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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM MUSEUS DE CIÊNCIA: DIÁLOGOS, PRÁTICAS E CONCEPÇÕES Gustavo da Costa Meyer Orientador: Profº Dr. Marcos Bernardino de Carvalho Relatório parcial de Iniciação Científica, financiado pela categoria institucional (RUSP). São Paulo, fevereiro de 2012.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES

EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM MUSEUS DECIÊNCIA: DIÁLOGOS, PRÁTICAS E

CONCEPÇÕES

Gustavo da Costa Meyer

Orientador: Profº Dr. Marcos Bernardino de Carvalho

Relatório parcial de Iniciação Científica, financiado pela categoria institucional (RUSP).

São Paulo, fevereiro de 2012.

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2SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL E MUSEUS DE CIÊNCI A,

QUAL A RELAÇÃO? .................................................................................................... 3

1. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E MUSEUS DE CIÊNCIA: PRIMEIRO S

ASPECTOS..................................................................................................................... 4

2. MUSEUS DE CIÊNCIA: ESPAÇOS PRIVILEGIADOS PARA A PRÁTICA E

DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL ........................................ 6

3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ........................................ 7

4. MUSEUS DE CIÊNCIA: ORIGENS E CONCEITOS ........................................... 8

5. MUSEUS: PAPÉIS E MODELOS DE COMUNICAÇÃO.................................. 10

5.1 Papéis dos Museus de Ciência........................................................................... 10

5.2 Modelos de Comunicação e Educação Científica............................................ 13

6. CRISE AMBIENTAL, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E MUSEUS DE CIÊNCIA

........................................................................................................................................ 17

6.1 Reflexões quanto a crise ambiental................................................................... 17

6.2 Reflexões quanto a crise ambiental: conceitos de desenvolvimento............... 22

6.3 Educação ambiental: contexto geral e vertentes.............................................. 27

6.4 Educação Ambiental e Museus de Ciência....................................................... 32

7. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS ............................................................................. 37

8. REFERÊNCIAS........................................................................................................ 38

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3APRESENTAÇÃO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL E MUSEUS DE CIÊNCI A,

QUAL A RELAÇÃO?

A idéia de se tratar, nesta pesquisa ainda em curso, da educação ambiental em

museus de ciência (com características que serão definidas no decorrer do trabalho),

surgiu a partir de minhas experiências como educador na Estação Ciência, o que me deu

a grande oportunidade de observar as exposições com temáticas socioambientais

presentes naquele espaço, assim como a relação destas temáticas com o espaço em si e

suas formas de concepção e apresentação. A partir dessas observações e de diálogos

com outros colegas educadores da Estação Ciência, reflexões preliminares quanto a

forma de educação ambiental praticada me vieram à mente, ou seja, percebi que talvez a

educação ambiental praticada, não somente na Estação Ciência, mas em museus de

ciência em geral, não fosse a mais adequada e que, inclusive, mudanças nesse aspecto

poderiam potencializar o espaço museal em si, proporcionando uma

interdisciplinaridade que na prática não existe.

Mas, afinal, qual seria a importância de se tratar de questões socioambientais em

museus de ciência? Creio que os museus de ciência são importantes espaços públicos de

discussão e, portanto, possuem papel fundamental, dentro de uma cadeia educacional,

na formação sociopolítica societária, podendo proporcionar reflexões e atitudes críticas

em relação a temas importantes, que envolvem não somente conhecimentos científicos,

como também outras formas de conhecimento, como é o caso dos temas

socioambientais, que são multi, trans e interdisciplinares por natureza, envolvendo

questões profundas, como a de modelos de desenvolvimento. Atualmente, os museus de

ciência encontram-se despotencializados como espaços de discussão, não

proporcionando uma comunicação dialógica, transmitindo informações ao invés de

proporcionar reflexões a respeito destas; o foco museológico encontra-se muito mais

nos objetos e na organização das exposições (o que não deixa de ser importante), do que

no potencial do espaço museal em si, como chamariz para discussões sociopolíticas

relevantes.

Tais discussões e reflexões resumidamente apresentadas, portanto, envolvendo a

educação ambiental em museus de ciência, serão tratadas de maneira mais profunda no

decorrer deste trabalho, após um maior esclarecimento da problemática tratada nesta

pesquisa e de sua importância.

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41. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E MUSEUS DE CIÊNCIA: PRIMEIRO SASPECTOS

Apesar dos inúmeros benefícios que os avanços científicos e tecnológicos

acarretaram para as sociedades humanas até os dias atuais, existem muitos aspectos

inerentes à ciência e ao método científico com implicações consideradas problemáticas

para o meio ambiente e para a sociedade, se é que tais dimensões podem ser separadas.

Historicamente, considera-se que o grande êxito da ciência européia moderna foi a

simplificação da complexidade, fragmentando a ciência em disciplinas e separando os

objetos de estudo do sujeito que os estudava. Tal método entra em desacordo com uma

realidade complexa em diferentes níveis. Além disso, outras formas de conhecimento,

de saberes, foram marginalizados.

Sousa Santos, ao tratar das tensões entre ciência, filosofia e teologia, coloca que

a “visibilidade [dessas tensões] assenta na invisibilidade de formas de conhecimento

[populares, leigos, plebeus, camponeses ou indígenas] que não se encaixam em

nenhuma dessas modalidades” (2007, p.72). Esses conhecimentos estão para além do

universo do verdadeiro e do falso científico, e de sua objetividade e racionalidade

instrumental.

Acredita-se que, para fazer frente às novas questões socioambientais

emergentes, ou à “crise do conhecimento” nas palavras de Leff (2003), a ciência

fragmentada em disciplinas deveria converter-se em ciência inter e transdisciplinar,

mas, além disso, a ciência moderna deve ser encarada como promotora de um diálogo

entre os saberes ou “ecologia de saberes” segundo Sousa Santos (2007), reconhecendo-

se a pluralidade de conhecimentos diversos e as interações entre eles, sem comprometer

suas autonomias.

A crise ambiental é, portanto, uma crise do pensamento ocidental, da objetivação

e da homogeneização do mundo, da cisão entre sujeito e objeto, separando-se a

racionalidade formal da racionalidade substantiva:

A complexidade ambiental abre uma nova reflexão sobre a natureza do ser,do saber e do conhecer; sobre a hibridação do conhecimento nainterdisciplinaridade e na transdisciplinaridade; sobre o diálogo de saberes ea inserção da subjetividade dos valores e dos interesses na tomada dedecisões e nas estratégias de apropriação da natureza. (LEFF, 2003, p.22)

O objetivo de apresentar aos indivíduos instrumentos que possibilitem uma

análise crítica dos aspectos inerentes a ciência em sua relação com o meio ambiente e a

sociedade (tais como sua fragmentação, sua relação com outros saberes, seus limites,

suas possibilidades) demanda um grande esforço educacional, necessitando-se de uma

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5divulgação científica interligada com a Educação Ambiental (EA) em sua vertente

crítica, colocada por Layrargues como “um processo educativo eminentemente político,

que visa ao desenvolvimento nos educandos de uma consciência crítica acerca das

instituições, atores e fatores sociais geradores de riscos e respectivos conflitos

socioambientais” (2002, p.189).

Os espaços educacionais que podem comportar práticas pedagógicas voltadas

para a relação entre ciência e questões socioambientais são os mais variados, como

espaços formais, por exemplo. Ao lado de instituições sociais de educação formal,

existem outros núcleos de aprendizagem, as chamadas comunidades aprendentes, onde,

segundo Brandão, as “pessoas aprendem ensinando e ensinam aprendendo, (…) [com]

as pessoas (…) intertrocando saberes entre elas” (2005, p.87-88). Exemplos de espaços

que abrigam uma educação dessa espécie são os museus, cuja conceituação será tratada

posteriormente.

Segundo Margareth Lopes, os museus brasileiros são “verdadeiras escolas

abertas” (2001, p.883), visto que “estabeleceram-se como poderosas instituições de

controle de políticas, de concepções científicas e de troca de conhecimentos (...)” (2010,

p.1). Portanto, esses locais funcionam (ou funcionavam) tanto como institutos de

pesquisa, como também centros de divulgação do conhecimento de maneira

diferenciada, seja este conhecimento considerado científico ou não. No caso específico

do chamado museu de ciência, foco deste trabalho, sua importância se dá

principalmente no âmbito da ampliação e refinamento da chamada alfabetização

científica, buscando-se contribuir para a formação de cidadãos críticos, capazes de

apreciar a ciência como parte da cultura e estarem aptos a dialogar com outros saberes e

questionar o conhecimento em voga. Esta alfabetização científica adquire uma

importância ainda maior ao ser inserida no contexto dos problemas socioambientais

atuais, visto que para discutir e se engajar como cidadão no enfrentamento de tal

realidade, a população necessita estar cientificamente letrada (em um sentido de

formação, e não de capacitação) e sociopoliticamente consciente.

Os museus, de maneira geral, possuem aspectos educativos e comunicacionais

característicos, complexos e abstratos, sendo de fundamental importância o trato dos

métodos de comunicação empregados nesses espaços, assim como as concepções

existentes, direta ou indiretamente, nesses métodos. Este trabalho tratará posteriormente

de tais métodos comunicacionais, assim como a influência destes na forma de EA

praticada, suas potencialidades e/ou limitações.

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6Sendo assim, dentro deste contexto de relacionamento entre museus de ciência

e EA, pergunta-se: De que maneira a problemática socioambiental vêm sendo

relacionada com a ciência em museus voltados para a divulgação científica?

Com vistas a tornar mais clara a idéia que orienta este trabalho e, tendo em vista

a problemática exposta até este momento, parte-se da hipótese que, os atuais museus de

ciência, em suas exposições que tratam de temáticas socioambientais, buscam explicitar

ao público visitante o caráter conceitual do tema tratado, ou seja, busca-se expor o fato

de forma científica, não abordando-se fatores políticos, sociais ou éticos que existem no

contexto do tema. Tal forma de comunicação e divulgação científica, apesar de

importante, por fornecer bases científicas mínimas para que os indivíduos possam

opinar sobre determinado assunto, pode vir a prejudicar uma formação cidadã mais

ampla, capacitada a intervir em políticas públicas ou privadas e, principalmente, não

fornece subsídios para se pensar em outros modelos de desenvolvimento, mais justos e

equitativos. Deve-se pensar e discutir, portanto, como os temas ambientais ou

socioambientais, em museus de ciência, podem ser geradores de discussões políticas

mais amplas e, além disso, como tais temas podem servir como articuladores entre as

áreas científicas em si com outras formas de saberes.

Antes, contudo, de entrar-se em aspectos especificamente relacionados ao

espaço museológico, com a concepção e prática de EA que o caracteriza, retoma-se nos

próximos capítulos (2 e 3) as idéias bases desta pesquisa, buscando-se a clara

visualização dos objetivos e da importância da temática, brevemente tratada nesta

introdução.

2. MUSEUS DE CIÊNCIA: ESPAÇOS PRIVILEGIADOS PARA A PRÁTICA EDESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Um museu possui particularidades importantes na realização de práticas

educativas quando comparado com outros espaços educacionais. Os museus propiciam

uma maior liberdade na seleção e organização de conteúdos e metodologias, ampliando

possibilidades de multi, inter e transdisciplinaridade e contextualização, permitindo a

livre circulação do público entre suas temáticas; mas mais importante que esses fatores,

os museus possibilitam a realização daquele “diálogo de saberes” apregoado por Leff

(2003), onde tanto exposições fixas como itinerantes podem apresentar conteúdos que

envolvam outras formas de conhecimento e suas estratégias de apropriação da natureza

(que podem ser antagônicas) dentro de um espaço que abriga o conhecimento científico.

