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OÁSIS #162 EDIÇÃO OS PERSONAGENS QUE OS PAIS REPRESENTAM FAMÍLIA É TEATRO NASCE UMA ILHA No Japão, um fenômeno geológico muito raro SONHO DE GELO Água de iceberg, dos polos ao equador EDWARD SNOWDEN É assim que retomaremos a Internet

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Oásis#162

Edição

os pErsonagEns quE os pais rEprEsEntam

FAMÍLIA É TEATRO

NASCE UMA ILHAno Japão, um fenômeno

geológico muito raro

SONHO DE GELO Água de iceberg,

dos polos ao equador

EDWARD SNOWDEN

É assim que retomaremos

a internet

2/31OáSIS . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

C uidar de filhos pequenos é um desafio incessante. num determinado momento, a calma e a harmonia reinam no ambiente; em outro, um problema inesperado de saúde

já põe a casa em polvorosa, e numa terceira ocasião uma vontade não atendida da criança a deixa irritada, o que se reflete negati-vamente em todo o lar. os pais precisam contar com um per-manente jogo de cintura e estar sempre preparados para assumir o papel adequado – professor, supervisor, treinador, fiscalizador, enfermeiro, amigo, colega de brinquedo – quando o instante as-sim o exige.

Esse conceito foi reforçado por um estudo conduzido por duas psicólogas do desenvolvimento, a canadense Joan grusec, da Universidade de toronto, e a israelense Maayan davidov, da Uni-versidade Hebraica de Jerusalém. depois de revisarem minucio-samente diversas pesquisas envolvendo a relação dos pais com os filhos, Joan e Maayan identificaram cinco formas de interação

Os pais têm de usar múltiplas funções para educar Os seus filhOs, cOmO prOfessOr, pOlicial, juiz,

palhaçO de circO. Os pais precisam cOntar cOm um permanente jOgO de cintura e estar sempre

preparadOs para assumir O papel adequadO

3/31OáSIS . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

entre eles que influenciam em diversos detalhes o amadureci-mento dos pequenos. num artigo publicado na revista Child development em 2011, elas afirmam que não há um “estilo” de criação, mas papéis diferentes que se alternam conforme a situa-ção se desenrola. Entender esses papéis e aprender a detectar os momentos em que eles são exigidos ajuda os pais a alcançar mais facilmente o equilíbrio necessário para cuidar melhor das crian-ças. na nossa matéria de capa, Eduardo araia comenta as cinco formas de interação definidas pelas psicólogas. Confira.

4/31OáSIS . CoMPortaMEnto

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tOFAMÍLIA É TEATRO

Os personagens que os pais representam

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uidar de filhos pequenos é um de-safio incessante. Num determinado momento, a calma e a harmonia reinam no ambiente; em outro, um problema inesperado de saúde já põe a casa em polvorosa, e numa terceira ocasião uma vontade não atendida da criança a deixa irritada, o que se reflete negativamente em

todo o lar. Os pais precisam contar com um permanente jogo de cintura e estar sempre preparados para assumir o papel adequado – professor, supervisor, treinador, fiscalizador, enfermeiro, amigo, colega de brinquedo – quando o instante assim o exige.

Esse conceito foi reforçado por um estudo conduzido por duas psicólogas do desenvol-vimento, a canadense Joan Grusec, da Uni-versidade de Toronto, e a israelense Maayan

Davidov, da Universidade Hebraica de Jeru-salém. Depois de revisarem minuciosamen-te diversas pesquisas envolvendo a relação dos pais com os filhos, Joan e Maayan iden-tificaram cinco formas de interação entre eles que influenciam em diversos detalhes o amadurecimento dos pequenos. Num artigo publicado na revista Child Development em 2011, elas afirmam que não há um “estilo” de criação, mas papéis diferentes que se alter-nam conforme a situação se desenrola. En-tender esses papéis e aprender a detectar os momentos em que eles são exigidos ajuda os pais a alcançar mais facilmente o equilíbrio necessário para cuidar melhor das crianças. Conheça a seguir as cinco formas de intera-ção definidas pelas psicólogas.

1) Proteção e assistência. Os seres humanos, assim como outras espécies animais, desen-volveram comportamentos que capacitam cada membro de sua prole a chamar a aten-ção de um adulto para conseguir ajuda ou meios de sobrevivência.

Se uma criança chora em busca de proteção, uma reação dos pais que demonstra sensi-bilidade ao problema resulta em diversos benefícios a curto e longo prazo para ela, explicam Joan e Maayan. O sistema neuro-biológico da criança passa a ser “treinado” para, eventualmente, lidar com o estresse

COs pais têm de usar múltiplas funções para educar os seus filhos, como professor, policial ou juiz.um estudo os ajuda a entendê-las.

Por Eduardo araia

por conta própria; ela é mais empática ao sofrimento de outras pessoas e tende a querer cooperar com seus pais e estar perto deles. Para as psicólogas, confortar um fi-lho agitado equivale a investir na cooperação futura dele com os pais, no desenvolvimento emocional positivo e no bem-estar geral da criança.

2) Controle. Por vezes um pai tem de exercer seu poder sobre os filhos para impor disciplina. À primeira vista, isso remeteria a algum tipo de crítica e castigo, como re-tirar privilégios ou definir que a criança vai ter de espe-rar mais tempo por algo que deseja. Mas pode abranger ações positivas, como reforçar o comportamento espera-do ou estimular o raciocínio da criança para que ela mes-ma chegue ao resultado desejado.

Escolher a ação disciplinar mais indicada para o momen-to envolve buscar um cuidadoso equilíbrio em relação ao

ato que a deflagrou, observam as psicólogas. A criança começa a desenvolver seu senso de autonomia e, se a rea-ção dos pais for disciplinarmente fraca, o comportamen-to que originou o problema não vai mudar; excesso de disciplina, por outro lado, pode prejudicar a capacidade da criança de querer definir limites para si mesma.

Outro detalhe a ser considerado é a maneira como a criança responde a um ato disciplinar. Para algumas de-las, basta um olhar severo; outras precisam de reprimen-das mais fortes. Fatores como idade, sexo, temperamen-to, autoimagem, humor e natureza do problema exercem bastante influência sobre essas respostas.

