efeitos cardiovasculares e renais do sistema renina-angiotensina

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Santos RAS, Fagundes-Moura CR, Silva ACS Rev Bras Hipertens vol 7(3): julho/setembro de 2000 Artigos Efeitos cardiovasculares e renais do sistema renina-angiotensina Robson Augusto S. dos Santos, Cristiane R. Fagundes-Moura, Ana Cristina Simões e Silva Resumo O sistema renina-angiotensina (SRA) é considerado um dos mais importantes sistemas reguladores para a homeostase cardiovascular. A influência desse sistema sobre as funções cardiovasculares e renais é extremamente ampla e complexa, envolvendo múltiplos mediadores, re- ceptores e mecanismos de sinalização intracelular va- riados. Nesta breve revisão, serão abordados os múltiplos efeitos cardiovasculares e renais do SRA, com ênfase na angiotensina II (Ang II), o efetor hemodinâmico dominante desse sistema. Palavras-chave: Angiotensina II; Angiotensinas; Sistema renina-angiotensina; Hipertensão arterial. Recebido: 20/3/00 – Aceito: 13/7/00 Rev Bras Hipertens 3: 227-36, 2000 Correspondência: Robson Augusto S. dos Santos Departamento de Fisiologia e Biofísica, ICB, UFMG Av. Antônio Carlos, 6627 – 31270-901 – Belo Horizonte, MG, Brasil – Fax: (0XX31) 499-2924 Efeitos cardiovasculares do SRA O SRA influencia o sistema car- diovascular tanto de forma direta, alte- rando a morfologia e função cardíaca e vascular, como indiretamente, modi- ficando o ganho dos reflexos cardio- vasculares, o volume sanguíneo e o nível circulante e tecidual de hormônios e autacóides como vasopressina, glico- corticóides, mineralocorticóides, endo- telinas, prostaglandinas, cininas e óxido nítrico 1,2 . A multiplicidade de efeitos cardiovasculares do SRA está prima- riamente associada à difusa distri- buição de receptores angiotensinér- gicos, especialmente do subtipo AT 1 , no organismo. Assim, receptores AT 1 são expressos no pulmão, no fígado, nos rins, no coração, na aorta e em outros vasos, no cérebro e nas adrenais e várias outras glândulas endócrinas 3,4 . Receptores AT 2 , por sua vez, que na maioria das vezes produzem efeitos contrários à Ang II 3,4 , embora sejam mais abundantes na vida fetal, são encontrados na idade adulta em vários tecidos, incluindo glândulas adrenais, coração, aorta, rins, ovários, útero e cérebro 3,4 . Outro aspecto que confere multiplicidade de ações ao sistema é a existência de outros peptídeos an- giotensina biologicamente ativos, como a angiotensina III, angiotensina-(1-7) e angiotensina IV 5,6 . Os outros peptídeos do SRA, espe- cialmente o mais seletivo deles, a an- giotensina-(1-7), que, na maioria das vezes, exerce ações opostas à an- giotensina II, conferem ao sistema uma influência dual em vários tecidos e funções ligadas ao sistema cardiovas- cular. Essa característica permite ao

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Santos RAS, Fagundes-Moura CR, Silva ACS Rev Bras Hipertens vol 7(3): julho/setembro de 2000

Artigos

Efeitos cardiovasculares e renais do sistemarenina-angiotensina

Robson Augusto S. dos Santos, Cristiane R. Fagundes-Moura, Ana Cristina Simões e Silva

Resumo

O sistema renina-angiotensina (SRA) é consideradoum dos mais importantes sistemas reguladores para ahomeostase cardiovascular. A influência desse sistemasobre as funções cardiovasculares e renais é extremamente

ampla e complexa, envolvendo múltiplos mediadores, re-ceptores e mecanismos de sinalização intracelular va-riados. Nesta breve revisão, serão abordados os múltiplosefeitos cardiovasculares e renais do SRA, com ênfase naangiotensina II (Ang II), o efetor hemodinâmico dominantedesse sistema.

Palavras-chave: Angiotensina II; Angiotensinas; Sistema renina-angiotensina; Hipertensão arterial.

Recebido: 20/3/00 – Aceito: 13/7/00 Rev Bras Hipertens 3: 227-36, 2000

Correspondência:Robson Augusto S. dos SantosDepartamento de Fisiologia e Biofísica, ICB, UFMGAv. Antônio Carlos, 6627 – 31270-901 – Belo Horizonte, MG, Brasil – Fax: (0XX31) 499-2924

