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EIXO BIOLOGIA, SOCIEDADE E CONHECIMENTO

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Unidade 3Ética da relação humana com os demais seres vivos

Autor: Tiago Luiz Kunz

Sumário

I. Introdução

II. O início das relações do homem com os animais a sua volta

III. Sentimentos dos animais

IV. Experimentação em seres vivos

V. Referências Bibliográficas

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I. IntroduçãoEstabelecer parâmetros éticos da relação humana com os demais seres vivos foi

e continua sendo uma tarefa difícil. A humanidade em sua constante desenvolvimen-to vai alterando significativamente os padrões de relacionamento com o meio ao seu redor. O que continua fazendo parte destes padrões de relacionamento entre o homem e os animais ao longo dos séculos é modo como o homem interfere negativamente no meio onde vive, se preocupando somente com suas necessidades, e na maioria das vezes “passando por cima” de qualquer outro ser vivo ao seu redor, padrão esse inten-sificado especialmente a partir da idade moderna com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. A ética, parte da Filosofia que se ocupa de refletir sobre as regras morais ou de comportamento humano, nos leva a questionar essa relação do ser humano, que não respeita o direito de outras espécies, de coexistirem no mesmo lugar, sejam elas animais ou plantas.

Os padrões tradicionais de fundamentação das propostas éticas, que procura-ram ao longo de nossa tradição milenar orientar as ações humanas para que resultem em benefício geral, têm fracassado, sempre que se busca neles uma orientação para guiar decisões e ações que podem afetar interesses de seres vivos não-humanos (Fe-lipe, 2006). Segundo a autora, do ponto de vista moral tradicional, todas as espécies vivas existem apenas para servir à forma de vida humana. E justamente a defesa dessa tese concorre para o fracasso da filosofia moral tradicional, pois não impõe restrição alguma à forma de vida humana digna do privilégio de apropriar-se das demais espé-cies vivas. Esse erro da moral tradicional tornou-se mais evidente do que nunca, nas três décadas mais recentes da história humana.

Durante o progresso do conhecimento do homem e suas relações com a natu-reza, uma fase chama atenção: a fase antropológica, quando o homem se vê como o melhor dentre todas as criaturas, devido a sua racionalidade, inteligência, linguagem, desenvolvimento matemático, suas visões políticas e sociais, enquanto os animais sim-plesmente viviam, ou seja, nasciam, se reproduziam e morriam, não possuindo consci-ência de seus atos nem de sua própria existência (Silva e Agostini, 2006). A partir desta visão, o homem torna-se um ser insensível e sem respeito para com a natureza, a qual deveria apenas servir aos seus interesses.

Efeitos desta visão equivocada podem ser observados ainda nos dias de hoje, basta acompanhar os noticiários: aumento do desmatamento; poluição ambien-tal; efeito estufa; espécies ameaçadas de extinção; maus tratos com animais; aci-dentes ecológicos....

Por outro lado, nos dias de hoje há uma crescente preocupação do homem em cuidar de sua “casa”, o Planeta Terra, protegendo e respeitando toda e qualquer for-ma de vida, para que todos tenham um futuro digno. Ações neste sentido vêm sendo tomadas ao longo dos últimos anos, principalmente no que se refere à relação do ho-mem com os animais, sejam eles animais de companhia (cães, gatos etc.), animais de produção (bovinos, suínos, aves, etc.), de laboratório (camundongos, coelhos, etc.) ou de vida silvestre.

Isto só foi possível em função do conhecimento acumulado ao longo dos anos sobre o comportamento animal, sobre suas necessidades para viver e que culminaram com o conceito de Bioética.

Neste capítulo discutiremos vários aspectos ligados a relação entre o homem e os animais, desde os questionamentos da ciência sobre a possibilidade ou não dos animais apresentarem sentimentos semelhantes aos que possuímos até relações mais

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delicadas observadas nos dias de hoje, como por exemplo, as questões que envolvem o uso de animais com fins didáticos ou científicos.

A idéia central deste tema não é convencer o leitor do que é certo ou errado, se os animais têm ou não sentimentos ou se devemos ou não utilizar animais em ati-vidades de ensino ou pesquisa, mas sim, fornecer subsídios para que todos possam tirar suas próprias conclusões e opiniões sobre este assunto tão delicado e ao mesmo tempo, tão presente em nosso dia-a-dia.

II. O início das relações do homem com os animais a sua volta

Se considerarmos que a diferenciação do gênero Homo remonta a dois milhões de anos a.C. e que a primeira forma animal reconhecida como doméstica, o Canis fa-miliaris, aparece entre os anos 14000 e 12000 a.C., nos damos conta de como a maior parte da vida do homem sobre a Terra tenha transcorrido sem que se instaurasse al-gum tipo de relação entre o homem e os animais, com exceção das atividades de caça (Clutton-Brock, Albon et al., 1987).

Desde os primórdios da humanidade que o homem caça para sobreviver, quer seja para obter alimento quer para obter peles a fim de proteger-se do frio. Mas, ainda assim, isso era feito de uma maneira que dignificava as características do animal, ha-via respeito mútuo e, nessa altura, o homem podia incluir-se na cadeia alimentar. As tribos em que se agrupavam faziam rituais de agradecimento e engrandecimento do ser que era caçado, tal como ainda hoje o fazem algumas comunidades tribais. Além disso, os métodos de caça permitiam ao animal combater de maneira mais leal e equi-librada. Para o homem, as caçadas eram também, muitas vezes, lutas de morte.

O homem ao longo do tempo foi descobrindo novas táticas que facilitaram suas funções no dia-a-dia. Antigamente acontecia da mesma forma, o homem descobria novas formas de caçar, de obter alimento e deixava a antiga e complicada de lado. No período Paleolítico, também conhecido por Idade da Pedra Lascada, o homem era selvagem e utilizava utensílios de pedra. É datado em 500.000 a 30.000 a.C. onde os homens viviam em cavernas para se protegerem do frio, alimentavam-se da caça, pesca, coleta de frutos permanecendo nômades por não conhecerem a agricultura e a criação de animais.

Aproveitando a existência de uma fauna abundante e variada, organizaram a sua vida essencialmente em função da caça. Tratava-se da caça a animais de grande porte (mamutes, renas, ursos, bisontes) que lhes ofereciam uma enorme diversidade de recursos: a carne, a gordura e as peles, os ossos, os chifres e o marfim. Podiam, des-se modo, dispor de uma alimentação rica em calorias, de materiais para se protegerem do frio e de matérias-primas para o fabrico de utensílios.

A caça tornou-se tarefa coletiva. Efetivamente, nas épocas propícias, organiza-vam-se grandes caçadas, as quais só eram possíveis porque esses caçadores tinham uma forte organização social e naturalmente porque dispunham de novos instrumen-tos.

A economia de caça implicava uma grande complexidade de tarefas e, conse-qüentemente, o uso de instrumentos mais especializados. Eram fabricados em pedra, usando uma técnica de lascagem aperfeiçoadíssima e também em osso, chifre e mar-fim.

Além de machados, de lâminas e de outros instrumentos cortantes, produziam-se armas de arremesso destinadas à caça e eventualmente à guerra e com as quais se

Bisontes ou bisões são mamíferos un-gulados da família Bovidae. Existe duas espécies de bisontes, uma no continente ameri-cano (Bison bison) e uma no continen-te europeu (Bison bonasus).

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podiam matar à distância as presas ou inimigos. Eram as pontas de lança e de azagaia, encabadas em hastes de madeira ou de osso. Só alguns milênios mais tarde os últimos caçadores viriam a inventar o arco e a flecha.

Outros instrumentos serviam para diversas tarefas: os arpões de osso ou de chifre para a pesca, que era igualmente uma importante atividade econômica; o trata-mento das peles, a confecção do vestiário ou a confecção de objetos de adorno.

Já a partir do período Neolítico (8.000 e 5.000 a.C.), conhecido como Idade da Pedra Polida, o gelo recua e obriga os homens e os animais a procurarem as margens dos rios. Surge então a agricultura do trigo, cevada e aveia, a domesticação de ani-mais e a criação de gado e ovelhas. O homem passou a ter moradia fixa e a viver em aglomerados urbanos e começaram a fabricar os primeiros tecidos em lã e linho para substituir os de pele.

