efeito pró-inflamatório de uma lectina purificada da esponja
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I
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE
Efeito pró-inflamatório de uma lectina
purificada da esponja marinha Cliona varians
ALEXANDRE FLÁVIO SILVA DE QUEIROZ
Natal / RN
2008
III
ALEXANDRE FLÁVIO SILVA DE QUEIROZ
Efeito pró-inflamatório de CVL, uma lectina
purificada da esponja marinha Cliona varians
Tese a ser apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Saúde da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte como requisito para obtenção do
título de Doutor em Ciências da Saúde.
Orientador: Prof. Dr. Maurício Pereira de Sales
Natal / RN
2008
IV
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE
Efeito pró-inflamatório de uma lectina
purificada da esponja marinha Cliona varians
ALEXANDRE FLÁVIO SILVA DE QUEIROZ
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde
Prof. Dr. Aldo da Cunha Medeiros
Natal / RN
2008
V
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE
Efeito pró-inflamatório de uma lectina
purificada da esponja marinha Cliona varians
Presidente da Banca: Prof. Dr. Maurício Pereira de Sales (UFRN)
Banca Examinadora: Prof. Dr. Maurício Pereira de Sales (UFRN)
Profª. Dra. Edda Lisboa Leite (UFRN)
Prof. Dr. Elizeu Antunes dos Santos (UFRN)
Profª. Dra. Patrícia Maria Guedes Paiva (UFPE)
Proª Dra. Sumika Kiyota (USP)
Natal / RN
2008
VI
Dedico este trabalho a Instituição que foi
responsável por quase toda minha
formação acadêmica, que tenho como
minha casa e que sempre a defenderei
intransigentemente. A Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, meu muito
obrigado.
VII
AGRADECIMENTOS
Meu agradecimento inicial vai ao Prof. Dr. Maurício Pereira de Sales, meu orientador e amigo. Agradeço pela determinação com que conduz suas pesquisas, pela amizade, pelos ensinamentos e pelo exemplo de competência e visão institucional na sua atuação como docente da UFRN;
Aos amigos do Laboratório e membros da confraria, Raniere Moura, Fabiano Teixeira, Carlos Gomes e Ivan Rui, agradeço a amizade e cumplicidade em todos os momentos em que convivemos;
Agradeço a Raniere Moura por ter iniciado os estudos com a Cliona varians o que me permitiu dar continuidade aos estudos e resultando na presente tese;
Agradeço as Professoras Carmem Veríssima e Gizele Zenker pela oportunidade que me deram em trabalhar ao lado de tão competentes e simpáticas pessoas na Universidade de Campinas;
Ao Prof. Elizeu Santos agradeço o apoio, colaboração e tão preciosas sugestões para esse trabalho;
Ao Prof. Ronaldo Amaral, pelo apoio junto à chefia do Departamento de Biofísica e Farmacologia;
Aos alunos de Biomedicina Renato Cesar, Cristina e Juliana pela ajuda nos ensaios iniciais como alunos de iniciação científica;
Aos alunos de Biomedicina, Ibson e Jannison pela ajuda com os ensaios de inflamação em camundongo;
Aos demais componentes e amigos do LQFPB: Adeliana, Kátia Anaya, Ticiane, Gioconda, Norberto, Ana Celi e Cleysyvan pela amizade e boa convivência;
Ao Departamento de Bioquímica na pessoa do seu Chefe, Prof. Luiz Abreu por permitir a realização desse trabalho utilizando toda a infra-estrutura do departamento.
Ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde por viabilizar a realização do meu curso de doutorado.
VIII
RESUMO
A lectina denominada CvL, com especificidade para D-galactose e sacarose foi
purificada da esponja marinha Cliona varians através de fracionamento com acetona
seguido por cromatografia de afinidade em Sepharose CL 4B. No presente trabalho, foi
estudada a atividade inflamatória de CvL in vivo através dos modelos de edema de pata
e migração de leucócitos em peritonite induzida em camundongos. Foram analisados
os efeitos de carboidratos na inibição da peritonite, o efeito da lectina na ativação de
macrófagos e o efeito de antiinflamatórios no modelo de peritonite provocada pela CvL.
Os resultados mostraram que o edema de pata induzido pela CvL foi dose dependente
até 50 μg/pata. Essa mesma dose quando administrada na cavidade peritoneal, foi
capaz de induzir migração celular (9.283 células/μL) com pico em 24 horas após a
administração. Este efeito foi inibido quando a CvL foi previamente incubada com os
carboidratos D-galactose e sacarose. O pré-tratamento dos camundongos com 3% de
tioglicolato aumentou a população de macrófagos em 2,3 vezes o que provocou o
aumento da migração de neutrófilos em 75,58% (p<0,0001) após 24 horas da injeção
da CvL. No entanto, com a injeção de fMLP não foi observado nenhum efeito
significativo. O pré-tratamento dos camundongos com dexametasona (corticóide
antagonista de citocinas) reduziu a migração de neutrófilos em 65,6% (p<0,001), com
diclofenaco ( antiinflamatório não esteróide não seletivo) reduziu em 34,5% (p<0,001) e
com Celecoxibe (antiinflamatório não esteróide seletivo) não apresentou efeito. Os
resultados do presente trabalho são indicativos de que a CvL possui atividade pró-
inflamatória, induzindo a migração de neutrófilos, provavelmente através da indução da
liberação de citocinas quimiotácticas na ativação de macrófagos residentes no
peritônio.
IX
SUMÁRIO
�AGRADECIMENTOS .................................................................................................................... VII RESUMO ......................................................................................................................................VIII
LISTA DE ABREVIATURAS ...........................................................................................................X LISTA DE FIGURAS ...................................................................................................................... XI
1. INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................1
2. REVISÃO DA LITERATURA .....................................................................................................3 3. MATERIAL E MÉTODOS ........................................................................................................17
4. RESULTADOS .........................................................................................................................23 5. DISCUSSÃO.............................................................................................................................30
6. CONCLUSÕES ........................................................................................................................34 7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .............................................................................................35
8. ABSTRACT...............................................................................................................................48
X
LISTA DE ABREVIATURAS
Con A - Concanavalina A CRP - Proteína C Reativa CvL - Cliona varians Lectin DRC - Dominio de reconhecimento a carboidratos EDTA - Ácido etileno diamino tetra acético fMLP - formil-Metil-Leuil-fenilalanina IL - Interleucina kDa - Kilodalton LsL - - Litopenaeus setiferus Lectin M - Molar mM - Milimolar nM - Nanomolar p/v - Peso / volume SAP - componentes P amilóide do soro
SDS-PAGE - -
Eletroforese em Gel de poliacrilamida com dodecil sulfato de sódio
tg - Tioglicolato TNF-α - Fator de necrose tumoral UI - Unidades Internacionais
XI
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Tipos de galectinas
FIGURA 2: Estrutura das esponjas
FIGURA 3: Imagem de Cliona varians
FIGURA 4: Edema de pata em camundongo induzido por CvL
FIGURA 5: Efeito da CvL na migração de células para a cavidade peritoneal de
camundongos
FIGURA 6: Efeito inibitório de carboidratos na migração neutrofílica induzida por CvL na
cavidade peritoneal de camundongos
FIGURA 7: Análise da participação de macrófagos na migração neutrofílica induzida por CvL
FIGURA 8: Efeito de drogas antiinflamatórias na migração de neutrófilos para a cavidade
peritoneal de camundongos induzida por CvL
1
1. INTRODUÇÃO
A esponja Cliona varians (Demospongiae: Spirastrellidae) foi identificada inicialmente
na costa atlântica do Caribe e classificada por Duchassaing e Michelotti no ano de 1864.
Está distribuída de forma endêmica em toda costa americana tropical Atlântica (1). Sua cor
externa é marrom e a interna entre o cinza e o amarelo. Pode exibir três formas distintas, a
forma varians que se apresenta ramificada e é tipicamente encontrada em lagunas rasas,
recobrindo pequenas áreas de substrato com alguns ramos atingindo aproximadamente 40
cm na coluna d’água (2). As formas rigida e incrustans ocorrem simultaneamente,
apresentam-se irregularmente espalhadas e penetrando o substrato (2). As formas rígida e
incrustans ocorrem sempre em áreas com abundância de predadores e/ou correntes
intensas como as zonas de arrebentação e entre marés (3). Estas duas formas conferem
proteção contra os predadores e resistência às correntes e movimentos de marés (4). Na
forma incrustans a Cliona varians geralmente recobre vários metros do substrato rochoso
formando uma camada superficial que pode variar de 0,5 a 10 cm de espessura, mas
penetra apenas cerca de 1,5 a 2 cm abaixo da superfície, escavando câmaras e galerias que
são completamente preenchidas com tecido amarelo escuro (5).
