educação sexual e direitos humanos

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Educação sexual e direitos humanos São especialmente necessárias medidas em dois domínios: primeiro, para estabelecer os direitos humanos em sentido amplo que permitem os direitos sexuais e reprodutivos e para criar as condições para o seu exercício; e, em segundo lugar, para disponibilizar informação e serviços susceptíveis de satisfazer a gama completa de exigências em matéria de saúde sexual e reprodutiva. Há que prestar mais atenção a questões ligadas aos direitos humanos num sentido mais amplo, em especial aos que promovem a igualdade entre os sexos e a emancipação das mulheres. As leis e os procedimentos devem ser reformados e a atual proteção dos direitos deve ser melhor aplicada. São necessários procedimentos para documentar as violações de direitos humanos. Tanto as instituições governamentais como civis devem ser responsabilizadas pela proteção dos direitos. Há que empreender a educação acerca de direitos humanos e estabelecer alianças entre as diversas instituições preocupadas com os direitos. A nível internacional, deve dar-se mais importância às metas de direitos humanos nos programas de assistência. A pobreza é o fator definidor que impede tanto os homens como as mulheres, especialmente nos países em desenvolvimento, de exercerem os seus direitos sexuais e reprodutivos. A ação defendida neste relatório terá um forte impacto sobre a pobreza, mas são necessárias medidas concretas para aumentar o acesso das mulheres ao crédito e aos recursos econômicos.

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Educação sexual e direitos humanos

São especialmente necessárias medidas em dois domínios: primeiro, para estabelecer os direitos humanos em sentido amplo que permitem os direitos sexuais e reprodutivos e para criar as condições para o seu exercício; e, em segundo lugar, para disponibilizar informação e serviços susceptíveis de satisfazer a gama completa de exigências em matéria de saúde sexual e reprodutiva.

Há que prestar mais atenção a questões ligadas aos direitos humanos num sentido mais amplo, em especial aos que promovem a igualdade entre os sexos e a emancipação das mulheres. As leis e os procedimentos devem ser reformados e a atual proteção dos direitos deve ser melhor aplicada. São necessários procedimentos para documentar as violações de direitos humanos. Tanto as instituições governamentais como civis devem ser responsabilizadas pela proteção dos direitos. Há que empreender a educação acerca de direitos humanos e estabelecer alianças entre as diversas instituições preocupadas com os direitos. A nível internacional, deve dar-se mais importância às metas de direitos humanos nos programas de assistência.

A pobreza é o fator definidor que impede tanto os homens como as mulheres, especialmente nos países em desenvolvimento, de exercerem os seus direitos sexuais e reprodutivos. A ação defendida neste relatório terá um forte impacto sobre a pobreza, mas são necessárias medidas concretas para aumentar o acesso das mulheres ao crédito e aos recursos econômicos.

É necessária, a todos níveis, a educação, quer de caráter geral quer sobre a saúde sexual e reprodutiva. Depois dos cuidados de saúde primários, o investimento mais valioso que um país pode fazer é na diminuição das disparidades entre homens e mulheres, no campo da educação. Os meninos e os homens têm necessidades educacionais concretas, sobretudo no plano das relações entre os sexos, para que possam ocupar o lugar que lhes cabe como parceiros das mulheres, em pé de igualdade, na vida familiar, comunitária e nacional. A violência doméstica e sexual não acabará, enquanto subsistir a desigualdade entre homens e mulheres.

Os serviços de saúde precisam de ser reestruturados, a fim de satisfazerem as necessidades dos clientes em matéria de saúde reprodutiva e sexual, inclusive dos grupos que hoje em dia estão deficientemente servidos. Há que elaborar diretrizes, normas de conduta e métodos de avaliação. Todas as organizações da sociedade civil - governos, organizações não-governamentais e o setor privado - devem participar na concepção, aplicação e fiscalização dos

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programas. É preciso dar prioridade à saúde sexual e reprodutiva, quando da atribuição de recursos.

Estratégia a nível de população e desenvolvimento. Em países de todo o mundo, os enquadramentos de políticas para os programas de população e desenvolvimento estão a ser estudados e revistos, a fim de refletirem o consenso internacional alcançado em conferências sobre desenvolvimento, incluindo o compromisso da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) sobre a saúde e direitos reprodutivos. Esse processo deve continuar.