Segundo alguns autores, no entanto, já no período Mesolítico (antes da domes-ticação do cão) o homem começa a estabelecer uma relação com as renas, perseguindo suas manadas a certa distância para poder caçá-las para explorar sua carne, pele, chi-fres, etc. Esta conduta do homem ao longo do tempo acabou modificando a conduta das renas. O homem passou a induzir as renas a modificarem suas próprias rotas de migração em função das suas necessidades, passando a ser identificado como o “chefe da manada”. Segundo Clutton-Brock, Albon et al. (1987), a domesticação efetiva das renas só foi verificada por volta do ano 1000 a.C., posteriormente ao período em que a domesticação da maioria das espécies que hoje conhecemos como domésticas teriam sido domesticadas.

O primeiro animal doméstico realmente foi o cão, (figura 1)provavelmente de-vido a várias situações, entre as quais a aproximação dos acampamentos humanos em busca de alimento fácil, a atração exercida pelos cães sobre os adolescentes e mulheres e por fim a utilidade que esses apresentavam como animais que, além de oferecer com-panhia, ajudavam o homem com suas atividades de caça. Sua domesticação acontece inicialmente na América do Norte e se difunde para Europa e Ásia.

Figura 1: Imagens de cães domesticados

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Quando o homem se transforma de caçador (coletor nômade) para agricultor sedentário, teve origem o processo de domesticação dos pequenos ruminantes, inicial-mente das cabras e posteriormente dos ovinos. Estes animais começaram a freqüentar as áreas que circundavam os acampamentos, onde encontravam alimento abundante nos campos cultivados. Por outro lado, algumas crias que acabavam órfãs ou alguns animais feridos durante as campanhas de caça, chegavam ao interior dos acampamen-tos ficando confiados a proteção dos jovens e das mulheres (Mattiello, 1998).

De modo particular, se pensa que as mulheres tiveram papel fundamental no processo de domesticação dos pequenos ruminantes na medida em que estavam em condições de alimentar estes pequenos órfãos amamentando-os em seu próprio seio. O cão, que nessa época já era doméstico, também intervém no processo de domestica-ção dos ovinos auxiliando o homem a reagrupar e controlar os animais.

De modo particular, se pensa que as mulheres tiveram papel fun-damental no processo de domesticação dos pequenos ruminan-tes na medida em que estavam em condições de alimentar estes pequenos órfãos amamentando-os em seu próprio seio. O cão, que nessa época já era doméstico, também intervém no processo de domesticação dos ovinos auxiliando o homem a reagrupar e controlar os animais.

Figura 2: Imagem pictórica de animais domésticos.A domesticação dos ovinos e caprinos favoreceu ao mesmo tempo a sucessiva

domesticação dos bovinos. O uro (Bos primigenius) que é considerado o fundador das linhagens de todos os bovinos modernos, era um animal de dimensões notáveis: apre-sentava formas similares a dos bovinos atuais, mas podia alcançar um a dois metros de altura e possuía chifres longos em forma de lira (Albright e Arave, 1997). Parece que estes animais se mantiveram em recintos fora dos acampamentos e foram inicial-mente selecionados em função da forma dos chifres, que lembrava a imagem da lua crescente, para utilização em rituais religiosos dedicados precisamente a Deusa Mãe Lua.

Também o desenvolvimento das técnicas de caça parece ter favorecido a do-mesticação dos bovinos: a partir do momento em que o homem organiza suas ações de caça de modo a direcionar manadas para o interior de grandes recin-tos, o número de animais capturados era superior ao que podia ser consumido em tempo útil para que a carne não estragasse. Estes animais excedentes eram mantidos em recintos e levados em caso de necessidade para alimentação ou para rituais religiosos. Tem-se desta forma as primeiras formas de criação de animais em condições de cativeiro. (figura 3)

Auroque, ou uro (Bos primigenius), foi um boi de grandes dimen-sões, caçado desde a pré-história por povos do sul e centro-sul da Europa. Acredita-se que linhagens mais dóceis dessa espécie teriam sido selecionadas e dado origem ao boi europeu.

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Figura 3: Domesticação de bovinos e pequenos animais.

Quase paralelamente ao início do processo de domesticação dos bovinos na Ásia e na Europa (Tabela 1), o homem começa a manter suínos ao redor de suas habi-tações (Hart e Miller, 1985). As formas de suínos domésticos atuais tiveram origem em cruzamentos do suíno selvagem asiático (Sus vittatus) e o suíno selvagem europeu, o javali (S. scrofa).

A domesticação dos eqüinos aconteceu muitos anos depois, provavelmente en-tre 4000 e 2500 a.C., inicialmente na Ucrânia, a partir do Tarpan, uma forma selva-gem extinta em 1851 (Hart e Miller, 1985). Na formação das raças modernas asiáticas provavelmente participou também o cavalo de Przewalski, dos quais sobreviveram alguns exemplares raros que estão em zoológicos.

Cavalo de Pr-zewalski (Equus przewalskii) é uma espécie de equídeo, nativa da Mongó-lia que se tornou extinto na natureza no final dos anos 60. Devido a um projeto internacio-nal, essa espécie foi reintroduzida ao habitat natural nos anos 90.

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Um dos últimos mamíferos a ser domesticado, entre 3000 e 2000 a.C., foi o gato. Sua presença perto de habitações humanas foi inicialmente demonstrada no Egito, onde eram utilizados para controlar o número expressivo de roedores. Posteriormen-te, esse animal assumiu uma notável importância em rituais religiosos, chegando a ser considerado um animal sagrado. Nosso gato doméstico teve sua origem de uma forma selvagem africana (Felis libica), introduzida posteriormente também na Europa e cruzada com a forma selvagem européia, o Felis silvestris.

Figura 04: Escultura de um gato da antiguidade.

Ao mesmo tempo em que o gato era domesticado, por volta do ano 2000 a.C, na Ásia, as galinhas que tiveram origem a partir do Gallus gallus passaram a integrar o grupo de animais que viviam junto do homem e a partir dela, uma grande variedade de outras espécies avícolas.

Ainda entre as espécies de interesse zootécnico não podemos nos esquecer do coelho, cuja domesticação é relativamente recente. Sabe-se que estes animais eram mantidos em cativeiro pelos Romanos já no século I a.C. para produção de carne. As primeiras variações de coloração na pele dos coelhos aparecem no século XVI e indi-cam um controle da reprodução dos coelhos por parte do homem, depois da difusão da criação desta espécie com o trabalho dos monges.

Atividade Complementar 1

Faça uma pesquisa entre seus familiares, sua comunidade ou seu local de traba-lho sobre o seguinte tema: Quais são seus animais?

Procure saber que tipos de animais as pessoas com as quais você convive têm; procure saber como é a relação das pessoas com seus animais (cuidados, onde vivem, relação dos animais com crianças...)

Discuta o resultado com seus colegas em um fórum.

Embora o processo de domesticação no passado se realizava mediante um pro-cesso muito lento e que requeria muito tempo, hoje o progresso da tecnologia de cria e de reprodução acontece de maneira muito mais veloz e o processo de domesticação de novas espécies tem sido objeto de atenção por parte do homem. Um dos exemplos

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mais recentes deste campo é o de cervídeos como as renas, utilizadas como animais de tração e como fonte de proteína para alimentação humana, cuja reprodução intensiva começou nos anos 70, e que pode ser considerada como uma espécie em vias de do-mesticação (Mattiello, Mattiangeli et al., 1997).

Etapas do processo de domesticaçãoSegundo Zeuner (1963), citado por Hatziminaoglou e Boyazoglu (2004) é pos-

sível reconhecer cinco etapas fundamentais dentro do processo de domesticação. Na primeira etapa, a união entre o homem e o animal é muito débil e são freqüentes as cruzas de formas mantidas em cativeiro com as formas selvagens das espécies, en-quanto o controle do homem sobre estes animais ainda é muito reduzido. Posterior-mente, na segunda etapa, o homem começa a controlar a reprodução dos animais e a selecioná-los para reduzir suas dimensões e alterar suas características de docilida-de, para poder manejá-los melhor. Nesta fase, é importante evitar que os animais em processo de domesticação cruzem com suas formas selvagens, para manter e fixar as características desejadas.

