educaÇÃo “prÉ escolar” em dourados: a escola...

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SAMARA GRATIVOL EDUCAÇÃO “PRÉ-ESCOLAR” EM DOURADOS: A ESCOLA SERVIÇO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL - SEI (1980-1995) DOURADOS 2017 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM EDUCAÇÃO

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SAMARA GRATIVOL

EDUCAO PR-ESCOLAR EM DOURADOS: A ESCOLA

SERVIO DE EDUCAO INTEGRAL - SEI (1980-1995)

DOURADOS

2017

MINISTRIO DA EDUCAO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS

FACULDADE DE EDUCAO

PROGRAMA DE PS-GRADUAO - MESTRADO EM

EDUCAO

MINISTRIO DA EDUCAO UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS

FACULDADE DE EDUCAO

PROGRAMA DE PS-GRADUAO - MESTRADO EM EDUCAO

SAMARA GRATIVOL

EDUCAO PR-ESCOLAR EM DOURADOS: A ESCOLA

SERVIO DE EDUCAO INTEGRAL - SEI (1980-1995)

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Educao do curso de Mestrado

da Universidade Federal da Grande Dourados

na linha de pesquisa Histria da Educao,

Memria e Sociedade, sob Orientao da Professora Doutora Magda Sarat.

DOURADOS

2017

COMISSO JULGADORA

Dourados, 27 de abril de 2017.

________________________________________________________________

Professora Doutora Magda Sarat UFGD

________________________________________________________________

Professor Doutor Ademilson Batista Paes UEMS

________________________________________________________________

Professora Doutora Maria do Carmo Brazil UFGD

SUPLENTE

_______________________________________________________________

Professor Doutor Ademir Gebara - UFGD

Dedico este trabalho aos meus pais e a meu esposo, pois foram

meu alicerce emocional no processo de elaborao e escrita

desta pesquisa.

AGRADECIMENTOS

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) pela oferta deste nvel

acadmico de educao pblica e gratuita.

Fundao de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Cincia e Tecnologia do

estado de Mato Grosso do Sul, (FUNDECT) por financiar este projeto de pesquisa.

Escola SEI Servio de Educao Integral e, toda a sua equipe de trabalho que

nos permitiu entrar em seus arquivos escolares e realizar a pesquisa.

minha orientadora, Magda Sarat, pelos caminhos que me ajudou a trilhar e

percorrer durante todo o processo, sendo companheira e amiga em diversos momentos.

querida amiga e irm de orientao Eliana Maria Ferreira, pelas valiosas

contribuies neste trabalho.

Aos professores Ademilson, Ademir e Maria do Carmo que me ajudaram com

ricas sugestes na lapidao da escrita e melhor compreenso do trabalho.

minha Famlia, pelo amor, compreenso e carinho durante este percurso.

Ao Ado, meu Esposo e companheiro, pelo apoio e encorajamento sempre.

[...] a tarefa no ver o que ningum viu ainda, mas

pensar aquilo que ningum pensou a respeito

daquilo que todo mundo v.

Arthur Schopenhauer (2010, p. 156-157)

RESUMO

Pretendeu-se, nesta pesquisa, apresentar uma experincia de Educao Infantil no estado

de Mato Grosso do Sul a partir da histria de uma instituio, a Escola Servio de

Educao Integral SEI (1980-1995). A periodizao eleita demarca 1980 at 1995 e se

justifica pelo ano da criao da instituio at 1995, por anteceder a atual Lei de

Diretrizes e Bases n 9394/1996, que props mudanas significativas que se refletiram

na educao infantil por todo o pas. O objetivo central foi compreender a concepo de

criana e de trabalho pedaggico presente na escola SEI, nos seus quinze primeiros anos

de atuao no cenrio educacional de Dourados. A metodologia esteve pautada na Nova

Histria Cultural ligada Histria do Tempo Presente com fontes primrias compostas

por documentos administrativos, burocrticos e tambm fontes iconogrficas. A

documentao informa que a concepo de criana presente nas prticas da Escola SEI,

esteve organizada no sentido de tomar a criana como o ponto de partida, coloc-la

como o centro do planejamento e das atividades. Buscou-se o desenvolvimento da

criana a partir de diferentes linguagens, enfatizando sua ludicidade. A referida

instituio esteve presente na formao de geraes e sua histria contribui com novas

perspectivas de investigao na Histria da educao local e regional.

Palavras - chave: Histria das instituies; Infncia; Mato Grosso do Sul.

ABSTRACT

The text aims a present an experience of Early Childhood Education in the state of

Mato Grosso do Sul from the history of an institution, the School Service of Integral

Education - SEI (1980-1995). The elected periodization demarcates 1980 to 1995 and is

justified by the year of creation of the institution until 1995, prior to the current Law of

Guidelines and Bases 9394/1996, which proposed significant changes that were

reflected in children's education throughout the country. The main objective was to

understand the conception of children and the pedagogical work present at the SEI

school, during its fifteen years of work in the educational setting of Dourados. The

methodology was based on the New Cultural History linked to the History of Present

Time with primary sources composed of administrative documents, bureaucratic and

also iconographic sources. The documentation informs that the conception of children

present in the practices of the SEI School was organized in order to take the child as the

starting point, to place it as the center of planning and activities. The development of the

child was sought from different languages, emphasizing their playfulness. The

institution was present in the formation of generations and its history contributes with

new perspectives of investigation in the History of the local and regional education.

Keyword: History of the Institutions; Childhood; Mato Grosso do Sul.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Maquete da Escola Normal. Caetano de Campos Jardim de Infncia/anexo 24

Figura 2 O Estado de MS, em destaque o municpio de Dourados ............................ 48

Figura 3 Escola Presbiteriana Erasmo Braga, 1960 ................................................... 49

Figura 4 Irms franciscanas da Escola Franciscana Imaculada Conceio (1956) ..... 51

Figura 5 Fachada do primeiro prdio da escola SEI, 1981 ........................................ 58

Figura 6 Fachada do prdio prprio da Escola SEI, 1993 .......................................... 59

Figura 7 Vista area do prdio prprio SEI ............................................................... 59

Figura 8 Crianas do pr-escolar, 1981 ..................................................................... 64

Figura 9 Primeira equipe de professores, 1981 ......................................................... 65

Figura 10 Professor de Educao Fsica com crianas do pr-escolar, 1981 .............. 66

Figura 11 Sala de arquivos Escola SEI ..................................................................... 67

Figura 12 Arquivo de fotografias .............................................................................. 69

Figura 13 Atividade no ptio com professor de educao fsica, 1981 ...................... 73

Figura 14 Crianas aps brincar na Parede Mgica, 1981 ......................................... 79

Figura 15 Crianas brincando na Parede Mgica, 1990 ............................................. 81

Figura 16 Crianas na Piscina, 1981 ......................................................................... 81

Figura 17 rea externa da Escola SEI, Bosque, 1981 ............................................... 82

Figura 18 Formatura pr-escolar, 1983 ..................................................................... 85

