéias com especialistas brasileiros e convidados estrangeiros ocorrerão durante o Evento, sob forma demesas redondas coordenadas pelo Dr. Fábio Hazin. Entre os temas de grande importância, encontram-se, ainda, a questão doPrograma de Observadores de bordo como ferramenta eficaz para o controle de capturas da pesca industrial e, entre outras,uma discussão sobre os impactos da pesca artesanal.

Também com os minicursos, pretende-se inovar com as "Cartilhas da SBEEL" para estudantes, uma antiga aspiraçãodos membros da Sociedade.

Para obtermos sucesso, resta ainda muito trabalho pela frente. Asseguramos aos membros da Sociedade o empenhoentusiasmado da Diretoria Executiva, da Comissão Organizadora e da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Instituiçãoexecutora. Esperamos encontrá-los em breve na IV RESBEEL.

Até lá!

Rosangela LessaPresidente da SBEEL

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Según Compagno (1984), el Carcharhinuslongimanus “es una de las tres especies de tiburonesoceánicos más abundantes, junto con el tiburón azul(Prionace glauca) y el silky shark (Carcharhinusfalciformis) y uno de los más abundantes de losgrandes organismos marinos “. Esta aseveración escompartida por otros autores como Taniuchi (1990),Bonfil (1994) y Castro et al. (1999). Este último reafirmala idea de una especie cosmopolita: “El oceánico depuntas blancas es uno de los grandes tiburones máscomunes en aguas oceánicas templadas”.

Conjuntamente con el concepto deabundancia, los autores indican un área amplia dedistribución para la especie (Fig 1) que en el océanoAtlántico va desde las aguas tropicales y templadashasta Argentina, incluyendo el Caribe y el Golfo deMéxico, Atlántico Central y Este, Madeira, Sur dePortugal hasta el Golfo de Guinea y posiblemente elMar Mediterráneo.Sin embargo, en un análisis más detallado de lainformación, la gran mayoría de los datos está referidaa los océanos Índico y Pacífico. Unos pocos datos delGolfo de México y el Atlántico son proporcionados porCastro et al. (1999).

Existen pocos trabajos regionales de Brasil,Uruguay o de flotas pesqueras en el Atlántico Sursobre esta especie y en su mayoría no están referidosa su abundancia.

¿Será que no es tan ocurrente como en elPacífico y el Indico? ¿O qué su población decreció enforma por demás alarmante?

Desde 1998 el área de Recursos Pelágicosperteneciente a la Dirección Nacional de RecursosAcuáticos de Uruguay, viene realizando un Programade Observadores en la Flota de longline. Esta flotadirige su esfuerzo principalmente al pez espada y alos tiburones en la Zona Económica Exclusiva deUruguay y aguas internacionales del Atlántico Sur. Enlos 6 años (1998 – 2003) se observaronaproximadamente 660.000 anzuelos calados, entre

¿ADÓNDE FUE EL LONGIMANUS ?Andrés Domingo

las latitudes de 26º y 37º S. Durante este período lacaptura de C. longimanus fue totalmente ocasional(CPUE = 0,006 ejemplares / 1.000 anzuelos). Losmuestreos se realizaron entre marzo y diciembre ylos valores de temperatura de superficie del agua,variaron entre 16º y 23ºC.

También se efectuaron observaciones enáreas más tropicales, entre los 10ºN y los 16ºS enaguas internacionales frente a las costas de Africa.Entre mayo y julio del 2003 se calaron 107.000anzuelos donde se obtuvo una CPUE de 0,09 C.longimanus / 1.000 anzuelos.

Estos valores no nos hablan de una especiemuy abundante, sino todo lo contrario. Aparentementela flota brasilera de palangre con base en Itajai, al igualque la uruguaya, se encuentra muy rara vez con unlongimanus (C.M. Vooren com. personal).

Esta información nos conduce a decir que,probablemente, el Carcharhinus longimanus sea hoy,una especie ocasional en el Océano Atlántico al Surde los 26º de latitud. Los datos del Ecuador, aunquecon un esfuerzo mucho más reducido y una coberturatemporal y espacial menor, no nos indican unasituación muy diferente. Deberíamos intentarrecomponer los históricos de captura por área de estaespecie, para saber si su presencia ha sido siempreocasional o si sus poblaciones han sido afectadas enforma significativa por el esfuerzo pesquero.

Si volvemos al inicio de este artículo y el tiburón“oceánico de puntas blancas” es uno de los másabundantes junto con el azul y el silky, también en elocéano Atlántico, entonces ¿adónde fue ellongimanus?

Andrés DomingoRecursos PelágicosDirección Nacional de Recursos AcuáticosMontevideo - [email protected]

Referencias

Bonfil, R. (1994) Overview of world elasmobranch fisheries. FAO FisheriesTechnical Paper 341. 119 pp.Castro J.I.; Woodley C.M.; Brudek R.L. A preliminary evaluation of thestatus of shark species. FAO Fisheries Technical Paper. Nº 380. Rome,FAO. 1999. 72p.Compagno L.J.V. (1984) FAO species catalogue, (IV), Part 1 Sharks ofthe world. FAO Fishery Synopsis, Nº 125,(IV), Part 1: 249pp.Taniuchi T. 1990. The role of elasmobranchs in Japanese fisheries. InH.L. Pratt, S. Gruber & T. Taniuchi, eds. Elasmobranchs as LivingResources: Advances in the Biology, Ecology, Systematics, and the Statusof the Fisheries.NOAA Tecnical Report NMFS 90. U.S. Dept. Comm.,Washington DC. Pp. 415-426

Mapa de la distribución mundial del C. longimanus

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SOBRE A NECESSIDADE DA CRIAÇÃO DE ÁREAS DEPROTEÇÃO AMBIENTAL MARINHAS (APAM) NO BRASIL

Santiago Montealegre QuijanoEm entrevista ao The New York Times (Yoon, 2003) o

biólogo pesqueiro Daniel Pauly é enfático ao afirmar que “oproblema do inevitável colapso mundial das pescarias pode serremediado unicamente com uma enorme redução da pescamundial e com a criação de grandes áreas protegidas onde ospeixes possam crescer, reproduzir-se e subsistir”. Pauly chama aatenção de que isso só poderá ser concretizado se os verdadeirosdonos dos recursos dos oceanos, o público, demandem poristo. Para tanto precisamos então de informar e conscientizar opúblico e envolvê-lo na problemática.

O conceito de áreas de proteção ambiental marinhas(APAM) não é novo. Nas ilhas da Polinésia, assim como emoutras nações da Oceania, medidas para controlar a exploraçãopesqueira têm sido implementadas há séculos (Johannes,1978). Contudo, a primeira descrição formal do uso de áreasfechadas para propósitos de manejo pesqueiro, no contextoconvencional, foi feita por Beverton e Holt (1957), após a segundaguerra mundial, em resposta ao aumento de alguns estoquesno Atlântico Norte já que as áreas de pesca estiverampraticamente inacessíveis. Desde então medidas de manejoneste sentido têm usado áreas fechadas não para a exploraçãomas para a recuperação de estoques sobre-explorados, paraproteger jovens em áreas de berçários, etc (Iverson, 1996).