Recentemente, nosso grupo de pesquisa purificou e caracterizou uma lectina da
esponja marinha Cliona varians, denominada CvL. Esta apresentou dependência pelo íon
cálcio, especificidade pelos carboidratos galactose e sacarose, efeito tóxico contra bactérias
Gram positivas, como Bacillus subtilis e Staphylococcus aureus e a capacidade de aglutinar
formas promastigotas de Leishmania chagasi (6).
Várias lectinas, especialmente as de origem vegetal demonstraram habilidade em
ativar células do sistema imune de mamíferos, especialmente aquelas com especificidade
para monossacarídeos como a D-galactose e a D-manose (7-9). Por exemplo, Lectinas de
Pisum sativum, Dioclea grandiflora, Glycine max, Vatairea macrocarpa, Artocarpus
2
intergrifolia, Artocarpus incisa e Talisia esculenta foram hábeis em induzir a migração de
neutrófilos e células mononucleares in vivo e in vitro em modelos de inflamação usando
camundongos e ratos (7-14).
No presente trabalho, nós relatamos, pela primeira vez na literatura, o efeito pró-
inflamatório de uma lectina inibida por D-galactose/sacarose purificada da esponja marinha
Cliona varians (CvL). O objetivo do presente trabalho foi purificar a CvL e investigar o efeito
dessa lectina em mamíferos, usando camundongos nos modelos de inflamação. Para isso
foi necessário avaliar a ação da CvL na formação de edema de pata nos camundongos,
avaliar o efeito da CvL na migração de leucócitos in vivo através do modelo experimental de
peritonite, investigar a participação da CvL na indução de macrófagos e a possível via
mediadora da migração de neutrófilos.
3
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Considerações Gerais sobre Lectinas
As lectinas foram descobertas por S. Weir Mitchell, em 1860, no veneno da
cascavel Crotalus durissus e por Hermann Stillmark, em 1888, quando observou que
extratos das sementes de Ricinus comunis, , possuíam um fator proteináceo denominado
por ele de ricina, que aglutinavam eritrócitos de diferentes animais, de forma seletiva (15).
Este fato tem sido considerado o marco inicial da pesquisa de lectinas (16). Posteriormente
verificou-se atividade hemaglutinante em extratos de plantas não tóxicas como o feijão
(Phaseolus vulgaris), as lentilhas Pisum sativum e Lens culinaris (17).
Em 1936, Sumner e Howell (18) conseguiram inibir a hemaglutinação
produzida pela Concanavalina A (Con A) da Canavalia ensiformis através da adição de
glicose. Este estudo foi de fundamental importância para o estudo das lectinas, pois
possibilitou aos autores sugerirem que a Con A interagia com carboidratos presentes na
superfície dos eritrócitos, revelando assim a principal característica das lectinas, ou seja, a
afinidade por carboidratos.
Embora muitas lectinas reconheçam e se liguem a açúcares simples, tais
como, glicose, manose, galactose, N-acetilgalactosamina, N-acetilglucosamina ou fucose,
algumas mostram afinidade muito maior para com os constituintes de glicoproteínas
encontradas apenas em animais que contém cadeias de glicanos como ácido siálico e N-
acetilgalactosamina,. (19, 20).
Até 1935 não se sabia que as lectinas poderiam apresentar especificidades
para diferentes grupos sanguíneos do sistema ABO. Foi então que se observou que a lectina
da enguia Anguilla japonica, aglutinava preferencialmente eritrócitos do grupo O. Extratos de
Vicia cracca e as lectinas de Phaseolus limensis possuíam seletividade pelo grupo A (21,
22).
4
Somente em 1954, Boyd e Shapleigh (23) utilizaram pela primeira vez o termo
lectina (do latim “legere” que significa selecionar, escolher) para enfatizar a habilidade de
algumas hemaglutininas em diferenciar as células sanguíneas do sistema ABO. Em 1980,
Goldstein (24) definiu as lectinas como proteínas de origem não imune, capazes de se ligar
reversivelmente a carboidratos e de aglutinar células ou precipitar polissacarídeos e
glicoconjugados. Em 1998, Lis e Sharon (25) definiram lectinas como proteínas ou
glicoproteínas de origem não-imune, com um ou mais sítios por subunidade, que podem
ligar-se reversivelmente a segmentos glicídicos específicos através de pontes de hidrogênio
e interações de Van Der Waals. Atualmente, o termo lectina é superior ao de hemaglutininas
e é amplamente empregado para designar todas as proteínas que possuem ao menos um
domínio não-catalítico, que se liga reversivelmente e especificamente a mono ou
oligossacarídeos ou a glicoconjugados (26, 27).
Em 1995, Peumans e Van Damme (26) propuseram a seguinte classificação
para as lectinas: As Merolectinas que são proteínas de pequeno tamanho e que possuem
um único domínio de ligação a carboidratos sendo, portanto, incapazes de aglutinar células;
As Hololectinas possuem, no mínimo, dois domínios idênticos ou bastante similares que se
ligam ao mesmo carboidrato ou a açúcares de estrutura similar. As hololectinas são o grupo
mais estudado de lectinas da atualidade e são capazes de aglutinar células e precipitar
glicoconjugados; As Quimerolectinas são moléculas que possuem um ou mais domínio
ligantes a carboidratos e um outro domínio que possui outra atividade biológica, catalítica ou
não e independente do domínio ligante a carboidrato. Em 1998, Van Damme e
colaboradores sugeriram a existência de um quarto grupo, o das Superlectinas, que seriam
proteínas de natureza quimérica que consistem de, no mínimo, dois domínios ligantes a
carboidratos, que são estruturalmente diferentes e reconhecem carboidratos distintos.
5
2.2 Classificação das Lectinas Animais
Segundo KILPATRICK (2002) (28), as lectinas animais são classificadas de acordo
com a homologia de suas estruturas primárias em diversos grupos e famílias. Dessa forma,
já foram mencionadas cerca de pelo menos 10 famílias de lectinas pertencentes ao reino
animal: Tipo-S, Tipo-I, Tipo-P, Tipo-L, Anexinas, Calreticulinas/Calnexinas, Discoidinas,
Eglectinas, Eel aglutininas, Tipo fibrinogênio, Pentraxinas, além das galectinas e lectinas do
Tipo-C, que compreendem as duas maiores famílias de lectinas do referido reino.
2.2.1 Tipo C
A família das lectinas do tipo C é constituída por lectinas dependentes de Ca2+ (28).
Apresenta grande diversidade quanto à estrutura, localização celular e especificidade com o
açúcar, mas um elevado nível de conservação na estrutura dos seus domínios de
reconhecimento a carboidratos (DRC) que geralmente é composto por 120 resíduos de
aminoácidos (29). Os DRCs das lectinas tipo-C encontram-se incorporados em variados
contextos de organização molecular, o que permite classificá-las em duas categorias: as
lectinas do tipo-C solúveis (ex. colectinas) e as lectinas do tipo-C transmembrana como, por
exemplo, as selectinas. Estas lectinas formam uma família de glicoproteínas dependentes de
cátions divalentes, que se ligam a carboidratos fucosilados. A sub-família das selectinas
inclui três membros: selectina endotelial (E-selectina), selectina de leucócito (L-selectina) e
selectina de plaqueta (P-selectina). Todas possuem domínios extracelulares com motivos de
reconhecimento de carboidratos e um motivo de reconhecimento tipo fator de crescimento
epidermal, possuindo ainda, um número pequeno de domínios repetidos, relacionados a
proteínas regulatórias do complemento (28). Os membros da família das selectinas estão
intimamente evolvidos no processo de adesão de leucócitos à parede do endotélio. Essa
adesão é iniciada por fracas interações, que permite o rolamento do leucócito na superfície
do endotélio. Mediando esse processo inicial estão envolvidas a P-selectina e a L-selectina e
6
depois, interações mais fortes são estabelecidas pela E-selectina, o que proporciona a
diapedese dos leucócitos para o tecido linfóide e sítios inflamatórios subjacentes.