Assim, tais espaços possuem um grande potencial na promoção da motivação intrínseca

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7para o estudo de ciências e seus vínculos com as questões ambientais e outros saberes,

principalmente no que tange as implicações socioambientais do desenvolvimento

científico.

A motivação pela realização de uma pesquisa, vinculando a EA e espaços como

museus de ciência, advém do reconhecimento da complexidade ambiental e a

necessidade de uma revolução no pensamento, “uma transformação do conhecimento e

das práticas educativas para construir um novo saber e uma nova racionalidade que

orientem a construção de um mundo de sustentabilidade, de equidade, de democracia”

(LEFF, 2003, p.22). Nesse sentido, o museu de ciência, dentro de suas potencialidades e

limitações, pode vir a contribuir com um olhar mais sistêmico da problemática

socioambiental, não podendo se perder de vista, obviamente, o fato de que os museus de

ciência fazem parte de uma cadeia de espaços educacionais mais ampla (escolas,

parques, entre outras), cada qual com suas possibilidades de contribuição, respeitando-

se suas características.

Destacados os atributos principais dos museus de ciência, que os qualificam

como espaços educacionais privilegiados, os objetivos desta pesquisa são, portanto, a

identificação e análise crítica das práticas, discursos e concepções educacionais de

cunho socioambiental realizadas em museus de ciência, assim como a proposição de

outras formas de ações educativas com tal caráter, que poderiam ser empregadas nestes

espaços.

3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Tendo como referenciais teóricos a comunicação e divulgação científica em

museus, a ecologia de saberes, a crise cognitiva e a necessidade do diálogo de saberes, e

a concepção da EA crítica, em um primeiro momento desta pesquisa buscou-se os

métodos de comunicação e educação científica praticados nos museus de ciência

atualmente, buscando-se um diálogo entre tais métodos empregados com os papéis dos

museus científicos diante das demandas sociais contemporâneas, discutindo-se a EA

praticada nos museus de ciência, dentro do contexto dos métodos comunicacionais e

educacionais empregados.

Portanto, foi analisada a influência dos métodos comunicacionais e

educacionais, historicamente empregados pelos museus de ciência para o fim da

divulgação científica, na EA praticada por tais museus como uma de suas atividades,

buscando-se potencialidades e limitações dessas práticas e novos horizontes de ações.

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8Com esse intuito, teóricos da comunicação e educação em museus e teóricos da EA

foram utilizados.

Posteriormente, foram avaliadas as práticas de cunho socioambiental praticadas

na Estação Ciência, museu de ciência existente no município de São Paulo. Tal museu

foi utilizado como estudo de caso, na análise crítica e na tentativa de proposição de

novas ações educativas, de acordo com as concepções de EA existentes atualmente

nesse espaço.

4. MUSEUS DE CIÊNCIA: ORIGENS E CONCEITOS

Destacadas as idéias que deram origem a esta pesquisa, e exposta a pertinência

da mesma, pode-se adentrar efetivamente nos aspectos teóricos e práticos que compõem

os museus em suas interligações com a EA.

Primeiramente, é necessário conceituar de forma mais clara o objeto de estudo

deste trabalho, os museus de ciência, tendo em vista que estes possuem ramificações

com características peculiares, tratando de temas distintos entre si e, portanto, não

incorporando, em muitos casos, temáticas socioambientais neste contexto de atuação.

Existem atualmente, no mundo, aproximadamente 35.000 museus dos mais variados

tipos (KNOBEL, 2008); já no Brasil, existem hoje cerca de 140 centros e/ou museus de

ciência, com mais de 80 deles localizados na região Sul- Sudeste do país, sendo que

apenas o Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e São Paulo possuem grandes centros de

ciência, com uma oferta permanente e um número considerável de visitantes. Apesar de

existirem grandes controvérsias sobre as instituições que podem ser caracterizadas como

museus de ciência, Marandino (2008) considera zoológicos, jardins botânicos, hortos e

centros de cultura como museus de ciência, por possuírem alguns elementos (objeto,

espaço e tempo) e pelo objetivo comum de divulgação científica, atrelada a outros

objetivos.

De maneira geral, portanto, existem inúmeros espaços que podem ser incluídos

no conjunto dos museus de ciência, por possuírem características em comum; no

entanto, tais espaços também possuem algumas particularidades, construídas

historicamente, que os definem em subconjuntos específicos.

Assim, historicamente, o papel e a organização dos museus foi se alterando, de

acordo com o contexto sociopolítico da época e, também, de acordo com as linhas

pedagógicas que foram sendo pensadas e debatidas. Dessa forma, os museus foram

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9transformando algumas de suas características primordiais, recebendo novas

denominações dentro desse conjunto.

Segundo Gaspar (1993), o papel dos museus alterou-se muito ao longo do

tempo, passando dos tradicionais espaços destinados a preservação de coleções e

monumentos históricos, sem qualquer organização ou catalogação dos objetos, para os

centros de ciência contemporâneos, construídos e planejados segundo o conceito da

interatividade, partindo do pensamento de que o aprendizado depende da manipulação

dos objetos.

No entanto, antes de se tratar dos extremos da constituição histórica dos museus,

é necessário tratar do surgimento do interesse pela divulgação e comunicação científica

utilizando-se museus que trabalhassem de modo particular a ciência. Tal interesse,

segundo Gaspar (1993), começou a surgir entre os séculos XVII e XVIII; o ápice

ocorreu devido a revolução industrial e através do impacto provocado pela Teoria da

Evolução de Darwin, quando formalmente surgiram os museus de ciência e tecnologia e

os museus de história natural. Tais museus de ciência eram, no início, basicamente

centros de pesquisa, mais do que de educação; todavia, com o surgimento das

Universidades, muitos destes museus foram atrelados administrativamente às mesmas,

alterando seu principal objetivo para a área educacional, principalmente para a educação

científica.

Posteriormente, pós segunda Guerra Mundial, surgiram os chamados centros de

ciência, que, apesar de objetivarem também a educação científica, se diferenciavam dos

modelos de museus de ciência concebidos até então, já que possuíam um caráter menos

“histórico”, ou seja, não possuíam interesses profundos na conservação e preservação de

objetos e, sim, na construção de suas próprias exposições, de acordo com suas áreas de

interesse, possuindo artefatos de maior interatividade. Assim, de forma a construir uma

linha cronológica do surgimento e papel dos museus de ciência, pode-se dizer que eles

se dividem basicamente em dois grupos: a categoria tradicional, com preocupações

voltadas para a preservação do passado, ou como centros de ciência, com vistas ao

presente e ao futuro. Cury et al. (2000) procuraram tornar mais evidente a divisão entre

museus de ciência tradicionais e os centros de ciência, como exposto na figura 1 abaixo:

Museus de ciência tradicionais Centros de CiênciaFunção social e educacional Função social e educacional

Política de atuação Política de atuaçãoComprometimento com a

socialização do conhecimentoComprometimento com a socialização do

conhecimento

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10Preserva e comunica Comunica

Método de trabalho centrado noprocesso curatorial

Método de trabalho centrado no processo decomunicação

Aquisição de acervo/formação decoleções

Fabricação de “acervo” de modelos

Conservação preventiva erestauração

Renovação, manutenção e reposição

Comunicação do temas pertinentesao acervo por meio de exposição,

monitoria e outras estratégias

Comunicação de temas científicos ligados àpolítica científica do centro por meio deexposição, monitoria e outras estratégias

As atividades são orientadas peloacervo e a exposição é a principal

forma de comunicação

As atividades são orientadas pela divulgaçãocientífica e nem sempre há uma ênfase sobre

um meio específicoFigura 1: Comparação das características de museus tradicionais e centros de ciências etecnologia (adaptado de CURY et. al., 2000).

Assim, segundo os próprios autores, na comparação entre as colunas, percebe-se

que o principal diferencial entre as duas instituições está na forma da constituição dos

acervos e no uso das coleções no desenvolvimento das ações públicas; as principais

semelhanças correspondem ao compromisso social que ambas possuem ao divulgar

conhecimento científico e tecnológico.

Contudo, para este trabalho, o mais importante é que os centros de ciência

possuem, além das características já destacadas, uma ligação maior com a realidade

cotidiana e com a interface meio ambiente/sociedade, o que possibilita uma avaliação,

por parte desta pesquisa, da EA tratada nestes espaços, suas limitações atuais e

potencialidades futuras.

Assim, com vistas a uma padronização, quando tratar-se neste trabalho a respeito

da relação entre EA e museus de ciência, deve-se levar em conta, como referencial de

características e atuação, os centros de ciência contemporâneos, como já destacado.

5. MUSEUS: PAPÉIS E MODELOS DE COMUNICAÇÃO

5.1 Papéis dos Museus de Ciência

Como já dito anteriormente, o papel exercido pelos museus de ciência alterou-se

muito ao longo do tempo, provocando, inclusive, distinções em seu interior.

Atualmente, o papel que os museus de ciência, tanto os tradicionais como os centros de

ciência, devem exercer na sociedade, é ainda extremamente discutido e debatido por

pesquisadores do tema.

Em reportagem publicada na Revista Com Ciência em 2003, as diversas

opiniões a respeito do papel dos museus de ciência foram colocadas em destaque. A

professora Margareth Lopes, por exemplo, representando a opinião de um grupo de

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11pesquisadores, defende que a divulgação científica deve relativizar a própria ciência,

apresentando também suas controvérsias e situando-a em um contexto social mais

amplo:

A cultura científica é apenas uma das formas de cultura. A ciência não temum status epistemológico superior a outras manifestações culturais. É umaatividade mundana, social, praticada por pessoas que vivem em umdeterminado contexto sócio-econômico, em períodos históricosdeterminados1

Deve-se, portanto, desmistificar a ciência (sua universalidade e objetividade),

colocando-a como apenas uma das formas de cultura.

Para Gilson Antunes da Silva, pesquisador da Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ), os museus devem acrescentar outros tipos de saberes, não classificados

como científicos, ao seu projeto educacional:

A experiência dos museus de síntese, como o Museu Nacional do México,procura investigar a medicina tradicional dos índios, resgatando seu valorsimbólico e terapêutico. Há um reconhecimento dos saberes tradicionais, queaquela ciência positivista do século XIX não admitia. A ausência de diálogoentre aquilo que é classificado como pré-científico e científico hoje é muitorelativizada2

Além disso, Gilson defende que os museus deveriam discutir aspectos éticos e

sociais da ciência, visto que tal conhecimento sobre a ciência, a chamada alfabetização

científica, funcionaria como um mecanismo de defesa para a sociedade.

Já o professor Marcelo Firer é crítico em relação ao questionamento da ciência

como saber instituído:

Relativizar a ciência ou contestar a ciência por motivos ideológicos é algocomo negá-la. Hoje o cidadão vive imerso na Ciência e Tecnologia e não hásaída fora dela3

Firer também destaca “a interatividade proporcionada pelos experimentos

expostos (...) como fundamental para o centro de ciência levar a uma reflexão do que

está sendo mostrado”.³

1 Entrevista dada à Revista Com Ciência por Margareth Lopes em 2003, disponível em:<http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=37&id=44>. Acesso em: agosto de 2011.2 Entrevista dada à Revista Com Ciência por Gilson Antunes da Silva em 2003, disponível em:<http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=37&id=44>. Acesso em: agosto de 2011.