Reconto Histórico das APAMDurante os anos 50 e 60 houve um declínio nas capturas

em várias pescarias ao redor do mundo levando à necessidademundial de desenvolver métodos para manejar e proteger osambientes marinhos e os recursos que tinham se tornadoevidentemente afetados. Foi então quando, a partir de 1958 coma criação da “Convenção de Gênova sobre o Direito do Mar”,foram estabelecidos sistemas internacionais para proteger osrecursos vivos do mar. Assim, em 1962 foi considerada pelaprimeira vez em uma convenção internacional a necessidade deproteção de ambientes costeiros e oceânicos tendo sidodesenvolvido o conceito de APAM. Em 1971 foram providas abases específicas para a criação destas áreas nas diferentesnações. Entre 1973 e 1977 as bases legais para criação deAPAM em áreas além dos mares territoriais foram estabelecidas.Em 1975 a IUCN solicita a criação de APAM bem monitoradas aoredor do mundo. Em 1984 a UNESCO publica um guia para acriação de APAM em áreas costeiras e oceânicas. Entre 1986 e1990 os mares do mundo foram divididos em 18 regiões,baseado principalmente em critérios biogeográficos; foramcriados grupos de trabalho em cada região e foi fornecida pelaIUCN a resolução do sistema político para a conservaçãomarinha. Essas resoluções estabeleceram o objetivo principalda conservação marinha, definiram “áreas de proteção marinha”,identificaram uma série de objetivos específicos a seremreunidos em atenção ao objetivo principal e resumiram ascondições necessárias para dito atendimento. Tais resoluçõesconstituíram o sistema para o estabelecimento da política daIUCN sobre APAM. Desde então algumas outras convenções têmfortalecido tanto a obrigação das nações em criarem APAMs comfins de conservação como os seus direitos para fazê-lo: aconvenção das Nações Unidas do Direito do Mar (UNCLOS) e aConvenção sobre a Diversidade Biológica (CBD), principalmente.Considerável progresso no estabelecimento de APAMs tem sidoobservado durante as últimas três décadas. Em 1970 foramcriadas 118 APAM em 27 nações. Para 1994, o número aumentoupara 1306 APAMs em muitas mais nações (Kelleher et al., 1995).

O caso do BrasilAs bases para uma ampla implementação de APAMs,

para conservar a biodiversidade e promover o uso sustentáveldos recursos vivos dos mares, têm sido estabelecidos tantointernacionalmente como em alguns países individuais. É assimcomo o Brasil, em atendimento às recomendações da CBD, oMinistério do Meio Ambiente desenvolveu o subprojeto “Avaliaçãoe Ações Prioritárias para Conservação da Biodiversidade dasZonas Costeiras e Marinhas” (como parte do projeto“Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade BiológicaBrasileira”). Para tanto, as águas costeiras e oceânicas do Brasilforam classificadas em níveis de prioridade para conservação,em quatro categorias: extrema (A), muito alta (B), alta (C) einsuficientemente conhecida (D); determinadas pela relevânciabiológica do local, a qual foi avaliada mediante pontuaçãoassinada a itens que a caracterizavam: riqueza de espécies,diversidade filética, endemismos, presença de espécies raras/ameaçadas, áreas de grande biodiversidade e sob alta pressãoantrópica (hot spots), fenômenos biológicos excepcionais,importância ecológica/funcional do ecossistema, espécies deinteresse econômico e sociocultural (MMA, 2002).

Dentre os objetivos mais importantes do trabalho estavaa identificação das lacunas de informação referentes a espéciese ecossistemas no sentido de juntar esforços investigativos afim de minimizá-las. Assim, a classificação foi implementadatanto por unidades físico-ambientais como por grupo temático,onde os elasmobrânquios foram incluídos em separado. Emboraa maior parte do litoral brasileiro foi catalogada comoinsuficientemente conhecida quanto à importância biológica dafauna de elasmobrânquios, os consultores solicitaram a imediatainclusão de 17 espécies na lista oficial do IBAMA da faunaameaçada de extinção e identificaram dez áreas com extremaimportância biológica, três com muito alta, e quatro com alta (verTabela e Figura).

Esses resultados foram obtidos no ano de 1999, desdeentão, ações concretas provenientes do Governo, no sentido deimplementar as medidas propostas pela comissão consultoraquanto à criação dessas áreas protegidas, não têm sidoconcretizados. Somente ações de grupos de pesquisa e daSBEEL que está elaborando o “Plano de Manejo e Ação para aConservação de Elasmobrânquios do Brasil; o projeto “SalvarSeláquios do Sul do Brasil” em Rio Grande do Sul, que objetivaelaborar o plano de manejo da pesca de cinco espécies deelasmobrânquios ameaçadas e preservar berçário dos tubarões;o “Projeto Cação” no litoral paulista, com vários anos de trabalho,que objetiva o acompanhamento dos desembarques daspescarias artesanais e a obtenção de importantes informaçõesbiológicas das espécies envolvidas, e alguns outros projetoslocalizados nas diferentes localidades de trabalho das equipescientíficas do Brasil são alguns exemplos.

Animais longevos, os primeiros beneficiadosEm pescarias mistas com elasmobrânquios como fauna

acompanhante, o esforço de pesca é ajustado ao rendimentodas espécies alvo resilientes e nesse caso os elasmobrânquiosserão eventualmente extirpados. Musick et al. (2000) relata que aAmeriacn Fisheries Society (AFS) identifica à captura incidentalcomo a maior ameaça a espécies de longa vida (mesmo quehaja descarte obrigatório). Por tanto, agências reguladoras devemmonitorar a captura incidental de espécies de longa vida e agirpara implementar medidas de conservação logo que o declíniodas populações for constatado. Esses mesmos autorespropõem como estratégia mais efetiva de manejo, para certasespécies capturadas incidentalmente e outras que são alvo dapescaria, a criação de grandes reservas marinhas como

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8 - Elasmovisorsuplemento às práticas tradicionais de manejo fora das áreasprotegidas e identificam os critérios básicos que devem serconsiderados na hora da criação de uma reserva: (1) terobjetivos claramente definidos; (2) incluir uma ampladiversidade de condições ambientais; (3) ser em númerosuficiente para proteger ecossistemas marinhos em cadaregião; (4) oferecer condições para o manejo adaptativo e (5)ser suficientemente extensas para serem auto-sustentadas.

Assim, no Brasil, das dez áreas catalogadas comextrema importância biológica, quatro constituem áreasoceânicas e destas, somente duas (o Atol das Rocas e oArquipélago de Fernando de Noronha) possuem já algum tipode gerenciamento. No entanto, o Arquipélago de São Pedro eSão Paulo (ASPSP) catalogado como, “região com endemismoacentuado e importante como banco genético de organismosmarinhos” e as Ilhas de Trinidade e Martín Vaz catalogadascomo, “regiões com comunidades marinhas específicas deregiões oceânicas remotas, com forte endemismo e nidificaçãode aves marinhas e presença da baleia jubarte”, não possuemnenhum tipo de proteção. É de destacar que tais caracterísitcassão comuns às duas áreas e que nada foi dito em termos dapresença do tubarão-baleia, das raias da familia Mobilidae oudas espécies de tubarões grandes e longevos tão importantesquanto a baleia jubarte e as aves.

Considerando que nas duas áreas ocorrem espécies,condições e eventos de extrema relevância biológica, quandoavaliado qualquer tipo de item que a caracterize, constituem-sede fato em exemplos dos chamados hot spots, e que “gritam”por medidas de conservação e controle, onde a única ameaçaali é a atividade pesqueira. Tomando em conta que o quadroatual das pescarias mundiais é o declínio dos estoques e asobre-exploração de muitos recursos, é de se esperar que tudoo esforço pesqueiro tenda a se concentrar, ao longo dos anos,em pontos onde as capturas são significativamente maiores,inevitavelmente provenientes de pontos onde a disponibilidadede alimento é alta, que no oceano aberto são ilhas e bancosoceânicos.

