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    A Educao para os Valores

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    A Educao para os Valores

    Maria Odete ValenteDepartamento de Educao da

    Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa

    1 A escola e os valores

    O professor na sala de aula bem como a escola no seu todo, naquilo

    que explicita e no explicita, no que diz permitir e no que probe, no que

    incentiva e no que faz por desconhecer, ensinam aquilo que valorizam, o

    que acham, justo e no justo, em suma, ensinam valores. O ensino dos

    valores no se pode evitar.

    Todas as actividades em que se envolve o professor desde os livros

    ou textos que sugere ou escolhe, as experincias que selecciona, os

    trabalhos de casa que recomenda ou pede, tudo isto implica uma

    hierarquia de valores. Mas no apenas o professor, so tambm as

    regras de jogo da prpria escola, as relaes entre Conselho Directivo,professores e alunos, as circulares e ordens de servio, o que se pode ou

    no fazer no ptio, as actividades extra-curriculares que se fomentam,

    aquilo que premiado ou considerado indesejvel, so todas estas

    situaes e muitas outras que, explcita ou implicitamente, revelam os

    valores que se privilegiam.

    A educao para os valores realiza-se em todos os momentos,

    permeia o curriculum e tambm todas as interaces interpessoais na

    escola e as relaes desta com a famlia e a sociedade. Manifesta-se nasreunies, na sala de aula, na definio dos capazes e dos incapazes, na

    maneira como so recebidas as minorias, pobres ou ricos, frgeis ou bem

    constitudos, cabo-verdianos ou , vestidos a rigor ou

    desajustados e sem >, etc. Manifesta-se na aula de Cincias, nos

    mtodos utilizados, no maior ou menor uso de argumentos de autoridade,

    no maior ou menor rigor com que se colhem os dados, na exigncia de

    verdade nos relatos, na tolerncia e compreenso em relao

    abordagem de cada um em busca de sentido para as suas experincias.Manifesta-se na aula de Histria ou Estudos Sociais, nos problemas em

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    que o professor mais se envolve ou detm, nos documentos histricos a

    que se d mais nfase. Manifesta-se nas aulas de Portugus, nos textos

    escolhidos, na caracterizao das personagens, na auto-expresso que

    mais premiada, desencorajada ou mesmo reprimida. Manifesta-se nos

    regulamentos disciplinares, nos contactos de trabalho com o professor,

    nas desculpas que se invocam. Manifesta-se na gesto da escola, nos

    comentrios e argumentos adoptados no Conselho Pedaggico, nas

    greves que se fazem ou que se desconhecem, nas personalidades que se

    consideram exemplares e notveis, nas pessoas da comunidade que se

    convidam para entrarem na escola, nos sorrisos laterais que aqui e ali,

    quase despercebidos, se lanam sobre esta ou aquela pessoa, este ou

    aquele comentrio, ou posio.

    A questo moral surge a todo o momento sempre que algum

    selecciona ou se manifesta a favor ou contra qualquer comportamento,

    situao, pessoa ou objecto. Mas, tudo isto acontece mesmo que no se

    enfrente e discuta a questo da educao para os valores na escola.

    Porqu ento a dvida sobre o benefcio da discusso de valores na

    escola ou o medo de que, a existir, desse modo se esteja a perder aquela

    , apontada como desejvel numa escola pblica? Talvez a

    tradio marcada pela ideia de se tratar de assuntos privados, o receio dedoutrinao ou inculcao de valores, ou de desvio da ateno do

    professor do ensino dos factos e capacidades, ou ainda a ideia de que o

    lugar para essas coisas so a famlia, a Igreja ou o partido, e tambm o

    receio da falta de preparao dos professores para a delicadeza destas

    tarefas.

    No ser que os professores podem ajudar a desenvolver o juzo

    moral dos jovens, mesmo sem insistirem numa posio particular? E no

    ser que a falta de dilogo sobre as questes que mais de perto tocam os

    jovens faz com que a escola degenere num lugar assptico, pouco

    importante e irrelevante para eles? No por outro lado duvidoso que os

    jovens realizem discusses sistemticas em casa ou noutras instituies

    sobre os valores? Muitos no frequentam esse tipo de instituies e os

    pais no esto preparados ou no dispem de tempo para uma anlise

    racional de valores. No ser ento de admitir que a escola se ocupe da

    educao moral dos jovens?

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    A questo difcil , pois, a de saber se a sociedade est decidida a

    envolver-se nesta tarefa de ajudar explicitamente os alunos no

    desenvolvimento de valores e a consider-la como uma legtima e

    desejvel tarefa dos educadores e, em caso afirmativo, como faz-lo.

    Para ajudar a contribuir para uma resposta a esta questo

    apresentam-se duas das abordagens que tm sido consideradas como

    alternativas significativas tradicional inculcao de valores,

    sistematizadas na teoria da clarificao dos valores, de Raths, e na teoria

    cognitivo-desenvolvimentista, de Lawrence Kohlberg.

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    2 A teoria da clarificao de valores

    A clarificao de valores, na perspectiva de Raths e seus discpulos,

    constitui a via preferencial para abordar na escola a questo da educao

    para os valores. Reconhecem os autores que no nosso tempo, com a

    presso das muitas mensagens contraditrias que nos envolvem, muitas

    pessoas debatem-se na confuso, apatia, ou inconsistncia, sem

    conseguirem clarificar os seus prprios valores, pelo que se deve

    encoraj-las a reflectirem de forma mais deliberada nos seus valores e

    nos da sociedade como um todo. Segundo os autores desta teoria, esteprocesso deve fazer-se sem grandes ambies iniciais, isto , partir de um

    primeiro passo em que apenas se chama a ateno das pessoas para os

    aspectos da sua vida que podem indiciar algo que valorizam. Trata-se de

    lhes prender a ateno sobre os seus interesses, aspiraes, sentimentos,

    inquietaes, objectivos, ou ento pode seguir-se outra via, introduzindo-

    a em discusses gerais da vida, mais pessoais ou sociais, tais como a

    amizade, a lealdade, a ternura, a poltica, a lei, a ordem, etc., etc.