3 Entrevista dada à Revista Com Ciência por Marcelo Firer em 2003, disponível em:<http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=37&id=44>. Acesso em: agosto de 2011.

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12Assim, percebe-se que existe uma ampla diversidade de opiniões a respeito do

papel dos museus de ciência, ou pelo menos em relação a forma como os museus devem

tratar a própria ciência. Entretanto, em sua pesquisa, Delicado (2004) procurou

sistematizar as principais funções dos museus de ciência em Portugal, deixando claro

que os resultados são aplicáveis a outros museus de ciência espalhados pelo mundo.

A autora utiliza-se do International Council of Museums (ICOM) com o intuito

de definir o museu e suas funções: “Instituições [que] destinam-se à aquisição,

conservação, investigação e comunicação, com a finalidade de estudo, educação e

divertimento, de testemunhos materiais dos povos e do seu ambiente” (DELICADO,

2004, p.3). De acordo com a autora, os museus científicos, dessa forma, abarcariam

algumas destas funções e introduziriam outras novas, desenvolvendo suas atividades e

conteúdos de acordo com demandas do contexto envoltório.

Assim, a autora procura elencar, através de análises documentais e de

entrevistas, aquelas que seriam as principais funções dos museus de ciência: a promoção

da cultura científica, a investigação, o apoio ao ensino, os serviços à comunidade, a

preservação do patrimônio, a educação ambiental e o reforço da Identidade (local ou

institucional). Nota-se o destaque especial dado ao fato da EA, tema deste trabalho, ser

um dos papéis atuais dos museus de ciência, principalmente dos centros de ciência.

O trabalho de Delicado, porém, não busca classificar a escala de importância que

os museus atribuem, direta ou indiretamente, a estes papéis; assim, aparentemente,

poderia se imaginar que tais papéis possuem níveis de importância homogêneos.

Naturalmente, todavia, sabe-se que o principal objetivo dos museus de ciência,

deixado claro em sua denominação, é a promoção da cultura científica, a qual Delicado,

define como sendo “a comunicação (unívoca ou bidirecional) entre o campo de

produção da ciência e a esfera pública, podendo os conteúdos (conhecimentos,

resultados, processos, controvérsias, descobertas, riscos, impactos sociais) e objetivos

(econômicos, políticos, sociais, culturais, cívicos) dessa comunicação serem muito

diversificados” (2004, p.4). No Brasil, em estudo sobre a percepção dos centros e

museus de ciência tradicionais, quanto aos seus objetivos institucionais e atributos

organizacionais e administrativos, Cury et al. (2000) deixam claro que a tarefa da

divulgação científica e tecnológica é intrínseca a natureza dos museus de ciência.

Portanto, o que se verifica desta discussão a respeito dos papéis dos museus de

ciência, é que a promoção da cultura científica, ou mais especificamente a comunicação

pública e educação científica, é o principal papel dos museus de ciência; sendo assim,

todos os demais papéis, incluindo a EA, encontram-se subordinados ou colocados

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13dentro do contexto e metodologias empregadas para se alcançar o objetivo

institucional principal.

Nessa lógica de raciocínio, pode-se dizer que, discussões mais profundas quanto

às concepções e práticas de EA exercidas no espaço museal, suas limitações, críticas e

potencialidades, dependem primordialmente do entendimento histórico dos métodos

comunicacionais e educacionais desenvolvidos e utilizados pelos museus de ciência,

com o objetivo principal da comunicação e educação científica, tendo em vista que tais

métodos empregados influenciarão diretamente os outros papéis dos museus de ciência,

subsidiando as práticas de EA empregadas. Dessa maneira, o tópico posterior pretende o

esclarecimento dos principais modelos de comunicação e educação científica que

subsidiam as práticas nos museus de ciência, buscando-se o destaque de seus atributos.

5.2 Modelos de Comunicação e Educação Científica

Primeiramente, é necessário esclarecer que existem inúmeras formas e espaços

na sociedade que permitem a comunicação pública de Ciência e Tecnologia (C & T),

utilizando-se de métodos parecidos para cumprir tal fim, sendo que os museus de

ciência surgem como mais um espaço com esse objetivo. No entanto, os museus de

ciência apresentam potenciais únicos para facilitar a aprendizagem e promover a

participação cidadã nos debates societários contemporâneos; o foco deste trabalho,

portanto, não perpassa tão somente por características específicas dos museus de

ciência, como suas exposições e objetos, mas sim pelo potencial do espaço em si, como

possuidor de características intrínsecas para promoção da ligação entre ciência,

sociedade e meio ambiente, sendo uma espécie de chamariz, um espaço público e,

portanto, aberto para discussões entre os diversos atores sociais.

Sabe-se, no entanto, que apesar desse potencial, nem sempre os métodos de

comunicação pública de C & T utilizados pelos museus de ciência são considerados

democráticos e dialógicos. Existem outros modelos, que surgiram em contextos

históricos específicos, que possuem outras concepções a respeito do que seja a

comunicação e divulgação científica.

Segundo Navas (2008), existem quatro modelos de comunicação pública de C &

T, considerados os principais: o modelo antigo ou de déficit, o modelo contextual, o

modelo da experiência leiga e o modelo dialógico (modelo de participação pública).

O modelo de déficit é o mais antigo dentre os quatro modelos, partindo de uma

visão onde a ciência encontra-se desvinculada da sociedade no mundo moderno,

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14existindo, portanto, um espaço a se preencher, já que o conhecimento científico não

chega ao conhecimento do público. A chave nesse modelo é a disseminação do

conhecimento, onde os cientistas assumem o papel ativo da transmissão de informações,

em uma única via, dos cientistas (emissores) para o público, considerados receptores

passivos, caracterizando-se o público negativamente.

Neste modelo, portanto, assume-se uma visão simplista da ciência, tida como um

corpo neutro de conhecimentos, onde os cientistas são autoridades no assunto e, aquilo

que produzem, é tido como verdade absoluta, longe de sofrer interferências do contexto

sociopolítico existente. O público é passivo em relação àquilo que recebe ou, em

palavras freireanas, é tratado segundo uma concepção “bancária” de educação. Assim, a

transmissão de conhecimentos implica que a informação seja simplificada e reduzida

para o público “sem conhecimentos”.

Além disso, o modelo de déficit muitas vezes assume a percepção de uma

ciência a- histórica, desumanizando-a, tornando-a um corpo separado da sociedade onde

está incluída. Dessa forma, busca-se a transmissão do fenômeno ou conceito científico

em si, já que parte-se da idéia de que a falta de conhecimento científico dos indivíduos

existe e precisa ser suprida.

O modelo contextual, segundo Navas (2008), surge das críticas ao modelo de

déficit, podendo mesmo representar uma evolução em relação a esse modelo. No

modelo contextual, os indivíduos não são considerados recipientes vazios, possuindo

experiências prévias e redes de informações advindas de seus contextos culturais; assim,

novas informações recebidas seriam processadas de acordo com o conhecimento pré-

existente.

No entanto, a crítica que surge em relação a esse modelo é que, apesar de ele

considerar a existência de um contexto sociocultural prévio, ignora a resposta dos

indivíduos em relação à informação; ou seja, a transmissão de informações continua

sendo de uma única via, sendo tal modelo apenas uma versão mais aprimorada do

modelo de déficit.

Os dois modelos destacados anteriormente, portanto, são considerados modelos

anti-democráticos e não participativos, assumindo uma única via de transmissão da

informação, sem a existência de diálogos ou discussões.

Já o modelo da experiência leiga “surge no contexto das mudanças estruturais

da sociedade democrática no século XX” (NAVAS, 2008, p. 25); assim, “as questões

manifestadas na sociedade, que abrigam os movimentos sociais que reivindicavam

direitos políticos, econômicos, sociais, culturais e a construção da cidadania pela

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15educação, também alteram o papel da instituição que tem como função comunicar e

socializar o conhecimento” (VALENTE, 2005, p. 54). Dessa forma, a comunicação

pública da ciência deve ter maiores compromissos com a inclusão social e a

participação cidadã.

O modelo da experiência leiga visa desmistificar e relativizar a ciência como

única forma de conhecimento verdadeiro e absoluto, valorizando outras formas de

saberes (experiências de vida de comunidades reais, práticas tradicionalmente

desenvolvidas, conhecimentos intergeracionais) como sendo aplicáveis também na

resolução de problemas. Segundo Navas (2008), as críticas a este modelo estão

relacionadas a relevância dada a valores e crenças, e partem da própria comunidade

científica.

O modelo dialógico surge nesta mesma tendência, de incorporar a ciência em

uma dimensão cultural mais ampla, em diálogo com outras formas de saberes; assim, “a

ênfase não está mais dada no traduzir e difundir o conhecimento [científico], mas sim,

na forma em que o indivíduo consegue se apropriar do conhecimento, integrá-lo a

outros saberes e usá-lo no processo de tomada de decisão” (NAVAS, 2008, p.25). A

condição necessária para tal tipo de empreendimento seria a valorização do diálogo

entre os diversos atores sociais (incluindo cientistas), e a existência de espaços que

propiciem o desenvolvimento desses diálogos. Uma síntese de todos os modelos

comunicacionais de C & T encontra-se em destaque na figura 2.

Modelo Contextual

- Dirigido a audiências particulares;

-Atende a necessidades e situações que podemser tempo, localização, linguagem;

-Destaca as habilidades das audiências porcompreender com facilidade e rapidez tópicosrelevantes.

Modelo da Experiência Leiga

-Considera as limitações da informaçãocientífica;

-Considera a potencialidade dosconhecimentos de audiências particulares;

- Ressalta a natureza interativa do processocientífico;

-Aceita a experiência como independente dacomunidade científica.

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16Modelo de Déficit

-Transmissão linear da informação dosexpertos ao público;

-Acredita que a boa transmissão da informaçãoleva a uma redução do “déficit” deconhecimento;

-Acredita que reduzindo o déficit é possíveltomar melhores decisões e apoiar a ciência deuma melhor maneira.

Modelo de Participação Pública

-Focaliza em assuntos políticos que envolvemconhecimentos científicos e tecnológicos;

-Apóia-se nos ideais democráticos de amplaparticipação popular em processos políticos;

-Constrói mecanismos para estimular aparticipação cidadã em processos ativos deformulação de políticas;

-Autoridade real do público sobre políticas erecursos.

Figura 2: Síntese - modelos conceituais de comunicação pública da ciência (fonte: Lewenstein eBrossard, 2006 apud FARES et. al., 2007).