A SBEEL encoraja aos seus membros e comunidadecientífica em geral a se envolverem e providenciarem informaçãotécnica necessária para a proteção dos elasmobrânquios;somente assim, será possível um dia tornar oselasmobrânquios tão importantes em termos de indicadoresda prioridade de medidas de conservação para determinadasáreas como são as tartarugas, os mamíferos marinhos e asaves. Igualmente, encoraja-se às autoridades federais,estaduais e regionais para que sejam tomadas decisões combase em critérios científicos, e não emocionais ou políticos.

REFERÊNCIAS

BEVERTON, R.J.H. & HOLT, S.J. (1957). On the dynamics ofexploted fish populations. Chapman and Hall, New York,533pp.

IVERSON, (1996). Living marine resources. Chapman and Hall,New York.

JOHANNES, R.E. (1978). Traditional marine conservationmethods in Oceania and their demise. Annual Reviewsof Ecology and Systematics 9:389-364.

KELLEHER, G., BLEAKLEY, C. & WELLS, S. (1995). A globalrepresentative system of marine protected areas. TheGreat Barrier Reef Marine Park authrity, the World bankand International Union for the Conservation of natureResources, Washington, D.C.

MMA (2002). Avaliação e ações prioritárias para a conservaçãoda biodiversidade das zonas costeira e marinha.Sumário Executivo. Ministério do Meio Ambiente 72 pp.

MUSICK, J.A., BURGES, G., CAILLET, M., CAMHI, M. & FORDHAM,S. (2000). Management of sharks and their relatives(Elasmobranchii). AFS Policy Statement. Fisheries25(3):9-13

YOON, C.K. (2003). Iconoclast looks for fish and finds disaster.The New York Times, 21 de janeiro de 2003.

Tabela 1. Espécies de Elasmobrânquios que foramsugeridas a serem incluídas na lista oficial do IBAMA da faunaameaçada de extinção.

NOME COMUM NOME CIENTÍFICO FAMILIACação-anjo Squatina guggenhein SquatinidaeCação-anjo Squatina oculta SquatinidaeTubarão-mangona Carcharias taurus OdontaspididaeTubarão-baleia Rhincodon typus RhincodontidaeTubarão-branco Carcharodon carcharias LamnidaeTubarão-peregrino Cetorhinus maximus CetorhinidaeTubarão-quati Isogomphodon oxyrhynchus CarcharhinidaeCação-bico-doce Mustelus fasciatus TriakidaeCação-bico-doce Mustelus schmitti TriakidaeCação-bico-de-cristal Galeorhinus galeus TriakidaeTubarão-martelo Sphyrna lewini SphyrnidaeRaia-viola Rhinobatos horkelli RhinobatidaePeixe-serra Pristis pectinata PristidaePeixe-serra Pristis perotteti PristidaeManta-anã Mobula hypostoma MobulidaeManta-anã Mobula rachebrunei MobulidaeRaia-manta Manta birostris Mobulidae

Figura 1. Áreas prioritárias para a conservação deElasmobrânquios (Fonte: MMA, 2002)

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TAXA DE CRESCIMENTO INTRÍNSECO E PRODUTIVIDADE;AFINAL, QUAL A IMPORTÂNCIA PARA OS TUBARÕES?

Francisco Marcante Santana e Rosangela LessaLaboratório de Dinâmica de Populações Marinhas (DIMAR)

Departamento de Pesca – Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Devido a diferenças nascaracterísticas biológicas entreteleósteos e elasmobrânquios, métodostradicionais de avaliação de estoquespesqueiros, como análises de coortese VPA não se aplicam a tubarões eraias. Porém, um modelo criado porLotka em 1959 (Murray, 1979) baseadoem tabelas de vida, originalmenteformulado para mamíferos, écomumente utilizado emelasmobrânquios. Este método baseia-se na estimação de diversos cenários,onde cada um deles irá resultar em umvalor da chamada taxa de crescimentopopulacional (r), que varia de acordocom as taxas de mortalidade natural etotal, idade de primeira maturaçãosexual e a fecundidade de fêmeas porano. Qualquer mudança em um destesfatores irá acarretar modificações no r,que demonstrará se a população estadecrescendo (r < 0), aumentando (r > 0)ou em equilíbrio (r = 0).

Hoenig e Gruber (1990)sugerem que a taxa de crescimentointrínseca (r) deve ser utilizada como umcritério para listar as espécies detubarões de acordo com a suacapacidade de resistência à exploraçãopesqueira. Porém, em decorrência dadificuldade de se obter os parâmetrosnecessários para a construção dastabelas de vida para tubarões, Smith,Au e Show (1998) desenvolveram ummodelo, baseado em Lotka, em que ovalor de r, também chamados por elesde produtividade, será determinado parauma população hipoteticamente, emequilíbrio. Assim, os valores de ridentificam quais populações são menosou mais vulneráveis a pesca, de acordocom variações na idade de maturação,longevidade, fecundidade e mortalidadenatural.

Em diversos trabalhos sobreanálise demográfica de tubarões, sãoestimados estes valores de r como sendoa mesma taxa. Cailliet (1992) e Cortês

(1995), utilizam o r de Lotka; Musick etal. (2000), o de Smith, Au e Show; porém,todos chamam este r como taxa decrescimento intrínseco. Então, os doisíndices são os mesmos? Embora sejamchamados da mesma forma, estastaxas possuem objetivos completamentediferentes, porém, quando ambos sãoutilizados, podem indicar a fragilidade ea situação real da população comrelação à pesca.

Smith et al. (1998), chamou o rde r2M, exatamente para distingui-los, epor este motivo, vamos chamar osegundo de produtividade. Ao contrárioda taxa de crescimento intrínseco deLotka, a produtividade possui valoresmaiores que 0, e não indicam diminuiçãoou aumento populacional, mas sim, avulnerabilidade de uma população emequilíbrio (considera apenas amortalidade natural), quandoincrementado alguma mortalidade extra,ou seja, a mortalidade proveniente dapesca. Esta produtividade foi capaz derevelar que tubarões costeiros depequeno porte (como os do GêneroRhizoprionodon e Mustelus,Carcharhinus acronotus e Sphyrnatiburo) são menos frágeis a pesca, comvalores de r2M maiores que 0,08, devidoprincipalmente, a uma maturaçãoprecoce. As espécies que apresentaramvalores de produtividade entre 0,04 e0,07 são tubarões oceânicos (C.longimanus, C. falciformis, Prionaceglauca, Isurus oxyrinchus) e queenfrentam problemas com relação aidade de maturação mais tardia do quea do primeiro grupo, porém, compensamesta característica com um grandetamanho dos embriões que já nascemcom tamanho suficientemente grandepara escaparem de predadores. Oterceiro grupo é o mais vulnerável detodos (r2M < 0,04), os tubarões costeirosde médio e grande portes (algumasespécies do Gênero Squatina,Galeocerdo cuvier, S. lewini, C. leucas,

C. plumbeus), que maturamtardiamente, e compensam comdiversas reproduções ao longo de suavida, são facilmente capturados aindajovens pela pesca, pois mesmo nestafase, já possuem grande tamanho.Embora a mortalidade natural sejaconsiderada constante durante toda avida, a produtividade pode antecipar asituação da espécie com relação aexploração pesqueira.

A partir da determinação do r2M,a taxa de crescimento intrínseco irárevelar com clareza a influência dapesca na dinâmica populacional dostubarões. As mortalidades utilizadas sãoadequadas a cada fase da vida, e amortalidade por pesca será comparadaa um cenário onde a populaçãoencontra-se em equilíbrio, assim, o valorde r será estimado, tornando possível àobservação do impacto causado pelaexploração pesqueira na população.Além desta vantagem, o modelo deLotka pode ainda indicar como osfatores naturais (intrínseco) dapopulação podem torná-la susceptíveisa um esforço pesqueiro.