Figura 19 Crianas da pr-escola rito de passagem para o Ensino Fundamental 1990..... 86

Figura 20 Primeira festa junina SEI, 1981 ................................................................ 88

Figura 21 Festa do Dia das Mes, 1981 .................................................................... 89

Figura 22 Festa de Pscoa, dcada de 1980 .............................................................. 90

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 rgos de atendimento infncia (1919-1975)...........................................27

Quadro 2 Pesquisas em instituies de atendimento educacional criana pequena dos

PPGEd do MS (2006-2014) ........................................................................................ 40

Quadro 3 Crianas do pr-escolar da Escola Presbiteriana Erasmo Braga (1969 1973) .. 50

Quadro 4 Documentos selecionados no Arquivo Escolar SEI ................................... 69

Quadro 5 Organizao das turmas do pr-escolar - SEI ............................................ 74

Quadro 6 Crianas matriculadas por turma e ano SEI (1981-1995) ........................ 75

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Expanso pr-escolar: Brasil (1980-1993) .................................................. 36

Tabela 2 Populao e matrcula no pr-escolar por regies Brasil (1991) ............... 37

Tabela 3 Populao de Mato Grosso do Sul, 1980-1991 ........................................... 49

LISTA DE SIGLAS

CAND - Colnia Agrcola Nacional de Dourados

CAPES - Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

CEIM - Centro Municipal de Educao Infantil

CF - Constituio Federal

CODEPRE - Coordenao de Educao Pr-Escolar

COEPRE - Coordenadoria de Educao Pr-Escolar

ECA - Estatuto da Criana e do Adolescente

FUNABEM - Fundao Nacional do Bem-Estar do Menor

LBA - Legio Brasileira de Assistncia

LDB - Lei de Diretrizes e Base da Educao Nacional

MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetizao

MS - Mato Grosso do Sul

MEC - Ministrio da Educao

PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia

PPGEd - Programas de Ps-Graduao em Educao

SEI - Servio de Educao Integral

SEPRE - Setor de Educao Pr-Escolar

SINTED - Sindicato dos Trabalhadores em Educao

UCDB - Universidade Catlica Dom Bosco

UFGD - Universidade Federal da Grande Dourados

UEMS - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

UFMS - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

SUMRIO

INTRODUO .......................................................................................................... 13

1 EDUCAO DAS CRIANAS E DA INFNCIA BRASILEIRA ......................... 23

1.1 Atendimento s crianas pequenas no Brasil.......................................................... 23

1.2 A educao da criana pequena: aspectos legais (1980-1995) ................................ 32

1.3 Dados brasileiros da educao pr-escolar (1980-1995) ......................................... 35

2 EDUCAO DA INFNCIA EM MATO GROSSO DO SUL E DOURADOS ...... 39

2.1 Educao infantil no Mato Grosso do Sul: um levantamento da produo ............. 39

2.2 Educao pr-escolar em Mato Grosso do Sul (1980-1995) ................................... 43

2.3 Educao pr-escolar em Dourados: as origens institucionais ................................ 47

2.4 O cenrio educacional de Dourados - 1980 ............................................................ 52

3 A ESCOLA SERVIO DE EDUCAO INTEGRAL (SEI): IMAGENS DA

HISTRIA E DAS MEMRIAS ................................................................................ 55

3.1 A histria da instituio na documentao escolar ................................................. 60

3.2 Bas da memria: o arquivo escolar do SEI ....................................................... 66

3.3 Histrias e memrias da organizao do trabalho pedaggico do SEI .................... 71

3.4 Memrias e imagens das prticas pedaggicas na educao pr-escolar ................. 78

3.5 Os rituais e celebraes escolares como parte das prticas pedaggicas ................. 83

REFERNCIAS ......................................................................................................... 96

ANEXOS .................................................................................................................. 103

13

INTRODUO

Ingressei na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) no curso de

licenciatura em Pedagogia no ano de 2010. A primeira opo de curso no foi na

docncia. Nem cogitava passar pela Pedagogia, termo que s fui compreender nas fases

de inscrio do vestibular com o auxlio de uma amiga que considero a inspirao por

escolher tal profisso. Meu interesse era pela rea das cincias biolgicas, que at hoje

me desperta curiosidades. Mas afinal, por que o interesse pela infncia e educao

infantil?

O interesse foi se revelando nos primeiros semestres de faculdade em

consequncia do trabalho docente nas disciplinas de Fundamentos da Educao Infantil,

Currculo da Educao Infantil e Estgio Supervisionado na Educao Infantil. A partir

dessas disciplinas, as discusses dos textos, os exemplos acerca do trabalho nas

instituies e a abordagem das professoras em relao temtica, me despertou o

interesse em estudar o universo infantil. Esta experincia me fez refletir sobre os

aspectos que foram sendo construdos no decorrer da minha formao social, familiar e

cultural.

Realizei o estgio de iniciao docncia por meio do Programa PIBID/CAPES

(Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia / Coordenao de

Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior), como estagiria no maternal I, o que

me possibilitou conhecer mais de perto a rotina da Educao Infantil, e no ano de 2014

fui aluna especial na disciplina Histria da Infncia e da Educao Infantil no programa

de ps-graduao da mesma universidade. Assim, a insero no PIBID e a disciplina

cursada como aluna especial, fizeram com que decidisse pela pesquisa nessa rea,

enfocando, naquele momento, a histria da educao, e mais especificamente da

educao infantil.

Fui aprovada na seleo de 2015, podendo dar incio ps-graduao na mesma

instituio em que conclui a graduao. Os estudos tericos, tanto na graduao, quanto

no mestrado, possibilitaram refletir sobre minha formao enquanto professora de

educao infantil, profissional que tem a criana como sujeito de interao

profissional.

Ser criana na sociedade atual um processo cada vez mais complexo, pois,

como afirma Elias (2012), ainda no sabemos ao certo como ajudar as crianas a se

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ajustarem s sociedades que em nada so infantis. Portanto, tais temticas precisam ser

contempladas na formao do profissional de educao das crianas pequenas1. Um

educador precisa saber respeitar o tempo, o limite, o espao, a cultura e o lugar de cada

criana. Porm, historicamente nem sempre as crianas tiveram atendimento adequado e

de qualidade, embora no devemos desconsiderar as importantes iniciativas

desenvolvidas em diversas instituies. Como futura professora de educao infantil, a

partir da minha experincia acadmica e de pesquisa, pretendo fazer parte de um grupo

de profissionais que respeitam as crianas e buscam desenvolver trabalhos que as tm

como protagonistas da ao pedaggica. Experincias que justificam a investigao.

A literatura da rea indica que o sculo XX ficou conhecido como o sculo da

criana devido o reconhecimento de direitos e a promulgao de legislaes universais,

como a Declarao Universal dos Direitos das Crianas (1959) e a Conveno Mundial

dos Direitos das Crianas (1989), porm mesmo com avanos dentro da temtica, a

educao pr-escolar no Brasil foi marcada pela ausncia e escassez de instituies na

esfera pblica de atendimento educacional, especialmente nos primeiros anos de vida.