Efeitos cardiovascularesdo SRA

O SRA influencia o sistema car-diovascular tanto de forma direta, alte-rando a morfologia e função cardíacae vascular, como indiretamente, modi-ficando o ganho dos reflexos cardio-vasculares, o volume sanguíneo e onível circulante e tecidual de hormôniose autacóides como vasopressina, glico-corticóides, mineralocorticóides, endo-telinas, prostaglandinas, cininas e óxidonítrico1,2. A multiplicidade de efeitos

cardiovasculares do SRA está prima-riamente associada à difusa distri-buição de receptores angiotensinér-gicos, especialmente do subtipo AT1,no organismo. Assim, receptores AT1são expressos no pulmão, no fígado,nos rins, no coração, na aorta e emoutros vasos, no cérebro e nas adrenaise várias outras glândulas endócrinas3,4.Receptores AT2, por sua vez, que namaioria das vezes produzem efeitoscontrários à Ang II3,4, embora sejammais abundantes na vida fetal, sãoencontrados na idade adulta em váriostecidos, incluindo glândulas adrenais,

coração, aorta, rins, ovários, útero ecérebro3,4. Outro aspecto que conferemultiplicidade de ações ao sistema é aexistência de outros peptídeos an-giotensina biologicamente ativos, comoa angiotensina III, angiotensina-(1-7)e angiotensina IV5,6.

Os outros peptídeos do SRA, espe-cialmente o mais seletivo deles, a an-giotensina-(1-7), que, na maioria dasvezes, exerce ações opostas à an-giotensina II, conferem ao sistemauma influência dual em vários tecidose funções ligadas ao sistema cardiovas-cular. Essa característica permite ao

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SRA influenciar o crescimento vascu-lar, por exemplo, tanto estimulando(Ang II) como inibindo [Ang-(1-7)]6.Dessa forma, em alguns tecidos, aação predominante do SRA pode de-pender mais do perfil local de angioten-sinas e/ou receptores que do nívelabsoluto do principal mediador, a angio-tensina II. Em síntese, o SRA podeinfluenciar o sistema cardiovascularde uma forma dual tanto pela distri-buição relativa de receptores AT1 eAT2, como da concentração relativade angiotensinas, especialmente AngII e Ang-(1-7).

Formação deangiotensinas nomiocárdio

Existem várias evidências de que aAng II e outras angiotensinas sãoformadas no coração. A renina, oangiotensinogênio, a enzima conver-sora de angiotensina (ECA) e os re-ceptores angiotensinérgicos estão pre-sentes no miocárdio7, sugerindo que aAng II produzida localmente possaexercer ações autócrinas/parácrinasenvolvidas na modulação da funçãocardíaca. A maior parte da reninapresente no miocárdio é aparentementede origem renal, existindo, no entanto,evidências de que, em certas condiçõescomo isquemia, ocorra aumento daexpressão de RNAm para renina8. Oangiotensinogênio, por sua vez, ésintetizado no coração, especialmenteem vigência de hipertrofia ou falênciacardíaca9,10,11. A ECA, embora sejaprimariamente expressa no endotéliodos vasos coronarianos, em vigênciade isquemia e/ou fibrose, é encon-trada em outras células como miócitose fibroblastos7. Uma questão aindapendente é a de qual enzima, ECA ouquimase, seria a principal responsávelpela formação de Ang II no coraçãohumano12,13. As evidências mais re-centes são em favor de um papel

dominante para a ECA nesse pro-cesso7. Em resumo, existe ampla evi-dência de que a Ang II e outras angio-tensinas possam ser formadas nocoração. Dessa forma, o tecido miocár-dico seria influenciado não só pelosníveis circulantes de angiotensinascomo pela formação local dessespeptídeos.

Ações cardíacas do SRAA utilização dos inibidores da ECA

e, mais recentemente, de antagonistasde receptores AT1, revelou a impor-tante influência exercida pelo SRA nafunção cardíaca. É claro hoje que aAng II tem ações importantes emmúltiplos níveis de funcionamentocardíaco, incluindo efeito trófico, au-mento do inotropismo e cronotropismo,efeito pró-arritmogênico e aberturade canais iônicos. A diversidade dessasações explica a importância do SRAna fisiopatogênese da hipertrofiacardíaca e falência miocárdica7,14,15

(Figura 1). As evidências para umpapel chave do SRA incluem:

1. A produção local de Ang II nomiocárdio;

2. A ativação do SRA em cora-ções hipertrofiados ou insufi-cientes;

3. O efeito potente da Ang IIsobre o crescimento de mióci-tos in vitro;

4. A eficiência do bloqueio farma-cológico do SRA em modelosanimais e em pacientes comhipertrofia e/ou insuficiênciacardíaca7.

Hipertrofia cardíaca. Geralmente ahipertrofia cardíaca patológica secaracteriza tanto por um aumento dotamanho dos miócitos ventriculares,como pelo aumento da expressão degenes usualmente encontrados na vidafetal como miosina de cadeia pesada(β-MHC), α-actina e peptídeo atrialnatriurético, o que poderia ser definidocomo reprogramação da carga gené-tica miocitária. Um aumento de pro-teínas da matrix extracelular comocolágeno (especialmente dos tipos I eIII) e fibronectina são outra caracterís-tica da hipertrofia cardíaca. Essas

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Figura 1 – Ações cardiovasculares e renais da angiotensina II e da angiotensina-(1-7).