Figura 5: Animais de pequeno porte

Em seguida, o homem começa a demonstrar um interesse crescente para pro-dução de carne e se dá conta da utilidade que supõe o aumento das dimensões dos animais de cria. Inicia-se então a terceira etapa do processo de domesticação, onde o homem volta a cruzar as formas domésticas, de tamanho corporal reduzido, com as formas selvagens, geralmente maiores, mas procurando manter as características de docilidade previamente selecionadas. Na quarta etapa, o interesse pelos produtos de origem animal, unidos a crescente capacidade do homem para controlar os animais de produção, conduz um meticuloso trabalho de seleção e de criação de raças especiali-zadas com diferentes aptidões produtivas que garantem um incremento na produção de carne, leite, lã, etc (Hatziminaoglou e Boyazoglu, 2004). Este processo ocorreu com praticamente todas as espécies domésticas de produção criadas atualmente, onde em determinadas espécies podemos encontrar raças com aptidões distintas. Como exem-plo temos as raças de bovinos destinadas para produção de carne (Nelore, Red Angus,

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Charolês, entre outras); raças destinadas a produção de leite (Holandês Preto e Branco, Jersey) e raças consideradas de dupla aptidão, como o Simental e o Pardo Suíço; exis-tem também linhagens de galinhas destinadas a produção de ovos e outras destinadas a produção de carne; existem raças de ovinos destinadas a produção de lã (Corriedale, Merino Australiano) e raças destinadas a produção de carne (Sufolk).

Figura 6: Porca domesticada

Neste momento entramos na quinta etapa onde é absolutamente necessário evi-tar cruzamentos entre as formas em domesticação com as formas selvagens para que todo trabalho de seleção baseado em características produtivas ou de interesse comer-cial não fossem perdidas. Por tais motivos, muitas vezes se realizava uma atividade de controle numérico de populações selvagens, eliminando completamente do ambiente aquelas espécies que poderiam cruzar com os animais em domesticação, o que em alguns casos chegou ao total extermino de algumas espécies, e em outros casos, levou a assimilação das espécies selvagens dentro das formas domesticadas, ou seja, os espé-cimes selvagens foram cruzando com as domesticadas de tal maneira que não era mais possível identificar no grupo quais animais eram originalmente selvagens e quais es-tavam em domesticação. Segundo Hart e Hart, (1985) hoje nos encontramos frente à sexta etapa do processo de domesticação, uma nova etapa em que as características comportamentais e genéticas dos animais de produção estão modificadas a tal ponto que os animais domésticos perderam a capacidade de sobreviver e se reproduzir sem a intervenção do homem.

Figura 7: Animais totalmente domesticados

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Readaptação à vida selvagemA readaptação à vida selvagem, na prática, é o processo oposto ao de domes-

ticação e acontece quando a forma doméstica passa a viver em vida livre, não sendo mais objeto de cuidado por parte do homem e sua reprodução acontece de forma natu-ral e sem controle humano. A readaptação a vida livre pode acontecer em duas situa-ções: quando espécies silvestres são mantidas em cativeiro indevidamente e o homem cria condições ambientais semelhantes às condições que os animais encontrariam na natureza com o objetivo de facilitar e orientar sua volta à natureza; na segunda situa-ção, a readaptação à vida livre acontece quando espécies já domesticadas são criadas sem contato com o homem em ambientes naturais, buscando seu próprio alimento e se reproduzindo sem o controle do homem. Esse fato pode ser observado no Brasil com os búfalos na Ilha de Marajó, no Estado do Pará e com os cavalos Mustang nos Estados Unidos

Da mesma forma que o processo de domesticação, o processo de readaptação é um processo gradual, e pode demorar gerações para que uma espécie consi-derada domesticada perca completamente as características adquiridas durante a domesticação. Quanto mais radicais foram as alterações comportamentais e genéticas sofridas no processo de domesticação, mais lento será o processo de readaptação a vida livre.

Por outro lado, este processo se mantém de forma lenta pela presença do ho-mem. Por exemplo, podemos citar o grande número de cães errantes que vivem em nossas cidades, que continuam conseguindo se alimentar e se reproduzir mesmo sem a atenção do homem, e continuam se estabelecendo onde o homem se estabelece, que dificilmente voltarão a um estado não domesticado enquanto seguirem mantendo um nível de dependência do homem.

Um fator que sem dúvida acelera o processo de readaptação à vida selvagem é a presença de formas selvagens junto às espécies domesticadas com as quais podem cruzar, o que acontece, por exemplo, com o suíno doméstico, que quando criado em sistemas extensivos pode cruzar com javalis.

III. Sentimentos dos animaisAté pouco tempo atrás, o homem acreditava que os animais estavam sobre a

Terra para servi-lo, tanto no aspecto do trabalho diário, diversão ou como fonte de alimento, dispensando aos animais cuidados muitas vezes grosseiros e não se preocu-pando com seu bem estar.

Ao longo das últimas décadas, este comportamento sofreu uma grande mu-dança: o homem passou a se preocupar mais com sua casa e também com as criaturas que nela habitam; surgiram as entidades de defesa do meio ambiente, sociedades pro-tetoras dos animais, entre outras, que têm por objetivo garantir a todos os seres que habitam nosso planeta o direito a vida plena.

Também se observa que nas últimas décadas, o homem passou a dispensar um cuidado maior com seus animais de estimação. Muitas famílias ganharam novos membros ao adquirirem ou adotarem alguma espécie de animal doméstico. Cães e gatos passaram a ser considerados realmente como parte das famílias, com direito a dieta balanceada, banho e tosa freqüentes, cuidados veterinários e uma infinidade de regalias que muitas vezes até nos surpreendem. Este fato também chamou a atenção do mercado, que passou a oferecer cada vez mais produtos e serviços exclusivos para

Cavalos Mustang são conhecidos como cavalos sel-vagens nos Estados Unidos. Eles foram considerados o “símbolo da vida histórica e espírito pioneiro do ociden-te dos EUA” pelo Congresso dos EUA em 1971.

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este setor, que movimentou em 2007 cerca de seis bilhões de reais, com o Brasil ocu-pando o segundo lugar no ranking de consumo de produtos para animais de estima-ção, os chamados pets, apenas atrás dos norte-americanos (Ferreira, 2007).

Além desses aspectos, outros chamam muita atenção. Ao mesmo tempo em que o homem dedica mais de seu tempo e seu dinheiro para os animais com que convive, fatos anteriormente considerados “normais” como a farra do boi, as touradas e até mesmo os rodeios, passaram a ser observados com mais rigor pela sociedade em geral.

A violência exercida contra os animais susci-ta uma reprovação crescente nas opiniões públicas ocidentais, uma reprovação que, freqüentemente, se torna ainda mais vivaz à medida que diminui a familiaridade com as vítimas. Na prática, as mani-festações de simpatia pelos animais são ordenadas em uma escala de valor — geralmente inconsciente — cujo ápice é ocupado pelas espécies percebidas como as mais próximas do homem em função de seu comportamento, fisiologia, faculdades cogniti-vas ou da capacidade que lhes é atribuída de sentir emoções (Descola, 1998). Segundo o autor, natural-mente, os mamíferos ocupam o melhor lugar nessa hierarquia do interesse, e isso independentemente do meio onde vivem.

Esta reflexão nos leva invariavelmente a uma outra reflexão mais profunda: os animais têm consciência dos atos à que são submetidos? Será que os animais sentem? Será que os animais pensam? Muitas dessas questões têm sido levanta-das por cientistas nos últimos anos.

Mamíferos têm cérebros. Então, eles podem sentir dor, medo e reagir de acor-do com estas situações. Dor, medo e repugnância são mecanismos de sobrevivência desenvolvidos pelos mamíferos ao longo de dezenas de milhões de anos de evolu-ção. Se o Homo sapiens tem cerca de 200.000 anos de evolução, todos os três estados emocionais devem ter se originado dos mamíferos (Radford, 2002). Segundo o autor, o grande questionamento é como o mamífero “consciente” ou “consciente não-huma-no” pode agir emocionalmente durante estas experiências.