Igualdade e equidade entre os sexos. As conferências internacionais da década de 1990 chamaram a atenção mundial, de uma forma sem precedentes, para o desenvolvimento social e, em especial, para o que significa, ou deveria significar, para as mulheres. Esta consciência deveria aumentar, à medida que os países continuam a aplicar os acordos conseguidos nas conferências. O sistema das Nações Unidas está a integrar as questões ligadas às disparidades entre os sexos nos programas e procedimentos, a produzir dados diferenciados segundo os sexos e a prestar ajuda aos esforços nacionais que visam a criar programas de educação sensíveis ao fator cultural. Os órgãos das Nações Unidas estão a trabalhar para que sejam retiradas as reservas nacionais à Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e para que seja adotado o seu projeto de protocolo adicional, que acrescenta um mecanismo para a sua aplicação.

Métodos para controlar o progresso conseguido. Dentro do sistema das Nações Unidas, o Grupo de Trabalho Inter-Organismos sobre Serviços Sociais Básicos para Todos está a trabalhar sobre um conjunto de indicadores para medir os diferenciais entre os sexos quanto ao nível de instrução alcançado, acesso aos serviços de saúde básicos, acesso aos serviços de planejamento familiar e níveis de morbidade e mortalidade (incluindo mortalidade materna). Foram iniciados esforços tendentes a conciliar as diferentes metodologias das organizações de direitos humanos, da comunidade de saúde pública, dos organismos especializados das Nações Unidas e dos sistemas nacionais de registo de dados.

Os organismos de ajuda multinacional ou bilateral estão a cooperar para criar indicadores capazes de medir o desempenho dos programas de saúde reprodutiva. O Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) está a criar indicadores que meçam as condições nacionais em termos de saúde reprodutiva (relacionadas com planejamento familiar, saúde materna, infecções do aparelho reprodutor e doenças sexualmente transmitidas (DST), aborto e assistência pós-aborto, infecundidade e práticas tradicionais nocivas) e o impacto das políticas e programas. Dados demográficos, sociais e

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econômicos complementares proporcionarão o contexto necessário para interpretar esses indicadores.

Os ativistas de direitos humanos, o FNUAP, o UNICEF, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Divisão das Nações Unidas para a Promoção das Mulheres e os órgãos dos tratados sobre direitos humanos iniciaram consultas sobre mecanismos de fiscalização dos direitos reprodutivos e sexuais, no contexto dos mecanismos de tratados sobre direitos humanos. Poderiam ser incorporados nos procedimentos nacionais para informar os órgãos dos tratados os indicadores de saúde pública pertinentes.

Documentar as violações. Da mesma maneira que a fiscalização dos direitos civis e políticos revela violações concretas como a prisão ou detenção arbitrárias, também devem existir mecanismos para identificar e procurar corrigir as violações dos direitos reprodutivos e sexuais, tais como os procedimentos médicos não autorizados. Isto deveria ser ampliado a questões ligadas às disparidades entre os sexos, tais como as diferenças quanto ao direito sucessório e ao direito de propriedade.

Aplicando as proteções dos direitos. As atuais salvaguardas legais dos direitos civis, económicos e sociais devem ser efectivamente postas em prática e aplicadas com justiça. Há que dar formação aos funcionários, para que analisem as queixas com justiça e apliquem as leis (por exemplo, leis contra a violência doméstica, o assédio sexual e a violação) que protegem os direitos à igualdade entre os sexos e à saúde reprodutiva e sexual. Devem ser feitos esforços no sentido de mobilizar a preocupação da comunidade e garantir que os responsáveis pela elaboração de políticas e as instituições civis dêem prioridade a esses problemas.

Reforma das leis e dos procedimentos. O direito à saúde sexual e reprodutiva precisa de ser reforçado por enquadramentos legais e institucionais. Algumas constituições nacionais (nomeadamente do Chile, do México e da África do Sul) garantem explicitamente os direitos reprodutivos. Muitos outros países reformaram as leis e procedimentos relativos à família, à herança, ao acesso ao crédito, à escolaridade, à violência doméstica e à não-discriminação. Em alguns países, os códigos médicos de ética e as diretrizes foram revistos, de modo a incorporarem padrões de cuidados conseqüentes com a garantia dos direitos. A dimensão das modificações recentes revela uma intensificação da revisão das leis e dos procedimentos nacionais, na seqüência das conferências internacionais.