Atualmente, segundo Navas (2008), estes modelos apresentados convivem

muitas vezes no mesmo espaço, em um museu de ciência, por exemplo, existindo,

todavia, um modelo que se mostra preponderante ou dominante em relação aos demais,

que é o caso do modelo de déficit. Para corroborar tal perspectiva dominante, cabe

utilizar as palavras de Amorim (1998) apud VALENTE (2005):

Na atualidade, a educação científica, tanto escolar quanto não escolar, temsido bastante questionada, particularmente no que diz respeito às reaispossibilidades que conferem à participação consciente e crítica dos cidadãosna nossa sociedade, altamente tecnológica e cientificizada. A educaçãocientífica, tal como se apresenta, prioriza o conteúdo científico, ou seja, oproduto de uma construção humana e histórica, geralmente apresentado deuma forma neutra e a-histórica. Além disso, esse produto vem sendo cadavez mais sintetizado sob a forma dos conceitos científicos aos quais, namaioria dos casos, a população tem acesso sob forma de uma linguagemextremamente técnica, se não incompreensível, ou a partir de simplificaçõesreducionistas e errôneas. (p. 58)

Valente assinala que “enquanto os museus de ciência (...) tradicionais (...)

mostram dificuldade em comunicar uma perspectiva compreensiva do conhecimento

científico atual, os centros de ciência apresentam a ciência sem antecedentes, fora do

contexto cultural e fragmentada” (2005, p. 55), privilegiando a apresentação de

fenômenos naturais.

Dessa forma, tal discussão apresentada até aqui vem a corroborar uma parte da

hipótese levantada neste trabalho, quanto ao fato dos centros de ciência atuais

privilegiarem a apresentação do conteúdo científico em si, sem maiores discussões. No

entanto, isto não é o cerne da questão deste trabalho, sendo necessário verificar como o

uso preponderante do modelo de déficit pode limitar a EA praticada pelos centros de

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17ciência e, mais do que isso, de que forma a EA pode potencializar o uso do espaço de

um museu científico, propiciando a interligação entre temas, e sendo geradora de

discussões sociopolíticas mais amplas; assim, o principio central é como potencializar

os espaços dos museus de ciência, através da EA.

Para tal discussão, faz-se necessária a inserção de teóricos da EA, no cruzamento

com o modelo de déficit praticado, visando-se verificar as limitações da EA praticada

no interior dos centros de ciência e, como a EA poderia potencializar estes espaços a

partir de suas linhas teóricas mais críticas.

6. CRISE AMBIENTAL, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E MUSEUS DE CIÊNCIA

6.1 Reflexões quanto a crise ambiental

Antes de tratarmos de maneira mais específica das vertentes da EA existentes, e

a relação destas com o modelo de déficit praticado nos museus de ciência, é necessária a

análise do contexto histórico acerca das origens da crise ambiental, tratando-se das

relações existentes entre sociedade, natureza e tecnologia. Tal contexto subsidia

teoricamente o modelo geral de educação, dito não-ambiental, em contraposição à

necessidade do surgimento de uma educação adjetivada como “ambiental”, em resposta

aos problemas socioambientais.

A questão ambiental emerge de maneira mais significativa e ampla a partir dos

anos 70, expressando a contradição entre o modelo de desenvolvimento dominante e a

realidade socioambiental. No entanto, naquele período, predominava na sociedade a

idéia de que a chamada “crise ambiental” se devia, sobretudo, a exaustão de recursos

naturais, poluição, degradação de ecossistemas, entre outros. Outros aspectos (políticos,

sociais, econômicos, éticos), de cunho causal, ficavam em segundo plano, ou mesmo

eram omitidos propositadamente. No debate ecológico dos anos 70, observa-se uma

disputa de forças em busca da afirmação de uma determinada interpretação da crise

ambiental, onde o discurso ecológico oficial, produzido por órgãos governamentais

nacionais ou internacionais, constitui-se como um esforço para instituir uma

interpretação sobre a crise ecológica que se torne consensual.

Nestes documentos, tidos como os discursos oficiais, pretende-se conciliar a

preservação ambiental com o desenvolvimento industrial (com bases técnico-

científicas), dentro de um modo de produção capitalista; sendo assim, existe o

predomínio de uma visão técnica e naturalizante, em detrimento dos aspectos éticos e

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18políticos da questão ambiental. Tal visão instrumental e hegemônica impregna,

portanto, a educação de forma geral, vista como a serviço do modo de produção

capitalista e, portanto, opressora.

Antes de adentrar-se, entretanto, na educação em si, é necessário que se vá mais

à fundo nas origens da crise ambiental. Segundo Leff (2003), as raízes da crise

ambiental são muito mais profundas, entendo-a como crise de civilização, crise do

pensamento ocidental. Há, portanto, uma clara crítica à ciência e também à tecnologia

associada a esta. No entanto, apesar de hoje a tecnologia ser vista como uma aplicação

do conhecimento científico, Brugger esclarece que na realidade a tecnologia abarca a

ciência, sendo assim mais ampla que a mesma; dessa maneira, a tecnologia seria o

estudo das técnicas, entendidas como “uma sistematização de conhecimentos práticos,

artefatos ou instrumentos destinados a otimizar o trabalho humano e buscar maior

produtividade” (2004, p. 80).

Desse modo, compreende-se que a técnica é anterior à ciência e pode ser

independente dela, aproximando-se mais de um saber popular. A tecnologia é,

atualmente, prontamente associada à ciência por inúmeros fatores históricos, culturais e

ideológicos.

A partir da Revolução Industrial nasceu um tipo de cultura ocidental pautada em

uma cultura tecnológica de dominância científica, inserindo-se a tecnologia

paulatinamente em um universo ideológico que molda um determinado tipo de

pensamento e de modo de vida. Portanto, atualmente existe uma visão de predomínio da

razão tecnológica ou instrumental sobre a razão política e social, caracterizando certo

reducionismo, vinculando-se a questão ambiental da seguinte maneira:

Esse tecnicismo que, além de simplificador é deformador, reduz a complexamultidimensionalidade da temática ambiental à unidimensionalidade técnica(...) a questão ambiental é produto de um modelo de organização geral dasociedade, que comporta decisões e escolhas político-econômicas e culturaisentre várias opções possíveis (...) decidir e desenhar um modelo deorganização social envolve múltiplos interesses e implica num jogo de forçasque disputam a possibilidade de afirmar uma dada interpretação desociedade e, uma dominação sobre os demais grupos que aspiram ao poder(...) não se pode negar que a questão ambiental tem, entre outras, umadimensão técnica, mas, esta é precedida e, condicionada, por razões políticase sociais e não o contrário, como pretende a redução tecnicista (...) essaexplicação redutora da questão ambiental obedece a um desvio tecnocrático,que substitui a razão política pela razão técnica e, trata a técnica como umsaber “neutro”, acessível apenas aos especialistas. (LIMA, 1999, p. 9)

O paradigma científico materializa-se nas relações econômicas, alicerçando de

maneira teórica e prática um modo de produção que modificou profundamente a relação

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19dos seres humanos entre si e destes com a natureza: o modo de produção que nasceu

com a Revolução Industrial, explorando o meio de modo cada vez mais intenso, de

acordo com o advento e o aprimoramento das técnicas. É importante salientar que, neste

contexto, “meio” deve ser entendido a partir da visão de Josué de Castro (2002), o qual

já em 1972 caracterizava o “meio” de modo multidimensional, sem reducionismos,

incluindo não somente o meio físico ou biológico, mas também o meio econômico e

cultural. Também destaca-se que não existe propriamente uma linha histórica contínua e

desumanizada, como talvez possa ser apreendido das linhas gerais do texto, sendo que

tal contexto societário foi marcado por descontinuidades e por linhas de pensamento

diferenciadas que, atualmente, podem ser sistematizadas da forma apresentada até o

momento, sintetizadas no trecho a seguir:

A partir de então surgiu o capitalismo, as relações mercantis cresceram e asantigas comunidades com suas culturas tradicionais foram se esfacelando esendo absorvidas [ou sendo colocadas na invisibilidade] pela “culturatecnológica”. O êxodo dos campos em direção às cidades instituiu o viverindividual em detrimento do viver em comunidade. As cidades e o estilo devida industrial paulatinamente tornaram-se sinônimos de cultura ecivilização, opostos ao viver no campo (...) problemas que antes eramresolvidos coletivamente tornaram-se os problemas de cada um. Começaassim, historicamente, um traço marcante da sociedade industrial: oindividualismo. O desenvolvimento da indústria aprofundou a divisão dotrabalho fortalecendo e fundindo fenômenos que tinham uma evoluçãoparalela: a visão de mundo cartesiana, a nova ordem econômica e oindividualismo. O individualismo, como “nova forma de viver”, deu umvigoroso impulso à oposição sociedade-natureza. (BRUGGER, 2004, p. 58)

Ainda na perspectiva do individualismo, destacado no trecho anterior como

característica marcante da sociedade industrial, pode-se tratar, por consequência, do

conceito de indivíduo bem-sucedido predominante em nossa sociedade, onde o

parâmetro é quase sempre material, “é demonstração de força de poder aquisitivo e de

um determinado status socioeconômico, consoante com a ordem econômica neoliberal e

com o padrão de civilização do hemisfério Norte” (BRUGGER, 2004, p. 63). Assim, o

sistema paga melhor a quem ajuda a sua perpetuação, sendo a questão da escolha

profissional também “ambiental”, onde, muitas vezes, ações pautadas pela falta de ética

profissional, deliberada ou não, com prevalência da eficiência técnica sobre questões

políticas e éticas, também podem gerar impactos ambientais.

Percebe-se, portanto, pelo que foi exposto até o momento, que é um erro atribuir

as responsabilidades pelos problemas ambientais ao homem enquanto espécie genérica,

devendo-se deslocar o foco para a dinâmica sociedade x natureza e não ser humano x

natureza, apesar das incoerências que caracterizam todas essas oposições, como será

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20explicitado posteriormente. Nessa mesma linha, também se constitui um equívoco

responsabilizar a todos pela destruição ambiental, dentro de uma sociedade marcada

pela disparidade nas relações de poderes, onde a grande maioria dos indivíduos está

imersa “na ação ingênua, mecânica e controlada ideológica e politicamente pelos

‘opressores’” (PITANO E NOAL, 2009, p. 293).

Cabe relembrar e aprofundar, no entanto, que apesar de muitos problemas

ambientais terem se materializado através do modo de produção dominante, foi a

ciência e o método científico que subsidiaram teórica e filosoficamente tal modelo,

como já dito, sendo assim, o cerne da questão ambiental encontra-se na forma de

pensamento ocidental, em suas características e maneiras de enxergar a realidade

complexa:

Ao pensar o ser como ente [o pensamento ocidental] abriu a via daracionalidade científica e instrumental que produziu a modernidade comouma ordem coisificada e fragmentada, como formas de domínio e controlesobre o mundo. Por isso, a crise ambiental é sobretudo um problema deconhecimento (...) Esta racionalidade dominante descobre a complexidadeem seus limites, em sua negatividade, na alienação e na incerteza do mundoeconomizado, arrastado por um processo incontrolável e insustentável deprodução. (LEFF, 2003, destaque nosso)

Dentro desse contexto do pensamento ocidental, surge uma distinção importante

para a maneira de como a sociedade se relaciona com a natureza, a distinção entre o

mundo da natureza e o mundo da cultura. Segundo Carvalho, é na filosofia dos antigos

gregos em que desenvolvem-se os argumentos teóricos que caracterizam tal distinção,

resultando na definição hegemônica de natureza como oposta a de homem, de cultura e

de história, e, portanto, vista como objeto de estudo:

Com Tales [de Mileto] funda-se aquela que é considerada a primeira Escolafilosófica – a Escola de Mileto – e a natureza enquanto corpo distinto dasociedade humana, passa a ser um dos principais temas da reflexãofilosófica. Com Aristóteles [de Estagira], o último dos grandes filósofos daAntiguidade grega, a physis (natureza em grego) adquire alguma de suasdefinições mais usuais. (2005, p.339)

No entanto, em um sentido estrito, tais oposições homem-natureza, sociedade-

natureza ou cultura-natureza, já destacadas neste trabalho, não fazem sentido, visto que

o homem também faz parte da natureza, é produto desta. Mesmo que seja considerada a

idéia de uma primeira natureza, sem a interferência dos seres humanos, e de uma

segunda natureza, artificial, com a influência do ser humano por meio de técnicas

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21específicas, ainda haverá uma contradição intrínseca, o homem originou-se da

natureza, pertence e é pequeno em relação a grandiosidade desta, e não o contrário.