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alterações são as principais responsá-veis pela fibrose ou remodelamento e,juntamente à reprogramação gênica,desempenham um papel crítico naredução da performance cardíaca e nafisiopatologia da falência miocárdica.A produção de proteínas da matrixextracelular é predominantemente fei-ta por fibroblastos e aumenta em res-posta a estímulos hipertróficos como asobrecarga hemodinâmica. Vários estu-dos têm mostrado que a Ang II participade todos os eventos descritos acima,incluindo hipertrofia dos miócitos, re-programação gênica miocitária, prolife-ração de fibroblastos e acúmulo deproteínas da matrix extracelular. Alémdisso, a Ang II estimula a expressão deimmediate-early-genes como c-fos,c-jun, jun β, egr-1 e c-myc16. Não sesabe ainda, no entanto, o exato signifi-cado dessa indução no processo dehipertrofia cardíaca. Todos essesefeitos parecem depender da ativaçãode receptores AT1 (Figura 2). O papeldos receptores AT2 das ações cardíacasdo SRA ainda está sendo elucidado,existindo evidências, no entanto, de quea ação predominante seria contrária àexercida pelos receptores AT1

3,4,17

(Figura 2).A Ang II é considerada o principal

estímulo para a síntese de aldosteronapelas glândulas adrenais. Dados maisrecentes indicam que esse hormôniopode ser formado localmente no cora-ção, e que essa formação é tambémestimulada pela Ang II. A aldosteronaproduz importantes efeitos no coraçãoincluindo aumento da síntese decolágeno tipo I e acúmulo de proteínasque poderia estar envolvido noprocesso de hipertrofia. A importânciafisiopatológica da aldosterona foirecentemente enfatizada pelo estudoRALES (Randomized AldactoneEvaluation Study) que mostrou que aassociação de antagonistas dealdosterona com inibidores da ECA ediuréticos de alça reduziu significati-vamente a mortalidade, em pacientes

com insuficiência cardíaca sinto-mática7.

Ações vasculares doSRA

Além do clássico efeito vasocons-trictor, conhecido há mais de um sé-culo, o SRA influencia a função vas-cular de várias maneiras. A Ang IItem geralmente efeito vasoconstrictorenquanto a Ang IV e a Ang-(1-7) sãopreferencialmente vasodilatadoras3,6.

Endotélio. As células endoteliaispossuem tanto receptores AT1 comoAT2

3. Existem também evidênciaspara a existência de receptores endo-teliais específicos para a Ang-(1-7)18

e Ang IV19. Os receptores AT1 e AT2endoteliais estão em contato diretocom a Ang II circulante. Tanto aativação de receptores AT1 como AT2,no endotélio, podem produzir um efeitovasodilatador que contrabalançaria oefeito vasoconstritor por ação diretanas células musculares lisas (via ativa-ção de receptores AT1). O mesmoefeito vasodilatador é produzido pelaAng-(1-7)5,20. Enquanto o efeito vaso-dilatador via receptores AT1 envolveliberação de NO e prostaglandinas,especialmente prostaciclinas, aquelemediado por receptores AT2 parece

envolver mecanismo não-dependentede NO ou prostaglandinas, sendodevido a metabólitos do ácido aracdô-nico produzidos pela via citocromo P-450 monoxigenase3,4,21. Já o efeitovasodilatador da Ang-(1-7) envolvetanto liberação de NO como de pros-taglandinas. A contribuição relativadesses fatores varia com o territóriovascular e/ou espécie4,5,6 (Figura 2).

Além da influência vasodilatadora,a estimulação de receptores AT1estimula a produção de endotelinas;no entanto a influência que prevaleceé a vasodilatadora.

O SRA, atuando no endotélio, exer-ce também influência modulatória im-portante sobre o crescimento e a proli-feração celular. Tanto a estimulaçãode receptores endoteliais AT1 comoAT2 e AT1-7 podem antagonizar asações tróficas exercidas pelos recepto-res AT1, na musculatura lisa. Umaação antiproliferativa direta da Ang-(1-7) em células musculares lisastambém foi recentemente descrita22.A ação antiproliferativa mediada porreceptores AT1 também envolve aliberação de NO e PGI2, enquanto amediada por receptores AT2 pareceenvolver ativação de fosfotirosinasfosfatases com conseqüente inibiçãoda via das MAP quinases3,4. O meca-nismo molecular da ação antiproli-

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Figura 2 – Subtipos de receptores angiotensinérgicos (modificado de Navar et al.,1999).

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ferativa da Ang-(1-7) ainda não éconhecido (Figura 1).

Efeitos deletérios da Ang II.Os efeitos da Ang II no endotélio,especialmente quando em excesso,são predominantemente deletérios,levando à disfunção endotelial e fibrosevascular (Figura 1). A estimulação daprodução de TGF-β7,15,19, espéciesreativas de oxigênio, endotelina e PAI-1 contribui para esses efeitos. A pro-dução de PAI-1, por exemplo, reduz aconversão de plasminogênio em plas-mina. A plasmina participa de formaimportante na degradação da matrixextracelular e também pode ativarvárias metaloproteases que hidrolisamo colágeno. Dessa forma, o aumentoda expressão de PAI-1 pela Ang IItem como conseqüência um aumentoda fibrogênese. Existem evidênciasde que a Ang IV seria na verdade omediador desse efeito19.