O modelo desenvolvido para ocálculo do potencial de crescimentocompensatório é bastante útil e de umaimportância ímpar, pois pode indicar ograu de vulnerabilidade de populaçõesonde a pesca está se iniciando e deestoques pesqueiros já explorados, sema necessidade, entretanto, das diversasinformações e cenários exigidos pelomodelo de Lotka, porém este modelo énecessário na definição do grau deimpacto causado pela pesca.

Torna-se necessário à definiçãomais clara com referência as diversastaxas de modo a orientar os usuáriossobre a adequação do uso de cada umae do método apropriado para a suaestimação, podendo assim, servir comoinstrumento válido para demonstrar avulnerabilidade dos tubarões.

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As plataformas continentais, os bancosoceânicos e as fossas abissais com profundidadede cerca de 10.000 m constituem em conjuntouma pequena porção do fundo do oceano. Amaior parte deste fundo é a planície abissal, cujaprofundidade varia entre 4.000 e 6.000 m(REVELLE). A denominação “abissal” é indício dequanto estas profundidades impressionam ao serhumano. “Abismo” significa, entre outras coisas,“tudo que é insondável, misterioso, assombroso”(Houaiss & VILLAR). No entanto, o aspecto “abissal”do oceano é uma impressão subjetiva do serhumano, uma impressão que não correspondecom a realidade objetiva. Na verdade a extensãovertical do oceano é pequena, tanto relativamentecomo em termos absolutos.

Tomando-se 5.000 m como aprofundidade da planície abissal do oceano, doiscálculos revelam quão pequena é estaprofundidade em relação com a extensãohorizontal do oceano. A distância entre a costanordeste do Brasil e o continente da África é decerca de 5.000 km. Tomando-se esta cifra comomedida da largura do Oceano Atlântico, constata-se que a profundidade da planície abissal é cercade 0,1% da largura deste oceano. O OceanoAtlântico tem as proporções de uma lâminaretangular com largura de 1 m e espessura de 1mm.

No equador, a circunferência da Terraé de 360 graus de longitude, e um minuto de umgrau de longitude é aproximadamente 1,852 km(BARETTA-BEKKER, DUURSMA & KUIPERS). Com aexpressão 360x60x1,852=2πr segundo HALE,calcula-se que o diâmetro da Terra no equador écerca de 13.000 km. Portanto a profundidade de5.000 m da planície abissal é cerca de 0,04% dodiâmetro da Terra. Em escala reduzida, o oceanocorresponde a uma lâmina de água de 0,4 mmde espessura sobre a superfície de uma esferasólida de 1 m de diâmetro.

Distâncias verticais são experimentadaspelo ser humano de maneira exagerada, emcomparação com distâncias horizontais da mesmamagnitude. Um penhasco com altura de 200 m, euma profundidade de 200 m no mar,impressionam ao ser humano, ao passo que noplano horizontal uma distância desta mesmamagnitude é sentida como sendo pequena,correspondendo a uma caminhada de apenasdois a três minutos. Na estrada asfaltada, umtrecho de 5 km é experimentado como curto,podendo ser percorrido com um veículomotorizado em menos de quatro minutos. Emcampo aberto, num dia claro, enxerga-se a olhonu um edifício ou uma árvore à distância de 5.000m, e o mesmo acontece na superfície do mar comum navio a esta distância. Ora, o ser humano abordo de um barco no oceano, num dia claro,enxergaria objetos e cardumes de peixes nofundo da planície abissal e em toda a coluna d’água,se esta fosse transparente e iluminada como o ar.Então porque é que a profundidade de 5.000 mé considerada como “abissal”, enquanto umadistância de 5 km no plano horizontal é sentidacomo pequena? Distâncias verticais, tanto em terra

Oceano pequenoCarolus Maria Vooren

firme como no oceano, impressionam ao serhumano não por causa da magnitude absolutadas mesmas, mas por causa da dificuldade inerenteao deslocar-se no plano vertical, e por causa damagnitude das mudanças ao longo do gradientevertical de fatores ambientais como luminosidade,temperatura, pressão atmosférica e hidroestática,e intensidade do vento. Também em termosabsolutos, a distância entre a superfície do oceanoe a planície abissal é pequena. O oceano é umaextensa porém rasa camada de água sobre acrosta terrestre.

As forças exercidas sobre o oceanopelos ventos, pela rotação da Terra, e peloscampos gravitacionais do Sol e da Lua, empurramou puxam as águas do oceano principalmente emdireção tangencial e por isto, fazem com que olençol de água que é o oceano, flui sobre a crostaterrestre. Com a visão das dimensões verdadeirasdo oceano, os fenômenos causados pela açãodestas forças são mais facilmente compreendidos.Tais fenômenos são os correntes das marés, osgrandes correntes de superfície, e os desníveisna superfície que dão origem aos grandes contra-correntes. Ao mesmo tempo, o complexo sistemade correntes que existe dentro da totalidade dofino e curvo lençol de água que é o oceano, assumeum aspecto quase que microscópico, como se tudoisto estivesse acontecendo dentro de um poço dechuva. O enredo ordenado e dinamicamenteestável de tantos correntes extensos e simultâneosdentro de tão fino lençol de água, causa admiração.O tubarão-azul Prionace glauca possui distribuiçãomundial nos oceanos temperados e tropicais, eseu circuito migratório no Atlântico Norte abrangetodo esta porção do oceano entre as latitudes de10o N e 47o N (VOOREN). Este tubarão é um exemplode um animal que se orienta dentro do raso labirintode correntes que é o oceano, como que dentrode uma paisagem contínua e variada com extensãode milhares de quilômetros.

A superestimação psicológica dasdistâncias verticais explica a maneiradespreocupada e sem-cerimônia como o serhumano deposita seu lixo no oceano. Exemplodisto é o despejo de lixos militar e radiativo. Lixomilitar inclui explosivos, pesticidas, desfolhantes,gás mostarda e outros materiais para a guerrabiológica e química (GESAMP, DOYLE). No final da2a Guerra Mundial, lixo militar da Alemanha foidespejado em grande escala nos mares daEuropa. Trinta e seis navios alemães carregadoscom o total de 168 mil toneladas de material daguerra química foram afundados a 600 m deprofundidade nas águas próximas à cidade deArendal, na costa sul da Noruega. O local é umLiteratura consultada:BARETTA-BEKKER, Johanna G., Egbert K. DUURSMA & BouweR. KUIPERS. 1992. Encyclopedia of Marine Sciences.Berlin: Springer Verlag. 311p.DOYLE, Alister 2004. Lixo de guerra no mar. Zero Hora,Porto Alegre, 04/04/2004.GESAMP 1976. Review of harmful substances. UNJoint Group of Experts on the Scientific Aspects ofMarina Pollution (GESAMP), Reports and Studies No.2, 80 p. New York: United Nations.HALE, L.J. 1965. Biological Laboratory Data. London:Methuen & Co. Ltd. 147 p.HEATH, G. R., C. D. HOLLISTER, D. R. ANDERSON & M. LEINEN.1983. Why consider subseabed disposal of high-levelradioactive wastes? In PARK, P. Kilho, Dana R. KESTER,Iver W. DUEDALL & Bostwick H. KETCHUM (Eds.), Wastes in

the Ocean Vol. 3, Radioactive wastes in the Ocean.New York: John Wiley & Sons p. 303-326.HOUAISS, Antônio & Mauro de Salles VILLAR. 2002. DicionárioHouaiss da Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva.2922 p.NEILSOM, Robert M. Jr. & Martin W. KENDEIGH. 1983.Analysis and evaluation of a radioactive waste packageretrieved from the Atlantic Ocean. In PARK, P. Kilho, DanaR. KESTER, Iver W. DUEDALL & Bostwick H. KETCHUM (Eds.),Wastes in the Ocean Vol. 3, Radioactive wastes in theOcean. New York: John Wiley & Sons p. 237-268.REVELLE, Roger 1969. The Ocean. P. 3-13 In FLANAGAN,Denis (Ed.), The Ocean. San Francisco: W. H. Freemanand Company.VOOREN, Carolus Maria. 2000. Quanto tempo até que umtubarão-azul seja capturado? Elasmovisor Junho 2000:3-5.