Assim, a concepção hegemônica da natureza de oposição à sociedade ocidental,

de diferença, se “transforma em hierarquia através do evolucionismo linear, o ecocídio e

etnocídio caminham juntos” (BRUGGER, 2004, p. 59). Evidentemente, toda sociedade,

toda cultura, possui uma determinada idéia do que seja a natureza, no entanto, a

definição simplista destacada anteriormente é a que tem prevalecido.

A partir de tal hierarquia colocada entre sociedade e natureza, esta foi

considerada objeto a ser dominado por meio da ciência e da razão tecnológica. É bem

verdade também, que existe uma visão contra-hegemônica de natureza na sociedade

ocidental, uma visão dita romântica, onde o homem, de maneira genérica e abstrata,

seria o responsável por destruir a natureza.

Assim, a dicotomia sociedade-natureza continua, sendo que em dado momento a

natureza deve ser suprimida pela cultura, e em um segundo momento é a cultura e o

homem que devem ser suprimidos pela natureza. Ignora-se o ponto central da questão,

que diz respeito a rediscussão de nossa relação com a natureza, sem oposições ou

extremos, mas com diálogos entre os diferentes saberes.

Essas dicotomias são exemplos de uma das características marcantes do

pensamento ocidental, a fragmentação histórica do saber com vistas à compreensão da

realidade complexa. Nesse contexto de fragmentação, a questão ambiental é abarcada e

tratada de diferentes maneiras pelas Ciências Humanas ou pelas Ciências Naturais e

Exatas, sem que exista a real inter e transdisciplinaridade que a problemática ambiental

exige.

Desse modo, destaca-se duas abordagens mais gerais da questão ambiental no

âmbito científico. Em uma dessas visões, geralmente oferecida pelas Ciências Humanas,

é dada ênfase aos fatores histórico-sociais, em detrimento dos aspectos técnicos e

naturais da questão ambiental; a outra visão, que não pode ser relacionada a uma área do

conhecimento em específico, enfatiza as dimensões naturais e técnicas da questão

ambiental, destacando-se os temas ecológicos. Dentre as duas abordagens, a visão

técnica e naturalizante é aquela que tem prevalecido.

De maneira geral, portanto, o conceito de meio ambiente, multidimensional,

incluindo os aspectos naturais e os resultantes das atividades humanas (resultado da

interação de fatores biológicos, físicos, sociais, econômicos e culturais), é comumente

confinado às suas dimensões naturais ou técnicas. Desse contexto, emergem certas

expressões ou termos relacionados ao meio ambiente, como a “aplicação de soluções

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22eficazes; a proteção; a administração e o treinamento de recursos (naturais e humanos

respectivamente), o saneamento, a manutenção de um nível ótimo de produtividade,

[entre outros]” (BRUGGER, 2004, p. 54).

O conceito de meio ambiente acaba, assim, sendo confundido com o de natureza,

chegando-se a colocá-los mesmo como sinônimos:

Prevalecem as necessidades de preservação do potencial produtivo dosecossistemas, dos recursos naturais e o estudo de seus distúrbios, como apoluição ou a extinção massiva de espécies, e não um conceito total, queinclui o ser humano e sua dimensão histórico-social. Embora a dimensãotécnico-natural seja legítima, ela não pode ser tomada como a questãoambiental no seu todo, ou tampouco favorecida às expensas de outras.(BRUGGER, 2004, p. 55)

Portanto, a questão ambiental diz respeito ao modo como a sociedade se

relaciona com a natureza –qualquer sociedade ou natureza – incluindo as relações dos

seres humanos entre si; como destaca Moraes, baseado originalmente no marxismo, “a

estruturação da sociedade define a relação dos indivíduos com a maior parte dos

recursos naturais, ao normatizar as suas relações entre si” (2005, p. 75). Nesse

contexto, expressões como “proteger, preservar ou sanear o meio ambiente”, por

exemplo, apresentam certa incoerência, já que o que deve ser protegido, saneado ou

preservado são os recursos naturais, ou um dado ecossistema ou bioma, e não todas ou

quaisquer relações com a natureza.

Buscando-se um fechamento do que foi tratado até o momento neste capítulo,

poderíamos usar o que afirmou Leff, ao articular questões referentes ao pensamento

ocidental, ao modo de produção predominante, e a visão de natureza hegemônica:

A problemática ambiental, mais que uma crise ecológica, é umquestionamento do pensamento e do entendimento, da ontologia e daepistemologia com as quais a civilização ocidental compreendeu o ser, osentes e as coisas; da ciência e da razão tecnológica com as quais a naturezafoi dominada e o mundo moderno economizado. (2003, p. 19)

6.2 Reflexões quanto a crise ambiental: conceitos de desenvolvimento

Dentro do contexto de termos relacionados à questão ambiental, também a

expressão “desenvolvimento sustentável”, tido como o ideal a se alcançar em termos

societários num contexto de crise ambiental, é marcado pela ambigüidade, abrangendo

dois significados: um que inclui a dimensão política e ética e o outro que se refere

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23unicamente ao gerenciamento adequado (ou sustentável) dos recursos naturais, sendo

que, em ambos os casos, aposta-se no desenvolvimento do patamar tecnológico,

necessário à superação da crise do capital.

O Relatório Brundtland, desenvolvido pela Comissão Mundial sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento (criada pela ONU em 1983), foi aquele que cunhou e

elaborou o conceito de desenvolvimento sustentável:

Desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual aexploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação dodesenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam ereforça o potencial presente e futuro, a fim de atender 'as necessidades dopresente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderemas suas próprias necessidades. (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento, 1991, p.49)

Todavia, tendo em vista uma reflexão mais profunda quanto ao termo, deve-se

analisar as palavras “desenvolvimento” e “sustentável” separadamente.

O termo desenvolvimento pode ser entendido de três maneiras distintas, mas que

muitas vezes se confundem. A primeira visão, mais freqüente, é a de tratá-lo como

sinônimo de crescimento econômico. Segundo Veiga (2005), até o início dos anos 60,

essa forma de ver o desenvolvimento era a mais comum, visto que as nações

consideradas mais desenvolvidas eram aquelas que possuíam um melhor desempenho

econômico, enquanto que os países de pior desempenho econômico permaneciam em

um estágio de “subdesenvolvimento”. A segunda visão de desenvolvimento é a de que

ele é apenas uma ilusão, manipulação ideológica, quimera, estabelecendo uma simples

equivalência entre desenvolvimento e riqueza. De certa forma, esta segunda visão

também remete ao crescimento econômico. A terceira visão pode ser resumida em uma

frase de Celso Furtado:

(...) o desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente.Dispor de recursos para investir está longe de ser condição suficiente parapreparar um melhor futuro para a massa da população. Mas quando o projetosocial prioriza a efetiva melhoria das condições de vida dessa população, ocrescimento se metamorfoseia em desenvolvimento. (2004, p. 484)

Castro (2000), de maneira precursora, já tratava da falsidade existente na

avaliação do desenvolvimento tomando-se como base somente a expansão da riqueza

material, propugnando a necessidade de mudanças sociais sucessivas e profundas. Dessa

forma, para o autor, o mundo todo continua relativamente subdesenvolvido, visto que

nenhum país atingiu um patamar equilibrado de desenvolvimento, em termos que não

sejam meramente quantitativos.

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24Assim, a palavra “desenvolvimento” pode tanto ser associada a idéias

positivas, no sentido qualitativo ou de incremento, como pode ser confundida com

questões quantitativas de crescimento econômico; todavia, o grande cerne da questão da

palavra “desenvolvimento” encontra-se no fato de qual tem sido, historicamente, o

significado de “desenvolver”, já que, muitas intervenções antrópicas que degradam

recursos naturais e desrespeitam comunidades tradicionais, tem sido feitas em nome do

“progresso” e do “desenvolvimento”. Para Brugger, o sentido de desenvolvimento

hegemônico tem sido o de converter todos os padrões culturais em apenas um:

Como “civilizado” e “desenvolvido” assim o são em função da adequação aum determinado parâmetro, é lícito questionar se desenvolver não teria sido,na maioria dos exemplos históricos, (des)envolver, isto é, romper o elo deenvolvimento de determinados povos com a sua cultura no sentido maisamplo –fragilizar e “pasteurizar” tanto a diversidade biológica quantocultural, até que todos os padrões se convertam em apenas um. (Des)envolver, nesse sentido que tem sido hegemônico, encontra assim umaconvergência filosófica surpreendente com a tese (...) do pensamentounidimensional. Sem exagero algum, essa foi a História da colonização damaior parte dos povos primitivos (...) do hemisfério Sul, que graças aospovos civilizados do hemisfério Norte foram aculturados e puderam decolarentão para níveis superiores de existência (...). Por trás dessa “aculturação”,contudo, sempre houve motivos nada altruísticos. (2004, p.73)

Está associada à palavra “desenvolvimento”, portanto, um caráter evolucionista,

distinguindo-se, na sociedade, fases infantis ou primitivas, fases de desenvolvimento e

fases maduras. Assim, o falacioso objetivo de um futuro melhor sempre está em vista.

Nesse sentido, Castro, por exemplo, destaca que o subdesenvolvimento é uma forma de

poluição humana, conseqüência do crescimento econômico de regiões mais ricas, não

sendo, portanto, uma fase ou caminho para o desenvolvimento (em um sentido

associado ao crescimento econômico), e sim um subproduto deste:

Para que não se reste a menor dúvida de que o subdesenvolvimento é, nacivilização de consumo, um produto do desenvolvimento, basta verificar queantes da explosão capitalista e industrial de nosso século não existia estadivisão entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, separados uns dosoutros por um largo fosso econômico. Foi depois da revolução industrial quese exteriorizaram as disparidades extremas dos ritmos de crescimento e dosníveis econômicos de ambos os grupos de países. (2002, p. 96)

Já em relação à palavra “sustentável”, está origina-se da Ecologia (ciência

natural), sendo relacionada, geralmente, à natureza homeostática dos ecossistemas

naturais, englobando, ainda, conceitos como o de “capacidade de suporte”, por exemplo.

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25O termo sustentabilidade também pode ser visto de três modos distintos. A

primeira visão é a de que não existe dilema entre conservação ambiental e crescimento

econômico. Essa hipótese é mais conhecida como “curva ambiental de Kuznets”, que

mostra que, apesar do crescimento econômico prejudicar o meio ambiente (em um

sentido puramente físico ou biológico) até que um certo nível de riqueza seja alcançado,

após atingir-se esse patamar, a tendência se inverteria, ou seja, o crescimento

econômico auxiliaria na conservação ambiental (VEIGA, 2005).