    Um trabalho deste tipo impe, quele que o pe em prtica,

    algumas regras de jogo fundamentais, nomeadamente que se considere as

    posies do outro sem julgamento ou avaliao, isto , exige a aceitao

    da pessoas do outro tal como , no sentido de facilitar que o outro se

    aceite a si prprio tambm, e seja honesto consigo e com os outros, por

    mais confusos que estejam os seus pensamentos e sentimentos. Contudo,

    embora a aceitao seja uma etapa necessria, deve dar lugar a um

    convite reflexo mais sria e, sobretudo, mais alargada. Convite a que

    se faam escolhas mais ponderadas, com a conscincia mais esclarecida

    daquilo que o indivduo realmente estima e com uma maior integrao do

    valor relativo das escolhas.

    O fundamento principal da clarificao de valores o de que as

    pessoas podem ser ajudadas a debruarem-se sobre as questes de valores

    e a integrarem as suas escolhas, podendo ento continuar a fazer isso pela

    vida fora, aumentando a sua possibilidade de autodireco esclarecida.

    No se pretende uma metodologia insistente, isto , programada de modoa obrigar os indivduos ao reconhecimento da sua confuso e

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    (3) escolha feita depois da considerao ponderada das

    consequncias de cada alternativa;

    (4) ser capaz de ser elogiado e aplaudido;

    (5) ser capaz de ser afirmado publicamente;

    (6) manifestar-se no nosso viver e no nosso comportamento;

    (7) manifestar-se em vrias situaes e ocasies, isto , ser

    frequente e repetir-se.

    Resumindo, para que algo atinja o nvel de um valor vemos que

    deve ser escolhido livremente e, com a considerao pensada das

    consequncias de vrias alternativas, deve ser apreciado e deve

    manifestar-se na actuao daquele que tem esse valor.

    Daqui resulta que nem tudo em ns so valores. Temos objectivos,

    aspiraes, crenas, que no sendo ainda ou nunca venham a ser valores,

    so por vezes os seus indcios ou, nos termos de Raths, indicadores

    importantes e em relao aos quais se deve iniciar o processo de

    clarificao. Entre estes indicadores, esto alm dos nossos objectivos,

    aspiraes e crenas, as nossas atitudes, interesses, sentimentos e

    convices, actuaes, aborrecimento, problemas, obstculos.

    Neste processo o educador encoraja a criana, o jovem ou o adulto,a clarificar aquilo que valorizam, e no intenta persuadi-los a aceitarem

    um conjunto preestabelecido de valores. Para levar a cabo esta tarefa, o

    educador dever encorajar as crianas e jovens a fazerem mais escolhas e

    a faz-las livremente, ajudar a descobrir alternativas e a reflectir nas

    consequncias de cada uma, ao mesmo tempo que encoraja a

    considerarem o que apreciam e a afirmarem-no, quando necessrio e

    oportuno, bem como a actuarem e a comportarem-se de acordo com as

    escolhas, de maneira sistemtica. Este tipo de estratgia dever sempre

    aparecer como um convite e no como uma obrigao.

    Esta metodologia, a de aprender um processo, de facto uma

    alternativa em relao a outras formas de educar para os valores

    associadas inculcao ou doutrinao de valores. Formas estas que

    passam pelo apontar de modelos do passado e do presente, pela persuaso

    com argumentos e razes e apontando para falcias e iluses, pelo limitar

    de escolhas, pelo dramtico ou emocional para certos valores,

    estabelecimento de regras e regulamentos que moldam o comportamento,uso de recompensas ou castigos, pelo dogma cultural ou religioso ou

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    3 Algumas estratgias de clarificao de

    valores

    Para que o leitor possa ter uma melhor ideia do tipo de exerccio e

    actividades sugeridas por Raths, Harmin e Simon, de seguida

    apresentam-se alguns exemplos:

    Deve notar-se, em qualquer dos casos, que os alunos no sero

    forados a participar em nenhum dos exerccios. Cada um tem o direito

    de dizer, o que se significa que no quer participar. Os alunos podem ficar a princpio inquietos ou confusos, com uma tarefa to

    diferente dos escolares.

    3.1 Coisas que gosto de fazer

    Pedir aos alunos para escreverem num papel nmeros de 1 a 20. Em

    seguida, sugere-se que escrevam to rapidamente quanto possvel vinte

    coisas que gostem realmente de fazer na vida. Deve insistir-se em que os

    papis no sero recolhidos ou corrigidos e que no h respostas certasou erradas sobre os gostos das pessoas. No se deve invadir de qualquer

    modo a privacidade individual.

    Quando toda a gente tiver escrito os seus vinte itens pode passar-se

    segunda fase, a da codificao das respostas. Eis alguns exemplos de

    cdigos que se podem indicar aos alunos:

    1. Colocar um sinal de $ em cada item que custe mais de

    quinhentos escudos.

    2. Pr um R frente de cada item, que envolva algum risco. O

    risco pode ser fsico, intelectual ou emocional. (Quais as coisas

    da sua vida que, embora envolvam algum risco, gosta realmente

    de fazer?)

    3. Usando a letra P, registe na sua lista os itens que pensa que os

    seus pais teriam em listas semelhantes se lhes tivessem pedido

    para as fazerem quando tinham a sua idade.

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    4. Coloque, quer a letra C ou a letra S antes de cada item. C pode

    ser usado para os itens que prefira realizar em conjunto com

    outras pessoas. S para aqueles que preferir realizar sozinho.

    5. Ponha o nmero 5 frente de cada item que pensa que noestar na sua lista daqui a 5 anos.

    6. Finalmente, volte a ler a lista e coloque junto a cada item a data

    de quando realizou pela ltima vez o que nela est indicado.

    Depois dos alunos terem feito a lista e codificado os seus vinte

    itens, o professor poder dizer: ,

    Eu aprendi que...

    Eu reaprendi que...

    Eu notei que...

    Eu fiquei surpreendido em ver que...

    Eu fiquei desapontado porque...

    Eu fiquei satisfeito de que...

    Eu compreendi que...

    O professor deve tambm estar disposto a fazer algumas afirmaes

    de e que devem ser to autnticas quanto possvel.

    Afirmaes como podem ser usadas aps

    quase todas as estratgias de clarificaes de valores. Deve ficar claro

    que levar os alunos a afirmaes deste tipo, nada tem a ver com

    inculcao de valores.

    3.2 Folhas de valores

    So pequenas histrias, afirmaes ou um conjunto de questes

    contendo implicaes de valores para os alunos reflectirem e escreverem

    sobre elas, como, por exemplo, esta sobre a amizade.