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Sabbatini (2003) em seu artigo “Os animais pensam?”, diz o seguinte sobre este tema:

“Questões como estas colocam os estudiosos numa situação delica-da: será que os animais possuem uma mente? Eles são capazes de ter sentimentos e pensamento? É verdade que alguns dos comporta-mentos dos animais indicam que eles têm uma espécie de “modelo de mente” interior, ou seja, eles parecem ser guiados por um en-tendimento de que seus co-específicos (ou mesmo seres humanos) possuem motivos e estratégias para se comportar como o fazem. As respostas a tudo isso têm tremendas implicações, que vão da neuro-filosofia à zootecnia, do ativismo pelos direitos animais à neuroge-nética evolutiva. É claro que não devemos agrupar todas as espécies animais em um só grupo, ao tentarmos responder estas questões. Praticamente ninguém aceitaria a idéia de que as formas conside-radas mais inferiores de vida, tais como minhocas ou as moscas-de-fruta, sejam capazes de pensar e exibir consciência, planejamento a longo prazo ou raciocínio abstrato, as marcas fundamentais de uma mente. Nem alguém duvidaria de que os primatas antropóides, como gorilas, orangotangos e chimpanzés (estes últimos, recente-mente demonstrados como compartilhando a impressionante por-centagem de 98% do seu genoma com os seres humanos) possuam coisas que parecem ser pensamento e cultura” (Sabbatini, 2003).

A consciência não é uma entidade bem “arrumadinha”, ela varia com a idade, a cultura, a experiência e o sexo. “Se os animais tiverem experiências conscientes, então elas presumivelmente variam amplamente também”.

Figura 9: Gorilas na vida selvagem

Sabbatini (2003) vai além: em um artigo que escreveu sobre a evolução da inteli-gência humana, argumentou que a inteligência não é uma propriedade única aos seres humanos. Pelo fato da inteligência humana ser composta de várias funções neurais correlacionadas e que cooperam entre si, muitas das quais somente nos últimos anos a ciência tem conseguido estabelecer os elos de ligação, e que muitas destas funções

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neurais também estão presentes em outros primatas não humanos, como por exemplo a habilidade e destreza manual, visão colorida estereoscópica, reconhecimento e uso de símbolos complexos (coisas abstratas que representam outras), memória de longo prazo, etc.,tornou-se claro para muitos cientistas que a inteligência não é exclusiva do ser humano: muitos animais têm toda a espécie de “inteligência ou habilidades”, muitos deles superiores aos do homem. No entanto, é apenas Homo sapiens, desde o seu surgimento como uma nova espécie, que tem desenvolvido e mostrado uma com-binação única de funções neurais que podemos legitimamente chamar de inteligência. Esta inteligência, junto com as várias crenças religiosas, colocou o homem como “rei da Criação”, onde ele próprio se considera como ser superior e único dotado desta capacidade na natureza.

Figura 10: Gorilas na vida selvagem

O grande problema, no entanto, é que os seres humanos tem consciência de que os outros humanos têm mentes, pensamentos e sentimentos iguais aos seus, justamen-te por termos a capacidade de compartilhar e transmitir aos outros de nossa espécie, nossas experiências acumuladas ao longo da vida através de diversos tipos de lingua-gem, e ao mesmo tempo julgamos que outros animais são incapazes de comunicar isso diretamente a nós, porque eles não têm linguagem que nos seja compreensível, embora, os estudiosos da comunicação simbólica dos antropóides sejam eloqüentes em afirmar que existem evidências fortes de que isso seja verdade.

Muitos experimentos inteligentes foram imaginados com o objetivo de provar que os antropóides realmente parecem ter modelos de mente e que são capazes de representações da realidade bastante sofisticadas. Por exemplo, chimpanzés conse-guem localizar rapidamente um objeto oculto em um ambiente complexo, quando é mostrado a eles, através de uma maquete miniaturizada, onde eles estão. Na natureza, sabe-se que os chimpanzés são capazes de elaborar roteiros e estratégias complicadas com o objetivo de enganar competidores e obter vantagens, mudar de lado ou atrai-

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çoar-se mutuamente. Sabe-se, inclusive, que eles são capazes de mentir e dissimular, uma qualidade que é a quintessência da mente humana, que exige a capacidade de “observar a operação de sua própria mente”, e de fazer operações mentais indutivas, dedutivas e abdutivas com base em informação externa.

Chimpanzés reconhecem a si próprios em um espelho, por exemplo, uma pro-eza de que nenhum outro animal é capaz (como é exemplificado por um pássaro que faz seu ninho em meu jardim, e que todas as manhãs nos acorda com suas lutas furio-sas contra sua imagem refletida nos vidros das janelas...). Assim, podemos dizer que eles são capazes de auto-percepção!

Muitos primatas apresentam aptidões quanto à fabricação de ferramentas e ao seu uso para resolver problemas de forma adaptativa, o que evidencia notáveis ha-bilidades mentais, uma capacidade para invenção e criatividade que anteriormente pensava-se ser uma exclusividade do Homo sapiens.

Figura 11: Chimpanzé utilizando habilidades

Existem muitas conseqüências para o reconhecimento da existência do que de-finimos como “pensamento” e “consciência” entre os antropóides e outros animais. O primeiro dele é ético, por natureza. Um grupo de direitos animais da Nova Zelândia iniciou um projeto denominado “Grandes Antropóides”, que tem por objetivo, atri-buir a esses animais o status de “conscientes, sentientes e pensantes”, desta forma proibindo o seu uso na experimentação animal, encarceramento compulsório (em zo-ológicos e circos), e assim por diante.

Segundo Sabbatini (2003), eles estão corretos, até um certo ponto. Embora isso causaria uma grande redução na pesquisa sobre muitas doenças, como hepatite, AIDS e outras, as quais aparecem de forma semelhante em primatas humanos e não huma-nos, fazer experimentos cruéis e matar animais sensíveis e inteligentes como os chim-panzés é problemático do ponto de vista ético, quanto mais sabemos sobre as nossas diversas similaridades.

Um espécime interessante a ser estudado é o elefante. Os elefantes são consi-derados excelentes modelos para o estudo dos sentimentos animais, pois espressam supostos sentimentos de maneira muito próxima aos sentimentos que nós humanos expressamos em situações semelhantes. Quando um deles morre, os outros fazem ver-dadeiros rituais fúnebres, formando um círculo em torno do cadáver, sobre o qual depositam folhas e galhos, enquanto seus olhos lacrimejam intensamente (Superin-

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teressante, 1997). Pesquisadores já presenciaram manadas reunidas ao redor de na-timortos. Os elefantes tocam o corpo do filhote repetidamente com as suas trombas, como se tentassem ressuscitá-lo. Passam dias em vigília, como se estivessem choran-do. Quando um membro da manada está doente ou foi ferido por um caçador, eles acariciam a vítima, como se estivessem reconfortando-a, e cuidam dela até que se re-cupere (Wilhelm, 2006).

Em reportagem publicada na Revista Época, o neurocientista António Damásio, da Universidade de Iowa, que é autor da teoria de comportamento animal mais aceita entre os cientistas, explica que os animais se emocionam, mas não têm sentimentos. Os animais teriam emoções primárias como medo, raiva, repulsa, alegria e tristeza. Essas emoções seriam respostas físicas quase instintivas do corpo a determinados es-tímulos. O segundo nível de emoções seriam as sociais, como simpatia, constrangi-mento, vergonha, orgulho e inveja. Essas emoções ajudariam os bichos a conviver em grupo. “Gorilas ficam arrogantes para ganhar o respeito do grupo e cães dão sinais de constrangimento quando levam bronca de seus donos”, afirma. O nível mais alto da emoção, para Damásio, seriam os sentimentos, que surgiriam a partir da reflexão e da consciência. “Não só ficamos alegres como temos a consciência de que estamos alegres. Isso não ocorre em animais”. (Vicária, 2007).

O primeiro cientista a propor que os animais se emocionam foi o naturalista britânico Charles Darwin. Em A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais (1872), ele relata as semelhanças entre atitudes humanas e de outros animais. No sécu-lo passado, no entanto, consagrou-se a idéia de que os bichos têm padrões de compor-tamento instintivos rígidos e que, por isso, seriam desprovidos de emoção. O assunto só voltou ao debate recentemente com a apresentação de novos estudos científicos.