Musculatura lisa. Como já men-cionado acima, o SRA exerce umapotente ação vasoconstritora navasculatura mediada pela Ang II,atuando em receptores AT1. A ligaçãoda Ang II a esses receptores ativa aproteína G com conseqüente ativaçãode fosfolipase C-β e formação de 1,4,5-trifosfato e diacilglicerol. O aumentoda concentração intracelular de Ca+2 eativação de proteína C quinase conse-qüentes a esses eventos resultariamnos efeitos biológicos da Ang II nessascélulas. Além do efeito vasoconstritordireto, a Ang II promove hipertrofia eremodelamento da musculatura lisavascular, efeito esse dependente defosforilação de tirosina-quinases eproteínas. Em células vasculares emcultura, a Ang II ativa várias viasdependentes de fosforilação de tirosinaincluindo p21Ras, c-Src, mitogen-activated protein kinase (MAPK), ejanus quinase (JAK), que provavel-mente estão envolvidas em seu efeitoproliferativo. Indução de fatores decrescimento, especialmente o TGF-β,liberação de endotelina, produção de

12-HETE e de radicais livres provavel-mente também participam no mecanis-mo dos efeitos proliferativos da Ang II,não só na vasculatura como em outrostecidos. Como já mencionado acima, omecanismo molecular da ação anti-proliferativa da Ang-(1-7), em célulasmusculares lisas, ainda não é conhecido(Figura 1).

Ainda com relação à atividadehipertrófica e proliferativa da Ang II,deve ser ressaltada a controvérsiaainda existente com relação ao papeldos receptores AT2 nesses processos.Muito embora, uma ação contrária àdos receptores AT1 descrita por mui-tos21,23,24,25, existem estudos mos-trando atividade proliferativa AT2-me-diada26,27.

Interação SRA – cininasEspecialmente na vasculatura, o

SRA e o sistema calicreína-cininasexercem ações opostas. O fato da

ECA atuar tanto na inativação dabradicinina (BK) como na conversãode Ang I para Ang II levou a hipótese,até hoje, ainda explorada, de que pelomenos, em parte, os efeitos farmacoló-gicos dos inibidores da ECA sejamdevidos tanto à redução da formaçãode Ang II como ao acúmulo circulantee tecidual de cininas28. A observaçãode nosso laboratório29,30, confirmadapor vários outros20,31,32, de que a Ang-(1-7) é capaz de potenciar a BK invivo, e o fato da Ang-(1-7) tambémser inativada pela ECA5,6, introduziunovas possibilidades para explicar osefeitos farmacológicos dos inibidoresda ECA e para o entendimento dainteração autócrino/parácrina do SRAcom as cininas (Figura 3). Assim, aAng-(1-7) poderia atuar endo-genamente como um fator contra-regulatório para a Ang II, não só porligação em seus receptores específicosno endotélio como por amplificaçãoda influência vasodilatadora da BK.Em vigência de tratamento com inibi-

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Figura 3 – Representação esquemática simplificada dos sistemas renina-angiotensinae calicreína-cininas. ECA, enzima conversora de angiotensina; NEP, endopeptidaseneutra; PEP, prolil endopeptidase; AT1 e AT2, receptores de Ang II tipo 1 e tipo 2;“AT2-like”, sítio de ligação sensível ao bloqueio por PD-123177/123319, BK2, recep-tor B2 de cininas; IECA, inibidores da ECA; AR-AT1, antagonista de receptor AT1.

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dores da ECA, esses efeitos se acen-tuariam pelo acúmulo da Ang-(1-7)devido à redução de seu metabolismopor essa enzima. A possibilidade dainteração Ang-(1-7)-cininas estaratuante em humanos, tratados crônica-mente com inibidores da ECA, foirecentemente explorada33, porém, deforma equivocada. Os autores utiliza-ram doses supra-máximas de Ang-(1-7) e não utilizaram o antagonista sele-tivo de Ang-(1-7)34, ferramenta maisapropriada na condição dos pacientes,na qual os níveis de Ang-(1-7) já estãosabidamente elevados5,6,7. Um papelmodulador da Ang-(1-7) sobre a açãovasoconstritora da Ang II, em huma-nos, também foi recentemente des-crito35.

Efeitos renais do SRAO SRA tem um papel fundamental

na regulação do equilíbrio hidroele-trolítico, em várias situações fisioló-gicas e fisiopatológicas, principalmentepor meio de seus efeitos renais36.Dados recentes têm demonstrado queesses efeitos do SRA sobre o rim sãobastante complexos, envolvendo a par-ticipação de múltiplos mediadores queagem em vários tipos e subtipos dereceptores angiotensinérgicos. Oscomponentes do SRA modulam afunção renal atuando em nível vascular,glomerular e tubular, além de interagi-rem com outros mediadores.