É indispensável, portanto, que os pais conheçam seu fi-lho ou sua filha o suficiente para que a estratégia escolhi-da e o grau em que ela for aplicada auxiliem a criança a corrigir sua falha. Joan e Maayan afirmam que o bom uso

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da disciplina permite à criança crescer sa-bendo fazer as coisas certas por conta pró-pria, inclusive rejei-tando os impulsos para fazer de outra forma.

3) Reciprocidade. O controle é um papel exigido habitualmen-te, mas as psicólogas ressaltam que tam-bém é importante para os pais atender ocasionalmente os pedidos que as crian-ças lhes fazem e aca-tar suas tentativas de

influenciá-los. De acordo com Joan e Maayan, quando os pais atendem aos desejos razoáveis dos filhos, estes ficam mais propensos a aceitar com bom ânimo quando algo lhes é solicitado depois. As crianças que recebem esse tra-tamento tendem a ser mais felizes e a ter mais habilida-des sociais positivas, menos problemas e menos conflitos. Estudos mostram, por exemplo, que as mães que brincam com seus filhos de maneira bastante interativa têm me-nos conflitos com eles.

As psicólogas fazem, porém, uma ressalva importante no que se refere a recompensar a criança por gestos de coo-peração. Segundo elas, esse procedimento pode minar o

desejo genuíno dos pequenos de trabalhar juntos.

4) Aprendizagem dirigida. O papel de professor é cons-tante para os pais e exigido nas mais diversas situações: é com eles, em geral, que a criança aprende a usar o vaso sanitário, manejar os talheres, amarrar o cadarço do sa-pato, comportar-se em situações sociais mais complexas ou lidar com sentimentos.

Segundo as psicólogas, os pais competentes ensinam por etapas, sempre de forma próxima e gentil. Depois de ava-liarem o que o filho já sabe, eles o instruem sobre o passo seguinte e lhe oferecem apoio até que o filho demonstre ter assimilado o conteúdo transmitido. Com isso, a crian-ça não apenas absorve novos ensinamentos, mas passa também a compreender o desenho mais abrangente do problema apresentado pelos pais, o que estimula nela um processo de meta-aprendizagem. Joan e Maayan relatam que mães que conversam com os filhos sobre questões emocionais específicas de uma forma coerente e signifi

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cativa, incluindo detalhes, interpretações e comentários, ajudam a fazer avançar a compreensão geral dessas crian-ças sobre a vida emocional.

5) Participação em grupo. Crianças aprendem muito, de maneira fácil e natural, sobre o que é esperado delas par-ticipando de grupos, incluindo sua família, o círculo de amigos, vizinhos, igrejas e atividades extracurriculares.

Conforme os pais as orientam através dos rituais, rotinas

e práticas dos diferentes tipos de organizações, as crian-ças aprendem implicitamente todos os tipos de normas – papéis de gênero sexual, expectativas culturais, ideias sobre a classe social, comportamento adequado em pú-blico – que vão ajudá-las a criar um sólido senso de iden-tidade social.

Na realidade, existem provavelmente muitos mais domí-nios, e é provável que mais de um opere em determinado momento. Os papéis não são exclusivos dos pais – qual-quer adulto responsável por crianças, ou até mesmo um irmão ou criança mais velha, pode ter o mesmo impacto. A ênfase em determinados domínios irá mudar com o desenvolvimento, e seus pais vão ser melhores em alguns do que em outros.

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NASCE UMA ILHANo Japão, um fenômeno geológico muito raro

GEO

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á cinco meses, em no-vembro de 2013, geó-logos e vulcanologis-tas em todo o mundo entraram em delírio: no Oceano Pacífico, ao largo do Japão, uma ilha emergiu do fundo do mar. Surgiu fumegante, nervosa e explosiva, resultado

da atividade de um vulcão submarino que estava em erupção há muito tempo. Em certo momento, as torrentes de lava atin-giram a superfície do oceano e começaram

H

graças às novas tecnologia de fotografia e vídeo, podemos testemunhar ao vivo e em cores um fenômeno raríssimo do mundo natural: o nascimento de uma nova ilha oceânica provocado por uma erupção vulcânica

Por: EquiPE oásis. Fotos: satélitE landsat 8

a se acumular acima da linha da água. Quem estava por perto testemunhou um fenômeno raro e muito impressionante da geologia planetária: o aparecimento de uma nova porção de terra que nunca antes existira. A ilha ganhou o nome de Niijima.

Nas semanas que seguiram, a ilha tomou forma e cresceu mais e mais, nas pro-ximidades de uma outra ilha chamada Nishino Shima que surgiu do mar através do mesmo processo, há 40 anos. Também a ilha mais antiga, obviamente, nasceu da atividade do mesmo vulcão submari-no. Mas esse monstro das profundezas telúricas ainda não esvaziara a sua cai-xa de surpresas. Nos últimos dias, como consequência do seu crescimento, a ilha

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mais jovem uniu-se à outra para constituir uma úni-ca ilha.

O complexo resultante possui hoje cerca de onze quilômetros de diâmetro e 60 metros de altura, mas certamente deverá se tornar muito maior e mais alto, já que a atividade vulcânica no local, caracte-rizada por explosões e por grandes derramamentos de lava, continua a pleno vapor e não dá sinais de arrefecimento. Tudo para a delícia de centenas de cientistas reunidos no local para observar e estudar atentamente o fenômeno. Eles sabem que contem-plam um acontecimento geológico muito raro, e que

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deu origem, no passado distante, a quase todos os arquipélagos vulcâ-nicos, como é o caso do Havaí e das Ilhas Galápagos. Há poucos dias o satélite Landsat 8 tirou várias fotos da nova ilha. Ela se encontra a cerca de mil quilômetros ao sul de Tóquio, na cadeia montanhosa das Ilhas Oga-sawara.