    1. O que significa para ti a amizade?

    2. Se tens amigos, escolheste-os ou ficaram teus amigos por acaso?

    3. De que modos mostras a amizade?

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    4. Que importncia atribuis ao facto de desenvolveres e manteres

    amizades?

    5. Se pensas modificar o teu modo de ser, que mudanas pensas

    fazer? Se no pensas fazer mudanas, escreve .

    3.3 Incidentes

    So relatos de pequenos incidentes, em relao aos quais se procura

    a reaco dos alunos. Vejamos um exemplo:

    Algum foi apanhado a copiar no exame numa aula. O professor

    tentou pegar no ponto, mas o rapaz agarrou-o. Quando finalmente o professor o apanhou, caram vrias fichas de dentro dele. O aluno

    afirmou que no lhe pertenciam. O professor informou o aluno de que

    apresentava queixa ao Conselho Directivo. O rapaz ameaou o professor

    e acabou por ser expulso. O rapaz tinha sido aceite para uma bolsa no ano

    seguinte e isto implicava que j no a poderia utilizar, pois deste modo

    no completaria o secundrio. Quando os colegas souberam ficaram meio

    contentes. Sero sdicos ou esto apenas satisfeitos por o caso no se ter

    passado com eles?

    Pensa:

    1. Qual a tua primeira reaco. Usa s palavras. No so precisas

    frases.

    2. Como te identificas com o rapaz?

    3. Como te identificas com o professor?

    4. O autor do texto levanta uma questo sobre os colegas.

    Comenta.

    5. Copiar ou no copiar? Qual a justificao para cada posio?

    6. Que alternativas se colocaram ao aluno? E ao professor? E aos

    outros colegas?

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    3.4 Colocao por ordem

    Nesta tcnica pede-se aos alunos que diferenciem entre possveis

    alternativas em termos de melhores ou piores e para examinarem eclarificarem as suas preferncias em termos de prioridade. As escolhas

    apresentadas aos alunos podem variar das mais simples s mais

    complexas, das mais triviais espcies de preocupaes s de maior

    significado. Considerem primeiro alguns exemplos:

    um grupo de amigos;

    dinheiro;

    inteligncia;

    curiosidade; fortaleza;

    posse de coisas

    3.5 Telegramas com recomendaes

    O professor pode mesmo adquirir impressos de telegramas, ou

    ento pede aos alunos que escrevam no cimo de uma folha de papel a

    palavra Telegrama. Ento o professor diz . (Todos os

    telegramas devem ser assinados. nossa convico que h necessidade

    de nos afirmarmos perante aquilo que acreditamos.)

    Um grande nmero de questes sobre valores surge com esta

    simples estratgia. Considere alguns destes telegramas:

    minha irm: , Maria.

    Ao prior da minha aldeia: ,

    Pedro.

    Ao meu vizinho: ,

    Joo.

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    Uma das coisas que os alunos aprendem com a clarificao de

    valores a descobrir o que eles prprios na verdade querem. Telegramas

    como estes contribuem para isso. Pensem nas pessoas que conhecem, a

    quem um telegrama comeando com

    precisasse de ser enviado. Em segundo lugar, ajuda os alunos a

    encontrarem vias alternativas par conseguirem o que precisam e querem.

    Consideremos o caso do vizinho de Joo. O grupo gastou algum tempo a

    descobrir os meios de se aproximar desse vizinho. Discutiram como

    negociar com um resmungo e como tentar oferecer alternativas de

    conduta para se conseguir o que se quer.

    Este tipo de estratgia pode ser usado vrias vezes durante um ano.

    Podem tambm aprender a usar este tipo de telegrama para enviarem unsaos outros e ao professor.

    Uma outra tarefa sugerida por Simon, relacionada com a estratgia

    do telegrama, a de solicitar aos alunos que escrevam cartas ao editor

    para publicao numa revista ou jornal.

    3.6 Braso de armas pessoal

    Pedir a cada aluno que desenhe uma espcie de braso de armas

    pessoal. O professor pode explicar o significado histrico dos escudos e

    brases de armas, mas o exerccio serve para nos ajudar a compreender

    melhor os valores que mais fortemente defendemos e a aprender a

    importncia de afirmarmos publicamente aquilo que acreditamos.

    O escudo dividido em seis seces. O professor esclarece que as

    palavras vo ser s usadas no bloco 6. Todos os outros iro conter

    desenhos. Insiste que no nenhuma lio de arte. S precisam ser

    usadas figuras de esboo imperfeitas. Explica a seguir o que se vai fazerem cada uma destas seces:

    1. Desenhe duas figuras. Uma a representar qualquer coisa em que

    muito bom e a outra que mostre alguma coisa em que se quer

    tornar bom.

    2. Faa um desenho que mostre um dos valores do qual nunca

    abdicar, isto , um dos que sente muito fortemente e de que

    nunca poder desistir.

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    3. Desenhe uma figura que represente um valor apreciado pela sua

    famlia. Escolha um que todos os membros da sua famlia

    considerem ser um dos mais importantes.

    4. Neste bloco, imagine que podia obter tudo quanto desejasse eque tudo o que tentasse seria um xito. Em que que se

    empenharia?

    5. Use este bloco para mostrar um dos valores no qual desejaria

    que todos os homens acreditassem, e em que tambm acredita

    profundamente.

    6. No ltimo bloco pode usar palavras. Escreva quatro palavras

    que gostaria que as pessoas dissessem de si na sua ausncia.

    Neste ponto, o professor pode fazer vrias coisas. Pode dividir os

    alunos em grupos de trs ou quatro. Pode tambm pendurar os desenhos

    nas paredes para todos verem os brases de armas. Pode fazer-se um jogo

    que leve a descobrir o que as figuras representam. A turma pode tentar

    fazer um braso de armas do grupo que representa a sua vida na aula. Em

    qualquer caso, a expresso dos valores deduzidos desta maneira no

    verbal leva a interessantes discusses, as quais podem ser prolongadas e

    alargadas. Acidentalmente, este plano pode ser usado com os pais para

    lhes mostrar o poder da metodologia da clarificao de valores.