2.2.2 Galectinas
As galectinas formam uma família altamente conservada de lectinas animais que se
ligam a ß-galactosídeos (30). Sua atividade independe de íons metálicos, não apresentam
pontes dissulfeto e glicosilações. As galectinas têm sido mencionadas em várias funções
essenciais, entre elas, desenvolvimento, diferenciação, adesão célula-célula, interação
célula matriz, regulação do crescimento, apoptose e metástase tumoral. Elas podem ser
encontradas no núcleo ou acumuladas em sítios citosólicos (31). Cada membro da família de
galectinas contém no mínimo um domínio com cerca de 130 aminoácidos, que é
responsável pela ligação com o carboidrato (DRC). De acordo com sua estrutura, as
galectinas foram classificadas em proto (domínios idênticos), quimera (um domínio de
galectina e um domínio não lectínico) e tandem (dois domínios distintos) (figura 1) (32).
Figura 1 Tipos de Galectinas Adaptada do site: www.glycoforum.gr.jp/science/word/lectin/LE_E.html Acesso em 04/12/2007.
7
2.2.3 Tipo I
As lectinas do tipo I formam um grupo de moléculas protéicas, proposto por POWELL
& VARKI, em 1995 (33), pertencentes à superfamília das imunoglobulinas devido à sua
similaridade estrutural com as imunoglobulinas. Dentre as lectinas do tipo I, destacam-se as
Siglecs que reconhecem especificamente o ácido siálico, derivado de monossacarídeo
encontrado em abundância na superfície das células (34).
2.2.4 Tipo P
As lectinas do tipo P caracterizam-se por possuírem DRCs com afinidade para
manose-6-fosfato. Dois tipos de receptores intracelulares reconhecem resíduos de manose-
6-fosfato em oligossacarídeos de hidrolases, direcionando-os do complexo de Golgi para os
lisossomos (35).
2.2.5 Eglectinas
As eglectinas foram purificadas e caracterizadas dos grânulos corticais em ovos do
anfíbio Xenopus laevis por Chang e colaboradores, em 2004 (36). Essas lectinas são cálcio
dependente, N-glicosiladas, apresentam domínio de fibrinogênio e especificidade para
galactose. Suas possíveis funções são a participação na formação e fertilização dos ovos,
estimulação da fagocitose e inibição da polispermia. Com base na estrutura conservada do
sítio de ligação a carboidratos, lectinas de vários animais, desde ascídia ao vertebrado
superior, foram reunidas nesta família (36, 37).
8
2.2.6 Discoidinas
As Discoidinas foram isoladas do muco celular da ameba Dictyostelium discoideum e
apresentaram afinidade para oligossacarídeos com resíduos de galactose. Duas espécies de
discoidinas I e II são potentes hemaglutininas com composição aminoacídica similar e, com
subunidades de massas moleculares relativas variando entre 26-36,5 kDa e 24-27 kDa para
as discoidinas I e II, respectivamente. Além disso, essas subunidades apresentam afinidade
por carboidratos distintos. Embora sua função fisiológica ainda não seja totalmente
esclarecida, há indicações de sua participação nos processos de adesão celular e ao
substrato (38, 39).
2.2.7 Pentraxinas
As Pentraxinas são um grupo de lectinas plasmáticas que incluem a proteína C
reativa (CRP) e componentes P amilóide do soro (SAP) (40). Elas são moléculas compostas
por subunidades protéicas, arranjadas em ciclo e em uma simetria pentamérica (41) que se
ligam a múltiplos ligantes de forma cálcio dependentes (42). As pentraxinas possuem
múltiplas funções biológicas, incluindo ativação do sistema complemento e estimulação da
fagocitose pelos macrófagos (43).
2.2.8 Anexinas
As anexinas compreendem uma família de proteínas com a capacidade de se ligar ao
Ca2+ e fosfolipídios. Apresentam uma massa molecular variando entre 30 e 40 kDa (exceto
anexina VI que possui 66 kDa). A região N-terminal apresenta uma grande diversidade em
seqüência e comprimento, variando entre 11 a 196 resíduos. Contudo, a região C-terminal
apresenta elevada conservação estrutural, constituída de quatro domínios em α-hélice com
70 resíduos aminoacídicos com alto grau de conservação (exceto a anexina VI que possui
oito domínios). Os sítios de ligação para o Ca+2 e os fosfolipídios encontram-se na região C-
terminal (44).
9
A primeira evidência de atividade lectínica foi observada na anexina IV, que apresenta
um motivo de ligação para sialoglicoproteínas e glicosaminoglicanos (45).
Há ainda, muitas lectinas que não se encontram agrupadas dentro das várias famílias
de lectinas já estabelecidas, por não possuírem homologia em suas seqüências, por
exemplo: interleucinas, citocinas, dentre outras. Futuros conhecimentos acerca de suas
estruturas e propriedades bioquímicas, possivelmente, permitirão o enquadramento dessas
lectinas em famílias preestabelecidas, ou formarão novas famílias de lectinas (28, 37).
2.3 Distribuição nos organismos
Abundantes na natureza, as lectinas são encontradas em quase todos os organismos,
sendo amplamente distribuídas entre vegetais, vírus, bactérias, mamíferos e vários grupos
de invertebrados (28, 46). Em 1998, PEUMANS e VAN DAMME (47) estudaram os relatos
de ocorrência de lectinas em plantas superiores e observaram que estas proteínas já haviam
sido detectadas em cerca de 500 espécies. Muitas das lectinas vegetais são encontradas
nas sementes, embora sua presença já tenha sido observada em todos os tipos de tecidos
vegetativos, como casca, folhas, caule, frutos e raízes. As lectinas de sementes de
leguminosas representam o grupo destas proteínas vegetais mais bem estudados, com mais
de 100 representantes isolados e caracterizados (48).
Em bactérias, protozoários e vírus, a ocorrência de lectinas parece desempenhar o
papel de auxiliar e/ou promover a adesão destes microorganismos às estruturas celulares
onde são encontrados (25). Em um trabalho desenvolvido em 1992, por GLICK e
colaboradores (49) na infecção causada pelo vírus da influenza, foi constatado que o
processo de adesão viral à célula alvo era mediado por uma lectina que se liga a resíduos
de ácido siálico presente na face externa da superfície celular. Na bactéria da espécie
Pseudomonas aeruginosa foi isolada uma lectina que se liga à superfície das células do
hospedeiro, causando danos aos tecidos de pacientes infectados (50).
10
Nos animais vertebrados distinguem-se duas categorias de lectinas: as
citoplasmáticas, que são extraídas com soluções aquosas e salinas e as lectinas de
membrana que requerem o uso de detergentes para sua solubilização (51). Dessa forma, já
foram detectadas lectinas do cordão umbilical humano (52), em veneno de cobras (53), em
ovos de peixes teleósteos (54) e em soro do peixe Salmo salar (55). No ano de 1974,
STOCKERT e colaboradores (56) descreveram uma aglutinina do fígado de coelho, que
aglutinava eritrócitos humanos. Essa lectina ficou conhecida como a primeira lectina isolada
de mamífero. Embora as lectinas presentes nos animais apresentem uma incontestável
variedade de funções, a maioria delas pode ser considerada, em termos gerais, como
moléculas de reconhecimento, uma vez que agem no processo de defesa contra patógenos
e participam do tráfico celular (28). Além disso, as lectinas podem promover estimulação
mitogênica de linfócitos e aglutinação de células neoplásicas (57, 58).
2.4 Lectinas de invertebrados: Distribuição e Funções
Os invertebrados não possuem um sistema imune adaptativo baseado na magnitude
de anticorpos altamente específicos e receptores de antígenos como aqueles que ocorrem
nos vertebrados (59). A hemolinfa circulante em invertebrados marinhos contém substâncias
biologicamente ativas como lectinas, fatores de coagulação e peptídeos antimicrobianos
(60). Todos esses fatores contribuem para o sistema de auto defesa em invertebrados
marinhos contra a invasão de microorganismos que podem chegar a um número acima de
106 bactérias/mL e 109 vírus/mL na água do mar. A sobrevivência dos invertebrados
marinhos nesse ambiente sugere que seus sistemas imunes inatos são efetivos e robustos
(61).