Vídeo: veja o dia em que Niijima saiu do mar

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SONHO DE GELOÁgua de iceberg, dos polos ao equador

na ilustração, um rEbocador comEça a arrastar um icEbErg da rEgião ártica na sua longa viagEm até alguma zona quEntE E árida do globo

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aquecimento global tem levado um número cada vez maior de icebergs a desprender-se da Gro-enlândia e da Antártida e rumar para águas mais

quentes, atrapalhando a navegação até desfazer--se no oceano. Enquanto isso, mais de 1,1 bilhão de pessoas sofrem com a escassez de água potável no mundo e 2,5 bilhões não têm acesso a sistemas de purificação de água. A ideia parece inevitável: não seria possível conduzir icebergs, com sua água puríssima, às regiões áridas do planeta? Até alguns anos atrás, quase ninguém levaria a proposta a sério. Mas a moderníssima tecnologia 3D pode ter

Olevar um iceberg para abastecer regiões áridas da terra já não é um sonho impossível. um engenheiro francês e a tecnologia 3d mostram como isso pode ser feito

Por: EquiPE oásis

mudado essa avaliação.

O principal responsável por essa revisão de con-ceito é um engenheiro francês, Georges Mougin, autor do Project Iceberg, o qual já executou todos os cálculos teóricos necessários à concretização da façanha. Ainda nos anos 1970, ele fazia parte de uma equipe convocada pelo príncipe Moham-mad al-Faisal, da Arábia Saudita, para tornar re-alidade o projeto “Iceberg Transport Internatio-nal” – um plano de envolver um iceberg de 100 milhões de toneladas em lona e plástico e levá-lo das regiões árticas ao Mar Vermelho. As imen-sas dificuldades previstas para a execução do trabalho e o custo mínimo de US$ 100 milhões assustaram até mesmo os megamilionários sau-ditas e o projeto não foi adiante, mas Mougin não descartou a ideia e continuou em contato com glaciologistas, oceanógrafos e meteorologistas. Agora, cerca de três décadas e meia depois, o en-genheiro – aos 88 anos de idade – já tem meios de provar que a empreitada pode ser realizada.

Simulação virtual

Um programa de tevê mostrou o novo caminho a Mougin. Nele, um arquiteto explicava uma teoria sobre a construção das pirâmides egípcias com o auxílio de um programa da empresa de design francesa Dassault Systémes, especializada na elaboração de sofisticadas simulações em 3D. Mougin procurou então a companhia e fez conta-to com o diretor de projetos Cédric Simard.

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imagEm mostra um icEbErg tíPico, com a maior PartE submErsa, E a PrEsEnça dE uma balEia Para quE Possamos comParar os tamanhos

Conquistado pela ideia, Simard pôs sua equipe a reunir dados e a preparar uma simulação virtual solidamente fincada no mundo real.

Havia diversos fatores a considerar: o abastecimento do barco encarregado do trabalho, a taxa de derretimento do iceberg, as condições específicas do oceano – ventos, correntes marinhas, ondas, redemoinhos e por aí afora. Esses complicadores exi-giram cerca de dois anos de Mougin e da equipe da Dassault Systèmes, mas o sucesso veio, enfim, no primeiro semestre

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deste ano. A partir de seus estu-dos para preparar as simulações tridimensionais, eles estabelece-ram um roteiro para rebocar icebergs:

1) Há uma estação do ano mais adequada para capturar icebergs. Um glaciologista pode ajudar o interessado a identificá-la.

2) O iceberg não pode ser mui-to grande nem muito pequeno. Também deve ser do tipo tabular (plano na parte de cima), que apresenta risco mínimo de fratu-ra e é mais fácil de rebocar.

3) O iceberg escolhido deve re-ceber ao seu redor uma espécie

de cinto de geotêxtil (manta não tecida de filamentos de poli-propileno), tensionado com o auxílio de uma série de estacas fixadas no gelo. Estendendo-se por seis metros acima do nível da água e por outros seis metros abaixo dela, o cinto defende o iceberg de ondas que podem corroê-lo.

4) Ainda buscando preservar ao máximo o iceberg, ele deve ser envolvido por uma “saia” de geotêxtil. Mougin e a equipe da Dassault Systèmes calcularam que o ideal é que essa saia tenha 160 metros de altura, “vestindo” basicamente a parte submer-sa do iceberg. (Como a parte emersa representa apenas cerca de 10% do iceberg e tem grande capacidade de reflexão da luz solar, sua perda de gelo é pequena.) As correntes oceânicas

gEorgEs mougin (dirEita) sobrEvoa Em balão a rEgião da groEnlândia ondE é constantE a Produção dE grandEs icEbErgs

OáSIS . aMbiEntE 17/31

ilustração dE rEbocador arrastando o imEnso icEbErg FlutuantE até o sEu dEstino

aplainam a superfície do ice-berg, o que torna pouco prová-vel que a saia seja rasgada.

5) Sozinho, um rebocador nun-ca conseguiria puxar um ice-berg. A estratégia de Mougin e seus colegas é facilitar a tarefa com o auxílio das correntes marinhas, de dados coletados por satélite e de previsões me-teorológicas. Como lembrou Simard em uma entrevista, vistos pelas câmeras de um satélite, os oceanos parecem um “grande mapa de saliên-cias e buracos”. Para ser bem--sucedido, o rebocador, tal qual um esquiador, teria de escolher bem sua trajetória diante des-ses obstáculos.

Na primeira tentativa de simulação com os dados básicos reu-nidos – um iceberg capturado na costa da Terra Nova (leste do Canadá) e destinado às Ilhas Canárias, na costa noroeste da África –, o rebocador ficou semanas num redemoinho e sua carga derreteu por completo. Mougin e seus colegas decidiram experimentar mudar em algumas semanas a data de início do transporte, e bastou essa alteração para tudo dar certo.

O sucesso fez a experiência ser transformada em um documen-tário, levado ao ar pela tevê francesa em maio de 2011. Anima-do com a repercussão obtida, Mougin pôs-se a trabalhar para

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concretizar esse sonho. O preço comentado – o transporte de um iceberg de 7 milhões de toneladas custaria cerca de US$ 10 milhões – pode viabilizar comercialmente a operação, sobretu-do em regiões ricas e secas.

Os preparativos para rebocar um mini-iceberg por uma peque-na distância já estão sendo tomados, e uma jornada completa de transporte poderá ocorrer ainda nos próximos anos.