    A estratgia do braso de armas ilustra bem alguns aspectos

    comuns a todas as estratgias de clarificao de valores. O professor

    estabelece uma maneira interessante de provocar algumas respostas

    valiosas. Decide que no h obrigao de responder. Permite aos alunos

    que avancem s at ao nvel que eles querem. Finalmente, h uma

    oportunidade de partilhar uns com os outros algumas das alternativas queemergem da procura. Todo este processo permite a cada aluno

    concentrar-se em reas onde ele tem ainda algum trabalho a fazer para se

    valorizar. O braso de armas pode ser usado vrias vezes durante o ano

    escolar. Podem ser comparados os vrios escudos, utilizados como

    medidas do desenvolvimento do estudante.

    3.7 ''Jogos de papis"

    Os "jogos de papis" constituem um outro tipo de estratgia queajuda os alunos a explorarem sentimentos actuando no lugar de pessoas

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    1. O estdiopr-moralonde no h sentido de obrigao s regras.

    2. O estdio heternimo onde h obrigao s regras e submisso

    ao poder e ao castigo.

    3. O estdio autnomo onde so considerados os fins e as

    consequncias das regras e a obrigao baseada na

    reciprocidade e troca.

    Foi a partir de 1955 que Kohlberg comeou a definir e a validar,

    atravs de estudos longitudinais e entre culturas diferentes, os nveis e

    estdios de Dewey e Piaget. Estdios, em Piaget e Kohlberg, so sistemas

    estruturados que formam uma sequncia invariante em todas as

    condies, salvo em situaes de trauma, e so integraes hierrquicas,isto , pensar num estdio superior compreende o ser capaz de pensar em

    estdios inferiores.

    Os estudos de Kohlberg incluram estudos longitudinais, de 20

    anos, com 50 rapazes da classe mdia e trabalhadora da rea de Chicago,

    um outro estudo longitudinal, de 6 anos, numa aldeia de Munique, e

    outros estudos interculturais, no Canad, Gr-Bretanha, Israel, Formosa,

    Iucato, Honduras e ndia.

    Kohlberg identificou trs nveis de desenvolvimento moral, cada

    um dos quais subdividido em dois estdios, fazendo um total de seis

    estdios, que a seguir se descrevem resumidamente:

    Estdio I: Moralidade da punio e da obedincia (as consequncias

    fsicas determinam o que est certo).

    Estdio II: Moralidade no hedonismo instrumental (aquilo que

    satisfaz as necessidades prprias o que est certo).

    Estdio III: Moralidade do "bom rapaz boa rapariga" (a

    manuteno das boas relaes com os outros e a obteno da sua

    aprovao o que est certo).

    Estdio IV: Moralidade da manuteno "da lei e da ordem" (a

    obedincia autoridade e o cumprimento do dever o que est certo).

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    Estdio V: Moralidade do contrato, dos direitos individuais e da lei

    democraticamente aceite (os padres examinados criticamente e apoiados

    pela sociedade como um todo determinam o que est certo).

    Estdio VI: Moralidade dos princpios individuais da conscincia (adeciso da conscincia de cada um, de acordo com os princpios por si

    escolhidos, com fundamento na compreensibilidade lgica, na

    universalidade e na consistncia, determina o que est certo).

    Uma questo importante a salientar a de que os estdios morais

    so estruturas de raciocnio moral e no de contedo moral, isto , ao ser-

    se confrontado com um dilema no importam tanto as escolhas que so

    feitas, mas o tipo de raciocnio aduzido, para fazer no importa qual

    escolha.

    Naturalmente que se coloca a questo da relao entre o juzo moral

    e a aco moral. Para Kohlberg, tal como o raciocnio lgico condio

    necessria, mas no suficiente para um juzo moral elevado, tambm um

    juzo moral maduro condio necessria mas no suficiente para uma

    aco moral madura. Pelo contrrio, pode-se racionar em termos de

    princpios e no se viver de acordo com esses princpios, embora a

    probabilidade de o fazer seja maior.

    Para se testar em que medida existe uma relao entre o

    comportamento moral e o nvel de desenvolvimento do raciocnio moral

    de um indivduo, fizeram-se vrios estudos.

    Richard Krebs e Kohlberg chegaram concluso que apenas 15%

    dos alunos que mostraram pensamento orientado por princpios

    individuais, copiavam, enquanto que era de 55% a percentagem dos que

    copiavam, pertencentes ao estdio convencional e de 70% a dos quepertencentes ao pr-convencional. de notar que, apesar de tudo, havia

    entre os do ltimo nvel 15% que aldrabava, o que sugere haver outros

    factores a influir, nomeadamente a situao concreta e as presses, a

    fortaleza do ego, a fora de vontade. De facto, dos 55% que copiavam no

    estdio convencional, havia 26% de vontade forte e cerca de 74% de

    vontade fraca.

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    Um outro estudo mais dramtico consistiu em dar os testes de

    desenvolvimento moral aos sujeitos que haviam participado na famosa

    experincia de Milgram para apreciar os seus nveis de maturidade moral.

    Na experincia Milgram os indivduos eram submetidos a ordensdadas pelos investigadores e era-lhes dito que as deviam seguir. Aos

    sujeitos era dito que deviam dar uma srie de choques elctricos a uma

    vtima inocente que se encontrava na sala do lado. Os sujeitos podiam

    ouvir os gritos da vtima, de cada vez que carregavam no boto de alta

    voltagem. O objectivo da experincia consistia em testar at onde que

    os indivduos seguiriam as ordens e continuariam a aumentar a dose dos

    choques elctricos na vtima. As vtimas faziam parte da experincia e

    no estavam, claro a sofrer os choques elctricos.

    Os resultados foram terrveis, porque revelaram que cerca de 65%

    dos sujeitos, independentemente das idades, ambiente familiar e social e

    nvel educacional, se decidiram a cumprir ordens, no importava quais as

    consequncias. Independentemente dos gritos e apelos das

    pseudovtimas, cerca de dois teros estavam decididos a cumprir as

    ordens do investigador, ainda que at morte da vtima.

    Ao ser-lhes passado o teste do desenvolvimento moral, verificou-seapenas que 13% dos sujeitos nos estdios I a IV se recusavam a obedecer

    s ordens, enquanto que, dos sujeitos nos estdios V e VI, 75% se

    recusaram a obedecer.

    De facto, embora a relao entre estdio moral e comportamento

    no seja biunvoca, existem indicaes fortes, a partir dos vrios estudos,

    de que existe uma relao funcional entre o estdio de desenvolvimento

    moral e o modo como nos comportamos.