dos maiores depósitos de lixo químico do mundo.Pescadores da região têm sofrido danospermanentes à saúde pelo contato com gásmostarda vazado de recipientes capturados nassuas redes, e hoje não se sabe o que será maisperigoso: retirar este lixo daquele local, ou deixarque o material vaze e se dilua no oceano. Taislixões existem também no Mar Báltico e no Mar doNorte. Greenpeace quer a retirada deste lixo daguerra, mas os governos europeus preferem queo material permanece como está nos mares: ooceano, afinal, é grande... (DOYLE). Lixo radioativoinclui combustível servido de reatores nucleares ematerial oriundo da demolição de tais reatores nofim da sua vida útil. NEILSOM & KENDEIGH descrevemum lixão de material radioativo que existiu no anode 1983 no Oceano Atlântico a apenas 190 km dacosta dos EUA, na profundidade de 2.800 m. Omaterial radioativo era simplesmente jogado nofundo do oceano, acondicionado em tonéis de açoforrados internamente com uma camada deconcreto. HEATH e co-autores recomendam quelixo radioativo seja depositado nas regiões centraisdo oceano, fora dos principais corredores denavegação, e em profundidades de 5.000 a 6.000m, fora do alcance de iniciativas ilegais derecuperação do material.

Parece que as pessoas consideram3.000 a 6.000 m como profundidades seguraspara o despejo de lixo perigoso no oceano, masquando tais profundidades são projetadas noplano horizontal, percebe-se quão pequenas elasrealmente são. Quem se sentiria seguro com umlixão de material bélico ou radioativo em terra firmaa uma distância de apenas 5 km da sua casa? Equantos de tais lixões existem no oceano? É difícilsaber isto, porque dados sobre estes lixões sãopouco divulgados. Os seres vivos do oceano,desde o fitoplâncton até tubarões, baleias,tartarugas e aves, circulam a pequenas distânciasde tais lixões, num ambiente que ao mesmo tempo,pelo despejo direto e pelo aporte oriundo dos riose da atmosfera, recebe constantemente outrospoluentes tais como petróleo, plásticos, pesticidase águas de esgoto.

A impressão subjetiva de que o oceanoé infinito, conduz a superestimação, tanto dacapacidade do oceano de resistir a poluição, comoda magnitude dos recursos vivos do oceano. Ooceano é um ambiente absolutamente eestreitamente limitado, constituído por um fino lençolde água sobre a crosta terrestre. Ao mesmo tempo,pela constante circulação das suas águas, ele éum sistema único e integrado. O oceano épequeno. É esta a visão que deve determinaratitudes e orientar o manejo ambiental do oceano.

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As raias de água doce, especialmente as espécies endêmicas comoPotamotrygon henlei (Figura 1), conhecidas localmente por “raias-de-fogo”,estão sofrendo com os efeitos do aumento desordenado do turismo e com aconstrução de barragens de hidrelétricas nos rios Tocantins e Araguaia. Oturismo exerce forte interferência nestes rios, particularmente durante os mesesde férias (junho-agosto e dezembro), quando grande quantidade de pessoasdirige-se para as praias e ilhas, onde acampam, consomem comida e bebidasde bares e vendas provisórias nas praias e permanecem no local durante algunsdias. Esta forma de turismo, promove a poluição do rio e de suas praias,desmatamento da mata ciliar, caça de animais silvestres (tracajás, jacarés,macacos, capivaras e outros), destruição do patrimônio turístico natural e perdade receita pelo município (hotéis, restaurantes, pescadores, artesões, guiasturísticos, etc.).

Marabá é a segunda maior cidade do Estado do Pará e devido à belezanatural de suas praias, recebe um grande aporte de turistas na temporada deférias. O medo que os banhistas possuem de serem ferroados durante o banhono rio, faz com que as raias de água doce não sejam bem vistas, e até mesmodesnecessariamente mortas para evitar um encontro desagradável econsequente impacto negativo no turismo local. Durante o veraneio, é comuma ação de pescadores “limpando” as praias da presença das raias, capturandoas que estão mais próximas aos balneários ou até mesmo as queeventualmente caem em suas redes de pesca.

O propósito deste projeto é de educar e introduzir novamentalidade e comportamento por parte da população local e dosturistas em relação às raias de água doce da região, fazendo-oscompreender melhor esses animais, respeitando, admirando eprotegendo-os como patrimônio natural de sua cidade. Essesobjetivos serão alcançados ao instalar um tanque com 500 litros edois outros aquários de vidro em pontos turísticos (praias) ou deensino (escolas) para exibição de raias de água doce, juntamentecom aulas e palestras abertas ao público, estudantes erepresentantes da sociedade civil (colônia de pescadores eassociações de bairros), a fim de esclarecer e evidenciar aimportância ecológica destes animais nos rios e para a diversidadebiológica brasileira. A participação da indústria turística da regiãoé fundamental, promovendo a idéia de que as raias de água docepodem servir de atração turística. A cidade abraçaria a preservação

CONSERVAÇÃO DAS RAIAS-DE-ÁGUA-DOCEDO RIO TOCANTINS, BRASIL

Getulio RinconUniversidade Estadual Paulista-UNESP. Instituto de Biociências. Depto. de Ecologia.

Caixa Postal 199. Rio Claro-SP. CEP-13506-900. Brazil. E-mail: [email protected]

dos seus rios como slogan para o turismo,podendo diversificar as atrações turísticasincluindo caminhadas ecológicas, passeiosde barco, exposições da vida aquática comoraias, tucunarés, maparás, tracajás, botos ejacarés, acampamentos noturnos em bancosde areia no meio e às margens do rio, safarisfotográficos e visitas aos sítios depescadores para a compra de pescado. Ospescadores de Marabá, por meio das colôniasde pescadores, receberão especial atençãodo projeto, tendo em vista que são osprincipais atores na “limpeza” das praias parao turismo e devido ao recente surgimento dapossibilidade de desenvolvimento da pescaornamental de raias de água doce no Estadodo Pará (Portaria do Ibama No 36 de 25 dejunho de 2003) (Figura 2).

Seguindo a execução desse projetoe com a participação dos moradores eturistas, uma petição será enviada àPrefeitura de Marabá solicitando que as raiasde água doce sejam consideradas patrimônionatural da cidade e, desta forma, mereçama devida proteção. Sob esta categoria, asraias de água doce estarão legalmenteprotegidas e a indústria do turismo seráencorajada a usar a imagem destesinteressantes animais como alternativa demarketing para atrair turistas à cidade.Financiado pelo Chicago ZoologicalSociety’s Chicago Board of TradeEndangered Species Fund e apoiado pelaIUCN-Shark Specialist Group. Projeto emparceria com a Sociedade Brasileira parao Estudo de Elasmobrânquios-SBEEL.

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Figura 2. Pescador ornamental no rio Tocantins.