Vídeo Sonho de Gelo

um grandE icEbErg antártico com sua PartE EmErsa rEFlEtida nas águas

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as ParEdEs EmErsas dEstE icEbErg têm mais dE 80 mEtros dE altura

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EDWARD SNOWDENÉ assim que retomaremos a Internet

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DêN

CIA

OáSIS . tEndênCia

m 2013 Edward Snowden re-velou ao mundo milhares de documentos secretos da Ame-rican National Security Agency

(NSA), desencadeando um debate global a respeito dos direitos dos cidadãos à priva-

E

através de um robô de telepresença, edward snowden fala na ted2014 sobre vigilância e liberdade na internet. O direito à privacidade de dados, ele sugere, não é uma questão partidária, mas requer uma reavaliação fundamental do papel da internet em nossas vidas e das leis que a protegem. “seus direitos são importantes”, diz ele, “porque nunca se sabe quando você vai precisar deles.”

vídEo: tEd – idEas Worth sPrEading chris andErson EntrEvista EdWard snoWdEn, com ParticiPação EsPEcial dE tim bErnErs-lEE

cidade na Internet. Ele tinha apenas 28 anos quando, da noite para o dia, seu rosto apareceu estampado na primeira página dos maiores jornais e revistas do mundo. No verão de 2013, o jornal britânico The Guardian publicou uma série de documen-tos sobre as atividades da NSA, compro-metendo praticamente todos os maiores motores de busca da rede, Google, Apple e Facebook, entre outros. Todos, pelo que revelavam os informes, colaboravam com a agência secreta norte-americana no for-necimento de informações confidenciais a respeito de seus usuários.

Imediatamente perseguido pelas autori-dades de seu país, Snowden conseguiu se refugiar primeiro em Hong Kong. Seguiu logo depois para Moscou, onde recebeu asilo temporário. É lá que ele se encontra hoje, e foi na capital russa que ele conce-deu esta entrevista ao TED através de um robô de terlepresença. Acusado de espio-nagem pelo governo norte-americano – um crime que pode facilmente conduzir à pena de morte – Snowden permanece em Mos-cou, sempre na condiçãoo dde asilado tem-porário.

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Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading Chris Anderson entrevista Edward Snowden, com participação especial de Tim Berners-Lee

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Tradução integral da palestra de Edward Snowden ao TED

Chris Anderson: Os direitos dos cidadãos, o futuro da internet. Gos-taria de dar as boas-vindas, ao palco da TED, ao homem por trás dessas revelações: Ed Snowden. (Aplausos) Ed está em algum lugar remoto da Rússia, controlando este robô de seu laptop, para que possa ver o que o robô vê. Ed, bem-vindo ao palco da TED. O que você consegue ver, afinal?

Edward Snowden: Ah, consigo ver todos. Isto é incrível. (Risos)

CA: Ed, algumas perguntas. Você foi chamado de muitas coisas nos últimos meses. Foi chamado de alcaguete, traidor, e herói. Que pa-lavras usaria para descrever a si mesmo?

ES: Sabe, todos os envolvidos neste debate têm tentado entender a mim e à minha personalidade e como descrever-me. Mas quando penso sobre isso, esta não é a questão que deveria incomodar al-guém. Quem sou na verdade não importa nada. Se sou a pior pes-soa do mundo, podem me odiar e seguir em frente. O que importa são as controvérsias. O que realmente importa é o tipo de governo que queremos, o tipo de internet que queremos, o tipo de relaciona-mento entre pessoas e sociedades. E é o que espero que seja deba-tido, e estamos vendo isso acontecendo aos poucos. Se tivesse que descrever a mim mesmo, não usaria palavras como “herói”. Não usaria “patriota”, nem “traidor”. Diria que sou um americano e um cidadão, assim como todo mundo.

CA: Então, só para contextualizarmos aqueles que não conhecem toda a história... (Aplausos) - Um ano atrás, você estava alocado no Havaí, trabalhando como consultor na NSA. Como Administrador de Redes, você tinha acesso aos sistemas, e começou a revelar cer-tos documentos secretos a alguns jornalistas de sua confiança, o que levou às revelações de junho. Agora, o que o motivou a isso?

ES: Sabe, quando eu estava no Havaí, e antes, quando tra-balhava na comunidade de inteligência, vi muitas coisas que me perturbaram. Fazemos muitas coisas boas no serviço de inteligência, coisas necessárias, e coisas que ajudam a todos. Mas há também coisas que passam dos limites. Coisas que não deveriam ser feitas, e decisões tomadas em segredo, sem o conhecimento do público, sem consentimento público e sem que nossos representantes no governo tenham conheci-mento. Quando eu tive dificuldade em aceitar essas questões, pensei: “Como posso fazer isso da maneira mais responsável, que maximize o benefício ao povo e, ao mesmo tempo, mi-nimize riscos?” E de todas as soluções em que pude pensar, dentre depor no Congresso, quando não há leis, não há pro-teção legal a um empregado terceirizado, um contratado da inteligência como eu, havia o risco de eu ser enterrado com a informação e o público jamais saber. Mas a Primeira Emenda da Constituição Americana garante a nós uma imprensa livre

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EdWard snoWdEn E chris andErson

Tradução integral da palestra de Edward Snowden ao TED

por uma razão, que é a de possibilitar uma imprensa adversária, para desafiar o governo, mas também para trabalhar junto ao go-verno, ter um diálogo e um debate sobre como podemos informar o público sobre assuntos de importância vital, sem colocar em risco a segurança nacional. E ao trabalhar com jornalistas, ao repassar toda a minha informação de volta ao povo americano, em vez de tentar tomar eu mesmo as decisões sobre publicação, tivemos um debate robusto com um profundo investimento pelo governo, que, creio, resultou em benefício para todos. E os riscos que têm amea-çado, os riscos que têm sido alegados pelo governo nunca se mate-rializaram. Nunca vimos nenhuma evidência de nem mesmo um exemplo de dano específico, e, por conta disso, estou confortável com as decisões que tomei.

CA: Então, deixe-me mostrar à plateia alguns exemplos do que você revelou. Se pudermos projetar um slide, e Ed, não sei se você pode ver. Os slides estão aqui. Este é um slide do programa PRISM, e talvez você pudesse dizer à plateia o que foi revelado.