    O juzo moral parece ser, apesar de tudo, o factor mais significativo

    no comportamento moral, que distintivamente moral, e, por outro lado,

    no retrocede, excepto em condies anormais. A aco moral, essa

    susceptvel de ser reversvel e de se perder em situaes novas.

    evidente que uma educao moral no tem apenas de considerar

    os estdios, mas tem de estabelecer o que deveria ser o desenvolvimento

    moral ideal. filosofia moral que cabe responder se um nvel superior

    um nvel melhor. Subjacente teoria, existe a ideia de que uma moral

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    adequada baseada em princpios universais aplicveis a toda a

    humanidade. Por outro lado, a moral convencional baseia-se mais em

    regras do tipo do que se deve ou no fazer. Os princpios so guias para a

    tomada de deciso moral, e so livremente escolhidos por causa da sua

    validade moral intrnseca, enquanto as leis so aliceradas na autoridade

    social.

    Os conflitos morais so conflitos entre os direitos das pessoas, luz

    de princpios de justia. Para qualquer estdio moral h preocupao de

    justia, mas a concepo de justia vai evoluindo e sendo reajustada. No

    estdio I, a justia a condenao dos maus em termos de "olho por olho

    , dente por dente". No estdio II, a troca de favores e bens. Os estdios

    III e IV, consistem em tratar as pessoas tal como elas desejam, em termosde regras convencionais. No estdio V, reconhece-se que todas as regras

    e leis saem da justia, contrato social entre governantes e governados. No

    estdio VI, os princpios morais so princpios de justia, que qualquer

    membro de uma sociedade poderia escolher para essa sociedade se no

    soubesse qual seria a sua posio nela, admitindo vir a ser um dos menos

    privilegiados.

    O estdio de raciocnio moral, que certo indivduo alcana,

    determinado por juizes que avaliam as respostas pessoais a hipotticasdilemas morais, histrias em que o indivduo posto face a uma escolha

    moral.

    Existem limites no desenvolvimento moral. Por exemplo, no de

    esperar que uma criana na escola primria compreenda o tipo de

    argumentos dos estdios ps-convencionais, pelo que no possvel

    acelerar o desenvolvimento para alm dos limites colocados pelo

    desenvolvimento cognitivo.

    Uma questo importante a reter a de que os indivduos s

    entendem os argumentos do seu prprio nvel ou quando muito os do

    nvel imediatamente superior. Daqui que no vale a pena invocarem-se

    argumentos prprios do estdio VI a algum que esteja nos estdios II ou

    III, porque no os compreender ou ento, para surpresa nossa, quando

    abandonado a julgar por si s, imediatamente recuperar os argumentos

    prprios do nvel de desenvolvimento moral em que se encontra.

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    Como se tem vindo a dizer, o estdio de um indivduo no

    determinado pela natureza da escolha que ele faz face ao referido dilema,

    mas antes pelo tipo de argumentos apresentados para essa escolha.

    Consideremos ento um dos muitos conhecidos dilemas morais sugeridos

    por Kohlberg: o dilema de Heinz.

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    Razes a favor Estdio VI Razes contra

    Se no roubar a droga edeixar a mulher morrer,

    condenar-me-ia por toda avida, por no ter feito todo o

    possvel por salvar uma vida.

    Preocupao com aautocondenao por violao

    dos princpios pessoais.(Distino entre o respeito dacomunidade e o auto-respeito.Distino entre auto-respeitoresultante da racionalidade eauto-respeito por se sustentar

    princpios morais.)

    Se roubar a droga, as outras pessoas no me condenariam,

    mas eu condenar-me-ia porno ter sido capaz de ir at sltimas consequncias daminha conscincia ehonestidade.

    Estdio V

    Perderia o respeito dosoutros, se no roubasse.

    Se deixasse a mulher morrerseria por causa do medo.

    Perderia o respeito pessoal eo dos outros.

    Preocupao em manter orespeito dos iguais e o dacomunidade; preocupaocom o auto-respeito, com o

    julgar irracional, incon-

    sistente, sem propsitos.

    Violaria a lei e perderei orespeito da comunidade.Perderei o respeito por mim, seme deixar guiar por emoes e

    perder uma perspectiva mais

    alargada e a longo prazo.

    Estdio IV

    No teria nenhum sentido dehonra, se deixasse a mulhermorrer, porque estava commedo de fazer a nica coisaque a poderia salvar.

    Aco motivada pelaantecipao da desonra, porfalta de cumprimento de umdever e por remorsos de

    provocar danos a outros.(Distino entre desonraformal e reprovao informal;entre remorso e medo dasconsequncias da censura.)

    Estava desesperado e podiano saber que fazia mal aoroubar a droga. Mas sab-lo-iaao ser castigado e posto nacadeia. Sentir-me-ia sempreculpado pela desonestidade eagresso lei.

    Estdio III

    Ningum pensa que sou mau seroubar, mas a famlia pensarque sou desumano, se noroubar.

    Aco motivada pelaantecipao da reprovao realou hipottica dos outros.

    No s o droguista que pensa que sou um criminoso.Os outros tambm. No sereicapaz de olhar para a cara dosmeus familiares.

    Estdio II

    Se for apanhado, dou a droga devolta e no terei grande castigo.Mesmo que fique um ou doisdias na cadeia, no faz mal se aencontrar viva quando voltar.

    Aco motivada pelo desejode recompensa ou benefcio.Reaces de remorsos soignoradas e o castigo analisado em termos prticos.

    No ficaria muito tempo nacadeia, mas a mulher poderiamorrer antes que voltasse, e

    por isso no me adiantavamuito. Se a mulher morrer noera culpa minha, mas docancro.

    Estdio I

    Se a mulher morrer, fico cheiode problemas. Serei julgado porno ter gasto o dinheiro parasalvar a mulher e haverinvestigao para apurarresponsabilidades pela morte damulher.

    Aco motivada pelo medodo castigo. A conscincia omedo irracional do castigo.

    No roubaria porque seriaapanhado e mandado para acadeia. Se escapasse passaria otempo receoso de ser apanhado

    pela polcia.

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    O dilema de Heinz podia ainda ser continuado com outra

    problemtica, dando lugar a um novo dilema:

    1. O polcia Brown deve acusar Heinz do roubo?

    1.a. Porqu? ou por que no?