Na ausência de imunoglobulinas mediadoras da imunidade adquirida as lectinas
presentes em tecidos de organismos invertebrados agem como anticorpos naturais,
fornecendo a primeira linha de defesa e podendo desencadear um importante mecanismo
11
efetor na eliminação potencial de patógenos (28, 62, 63). Devido ao fato das lectinas terem a
habilidade de se ligar a carboidratos e promover a aglutinação de diferentes células, tais
como bactérias invasoras, uma das funções mais prováveis em invertebrados marinhos seria
de atuar como fator humoral, assim como as imunoglobulinas em vertebrados. É razoável
assumir que essas moléculas possuem um considerável papel nas reações de
reconhecimento do não-próprio nos invertebrados. Assim como as imunoglobulinas dos
vertebrados, as lectinas dos invertebrados podem aglutinar microrganismos e favorecer sua
fagocitose, por mediar a ligação entre a superfície do hemócito e o corpo estranho (papel de
opsonização). Contudo em contraste com as imunoglobulinas, a especificidade das
aglutininas desses organismos é restrita somente para os resíduos de açúcares(59). Essa
proposição é fundamentada em algumas observações, tais como, a ativação de fagócitos
pela ligação das lectinas em células e o aumento da expressão de lectinas nos fluidos após
a injeção de substâncias estranhas (64).
Existem três diferentes rotas para o reconhecimento de partículas estranhas, nas
quais as lectinas podem interagir: a primeira é através da interação célula do invertebrado
com o carboidrato da membrana do microorganismo; a segunda ocorre pela ligação entre a
lectina do patógeno e o açúcar presente na membrana de células de invertebrados; e a
terceira rota, através da ligação de aglutininas humorais a superfície de glicoconjugados
presentes em microorganismos, formando um complexo que se une ao receptor de opsonina
da célula de defesa dos invertebrados (65).
Nos invertebrados, já foram detectadas e estudadas lectinas nos diversos filos. Entre
os cnidários, a anêmona Bunodeopsis antilliensis apresenta duas aglutininas que se ligam a
eritrócitos humanos com características bem distintas (66). Na espécie de anelídeo marinho
Chaetopterus variopedatus, pertencente à classe poliqueta, foi isolada uma lectina
específica para galactose e com atividade anti-HIV-I (67). Lectinas com especificidade para
D-galactosídeos também foram purificadas da parede corporal do equiúro, Urechis
unicinctus e dois anelídeos, Neanthes japonica e Marphysa sanguinea (68).
12
No filo molusca, lectinas isoladas do bivalve Ruditapes philippinarum, popularmente
conhecido como mexilhão, exibiu forte atividade anti-bacteriana, indicando que lectinas
desencadeiam o papel de eliminação de bactérias, participando desse mecanismo de defesa
(69). Na hemolinfa da espécie Belamya bengalensis, pertencente à classe gastropoda, foi
purificada uma lectina com forte ligação para a glicoproteína mucina. A proteína isolada
apresentou uma potente atividade mitogênica, uma vez que estimulou a proliferação dos
linfócitos T, especificamente do tipo Th1 (70). Aplysia dactylomela é uma espécie de
molusco que contém em sua glândula púrpura uma lectina com atividade hemaglutinante
para eritrócitos de coelhos, a qual é inibida pela glicoproteína fetuína (71). Nos ovos e na
hemolinfa do molusco do gênero Aplysia também foram encontradas aglutininas que foram
inibidas por D-galacturônico (72).
Uma lectina com atividades biológicas como mitogenicidade e quimiotaxia foi
encontrada no veneno das pedicelarias do ouriço-do-mar Toxopneustes pileolus, sugerindo
seu envolvimento como agente tóxico (64). Outras funções para as lectinas de invertebrados
marinhos têm sido sugeridas para lectinas do tipo C: como a cristalização do carbonato de
cálcio nas cracas da espécie Megabalanus rosa, morfogênese no tunicado Polyandrocarpa
misakiensis, e lise da membrana vitelínica do mexilhão azul Mytilus edulis. Estes exemplos
indicam a existência de várias lectinas envolvidas em diferentes funções fisiológicas de
invertebrados marinhos (73-75)
Com relação às lectinas de crustáceos, alguns estudos relatando a purificação e
caracterização dessas moléculas vêm sendo realizados. Nesse filo, lectinas já foram
detectadas nas seguintes espécies: Penaeus indicus (76), Penaeus japonicus (77) e
Penaeus paulensis (59). Na hemolinfa da espécie Litopenaeus schimitti foi detectada a
presença de uma lectina que aglutina eritrócitos de diferentes animais e possui
especificidade para açúcares acetilados, particularmente o ácido siálico (78). Aglutinina do
soro encontrada na espécie de camarão branco Fenneropenaeus indicus foi purificada e
caracterizada (79). Sua massa molecular nativa, determinada em coluna de gel filtração, foi
13
de 200 kDa e, em SDS-PAGE, sob condições redutoras, foram detectadas subunidades de
27 kDa. Além disso, a lectina reconheceu grupos acetilados e sua atividade foi independente
de íons bivalentes. No ano de 2005, Alpuche e colaboradores (80) isolaram da hemolinfa do
camarão Litopenaeus setiferus uma lectina com capacidade de aglutinar eritrócitos de
coelhos, porquinhos da índia e ovelhas, no entanto, a mesma não aglutinou eritrócitos de
humanos, galinha e cavalo, dentre outros. A lectina purificada foi denominada de LsL e se
apresentou como uma proteína heterotetrâmera, com duas subunidades de 80 kDa e duas
de 52 kDa.
2.5 Lectinas em Esponjas
O filo Porifera contém aproximadamente 5.000 espécies de esponjas, que tiveram sua
origem no período cambriano inferior. As esponjas são animais aquáticos, na maioria
marinhos, e não possuem tecidos bem definidos, nem órgãos estabelecidos. Sua
organização é muito simples e apresentam um crescimento assimétrico, com grande
diversidade de cores e tamanhos. São animais filtradores, que realizam digestão intracelular,
e cuja respiração e excreção ocorrem por difusão direta entre células e a água circulante
através dos canais do corpo (81) (figura 2).
14
A parede do seu corpo é formada pela epiderme, pelo mesênquima e pelo
revestimento interno de células flageladas chamadas coanócitos, que realizam a digestão do
alimento que chega ao interior do animal. No mesênquima, encontram-se os amebócitos que
distribuem o alimento pelas diversas células do corpo. Existem poros inalantes (óstios) por
onde a água entra no porífero; e um poro exalante (ósculo) por onde a água sai do porífero.
A cavidade central, forrada de coanócitos, é o átrio. No mesênquima, podem ser
encontradas espículas calcárias ou silicosas que fazem parte da sustentação do corpo do
animal (figura 2). Há, contudo, esponjas sem espículas (esponjas córneas), com esqueleto
de fibras de espongina (81). As esponjas, em sua maioria, são hermafroditas e sua
reprodução pode ser assexuada (por brotamento) ou sexuada (por meio de fecundação
cruzada e interna). No segundo caso, do ovo resulta uma larva que é eliminada pelo ósculo,
nada e se fixa às rochas, originando outras esponjas (82).
Esponjas marinhas se apresentam como um reservatório biológico de lectinas e
outras moléculas bioativas ainda pouco estudadas. Possivelmente, esse fato decorre do
Figura 2 Estrutura das Esponjas. Imagem demonstrando os principais tipos celulares das esponjas e sua forma geral. (http://fossil.uc.pt/pags/fbm-porifera.dwt). Acesso em: 04/12/ 2007.
15
longo período evolucionário que esses animais sofreram, ao longo de seus 800 milhões de
anos de existência, convivendo com uma ampla diversidade de ambientes e outros seres
vivos, numa luta incessante pela conquista do ambiente. As esponjas produzem uma ampla
variedade de toxinas e outros componentes moleculares com o objetivo de repelir
predadores (83), competir por espaço com outros organismos sésseis e para a comunicação
e proteção contra infecções (84). O interesse em estudar esponjas marinhas foi intensificado
após o isolamento e caracterização de uma lectina anti-HIV chamada niphatevirin presente
na esponja Niphates erecta (85).
Historicamente, o primeiro registro de lectinas isoladas de esponja foi feita por Dood e
colaboradores em 1968 (86), embora não tenha sido caracterizada. No ano de 2000,
Miarons e Fresno (87) investigaram 21 espécies de 12 famílias de espojas tropicais. Dentre
elas, 10 apresentaram atividades hemaglutinantes com destaque para as lectinas das
esponjas do gênero Aplysina, que apresentaram atividade aglutinante para eritrócitos de
vários animais, inclusive quando esses foram submetidos a vários tratamentos enzimáticos.