Um dos mecanismos de ativaçãodo SRA se dá pelos estímulos quepromovem a liberação de renina, arma-zenada no aparelho justaglomerular.Os estímulos primários para a libe-ração de renina são a redução napressão de perfusão renal, a restriçãoà ingesta de sódio e a perda aumentadade sódio urinário. A liberação de reninaé regulada pelo grau de estiramentoda arteríola aferente do glomérulo.Sendo assim, a diminuição do estira-mento das células justaglomerulares

produziria hiperpolarização e quedadas concentrações de cálcio intra-celular, aumentando a liberação derenina37. É também importante o papelde sinais tubulares na liberação derenina. A redução da concentraçãode sódio tubular provoca inibição àliberação de renina, enquanto oaumento do sódio a estimula. A inibiçãoda secreção de renina é feita especial-mente por um feedback de alça curtapela angiotensina II (Ang II) intra-renal ou circulante1,37. Além disso, háum controle neural importante(receptores b-adrenérgicos) e umamodulação hormonal e local sobre aliberação de renina38. A prostaglandinaE2 e a prostaciclina exercem um efeitoestimulatório, enquanto a endotelina, avasopressina, o peptídeo atrial natriuré-tico e o óxido nítrico a inibem37.

Assim, em resposta a uma série deestímulos sistêmicos e locais, podeocorrer liberação de renina que resul-tará em formação de Ang II (e outrasangiotensinas) tanto circulante quantolocalmente4,5.

O SRA intra-renalDe forma similar ao que ocorre no

coração, existem vários estudos quemostram a presença de um SRA renalintrínseco, que participa da regulaçãoda hemodinâmica renal, do balançotúbulo-glomerular e da homeostase dosódio39. A renina, o angiotensinogênio,a ECA e os receptores angiotensi-nérgicos estão localizados em diversasporções do néfron. A expressão dessescomponentes pode ser modulada. Foiobservado, por exemplo, que o RNAmpara angiotensinogênio e para renina,no córtex renal, tem sua expressãomodulada conforme a ingestão desódio, aumentando em presença dedepleção deste íon40,41. Além disso,foram identificados oito peptídeosangiotensinérgicos em homogenato detecido renal42. Os níveis renais de Ang

I, Ang II, Ang-(1-7) e Ang-(1-9) forammaiores que os níveis circulantes42.Esses dados sugerem uma possívelparticipação local de outras angioten-sinas, sobretudo a Ang-(1-7), nas açõesrenais do SRA. Em relação aosreceptores angiotensinérgicos, váriosestudos têm mostrado a presença dereceptores AT1 em todo o rim,sobretudo no córtex medular43,44. Osreceptores AT2, embora menos abun-dantes em animais adultos, têm sidodetectados no glomérulo e em túbulosdistais45,46. Existem evidências de quea expressão desses receptores possavariar de acordo com o desenvolvi-mento e a maturação pós-natal dorim47. Para exemplificar, foram obser-vados níveis elevados de renina eaumento da expressão do gene para oreceptor AT1 em presença de cresci-mento renal acelerado48. Além dosreceptores AT1 e AT2, existem evidên-cias de que outras angiotensinas comoa Ang-(1-7) e a Ang IV se liguem areceptores específicos em nívelrenal5,6,49. Em resumo, assim como nocoração e nos vasos, o SRA exerceefeitos renais tanto através de seusmediadores circulantes quanto peloperfil local de seus componentes.

Ações renais daangiotensina II

Fisiologicamente, a Ang II age tantocomo um hormônio circulante quantoum componente ativo do SRA intra-renal, promovendo a retenção de sal eágua e, conseqüentemente, a manu-tenção do fluido extracelular50,51. Aprincipal ação da Ang II, em estadosde contração do volume do líquidoextracelular, é reduzir a excreção renalde sódio por meio de alterações nahemodinâmica renal, por ação diretasobre o túbulo proximal, aumentandoa reabsorção de sódio e por esteaumento nos tubúlos distal e coletor,mediado pela aldosterona, principal-

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mente50,51. Adicionalmente, a Ang IIpromove a liberação de vasopressina,aumenta a sede, o apetite por sal e aabsorção intestinal de sódio, que levamtambém a um aumento de volemia50.

Inicialmente, acreditava-se que asações sistêmicas da Ang II fossem osprincipais fatores responsáveis pelahomeostase do sódio. Entretanto, temsido demonstrada a importância deações diretas da Ang II sobre o rim,determinando seu efeito antinatriuré-tico50,51. Essas ações ocorrem emconcentrações relativamente baixasde Ang II (picomoles) quando compa-radas com as concentrações 10 a 100vezes maiores, que são necessáriaspara os efeitos extra-renais50.

As ações extra-renais da Ang IIcom reflexos diretos na função renal,incluem a estimulação do sistema ner-voso simpático e o aumento da libe-ração de aldosterona50. O efeito antina-triurético da Ang II pode ser mediado,em parte, pelo aumento de atividadeda inervação simpática sobre o rim,que determina uma vasoconstriçãorenal e, conseqüentemente, uma maiorreabsorção tubular de sódio50. A outraação extra-renal já bem conhecida é oestímulo à biossíntese de aldosteronapela camada glomerular da adrenal,determinando aumento da reabsorçãode sódio e água no néfron distal51.