Portanto, aqui justifico que o ttulo deste trabalho fala em educao pr-escolar por

considerar a nomenclatura utilizada no perodo histrico investigado, qual seja 1980-

1995. Atualmente temos um contexto legal que ser exposto mais adiante indicando que

a educao das crianas menores de 6 anos no pas se intitula Educao Infantil, onde

estaria contida a creche e a pr-escola.

Historicamente no pas, a infncia foi objeto de polticas assistencialistas, em

geral de baixo custo, ficando margem das polticas de educao, desconsiderando-as

enquanto um direito social, condio fundamental para a garantia dos demais direitos

(MACDO E DIAS, 2012). Assim, as primeiras iniciativas de atendimento a essa parte

da populao tiveram um carter familiar/particular e religioso (asilos, orfanatos, roda

dos expostos2, creches). Somente ao final do sculo XX, mais especificamente com a

promulgao da Constituio Federal de 1988 e com a Lei de Diretrizes e Base da

Educao Nacional (LDB) 9.394 de 1996, que a responsabilidade do atendimento pr-

escolar passou a ser do Estado proposta como Educao Infantil. Destacamos que a

educao pr-escolar no Brasil, como objeto de ateno do Estado, aparece em 1988

1Entende-se por crianas pequenas as menores de 6 anos de idade. 2 Roda dos expostos foi como ficou conhecida uma instituio que recebia crianas atravs de um

dispositivo em forma de roda. A criana era colocada do lado de fora da instituio nesse objeto e ao gir-

lo ela ia para o interior da mesma, com isso era preservada a identidade da pessoa que colocava a criana

na roda.

15

com a promulgao da Constituio Federal especialmente em trs artigos: art. 7 -

garantia de atendimento gratuito aos filhos e dependentes de pais trabalhadores, urbano

e rural, em creches e pr-escolas; art. 208 - a educao infantil como um dever do

estado brasileiro na garantia de sua oferta; e art. 227 - afirma, entre outros, o direito da

criana educao (PEIXOTO, SHUCHTER E ARAJO, 2015).

Neste trabalho, nos propomos a apresentar a experincia pr-escolar de uma

instituio da rede particular de ensino do municpio de Dourados no estado de Mato

Grosso do Sul, a Escola Servio de Educao Integral (SEI)3 que teve sua origem no

ano de 1980,perodo no qual, creches e pr-escolas se expandem no pas em meio s

lutas dos movimentos sociais4. Nesse momento, quando a educao voltada criana

pequena buscava espao em todas as vertentes, tanto nas reas mdicas, higienistas,

biolgicas como tambm nas educacionais, a Escola SEI iniciou seu trabalho

enfatizando o atendimento criana em idade pr-escolar.

Segundo Silva (2007), no ano de 1981 a Escola SEI atendia turmas do maternal,

passando pelo Jardim, Pr I e Pr II, sendo a primeira escola privada de Dourados que

nasceu somente com o intuito de atender crianas de 0 a 6 anos, com nfase nos

aspectos ldicos/educativos. Atualmente a escola atende at o 9 ano do ensino

fundamental.

No ano de 2016, a escola SEI completou 36 anos de histria, mantendo sua

filosofia e concepo educativa e contribuindo para a histria da educao do

municpio. Focaremos nesta investigao nos primeiros 15 anos de sua existncia, de

1980 a 1995, como nosso recorte temporal. O ano de 1980 por ser a implantao da

escola, e o ano de 1995, por anteceder a atual LDB n 9394/1996, que trouxe mudanas

considerveis educao das crianas menores de 7anos.

Nosso objetivo neste estudo foi compreender a concepo de criana e de

trabalho pedaggico presente na escola SEI nos seus quinze primeiros anos de atuao,

especialmente considerando a pr-escola. Para tanto, buscamos respostas para as

seguintes indagaes: Qual a concepo de criana e trabalho pedaggico presente na

pr-escola do SEI entre os anos de 1980 a 1995? Como foi organizada a educao pr-

escolar para atender as demandas do perodo? De que modo a escola tratou e concebeu

3 Este projeto de pesquisa tem aprovao de bolsa da Fundao de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino,

Cincia e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT) aprovado no edital n 07/2015. 4A luta pelos direitos das crianas e da infncia como tambm o das mulheres, movimentos feministas e

das mes trabalhadoras configuraram esse momento.

16

o atendimento criana pr-escolar, num perodo quando em termos legais este

atendimento no era prioridade, mas somente uma recomendao da legislao?

Buscando responder esses e outros questionamentos, durante a realizao da

pesquisa, utilizamos como fontes: os documentos originais da implantao da escola,

documentos administrativos como cadernos de matrculas, atas, estatutos, projetos

pedaggicos, panfletos, histrico de professores, alm do vasto acervo fotogrfico.

Nossa justificativa est pautada na problemtica da Histria das Instituies de

Educao Infantil da cidade de Dourados-MS, em especial a Escola SEI, que surge para

atender, a princpio, a educao das crianas menores de 6 anos. A histria da escola no

cenrio educacional informa que vrias geraes de muncipes e regio foram formadas

por ela. O trabalho junto s crianas pequenas segue at os dias atuais e a mesma

preserva um vasto acervo documental desde sua implantao. Tal acervo, do qual

tivemos acesso, nos permitiu responder algumas problemticas da pesquisa.

Portanto, a pesquisa se justifica no somente pelo acesso ao acervo, mas tambm

pela parca produo sobre histria da educao no municpio de Dourados em relao

educao pr-escolar, que tem se constitudo como campo novo de investigao. Nos

Programas de Ps-Graduao em Educao (tanto de mestrado como de doutorado) das

Universidades Catlicas Dom Bosco, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul,

Universidade Federal da Grande Dourados e Universidade Federal do Mato Grosso do

Sul encontramos apenas um trabalho que se referia histria de uma instituio para a

educao da criana pequena no municpio de Dourados.

O trabalho intitulado A histria da Casa Escola O Infantil do Bom Senso em

Dourados (1973-1986) de Ronise Nunes dos Santos, uma dissertao de mestrado,

defendida no ano de 2015, inserida na linha de pesquisa Histria da Educao, Memria

e Sociedade do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFGD. O objetivo do

trabalho foi analisar a histria e a constituio da referida instituio pr-escolar no

delimitado recorte temporal proposto. Este fato refora nossa afirmativa de que a

temtica educao infantil, educao pr-escolar, um campo recente em pesquisas no

municpio, tendo em vista que essa pesquisa foi finalizada no ano de 2015.

Ainda sobre a temtica, encontramos um nico trabalho de final de curso de

graduao que toma a escola SEI e seus agentes como campo de pesquisa intitulado:

Histria e Memria da Educao Infantil: os 25 anos de atuao da escola SEI

17

Servio de Educao Integral (1980-2005) no municpio de Dourados de autoria de

Michelly Fermino da Silva (2007), apresentado h dez anos.

