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Revista Linha Direta - Especial 15 anos conhecimento Celito Meier* O ato de educar, inserido no projeto edu- cativo de quem se sabe instrumento e mediação no processo de lapidação da alma humana, busca desentranhar e au- xiliar nas configurações das potencialidades humanas. Compreender que a vida é sempre mais do que qualquer configuração histórica já construída coloca-nos na dinâmica da cons- tante superação das próprias imagens de ser humano e sociedade. Na singularidade do nosso compromisso edu- cativo está uma concepção antropológica. Inicialmente, partimos do princípio de que o ser humano não é apenas CORPO, matéria, ser de necessidades, inserido no reino animal, membro da natureza; é também – mas não só – PSIQUÊ, que traz o distintivo da racionali- dade, da consciência de si e do mundo; mas é também ESPÍRITO, ou seja, consciência que se sente e se percebe ligada a todas as coisas, como parte do mesmo Todo. Em decorrência disso, a educação adquire di- mensão profundamente espiritual, superando Educando a potencialidade humana Revista Linha Direta - Especial 15 anos © Orlando Florin Rosu / Photoxpress

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Celito Meier*

O ato de educar, inserido no projeto edu-cativo de quem se sabe instrumento e mediação no processo de lapidação

da alma humana, busca desentranhar e au-xiliar nas configurações das potencialidades humanas. Compreender que a vida é sempre mais do que qualquer configuração histórica já construída coloca-nos na dinâmica da cons-tante superação das próprias imagens de ser humano e sociedade.

Na singularidade do nosso compromisso edu-cativo está uma concepção antropológica. Inicialmente, partimos do princípio de que o ser humano não é apenas CORPO, matéria, ser de necessidades, inserido no reino animal, membro da natureza; é também – mas não só – PSIQUÊ, que traz o distintivo da racionali-dade, da consciência de si e do mundo; mas é também ESPÍRITO, ou seja, consciência que se sente e se percebe ligada a todas as coisas, como parte do mesmo Todo.

Em decorrência disso, a educação adquire di-mensão profundamente espiritual, superando

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a tendência pragmática; ela não só reconhece o ini-cial e necessário direito às condições materiais da vida e luta pela sua sustentabilidade material quanto se compromete com a formação de uma nova inteli-gência, a consciência da teia da vida; e, ainda, des-perta e alimenta nova sensibilidade: a consciência de pertencimento. Nessa dimensão espiritual, o ato de educar fomenta as questões que alimentam a re-flexão sobre o destino comum da vida no planeta.

Pensar a educação inserida nessa dinâmica mais complexa requer o reposicionamento do currículo em sua função mediadora. Considerando como fina-lidade da educação a lapidação da alma humana e mergulhado no espírito da transcendência da vida, o currículo deve ser compreendido, em sua função pe-dagógica, social e evangelizadora, como meio a ser-viço da construção de competências e habilidades que engendrem a progressiva autonomia intelectual e ética dos estudantes.

Dessa forma, a finalidade da educação não consiste, e jamais deverá consistir, na abstração do olhar ob-cecado pelo programa a cumprir, mas no cultivo da nova inteligência e da nova sensibilidade, no cultivo de estruturas mentais capazes de perceber e de re-construir as relações inclusivas que compõem a teia do Todo. O cultivo dessas estruturas mentais deverá estar associado ao aprender a fazer, às habilidades que fazem acontecer o que foi previamente contem-plado pela inteligência e afetado pela sensibilidade, nessa educação do desejo que aprende a desejar o desejável, o bem comum, no interior do qual o bem particular está contemplado.

Educar para o estado democrático de direito somen-te é possível fazendo da democracia o nosso próprio método, o nosso jeito de viver e de caminhar. Nesse caminhar, que necessariamente acontecerá em meio a conflitos – considerando as múltiplas identidades que compõem o todo –, aprender a dialogar e a cons-

truir consensos torna-se um dos imperativos funda-mentais. E, nesse processo, aprender a trabalhar com o erro é aprendizagem significativa e motivo de maturação.

Por isso, a educação deverá necessariamente es-tar voltada para a formação ou construção de um quadro de referências valorativo que identifique e sinalize para o horizonte sempre maior, ao mesmo tempo em que motive, desinstale e faça desejar e construir, na história, esse ideal maior. A emergente sensibilidade ecológica torna-se o viés por meio do qual a educação deverá construir os caminhos para a integração do ser humano à rede da vida.

Assim, o imperativo fundamental de todo ato e pro-jeto educativo autênticos reivindica educar o dese-jo e alimentar a sensibilidade para a construção do princípio da sustentabilidade, combatendo tanto a insustentabilidade social da fome e da miséria, da estrutura social injusta e predatória, quanto a insus-tentabilidade de certas concepções de ensino que caminham na contramão da vida.

Dessa forma, educação é sinônimo de atitude refle-xiva, argumentativa e criativa, na busca desse novo ser que, embora adormecido, é nossa potência. Por isso, a educação torna-se método que tem por fim trazer à luz um novo espírito que não tem como nascer senão através do encontro, da interação de sujeitos que, cotidianamente, aprendem a rever, a ressituar e a ressignificar a vida pessoal e coletiva no interior de uma “Terra que geme em dores de parto”, necessitada de um novo espírito que possa auxiliá-la no restabelecimento do equilíbrio vital.

Nesse processo maiêutico, de proporcionar o nasci-mento da potencialidade humana, a função do pro-fessor, que é educador, consiste fundamentalmen-te em organizar, administrar e dinamizar situações e vivências que desafiem e estimulem, a partir de situações-problema, a construção e a vivência desse novo marco referencial, no qual as dimensões políti-ca e ecológica do ser humano deverão ser essencial-mente reconhecidas.

*Educador, filósofo e teólogo. Autor dos livros de filo-sofia da Coleção A vida é mais

www.avidaemais.com.br

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