Das três espécies do gênero Aplysina, duas espécies tiveram suas lectinas purificadas: A.
lawnosa e A. archeri, ambas as proteínas exibiram uma massa molecular de 63 kDa (em sua
forma nativa) e quando submetidas a condições redutoras apresentaram massa molecular
em torno de 16 kDa, sugerindo serem homotetrâmeras. Elas apresentaram dependência de
cátions bivalentes e afinidade para galactosídeos. De outra esponja, Haliclona cratera, foi
isolada uma lectina de 29 kDa, dependente de íons metálicos sem pontes dissulfeto e com
afinidade para galactose. Essa lectina apresentou atividade citotóxica sobre células tumorais
HeLa (câncer cervical) e FemX (melanoma), e atividade mitogênica em linfócitos (88).
Efeitos mitogênicos em leucócitos também foram observados para lectinas de esponjas de
várias espécies como Pellina semitubulosa (89), Cinachyrella alloclada (90) e Geodia
cydonium (91).
Esponjas da espécie Axinella polypoide possuem quatro lectinas (lectinas – I, II, III e
V) com especificidade para galactose e uma com afinidade para ácido hexurônico (lectina
16
IV) (92). Posteriormente Buck e colaboradores (93), observaram que as lectinas I e II dessa
espécie apresentavam 65% de homologia em sua região N-terminal, massa molecular muito
similar, pontes dissulfeto entre os resíduos de aminoácidos 4 e 46 e ausência de
glicosilações.
Na esponja Aaptos papillata já foram isoladas três lectinas, conhecidas como Aaptos
lectina I, II e III, respectivamente. A primeira delas apresentou uma especificidade para N-
Acetil-glicosamina, enquanto as outras duas foram inibidas por N-Acetil-galactosamina, N-
Acetil-glicosamina e ácido siálico (94). Lectina também foi purificada da espécie Suberites
domuncula. A mesma possui massa molecular de 27 kDa e atividade bactericida (95). Na
espécie Aphrocallistes vastus foram encontradas duas lectinas do tipo C com afinidade para
galactose e com atividade de adesão celular (96). Em 2006, Xiong e colaboradores (97)
isolaram da esponja Craniella australiensis uma lectina com massa molecular de 54 kDa
(nativa), a qual apresentava três subunidades de 18 kDa unidas por pontes dissulfeto,
especificidade para a glicoproteína mucina e independência dos íons Ca+2 e Mg+2 para a
aglutinação de diferentes eritrócitos.
17
3. MATERIAL E MÉTODOS
3.1 Material Biológico
3.1.1 Esponja Marinha
Espécimes adultos da esponja marinha Cliona varians (Figura 3) foram coletados sobre
rochas situadas na zona de arrebentação da praia de Santa Rita, localizada no município de
Extremoz, no Estado do Rio Grande do Norte, Brasil (5°4’36.42’’ latitude sul e 35º11’44.99’’
longitude oeste). O material foi lavado em água do mar e mantido sob refrigeração em gelo
até a chegada ao laboratório, onde foi armazenado a -20 ºC.
Classificação Filogenética:
� Filo Porifera
� Classe Demospongiae
� Ordem Hadromerida
� Família Clionidae
� Gênero Cliona
� Espécie Cliona varians
3.1.2 Camundongos
Os Camundongos Swiss foram gentilmente fornecidos pelo Biotério Central da
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil. Os animais pesavam entre 25 a
35g e foram mantidos em biotério com acesso livre a alimento e água, em temperatura
ambiente e ciclo de 12/12 horas de claro e escuro.
Figura 3. Esponja de poça. (Cliona varians)
18
3.2 Drogas
Os antiinflamatórios Dexametasona (9-fluoro-11β,17,21-triidroxi-16α-
metilpregna-1,4-dieno-3,20-diona), Celecoxibe (4-[5-(4-methylphenyl)-3-(trifluoromethyl)
pyrazol-1-yl]benzenesulfonamide) e diclofenaco (2-(2-(2,6-dichlorophenylamino) phenyl)
acetic acid) foram adquiridos no comércio local. A dose de cada droga utilizada foi a
recomendada pelo fabricante.
3.3 Purificação da lectina da esponja marinha Cliona varians (CvL)
Os espécimes coletados foram divididos em pequenos fragmentos com auxílio de
bisturis. Posteriormente, estes pedaços foram triturados em um liquidificador, e submetidos
ao processo de extração em tampão TRIS-HCl 50 mM pH 7,5 (1:2, p/v) em temperatura
ambiente. As partículas insolúveis foram retiradas com o uso de uma peneira comum. Após
tal procedimento, o material foi centrifugado a 10.000 g durante 30 minutos e a uma
temperatura de 4 oC. O material precipitado foi desprezado, sendo o sobrenadante recolhido
e designado extrato bruto. O extrato bruto foi fracionado em três etapas de precipitação com
acetona utilizando 0,5; 1,0; e 2,0 volumes de acetona em relação ao volume do extrato
bruto. Em cada etapa, após a adição da acetona, a solução foi deixada em repouso por no
mínimo quatro horas e refrigerada a 4 oC. Após esse período, a fração com 1 volume de
acetona foi centrifugada a 8000 g na temperatura de 4 oC. O precipitado foi recolhido,
secado a vácuo e, então, ressuspenso em tampão Tris-HCl 50 mM pH 7,5 e armazenado a -
20 oC. A fração obtida foi denominada de F1.
A concentração protéica da amostra foi determinada pelo método colorimétrico de
Bradford (1976) (98), utilizando albumina sérica bovina como padrão.
A leitura dos eluatos cromatográficos foi feita em absorbância a 280 ηm. Uma coluna
cromatográfica de Sepharose CL 4B (5,5 X 3,5 cm) foi montada e sua própria resina utilizada
como ligante para lectinas com afinidade para galactose. A resina foi tratada previamente
19
com uma solução de HCl 0,1M, com o objetivo de romper o polímero e expor um maior
número de resíduos de galactose. A coluna foi equilibrada em tampão Tris-HCl 50 mM,
CaCl2 20 mM, pH 7,5. Um volume de 8 ml (0,2 mg/ml) da fração F1 foi aplicada na coluna. O
pico não retido foi eluído com tampão Tris-HCl 50 mM pH 7,5, contendo 20 mM de CaCl2. O
pico retido foi eluído com tampão Tris-HCl 50 mM, pH 7,5 contendo 20 mM de EDTA. O pico
retido foi coletado em tubos de hemólise (1,5 ml/tubo) e monitorados por espectrofotometria
a 280 ηm.
A atividade hemaglutinante durante o processo de purificação foi feita em placas de
microtitulação com poços em V (Nunc Brand products, Dinamarca) utilizando o procedimento
de diluição seriada. Foram utilizados eritrócitos humanos do tipo A tratados com papaína de
acordo com Benevides et al (1998), (99).
3.4 Avaliação da ação de CvL sobre o edema de pata em camundongos
O modelo experimental de edema de pata em camundongos, induzido pela CvL foi
utilizado para testar capacidade dessa lectina em produzir um processo inflamatório agudo.
Os animais foram separados em grupos de seis camundongos. Cada animal recebeu na
superfície plantar da pata dianteira direita 5, 10 ou 50μg de CvL dissolvida em 100μL de
solução estéril de NaCl a 0,15 M. Na pata dianteira esquerda foi injetado 100μL de solução
de NaCl estéril a 0,15 M. No grupo controle foi injetado na pata direita 100μL de carragenana
na concentração de 1% em solução de NaCl estéril a 0,15 M. Após o período de 4 horas os
animais foram mortos e as patas foram amputadas no nível da junta tarso-crural e o peso
das patas foi mensurado em balança analítica digital (11). A diferença de peso entre as
patas direita e esquerda indicava o grau de inflamação. A média do aumento do tamanho da
pata para cada grupo foi calculada.