Nesse sentido, esta pesquisa almeja contribuir para a construo da Histria das

Instituies de Educao Infantil da cidade de Dourados, considerado um cenrio de

pouca produo, principalmente na rea da Histria da Educao. Assim tomamos o

acervo preservado pela instituio a fim buscar respostas acerca da cultura escolar

produzida pela instituio e seus atores. Tais fontes foram discutidas luz do referencial

terico-metodolgico da Nova Histria Cultural ligada Histria do Tempo Presente,

bem como autores da histria da criana e a educao infantil. Entre estes: Burke

(2005); Pesavento (2005); Kishimoto (1988; 1990); Kramer (1982; 2003); Kuhlmann Jr

(2001; 2004); Sarat (2006); e S (2007).

Importa agora falar sobre as idas e vindas para a coleta dos dados. No ano de

2015, as visitas na escola ocorreram a partir do ms de setembro. Inicialmente,

visitamos o acervo escolar uma vez por semana por trs meses. Posteriormente, as

visitas aconteciam de forma mais eventual, ou quando havia a necessidade de conferir

melhor algum item. Estivemos presentes e participamos tambm de alguns eventos da

escola.

Destacamos que no evento comemorativo do aniversrio de criao da escola

35 anos elaboramos um memorial escolar, com fotografias contando a histria da

escola pelas suas imagens. Nessa exposio fotogrfica, enfatizamos as origens e as

atividades mais marcantes relacionadas pr-escola. No dia do evento, foi muito

interessante ver pais procurando e se reconhecendo nas fotos da sua infncia passada

nesta escola, e avs reconhecendo filhos e filhas lembrando o perodo que estudaram na

escola.

As visitas foram agendadas (via telefone) com antecedncia, gostaramos de

apontar que todas as nossas atividades foram supervisionadas, at porque como o

arquivo era muito vasto, e no tinha uma organizao arquivista profissional, poucas

pessoas sabiam onde encontrar determinados documentos. Por isso, era preciso ajuda

para encontr-los, pois no tnhamos livre acesso para folhear a documentao que

considerssemos necessria. Uma vez selecionados, ns os fotografvamos e

digitalizvamos, salvando-os em arquivos no computador particular.

Essa superviso, que de algum modo era feita por uma pessoa da escola, nos

auxiliava a compreender os eventos, as datas, as comemoraes, entre outros aspectos

18

presentes na documentao, e assim sua presena era constante. Em um primeiro

momento, nos sentamos limitados e receosos por no poder adentrar o acervo com

liberdade, pois acreditamos que achados, vestgios ou evidncias poderiam estar

ao nosso alcance. No entanto, percebemos que a pessoa da escola destinada a fazer esse

trabalho comigo era muito solcita e estava disposta a ajudar no que fosse preciso.

Destacamos que vrios membros da equipe da escola esto atuantes, desde a sua

abertura em 1980 alguns cargos de liderana da escola so praticamente os mesmos

at o presente. Tal dado aponta a preocupao da escola em fazer-se presente na

pesquisa.

A primeira etapa da pesquisa foi dividida em trs fases: primeiro conhecer o

campo da investigao, quais documentos apresentados, do que se tratavam, seu estado

de conservao, seu acesso, entre outros; a segunda fase foi a catalogao desses

arquivos em tipo de documento, ano de produo, assunto, quantidade etc.; e a terceira e

ltima fase foi a seleo da documentao para a pesquisa, onde buscamos os

documentos referentes pr-escola que compreendessem o perodo buscado 1980 a

1995. As fases iniciais proporcionaram, enquanto historiadora da educao, um avano

no conhecimento das fontes e registros do passado tal experincia acompanhou todo o

processo da escrita e de compreenso dos arquivos e como estes se constituram.

Paralelamente a essa primeira etapa, ocorria tambm a segunda parte da

pesquisa, que se constitua nas leituras e a escrita do trabalho. Apesar de acreditar e

necessitar da ajuda das pessoas da escola com a documentao, tnhamos uma sensao

de que a leitura dos documentos estava sendo controlada e, de certo modo, essa

sensao interfere nos resultados da escrita, pois o cuidado com o que se escreve

permanente para no incorrer em problemas discutindo as concepes pessoais, sociais,

culturais e ideolgicas da parte pesquisada. No entanto, entendemos que esse um dos

dilemas e limites de quem trabalha com a histria do tempo presente, no qual as fontes,

os registros, as anlises, o passado esto to prximos e, por vezes, parecem nos

assombrar com suas imagens.

O arquivo de fotografias que recebemos, uma caixa de papelo grande (com

medidas em torno de 80 cm x 60 cm x 50 cm), onde era possvel encontrar uma

infinidade de assuntos do meio escolar. Assim como se guarda fotos em caixas de

memrias e recordaes, ali repousavam uma infinidade de histrias. Podemos dizer

que havia mais de trinta anos de histria naqueles lbuns e caixas, umas dentro de

19

outras, contendo uma quantidade enorme de registros e de memrias da escola em seus

diferentes tempos.

Para a seleo das fotografias utilizadas na pesquisa, elencamos alguns critrios:

a qualidade da fotografia e sua nitidez, j que seria impossvel analis-las sem esses

requisitos bsicos; as imagens em grupos ou individuais de desenvolvimento de

atividades pedaggicas foram priorizadas, pois nossa nfase era a concepo e o

trabalho pedaggico da escola; terceiro e ltimo, a partir da recorrncia com que

determinadas atividades eram fotografadas, ou seja, levando em considerao aspectos

como a colorao da imagem, cortes de cabelos e vestimentas, anotaes no verso etc.

marcas do tempo que nos indicavam o perodo pesquisado quando no estava explcito

na imagem.

Terica e metodologicamente fizemos opes fundamentadas nas perspectivas

do que a bibliografia nos apresenta como Nova Histria Cultural. O termo cultura,

desde o sculo XIX, passou por mudanas que Burke (2005) chama de virada

cultural. Nos anos 1980 essa abordagem passou a ser revista e ampliada, introduzindo

novos aspectos culturais nos quais se podia investigar a cultura em todos seus aspectos.

Estamos a caminho da histria cultural de tudo: sonhos, comida, emoes, viagem,

memria, gesto, humor, exames e assim por diante (BURKE, 2005, p. 46).

Todas essas nuances configuram a Nova Histria Cultural, permitem que as

possibilidades de pesquisa se ampliem, trazendo temticas relevantes para pensar e

investigar a histria, sobretudo na histria da educao. Alm disso, a Nova Histria

Cultural est relacionada a outras reas do conhecimento, pois segundo Barros (2011, p.

39) so produzidos dilogos interdisciplinares mais especficos, envolvendo as

relaes da Histria com outros campos do saber, como a antropologia, a lingustica, a

psicologia ou a cincia poltica.