No Brasil a discussão científica sobre o assunto tomou rumos mais acalorados em 2003 com a publicação de um artigo chamado “Chipanzés também amam” pela pesquisadora Eunice R. Durham na Revista de Antropologia da USP (Durham, 2003). A autora reflete sobre as emoções de nossos parentes mais próximos, os chimpanzés, e escolheu o sentimento amoroso como foco de comparação, não só por se tratar da-quele campo no qual as emoções são particularmente importantes para a vida social, mas também porque é aquele no qual, com a ausência de uma reflexão antropológica, podemos nos socorrer da psicanálise, para a qual esta questão é central.

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Figura 12: Imagem de chimpanzés

Segundo Durham (2003) as emoções podem ser provocadas por estímulos inter-nos ou externos. Especialmente no caso de mecanismos externos é preciso reconhecer, mesmo para os animais, sobretudo no caso dos mamíferos superiores, a existência de uma variação considerável nos tipos de estímulos que podem induzir uma emoção e a forma da ação que eles desencadeiam, a qual é selecionada em função da experiência individual ou social e, portanto, depende não apenas de condicionantes genéticos, mas também do aprendizado. A experiência influi nos mecanismos biologicamente pré-ajustados, tanto modelando o que constitui um indutor para determinadas emo-ções, como influindo na sua expressão. No caso dos seres humanos, a variação é muito maior porque a cultura modela tanto o comportamento decorrente da emoção como o seu conhecimento-reconhecimento. Estamos longe, portanto, de um novo determi-nismo genético. Mas a base inconsciente e geneticamente transmitida dos sentimentos não pode ser eliminada; sentimentos e mesmo a consciência dependem do substrato emocional.

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Figura 13: Chimpanzés na vida selvagem

Durham (2003) continua afirmando que dos componentes que distinguimos como centrais no significado do amor humano, um pelo menos está ausente entre os chimpanzés: o amor a Deus, ao que tudo indica, como já afirmavam os teólogos, só existe para os seres humanos – chimpanzés, como todas as demais espécies, não têm nenhum conhecimento dele; ignoram, portanto, o chamado amor espiritual, o qual certamente emerge das elaborações simbólicas que nos distinguem dos demais ani-mais. Os três restantes, entretanto – o amor associado à sexualidade; o amor entre pais, mães e filhos; e o amor ao próximo, ou sociabilidade –, encontram paralelos na socie-dade chimpanzé embora as diferenças sejam tão importantes quanto as semelhanças.

Ao longo do seu artigo, a autora descreve comportamentos e situações observa-dos em diversos experimentos com chimpanzés em vida livre e em cativeiro, trazendo a discussão para temas como sexualidade e promiscuidade, paternidade, maternidade e incesto, as relações entre mães e filhos, o instinto materno, a consangüinidade, a so-ciabilidade e o amor ao próximo, e chega a conclusão de que a observação do compor-tamento emocional dos chimpanzés demonstra a existência de paralelismos inegáveis com a vida psíquica humana, que podem ser extremamente relevantes tanto para a teoria analítica como para a antropologia.

Apesar dos riscos inerentes de antropomorfismo ou de projeções em pesquisas sobre o comportamento de animais, inferências subjetivas não devem ser, por isso, inteiramente deslegitimadas. As técnicas de observação precisam obviamente ser con-troladas. Mas as semelhanças observadas nos sentimentos atribuídos aos animais são relativamente próximas da maneira como nós humanos expressamos nossos senti-mentos, o que pode ter ocorrido em decorrência do processo evolutivo que nos une aos demais animais em termos de ascendência comum e esta continuidade fundamen-ta a possibilidade de existir uma comunicação emocional entre seres humanos e outros animais a qual, certamente, faz parte do nosso equipamento psíquico.

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Figura 14: Comportamento de chimpanzés

A melhor comprovação disso reside não apenas no fato de que podemos pre-ver o comportamento dos chimpanzés, embora isto seja verdadeiro, mas na surpreen-dente descoberta de que eles podem prever o nosso, interpretar corretamente nossas intenções e se comunicar conosco. Mas, ainda, as relações afetivas que pesquisadores estabelecem com os chimpanzés têm como contrapartida as relações afetivas que eles desenvolvem em relação aos seres humanos.

Durham (2003) escolhe, para ilustrar as relações afetivas, um relato de Köhler, que foi um dos primeiros a realizar observações sistemáticas e controladas com chim-panzés vivendo em grupo:

Uma noite, quando chovia a cântaros, ouvi dois animais, que eram manti-dos isolados num cercado especial, reclamando amargamente. Corri até lá e descobri que o tratador os havia deixado ao relento, tendo quebrado a chave do abrigo onde podiam se esconder da chuva. Forcei a fechadura e consegui abrir a porta, ficando de lado para que os chimpanzés pudessem correr rapi-damente para seu abrigo quente e seco. Mas, embora a chuva fria escorresse de todos os lados sobre os corpos trêmulos de frio dos chimpanzés, embora eles tivessem demonstrado a maior infelicidade e impaciência e eu próprio permanecesse no meio da chuva pesada, antes de correrem para o abrigo eles se viraram e me abraçaram, um em torno da cintura, outro ao redor do joelho, numa alegria frenética. Apenas depois disso é que mergulharam na palha seca e quente do abrigo. (Köhler, 1957, p. 250)” (Citado por Durham, 2003).

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Se podemos ter alguma dúvida quanto ao fato de sermos semelhantes aos chim-panzés, desconfiando do antropomorfismo, eles próprios parecem ter certeza de se-rem semelhantes a nós, de poderem ser entendidos por nós, de se comunicarem conos-co, de nos compreenderem e, inclusive (pelo menos até certo ponto), de nos amarem.

Figura 15: Filhotes de chimpamzés

A repercussão desse artigo no meio científico foi intensa, com vários grupos de pesquisadores concordando e outros discordando das conclusões de Durham.

Em 2005, na mesma revista, outro artigo foi publicado em contraposição ao que havia sido colocado por Durham. O artigo “Chimpanzés não amam! Em defesa do significado”, escrito por Eliane Sebeika Rapchan e Walter Alves Neves (Rapchan e Neves, 2005). Embora o artigo questione significativamente a opinião de Durham, com argumentos também válidos, a questão da existência ou não de sentimentos entre os animais, semelhantes aos que os humanos demonstram permanece em discussão.

Quem já teve ou tem animais de estimação no convívio familiar, ou no trabalho diário com animais, deve ter percebido várias manifestações que poderíamos chamar de sentimentos que são demonstrados por esses animais: a alegria quando o dono chega, a tristeza quando vai embora, a felicidade quando recebe um “agrado”, a “ver-gonha” quando recebe uma bronca...

A ciência ainda não conseguiu a prova definitiva da existência ou não de senti-mentos entre os animais, e talvez nem consiga, mas cabe a nós, tratar os animais com o respeito e a dignidade que toda criatura merece.

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Ética da relação humana com os demais seres vivos

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Atividade Complementar 02:

• Faça uma pesquisa entre seus familiares, sua comunidade ou seu local de tra-balho sobre o seguinte tema: Os animais têm ou não sentimentos?

• Procure saber a opinião das pessoas com as quais convive sobre o tema, se possível com relatos de experiências pessoais sobre a relação das pessoas com seus animais.

• Discuta o resultado com seus colegas

IV. Experimentação em seres vivosAs modalidades de pesquisa científica que utilizam seres vivos, sejam huma-

nos ou animais, sempre geraram e continuam gerando controvérsias e acaloradas dis-cussões em diferentes fóruns. É inegável que a pesquisa científica como conhecemos hoje, deve muito aos inúmeros experimentos realizados no passado que utilizaram de várias espécies de animais como também aos ensaios realizados em humanos. Entre-tanto, a sociedade e a ciência progrediram muito, e desse progresso, alguns aspectos relacionados à pesquisa utilizando seres vivos que eram considerados aceitáveis até alguns anos, passaram a ser considerados inapropriados para a situação que vivemos hoje.

A experimentação com animais permitiu o desenvolvimento acelerado dos co-nhecimentos biológicos e de bem estar do homem e dos próprios animais. Devido a isso, o destino destas espécies tem começado a despertar um grande interesse da comunidade científica e da sociedade em geral em evitar ou diminuir o sofrimento dos animais, o que tem sido objeto de diversos estudos ao longo das ultimas décadas.