20
3.5 Avaliação do efeito de CvL in vivo na migração de leucócitos através do
modelo experimental de peritonite
Para avaliar o efeito indutor da CvL em atrair leucócitos para a cavidade peritoneal, 50
μg da lectina foi solubilizada em solução salina estéril (NaCl 0,15 M) e injetada na cavidade
peritoneal dos camundongos. Um grupo controle negativo recebeu o mesmo volume de
solução salina apenas e um grupo controle positivo recebeu 100ng de fMLP diluído em
salina estéril em substituição a solução de lectina. Cada um dos três grupos era formado por
subgrupos contendo seis animais para cada tempo de leitura. Os tempos determinados
foram: 4, 12, 24, 48, 72 e 96 horas. Depois de transcorridos os tempos referidos, os animais
foram mortos e as células presentes na cavidade peritoneal foram coletadas através da
injeção de 3 mL de solução salina contendo 5 UI/mL de heparina em cada peritônio. O
líquido injetado foi coletado e o número total de células presentes foi estabelecido por
microscopia óptica. A contagem foi realizada em câmara de Newbauer utilizando-se os
quadrantes externos para a contagem de leucócitos (100). Os resultados foram descritos
como sendo a média mais o desvio padrão do número de células por mililitro do lavado
peritoneal.
3.6 Efeito dos carboidratos D-galactose, D-frutose e sacarose na migração
leucocitária induzida por CvL
Para avaliar o efeito inibitório de carboidratos na migração leucocitária induzida pela
CvL, a lectina foi dissolvida em 100μL de solução salina estéril (NaCl a 0,15 M) contendo 0,2
M de D-galactose ou 0,2 M de D-sacarose ou 0,2 de D-frutose e depois incubada por 30
minutos em temperatura ambiente. Cada grupo contendo seis camundongos recebeu uma
injeção de uma das três soluções de lectina (50 μg) pré-incubadas com um dos açúcares na
cavidade peritoneal. Como controle, três grupos de seis animais receberam apenas uma das
21
soluções de carboidratos. O resultado do efeito de cada carboidrato foi avaliado 24 horas
após a injeção através da contagem do número de leucócitos que migraram para o peritônio
e comparado com os grupos controle que receberam apenas solução salina estéril ou
apenas uma das soluções de carboidratos. O procedimento de contagem dos leucócitos
utilizado foi o mesmo do ensaio anterior.
3.7 Relação entre o aumento da população de macrófagos residentes no
peritônio de camundongos e a migração de neutrófilos induzida por CvL
Para verificar o envolvimento de macrófagos como indutores da migração de
neutrófilos foi injetado na cavidade peritoneal dos camundongos 100μL de tioglicolato na
concentração de 3% peso/volume. Quatro dias após a injeção as células presentes na
cavidade peritoneal foram coletadas e os macrófagos contados por microscopia óptica em
câmara de Newbauer. Um grupo que recebeu apenas solução salina estéril foi estabelecido
como grupo controle para efeito de comparação (101). Após 4 dias, tanto os animais do
grupo tratado com tioglicolato como nos animais que receberam apenas solução salina,
foram injetados com 50μg de CvL dissolvidos em 100μL de salina ou com 100μL de solução
salina apenas por peritônio. Além disso, dois grupos adicionais tratados previamente (4 dias)
com tioglicolato ou com salina receberem 100 μL de fMLP (um conhecido quimioatrativo
para neutrófilos) na concentração de 10-10M. Após 24 horas da administração de CvL, os
animais foram mortos e as células que migraram para a cavidade peritoneal foram contadas
em câmara de Newbauer.
22
3.8 Efeito de drogas antiinflamatórias na migração de neutrófilos induzida por
CvL
Para a determinação das possíveis vias envolvidas na migração de neutrófilos
induzida por CvL foi planejado um ensaio em que foram utilizados os seguintes compostos
antiinflamatórios: um antagonista de citocinas, a dexametasona (0,5mg/kg); Um inibidor
específico de ciclooxigenase, o celecoxibe (2,8mg/kg); e um inibidor inespecífico de
ciclooxigenase, o diclofenaco (1mg/kg). Cada droga foi administrada, seguido instruções dos
fabricantes, em grupos de seis animais. Um grupo de 6 animais foi usado como controle e
neste foi administrado 100μL de solução salina estéril. A lectina CvL (50μg) foi injetada nos
peritônios dos animais tratados com salina e com os antiinflamatórios após 30 minutos. Após
4 horas, os animais foram mortos, o líquido peritoneal recolhido e os neutrófilos que
migraram para a cavidade peritoneal de cada animal foram contados.
3.9 Análises estatísticas
Todos os resultados foram expressos como sendo a média mais o desvio padrão dos
seis animais de cada grupo experimental. As avaliações estatísticas foram feitas através de
análise de variância (ANOVA) seguida pelo teste de Bonferroni para múltiplas comparações.
O valor de p considerado estatisticamente significante foi menor que 0,001.
23
4. RESULTADOS
4.1 Purificação de CvL
A cromatografia de afinidade em Sepharose CL 4B apresentou um pico protéico retido
(Figura 3A) que foi reunido e dialisado contra Tris-HCl 50mM, CaCl2 20mM, pH 7,5, para a
recuperação da atividade hemaglutinante. Para averiguar o grau de purificação obtido pela
cromatografia de afinidade, o material do pico retido foi aplicado em um gel de poliacrilamida
desnaturante (SDS-PAGE) a 12% (Figura 3B). Uma única banda revelada com prata foi
observada no gel, esta proteína apresentou uma massa molecular de ~114 kDa, calculada
pela curva construída pela relação entre os RFs das proteínas marcadores e suas
respectivas massas moleculares (dados não mostrados), e quando reduzida por beta-
mercaptanol revelou uma única banda de 28 kDa (figura 3B) calculada pela curva construída
pela relação entre os RFs das proteínas marcadores e suas respectivas massas moleculares
(dados não mostrados). A lectina purificada foi denominada de CvL (Cliona varians lectin) e
os resultados comprovaram que CvL é uma lectina tetramérica com suas sub-unidades
ligadas por pontes dissulfetos. Nossos resultados de purificação publicados anteriormente
mostraram que CvL é uma glicoproteína, inibida por galactose e sacarose e que aglutina
preferencialmente eritrócitos humanos papainizados do tipo A.
24
B
1 2 3
A
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
1 11 21 31 41 51 61 71 81 91
volume
O.D
. 280
nm
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
HU
x103
Figura 3 (A). Cromatografia de afinidade em Sepharose CL 4B. O matéria retido foi eluído com tampão Tris-HCl 50mM, EDTA 20mM, pH 7,5. Frações de 1,5 ml foram coletadas e lidas a 280 nm (--). Atividade hemaglutinante (●). (B) Análise por eletroforese em gel de poliacrilamida.(1) Marcadores de Peso molecular, (2) CvL e em condições desnaturantes e (3) CvL na presença de beta-mercaptoetanol.
114 kDa
28 kDa
25
4.2 Indução do Edema de Pata pela CvL
Após aplicação de CvL nas patas dos camundongos nas concentrações de 5, 10 e 50
μg, foi observada uma indução de edema de dose-dependente, quando os pesos das patas
foi comparado com os daqueles que apresentaram edemas formados pela ação das doses
de 5, 10 e 50 μg. Na dose de 50 μg por pata foi observado que as patas tiveram um maior
peso do que aquele observado quando a pata dos animais foram injetadas com uma solução
de carragenana a 1%. Este maior valor mostrou então que CvL tem um grande potencial
pró-inflamatório (Figura 4) significativamente maior do que o da carragenana, um conhecido
potente agente pró-inflamatório. Esta dose foi utilizada para a realização dos demais
ensaios.
Figura 4. Edema de pata em camundongo induzido por CvL em concentrações variando de 5 a 50 μg por pata. As análises foram feitas 4 horas após a injeção. Os resultados referem-se às médias mais desvio padrão dos valores obtidos a partir de 6 camundongos. Letras iguais indicam que não existe diferença estatisticamente significante. Os testes foram estatisticamente significantes quando comparados com o controle com salina. p<0,01 (ANOVA-Bonferroni)
a
b
b b
c
26
4.3 Ensaio de migração leucocitária para a cavidade peritoneal induzida por
CvL
O modelo de peritonite induzido em camundongos foi testado quando CvL na dose de
50 μg foi injetada no peritônio dos animais. Após 4 horas, a presença de CvL no peritônio
promoveu um aumento de 400% na migração de leucócitos para a cavidade peritoneal, na
fase aguda da inflamação, quando comparado com solução salina, usada como controle
negativo. A migração de leucócitos promovida por CvL foi semelhante àquela promovida por
fMLP (potente atractante de neutrófilos) a 0,05 μg por dose por animal. Após 24 horas da
injeção da CvL, na fase crônica da peritonite, foi observado a máxima migração leucocitária
que foi reduzido a 48 horas, mantendo-se estável até 72 horas e caindo novamente até 96
horas após a injeção da lectina. Mesmo assim, os níveis de migração leucocitária foram
cerca de 10 vezes maiores quando comparados com o controle negativo (solução salina)
(Figura 5).