Entre as possibilidades alcanadas pela Nova Histria Cultural, est a Histria

do Tempo Presente considerada uma histria ainda no acabada, em que o historiador

no cumpre o seu papel de reconstruir um processo j acabado, de que se conhecem o

fim e as consequncias. (PESAVENTO, 2005, p. 56), mas pode tambm ser vista

como uma [] interseco do presente e da longa durao. Esta coloca o problema de

se saber como o presente construdo no tempo (DOSSE, 2012, p. 6).

20

Neste contexto terico da historiografia, a investigao foi desenvolvida com

documentos do arquivo passivo5 da instituio, sob superviso de uma funcionria. Os

principais funcionrios (coordenadores, diretores, vice-diretores, secretrios) esto em

atividade desde 1980 quando iniciou o processo de autorizao de funcionamento da

escola, de algum modo, estes se constituem em fontes vivas de experincias na

instituio. Informamos que no utilizamos depoimentos ou outra metodologia que

trabalhe com esses dados, somente a documentao do meio escolar.

Trabalhamos com arquivos que foram disponibilizados por pessoas da

instituio e que, de certo modo, acompanharam a pesquisa6. Tal aspecto infere nos

limites da elaborao de uma pesquisa isenta de anlises subjetivas, considerando o

tempo presente, a histria em curso e as pessoas envolvidas. O intuito problematizar

sem ferir as representaes e as prticas culturais dos indivduos e grupos que compem

a instituio.Leite (2011, p. 614), informa que para alguns pesquisadores, tal situao

pode:

[...] comprometer a qualidade da anlise histrica e ampliar as

possibilidades de expor as fragilidades da produo do conhecimento

histrico. Nesse sentido, a provisoriedade da verdade histrica, bem como o peso da subjetividade em relao objetividade histrica

torna-se mais evidente.

Desse modo, fazemos um exerccio ao tratar tais abordagens de forma cautelosa

para que os graus de subjetividade do pesquisador e dos pesquisados , no invadam as

anlises e prejudique os resultados. Mas claro que a interpretao dos dados em si j

consiste em subjetividade, ou seja, praticamente impossvel se isentar totalmente. Mas

em defesa da proximidade do historiador e seu objeto, a bibliografia informa que no se

configura como algo negativo, pelo contrrio, o historiador se encontra em uma posio

privilegiada na construo do conhecimento, ao permitir uma aproximao fsica entre

sujeito e objeto de estudo, pois um medievalista ou um modernista. (...) deve recompor

uma realidade que lhe escapa fisicamente. (LEITE, 2011, p. 615).

O historiador se dispe a fazer as coisas falarem (PESAVENTO, 2005, p. 59).

A histria do tempo presente para alguns autores est associada pesquisa de sujeitos

5 Mais conhecido como arquivo morto, este tem a finalidade de manter guardados alguns documentos

da cultura escolar sem uma organizao/catalogao especfica. 6Todo acesso a documentao esteve condicionado aos funcionrios da escola que liberavam e

entregavam os documentos conforme pedamos. No tivemos acesso irrestrito documentao.

21

que viveram em determinadas pocas, e podem fornecer entrevistas para a coleta de

dados e tambm de fontes escritas. Fontes como revistas, livros didticos, fotografias,

desenhos, pinturas, brinquedos, prdios todos imersos em redes de significaes e

representaes, muitas vezes encontradas no espao escolar, e que se configuram como

locais de pesquisa permitem compreender os diversos aspectos do cotidiano escolar,

entre estes destacamos o trabalho pedaggico, suas prticas e suas concepes.

A partir do levantamento das fontes localizadas na instituio7, utilizamos na

anlise da documentao o cenrio histrico, social, cultural, econmico e poltico em

que determinados documentos foram produzidos. Segundo Cellard (2012) tais aspectos

devem ser considerados em todas as etapas, tanto em investigaes de passado distante

quanto nas de passado recente, como na Histria do Tempo Presente.

Tais aspectos sero destacados ao longo do trabalho. No entanto,

consideraremos uma parte da grande quantidade de fotografias disponveis no acervo a

escola, contendo registros de inmeras atividades. Selecionamos 95 fotografias antigas

e recentes, e pretendemos analis-las a partir dos estudos acerca da utilizao da

fotografia histrica como fonte. Para Kossoy (1989, p. 34) a fotografia um gnero da

histria que perpassa a cincia e a arte, ela faz parte do processo histrico e atua como

meio de expresso e comunicao, de modo a representar a realidade. O pesquisador

ainda pode contar com essa fonte como meio de conhecimento visual da cena passada

e, portanto, como uma possibilidade de descoberta.

A partir da segunda metade de sculo XIX a fotografia passou a ser largamente

difundida com as novas tcnicas que surgiam. Tal difuso permitiu sua preservao,

principalmente em grupos minoritrios, mulheres, negros, indgenas, crianas etc, e

determinados eventos (SANTINI, 2012). J no sculo seguinte, alm da modernizao

das tcnicas, foi possvel tambm o acesso s imagens fotogrficas, pois o mercado

fotogrfico se expandia consideravelmente, sobretudo na produo de fotografias

destinadas aos meios de comunicao, como jornais e revistas (LIMA e CARVALHO,

2009).

Para analisar as fotografias neste trabalho, faremos uso da anlise iconogrfica,

indicada por Kossoy (1989), porm ela ser abordada somente em relao ao contedo

fotogrfico, ou seja, o assunto da fotografia que registra os aspectos internos da

instituio. Portanto, consideramos que toda reproduo fotogrfica foi tirada com uma

7 Aspecto mais explicitado no subitem Arquivo Escolar SEI.

22

finalidade e intencionalidade, se constituindo em um meio de informao e

conhecimento de valor documental e iconogrfico. A imagem representa um

testemunho visual e material, pois [...] o que resta do acontecido, fragmento

congelado de uma realidade passada, informao maior de vida e morte, alm de ser o

produto final que caracteriza a intromisso de um ser fotgrafo num instante dos

tempos. (KOSSOY, 1989, p. 22)

A presente pesquisa se constitui da utilizao dessas fontes iconogrficas e

documentais reunidas, buscando dar respostas investigao que indaga quais as

concepes de criana e trabalho pedaggico da instituio pesquisada, considerando

especialmente a periodizao dos quinze primeiros anos (1980-1995). Para tanto, este

trabalho compe-se de trs captulos.

No primeiro captulo, apresentamos como a infncia foi acolhida no Brasil em

suas diversas instituies, alm do contexto legal do nos anos 1980-1995. No segundo

captulo, apresentamos um levantamento da produo realizada nos Programas de Ps-

Graduao em Educao do Estado de Mato Grosso do Sul acerca de pesquisas

desenvolvidas em instituies educacionais para a infncia, como tambm as origens

institucionais da pr-escola em Dourados. No terceiro captulo, apresentamos a

instituio pesquisada, Escola SEI, enfocando aspectos das origens, das motivaes

da sua criao, a filosofia e a concepo de educao contida na documentao, os

rituais e as celebraes realizadas pela instituio, as atividades de rotina e cotidianas,

bem como, aspectos do seu arquivo e fontes, apontando na documentao as prticas e

organizao do trabalho pedaggico, a participao da famlia e a estrutura fsico-

administrativa da escola. E finalizamos com as consideraes finais, onde situaremos

nossas anlises.