ES: A melhor maneira de compreender PRISM, porque há certa controvérsia, é primeiro esclarecer o que não é. Muito do debate nos EUA tem sido sobre metadados. Eles dizem que “é só metadata”, “só metadata”, e falam de uma autori-dade legal específica chamada Sessão 215 do Patriot Act, que permite um tipo de escuta sem mandado, vigilância em mas-sa em todo o país, de todos registros telefônicos, coisas as-sim... com quem você está falando, quando está falando, para onde viajou. Estes são registros de metadados. O PRISM trata de conteúdo. É um programa através do qual o governo pode obrigar as empresas americanas, pode forçar as empre-sas americanas a fazer o trabalho sujo para a NSA. E apesar de algumas empresas resistirem, apesar de algumas delas... acredito que Yahoo seja uma... desafiarem legalmente a NSA, todas perderam, porque isso nunca havia sido tentado em um tribunal aberto. Apenas em cortes secretas. E algo que te-mos visto, algo do programa PRISM que me incomoda mui-to, é que o governo federal tem salientado que supostamente 15 juízes federais revisaram esses programas e determinaram que são legais, mas o que não dizem a nós é que esses são juízes anônimos, em uma corte secreta, baseados em inter-pretações secretas da lei, que já aprovaram 34 mil pedidos de autorização legal em 33 anos, e em 33 anos rejeitaram apenas 11 pedidos do governo. Essas não são as pessoas que queremos que decidam o papel das empresas americanas em uma internet livre e aberta.

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Tradução integral da palestra de Edward Snowden ao TED

CA: Este slide mostra as datas em que diferentes empresas de tec-nologia, de internet, supostamente foram inclusas no programa, e onde começou a coleta de dados delas. Agora, elas negaram colabo-rar com a NSA. Como esses dados foram coletados pela NSA?

ES: Certo. Os próprios slides da NSA referem-se a isso como “aces-so direto”. O que significa, para um analista da NSA, alguém como eu que trabalhava como analista de inteligência visando ciber ha-ckers chineses, coisas assim, no Havaí, é que esses dados vêm dire-tamente de seus servidores. Não significa que existe um grupo de representantes da empresa trabalhando com a NSA em uma sala enfumaçada, tramando artimanhas e acordos sobre como repassar esses dados. Mas cada empresa trata disso de maneira diferente. Algumas são responsáveis. Outras, um pouco menos. Mas a ques-tão é que, quando falamos de como a informação é repassada, está vindo das empresas mesmo. Não é furtada durante a transmissão. Mas há algo importante a lembrarmos aqui: apesar de empresas terem lutado, apesar de empresas terem exigido, “Ei, vamos fazer isso através de autorização legal, vamos fazer isso onde tenhamos algum tipo de respaldo legal, alguma justificativa para entregarmos informações dos usuários”, vimos histórias no Washington Post no ano passado que não foram tão bem elucidadas quanto a do PRISM, e que diziam que a NSA invadira as comunicações de cen-tros de dados da Google e da Yahoo. Então, mesmo essas empresas que foram compelidas a cooperar, e esperamos que legalmente, com a NSA, não era o suficiente para a NSA, e por isso, precisamos que nossas empresas trabalhem muito duro para garantir que vão representar os interesses dos usuários, e também defender os di-reitos dos usuários. E ao longo do último ano, vimos empresas que são mencionadas nos slides do PRISM tomar grandes passos nessa direção, e eu as encorajo a continuarem.

OáSIS . tEndênCia

CA: O que mais elas devem fazer?

ES: A maior coisa que uma empresa de internet nos EUA pode fazer hoje, agora mesmo, sem consultar os advogados, para proteger os direitos de usuários de todo o mundo, é per-mitir a criptografia web SSL em todas as páginas que visita-mos. Isso é importante hoje, porque se você der uma olhada no livro “1984” na Amazon.com, a NSA pode ver um registro disso, o serviço de inteligência russo pode ver um registro disso, o serviço chinês pode ver, o serviço francês, o serviço alemão, os serviços de Andorra. Eles podem ver porque não é criptografado. A biblioteca do mundo é a Amazon.com, mas, além de eles não usarem criptografia, você não pode nem ao menos escolher usá-la quando navega através de livros. Isso é algo que precisamos mudar, não só para a Amazon, não quero ser injusto, mas eles são um grande exemplo. Todas as empresas precisam mudar para navegação criptografada como padrão, para que todos os usuários que não sabem fa

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Tradução integral da palestra de Edward Snowden ao TED

zer isso ou outros métodos próprios. Isso vai aumentar a privacida-de e os direitos que as pessoas devem ter em todo o mundo.

CA: Ed, venha comigo para esta parte do palco. Quero lhe mostrar o próximo slide. (Aplausos) Este é um programa chamado Infor-mante Sem Fronteiras. O que é?

ES: Preciso dar o braço a torcer à NSA por usar os nomes apropria-dos aqui. Este é um dos meus nomes favoritos do NSA. Informante Sem Fronteiras é um programa que a NSA escondeu do Congresso. O Congresso havia previamente perguntado à NSA se havia possi-bilidade de dar uma estimativa, por mais louca que fosse, da quan-tidade de comunicações americanas que estava sendo interceptada. Eles disseram que não. Disseram: “Não acompanhamos esses nú-meros, e não podemos medir. Não podemos dizer quanta comuni-cação interceptamos ao redor do mundo, porque dizer a vocês seria admitir que invadimos sua privacidade.” Eu realmente aprecio este sentimento deles, mas a realidade, quando olhamos para este sli-de, é de que não só tinham a capacidade, como já estavam fazendo. Estava tudo pronto. A NSA tem seu formato próprio de dados de internet, que rastreia os extremos de uma comunicação, e se diz que essa comunicação veio dos EUA, eles podem dizer ao congres-so quanto dessa comunicação eles possuem hoje, agora mesmo. E o Informante Sem Fronteiras nos diz que mais comunicação está sendo interceptada nos EUA sobre os americanos do que na Rússia, sobre os russos. Não estou certo se é o que um serviço de inteligên-cia deveria focar.

CA: Ed, saiu uma história no Washington Post, novamente de seus dados. A manchete dizia: “NSA quebrou regras de privacidade mi-lhares de vezes por ano.” Fale-nos sobre isso.