    2. O polcia Brown encontra Heinz e prende-o. Heinz levado a

    tribunal e organizado um jri. O trabalho do jri descobrir se

    uma pessoa culpada ou inocente de um crime. O jri considera

    Heinz culpado. Ao juiz compete determinar a sentena. Deve o

    juiz sentenciar Heinz ou deve suspender a sentena e libertar

    Heinz?

    2.a. Porqu?

    3. Pensando em termos sociais as pessoas que violam a leidevem ser punidas?

    3.a. Porqu? ou por que no?

    3.b. Em que medida isto se aplica ao que o juiz devia fazer?

    Como?

    4. Heinz fez o que a sua conscincia lhe ditou, ao roubar o

    medicamento.

    Um violador da lei deve ser punido se age por uma questo de

    conscincia?

    4.a. Porqu? ou por que no?

    5. Heinz, podia pensar que importante obedecer lei e salvar a

    sua mulher, mas no pode fazer as duas coisas. H alguma

    maneira de resolver o conflito entre a Lei e a Vida, tendo em

    conta os melhores argumentos a favor de cada uma? Como? ou

    porque no?

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    6. Para Heinz, roubar ir contra a Lei. Isso torna-o moralmente

    condenvel?

    6.a. Porqu? ou por que no?

    7. As pessoas devem tentar tudo o que podem para obedecer lei?7.a. Porqu? ou por que no?

    7.b. Em que medida que isto se aplica ao que Heinz devia

    fazer?

    Convm, conjuntamente com o dilema que se prope para a

    discusso, levar uma srie de dilemas alternativos ligados ao dilema

    original e uma lista de questes subsidirias, para o caso da turma

    oferecer algumas dificuldades. D-se um exemplo com o dilema de

    Helga.

    E agora, que devia Helga fazer? Se mandasse a Raquel embora, a

    Gestapo encontr-la-ia. Helga sabia que a maioria dos judeus que eram

    mandados para fora, eram mortos e ela no desejava , que a sua melhor

    amiga tivesse esse fim. Mas esconder um judeu era contra a lei. Helga

    arriscava a sua prpria segurana e a da famlia, escondendo Raquel.

    Mas ela tinha um quartinho escondido atrs da chamin no terceiro andar

    onde Raquel poderia ficar em segurana.

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    Dilemas alternativos

    Se a classe concordasse que Helga deveria esconder Raquel poder-

    se-iam juntar os seguintes dilemas alternativos:

    a) Suponha que Helga s tinha encontrado Raquel uma vez e no a

    conhecia bem. Que deveria ela fazer neste caso?

    b) Suponha que o pai e a me de Helga ouviram o que se passou

    porta e disseram-lhe para no deixar Raquel ficar l em casa.

    Que deveria neste caso fazer?

    Se a classe decidisse que Helga no deveria esconder Raquel, ento

    talvez funcionasse um dos seguintes dilemas alternativos:

    a) Suponha que vrios dos amigos de Helga eram tambm judeus

    fugidos da Gestapo. Que deveria Helga fazer neste caso?

    b) Suponha que Helga ouviu a Gestapo chegar e sabia que Raquel

    seria morta dentro de minutos se ela no a escondesse. Que

    deveria fazer neste caso?

    Dilemas subsidirios

    1. Qual a coisa mais importante que um amigo deve ao outro?

    Porqu?

    2. Uma pessoa deve arriscar o bem fsico dos familiares para o

    bem de amigos? Porqu?

    3. Deve uma pessoa arriscar a sua prpria vida em favor de outro?

    4. Uma pessoa fica justificada por esconder algum que est a

    fugir da polcia?

    5. Do ponto de vista de Raquel, o que deveria fazer Helga?

    6. Do ponto de vista do pai de Helga, o que que esta deveria

    fazer?

    A discusso pode estruturar-se seguindo uma marcha como a que se

    apresenta:

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    1. Apresentao do dilema classe por via oral, escrita ou visual.

    por vezes conveniente preparar os alunos para a situao

    descrita no dilema, colocando algumas perguntas e exemplos

    correntes de situaes relacionadas como a do dilema.

    2. Apresentar hipteses de linhas de aco diferentes para resolver

    o dilema e justificar, encorajando os alunos a tomarem uma

    posio tentativa, sobre uma aco particular que, em seu

    entender, a personagem deveria fazer.

    3. Discutir as razes por detrs das decises, em pequenos grupos.

    O professor deve, na primeira fase, passar de grupo em grupo,

    ajudando-os a centrar-se nas questes morais. Os alunos devem,

    em pequenos grupos, descobrir quais as razes mais apropriadas

    para cada tipo de posio ou aco.

    4. O objectivo da discusso generalizada a toda a classe o de o

    professor alargar a discusso a problemas que foram ignorados,

    introduzindo novas questes.

    5. Finalmente, pode pedir-se aos alunos que sumarizem, de todas

    as razes apresentadas, as que para eles forem mais persuasivas,

    embora no seja necessrio uma declarao pblica da escolha

    feita.

    Vejamos como se pode seguir este plano, sugerido por Beyer,

    utilizando o Dilema de Sharon.

    O plano de discusso deste dilema pelo professor seria, de acordo

    com as sugestes anteriores, o seguinte:

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    1. Distribuir uma folha com o dilema. Deixar que os alunos

    clarifiquem os factos da situao. Pode avanar com alguma

    clarificao sobre a natureza do dilema moral com que Sharon

    se debate.

    2. Pedir aos alunos que pensem, por um momento, sobre o que

    julgam que Sharon devia fazer. Devem escrever a sua posio

    numa folha de papel. Determinar, pedindo que levantem as

    mos, quantos alunos pensam que Sharon deve dizer o nome da

    amiga e quantos pensam o contrrio. Se houver voluntrios,

    pode-se pedir a um de cada grupo para explicar a razo das

    posies. Se no houver uma diviso satisfatria de classe,

    podem tentar-se outras alternativas.

    Se os alunos entenderem todos que Sharon deve denunciar a amiga,

    tentar ento:

    a) Suponham que Sharon conhece Jill e sabe que ela ser enviada

    para um colgio de reeducao se voltar a ser apanhada a

    roubar.

    b) Suponham que Jill tem feito muitos favores a Sharon e que

    Sharon sabe que ela perder muito dos seus melhores amigos se

    falar do caso.