Responsabilização. Devem ser institucionalizadas medidas que visem a responsabilizar os programas tanto pelo desempenho como pelas transgressões de direitos. As comunidades e os prestadores de serviços deveriam incentivar a nomeação de observadores independentes, para receber e avaliar as queixas.

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Alianças não-governamentais. As organizações centradas nos direitos humanos, na atribuição de poderes às mulheres, na saúde e nos direitos reprodutivos têm andado a forjar alianças para promover as suas causas comuns. O consenso histórico sobre direitos reprodutivos e sexuais alcançado na CIPD e ampliado em Pequim foi conseguido com a participação ativa de centenas de organizações internacionais, nacionais e locais e facilitado pela crescente aceitação das contribuições das organizações não-governamentais (ONGs) por parte dos governos. Foram formados grupos para influenciar os resultados das conferências e para participarem e fiscalizarem os esforços consecutivos. As organizações de direitos humanos, tanto internacionais como locais, estão a documentar e publicitar as questões dos direitos das mulheres, incluindo os direitos reprodutivos, em muitos países. Os meios de comunicação internacionais e nacionais ajudam a aumentar a consciência acerca de questões relacionadas com as disparidades entre os sexos, tal como a violência sexual, a discriminação e a liberdade reprodutiva. As reuniões internacionais ajudaram a assegurar uma grande atenção a estes problemas.

A mobilização das comunidades é a melhor garantia dos direitos sexuais e reprodutivos. As mulheres e homens que procuram exercer esses direitos conhecem os obstáculos sociais, legais e institucionais que enfrentam. As mulheres, em especial, têm consciência da desigualdade entre os sexos, no que se refere a participar do desenvolvimento econômico e social e beneficiar-se deles; sabem quando as decisões e as medidas lhes são impostas. Mobilizar o público para fiscalizar questões de direitos humanos vai exigir mais educação acerca destes problemas e dos procedimentos necessários para conseguir corrigi-los. Foram elaborados textos, para esse fim, os quais se destinam a ser utilizados nos currículos escolares de vários níveis.

Os programas de assistência internacional, tanto multilaterais como bilaterais, precisam assegurar que os programas que apoiam contribuem para promover os direitos humanos. O sistema das Nações Unidas, em colaboração com os governos e as ONGs, deveria trabalhar para reforçar o controlo dos programas, a fim de evitar violações dos direitos. O FNUAP está empenhado nos direitos reprodutivos, na igualdade entre os sexos e na responsabilidade masculina, bem como na autonomia e emancipação das mulheres em todo o mundo; reconhece que a salvaguarda e a defesa desses direitos e a promoção das crianças, em especial das do sexo feminino, são, por si mesmas, metas de desenvolvimento. O FNUAP atribui a máxima prioridade a programas que apóiem a promoção dos direitos reprodutivos e sexuais e inclui esses aspectos na avaliação de programas e na concepção e aplicação dos projectos.

Em direção a uma melhor saúde sexual e reprodutiva

O programa de ação da CIPD apela para que sejam eliminados de obstáculos, relacionados com os programas, à informação e serviços de saúde reprodutiva,

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incluindo o planejamento familiar e a saúde sexual, até 2005, e seja alcançado o acesso universal aos serviços, até 2015. A função dos programas de prestação de serviços deveria ajudar os homens e as mulheres a alcançar as suas metas em matéria de reprodução.

Desenvolvimento de capacidades. O fornecimento de serviços de elevada qualidade exige uma melhor formação e supervisão do pessoal, apoiadas por um controlo sistemático e minucioso do desempenho, incluindo as interacções terapeuta-cliente. Para trabalharem com o seu pessoal e clientes, tendo em vista rever e melhorar os serviços, os gestores precisam de compreender as metodologias de avaliação e atribuir os recursos, aliás relativamente reduzidos, necessários para os aplicar. Os instrumentos de auto-avaliação podem ajudar os gestores a identificar problemas clínicos, incluindo escassez de pessoal e provisões, equipamento insuficiente, lacunas na manutenção e recuperação de dados e deficiências no aconselhamento e na divulgação.