Figura 5: Efeito da CvL na migração de células para a cavidade peritoneal. Utilizou-s 50 ug por cavidade e as células foram contadas em 4, 12, 24, 48, 72 e 96 horas após a injeção intraperitoneal de CvL (—) fMLP (0,05ug/cavidade —) e Salina (—). Os resultados referem-se às médias mais desvio padrão dos valores obtidos a partir de 6 camundongos. (p<0,01), (ANOVA-Bonferroni)
27
4.4 Efeito de carboidratos na migração leucocitária induzida por CvL
O efeito a CvL após incubação com os açúcares D-galacotse, sacarose e D-Frutose
foi avaliado no modelo de peritonite em camundongos. Após 24 horas de injeção da mistura
(lectina+açúcar) foi observado que, em comparação ao grupo tratado apenas com CvL, a D-
galactose reduziu 2/3 da quantidade de leucócitos que migraram para o peritônio, enquanto
que a sacarose reduziu aproximadamente 1/3. Por outro lado, a D-frutose não apresentou
efeito significativamente diferente da CvL isoladamente. A injeção dos carboidratos
isoladamente na cavidade peritoneal também não apresentou efeito significativo no número
de leucócitos migrantes quando comparado com o grupo que recebeu apenas a solução
salina estéril (Figura 6). Esse resultado mostrou que o efeito na migração de leucócitos para
a cavidade peritoneal era causado pela presença da lectina na cavidade peritoneal dos
camundongos, visto que os açúcares ligantes inibiram a migração.
Figura 6: Efeito inibitório de carboidratos na migração neutrofílica induzida por CvL na cavidade peritoneal de camundongos. A migração dos neutrófilos foi avaliada 24 horas após a injeção de CvL (50 ug/cavidade (█) ou após a incubação com 0,1M de carboidratos específicos(D-galactose, sacarose) ou não específico (frutose) (█). As demais barras (█) representam a migração neutrofílica induzida pela injeção de solução salina ou dos carboidratos isoladamente. Os resultados referem-se às médias mais desvio padrão dos valores obtidos a partir de 6 camundongos. Letras iguais indicam que não existe diferença estatisticamente significante. (p<0,01), (ANOVA-Bonferroni).
28
4.5 Envolvimento de macrófagos na migração de neutrófilos induzidos pela CvL
O envolvimento de macrófagos na indução da migração de neutrofilos produzida pela
lectina foi investigado através da alteração in vivo no número da população dos macrófagos
residentes no peritônio dos camundongos. A injeção intra-periotoneal de tioglicolato a 3% foi
feita 72 horas antes da administração de CvL. Após esse período, macrófagos foram
contados e foi observado um aumento em 2,3 vezes na população de macrófagos residentes
no peritônio. O efeito da injeção de CvL, após 24 horas, em animais previamente tratados
com tioglicolato produziu uma ampliação de 77% na migração de neutrófilos para a cavidade
peritoneal (Figura 7) quando comparado com àqueles animais que não foram sensibilizados
previamente por tioglicolato. Nenhum efeito significativo da migração de neutrófilos induzido
por fMLP foi observado no grupo previamente tratado com tioglicolato, indicando que a
atração dos neutrófilos foi um efeito único do atractante de neutrófilo.
Figura 7: Análise da participação de macrófagos na migração neutrofílica induzida por CvL (50 ug/cavidade). (A) População normal de macrófagos em animais não tratados (salina) e em animais tratados com solução de tioglicolato a 3% (Tg) após injeção de 100 uL de salina. (B) Migração de neutrófilos induzida por 100 uL de salina (sal), CvL (50 ug por cavidade) e fMLP (0,05 ug por cavidade em animais não tratados (salina) ou pré-tratados com tioglicolato a 3% (Tg). Os resultados referem-se às médias mas desvio padrão (n=6). Letras iguais indicam que as diferenças não são estatisticamente significativas. (p<0,01), (ANOVA-Bonferroni)
29
4.6 Ensaio de Inibição da migração de neutrófilos induzida pela CvL através do
uso de antiinflamatórios
Uma hora antes da indução da migração de neutrófilos por CvL, os camundongos
foram tratados com Celecoxibe, um anti inflamatório não esteróide seletivo, com diclofenaco,
um antiinflamatório não esteróidal não seletivo e a dexametasona, um antiinflamatório com
efeito antagonista de citocinas. Os antiinflamatórios não esteroidais, Diclofenaco e a
dexametasona, ambos inibidores inibiram a migração induzida por CvL e o efeito de
dexametasona foi 66% mais efetivo, indicando uma inibição da liberação de citocinas.
Também foi observada uma diminuição da migração devido ao efeito do Diclofenaco, um
inibidor não seletivo de ciclooxigenases. O inibidor específico para ciclooxigenases,
Celecoxib não afetou a indução de migração de neutrófilo por Cvl. Os dados obtidos são
indicativos da participação de macrófagos na indução de migração de neutrófilo para a
cavidade peritoneal de camundongos, uma vez que citocinas liberadas por macrófagos,
especialmente IL8, são potentes quimioatractantes de neutrófilos (figura 8).
Figura 8. Efeito da dexametasona (antagonista de citocinas), diclofenaco (anti-inflamatório não esteróide não seletivo) e celecoxibe (anti-inflamatório não esteróide seletivo) na migração de neutrófilos para a cavidade peritoneal de camundongos induzida por CvL. Os animais foram tratados com salina, ou com uma das drogas refereidas antes de serem injetados com CvL (50 μg/cavidade). Os neutrófilos foram contados 24h após a injeção de CvL. Os resultados referem-se às médias mais desvio padrão dos resultados obtidos a partir de 6 camundongos. Letras iguais indicam que não há diferença estatisticamente significante. (p<0,01). (ANOVA Bonferroni).
30
5. DISCUSSÃO
Diversas proteínas bioativas como as lectinas têm sido isoladas de invertebrados
marinhos incluindo os do filo Porifera. A lectina purificada da esponja marinha Cliona
varians, denominada de CvL (6), é uma glicoproteína de ~114 kDa, que hemaglutinou
preferencialmente eritrócitos humanos do tipo A papainizados. Essa lectina tem a atividade
dependente de íons cálcio e é formada por 4 sub-unidades de aproximadamente 28 kDa
cada, unidas por pontes dissulfetos. Na caracterização de CvL foi confirmado que a
galactose era o mais potente inibidor mostrando que CvL se comportou como uma lectina
galactose específica semelhante as de C. alloclada (90), P. semitubulosa (89), Axinella
polypoides (92) e Haliclona cratera (88). Quatro lectinas purificadas da Axinella polypoides
(92) e a lectina da esponja Haliclona cratera também apresentaram especificidade para D-
galactose, atividade independente de cátions divalentes e efeito citotóxico contras células
HeLa (88). A dependência por íons cálcio permitiu confirmar a inclusão dessa lectina no
grupo das lectinas do tipo C. Da mesma forma, outras lectinas de esponjas marinhas
também foram incluídas no Tipo C, como a lectina da Cinachyrella alloclada que também
apresentou especificidade para D-galactose e efeito mitogênico em linfócitos do sangue
periférico de humanos (90). A lectina da Pellina semitubulosa que mostrou forte efeito
mitogênico em linfócitos do baço de camundongos, sendo capaz de se ligar na superfície de
linfócitos B e T, de ser endocitada por macrófagos e de aumentar a liberação de interleucina
1 dos macrófagos do peritônio de camundongos (89). Além de que um considerável número
de lectinas de invertebrados marinhos, incluindo aquelas isoladas das esponjas, foram
relatadas como tendo especificidade em se ligar a D-galactose (102, 103). Esta
característica de ter a galactose como monossacarídeo específico, geralmente, aparecem
envolvidas de forma importante na modulação da resposta imune em animais marinhos
(104-106).