As ciências biomédicas e outras afins avançam rapidamente com a utilização de modelos animais adequados que possibilitam a avaliação de novos medicamentos para o tratamento e prevenção de diferentes enfermidades. Também é eticamente re-conhecido que não se deve empregar novos medicamentos, substâncias, nem dispo-sitivos em seres humanos a menos que os testes previamente executados em animais permitam fazer uma extrapolação razoável de sua inocuidade. Até mesmo no mundo acadêmico, a preocupação com as pesquisas que envolvem seres vivos fizeram com que as principais revistas biomédicas exigissem que os pesquisadores declarem que seguiram todas as normas da própria instituição e as leis nacionais sobre o cuidado e o uso de animais nas suas pesquisas (Afonso et al., 2007).

Se houve um tempo em que muitos pesquisadores acreditavam que sua firme determinação de fazer o bem, sua integridade de caráter e seu rigor científico eram suficientes para assegurar a ética de suas pesquisas, nos dias de hoje essa concepção já não é mais objeto de consenso. O grande desenvolvimento e a crescente incorporação de novas tecnologias no campo dos cuidados em saúde; a maior difusão do conheci-mento científico através dos meios de comunicação social tradicionais e, em particular, através da Internet, assim como a ampliação dos movimentos sociais em defesa dos direitos individuais e coletivos, fizeram com que a discussão sobre a ética aplicada à saúde passasse a ter como interlocutores freqüentes filósofos, teólogos, juristas, soció-logos e, sobretudo, os cidadãos, seja enquanto usuários do sistema de saúde seja como sujeitos, objetos de pesquisas científicas (Palácios e Schramm, 2002).

Entretanto, a pesquisa científica envolvendo seres vivos ainda enfrenta um sé-rio dilema: utilizar animais na pesquisa científica ou substituí-los completamente dos ensaios.

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Segundo Schnaider (2008), a pesquisa em seres humanos só é aceitável quando ela responde preliminarmente às conveniências do diagnóstico e da terapêutica do próprio experimentado, a fim de restabelecer sua saúde ou minorar seu sofrimento. Qualquer pesquisa que não vise a esses interesses é condenável. Se o ser humano tem pelo seu corpo um direito limitado, muito mais limitado é o direito do médico, cuja missão é preservar a vida até onde suas forças e a ciência permitirem. O médico deve ter, como norma irrecusável, um conjunto de princípios éticos e morais, inclinando-se mais para a vida, para a preservação da espécie e para a exaltação das liberdades fundamentais.

A importância das pesquisas nas ciências da saúde é inegável, assim como é necessária, em determinados momentos, a utilização de seres humanos como sujeitos, objeto da pesquisa científica. Como disse Oliveira, abdicar das experimentações em humanos poderá, em alguns casos, constituir uma grande irresponsabilidade, acar-retando riscos incalculáveis, pois nem sempre o que funciona in vitro, em culturas celulares, funcionará como o esperado in vivo (Oliveira, 1997).

De acordo com Araújo (2003), no decorrer dos séculos, experimentações com seres humanos têm sido realizadas com diferentes padrões de qualidade e ética. A história relata vários exemplos de utilização de seres humanos em estudos e pesquisas que chocaram, e ainda chocam a humanidade. Nesses casos, a ausência de mecanis-mos de controle fundamentados em critérios éticos e morais, resultaram em abusos de experimentos e na “cobaização” do ser humano.

Os abusos cometidos em nome do Estado e da Ciência, apurados e denunciados mundialmente em 1947, no relatório final do Tribunal Internacional de Nuremberg, levou à elaboração do primeiro código de conduta em pesquisas, internacionalmente aceito – o Código de Nuremberg (1947) (Palácios e Schramm, 2002). Mesmo após o aparecimento do Código de Nuremberg, não obstante a dramaticidade do contexto em que nasceu, as infrações éticas, infelizmente, continuaram e continuam a ocorrer. A necessidade de regulamentar as pesquisas em humanos, de forma a proteger as populações a elas submetidas e a pouca influência do Código de Nuremberg sobre as práticas de pesquisa está entre as condições que deram origem à chamada Declaração de Helsinque. Elaborada e aprovada pela Associação Médica Mundial, a primeira ver-são desta Declaração data de 1964, cuja última versão foi aprovada na 52ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial na cidade de Edimburgo no ano 2000 (Palácios e Schramm, 2002).

No Brasil, a partir da Resolução CNS 196 (1996) e das resoluções complemen-tares, o desenvolvimento das pesquisas com seres humanos, tomou um novo rumo e os pesquisadores tiveram que se adaptar ou estão se adaptando a essa nova realidade (Araújo, 1999). A Resolução CNS 196 (1996) define pesquisa com seres humanos como aquela “que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de informações ou ma-teriais”. Essa definição é de fundamental importância, pois não restringe o conceito de pesquisa com seres humanos apenas àquelas realizadas nas ciências da saúde. Inclui toda modalidade de pesquisa que direta ou indiretamente envolva seres humanos e, mais, que o manejo de informações e a utilização de partes do corpo, como por exem-plo, dentes, são consideradas pesquisa com seres humanos e devem seguir parâmetros éticos (Araújo, 2003).

A partir dos principios éticos aplicados à pesquisa médica depois do Código de Nuremberg, outro termo foi incorporado às questões relacionadas a pesquisa envol-vendo seres humanos. A bioética como conhecemos hoje nasceu nos Estados Unidos entre o final dos anos 1960 e o começo dos anos 1970, quando uma série de fatores históricos culturais chamaram a atenção para a ética aplicada.

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Ética da relação humana com os demais seres vivos

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A visão original da bioética focalizava-a como uma questão ou um compromis-so mais global frente ao equilíbrio e preservação da relação dos seres humanos com o ecossistema e a própria vida do planeta. O princípio da autonomia deve ser contem-plado no desenvolvimento de experimentos com seres humanos através da obtenção do consentimento livre e esclarecido do sujeito, objeto da pesquisa. Ele representa um dos pilares éticos na execução dessa modalidade de pesquisa. O consentimento é o livre exercício da autonomia do voluntário. Os princípios da Bioética devem ser considerados na execução de todas pesquisas que envolvem seres humanos. Esse é o caminho que garantirá à sociedade que esses experimentos tiveram a preocupação em preservar a dignidade dos seres humanos. As pesquisas científicas, principalmen-te aquelas que envolvem seres humanos, devem e podem ser executadas dentro de padrões éticos. Mas, a simples observância de normas, leis e recomendações éticas não garantirá a eticidade da pesquisa. A discussão sobre o tema deve ser incentivada e estar presente nos cursos de graduação e pós-graduação, bem como nos eventos e periódicos científicos (Araújo, 2003).

Saindo do campo da pesquisa envolvendo seres humanos, a utilização de ani-mais para atividades de ensino e pesquisa tem recebido duras críticas nos últimos anos de vários segmentos da sociedade, de entidades de defesa dos direitos dos ani-mais e até de nossos legisladores.

Fazendo uma revisão histórica do tema, narrativas da utilização dos animais pelo homem com as mais diversas finalidades são conhecidas desde os primórdios da humanidade. A Bíblia Sagrada, documentou para todos os séculos, o sacrifício de animais, desde que o fossem por sacerdotes, em louvor ao Criador.

A primeira grande controvérsia a respeito da utilidade da fauna surgiu no sé-culo IV. Foi nesta época que São Crisóstomo, o grande protetor, ensinou a humanida-de que os animais, mesmo ferozes, devem ser tratados com respeito ou preservação, admitindo e aceitando a grande semelhança anátomo-funcional principalmente entre seres humanos e demais animais vertebrados. Santo Agostinho, ponderou para o livre arbítrio, ou seja, o desejo de cada homem conviver com todos os animais de acordo com sua consciência. Num período distante e nitidamente regressivo da Idade Média, os animais foram comparados a “pedra bruta” por absoluta ausência de alma, capa-cidade de raciocínio e poder de um entendimento lógico. Mais tarde São Tomás de Aquino, excluiu por completo todos os possíveis direitos dos animais irracionais. Sua total preocupação sempre esteve voltada para o homem, como animal superior, cria-do por Deus. Inúmeros filósofos e em épocas diferentes, dentre eles Descartes, Kant e Hengel, todos muito preocupados com graves questões relacionadas à humanidade, optaram pela neutralidade como melhor maneira de se posicionarem em relação à flora e à fauna (Pimenta e Silva, 2001).