23

1 EDUCAO DAS CRIANAS E DA INFNCIA BRASILEIRA

Nesta seo abordaremos o atendimento educacional oferecido criana menor

de 6 anos no Brasil desde o final do sculo XIX e a legislao que ampara essa

educao, sobretudo na dcada de 1980, perodo quando foi fundada a escola objeto

desta pesquisa.

1.1 Atendimento s crianas pequenas no Brasil

O sculo XIX foi marcado por grandes mudanas, entre elas, a necessidade da

criao de instituies de atendimento s crianas devido entrada das mulheres no

mundo do trabalho8, o que implicou em novos cuidados em relao educao das

mesmas. Tais estabelecimentos tinham por funo, acolher as crianas enquanto as

mes fossem trabalhar, tornando-se lugares de guarda e proteo da infncia. Muitos

destes locais dedicavam-se ao cuidado das crianas pobres com uma perspectiva

assistencialista e tinham por denominao as palavras creches, escolas maternais ou

asilos e ficavam a cargo de aes de carter familiar/particular e religioso com

aspecto majoritariamente filantrpico (SARAT e SILVA, 2015).

A maioria dessas instituies eram exclusivas aos pobres, pois a pedagogia para

a educao das crianas das camadas populares tinha carter pedaggico de submisso

com o objetivo de disciplinar e apaziguar as relaes sociais, sendo a formao

voltada para a conformao e obedincia (KUHLMANN JR, 2004, p.181). As

diferenas nas aes entre a educao para crianas da elite e a educao para crianas

pobres se torna ainda maior quando surgem os Kindergartens com uma proposta

educacional conduzida de forma diferenciada e em sua maioria destinada s crianas

mais abastadas. Para Kuhlmann Jr (2001, p. 10):

O jardim de infncia, a mais bem-sucedida das instituies, desponta

como um contraponto s demais, tratando s vezes como se fosse o detentor exclusivo de uma concepo pedaggica. Froebel, que abriu

o primeiro Kindergarten no alvorecer da dcada de 1840, em

Blankenburgo, pretendia no apenas reformar a educao pr-escolar,

8 Sobre o tema histria do atendimento criana pequena no Brasil, temos o trabalho pioneiro de Anlia

Franco entre o final do sculo XIX e incio do sculo XX. A referida professora desenvolveu vrias

iniciativas de atendimento infncia pobre, sendo considerada por alguns autores uma personagem

fundamental na luta pela educao infantil no Brasil. (OIVEIRA e KUHLMANN JR, 2006)

24

mas por meio dela a estrutura familiar e os cuidados dedicados

infncia [...].

O jardim da infncia foi criado por Froebel em meados do sculo XIX, tinha

por caracterstica o contato com a natureza e o atendimento infantil deveria ser

apropriado criana no sentido de propor atividades livres e espontneas, dirigidas

para um fim til, onde o educador deveria explorar a curiosidade da criana, sua

necessidade de tocar, de agir e criar. Apregoava a liberdade do brinquedo como uma

atividade primordial e de significao profunda (S, 2007).

O primeiro jardim da infncia no Brasil surgiu de iniciativa privada idealizada

por Joaquim Menezes Vieira e sua esposa Carlota, no ano de 1875, na Corte do Rio de

Janeiro (KISHIMOTO, 1990), e destinava-se a crianas do sexo masculino. O jardim

tinha como objetivo atender os filhos da classe alta carioca com atividades de ginstica,

pintura, desenho, exerccios de linguagem e clculo, atividades de escrita, leitura,

histria, geografia e religio.

Posteriormente, foi aberto o Jardim de Infncia Caetano de Campos, anexo

Escola Normal Caetano de Campos. A instituio foi criada no dia 18 de maio de 1896

na cidade de So Paulo, cercada por um vasto jardim e constituda por quatro salas e um

grande salo para as festas e solenidades da instituio, contando este salo com espao

de 225 m. Um dos objetivos da criao do jardim era constitu-lo em espao de

estgio para futuros professores. Enquanto as professoras eram licenciadas, suas

auxiliares estudavam na escola Normal (KUHLMANN JR, 2004).

Figura 1 Maquete do complexo educacional Escola Normal

Caetano de Campos com Jardim de Infncia anexo (2014)

Fonte: Portal de notcias G1: .

25

Esse jardim foi institudo pelo Decreto 342 de 1896, sendo a primeira unidade

pr-escolar instalada com recursos do governo, onde atendia crianas de 3 a 7 anos de

idade sob a metodologia froebeliana (KISHIMOTO, 1988). O Jardim de Infncia

funcionou em um prdio antigo alugado (construo menor do lado esquerdo da

imagem Figura 1), localizado na Rua Ipiranga, na cidade de So Paulo. As primeiras

vagas foram amplamente concorridas: 300 candidatos para 102 vagas. Para matrcula

foram selecionadas crianas das melhores famlias da cidade de So Paulo. As

atividades no jardim comearam com uma mdia de 95 alunos (MARCELINO,

2004). Mesmo os Jardins de Infncia da esfera pblica de concepo froebeliana no

Brasil eram, inicialmente, destinados s classes de elite, como afirma Real (2004, p.

52):

[...] no caso do Jardim de Infncia pblico, instalado anexo Escola

Caetano de Campos, [...] possibilitava a dicotomizao na institucionalizao da educao das crianas de 0 a 6 anos. Enquanto

as creches e as salas de asilos atendiam os filhos de alguns operrios,

de empregadas domsticas e as crianas carentes e abandonadas, com fins predominantemente assistenciais, os jardins de infncia atendiam

os filhos da elite com uma metodologia froebeliana.

Membros do Partido Republicano Paulista, da alta sociedade e de cargos de

prestigio do estado tinham seus filhos matriculados no Jardim de Infncia Caetano de

Campos. Segundo Kuhlmann Jr (2004) durante muito tempo, o Jardim contou com

esse tipo de clientela: como escola-modelo, o Jardim acabava por reservar o privilgio

de seu espao e materiais elite paulistana.

Em contrapartida aos jardins de infncia, as creches e as escolas maternais eram

destinadas s crianas pobres. Sua educao era voltada para a formao moral e fsica,

sendo organizadas inicialmente em concepes mdico-higienistas, jurdico-policiais e

tambm sob influncia religiosa, desenvolvendo aes direcionadas para a infncia

moralmente abandonada.

Kuhlmann Jr (2004, p. 202) chama a ateno no sentido de que no devemos

interpretar a educao como o lado do bem e a assistncia como o imprio do mal,

assim como se estabelece uma posio inconcilivel entre ambas, porque segundo o

autor no so as instituies que tm o carter educacional, e sim os rgos que as

administra e as propostas pedaggicas desenvolvidas no seu interior.