Em contrapartida a esse pensamento, está a relação entre economia e

termodinâmica, tese de Nicholas Georgescu-Roegen. Baseado na segunda lei da

termodinâmica (entropia), as atividades econômicas são energias convertidas em formas

de calor difusas, tornando-as inutilizáveis. Assim, em algum momento, segundo

Georgescu, a humanidade deverá retrair o consumo dos produtos para que o

desenvolvimento possa continuar a ocorrer. Dentro dessa vertente, encontra-se também

Herman E. Daly, que possui uma visão ainda mais cética, em que só a “condição

estacionária” pode evitar a decadência ecológica, ou seja, que a economia só melhoraria

em termos qualitativos quando se substituísse uma atividade econômica por outra de

melhor tecnologia e menor impacto na natureza (e.g. Energia fóssil por energia limpa).

Por fim, a terceira visão de sustentabilidade tenta avançar pelo “caminho do

meio”, entre as duas hipóteses tão opostas. No entanto, ainda é apenas uma tentativa.

O adjetivo “sustentável” associado ao termo “desenvolvimento”, assim como a

questão ambiental em si, tem uma forte dimensão técnica naturalista, insuficiente para

dar conta da complexidade inerente às relações entre sociedade e natureza. Neste padrão

de soluções técnicas, a preservação de potenciais produtivos aparece como o principal

critério de sustentabilidade do pensamento hegemônico, o que, apesar de ser uma

condição necessária, não é o suficiente, agradando muito mais a grupos de poder em

específico, do que a sociedade de maneira geral, como destaca Castro:

A tecnologia não é boa nem má. É a sua utilização que lhe dá sentido ético.Se nos países do Terceiro Mundo a tecnologia age contra os povossubdesenvolvidos é porque foi utilizada unicamente para produzir o máximode vantagens e lucros para os grupos da economia dominante. (2002, p. 97)

Questões sociais, éticas e ecológicas acabam, dessa forma, sendo relegadas a

segundo plano, ou seja, esse padrão alternativo de desenvolvimento chamado

sustentável acaba se tornando uma roupagem nova do padrão de desenvolvimento

tradicional, utilizando-se de recursos técnicos no gerenciamento de recursos naturais

tido como importantes para certos grupos hegemônicos. A conversão de padrões

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26culturais, portanto, permanece, travestido de uma nova roupagem verde ou de uma

dita responsabilidade ambiental.

Cabe destacar que, anteriormente ao surgimento do conceito de desenvolvimento

sustentável e de sua difusão, o economista Ignacy Sachs apropriou-se do termo

“ecodesenvolvimento”, lançado por Maurice Strong em 1973, desenvolvendo-o

conceitualmente e criando estratégias para alcançá-lo. O ecodesenvolvimento seria um

estilo de desenvolvimento onde cada ecoregião procuraria soluções específicas para

seus problemas particulares, levando em conta os dados ecológicos e os culturais, as

necessidades imediatas e as de longo prazo. Assim, na operacionalização do termo, seria

necessário um amplo conhecimento do ambiente e cultura locais, bem como o

envolvimento dos indivíduos na elaboração do planejamento das estratégias.

O conceito de desenvolvimento sustentável é muitas vezes considerado uma

versão evoluída e melhor lapidada em relação ao conceito de ecodesenvolvimento;

todavia, Layrargues (1997) destaca que, apesar das semelhanças nas idéias contidas nos

termos, existem diferenças importantes.

De forma geral, o desenvolvimento sustentável e o ecodesenvolvimento

possuem um fim em comum, atingir o patamar de sociedades sustentáveis; para este

fim, no entanto, possuem estratégias diferenciadas. O desenvolvimento sustentável,

como já dito, mantém a ideologia dominante, acreditando amplamente no

desenvolvimento tecnológico e na busca da eliminação da pobreza nos países

subdesenvolvidos (na busca da elevação do teto de consumo destes, e não na redução do

consumo dos países ditos desenvolvidos) como estratégias para a “preservação

ambiental”. Já o ecodesenvolvimento, apesar de também reforçar a importância da

tecnologia, prega o desenvolvimento tecnológico endógeno, respeitando necessidades

socioculturais, e não a simples transferência de tecnologia exógena.

Nesse sentido, muitos autores sugerem a substituição do conceito de

desenvolvimento sustentável pelo de sociedade sustentável, tendo em vista que o

conceito de sociedade sustentável, em ideais convergentes com o pregado pelo

ecodesenvolvimento, “permite a cada sociedade definir seus modelos de produção,

consumo e bem-estar a partir de sua cultura, de sua história e de seu ambiente natural,

abandonando a transposição imitativa de soluções padronizadas para contextos e

realidades bastante diferenciadas” (LIMA, 1999, p.5). Contudo, talvez isso seja uma

questão menor, no sentido que a manutenção do conceito de desenvolvimento

sustentável depende muito mais do seu conteúdo e uso real, do que da forma em si.

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27Mesmo Ignacy Sachs (2004), por exemplo, considera que, entre a Conferência

das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (de 1972, em Estocolmo) e a Cúpula sobre

Desenvolvimento Sustentável (de 2002, em Joanesburgo), o conceito de

desenvolvimento sustentável foi refinado, com importantes avanços epistemológicos,

sendo a sustentabilidade social um componente essencial. Sabe-se que a

sustentabilidade não é uma ciência e não possui, portanto, conceitos e metodologias

definidas. No entanto, atualmente existe quase um consenso no que tange ao fato de que

a sustentabilidade abarca dimensões variadas, não somente a dimensão técnica, mas

também a ambiental, a social, a econômica, a cultural, a institucional, entre outras.

Finalizando, cabe destacar que a importância deste capítulo, na discussão de

teorias e ideologias que perpassam os diferentes modelos de desenvolvimento, deve-se a

ausência da possibilidade deste tipo de debate no interior dos museus de ciência, dado o

modo de EA preferencialmente praticado, como será apresentado posteriormente.

6.3 Educação ambiental: contexto geral e vertentes

Dentro desse contexto complexo relacionado à crise ambiental, surge a partir da

década de 70 a articulação entre educação e meio ambiente como uma das ações de

enfrentamento de tal crise, visto que a educação é considerada um instrumento

privilegiado de humanização, socialização e direcionamento social, com grandes

possibilidades de promover a liberdade ou a opressão, de conservar ou transformar a

ordem socialmente estabelecida.

Historicamente, a EA surge, primeiramente, em 1972, na Conferência das

Nações Unidas para o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo na Suécia. No

documento intitulado Declaração de Estocolmo, indicava-se a necessidade de realizar

uma EA como instrumento estratégico pela melhoria da qualidade de vida. Outras

conferências seguiram-se com o passar dos anos, apresentando documentos que tratam

dos objetivos, princípios, estratégias e recomendações para a EA, como a Conferência

Intergovernamental sobre Educação Ambiental, realizada em Tbilisi na Geórgia, em

1977.

No Brasil, em meados da década de 70, a EA é incorporada institucionalmente

através de secretarias e órgãos governamentais ambientais, sendo também apropriada

pelas escassas, na época, organizações conservacionistas (LOUREIRO, 2004).

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28Na conferência Sub-regional de Educação Ambiental para a Educação

Secundária realizada no Peru, a definição dada para a EA é a tônica seguida por outros

documentos de mesma temática:

A educação ambiental é a ação educativa permanente pela qual acomunidade educativa têm a tomada de consciência de sua realidade global,do tipo de relações que os homens estabelecem entre si e com a natureza, dosproblemas derivados de ditas relações e suas causas profundas. Eladesenvolve, mediante uma prática que vincula o educando com acomunidade, valores e atitudes que promovem um comportamento dirigido atransformação superadora dessa realidade, tanto em seus aspectos naturaiscomo sociais, desenvolvendo no educando as habilidades e atitudesnecessárias para dita transformação. (MMA, 2007 apud DIÓGENES ESILVA, 2008)

A partir do que foi exposto no trecho destacado, nota-se que existe uma

convergência de idéias sobre o que seria a EA e o que deveria ser a Educação no seu

contexto amplo. Dessa forma, surge a primeira contradição da Educação com a

adjetivação “ambiental”, visto que ela nasce como sendo uma ramificação da Educação

em si, voltada para a resolução dos problemas da sociedade referentes à degradação do

ambiente. A EA nasce, portanto, dentro da lógica do pensamento ocidental, com a sua

característica tecnicista de fragmentação dos saberes, concebida no interior do

pensamento que está na raiz da crise ambiental.

Seguindo-se a linha teórica de Leff, por exemplo, existe uma forte incoerência

na construção dos princípios norteadores da EA pela via do pensamento hegemônico,

visto que a crise ambiental “não poderia encontrar uma solução pela via da

racionalidade teórica e instrumental que constrói e destrói o mundo, [pois] apreender a

complexidade ambiental implica um processo de desconstrução e reconstrução do

pensamento” (2003, p. 16).

Dessa forma, o grande problema, no que tange uma EA desvinculada de uma

Educação em sentido mais amplo, é que a EA acaba, na prática, promovendo a

perpetuação do sistema vigente, sendo opressora, ou adestradora nas palavras de

Brugger (2004), apesar da construção teórica da EA apontar para outras tendências. No

entanto, cabe destacar que o grande problema está na base epistemológica e ética da

educação em si, sendo esta uma educação ambiental ou não; além disso, Carvalho

argumenta que o destaque da dimensão “ambiental” na educação de forma geral é

importante no sentido de enfatizar uma qualidade que “embora possa ser pertinente aos

princípios gerais da educação, permanecia subsumida, diluída, inviabilizada, ou mesmo

negada por outras narrativas ou versões predominantes” (2004, p. 16).

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29Mesmo que as vertentes da EA (não existe uma única corrente de EA) estejam

inseridas dentro do paradigma cientificista atual, isso não impede que sejam

aproveitadas as brechas do sistema vigente, como forma de luta contra-hegemônica:

Embora o sistema de reprodução social seja real, ele não é monolítico eisento de contradições e, sempre será possível exercer práticas que trabalhema crítica e a resistência à reprodução e dominação ideológicas. (LIMA, 1999,p. 12)

Portanto, ainda imerso no contexto colocado pelo trecho acima, Brugger (2004),

enfatiza que talvez o mais coerente para o resgate dos aspectos epistemológicos e éticos

da questão ambiental seja a revisão e o resgate dessas dimensões dentro do próprio

conhecimento que construímos. Assim, as correntes de EA existentes possuem

diferentes visões acerca da problemática ambiental, buscando alternativas de ação de

acordo com suas concepções. Existem vertentes com objetivos biológicos ou

conservacionistas (corrente conservacionista), com objetivos culturais/espirituais (grupo

da educação ao ar livre), com objetivos políticos, visando a democracia, a participação

social e a cidadania (categoria da gestão ambiental) e, por último, existem vertentes com

objetivos econômicos (corrente da economia ecológica).

No entanto, de maneira geral e resumida, devido à forma de organização do

conhecimento na sociedade (fragmentação da ciência), distinguem-se as duas tendências

gerais já apresentadas neste trabalho: as propostas educacionais oferecidas pelas

ciências humanas, com destaque para fatores históricos e sociais (EA crítica,

emancipatória e transformadora da realidade existente), e a tendência geral e

predominante, que concentra sua abordagem quase que exclusivamente sob aspectos

naturais e técnicos dos problemas ambientais (EA convencional).