ES: Também ouvimos em testemunho no Congresso no ano passa-

do. Foi uma coisa incrível para alguém como eu, que veio da NSA e viu os verdadeiros documentos internos, sabe o que há neles, ver oficiais testemunharem sob juramento que não houve abusos, que não houve violações às regras da NSA, quando sabiam que essa história iria surgir. Mas o que me interessa especialmente sobre isso, sobre o fato de que a NSA violou suas próprias regras, suas próprias leis milhares de vezes em um único ano, incluindo um evento específico, um evento dentre 2.776, que afetou mais de 3 mil pessoas. Em outro evento, eles interceptaram todas as chamadas em Wa-shington, capital, por acidente. O que é impressionante sobre isso, este relatório, que não chamou muita atenção, é o fato de que não apenas houve 2.776 abusos, mas a presidente do Comitê de Inteligência do Senado, Dianne Feinstein, não ha-via visto este relatório até que o Washington Post entrou em contato com ela pedindo uma opinião sobre o relatório. E ela requereu uma cópia da NSA e a recebeu, mas nunca a tinha visto antes. O que isso revela sobre o estado da autoridade sobre a Inteligência americana, quando a presidente do Co-mitê de Inteligência do Senado não faz ideia de que as regras estão sendo quebradas milhares de vezes por ano?

CA: Ed, uma resposta a todo este debate é seguinte: por que deveríamos nos importar com toda esta vigilância? Porque, se a pessoa não fez nada de errado, não deve ter com que se preocupar. O que há de errado com este ponto de vista? ES: Bem, a primeira coisa é que, você está abrindo mão de seus direitos. Você está dizendo, sabe, não acho que vou precisar deles, então vou confiar neles, vamos nos livrar dos direitos, eles não importam. Esses caras vão fazer a coisa certa. Seus direitos são importantes porque você nunca sabe quando vai precisar deles. Além disso, é parte de nossa identidade cultu-ral, não apenas nos EUA, mas nas sociedades ocidentais e

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em sociedades democráticas ao redor do mundo. Pessoas deveriam ser capazes de pegar o telefone e ligar para a família, deveriam po-der mandar uma mensagem de texto para seus amados, deveriam poder comprar um livro online, deveriam ser capazes de viajar de trem, de comprar uma passagem de avião sem se preocupar sobre como esses eventos serão interpretados por uma agência gover-namental, possivelmente nem mesmo nosso governo, por anos no futuro, como serão mal interpretados e que intenções acharão que você tinha. Temos direito à privacidade. Exigimos que mandados tenham base em causas prováveis ou algum tipo de suspeita indi-vidual, porque reconhecemos que ao confiar a qualquer um, qual-quer autoridade governamental, a totalidade das comunicações da humanidade em segredo e sem supervisão é uma tentação grande demais para ser ignorada.

CA: Algumas pessoas estão furiosas com o que você fez. Recente-mente, ouvi que Dick Cheney disse que “Julian Assange era uma pi-cada de pulga, Edward Snowden é o leão que arrancou fora a cabe-ça do cão.” Ele acha que você cometeu um dos piores atos de traição da história americana. O que você diria de quem pensa assim?

ES: Esse Dick Cheney é demais. (Risos) (Aplausos) Obrigado. (Ri-sos) Acho fantástico, porque na época em que Julian Assange es-tava fazendo seu melhor trabalho, Dick Cheney dizia que acabaria com os governos de todo o mundo, os céus incendiariam e os mares ferveriam, e agora o chama de uma picada de pulga. Então, deve-ríamos suspeitar do mesmo tipo de alegações exageradas de dano à segurança nacional vindas desse tipo de autoridade. Mas vamos supor que essas pessoas realmente acreditem nisso. Eu argumen-taria que elas têm um tipo de concepção estreita do que é a segu-rança nacional. As prerrogativas de pessoas como Dick Cheney não mantêm a nação a salvo. O interesse público não é sempre igual ao interesse da nação. Ir à guerra contra pessoas que não são nossos

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inimigos, em lugares que não são uma ameaça, não aumenta nossa segurança. E isso se aplica ao Iraque ou à internet. A internet não é nosso inimigo. Nossa economia não é nosso inimigo. Empresas americanas, empresas chinesas, e qual-quer outra empresa por aí são parte de nossa sociedade. São parte de nosso mundo interconectado. Existem laços de fra-ternidade que nos unem, e se destruímos esses laços ao sabo-tar os padrões, a segurança, as boas maneiras, que nações e cidadãos em todo o mundo esperam que mantenhamos.

CA: Mas alega-se que você roubou 1,7 milhão de documen-tos. Parece que apenas poucas centenas deles foram compar-tilhadas com jornalistas até agora. Há mais revelações adian-te?

ES: Existem, com certeza, mais revelações a ser feitas. Não acho que há dúvida de que as partes mais importantes ainda virão.

CA: Venha cá, porque quero perguntar-lhe sobre esta reve-lação em particular. Venha e veja isso. Esta é a história que, para os aficionados em tecnologia nesta sala, é a coisa mais chocante que ouviram nos últimos meses. É um programa chamado Bullrun. Pode explicar de que se trata?18:01ES: Bullrun. Novamente precisamos agradecer à NSA por sua sinceridade. Este programa tem o nome de uma ba-talha da Guerra Civil. A versão britânica chama-se Edgehill, que foi uma batalha da guerra civil do Reino Unido. E a razão pela qual eu acredito que nomearam assim é porque o alvo é nossa própria infraestrutura. São programas através dos quais a NSA intencionalmente engana parceiros corporati-vos. Eles dizem às empresas parceiras que esses são padrões seguros. Eles dizem: “Precisamos trabalhar com você para

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deixar seus sistemas mais seguros”. Mas, na realidade, estão dando conselhos ruins a essas empresas, o que as faz degradar a seguran-ça de seus serviços. Estão abrindo brechas de segurança que não apenas a NSA pode explorar, mas qualquer um que tenha tempo e dinheiro para pesquisar e encontrar pode usá-las para entrar nos sistemas de comunicação mundiais. E isso é realmente perigoso, porque se perdermos um único padrão, se perdermos a confiança em algo como SSL, que foi mirado especificamente pelo programa Bullrun, viveremos em um mundo menos seguro, no todo. Não seremos capazes de acessar nossos bancos e não poderemos aces-sar comércio, sem nos preocuparmos com pessoas vigiando essas comunicações ou subvertendo-as para seus próprios fins.

CA: E essas mesmas decisões também potencialmente abrem os EUA para ciber ataques de outras fontes?