26

As creches desempenharam um papel de cuidado para as crianas das classes

menos favorecidas, de forma que a educao oferecida s mesmas fossem a de

conformao e disciplina para que essas crianas, no futuro, se tornassem contidas e

civilizadas, ou seja, que essas crianas tivessem um [...] comportamento social

aceitvel [...] (ELIAS, 2011, p. 107). Mas no podemos desconsiderar a contribuio

dessas instituies na conteno dos ndices alarmantes de mortalidade infantil.

Nesse contexto, foi criado o Instituto de Proteo e Assistncia Infncia do Rio

de Janeiro (IPAI-RJ), fundado pelo mdico Arthur Monocorvo Filho, no ano de 1899.

Essa instituio desenvolvia aes de ordem mdica e higinica como proteo mulher

grvida pobre, higiene da/para a gestante, assistncia ao parto em domiclio e ao recm-

nascido e inclua a distribuio de leite diariamente, quando preciso, construo de

creches, consultas s gestantes, higiene na primeira infncia, vacinao, exames, entre

outras atividades. Esse instituto teve importante participao para as crianas pobres

brasileiras e em trinta anos contava com 22 filiais espalhadas pelo pas, sendo que 11

dessas filiais, com creches (KUHLMANN JR, 2004).

Segundo Kuhlmann Jr (2004), as reas que atuavam em prol da infncia

passaram a ter espao em congressos destinados criana no Brasil. Desse modo, pode-

se dizer que a criana brasileira passou a ter importncia social, com aes que visavam

cuidado, educao, proteo, inclusive estando presente na legislao. No caso dos

Congressos Internacionais realizados no Brasil, eles envolviam a preocupao com a

infncia, entre os quais: Congresso Jurdico Americano (1900); Congresso Cientfico

Latino-Americano (1905) e o Congresso Mdico-Latino Americano (1909), ambos

realizados no Rio de Janeiro; Congresso de Mutualismo Sul-Americano, realizado em

So Paulo (1911); e o Congresso Americano da Criana, realizado em 1922 tambm na

cidade do Rio de Janeiro. No por acaso que o sculo XX ficou conhecido como o

sculo da criana, pois nesse perodo muitas atenes de diversas reas se voltaram

para a infncia.

Sendo assim, permitiu a entrada da chamada fase mdico-higienista, a partir de

ento no Brasil, e tais aes passam a fazer parte do cotidiano educacional das crianas.

Mas o que levou mdicos e higienistas a voltarem atenes para a infncia foi a existncia

de altas taxas de mortalidade infantil. As aes desenvolvidas por esses profissionais eram

consultas a lactantes, ligas de combate mortalidade infantil e programas como gotas de

leite. Tais profissionais das reas da sade passaram a ter papis sociais de destaque na

vida das famlias, principalmente a partir de resultados positivos de suas aes.

27

Nesse contexto, normas de cuidados com a infncia tambm foram propagadas

como, por exemplo, a Puericultura9, conhecida como a cincia da famlia que se

estabelece a partir de uma relao de confiana entre o mdico e a me. A puericultura

adotava princpios de eugenia10

, uma perspectiva preconceituosa e discriminatria que

ganhava espao no perodo, especialmente no incio do sculo XX. Este perodo foi

marcado pelas teorias de branqueamento da populao, com a abolio do trabalho

escravo e a chegada de imigrantes para substituir a fora de trabalho. Assim, as

populaes pobres e marginalizadas eram culpadas pela sua condio social de sade e

higiene.

Questes de cunho jurdico-policial descritas por Kuhlmann Jr (2004) tinham

por finalidade desenvolver aes a fim de evitar a criminalidade que poderia derivar da

criana moralmente abandonada, fazendo parte de um rol de aes em prol da proteo

infncia. Entre as instituies com influncia jurdico-policial estavam os Patronatos

de Menores, fundado em 1909. Os objetivos dessas instituies, alm de fundar creches

e jardins de infncia, era tambm auxiliar os juzes de rfos no amparo e proteo das

crianas, e ainda: cuidar da proibio das vendas de produtos por menores; codificar as

causas que acarretavam a cessao do ptrio poder; evitar a convivncia dos menores de

ambos os sexos e a criao de depsitos com aposentos separados para ambos os sexos;

promover assistncia para menores detentos; tratar da reforma das prises de menores;

e, juntar esforos para que se realizasse a fiscalizao em todos os asilos e institutos de

assistncia pblica e privada (KUHLMANN JR, 2004).

Um quadro apresentado por Kramer (2003) aponta os rgos que foram criados

no Brasil, desde o incio do sculo XX, de ordem pblica nacional, particular,

internacional/privada que estavam sob as influncias descritas acima:

Quadro 1 rgos de atendimento infncia (1919-1975)

rgo Ano de

Criao

Vinculao Modificaes/Extino/

Situao em 1980

Departamento da Criana no

Brasil

1919 (Setor privado) Instituto de Proteo e Assistncia Infncia

Continuava a existir em 1938.

9 Cincia que rene fisiologia, higiene e sociologia, disciplinas capazes de favorecerem o

desenvolvimento fsico e psquico das crianas desde o perodo da gestao at a puberdade. 10 A puericultura se desenvolvia em torno da poltica de controle racial, de branqueamento da populao

brasileira, nesse contexto a chamada eugenia.

28

Departamento

Nacional da

Criana (DNCr.)

1940 (Setor pblico) Ministrio da

Educao e Sade Pblica

Subordinado ao Ministrio da

Sade a partir de 1951.

Transformado em

Coordenao de Proteo

Materno-Infantil em 1970.

Atual Diviso Nacional de

Proteo Materno-Infantil11.

Servio de

Assistncia a

Menores (SAM)

1941 (Setor pblico) Ministrio da

Educao e Negcios Interiores

Extino em 1964.

Surge em 1964 a Fundao

Nacional do Bem-Estar do

Menor, vinculada

Presidncia da Repblica.

FUNABEM vinculada ao

Ministrio da Previdncia e

Assistncia Social, a partir de

1974.

Fundo das

naes Unidas

para a Infncia

(UNICEF)

1946 (Internacional) Organizao das

Naes Unidas

Torna-se rgo permanente

da ONU em 1964.

Organizao

Mundial de

Educao Pr-

Escolar (OMEP)

1948 (Internacional/setor privado) Criao do Comit-Brasil da

OMEP em 1953, ligado ao

setor privado.

Instituto

Nacional de Alimentao e

Nutrio

(INAN)

1972 (Setor pblico) Ministrio da Sade

Projeto Casulo 1974 (Setor pblico) Legio Brasileira de

Assistncia (LBA)

LBA vinculada ao

Ministrio da Previdncia e

Assistncia Social, a partir de

1974.

Coordenao de Educao Pr-

Escolar

(COEPRE)

1975 (Setor pblico) Ministrio da Educao e Cultura

Fonte: Kramer, 2003, p 52.