Loureiro destaca que não existe uma linearidade histórica entre as diferentes

vertentes de EA, ou seja, não houve qualquer tipo de evolucionismo; dessa maneira, não

ocorreu um desdobramento de modalidades educativas consideradas convencionais para

uma educação que pensa o ambiente de forma integral. Para o autor, o que havia, e

ainda permanece, são visões hegemônicas que, influenciadas pela tradição

conservacionista e pelas teorias produzidas nos limites das ciências naturais, “assumem

um ‘caráter’ convencional entre a educação e o ambientalismo enquanto movimento

histórico, diverso no modo de entender a unidade sociedade/natureza e no definir o que

seriam novos patamares societários, bem como os caminhos para concretizá-los” (2004,

p. 75).

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30Segundo Lima (2004), a chamada EA convencional tende a converter a

complexidade da questão ambiental à singularidade de alguma de suas dimensões,

agindo de forma reducionista, portanto. Nessa lógica, o autor destaca abordagens

ecologicistas, abordagens tecnicistas, abordagens que destacam os efeitos mais

aparentes dos problemas ambientais e ignoram seus aspectos causais e abordagens

individualistas e comportamentalistas.

A problemática ambiental, complexa e multidimensional, acaba reduzida, assim,

a questões de gerenciamento de recursos naturais (e humanos) escassos, a poluição, a

destruição da camada de ozônio, entre outros temas, sendo associada a disciplinas do

conhecimento já constituídas, incorporando conceitos e visões de mundo oriundas

destas (como o conceito hegemônico de natureza), sem considerar a visão sistêmica da

realidade necessária para o trato da crise ambiental.

O surgimento de uma educação ambiental pressupõe o reconhecimento deque a educação tradicional não tem sido ambiental. Consequentemente, o“ambiental” deveria ser parte intrínseca da educação como um todo e nãomodalidade ou uma de suas dimensões (...). A compartimentalização do“ambiental”, ou a inserção de uma “dimensão ambiental”, inevitavelmenteconfinam o conceito de meio ambiente a uma perspectiva instrumental e oelenco de “problemas ambientais” se reduz à poluição, escassez de recursosnaturais, diminuição da biodiversidade, etc. A educação ambiental vistadessa forma não ultrapassa as fronteiras da velha educação conservacionistae não faz jus portanto ao adjetivo a que se propõe. (BRUGGER, 2004, p. 83)

A esse tipo de EA predominante, mesmo que disfarçadamente, em projetos,

documentos oficiais, trabalhos e em espaços educacionais como um todo, pode-se

qualificar como sendo uma espécie de adestramento ambiental, que Brugger define

como sendo “uma instrução de caráter essencialmente técnico, fruto de uma visão de

mundo cientificista e unidimensional” (2004, p. 12). Tal forma de educação ou

instrução, também predominante nos museus de ciência, como será aprofundado

posteriormente, é uma forma de adequação dos indivíduos ao sistema social vigente,

uma forma de opressão, perpetuando uma estrutura social injusta. Normalmente, a

fachada de um saber técnico oculta ou serve como argumento para uma decisão

puramente política.

Essa linha redutora de educação acaba por esvaziar a questão ambiental de suas

características mais significativas, como a potencialidade de unir realidades e de

articular e relacionar dimensões complementares que constituem uma complexidade

maior, interpretando-se, assim, a realidade socioambiental através de perspectivas

unidimensionais do conhecimento científico, sem diálogos intra e inter-saberes,

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31perdendo-se, principalmente, a visão sistêmica da realidade. Além disso, tal visão

parcial e reducionista, segundo Lima (2004), favorece uma compreensão despolitizada e

alienada dos problemas ambientais, ocultando seus motivos políticos e confundindo a

prioridade entre variáveis dependentes (causas) e independentes (efeitos).

Lima afirma também que a despolitização pode, inclusive, ser observada na

banalização do uso das noções de cidadania e participação social nos discursos oficiais

de EA, usando-se tais conceitos no contexto do capitalismo, “ora como meios de ocultar

as desigualdades sociais e de legitimar sua manutenção, ora como conquistas associadas

ao consumo” (2004, p. 90).

Partindo de uma visão técnica, naturalizante e, portanto, reducionista, da questão

ambiental, as ações propostas por esse tipo de educação adestradora tem seu conteúdo

esvaziado, diagnosticando o problema socioambiental como um problema de

comportamentos individuais, vendo a solução de forma paliativa e pontual, na mudança

de comportamento dos indivíduos em sua relação com o ambiente. Não questiona-se,

assim, as causas profundas da crise ambiental, as resoluções dos problemas parecem

simples, pautadas em conhecimentos científicos neutros capazes de solucionar os

problemas dentro da mesma lógica vigente.

Da mesma maneira, as soluções com base na correção de comportamentos

individuais parecem querer responsabilizar a todos, de maneira igualitária, pelos

problemas socioambientais, não se levando em consideração o desequilíbrio de poderes

existente na sociedade, e a heterogeneidade que a compõe.

As campanhas que de alguma forma contemplam os temas ambientais, comoseparação de lixo ou economia de energia, geralmente vêm acompanhadasde frases que convidam a população a colaborar, como por exemplo:-Responsabilidade ambiental: Passe adiante. Usa-se como estratégia essadivulgação do adestramento por intermédio dos próprios adestrados, que sãotreinados por instituições educacionais ou não para a preservação doselementos naturais. São indicações cabais de intimidação da sociedade para“fazer a sua parte” fazendo-a entender que é ela (toda ela) a responsável pordanos ambientais. (DIÓGENES E SILVA, 2008).

Com base no que foi dito até o momento, pode-se considerar, portanto, que

acima de tudo, a principal conseqüência do adestramento ambiental refere-se a

despolitização da sociedade, a opressão e manutenção do estado vigente, deixando-se a

tomada de decisões para grupos de poder minoritários, que se articulam de acordo com

seus interesses, buscando a minimização de conflitos com base em ações de EA

possuidoras de todas as características superficiais já citadas: pontuais, de cunho técnico

e naturalizante, com foco em mudanças de comportamento individuais, sem atitudes na

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32real causa dos problemas socioambientais, já que, em muitos casos, os próprios

proponentes das ações de EA, ou aqueles que os financiam, fazem parte da raiz do

problema.

A problematização da realidade não é, desse modo, o foco de ação da EA de

características adestradoras, onde a existência de conflitos pode levar a reflexões e

apreensões da realidade que venham a convergir em ações libertadoras e

transformadoras, com a clara visualização das relações de poderes existentes; isso,

evidentemente, passa longe dos interesses daqueles que lucram com a perpetuação do

sistema vigente.

6.4 Educação Ambiental e Museus de Ciência

Dentro do contexto apresentado até o momento neste trabalho, a questão que

permanece, portanto, diz respeito à quais características apresenta a EA que é tratada

dentro dos museus de ciência. Para o trato desta problemática, é importante o resgate do

modelo de comunicação pública da ciência que é predominante nos museus científicos,

assim como suas características principais.

O modelo de comunicação pública da ciência que prevalece nos museus de

ciência é o modelo de déficit que, de maneira resumida, coloca a ciência como um

corpo neutro de conhecimentos, a-histórica, sem quaisquer relações com a sociedade,

não podendo ser influenciada, portanto, por questões sociais, políticas ou culturais. A

partir dessas características, a prática da educação científica se constitui na transmissão

de conhecimentos para os indivíduos “sem conhecimentos”, buscando-se sua

“capacitação” para lidar com os fenômenos científicos mais relevantes.

Percebe-se claramente, dessa maneira, nos atributos do modelo de déficit

predominante, fortes relações com as características que marcam o chamado

adestramento ambiental já destacado. Assim, a EA que é praticada nos museus de

ciência possui características naturalizantes (ou conservacionistas) e técnicas, buscando

mudanças comportamentais individuais, sem discussões éticas, políticas, culturais e

históricas mais relevantes.

Um exemplo de viés conservacionista no trato da questão ambiental é fornecido

pelo trabalho de Delicado, ao tratar dos museus de ciência em Portugal, onde a EA é

vista da seguinte forma por um funcionário entrevistado do Museu Botânico da

Universidade de Coimbra:

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33Motivá-los um bocado para a importância das plantas, para a proteção danatureza, porque sem isso as pessoas nunca estarão motivadas para apreservação da natureza nem para a importância nem para a biodiversidade.São chavões que toda a gente usa, toda a gente diz, mas no fundo as pessoasnão sabem porque é que é importante a preservação (2004, p. 11).

Além disso, a temática ambiental tende a ser compartimentada no interior dos

museus científicos, seguindo a lógica geral que ramifica a educação em educação

ambiental, associando-se o “ambiental” a disciplinas ou corpos científicos que tendem a

ser considerados como aqueles que inerentemente são os mais adequados para abarcar

os problemas socioambientais. Portanto, nos museus científicos a ciência tende a ser

fragmentada em corpos científicos separados (física, biologia, Ciências da Terra, entre

outros), e o trato da temática ambiental tende a ser associada a alguma dessas

disciplinas, sem que haja uma maior transversalidade ou interdisciplinaridade,

colocando-se os problemas socioambientais de forma desvinculada de outras dimensões

importantes da realidade, reduzido ao trato de fenômenos científicos ou à soluções

simplistas de caráter gerencial, sem que se aborde as causas reais dos problemas.

Sabe-se que esta tendência no trato da questão ambiental também existe em

outros espaços educacionais, entretanto, as conseqüências da prática de um

adestramento ambiental são ainda mais agravadas quando imersas em espaços como os

museus de ciência, já que a ciência tende a ser relacionada como a única capaz de

solucionar os problemas socioambientais, reduzidos em disciplinas específicas e que,

portanto, podem amplamente ser tratados dentro do arcabouço de conhecimentos dessas

disciplinas, sem a necessidade de maiores diálogos com outras formas de saberes, ou

mesmo, sem necessidade de maiores participações da sociedade, tranqüilizada pelas

soluções técnicas existentes. Dessa maneira, não há a necessidade da abordagem de

soluções de maior complexidade e que possuam cunho estrutural.

A fala de Antunes et. al., acerca da importância das exposições de divulgação da

ciência ilustra tal fé no caminho único da ciência e tecnologia para o trato dos

problemas socioambientais:

Hoje, existe o reconhecimento de que é inviável qualquer via de retrocessoou de escape do desenvolvimento das tecnociências. Pelo contrário, o queexiste é a constatação do crescente nível de dependência do homem emrelação a esses avanços. As dimensões cotidiana, cívica e cultural dosindivíduos estão cada vez mais impregnadas e determinadas por esseprocesso de crescimento. Tal dependência indica que a própria defesa dasociedade e dos cidadãos em face dos referidos riscos somente é viável coma utilização de meios tecnocientíficos, inclusive no que se refere à reversãodos danos já causados. (2002, p. 156, destaque nosso)

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34Todavia, o interessante é que os mesmos autores tratam da ambigüidade entre

as possibilidades de benefícios e de danos das tecnociências, e da necessidade de se

“compreender que as questões científicas e tecnológicas são, em nível crescente,

questões de natureza política que dizem respeito a toda a sociedade” (p. 156). Antunes

et. al. (2002) também evocam a necessidade de se “capacitar” o cidadão para que este se

posicione de maneira consciente e crítica com relação aos rumos da ciência e

tecnologia; ou seja, os mesmos autores possuem um pensamento ambíguo com relação

ao papel da ciência e tecnologia na sociedade, o qual pode ser consequência das

diferentes noções de cidadania e participação existentes.