    Se os alunos se inclinarem todos para a posio de que Sharon no

    deve dizer nada, tente estes dilemas alternativos:

    a) Suponha que, numa dada ocasio, Jill tinha dito ao professor que

    Sharon tinha copiado num exame. Que dever ento fazer

    Sharon?

    b) Suponha que, em vez de amiga, Jill era apenas uma pessoa

    conhecida com quem tinha travado conhecimento. Que deveria

    fazer Sharon?

    Se mesmo assim os dilemas alternativos no provocarem diviso na

    classe, pode-se tentar que os alunos joguem o papel de defensores de cada

    uma das posies.

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    3. Uma vez a classe dividida, organizam-se pequenos grupos de

    discusso, nos quais os alunos afirmam as suas razes e

    escolhem as que pensam que so melhores e decidem quais

    apresentar.

    4. Reunida a classe toda, os alunos de cada grupo informam das

    suas decises. Deve ento encorajar-se a discusso do mrito

    das vrias justificaes. Podem ento colocar-se questes que

    alarguem a discusso:

    a) O que uma

    b) Sharon tem obrigaes para com Jill? Para com o dono da loja?

    Para com ela prpria? Sim ou no e porqu?

    c) Que conjunto de obrigaes, em relao a Jill, ao dono da loja, e

    lei, so mais importantes. Porqu?

    d) Do ponto de vista de Jill (e do dono da loja e dos pais de

    Sharon), deveria Sharon falar? Sim ou no e porqu?

    c) alguma vez correcto denunciar um amigo? Sim ou no e

    porqu?

    5. No final da discusso, pedir aos alunos, que entendiam que

    Sharon devia falar, que sumarizem as razes invocadas para esta

    posio e escolham depois do que ouviram aquela que lhes

    parece a melhor. Pedir o mesmo ao outro grupo. No recolher os

    papis.

    Entre os crticos de Kohlberg, Jack Fraenkel apresenta algumas

    reservas no s teoria mas tambm ao modo como algumas ideiasbsicas foram alargadas a projectos educacionais e a modelos de ensino.

    Uma primeira reserva tem a ver com o argumento da universalidade

    dos estdios e isto apesar de Kohlberg afirmar que os seus estdios se

    mantm para todas as noves culturas examinadas. Fraenkel cita o

    exemplo do povo IK do noroeste do Uganda que ao ser mudado para uma

    nova rea montanhosa comeou a desenvolver valores que de algum

    modo so a anttese de justia.

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    Kohlberg e os seus seguidores partem do pressuposto de que a

    moralidade baseada no conceito de justia o nico tipo de moralidade

    defensvel universalmente, mas Fraenkel argumenta que h demasiada

    evidncia do contrrio nossa volta.

    Uma segunda reserva tem a ver com o pressuposto de que o

    raciocnio num estdio moralmente melhor do que o tpico de um

    estdio mais baixo. Neste caso, ser difcil aos que esto em estdios

    mais baixos entender os argumentos daqueles que esto num estdio mais

    elevado, tendo assim dificuldades em aceitar que os seus raciocnios

    sejam melhores. Isto , necessria uma prova objectiva de que os

    processos morais dos estdios mais elevados so melhores que os mais

    baixos, para que se justifique um esforo de desenvolvimento moralmanifestado pela progresso nos estdios.

    A terceira reserva tem a ver com o facto de o prprio Kohlberg

    calcular que a maioria das pessoas no passam para alm do estdio IV.

    Parece assim importante arranjar formas de toda a gente chegar a este

    estdio e permanecer a permanentemente. Por outro lado, reafirma que

    antes de um indivduo se desenvolver e seguir as regras prprias,

    preciso apreciar a importncia das regras em geral, quer para a

    sobrevivncia pessoal, quer para a social, isto , deve entender bem o queacontece quando as regras so menosprezadas ou desrespeitadas por um

    grande nmero de pessoas.

    A quarta reserva tem a ver com as exigncias feitas aos professores,

    que deveriam estar num degrau acima dos alunos. Ora, como, segundo

    Kohlberg , menos de 10% da populao atinge os estdios V e VI, deve

    ento haver muitos professores que raciocinam nos estdios mais baixos e

    portanto estariam incapacitados para estimular o desenvolvimento moral.

    Mas vai mais longe nas reservas ao dizer que ainda no est

    provado que todos os estdios sejam qualitativamente diferentes,

    invocando que, de acordo com N. William e S. William, os estdios III e

    IV parecem mais alternativos ou estdios paralelos do que graus

    sequenciais.

    A prpria noo de estdios posta em causa por Mischel. Tambm

    Simpsom levantou questes sobre a sequncia invariante.

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    Por ltimo, Fraenkel comenta que existem muitos casos em que no

    houve mudana moral, como, por exemplo, revela o estudo de Holstein,

    em 1973, em que s sete indivduos, de uma amostra de 52, subiram um

    degrau aps um perodo de trs anos.

    Segundo Fraenkel, as objeces postas no devem desencorajar os

    professores, mas alert-los para as interrogaes que existem em relao

    a esta teoria.

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    5 Formao pessoal e social

    De entre as vrias inovaes e sobretudo novas perspectivas abertas pela recente Lei de Bases do Sistema Educativo, destaca-se uma que

    poder vir a ter um grande alcance.

    O sistema escolar abre-se assim a uma nova rea curricular,

    obrigatria, explicitamente dedicada formao pessoal e social. A lei

    vai mais longe dando exemplos de algumas subreas que devero estar

    subsumidas, nomeadamente a da educao moral e cvica. Para Kohlberg,

    a educao moral e a educao cvica justapem-se, porquanto um

    elevado estdio de desenvolvimento moral corresponde a um elevado

    estado de conscincia cvica, porque central para a justia a procura deliberdade, igualdade e reciprocidade. A lei de Bases sugere tambm toda

    uma ampla rea de informao com vista formao pessoal do

    indivduo, nomeadamente no campo da educao para a sade, da

    educao do consumidor, da educao sexual e familiar e da educao

    ecolgica.

    Esta inovao curricular poder vir a ter um grande alcance, ainda

    pouco consciencializado se, sobretudo, os agentes do desenvolvimento

    curricular a souberem conceber como uma rea marcadamentecaracterizada por dois princpios.

