educação: precisamos falar sobre isso! alguém na escuta? · nos “indiferentes” à escola ou...

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Educação: Precisamos falar sobre isso! Alguém na escuta? Uni/Versos - ano 1, nº 1, abril de 2013 www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos Passamos por profundas transforma- ções, momento de transição de valores, crenças e sentido de vida. Estamos num mundo “em aberto” que nos convoca a um movo modo de pensar. Onde diver- sas instâncias, devem se cruzar e pen- sar juntos. Já não é mais possível pen- sarmos em uma educação padronizada, em que alunos continuam sendo classi- ficados como bons e ruins. A educação atravessou as fronteiras das certezas. Jamais em outro momento, registraram- -se tantas mudanças no comportamento humano e seus desdobramentos. Educar é navegar por águas jamais percorridas. Não há respostas e sim um convite para continuarmos explorando esse campo tão vasto que é educar. Quem são nossas crianças e jovens, considerados hiperati- vos e muitas vezes diagnosticados com Transtorno do Déficit de Atenção? Venho vivenciando situações inusitadas tanto na Educação como na Clínica, onde atuo como psicopedagoga e psicanalista. Nas escolas, professores relatam não saber mais como se relacionar com seus alu- nos “indiferentes” à escola ou extrema- mente “hiperativos”. Nas Famílias, pais reclamam por dar “tudo” a seus filhos e mesmo assim notam que eles estão insa- tisfeitos e não vêem sentido em ir e estar na escola. Não teríamos ai, algumas pis- tas para pensar um Déficit de cuidado? Na Clínica, escuto jovens que queixam- -se de não “conseguir ser o que seus pais esperam” e completam a vida é um “té- dio”. Sem desconsiderar um certo “dra- ma” confesso estar muito inquieta e pre- ocupada frente a (grande parte) dessa geração que não pensa em criar formas criativas de resolver seus impasses, não há um projeto que ultrapasse um sema- na, no máximo um mês. Diante de uma educação da certeza, diagnósticos vem sendo triplicados, busca-se respostas para tudo, estaríamos diante de uma ge- ração isenta de implicar-se em suas es- colhas? Acredito que tenha chegado o momento de questionar a estrutura sob a qual está sustentada a escola atual e a concepção de sujeito que ela está construindo e pro- duzindo. Em muitas rodas de conversas no meio educacional, e também entre psicólogos e psicanalistas, sejam elas, em jornadas, seminários, congressos e até mesmo em pesquisas acadêmicas, uma grande questão vem sendo levantada; A Indi- ferença do Ser Humano, para com ele mesmo e com os outros. Há um registro 13

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Educação: Precisamos falar sobre isso! Alguém na escuta?

Uni/Versos - ano 1, nº 1, abril de 2013www.sisbin.ufop.br/bibichs/universos

Passamos por profundas transforma-ções, momento de transição de valores, crenças e sentido de vida. Estamos num mundo “em aberto” que nos convoca a um movo modo de pensar. Onde diver-sas instâncias, devem se cruzar e pen-sar juntos. Já não é mais possível pen-sarmos em uma educação padronizada, em que alunos continuam sendo classi-ficados como bons e ruins. A educação atravessou as fronteiras das certezas. Jamais em outro momento, registraram--se tantas mudanças no comportamento humano e seus desdobramentos. Educar é navegar por águas jamais percorridas. Não há respostas e sim um convite para continuarmos explorando esse campo tão vasto que é educar. Quem são nossas crianças e jovens, considerados hiperati-vos e muitas vezes diagnosticados com Transtorno do Déficit de Atenção? Venho vivenciando situações inusitadas tanto na Educação como na Clínica, onde atuo como psicopedagoga e psicanalista. Nas escolas, professores relatam não saber mais como se relacionar com seus alu-nos “indiferentes” à escola ou extrema-mente “hiperativos”. Nas Famílias, pais reclamam por dar “tudo” a seus filhos e mesmo assim notam que eles estão insa-tisfeitos e não vêem sentido em ir e estar na escola. Não teríamos ai, algumas pis-

tas para pensar um Déficit de cuidado?

Na Clínica, escuto jovens que queixam--se de não “conseguir ser o que seus pais esperam” e completam a vida é um “té-dio”. Sem desconsiderar um certo “dra-ma” confesso estar muito inquieta e pre-ocupada frente a (grande parte) dessa geração que não pensa em criar formas criativas de resolver seus impasses, não há um projeto que ultrapasse um sema-na, no máximo um mês. Diante de uma educação da certeza, diagnósticos vem sendo triplicados, busca-se respostas para tudo, estaríamos diante de uma ge-ração isenta de implicar-se em suas es-colhas?

Acredito que tenha chegado o momento de questionar a estrutura sob a qual está sustentada a escola atual e a concepção de sujeito que ela está construindo e pro-duzindo.