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“Blue shark”, “peau bleue”, “Blauhai” – emdiversas línguas, o nome de Prionace glauca contémuma referência à cor azul como um atributo marcante daaparência deste tubarão. Um espécime recémcapturado, ainda molhado com a água do oceano deonde veio, e deitado no convés de um barco de pescaem plena luz do sol, tem o dorso e os flancos de umaintensa cor azul, um azul puro semelhante à cor dooceano ao redor. Esta cor azul do tubarão e do oceano,registrada sem modificação em fotografias, é o nome deuma sensação visual provocada por um fenômeno queacontece somente em dias ensolarados. Com temponublado, o tubarão e o oceano são de cor cinza ou pretae não exibem esta cor azul. Enquanto a tampa deplástico azul de uma caneta esferográfica é azul tanto nosol como na sombra, o mesmo não ocorre com o oceanonem com Prionace glauca. A cor azul da tampa dacaneta é determinada por pigmentos adicionados aoplástico que por si só é incolor. A cor azul do tubarão edo oceano não é determinada por um pigmento destacor. O que será que o tubarão e o oceano têm emcomum e que faz com que ambos são da mesma corazul quando incide neles a forte luz branca do sol?

O argumento começa com uma indagaçãosobre a cor do oceano. Será a cor azul do oceano oreflexo da cor do céu, que num dia ensolarado tambémé azul? Mas então, de onde vem a cor azul do céu? Noespaço do universo entre os corpos celestes não existematéria que absorve ou reflete a luz. Este espaço, porsi só, não contém nada de visível. Em termos dasensação visual do ser humano, o espaço interestelaré negro. Fotografias do universo obtidas a bordo denaves espaciais são confirmação disto. Entre a superfícieda Terra e o universo negro existe a atmosfera. Céuclaro denota as condições atmosféricas sem neblina,sem poeira, sem fumaça, sem partículas ou gotículasem suspensão na atmosfera. Céu claro é uma camadatransparente de gazes incolores. Quando o ser humanoolha para o céu claro num dia ensolarado, ele olha parao universo negro através da atmosfera límpida e incolor,e então ele vê o céu azul. GOETHE analisou estefenômeno no seu tratado Doutrina das Cores. Ele olhoupara o céu, pensou sobre o que ele viu, e escreveu:“Se a escuridão do espaço infinito é vista através devapores atmosféricos iluminados pela luz do dia, surgea cor azul.” Trata-se de uma constatação empírica, deuma experiência direta de uma verdade. Provavelmenteé possível explicar de maneira Newtoniana o céu azulcomo resultado da reflexão ou absorção de certoscomponentes do espectro da luz branca na atmosfera.Porém, com ou sem tal explicação permanece apercepção imediata da maneira em que surge o azul docéu claro e ensolarado, e da lei geral de que o azulsurge na camada de matéria transparente e incolor,assentada sobre o fundo negro, e repleta de luz branca.

A luz solar que entra no oceano é absorvidana coluna d’água, principalmente pela própria água epelos pigmentos fotossintéticos das algas planctônicas.Na água oceânica mais clara, 95% da luz solar queentra na superfície são absorvidos já na camada dosprimeiros 50 m de profundidade. A zona eufótica estende-

Como o tubarão-azul é um tubarão azulCarolus Maria Vooren

“Living and freshly caught specimens are dark indigo blue along the back, shading to a clear bright blue along the sides, and tosnow white below; the tips of the pectorals are usually dusky and the anal partly so. But the beautiful blue of the back and sidesdarkens to a slaty or sooty gray soon after death.” BIGELOW & SCHROEDER 1948, p. 285, sobre a cor de Prionace glauca.

revestida com uma camada contínua, flexível, porosa etransparente, formada pelas coroas dos dentículosdérmicos. Esta camada tem espessura de cerca de 0,1mm. Entre esta camada e a epiderme existe uma lacunade cerca de 0,1 mm, dentro da qual os pedicelossustentam as coroas. No tubarão dentro d’água oumolhado no convés, a camada das coroas e a águacontida na lacuna entre esta camada e a epiderme formamem conjunto uma película transparente e incolor, comespessura uniforme de cerca de 0,2 mm, e aderida àsuperfície da pele preta do dorso e dos flancos. Comisto são dadas as condições para o surgimento da corazul quando a luz branca do sol incide sobre o tubarão.Prionace glauca é azul como o oceano é azul. Comoespécie, este tubarão está constantemente presente emtoda a área da zona eufótica dos oceanos tropicais esubtropicais do mundo, migrando dentro dos grandescorrentes de superfície. Ele e o oceano são um.

Literatura consultada:APPLEGATE, Shelton P. 1967. A survey of shark hardparts. In P. W. Gilbert, R. F. Mathewson & D. P. Rall(editors), Sharks, Skates and Rays, p. 37-67. Baltimore:John Hopkins Press.BARETTA-BEKKER, J. G., E. K. DUURSMA & B. R. KUIPERS1992. Encyclopedia of Marine Sciences. Berlin: SpringerVerlag 311p.BIGELOW, Henry B. & William C. SCHROEDER. 1948.Sharks. Memoir Sears Foundation for Marine ResearchNumber 1 Part 1: 59-546.COMPAGNO, L. J. V. 1988. Sharks of the OrderCarcharhiniformes. Princeton, New Jersey: PrincetonUniversity Press 486 p.GOETHE, Johann Wolfgang von. 1996. Doutrina dasCores. Tradução Marco Gianotti. São Paulo: NovaAlexandria 175 p.RAYMONT, John G. 1963. Plankton and Productivity inthe Oceans. Oxford: Pergamon Press 660 p.REVELLE, Roger 1969. The Ocean. P. 3-13 In FLANAGAN,Denis (Ed.), The Ocean. San Francisco: W. H. Freemanand Company.ROMER, Alfred Sherwood e Thomas S. PARSONS. 1981.Anatomia Comparada. Tradução Irina Lebedeff. MéxicoD. F.: Nueva Editorial Interamericana 428p.

se entre a superfície e a profundidade até a qual penetra1% da energia luminosa que entra na superfície. Naágua oceânica mais clara, a zona eufótica estende-seaté a profundidade de cerca de 200 m. Sobre a maiorparte do oceano, a profundidade do fundo é de 4000 a6000 m (BARETTA-BEKKER et al., RAYMONT, REVELLE).A zona eufótica está assentada sobre a permanenteescuridão do resto da coluna d’água do oceano. Quandonum dia ensolarado o observador humano olha de cimapara dentro do oceano, ele olha para a escuridão dasprofundezas através de uma camada de água límpida,incolor e repleta de luz, e ele vê a cor azul dentro dacamada superficial do oceano. Não se trata da reflexãoem espelho do céu azul pela superfície do oceano. Acor do oceano ensolarado é um caso do surgimento doazul na camada transparente, incolor, assentada sobreo fundo negro, e iluminada por forte luz branca.

Quando um tubarão-azul recém capturadofica deitado no convés do barco sob o sol e o vento, emcerca de 15 minutos a brilhante cor azul das suas partesdorsais desaparece e a pele destas partes torna-sepreta. Quando então uma balde de água do oceano édespejada sobre o tubarão, a cor azul volta.Evidentemente a cor azul desapareceu porque a pelesecou. Com isto constata-se que a pele do dorso naverdade é pigmentada de preto e que neste tubarão acor azul surge quando sua pele está molhada eiluminada. Esta transição de cores é determinada pelaconformação dos dentículos dérmicos do tubarão.

O dentículo dérmico dos tubarõesCarcharhiniformes é constituído por três elementos,denominados coroa, pedicelo e base. A coroa éconstituída por um esmalte dentário transparente e incolorchamado de vitreodentina. A coroa está assentada sobreo pedicelo, que é um fino suporte que surge da base dodentículo. Esta base consiste de um tecido ósseochamado de dentina, possui uma cavidade pulpar, eestá situada dentro da camada superficial da pele. Nocaso de Prionace glauca, a coroa do dentículo do dorsoe dos flancos tem a forma de uma lâmina plana earredondada, disposta paralelamente à pele, comespessura de cerca de 0,1 mm e diâmetro de cerca de0,4 mm. As coroas sobrepõem-se nas suas margens,e seus pedicelos têm comprimento de cerca de 0,1mm. (APPLEGATE, BIGELOW & SCHROEDER, COMPAGNO,ROMER & PARSONS). Efetivamente, a pele do tubarão é

O tubarão-azul e os dentículos dérmicos do seutronco. C: As coroas dos dentículos dérmicos, emposição natural e vistas de cima, formam uma camadacontínua sobre a pele. D: O denticulo dérmico em vistalateral e frontal, mostrando a coroa, o pedicelo e a basedo dentículo. Figura reproduzida de BIGELOW &SCHROEDER (1948).