Duas ações diretas da Ang II embaixas concentrações foram bem ca-racterizadas: vasoconstricção da arte-ríola eferente e aumento da reabsor-ção tubular de sódio.

Com relação à arteríola eferente, aAng II eleva significativamente suaresistência, alterando menos o tônusda arteríola aferente a não ser quehaja aumento da pressão de perfusãorenal51,52. A conseqüência desse au-mento desproporcional na resistênciada arteríola eferente em relação àaferente é uma elevação do gradientede pressão hidráulica transglomerular,resultando em maior pressão transca-pilar de ultrafiltração52. Esse efeito

predominante sobre a arteríola efe-rente faz com que o ritmo de filtraçãoglomerular (RFG) seja mantidoconstante pelo aumento da fração defiltração, principalmente quando háqueda da pressão de perfusão renal53.No entanto, alguns estudos experi-mentais mais recentes mostram que aAng II determina vasoconstrição si-milar em ambas arteríolas, com discretopredomínio do efeito sobre a eferente54.Não está bem definido ainda qual osignificado dessas ações in vivo, poisa Ang II estimula a liberação de váriassubstâncias vasoativas que podemmodular o tônus das arteríolas emnível pré e pós-glomerular54. A Ang IIpromove a liberação de substânciasvasodilatadoras tais como o óxidonítrico (NO) e metabólitos do ácidoaracdônico (PGE2, PGI2 e ácido epo-xieicosatrienóico) que contrarregulamseus efeitos vasoconstritores54. Algunsestudos sugerem que o NO atue predo-minantemente sobre a arteríola aferen-te, atenuando significativamente avasoconstrição determinada pela AngII, contribuindo para o aumento dafração de filtração55. Além dessassubstâncias vasodilatadoras, a Ang IIaumenta a expressão gênica, a síntesee a liberação de endotelina 1 (ET-1),que é um potente vasoconstritor56.Assim sendo, os efeitos da Ang IIsobre a hemodinâmica renal sãobastante complexos e podem ser modu-lados por fatores parácrinos e autó-crinos54.

Além desse efeito vascular, a AngII exerce grande influência sobre otônus da região mesangial do glo-mérulo. A Ang II promove contraçãodas células mesangiais, determinandoredução do coeficiente de ultrafil-tração dos capilares glomerulares(Kf)3. Esse efeito sobre o Kf é atenua-do pela ação vasodilatadora de prosta-glandinas, cuja produção é estimuladatambém pela Ang II54. Assim sendo, oresultado final desses efeitos da AngII é um RFG relativamente constante

a despeito de alterações hemodinâ-micas sistêmicas.

A segunda ação direta da Ang IIsobre o rim se dá em nível do túbuloproximal. Utilizando técnicas de mi-cropunção e microperfusão renal, foiobservado que a Ang II, possui umefeito bimodal sobre o transporte desódio no túbulo proximal. A Ang II, emconcentrações de 1 pM a 100 pM,estimula significativamente a reabsor-ção tubular de sódio. No entanto, emconcentrações mais elevadas, daordem de 0,1 µM a 1 µM, a Ang IIinibe esse transporte de sódio57. Váriosestudos sugerem que, em concen-trações fisiológicas (1 pM a 100 pM),a Ang II promove a reabsorção tubularproximal de bicarbonato de sódio pormeio ativação do trocador Na+-H+ 58.A Ang II também estimula o trocadorNa+-H+ no néfron distal bem como aH+-ATPase, participando da regulaçãoda acidificação urinária58. Dessaforma, a Ang II, além de possuir açãoantinatriurética, também atua regu-lando a excreção renal de ácidos.

Outro mecanismo pelo qual a AngII promove aumento na reabsorçãotubular de sódio é decorrente de seusefeitos sobre a hemodinâmica renal54.A Ang II produz diminuição do fluxosanguíneo medular renal e aumentoda osmolalidade do interstício medular,tanto pela vasoconstrição da arteríolaeferente quanto por sua ação diretasobre a vasa recta54. A osmolalidadeaumentada do interstício medular podeaumentar a capacidade do rim emconcentrar a urina, favorecendo areabsorção passiva de sódio e água nosegmento fino ascendente da alça deHenle51-54.

Em contraste com seus efeitos anti-natriuréticos, a Ang II produz natriu-rese quando infundida em concen-trações suprafisiológicas capazes deelevarem a pressão arterial mé-dia27,36,51. Esse efeito natriurético daAng II é principalmente causado porum aumento da pressão de perfusão

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renal e, adicionalmente, por açãoinibitória direta sobre a reabsorçãotubular proximal. Esse efeito, denomi-nado natriurese induzida pela pressão,parece envolver alterações peritubu-lares nas forças de Starling ou naspressões intersticiais, aumentando ofluxo retrógrado de fluidos para o lúmentubular36,59. Esse efeito natriuréticofunciona como um sistema de feedbacknegativo que atua sobre a retenção desódio produzida pela Ang II36,59. Arelevância fisiológica desse mecanismoé ilustrada pela observação de quequando se impede artificialmente aelevação da pressão de perfusão renaldurante a infusão de Ang II, ocorre umaumento contínuo da reabsorção desódio, produzindo-se edema agudo depulmão. Esse quadro é revertido pelaelevação da pressão de perfusão renalcom conseqüente natriurese produzidapela infusão de Ang II59. Dessa forma,o efeito final de diferentes níveis deAng II sobre a excreção de sódio eágua depende criticamente de umequilíbrio entre ações antinatriuréticase natriuréticas relacionadas à pressãode perfusão renal.