Em muitas rodas de conversas no meio educacional, e também entre psicólogos e psicanalistas, sejam elas, em jornadas, seminários, congressos e até mesmo em pesquisas acadêmicas, uma grande questão vem sendo levantada; A Indi-ferença do Ser Humano, para com ele mesmo e com os outros. Há um registro

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Educação: Precisamos falar sobre isso! Alguém na escuta?

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de crise, que vem atingindo diretamente nossas escolas e famílias.

Diante da impossibilidade de seu enten-dimento, nos resta, nos implicarmos ati-vamente na educação das novas gera-ções?

Quem sabe começando por considerar, que a forma de relacionar-se hierarqui-camente com os mais velhos, mudaram. Eu diria que hoje, as famílias vivem uma espécie de “cooperativas”, onde todos participam ativamente das decisões, se-jam elas crianças, jovens e adultos.

Outro dia, recebi um telefonema de uma mãe, cujo atendo sua filha adolescente no consultório, em que ela queria apenas me informar que havia trocado sua filha de escola, motivo: o professor de portu-guês estava pegando no pé da filha. Re-sultado: no dia seguinte a adolescente já estava matriculada em outra escola “feliz da vida”. Quem sabe até o próximo pro-fessor “pegar no seu pé”?

Sob essa ótica é possível ver como os “novos modelos familiares” vem funcio-nando horizontalmente, filhos tomam de-cisões juntamente com seus pais e na maioria das vezes de acordo com suas vontades. Fico imaginando o que será dessa jovem, descrita acima, quando ela tiver que enfrentar um chefe, ou mesmo um professor ou alguém que a “persiga” ou mesmo um conflito de idéias?

A escola como uma instituição social re-

conhecida e ainda validada por muitas pessoas, nos convoca, diariamente a um repensar sobre: o que está acontecendo no mundo? De que modo as escolas e seus agentes poderão ajudar nesse mo-mento de mal-estar? Acredito, primeiramente no não recuo por parte dos agentes educativos, frente ao mal-estar instalado e insegurança por parte das famílias. O momento requer um posicionamento firme do que se quer como concepção de educação e práticas educativas, levando em conta esse novo aluno e sua família.

O mundo, requer de nós adultos uma ex-pertise quanto à elaboração e (in)com-preensão do momento atual. De acordo com sociólogo Zigmund Bauman (2007) em seu magnífico livro: Vida Líquida. Ele nos apresenta com muita propriedade e sensibilidade, uma releitura do momento atual em que o mundo se encontra:

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A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante. A vida lí-quida é uma sucessão de reinícios, e pre-cisamente por isso é que os finais rápidos e indolores, sem os quais reiniciar seria ini-maginável, tendem a ser os momentos mais desafiadores e as dores de cabeça mais in-quietantes (BAUMAN, 2007 p. 8).

O autor refere-se a uma forma de vida líquida, tão rápida que chega a escorrer pelos dedos. O termo “líquído-moderno” é a marca atual da sociedade, em que as condições, sob as quais agem seus membros, mudam em tempo real, um tempo curto demais para o necessário, para uma consolidação, de hábitos e roti-

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nas, e formas de agir que requer tempo.

Na sociedade líquida, não existe tempo de aprofundamento. Ficamos a margem, na superficialidade das relações huma-nas que tendem a tornarem-se mais lí-quidas.

Para Bauman (2007) o tempo, não per-mite uma elaboração mais profunda para tantas mudanças. O que de alguma for-ma, nos livra do mal estar, já que não nos aprofundamos nos sentimentos, nas re-lações e nas causas.

A chamada “pós-modernidade” nos trou-xe uma série de conquistas, não pode-mos negar tal fato, mas em contrapartida, uma série de perdas e incertezas, dentre elas, a que se refere no quesito: Educa-ção e o princípio da incerteza.

Qual será a fronteira entre o a vida líqui-da e a sólida? Bauman (2007, p. 8) nos apresenta sobre a vida líquida, uma pre-cariedade, já que ela é vivida em condi-ções de incertezas constantes, portanto a vida passa a ser uma sucessão de rei-nícios. E quem sabe sem chegar a um início realmente.

Pais, professores, psicólogos, psicana-listas, (babás e motoristas), sim digo ba-bás e motoristas, já que em alguns aten-dimentos que realizo na Clinica, são eles que comparecem a primeira consulta. Não se espantem! Este fato é real nas “novas configurações familiares” de poder sócio-econômico melhor, babás e moto-

ristas vem assumindo junto à família tais funções. E acreditem tais motoristas e babás dispensam cuidado e atenção aos seus mini “patrõezinhos líquidos”. Será que já estamos falando de uma educa-ção líquida?

(In)concluímos, por ora, que muito ainda há para se fazer diante de tanta liquidez e insensatez de uma educação que es-corre aos nossos olhos!

Precisamos falar sobre isso e talvez ( in)concluir ! Há um vazio na educação! E tal vazio não será encontrado em tantos diagnósticos “fechados”!

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Jane Patrícia Haddad - Psicanalista, Psicope-dagoga e Consultora educacional

Referência

BAUMAN, Z. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.