Como já dito anteriormente neste trabalho, Lima (2004) critica a noção de

cidadania e participação atrelada ao contexto do capitalismo, defendendo que a

igualdade jurídica formal deve vir acompanhada de outras conquistas econômicas,

sociais e políticas. Tal noção de cidadania e participação vem ao encontro dos interesses

deste trabalho, na crítica a EA de cunho técnico e naturalizante existente nos museus de

ciência.

De modo a se colocar um exemplo de EA de caráter técnico e naturalizante

dentro dos espaços museais, é pertinente a análise do projeto intitulado “O Planeta Terra

e a Preservação Ambiental” (TEIXEIRA, 2007), desenvolvido para a Estação Ciência,

museu científico localizado em São Paulo e inaugurado em 1987 pelo Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico- CNPq; atualmente, a Estação

Ciência é administrada pela Universidade de São Paulo (USP).

O problema principal deste projeto deve-se a associação da temática ambiental

somente a área da Geologia, compartimentando-a em certa disciplina, como destacado

pelo fato de que “o projeto visou ampliar a área de Geologia e Meio Ambiente da

Estação Ciência” (TEIXEIRA, 2007). Tal forma errônea de abordar a problemática

ambiental acaba desencadeando em aspectos relacionados à um tipo de adestramento

ambiental, mais do que uma educação ambiental.

As características “adestrantes” do projeto se fazem presentes por todo o seu

conteúdo, a começar pela sua proposta principal, que é a “de que todos tenham

racionalidade no uso dos recursos naturais não renováveis e adotem posturas

responsáveis em relação ao meio ambiente, em benefício das futuras gerações”

(TEIXEIRA, 2007). Observa-se explicitamente no trecho destacado uma visão

reducionista da questão ambiental, associada ao simples gerenciamento técnico dos

recursos naturais, assim como, percebe-se que mudanças de posturas comportamentais

são incentivadas como a solução dos problemas socioambientais.

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35Essa característica de incentivo a mudanças comportamentais como solução

de problemas socioambientais mais profundos, se faz presente, inclusive, em objetos da

exposição, como “[em] uma maquete e painéis que mostram a importância do Aqüífero

Guarani e uma experiência interativa [que] mostra a quantidade de água utilizada em

alguns equipamentos domésticos” (TEIXEIRA, 2007).

O projeto também apresenta vias naturalizantes, associando o conceito de meio

ambiente com os ciclos biogeoquímicos (ciclos da água, do carbono, do Oxigênio e do

Nitrogênio), desencadeando em implicações simplistas que relacionam os elementos

naturais, suas utilizações e os problemas ambientais causados pela interferência do

homem.

Assim, de forma geral, aspectos técnicos e naturalizantes seguem permeando

todo o projeto, tratando-se temas relacionados às fontes de energia, aos ciclos das

rochas, aos minerais, entre outros, de forma reducionista, sem abordar questões de

caráter mais estrutural da sociedade.

Todavia, talvez os objetivos do projeto explicitem mais claramente seu viés

adestrador, com destaque para a difusão de posturas responsáveis para o uso racional

dos recursos naturais, e a capacitação de professores do Ensino Fundamental e Médio,

no conhecimento geológico e ambiental. A palavra “capacitação”, mais do que uma

reflexão acerca dos temas socioambientais tratados no projeto, indica uma postura de

“treinamento ambiental”, com vias técnicas explicitas, sem condições de abordar a crise

ambiental em seus fatores causais.

Por fim, no tocante ao aspecto de patrocínio do projeto, este é financiado pela

Petrobrás, ou seja, existe a busca de uma relação, mesmo que indireta, entre o conteúdo

da exposição, voltada ao “Planeta Terra e a Preservação Ambiental”, com o nome da

empresa em questão, o que é no mínimo imprudente ou inadequado. O seguinte trecho

do projeto explicita uma intencionalidade de relação: “os objetivos [do projeto] atendem

à missão institucional, em sintonia com as ações sociais e culturais da Petrobrás”

(TEIXEIRA, 2007).

Logicamente, não se quer dizer neste trabalho que tais abordagens técnicas e

naturalizantes, no trato da questão ambiental, não são importantes, todavia, reduzir-se a

questão somente a este ponto, sem maiores problematizações, é uma forma de alienação

e mesmo de opressão. Tais temas socioambientais poderiam ser geradores de discussões

mais amplas, o que não está colocado como propósito do projeto destacado, por

exemplo.

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36Também não se quer dizer neste trabalho que a ciência não possui papel de

extrema relevância no trato das problemáticas socioambientais, todavia, faz-se

necessário que a ciência seja incluída em um contexto social, cultural e político mais

amplo, assim como, deve-se se colocar a ciência em diálogo com outras formas de

saberes. Se não for dessa maneira, um espaço público, como o museu científico, acaba

sendo despotencializado, servindo apenas como um interlocutor entre a ciência e a

sociedade, na busca por diminuir o desconhecimento acerca dos fenômenos científicos,

perdendo-se o potencial do museu de ciência como gerador de debates mais amplos e

estruturais acerca do modelo de desenvolvimento hegemônico. A EA neste espaço é

compartimentada, simplificando a crise ambiental, que tem causas profundas e

complexas.

É bem provável que a forma de educação deficitária abordada pelo museu de

ciência, buscando a transmissão de informações para a sociedade, esteja relacionada ao

fato do museu científico ser considerado um espaço de educação pontual, restringindo

seus meios de educação aos objetos ou às exposições. Nesse contexto, o museu

científico tende a visualizar seu potencial educativo de forma reduzida, o que acarreta

em uma abordagem também simplificada da realidade complexa, e dos problemas

socioambientais.

Tal visão reduzida, educacionalmente focada apenas na organização dos objetos

e das exposições dentro dos espaços dos museus, acaba fazendo com que se perca o

foco do espaço museal em si, em uma visão mais abrangente ou holística (sem ser

genérica) do museu de ciência. Assim, o museu de ciência não deve ser reduzido

somente aos seus objetos e exposições, articulando-se tais meios educacionais a outros

espaços dos museus, como auditórios e anfiteatros. No entanto, além disso, devem-se

buscar outras formas de educação, que possibilitem uma maior inter e

transdisciplinaridade dentro do espaço museal, não devendo se restringir a EA a espaços

específicos, associada a disciplinas específicas, visto que as características da crise

ambiental e mesmo da temática ambiental abrem possibilidades educacionais enormes

em uma abordagem mais integrada e profunda da realidade.

É claro também, como já colocado anteriormente neste trabalho, que o modelo

de déficit não é universal para todos os museus de ciência, existindo inúmeras

experiências que se contrapõe a esse tipo de modelo predominante, buscando atividades

educacionais inovadoras, as quais serão tratadas posteriormente; aliás, mesmo dentro de

um museu de ciência em específico podem coexistir atividades de cunho reducionista ou

integradoras. Cabe adiantar, no entanto, que um exemplo de museu científico com um

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37olhar mais complexo da realidade é o Museu de Astronomia e Ciências Afins

(MAST), unidade de pesquisa integrante da estrutura do Ministério da Ciência e

Tecnologia, localizado no Rio de Janeiro.

Assim, outras vertentes da EA, de características libertadoras e não opressoras,

podem possibilitar a potencialização do espaço museal, de forma a integrar suas

diferentes áreas através da temática ambiental, que, por si só, já possui características

multi, inter e transdisciplinares, buscando-se a aproximação com o modelo de

comunicação da C & T que prioriza a participação pública. Evidentemente, no entanto,

as características intrínsecas dos museus de ciência devem ser respeitadas e trabalhadas.

Faz-se necessário, portanto, o trato das características e potencialidades das

outras vertentes da EA, contextualizadas dentro dos espaços dos museus de ciência, com

suas características específicas, relacionadas aos objetos, exposições e mediadores.

7. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Procurou-se até o momento, no desenvolvimento desta pesquisa, o

esclarecimento de pontos importantes, referentes as características de museu de ciência

que correspondem aos interesses do trabalho, levando-se em consideração que os

museus de ciência podem pertencer a grupos específicos. Colocando-se como referência

os atributos existentes em um centro de ciência (interatividade, e ligação maior com a

realidade cotidiana e com a interface meio ambiente/sociedade), estabeleceram-se

teoricamente as atividades ou interesses que prevalecem neste tipo de espaço

educacional, sendo a voltada para a comunicação e divulgação científica aquela que se

destaca.

Todavia, o interesse pela EA também está presente no espaço museal, sendo que

sua prática e alicerces teóricos encontram-se hierarquicamente influenciados pelo

modelo de comunicação pública de C & T mais utilizado, o chamado modelo de déficit.

Desta forma, o principal objetivo desta pesquisa, mais do que apontar fórmulas ou

caminhos metodológicos em específico, era o de tornar evidente e problematizar as

características da EA desenvolvida pelos museus de ciência, tendo-se em vista o fato de

que a EA não é homogênea, apresentando vertentes com atributos e fundamentos

diferenciados.

Desta forma, a partir do modelo de déficit presente preferencialmente nos

museus de ciência, de características a-históricas e de transmissão de conhecimentos,

revela-se também nestes espaços educacionais uma EA de atributos tecnicistas e

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38naturalizantes, pautada pela ação nas consequências e não nas causas da questão

ambiental, com foco em mudanças de comportamento individuais, e, principalmente,

despolitizando o debate acerca da problemática ambiental e sua complexidade e

multidimensionalidade, sem maiores diálogos com outras formas de saberes. Desta

forma, o potencial do museu de ciência não é aproveitado, visto que não possibilita um

real diálogo e participação pública, mesmo sendo um espaço propício para a discussão

de temas que integram múltiplas dimensões (políticas, éticas, técnicas, entre outras).

Existem várias explicações para a forma de educação deficitária utilizada pelos

museus de ciência, as quais já foram discutidas anteriormente neste trabalho; todavia,

um fator que ainda não havia sido problematizado é a questão de alguns museus de

ciência serem órgãos de extensão de universidades. Esse, evidentemente, não é o

problema em si; o problema se encontra no conceito de extensão que prevalece na

prática das universidades, buscando suprir deficiências de interação com a sociedade,

sem, contudo, proporcionar oportunidades reais de diálogo, que sejam bidirecionais, e

que respeitem conhecimentos de outro tipo que não o acadêmico.

Por fim, resta a este trabalho a tentativa de mostrar alguns caminhos, destacados

por outros autores, que podem ser trilhados pelos museus de ciência em suas atividades

educacionais, sem qualquer pretensão de, no entanto, apontá-los como soluções

definitivas ou corretas, visto que estas não existem no fazer educativo.

Dessa forma, se buscará a apresentação de vertentes da EA que possuem um

caráter crítico, transformador e integrador, buscando o relacionamento destas vertentes,

com suas concepções e metodologias próprias, como a utilização de temas geradores

citada por Lima (2004) a partir da pedagogia freireana, com as características do espaço

museal, dentro das possibilidades e limitações de tal espaço. Propostas educacionais

diferenciadas desenvolvidas por alguns museus de ciência também serão apresentadas,

como, por exemplo, a forma de aproximação entre educação em ciências e EA no

MAST, a partir de trabalho desenvolvido por Vasconcellos e Guimarães (2006).

8. REFERÊNCIAS

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