À semelhança do que ocorre nosistema cardiovascular, em nível renal,a Ang II também participa de meca-nismos fisiopatológicos envolvidos emdiversos tipos de glomeruloesclerose,por meio do estímulo à fibrogênese, àhipertrofia de células mesangiais e aocrescimento celular3. A Ang II influen-cia o crescimento de células mesan-giais e a síntese de vários componentesda matrix extracelular pela ativaçãode receptores AT1. Esse efeito é poten-ciado pela presença de insulina e pare-ce estar envolvido na progressão danefropatia diabética. Atuando sobreas células mesangiais, a Ang II esti-mula a síntese de endotelina, fator decrescimento derivado de plaquetas einterleucina 6, os quais promovem proli-feração dessas células54. No entanto,os efeitos da Ang II são mais pronun-ciados sobre a síntese protéica que

sobre a proliferação de células mesan-giais. A Ang II estimula a transcriçãoe a biossíntese do colágeno tipo I,fibronectina e biglycan, via ativaçãode receptores AT1

3. Esses efeitosparecem ser mediados pela estimu-lação ao TGF-b60. A importância des-sas ações proliferativas e mitogênicasda Ang II sobre o rim vem sendoconfirmada pelos efeitos benéficosobtidos com o bloqueio farmacológicodo SRA15. Tanto os inibidores da ECAquanto, mais recentemente, os anta-gonistas de receptores AT1 mostra-ram-se capazes de diminuir a pro-teinúria, retardar a glomeruloesclerosee prolongar a sobrevida de néfronsremanescentes em patologias, como anefropatia diabética15. Para exem-plificar, foi observado que o tratamentode ratos hipertensos sensíveis ao sal(DOCA) com antagonistas dereceptores AT1 (candesartan – 1 mg/kg/dia) ou inibidores da ECA (enalapril– 10 mg/kg/dia), em doses incapazesde reduzir a pressão arterial, produziu,de modo similar, redução significativana excreção urinária de proteína einduziu melhora histológica das lesõesrenais, associada à diminuição dosníveis de TGF-β, fibronectina, laminimae colágeno61. Vários modelos experi-mentais de lesão como a nefrectomiasubtotal, glomerulonefrites e a nefro-patia por ciclosporina A têm tambémmostrado que a Ang II promove glo-meruloesclerose em parte por meca-nismo de up-regulation do TGF-β eesse efeito é bloqueado parcialmentepelo uso de inibidores da ECA ou deantagonistas de receptores AT1

62.

Receptoresangiotensinérgicos renais

Até recentemente, a maior partedas ações renais da Ang II era atribuídaexclusivamente à ativação de recepto-res AT1 acoplados a diferentes viasde transdução de sinais, incluindo a

ativação de fosfolipases C e A2, ainibição da adenilatociclase, a aberturade canais de cálcio e a ativação detirosina quinases3,63. Estudos deimunoistoquímica demonstraram apresença de receptores AT1 nasuperfície luminal das células tubularesproximais e distais, no músculo lisodas arteríolas aferente e eferente enas células mesangiais do glomérulo64.Existem evidências de que no túbuloproximal a Ang II se acople a umaproteína G inibitória sensível à toxinapertussis, reduzindo a atividade daadenilato-ciclase e promovendoacúmulo de AMP cíclico, com conse-qüente reabsorção de bicarbonato desódio3,63,51. Adicionalmente, a ativaçãoda fosfolipase A2 com subseqüentemetabolização do ácido aracdônicoparece mediar o efeito natriurético daAng II, agindo em receptores luminais.A ativação da fosfolipase C é respon-sável por mediar os efeitos da Ang IIsobre a hemodinâmica renal63.

Apesar da evidente relevância fisio-lógica dos receptores AT1, recente-mente, têm sido detectados importantesefeitos renais da Ang II mediados porreceptores AT2

3,65. O papel fisiológicodos receptores AT2 demorou a serestabelecido pelo fato de serem menosabundantes que os receptores AT1 emais freqüentes no período fetal3,65.Os receptores AT2 parecem antago-nizar alguns efeitos renais mediadospor receptores AT1. Dessa forma, oestímulo aos receptores AT2 produzvasodilatação e natriurese, além deinibir a proliferação e promover a di-ferenciação celular3,65. Esses efeitosdo receptor AT2 ocorrem por viasautócrinas, envolvendo a liberação debradicinina, NO e GMP cíclico65.Dessa forma, o receptor AT2 pareceter um papel de contra-regulador sobreos efeitos pressores e antinatriuréticosmediados pelo receptor AT1

65.Finalmente, vale ressaltar que tanto

os receptores AT1 quanto os recepto-res AT2 podem ser estimulados por

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outros mediadores do SRA, porémcom menor afinidade de ligação doque a Ang II3. Por exemplo, a Ang IVe a Ang-(1-7) se ligam fracamente aesses receptores e existem diversasevidências de agirem em receptoresespecíficos.3 Sendo assim, as açõesrenais do SRA irão variar conforme oenvolvimento de diversos mediadores,múltiplos receptores e interaçõesvariáveis com outros sistemas/substâncias reguladores.