A primeira tentativa de doutrinar a pesquisa animal, principalmente nos ver-tebrados, foi proposta pela “Cruelty to Animals Act” em Londres, numa época que coincidiu com a descoberta e prática da anestesia geral por Morton (1846) nos procedi-mentos cirúrgicos. Os animais passaram a merecer todos os benefícios conquistados e aplicados ao homem, principalmente quando uma agressão cirúrgica é realizada sem dor. Alguns tópicos normativos, até hoje, gozam do direito de imutáveis:

• Drogas anestésicas de primeira linha serão administradas para aliviar a dor;

• Experimentos animais devem ser realizados por pesquisador credenciado;

• Os experimentos, motivados pela evolução da ciência, visam ao bem dos seres vivos.

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Atualmente, o biotério é o local onde são criados e/ou mantidos animais vivos de qualquer espécie para estudo laboratorial, funcionando com seus próprios recur-sos. É construído numa área física de tamanho e divisões adequadas, onde trabalha pessoal especializado. Não podem faltar água e alimentação específica para cada animal, assim como temperatura constante e iluminação artificial apropriada. É ne-cessário pesquisar na literatura subsídios para a escolha mais adequada do animal adaptada aos propósitos da investigação científica. Alguns preceitos devem ser obser-vados, destacando-se a facilidade da alimentação, do manuseio, da execução do proce-dimento técnico e o custo operacional. Nos biotérios brasileiros três espécies são mais utilizadas para estudo experimental, todas pertencentes aos mamíferos, sendo elas: o rato, animal mais escolhido para pesquisa, pelo porte e pela quantidade; o coelho, pela mansidão e facilidade de manuseio; o cão, pelo porte e constituição anatômica. O pesquisador deve, sobretudo, conhecer bem as particularidades do animal com o qual irá trabalhar e respeitar os princípios éticos de experimentação animal (Schnaider e Souza, 2003).

Projeto de Lei nº 1.153-b de 1995, disponível no site do Colégio Brasileiro de Experi-mentação Animal (COBEA) http://www.cobea.org.br/include/PL1153.htmHistórico de Leis e Regulamentos Brasileiros:http://www.cobea.org.br/include/download/LeiseRegulamentosCeliaCardoso.doc Resolução Nº 879, de 15 de fevereiro de 2008 do Conselho Federal de Medicina Veterinária: Dispõe sobre o uso de animais no ensino e na pesquisa e regulamenta as Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAs) no âmbito da Medicina Veterinária e da Zootecnia brasileiras e dá outras providências.Boletins Informativos do COBEA: disponíveis no site: http://www.cobea.org.br

Para saber mais...

Desde as mais remotas informações acerca da utilização de animais para expe-rimentação, encontram-se relatos de opiniões favoráveis e contrárias. Em muitas situ-ações, a pseudomoralidade é utilizada como subterfúgio para tentar diminuir a gran-diosidade do incontestável conhecimento advindo da experimentação com animais, haja vista que não se pode negar que eles prestaram e prestam grandes benefícios à humanidade. Os animais são freqüentemente utilizados nos processos do ensino e da pesquisa científica e, com o conhecimento que dispomos atualmente, eles continuam sendo indispensáveis a essa prática. O seu emprego, indubitavelmente, diminui o nú-mero de pacientes que sofrem danos por serem submetidos a situações totalmente experimentais. Entretanto, é obvio que experimentos sem qualquer perspectiva de res-posta ou que determinem o sofrimento, mutilação e morte desnecessária de animais, devem ser condenados (Marques, Miranda et al., 2005).

Devemos lembrar que a utilização de modelos desenvolvidos em computado-res, animais e tecidos pouco complexos ou órgãos isolados apresentam grande limi-tação na pesquisa científica ou em atividades de ensino, e na maioria das vezes, não podem ser considerados alternativas satisfatórias nem razoáveis para aplicação no dia-a-dia da pesquisa. Entretanto, alternativas viáveis e substitutivas ao uso de ani-mais em atividades de ensino e pesquisa devem ser continuamente buscadas, tornan-do-se imperativo adotar dispositivos regulamentares lúcidos e realistas que garantam a continuação da utilização de animais no ensino e na pesquisa científica. Deve haver, contudo, em qualquer situação, clara consciência, responsabilidade, competência, sen-sibilidade e ética, para sua utilização (Marques, Miranda et al., 2005).

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Ética da relação humana com os demais seres vivos

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Para refletirmos mais um pouco sobre esta questão, devemos lembrar que os seres humanos são importantes, e não podem ser submetidos a estudos ou pesquisas sem o devido conhecimento de todas as ações que implicam sua execução, mas os ani-mais, embora não tenham a devida consciência dos atos a que são submetidos quando utilizados em atividades de pesquisa também merecem nosso respeito e consideração. Devemos considerar ainda que nem todo conhecimento adquirido a partir de experi-mentações com animais pode ser diretamente aplicado ao homem e nem tudo o que é tecnicamente passível de realização é eticamente permitido executar. A comunidade científica responsável reconhece que o animal tem consciência e memória, sofre e sente dor, tem medo, não está nos laboratórios por livre e espontânea vontade e tem direito à vida. Por isso, o respeita e o utiliza racionalmente, isto é, o menor número possível de animais, poupando-os, ao máximo, do sofrimento.

Atividade 03:• Faça uma pesquisa entre seus familiares, sua comunidade ou seu local de tra-

balho sobre o seguinte tema: Você é contra ou a favor da utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa?

• Procure saber o porquê das opiniões “contra” e “a favor” e o que as pessoas sabem sobre o tema fazendo perguntas como:

o Por que animais são utilizados em pesquisa?

o Quais os benefícios para o homem da utilização de animais em pesquisa?

o Como são tratados os animais utilizados em pesquisa?

o Qual o destino dado a esses animais?

• Caso seja contra, questione o seguinte:

o Qual alternativa você sugere para não utilizarmos animais em pesquisa?

o Apresente e discuta o resultado de sua pesquisa com seus colegas

Todo pesquisador reconhece que atrocidades já foram praticadas em nome da ciência, o que fez com que ativistas de organizações de defesa dos animais tenham se

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manifestado e tenham suas razões para tal. Porém, é fundamental que se ratifique que os pesquisadores também têm suas razões. Existem indivíduos bons e maus, éticos e não-éticos, em todas as funções e, dessa forma, é preciso que exista uma lei, adequada e moderna, para regulamentar a utilização de animais na atividade científica. Inserto no texto constitucional vigente, encontra-se o princípio da vedação às práticas que importam em crueldade com animais.

É necessário organizar e fortalecer a comunidade científica junto aos governan-tes e legisladores para que se possa confrontar a política e o poder de sociedades pro-tetoras de animais, que a todo instante interferem no andamento e desfecho do projeto de lei que prevê a regulamentação da criação e uso de animais para pesquisa e ensino.

Há de se buscar o compromisso de parlamentares para a aprovação desta Lei, no sentido de que compreendam o risco que envolve a saúde pública a falta de instru-mentos legais que garantam a qualidade dos serviços e produtos gerados através do uso de animais de laboratório, e da importância de assegurar a utilização de métodos alternativos na experimentação que permitam a substituição de animais por outros recursos e conseqüente redução da quantidade de animais utilizada na pesquisa e no ensino.