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A coroa do dente da maxila superiordo tubarão-azul é uma lâmina fina e plana emforma de um triângulo que possui um lado retoonde a coroa surge da base do dente, e doislados curvos que são as bordas cortantes dodente. Estas bordas são muito afiadas. A maxilasuperior possui uma única série funcional de taisdentes. As extremidades das bases dos dentessão sobrepostas, por isto não existe espaçoentre as bordas cortantes de dentes adjacentes.O tamanho dos dentes diminui gradualmentedesde o ponto mediano da arcada dentária atéas extremidades laterais desta. Pelo formato e adisposição dos dentes existe ao longo da maxilasuperior uma única e contínua borda cortanteem forma de uma serra com 30 dentes (Fig. 1).

O tubarão-azul pertence ao gêneroPrionace do qual ele é a única espécie, com onome científico Prionace glauca (Linnaeus, 1758).Prion é palavra da língua grega e significa “serra”no sentido da ferramenta em forma de uma lâminacuja borda cortante possui uma série contínuade dentes triangulares e todos do mesmotamanho (HOUAISS & VILLAR). O nome científicoPrionace é, sem dúvida, uma referência aoformato da arcada dentária superior destetubarão.

Na língua grega, glaukos denota acor verde-mar, ou verde-azulada, e na línguaportuguesa o adjetivo “glauco” tem este mesmosignificado (HOUAISS & VILLAR). É a cor das águascosteiras, ou então da onda do mar prestes aquebrar, quando a onda torna-se repleta deminúsculas bolhas de ar em suspensão porquesua água límpida mistura-se com a brancaespuma da crista. Ora, a cor do dorso do tubarão-azul é um azul-real, ou índigo como queremBIGELOW & SCHROEDER. Mas o nome científicoglauca da espécie é aplicável ao verde azuladoda transição entre o azul do flanco e o branco doventre.

Os tubarões possuem a capacidadede regular a abertura da pupila de acordo coma intensidade da luz que incide sobre o olho(MONTGOMERY). Em fotografias do tubarão-azulvivo e à vontade na água, ele possui grandesolhos negros (Fig. 2a). Esta cor negra dos olhosresulta porque (1) a pupila está com aberturamáxima para o espaço interior do olho; (2) esteespaço é negro por causa da camada depigmento preto que existe atrás da retina

Acerca do nome Prionace glaucaCarolus Maria Vooren

Santiago Montealegre Quijano

(MONTGOMERY); (3) com a abertura máxima dapupila, apenas uma estreita porção do írispermanece visível entre a pupila e a borda dacórnea, isto porque quase toda a extensão datransparente córnea é aproveitada para aentrada da luz pela pupila. Nestes momentos odiâmetro da pupila é de até 2 cm, dependendodo tamanho do tubarão. Em torno da córneaaparece uma estreita porção da branca esclera,o que realça o negro da grande abertura para oespaço interior do olho. A capacidade do olho émobilizada em grau máximo e o tubarão estápronto para reagir imediatamente a umainformação visual. Isto corresponde com suaestratégia alimentar. O tubarão-azul é um serpelágico, ele realiza todas suas atividades vitaisna coluna d’água do oceano que é um ambientecaracterizado por elevado grau de visibilidade.Nadando sem cessar e sempre observando, otubarão varre com seu campo visual o espaçopelo qual ele passa, assim buscando edetectando suas presas que são principalmentelulas (VASKE). Nestes momentos o olhar dotubarão é atento e aguçado. Porém quando otubarão vivo se encontra no convés do barcode pesca na forte luz do dia, a expressão doolho torna-se uma de aversão e desconforto. Apupila se contrai ao máximo, o íris inteiro apareceatrás da córnea, e a cor do íris pode serobservada (Fig. 2b). O íris é de cor brancatingida de verde azulado, uma cor quecorresponde com o nome glauca da espécie. Otubarão usa a reação da pupila, e não omovimento da membrana nicticante, quando elequer controlar a entrada de luz no olho. Amembrana nicticante posiciona-se à frente dacórnea quando a boca se abre pelo movimentodas maxilas (Fig. 2c). O fechar do olho com amembrana nicticante aparentemente funcionacomo uma proteção do olho contra impactosmecânicos durante o manuseio das presas. Areação da pupila é o recurso usado na situaçãode luz excessiva. Nesses momentos, o tubarãomostra seus olhos glaucos.

Literatura consultadaBIGELOW, H.B. & W. C. SCHROEDER 1948. Sharks.Memoir Sears Foundation for Marine ResearchNo. 1 Part 1: 59-546.HOUAISS, A. & M. de Salles VILLAR. 2002.Dicionário Houaiss da Lingua Portuguesa. Rio

de Janeiro: Objetiva 2922 p.MONTGOMERY, J. C. 1988. Sensory physiology.In Shuttleworth, T. J. (Editor), Physiology ofelasmobranch fishes: 79-98. Berlin: Springer-Verlag.SERVER, L. 1989. Sharks. New York: CrescentBooks128 p.VASKE, T. 2000. Relações tróficas dos grandespeixes pelágicos da região equatorial sudoestedo Oceano Atlântico. Rio Grande: FundaçãoUniversidade Federal do Rio Grande 145p.(Tese de doutorado).

Fig. 1. Na maxila superior do tubarão-azul Prionace glauca, os dentes funcionais são dispostos em forma de serra.C: lado comissural no canto da boca. S: dente sinfisial.

Fig. 2. O olho do tubarão-azul Prionace glauca em trêssituações: a. Tubarão-azul no oceano, com a pupilaaberta ao máximo (foto: Server, 1989); b. O tubarãono convés do barco de pesca, na forte luz do dia: apupila se contrai ao máximo e o íris aparece atrás dacórnea (foto: Vooren, não publicada); c. Quando otubarão abocanha a presa, a membrana nictitante fechao olho (foto: Server, 1989).

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Nos elasmobrânquios existe, entre o ovidutosuperior e o útero, um órgão para o qual vários nomesestão em uso. Com a finalidade de informar sobre osméritos destes nomes, uma revisão histórica eetimológica da nomenclatura do referido órgão éapresentada. As referências a LEYDIG (1851), BRUCH

(1860) e BORCEA (1904) são apud BORCEA (1906), e asreferências a HENNEGUY (1893) e WIDAKOWITCH (1905)são apud Metten (1939).