31
Várias lectinas, especialmente as de origem vegetal demonstraram habilidade em ativar
células do sistema imune de mamíferos, especialmente aquelas com especificidade para
monossacarídeos como a D-galactose e a D-manose (7-9). No presente trabalho, nós
investigamos o efeito da CvL, lectina D-galactose específica, sobre a migração de leucócitos
in vivo, um importante evento celular que ocorre no processo inflamatório em mamíferos. De
acordo com os resultados obtidos, a CvL causou edema nas patas dos camundongos
tratados com CvL em todas as concentrações testadas de uma forma dose-dependente.
Sendo que na dose de 50 μg/pata a CvL foi significativamente superior a solução de
carragenana a 1%. Respostas semelhantes foram relatadas para lectinas de origem vegetal
como as lectinas da Artocarpus integrifólia (14), da Erythrina veluntina (107) e da Talisia
esculenta (11) que induziram edemas de patas em animais tratados com estas lectinas.
A CvL também foi avaliada quanto a sua capacidade de induzir in vivo a migração de
leucócitos e foi observado que após 4 horas (fase aguda da inflamação) da injeção
intraperitoneal de CvL (50 μg/cavidade peritonial) em camundongos ocorreu uma
significativa migração de leucócitos, quando comparado com o grupo que recebeu apenas
solução salina e foi semelhante ao grupo tratado com fMLP (formyl-Met-Leu-Phe) (0,05
μg/cavidade), um tripeptídeo sintético de ação quimiotáctica que mimetiza a ação de
peptídeos bacterianos, sendo um potente indutor da migração leucocitária. A migração
leucocitária máxima foi observada após 24 horas do contato com CvL. A migração foi
significantemente reduzida quando a CvL foi previamente incubada com D-galatose e
injetada na cavidade peritoneal, indicando que a atividade indutora da migração leucocitária
causada pela CvL foi decorrente da sua habilidade em se ligar a sítios contendo D-galactose
e que estes sítios podem mediar essa atividade pró-inflamatória. Resultados semelhantes
foram obtidos para a lectina de Artocarpus integrifolia (14), e para a lectina purificada de
Erythrina veluntina (107), em modelos de peritonite em ratos.
O tioglicolato, (ácido tioglicólico), rotineiramente utilizado como recrutador de
macrófagos (108-110) foi usado nos modelos de peritonite em camundongos como indicativo
32
da participação destas células ou de compostos liberados pelos macrófagos na indução da
migração de neutrófilos para a cavidade peritoneal. O tratamento com tioglicolato elevou a
população de macrófagos em 2,3 vezes, o que acarretou o aumento da migração de
neutrófilos induzida por CvL em 77%. Estes resultados mostraram que os invertebrados
marinhos também possuem lectinas com a habilidade de modular o recrutamento de
neutrófilos por um mecanismo indireto, como ocorre em outras lectinas de origem vegetal,
especialmente aquelas purificadas das sementes de E. veluntina (107), de Glycine max (8),
da T. esculenta (11), de Vatarea macrocarpa (7), de Lonchocarpus sericeus (111), e de
Pisum arvense (112). Para corroborar este resultado, os animais tratados com tioglicolato e
posteriormente injetados com fMLP, um típico quimioatractante de neutrófilo, não tiveram
aumento significativo da migração de neutrófilos quando comparados com os grupos
controles.
Nos estágios precoces do processo inflamatório, os macrófagos, mastócitos e linfócitos
participam no controle da migração neutrofílica. Esse controle é mediado via liberação de
fatores quimiotácticos como leucotrienos (113), componentes do sistema complemento
(114), citocinas, principalmente interleucina -1 (IL-1), interleucina -8 (IL-8) e fator de necrose
tumoral (TNF-α) (115, 116). Considerando que a migração de neutrófilos induzida pela CvL
seguiu uma via indireta, ou seja, mediada por macrófagos, o que ficou evidenciado através
do ensaio com o tioglicolato, resolvemos investigar os possíveis mediadores químicos
envolvidos neste evento. Para isso utilizamos as seguintes drogas: o celecoxibe um
antiinflamatório não esteróide seletivo para a ciclooxigenase II, o diclofenaco um
antiinflamatório não esteróide e não seletivo para a ciclooxigenase II e a dexametasona um
antiinflamatório esteróide que também é antagonista de citocinas. Entre esses inibidores da
inflamação, a dexametasona reduziu de forma significativa a migração de neutrófilos para a
cavidade peritoneal após a estimulação pela CvL. Este efeito inibitório da dexametasona
poderia ser explicado através do bloqueio causado por essa droga na liberação dos fatores
quimiotácticos pelos macrófagos estimulados pela lectina (117), especialmente IL-8. (101).
33
Conseqüentemente, podemos postular que esses resultados favorecem a hipótese de que a
migração de neutrófilos induzida pela CvL poderia, possivelmente, ser mediada através da
liberação de citocinas pelos macrófagos residentes na cavidade peritoneal, uma vez que
estas células representam uma importante fonte de citocinas. Os resultados relatados neste
trabalho demonstram que a lectina galactose específica obtida da esponja marinha Cliona
varians possui atividade pró-inflamatória, que induz a migração neutrofílica provavelmente
via liberação de citocinas a partir de macrófagos. Estas descobertas indicam que estas
lectinas podem ser utilizadas como ferramentas para melhor compreender os mecanismos
envolvidos nas respostas inflamatórias e nos eventos celulares da inflamação.
Este trabalho mostra que o isolamento e a caracterização de proteínas de
invertebrados marinhos tem se tornado um vasto campo de pesquisa na área das ciências
da vida. Muitas moléculas bioativas de origem marinha têm atraído mais e mais atenção dos
cientistas graças as suas extensivas aplicações fisiológicas, biológicas e farmacológicas. A
importância biotecnológica dessas moléculas de origem marinha tem crescido imensamente
graças a descoberta desses novos produtos.
34
6. CONCLUSÕES
• A lectina, denominada de CvL, purificada da esponja Cliona varians apresentou
atividade pró-inflamatória, sendo capaz de induzir a formação de edema de pata
dose dependente em camundongos.
• CvL aumentou em 400% a migração leucocitária no modelo experimental de
peritonite na fase aguda (4h) quando comparado com o controle mantendo-se
estável até 72h;
• A habilidade da CvL em induzir a migração leucocitária foi inibida
significantemente com a adição de D-galactose, indicando ser a ligação dessa
proteína com carboidratos o agente pró-inflamatório;
• Tioglicolato potencializou a migração de leucócitos induzida por CvL através da
estimulação dos macrófagos.
• A dexametasona, reduziu significativamente migração leucocitária induzida por
CvL.
• CvL induz a migração de neutrófilos por via indireta, ou seja, através da
estimulação de macrófagos a liberarem fatores quimiotácticos como citocinas,
componentes do sistema complemento e leucotrienos.
35
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8. ABSTRACT
A galactose and sucrose specific lectin from the marine sponge Cliona varians named CvL
was purified by acetone fractionation followed by Sepharose CL 4B affinity chromatography.
Models of leukocyte migration in vivo were used to study the inflammatory activity of CvL
through of mouse paw oedema and peritonitis. Effect of CvL on peritoneal macrophage
activation was analyzed. Effects of corticoids and NSAIDS drugs were also evaluated on
peritonitis stimulated by CvL. Results showed that mouse hind-paw oedema induced by sub
plantar injections of CvL was dependent dose until 50μg/paw. This CvL dose when
administered into mouse peritoneal cavities induced maxima cell migration (9283 cells/μL) at
24 hours after injection. This effect was preferentially inhibited by incubation of CvL with the
carbohydrates D-galactose followed by sucrose. Pre-treatment of mice with 3% thioglycolate
increases the peritoneal macrophage population 2.3 times, and enhanced the neutrophil
migration after 24h CvL injection (75.8%, p<0.001) and no significant effect was observed in
presence of fMLP. Finally, Pre-treatment of mice with dexamethason (cytokine antagonist)
decreased 65.6%, (p<0.001), with diclofenac (non-selective NSAID) decreased 34.5%,
(p<0.001) and Celecoxib (selective NSAID) had no effect on leukocyte migration after
submission at peritonitis stimulated by CvL, respectively. Summarizing, data suggest that
CvL shows pro-inflammatory activity, inducing neutrophil migration probably by pathway on
resident macrophage activation and on chemotaxis mediated by cytokines.