Ações renais daangiotensina-(1-7)

Dentre os possíveis mediadores doSRA, a Ang-(1-7) é particularmenteinteressante devido à sua seletividade,atribuída à ausência do aminoácidofenilalanina (Phe) na posição C-termi-nal1, e o fato de sua formação ocorrerindependentemente da ECA5,6. Acre-ditava-se, a princípio, que a presençade Phe na posição 8 da molécula eraessencial para desencadear respostasbiológicas e, conseqüentemente, queos fragmentos aminoterminais da AngII eram metabólitos inertes de suadegradação66. A importância da fenila-lanina na posição C-terminal pode serilustrada pela ausência dos efeitospressor e dipsogênico, após a adminis-tração periférica ou intracérebroven-tricular de Ang-(1-7)5.

Várias rotas enzimáticas podemestar envolvidas na formação de Ang-

(1-7)5,6. É interessante ressaltar que aAng-(1-7) é degradada em Ang-(1-5)por ação da ECA6, o que tambémexplica o aumento de sua concen-tração plasmática e tecidual com otratamento com inibidores da ECA5,6.

Dentre as ações biológicas maisrelevantes da Ang-(1-7) identificadasaté o momento, várias se referem aocontrole do equilíbrio hidroeletrolítico.De forma sintética, observou-se que aAng-(1-7) encontra-se presente emregiões do SNC (núcleos supra-ópticose paraventriculares) envolvidas nocontrole da osmolaridade e volemia,promove a liberação de vasopressinain vitro, apresenta atividade antidiuré-tica potente em ratos submetidos àsobrecarga hídrica, aumenta a reab-sorção de água em túbulos proximaise ductos coletores intramedulares eproduz natriurese em animais anes-tesiados submetidos à desnervaçãorenal49,67. A ação antidiurética in vivoda Ang-(1-7) não foi bloqueada porum antagonista de receptores V2 davasopressina, em dose capaz de abolira antidiurese produzida pela adminis-tração de vasopressina49. Dadosadicionais indicam que a ação antidiu-rética da Ang-(1-7) pode ser moduladapor prostaglandinas, havendo poten-ciação da antidiurese em ratos subme-tidos à diurese hídrica pré-tratadoscom indometacina49. Em estudos invitro, utilizando rim isolado de rato, foiobservado um efeito natriurético após

a administração de Ang-(1-7)68. Handaet al. (1996)69 também observaramaumento da excreção de sódio e águaapós administração intrarrenal de Ang-(1-7) em ratos repletos de sódio, anes-tesiados e com rins denervados. Adi-cionalmente, Andreatta-Van Leyenet al. (1993)70 mostraram um efeitoinibitório da Ang-(1-7) no transportede sódio em cultura de células doepitélio renal. Uma avaliação maisdireta dos efeitos da Ang-(1-7) nafunção renal, feita pela administraçãode seu antagonista seletivo, [D-Ala7]-Ang-(1-7) (A-779)34, sugere que essepeptídeo tenha predominantementeação antidiurética e antinatriuré-tica49,67. O efeito diurético agudo doA-779 foi associado a aumento doRFG e redução da osmolalidade uriná-ria49,67. O conjunto desses dados su-gere que a Ang-(1-7) pode, assimcomo a Ang II, ter ação natriuréticaou antinatriurética dependendo dascondições experimentais. O papeldessa angiotensina, na função renalhumana, ainda não foi investigado.

Em resumo, o SRA tem impor-tantes ações cardiovasculares e renaismediadas pela Ang II e outras angioten-sinas atuando em múltiplos receptores.A abordagem clínico-experimental damultiplicidade de mediadores e recep-tores do SRA poderá abrir novas pers-pectivas terapêuticas para o trata-mento de doenças cardiovasculares erenais.

Santos RAS, Fagundes-Moura CR, Silva ACS Rev Bras Hipertens vol 7(3): julho/setembro de 2000

Abstract

The renin-angiotensin system (RAS) is considered oneof the most important regulatory systems for cardiovascularhomeostasis. The influence of the RAS on renal andcardiovascular functions is extremely complex involving

Keywords: Angiotensin II; Angiotensin-(1-7); Hypertension; Kidney; Heart hypertrophy; Renin-angiotensin system.

Rev Bras Hipertens 3: 227-36, 2000

multiple targets, mediators and receptors. In addition, theregulatory action of the RAS are mediated by a variety ofintracellular signal transduction cascades. In this briefreview we will focus on the multiple cardiovascular andrenal effects of the RAS with emphasis on angiotensin II,the major hemodynamic effector of this system.

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