No século 19, LEYDIG (1851) descreve osistema urogenital de Chimaera monstruosa e,escrevendo em alemão, informa sobre a existênciade um órgão situado no oviduto desta espécie. LEYDIG

denomina este órgão “Nidamentalorgan”. Este nomese traduz para o inglês como “nidamental organ”, epara o português como “órgão nidamental”. O adjetivo“nidamental” tem sua raiz no substantivo latim nidusque significa ninho (FERREIRA 1986). BRUCH (1860)encontra um órgão semelhante nos elasmobrânquios,conclui que este órgão constrói a cápsula do ovo e,escrevendo em francês, denomina-o “glandenidamenteuse”, nome usado posteriormente porHENNEGUY (1893) e que se traduz para o inglês como“nidamentous gland” e para o português como“glândula nidamentosa”. Pela troca de “órgão” por“glândula”, o significado deste nome difere daqueledo nome dado originalmente ao órgão por LEYDIG

(1851). No início do século 20, BORCEA (1904) descrevena língua francesa o referido órgão, e denomina-o“glande nidamentaire” o que se traduz para o inglêscomo “nidamentary gland” e para o português como“glândula nidamentária”. Na língua portuguesa, adiferença de significado entre os adjetivos“nidamentosa” e “nidamentária” é sutil. WIDAKOWITCH

(1905) estuda o órgão em Scyliorhinus canícula e,escrevendo em alemão, denomina-o“Nidamentalorgan”. METTEN (1939) estuda areprodução de Scyliorhinus canícula e, escrevendoem inglês, denomina o referido órgão “oviducal gland”.O neologismo “oviducal” é evidentemente um adjetivo

Nidamentária ou ovidutal?Carolus Maria Vooren

derivado do substantivo “oviduct”, ainda que neste casoa forma esperada do adjetivo seria “oviductal”. Nalíngua portuguesa do Brasil, o substantivo “oviduto”está disponível (HOUAISS & VILLAR 2001). Portanto, atradução recomendada de “oviducal gland” para oportuguês é “glândula ovidutal”.

Os autores de língua francesa usam o nome“glande nidamentaire”. O nome “oviducal gland” é omais usado pelos autores de língua inglesa, mas HOAR

(1969) cita “nidamentary gland” como uma alternativadisponível. PRATT (1979) critica o nome “nidamentarygland”, com o argumento de que etimologicamente otermo “nidamentary” se refere à nidificação, e que talatividade não consta como um hábito deelasmobrânquios.

Na costa do Rio Grande do Sul, fortes eresistentes talos de plantas dos pântanos são trazidospelos rios para as águas costeiras do oceano ondeeste material vegetal se acumula no fundo, nasprofundidades de 5 a 10 m, onde vive a raia ovíparaSympterigia acuta. Os dois chifres posteriores dacápsula do ovo desta raia são finos e flexíveis, comcomprimento de cerca de 30 cm e diâmetro de 1 mm.Sympterigia acuta deposita seus ovos sobre omaterial vegetal supracitado, de tal maneira que oslongos chifres posteriores da cápsula do ovo seentrelaçam com os talos vegetais. Este processocontribui à consolidação de feixes de dezenas destestalos, com diâmetro de 10 a 20 cm e comprimento deaté 1 m, e com dezenas de ovos amarrados em cadafeixe (ODDONE & VOOREN 2002). Sympterigia acutaconstrói uma estrutura que funciona como um ninhopara seus ovos, embora sem cuidados parentais apósa postura. Os ovos de Sympterigia bonapartii têmformato semelhante àquele dos ovos de Sympterigiaacuta, e os ovos de ambas as espécies têm sidoencontrados juntos num mesmo feixe de talos vegetais(VOOREN, não publicado). Os elasmobrânquios ovíparosdeixam seus ovos expostos no fundo do mar e, excetoas duas espécies supracitadas do gênero

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Sympterigia, PRATT (1979) tem razão em afirmar queos elasmobrânquios não constroem ninhos. Porémnas espécies ovíparas ocorre, pouco tempo após oinício do desenvolvimento embrionário, o fenômenoda pré-eclosão, quando o embrião efetua na cápsulado ovo a abertura de quatro frestas pelas quais irácircular água para dentro e fora da cápsula,constantemente durante o resto do desenvolvimentoembrionário. Desde a abertura das frestas até aeclosão final, a cápsula funciona como uma câmaraincubadora cujo espaço interno está em comunicaçãocom o meio ambiente (YO 1931). No caso doselasmobrânquios ovíparos, o termo “nidamentária” temuma conotação com o fato de que a glândula assimdenominada, produz uma estrutura que funcionacomo câmara incubadora para o embrião.

Atrás da aparência simples de uma meraintumescência do oviduto, existe dentro da referidaglândula uma diversidade espantosa de estruturasmicroscópicas e de funções fisiológicas. Na verdade,o órgão em questão não é “uma glândula” mas, antes,“um ninho de glândulas”. No decorrer do cicloreprodutivo da fêmea, tanto nas espécies ovíparascomo nas vivíparas, este órgão armazena um estoquede espermatozóides vivos durante um período daordem de meses. Durante este mesmo período, osóvulos passam pelo órgão um depois do outro emuma seqüência contínua, e para cada óvulo oupequeno lote de óvulos, o órgão constrói a complexacápsula do ovo e disponibiliza um lote deespermatozóides para a fecundação (METTEN 1939,PRATT 1979, PERES & VOOREN 1991; esta descrição nãose aplica aos tubarões com embriões oofágicos). Onome “glândula nidamentária” fica bem neste órgão-chave do sistema reprodutivo dos peixescartilaginosos, porque o adjetivo “nidamentária”transmite a noção de uma multiplicidade de formas efunções dentro de uma única e compacta estrutura.

“Oviducal gland” ou seja, “glândula ovidutal”,é um nome cujo significado etimológico indica apenasque o órgão é associado ao oviduto. O termo “glandenidamentaire” ou seja, “glândula nidamentária”, possuiprioridade histórica, e seu significado etimológico temconotações com a complexidade do órgão e comprocessos biológicos da reprodução doselasmobrânquios. No entanto, o termo “glândula”

significa “conjunto de células que secretam ouexcretam substâncias que não se relacionam comsuas necessidades habituais” (FERREIRA 1986). Ora,as funções secretoras do órgão denominado “glandenidamentaire” ou “oviducal gland” não são, em si, arazão de ser deste órgão. Suas secreções são osubstrato de atividades realizadas por ele e dentrodele. “Nidamentalorgan” ou seja, “órgão nidamental”,é o termo mais antigo e que melhor corresponde aofato de que este órgão possui um conjunto de formase funções envolvidas na fecundação do óvulo e naprodução da cápsula do ovo.

Em conclusão, três nomes estão disponíveispara denotar o órgão situado entre o oviduto superiore o útero dos elasmobrânquios. Qual destes trêsnomes se usa é uma questão de escolha com baseem significado etimológico e praticidade nacomunicação verbal.

Literatura consultada:BORCEA, I. 1906. Recherches sur le système uro-génital deselasmobranches. Archives de Zoologie Experimentale etGenérale IV Série, Tome IV: 199-484.FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. 1986. Novo DicionárioAurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora NovaFronteira. 1838 p.HOAR, William S. 1969. Reproduction. In Hoar, William S. &J. J. Randall (Eds.), Fish Physiology Vol. 3: 1-72. New York:Academic Press.HOUAISS, Antônio & Mauro de Salles VILLAR. 2001. DicionárioHouaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva. 2932p.METTEN, H. 1939. Studies on the reproduction of the dogfish.Philosophical Transactions of the Royal Society of London ,Ser. B, Vol. 230, Fasc. 569: 217-238.ODDONE, M. C. & C. M. VOOREN. Egg-cases and size athatching of Sympterigia acuta in the south-western Atlantic.Journal of Fish Biology 61:858-861.PERES, Mônica Brick & Carolus Maria VOOREN. Sexualdevelopment, reproductive cycle and fecundity of the SchoolShark Galeorhinus galeus off southern Brazil. FisheryBulletin, U.S. Vol. 89: 655-667.PRATT, Harold R., Jr. 1979. Reproduction in the Blue Shark,Prionace glauca. Fishery Bulletin, U.S. Vol. 77:445-470.YO, Ouang Te. 1931. La glande de l’éclosion chez lesPlagiostomes. Annales de l’Institut Oceanographique deMonaco Tome X Fasc. X: 285-370.

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