ES: Definitivamente. Um dos problemas, um dos perigosos legados que vimos da era pós-11/9, é de que a NSA tradicionalmente tem duas intenções. Estão no comando de operações ofensivas, ou seja, hacking, mas também estão no comando de operações defensivas, e tradicionalmente têm sempre dado prioridade à defesa, baseando--se no princípio de que os segredos americanos simplesmente va-lem mais. Se hackeamos uma empresa chinesa e roubamos seus segredos, se hackeamos um escritório do governo em Berlim e roubamos seus segredos, isso vale menos para o povo americano do que assegurar que os chineses não possam ter acesso aos nossos segredos. Então, ao reduzir a segurança de nossa comunicação, eles não apenas põem o mundo em perigo, mas põem os EUA em risco, de uma maneira fundamental, porque a propriedade intelectual é a base, a fundação de nossa economia, e se arriscamos isso através de segurança ineficaz, vamos pagar por isso durante anos.

CA: Mas eles fizeram um cálculo de que valia a pena fazer isso como

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parte do plano de defesa americano contra o terrorismo. Cer-tamente é um preço justo a se pagar.

ES: Bem, quando vemos os resultados desses programas contra o terrorismo, veremos que isso é infundado, e não precisa acreditar apenas em mim, porque vimos o primeiro tribunal aberto, a primeira corte federal a revisar isso, fora dos arranjos secretos, chamar estes programas de “Orwellia-nos” e provavelmente inconstitucionais. O Congresso, que tem acesso a dar parecer sobre essas coisas, e agora pretende fazê-lo, produziu leis para reformá-la, e dois grupos inde-pendentes da Casa Branca que revisaram todas as provas sigilosas disseram que esses programas jamais pararam um único ataque terrorista iminente contra os Estados Unidos. Então, é realmente o terrorismo que estamos parando? Esses programas têm algum valor, afinal? Acho que não, e todos os três braços do governo americano dizem que não também.

CA: Você acha que existe uma motivação maior para eles do que a guerra contra o terrorismo?

ES: Desculpe, não pude ouvi-lo, pode repetir?

CA: Acha que existe uma motivação maior para eles além da guerra contra o terrorismo?

ES: Sim. No fundo, o terrorismo sempre foi o que o mundo da inteligência chama de um disfarce para a ação. O terroris-mo é algo que provoca uma resposta emocional que permite às pessoas racionalizar a autorização de poderes e progra-mas, o que não ocorreria em outro caso. Os programas como Bullrun e Edgehill, a NSA havia pedido por essas permissões desde os anos 1990. Pediram ao FBI para ir ao congresso e

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defender a ideia. O FBI fez o pedido ao Congresso. Mas o Congres-so e o povo americano disseram “não”. Disseram: “Não vale o risco a nossa economia.” Disseram que o dano à sociedade é justificado pelos ganhos. Mas o que vemos é que, no pós-11/9, eles fizeram segredo e usaram a justificativa do terrorismo para iniciar esses programas em segredo, sem pedir ao Congresso, sem pedir ao povo americano, e é esse tipo de governo às escondidas do qual precisa-mos nos proteger, porque nos deixa menos seguros, e não oferece valor.

CA: Certo, venha comigo aqui por um segundo, porque tenho uma questão pessoal para você. Falando em terror, a maioria das pes-soas diria que a situação em que você está agora, na Rússia, é bem aterradora. Você certamente soube o que aconteceu, o tratamento que Bradley Manning recebeu, que agora é Chelsea Manning, e houve uma matéria no Buzzfeed dizendo que pessoas na comunida-de de Inteligência querem te ver morto. Como você lida com isso? Como você lida com o medo?

ES: Não é nenhum segredo que há governos por aí que querem que eu morra. Deixei claro várias vezes que vou dormir todas as ma-nhãs pensando sobre o que posso fazer para o povo americano. Não quero causar danos ao governo. Quero ajudar o meu governo, mas o fato de serem capazes de ignorar completamente tal processo, de serem capazes de declarar culpa sem um julgamento, essas são coisas contra as quais precisamos trabalhar como uma sociedade, e dizer que isso não é apropriado. Não devemos ameaçar dissiden-tes. Não devemos criminalizar o jornalismo. E o que eu puder fazer para alcançarmos este fim, eu o farei feliz, apesar dos riscos.

CA: Então, eu gostaria de ter alguma resposta do público aqui, por-que sei que as reações diferem bastante quanto a Edward Snowden. Vamos supor as seguintes escolhas, certo? Você diria que o que ele

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fez foi fundamentalmente imprudente e pôs os EUA em ris-co, ou foi fundamentalmente heroico e vai servir para o bem dos EUA e do mundo a longo prazo? Estas são as alternativas que dou a vocês. Estou curioso para ver quem vai votar na primeira, de que foi um ato imprudente? Algumas mãos le-vantadas. Algumas mãos levantadas. É difícil levantar a mão quando a pessoa está logo aqui, mas estou vendo.

ES: Estou vendo vocês. (Risos)

CA: Quais de vocês têm a segunda opinião, de que foi um ato heroico?E acho que é verdade que há muitas pessoas que não mostra-ram a mão e ainda estão se decidindo, porque parece que o debate sobre você não se divide em linhas políticas tradicio-nais. Não é esquerda ou direita, não é realmente sobre pró--governo, liberal, ou não apenas isso. Parte disso é quase uma questão de geração. Você é parte de uma geração que cres-ceu com a internet, e parece que você se ofendeu a um nível quase visceral quando viu algo que achou que seria danoso à internet. É verdade isso?

ES: É. Acho que é bem verdadeiro. Não é uma questão de di-reita ou esquerda. Nossas liberdades básicas, e quando digo nossas, não apenas dos americanos, digo de pessoas de todo o mundo, não são uma questão partidária. Essas são coisas em que todos acreditam, e cabe a nós protegê-las, e para pes-soas que viram e usaram uma internet livre e aberta, cabe a nós preservar esta liberdade para ser desfrutada pela próxi-ma geração, e se não mudarmos as coisas, se não nos posicio-narmos em prol das mudanças que precisamos realizar para manter a internet a salvo, não apenas para nós, mas para todos, vamos perdê-la, e isso seria uma tremenda perda,

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não apenas para nós, mas para todo o mundo.