Enquanto não aprovarmos uma legislação própria para estabelecer a regula-mentação quanto à criação e o uso de animais no Brasil, também não garantiremos o pleno respeito à saúde, ao bem-estar, à ética e ao futuro da experimentação animal. E essa é uma situação insustentável e que já se transformou em um grande desafio na prática da ciência, em nosso país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Ética da relação humana com os demais seres vivos

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Leituras recomendadas:ARAÚJO, L. Z. S. Aspectos éticos da pesquisa científica. Pesqui Odontol Bras, v.17, n.Supl 1, p.57-63. 2003.DINIZ, R., Duarte, A. L. A.; OLIVEIRA, C. A. S.; ROMITI, M. Animais em aulas práticas: podemos substituí-los com a mesma qualidade de ensino? Revista Brasileira de Educação Médica. Vol. 30 (2): 30-41. 2006.DURHAM, E. R. Chimpanzés também amam: a linguagem das emoções na ordem dos prima-tas. Revista de Antropologia, v.46, n.1, p.85-154. 2003.FELIPE, S. T. Da considerabilidade moral dos seres vivos: a bioética ambiental de Kenneth E. Goodpaster. ethic@, v.5, n.3, p.105-118. 2006.MASCHIO, J. J. Os animais. Direitos deles e ética para com eles. Jus Navigandi, v.2008, n.771, 10/08/2008, p.65. 2005National Research Council. Manual sobre cuidados e usos de animais de laboratório. Goiânia: Gráfica UFG. 2004. 163 p.RAPCHAN , E. S. e W. A. Neves. Chimpanzés não amam! Em defesa do significado. Revista

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de Antropologia, v.48, n.2, p.649-698. 2005.SILVA, V. O. e N. Agostini. Ética ambiental: uma análise de integração “Deus – ser humano – natureza”. XIV Seminário de Iniciação Científica da PUC-Rio. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006. 15 p.RIVERA, E. A. B., M. H. Amaral, et al. Ética e Bioética aplicadas à Medicina Veterinária. Goiânia: Gráfica UFG. 2006. 298 p.

Referências das imagens:

figura 1- http://animals.howstuffworks.com/animal-facts/animal-domestication3.htmfigura 2 - http://animals.howstuffworks.com/animal-facts/animal-domestication2.htmfigura 3 - http://animals.howstuffworks.com/animal-facts/animal-domestication.htmfigura 4 - http://animals.howstuffworks.com/animal-facts/animal-domestication4.htmfigura 5 - http://gondomil.blogs.sapo.pt/17790.html?mode=replyfigura 6 - http://www.connors.cc.ok.us/gallery/?Qwd=./OldSchool&Qif=Squire%20Prince%20Duroc%201951.jpg&Qiv=thumbs&Qis=M&Qtmp=Ctrlfigura 7 - http://www.tratamentodear.com.br/Alergia-Poeira-Domestica.html figura 8 – imagem in Sabbatini (2003).figura 9 - http://antropoides.no.sapo.pt/fotosgorila.htmfigura 10 - http://antropoides.no.sapo.pt/fotosgorila.htmfigura 11 - http://antropoides.no.sapo.pt/inteligencia.htm figura 12 - http://pink.dornbeast.com/?cat=44figura 13 – http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL36441-5603,00-FEMEAS+DE+CHIMPANZE+PRATICAM+INFANTICIDIO.htmlfigura 14 - http://pink.dornbeast.com/?cat=44figura 15 - http://ateus.net/forum/Imagens-t950.html

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Ética da relação humana com os demais seres vivos

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Anexo 1 - PRINCÍPIOS ÉTICOS PARA O USO DE ANIMAIS DE LABORA-TORIO (COBEA, 2008)

ARTIGO I – Todas as pessoas que pratiquem a experimentação biológica devem tomar con-sciência de que o animal é dotado de sensibilidade, de memória e que sofre sem poder escapar a dor;

ARTIGO II – O experimentador é, moralmente responsável por suas escolhas e por seus atos na experimentação animal;

ARTIGO III – Procedimentos que envolvam animais devem prever e se desenvolver conside-rando-se sua relevância para a saúde humana o animal, a aquisição de conhecimentos ou o bem da sociedade;

ARTIGO IV – Os animais selecionados para um experimento devem ser de espécie e quali-dade apropriadas a apresentar boas condições de saúde, utilizando-se o número mínimo ne-cessário para se obter resultados válidos. Ter em mente a utilização de métodos alternativos tais como modelos matemáticos, simulação por computador e sistemas biológicos “In vitro”;

ARTIGO V – É imperativo que se utilizem os animais de maneira adequada, incluindo ai evitar o desconforto, angústia e dor. Os investigadores devem considerar que os processos determi-nantes de dor ou angústia em seres humanos causam o mesmo em outras espécies, a não ser que o contrário tenha se demonstrado;

ARTIGO VI – Todos os procedimentos com animais, que possam causar dor ou angústia, pre-cisam se desenvolver com sedação, analgesia ou anestesia adequadas. Atos cirúrgicos ou outros atos dolorosos não podem se realizados em animais não anestesiados e que estejam apenas paralisados por agentes químicos e/ou físicos;

ARTIGO VII – Os animais que sofram dor ou angústia intensa ou crônica, que não possam se aliviar e os que não serão utilizados devem ser sacrificados por método indolor e que não cause estresse;

ARTIGO VIII – O uso de animais em procedimentos didáticos e experimentais pressupõe a disponibilidade de alojamento que proporcione condições de vida adequada às espécies, con-tribuindo para sua saúde e conforto. O transporte, a acomodação, a alimentação e os cuidados com os animais criados ou usados para fins biomédicos devem ser dispensados por técnico qualificado;

ARTIGO IX – Os investigadores e funcionários devem ter qualificação e experiência adequa-das para exercer procedimentos em animais vivos. Deve-se criar condições para seu trein-amento no trabalho, incluindo aspectos de trato e uso humanitário dos animais de laboratório.

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Anexo 2 - DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO ANIMAL (da qual o Brasil é signatária)

A UNESCO aprovou em 1978, em Paris, a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO ANIMAL, seguindo a mesma trilha filosófica da Declaração universal dos Direitos do Homem, votada a 30 anos pela ONU, o Dr. Georges Heuse, secretário geral do Centro In-ternacional de Experimentação de Biologia Humana e cientista ilustre, foi quem propôs esta Declaração.

A DECLARAÇÃOArt. 1º) Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.Art. 2º) O homem, como a espécie animal, não pode exterminar outros animais ou ex-plorá-los violando este direito; tem obrigação de colocar os seus conhecimentos a serviço dos animais.Art. 3º) 1) Todo animal tem direito a atenção, aos cuidados e a proteção dos homens.2) Se a morte de um animal for necessária, deve ser instantânea, indolor e não geradora de angústia.Art. 4º) 1) Todo animal pertencente a uma espécie selvagem tem direito a viver livre em seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático, e tem direito a reproduzir-se.2) Toda privação de liberdade, mesmo se tiver fins educativos, é contrária a este direito.Art. 5º) 1) Todo animal pertencente a uma espécie ambientada tradicionalmente na vizinhança do homem tem direito a viver e crescer no ritmo e nas condições de vida e liberdade que forem próprias da sua espécie;2) Toda modificação desse ritmo ou dessas condições, que forem impostas pelo homem com fins mercantis, é contrária a este direito.Art. 6º) 1) Todo animal escolhido pelo homem para companheiro tem direito a uma du-ração de vida correspondente á sua longevidade natural;2) Abandonar um animal é ação cruel e degradante.Art. 7ª) Todo animal utilizado em trabalho tem direito à limitação razoável da duração e da intensidade desse trabalho, alimentação reparadora e repouso.Art. 8º) 1) A experimentação animal que envolver sofrimento físico ou psicológico, é in-compatível com os direitos do animal, quer se trate de experimentação médica, científica, comercial ou de qualquer outra modalidade;2) As técnicas de substituição devem ser utilizadas e desenvolvidas.Art. 9º) Se um animal for criado para alimentação, deve ser nutrido, abrigado, transpor-tado e abatido sem que sofra ansiedade ou dor.Art. 10º) 1) Nenhum animal deve ser explorado para divertimento do homem;2) As exibições de animais e os espetáculos que os utilizam são incompatíveis com a dignidade do animal.Art. 11º) Todo ato que implique a morte desnecessária de um animal constitui biocídio, isto é, crime contra a vida.Art. 12º) 1) Todo ato que implique a morte de um grande número de animais selvagens, constitui genocídio, isto é, crime contra a espécie;2) A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio.Art. 13º) 1) O animal morto deve ser tratado com respeito;2) As cenas de violência contra os animais devem ser proibidas no cinema e na televisão, salvo se tiverem por finalidade evidencias ofensa aos direitos do animal.Art. 14º) 1) Os organismo de proteção e de selvaguarda dos animais devem ter represen-tação em nível governamental;2) Os direitos do animal devem ser defendidos por lei como os direitos humanos.