Melhorar a qualidade dos cuidados e reorientar os serviços de modo a ir ao encontro de todo o conjunto de problemas de saúde reprodutiva pode exigir investimentos suplementares tanto em infra-estruturas (incluindo equipamento e abastecimento de água e electricidade) como pessoal (incluindo formação de gestores e de pessoal ligado aos serviços). Há que utilizar o equipamento e o pessoal de uma maneira mais eficiente. Os gestores precisam de informação para identificar e corrigir as deficiências, como uma qualidade, eficiência e eficácia irregulares, ao servir centros de prestação de serviços diferentes e grupos de clientes também diferentes.

Servir grupos deficientemente assistidos. Os indicadores a nível nacional dos progressos na resolução de problemas de saúde reprodutiva deveriam incluir informação sobre grupos específicos (por exemplo, os pobres, as mulheres, os habitantes das zonas rurais, os adolescentes, os povos indígenas, os deficientes, os migrantes e os refugiados), que são, muitas vezes, deficientemente servidos pelos programas e excluídos dos sistemas de informação e investigação. As perspectivas dos grupos deficientemente servidos precisam de estar refletidas na concepção, aplicação e controlo dos programas.

A geografia, a língua e as barreiras culturais limitam o acesso das pessoas indígenas aos serviços de saúde. Nos serviços públicos de saúde, aqueles que prestam os serviços não respondem, por vezes, às queixas das mulheres indígenas. As diferenças de língua podem limitar a compreensão que as clientes indígenas têm do processo da consulta. Os grupos indígenas têm criticado a utilização, nas suas comunidades, da esterilização e de métodos anticoncepcionais controlados pelo prestador dos cuidados (especialmente injetáveis e implantes). Algumas ONGs participaram casos de experiências

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médicas, sem consentimento esclarecido, e de utilização de drogas não aprovadas ou inadequadas.

No Equador, com o apoio do FNUAP, a Federação Indígena de Imbabura proporciona às comunidades indígenas serviços de saúde integrados, incluindo vacinação, planejamento familiar, encaminhamento em caso de emergência e educação sobre nutrição, prestados por médicos indígenas e curandeiros tradicionais. É prestada especial atenção à qualidade dos serviços e ao acompanhamento.

Parceria com a sociedade civil. A CIPD e outras conferências sublinharam a importância de implicar a sociedade civil - as organizações não-governamentais e comunitárias, bem como as mulheres e os homens, a título individual - na concepção, aplicação e controle dos programas de saúde reprodutiva, para que respondam às necessidades sentidas e declaradas daqueles a quem prestam serviços. Isso é verdade, tanto no que se refere às empresas públicas que servem os que são demasiado pobres para poder pagar serviços privados, como a programas com uma participação substancial do setor privado. Os programas podem também beneficiar com uma investigação qualitativa (tal como grupos interessados no tema, entrevistas a grupos e procedimentos de avaliação rápida) sobre a dinâmica de uma transformação social que apoie a expansão dos direitos sexuais e reprodutivos. Foram estabelecidas, em muitos países, parcerias entre os programas dos governos e as ONGs, as quais reconhecem as vantagens comparativas dos diferentes agentes. As ONGs ajudaram a testar novos métodos de prestação de serviços, incluindo a divulgação aos pobres e aos adolescentes, e colaboraram na formação de prestadores de serviços do estado e na defesa da expansão do programa nacional.

As diretrizes e normas de conduta destinadas aos sistemas de saúde precisam de incorporar uma perspectiva de direitos reprodutivos. A OMS (em colaboração com o FNUAP, o UNICEF, o Banco Mundial e outras organizações) está a elaborar normas que sublinham o consentimento esclarecido, a atenção à qualidade dos cuidados e as concepções de cuidados de saúde reprodutiva que estão centradas nos clientes e assentam na sua participação; tais cuidados abrangem o planejamento familiar, a sexualidade, a maternidade segura e a prevenção e gestão de DST/HIV/AIDS. Os elementos do pessoal precisam de formação na proteção dos direitos dos clientes, bem como de material de informação sobre salvaguardas quanto aos procedimentos, para utilização com os clientes.

A situação da população mundial. Nações Unidas, Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), 1997, pp. 54-56.