CA: Bem, ouvi algo similar recentemente do fundador da world wide web, que acredito que esteja conosco, Sir Tim Berners-Lee. Tim, na verdade, poderia subir e dizer... Temos um microfone para Tim?Tim, prazer em vê-lo. Venha cá. Qual sua opinião, por sinal: traidor ou herói? Eu tenho uma teoria, mas...

Tim Berners-Lee: Dei respostas bem mais longas sobre o assunto, mas herói, se tivesse que escolher entre os dois.

CA: E Ed, acho que você leu a proposta de que Sir Tim tem falado, sobre uma nova Carta Magna para a retomada da internet. Faz sentido? ES: Completamente. Digo, minha geração, eu cresci não apenas pensando sobre a internet, mas cresci na internet, e apesar de nunca esperar ter a chance de defendê-la de maneira tão direta e prática e incorporá-la nesta maneira incomum, quase como um avatar, acho que há algo de poético sobre o fato de que um dos fi-lhos da internet ficou realmente próximo da internet como resulta-do de sua expressão política. E acho que uma Carta Magna para a internet é exatamente o que precisamos. Precisamos codificar nos-sos valores não apenas em lei, mas na estrutura da internet, e isso é algo que espero, convido a todos na plateia, não apenas em Van-couver mas em todo o mundo, a unir-se e participar.

CA: Quer perguntar algo a Ed?

TBL: Bem, duas perguntas, uma questão geral...

CA: Ed, pode nos ouvir ainda?

ES: Sim, eu posso. CA: Oh, ele voltou.

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TBL: O grampo em sua linha ficou com interferência por um momento. (Risos)

ES: É um probleminha com a NSA.

TBL: Então, desses 25 anos, observando e pensando, o que você acha que seria o melhor que poderíamos conquistar de todas as discussões que estamos tendo sobre a web que que-remos?

ES: Quando pensamos em termos de quão longe podemos ir, acho que é uma questão que só está limitada pelo tanto que queremos investir nela. Acho que a internet que tivemos no passado foi exatamente o que nós, não apenas a nação mas todas as pessoas do mundo, precisamos, e através de coope-ração, comprometimento em não apenas as partes técnicas da sociedade, mas, como você disse, os usuários, as pessoas ao redor do mundo que contribuem através da internet, atra-vés de mídias sociais, que apenas checam o clima, que depen-dem dela diariamente como parte de suas vidas, que lutem por isso. Teremos não apenas a internet que tínhamos, mas uma internet melhor, um presente melhor, algo que pode-mos usar para construir um futuro que será melhor não ape-nas do que esperamos mas do que possamos imaginar.

CA: São 30 anos desde a fundação da TED, em1984. Muito de nossa conversa desde então tem sido em termos de que na verdade George Orwell previu mal. Não é o Grande Irmão que nos vigia. Nós, através do poder da web, e transparência, estamos vigiando o Grande Irmão. Suas revelações serviram de arma através do coração desta visão otimista, mas você ainda acredita que há uma maneira de fazer algo sobre isso.

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E você também.

ES: Certo, então pode-se argumentar que os poderes do Grande Irmão diminuíram bastante. Saiu recentemente um artigo jurídico, de Yale, que estabelece algo chamado Princípio Bankston-Soltani, de que nossa expectativa de privacidade é violada quando a capaci-dade de vigilância governamental torna-se mais barata por uma or-dem de magnitude, e cada vez que isso ocorre, precisamos revisitar e reequilibrar nosso direito à privacidade. Isso nunca havia acon-tecido desde que os poderes de vigilância do governo aumentaram muitas ordens de magnitude, e é por isso que estamos no problema de hoje, mas ainda há esperança, porque o poder dos indivíduos também aumentou com a tecnologia. Eu sou prova viva de que um indivíduo pode bancar os mais poderosos adversários e as mais poderosas agências de Inteligência do mundo e vencer, e acho que isso é algo que nos inspira esperança, e precisamos nos apoiar nisso para que seja acessível não apenas a especialistas técnicos, mas a cidadãos comuns de todo o mundo. O jornalismo não é crime, co-municação não é crime, e não devemos ser monitorados em nossas atividades diárias.

CA: Não tenho certeza de como apertar a mão de um robô, mas imagino que é sua mão aqui.

TBL: Vão inventar isso logo.

ES: Foi um prazer conhecê-lo, e espero que minha transmissão es-teja tão bem quanto minha imagem de vocês.

CA: Obrigado, Tim. Recentemente, o New York Times pediu uma anistia para você. Você gostaria de voltar aos EUA?ES: Com certeza. Não tenha dúvida, os princípios que fundaram este projeto foram o interesse público e os princípios que apoiam

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o jornalismo dos Estados Unidos e ao redor do mundo, e acho que se a imprensa está dizendo: “Apoiamos isso, isso é algo que precisava acontecer”, é um argumento poderoso, mas não o argumento final, e acho que o público deve deci-dir. Mas, ao mesmo tempo, o governo deu sinais de que quer fazer algum tipo de acordo, que querem que eu entregue os jornalistas que trabalharam comigo, para voltar, e eu quero deixar bem claro que eu não fiz isso para me livrar. Eu fiz isso porque achei que era correto, e não vou parar meu trabalho pelo interesse público apenas para me beneficiar. (Aplausos)

CA: Enquanto isso, cortesia da internet e desta tecnologia, você está aqui, de volta à América do Norte, não é bem os EUA, o Canadá, nesta forma. Estou curioso: como é?

ES: O Canadá é diferente do que eu esperava. É bem mais quente. (Risos)

CA: Na TED, nosso lema é “Ideias que valem a pena ser di-vulgadas.” Se você pudesse resumir em uma ideia, qual sua ideia a ser divulgada, neste momento? ES: Eu diria que o ano passado foi um lembrete de que a democracia pode morrer atrás de portas fechadas, mas nós, indivíduos, nascemos atrás das mesmas portas fechadas, e não temos que desistir de nossa privacidade para ter um bom governo. Não vamos abrir mão de nossa liberdade para ter segurança. E acho que trabalhando juntos podemos ter ambos, governo aberto e vidas privadas, e espero poder trabalhar com todos mundo afora para que isso aconteça.Muito obrigado.

CA: Ed, muito obrigado.

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