    Um primeiro princpio respeitante organizao do contedo

    curricular e que ser o da interaco do interpessoal com o ambiente

    fsico e humano. Quer dizer, s uma concepo interdisciplinar das

    subreas poder fornecer o quadro conceptual capaz de no reduzir o

    contedo a mera informao, tornando-o antes quadro integrador e

    referencial da formao pessoal e social.

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    Um segundo princpio diz respeito metodologia. Na linha das

    teorias de educao moral apresentadas anteriormente considera-se que

    s uma abordagem de envolvimento pessoal poder conduzir a que esta

    rea corresponda ao seu objectivo e no se torne apenas em mais uma

    disciplina.

    Entende-se por estratgia de envolvimento pessoal uma estratgia

    que conjugue a esfera cognitiva e afectiva, tanto ao nvel das discusses

    como do empenhamento activo. Tanto o trabalho de Kohlberg como o de

    Raths e seus discpulos do-nos elementos importantes para reflectirmos

    sobre o que poder ser o programa escolar de educao para os valores.

    Por um lado, pretende-se desenvolver a capacidade de pensar

    racionalmente sobre problemas sociais. Por outro lado, importanteestimular a clarificao, por parte dos alunos, dos seus interesses. Ambos

    os objectivos parecem importantes, porquanto se complementam em

    termos do envolvimento intelectual e emocional que solicitam. Ao nvel

    da aco, importa que se mobilizem as energias interiores, convertendo-

    as em pequenos projectos de interveno na escola ou no meio, com o

    objectivo de uma aprendizagem de participao cvica.

    O papel principal do professor consiste em apresentar os exerccios

    aos alunos: dilemas, histrias, incidentes, folhas de valores, etc., e fazer perguntas. Em qualquer dos casos, so os desafios colocados pelos

    professores, atravs de perguntas, das clarificaes e justificaes que

    solicitam, que determinem o sucesso do programa.

    A permear as varias subreas est seguramente a educao para as

    relaes interpessoais, isto , uma educao que, ao nvel pessoal, trata

    dos requisitos para uma s comunicao, o conhecimento e a estima de si

    enquanto pessoa humana, com necessidades, interesses, afectos, atitudes,

    aptides e expectativas e, ao nvel social, intervm no conhecimento e na

    abertura ao outro.

    A educao interpessoal est intimamente ligada educao para a

    sade, educao sexual, vida em sociedade e de consumo, isto ,

    trama onde se tecem as relaes interpessoais.

    Assim, a educao para a sade influencia as opes sobre as

    escolhas das relaes e das actividades com os outros; a educao sexualpermite ajudar a integrar a identidade sexual na integridade pessoal, isto

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    , o conhecimento do outro como pessoa sexuada, com uma clarificao

    de opes, necessidades expectativas nas relaes entre pessoas de

    diferentes sexos; a educao para a vida em sociedade, que ajuda a

    aprender os direitos e as responsabilidades na ptica do encontro com os

    outros e na confrontao das liberdades e interesses de uma sociedade

    democrtica; a educao para o consumo, que ajuda a influenciar as

    opes em matria de escolha de actividades comuns de consumo; a

    educao familiar, que ajuda a entender as cargas familiares que cada um

    transporta para uma relao interpessoal e que determina todo um novo

    campo de clarificao de valores, etc.

    A aprendizagem das relaes interpessoais inicia-se na famlia, mas

    a escola um lugar importante para o desenvolvimento e reflexo sobre aprpria aprendizagem. As mltiplas relaes existentes entre os jovens, e

    estes e os outros, constituem, por si, um terreno frtil para uma

    aprendizagem sistemtica, onde podem experimentar os seus modos de

    relao, melhorando a qualidade da mesma para si e para os outros.

    Desenvolver uma relao interpessoal de qualidade corresponde a

    descobrir em conjunto as alegrias de viver, amar e ser amado, nas suas

    semelhanas e diferenas, de partilhar com o outro e ser-lhe presente.

    Uma tal relao exige uma motivao e um comprometimento comum,isto , deve nascer do interesse, projecto ou desejo comum e exige

    esforo na realizao do objectivo do outro.

    Para o estabelecimento de relaes de qualidade so necessrias

    certas condies, como a confiana em si prprio, a realizao pessoal e a

    aquisio de um espao vital. Mas a confiana em si prprio desenvolve-

    se em simultneo com o conhecimento pessoal. Por outro lado, a

    confiana em si prprio a alavanca da autonomia, condio para um

    empenhamento com os outros sem o risco de dependncia. Realizao

    pessoal isto , querer crescer, utilizar ao mximo as potencialidades. S

    uma pessoa motivada pelo seu prprio crescimento se abre de maneira

    objectiva aos outros. Percebendo-se de maneira integral e percebendo os

    outros como entidade distinta, o seu olhar sobre o outro objectivo, isto

    , no se apropria do outro para preencher as suas faltas. O outro ento

    uma fonte de interesse em si mesmo e no por causa do Eu. Espao vital,

    uma espcie de campo psicolgico, criado por cada um, para assegurar a

    sua autonomia. Permite s pessoas, no interior de uma relao, de se

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    perceberem e de perceberem o outro como as suas identidades prprias.

    Estas condies favorecem a interligao de valores na relao de

    qualidade, tais como a autonomia, a autenticidade, a justia e o respeito

    do outro. Neste contexto, podemos dizer que o objectivo ltimo da

    educao das relaes interpessoais situa-se na aquisio, por parte do

    aluno, de um grande conhecimento de si prprio e do outro, e na adopo

    de atitudes e comportamentos que lhe permitem estabelecer relaes

    interpessoais de qualidade.

    Um objectivo como o enunciado prossegue-se desde o primrio at

    ao fim do secundrio, e em funo das idades, com campos de

    interveno, temas de trabalho e objectos de estudo diferenciados.

    O que importante salientar que o programa de formao pessoal

    e social deve ultrapassar a informao e desenvolver a capacidade de

    anlise de situaes e de descodificao de mensagens, transmitidas por

    vrios meios.

    A terminar, no poder deixar de se acentuar que um programa de

    educao para os valores s tem coerncia quando, para alm da

    educao explcita desenvolvida na rea curricular prpria, todas as

    disciplinas concorrem para a necessria clarificao das questes que sedevem permanentemente levantar e se, por outro lado, toda a atmosfera

    da escola transpirar essa preocupao, quer explcita, quer naquilo a que

    se tem vindo a chamar o nvel do seu curriculum escondido.

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    A Educao para os Valores

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