Na segunda metade do sculo XX, no Brasil, especialmente a partir da dcada de

1970,tivemos outros modelos e propostas de educao para as crianas se configurando

em perspectivas e polticas educacionais compensatrias inspiradas em outros pases.

Com origens na Europa e nos Estados Unidos na dcada de 1960, a educao

compensatria tinha como proposta compensar as carncias advindas das classes

populares. Sobre a temtica Kramer (2003, p.24) afirma:

[...] as crianas das classes sociais dominadas (economicamente desfavorecidas, exploradas, marginalizadas, de baixa renda) so

11 Esses dados so at 1975 de acordo com a pesquisa de Kramer (2003).

29

consideradas como carentes, deficientes, inferiores na medida

em que no correspondem ao padro estabelecido. Faltariam a essas crianas, privadas culturalmente, determinados atributos, atitudes ou

contedo que deveriam ser nelas incutidos. A fim de suprir as

deficincias de sade e nutrio, as escolares, ou as do meio scio

cultural em que vivem as crianas, so propostos diversos programas de educao pr-escolar de cunho compensatrio.

No Brasil, no fim dos anos 1970 e incio da dcada de1980, a educao pr-

escolar ficou caracterizada pela influncia dessa nova educao, destinada a

compensar as carncias de crianas das populaes pobres e apoiadas em recursos da

comunidade visando poupar investimentos do Estado para sua expanso (ANDRADE,

2010). Essa nova caracterstica educacional foi implantada atravs dos discursos

pedaggicos que estavam no auge e tinham inspiraes norte-americanas, resqucios

esses da ditadura instaurada em 1964 com o golpe militar.

A literatura da rea (CAMPOS, ROSEMBERG E FERREIRA, 1995;

KRAMER, 1989) indica que na pr-escola brasileira a difuso dessa pedagogia foi a

partir do Projeto Casulo12

que teve como objetivo atender com baixo custo o maior

nmero possvel de crianas aproveitando recursos da comunidade. Nesse sentido

Campos, Rosemberg e Ferreira (1995, p.32) argumentam dizendo que as creches eram

[...] instaladas em equipamentos simples, aproveitando espaos ociosos da

comunidade e orientadas por uma concepo preventiva e compensatria do

atendimento infantil. O Projeto Casulo tambm tinha por objetivo evitar a mortalidade

e a desnutrio infantil. No incio, esse projeto teve carter experimental, alcanando

sua expanso quatro anos depois e se tornou o principal programa de atendimento pr-

escolar do pas.

Entendida como medida de soluo de problemas para o primeiro grau, a pr-

escola passou a compreender aspectos dessa educao para que pudessem superar os

dficits culturais provindos do meio onde as crianas estariam inseridas. O conceito

de privao cultural se configura por tomar as crianas das classes populares como

carentes que apresentam desvantagens socioculturais de ordem intelectual, lingustica e

tambm afetiva, em relao a outras crianas e tais aspectos provocariam insucesso no

processo de educao formal.

12 O projeto Casulo, de inspirao compensatria, foi criado em 1977. Foi a primeira instituio pr-

escolar do Brasil desenvolvida com recursos do governo e teve sua expanso em 1981, alcanando todos

os estados brasileiros. O tema ser abordado posteriormente.

30

Para corrigir essa defasagem, a educao compensatria vinha propor mtodos

pedaggicos adequados, diminuindo as diferenas entre as crianas no desempenho

escolar. Basicamente o objetivo da educao compensatria seria intervir precocemente

para reduzir ou eliminar as desvantagens provenientes da privao cultural das crianas

pequenas (KRAMER, 2003). O discurso e as prticas no pr-escolar, nesse perodo,

eram influenciados por essas teorias, da privao cultural e da educao compensatria,

com o papel de suprir necessidades de ordem fsica, material, social e psicolgica,

alm de ocupar o lugar da falta moral, econmica e higinica da famlia, a creche

tambm ter que dar conta da carncia afetiva, social, nutricional e cognitiva da

criana (HADDAD, 1991, p.114), ou seja, havia um modelo de criana a ser seguido: a

da classe mdia que possua todos os requisitos necessrios para o bom desempenho

escolar.

Com isso, outras preocupaes que envolviam essa criana passaram a ser

questionadas pela psicologia, j que o aspecto emocional da criana estaria propenso a

desequilbrios: A psicanlise fortalecia as intensas discusses existentes em torno da

maior ou menor permissividade que deveria existir na educao das crianas, trazendo

discusso temas como frustrao, agresso e ansiedade (KRAMER, 2003, p. 26). A

proposta da educao compensatria atendia as pesquisas da poca, indicando que o

fracasso escolar estaria associado s crianas vindas de grupos minoritrios da populao:

[...] teriam sofrido grandes desvantagens em termos de falta de

estimulao no seu ambiente familiar [...] ao chegarem escola

elementar, essas crianas fracassariam por no terem vivido experincias anteriores escolarizao fundamentais para o xito no

desempenho escolar (KRAMER, 2003, p. 28).

Diante desse contexto, a pr-escola passa a configurar a soluo dos problemas

da escola regular. Ela funcionaria como uma mola propulsora da mudana que se

esperava na questo social. Segundo a autora o fracasso escolar13

acontecia porque as

crianas no estariam suficientemente preparadas para aproveitarem a escola. Em geral,

a carncia era entendida como um atraso intelectual ou uma distoro emocional que

provinha de um meio frgil e de um contexto social pouco estimulante.

13 Segundo Kramer (1982), as crianas de origem pobre, no estariam suficientemente preparadas para

tirarem proveito satisfatrio da escola, o que consequentemente levaria ao fracasso no desenvolvimento

escolar.

31

Portanto, a proposta era de que as crianas que frequentassem a pr-escola

nesses moldes compensatrios teriam melhores condies de aprendizado na escola

formal, tendo elas participado de um processo democrtico de oportunidades

educacionais na pr-escola e a [...] educao compensatria deveria corrigir supostas

defasagens que provocariam os fracassos das crianas (KRAMER, 1982, p. 54). Nesse

sentido, a percepo era de uma criana cuja famlia no era capaz de suprir suas

carncias de alimentao, habitao e afetividade, entre outras. Para Freitas e Biccas

(2009, p. 297):

A criana pobre e sua famlia tornavam-se os grandes viles e

responsveis pelo insucesso na alfabetizao. A estrutura da escola

no era questionada, tampouco as distncias sociais que favoreciam aquela situao eram postas em evidncia. [...] A soluo, investida de

uma simplicidade enganosa, encaminhou-se para a mudana e

adequao dos currculos e programas que foram submetidos a ajustes especiais para a criana carente com o objetivo de compensar suas

deficincias.

Para Kramer (2003), colocar a pr-escola como a soluo para os problemas

educacionais expressa uma maneira de negar os reais problemas sociais advindos dos

contextos polticos e econmicos complexos que o pas enfrentava no perodo. Outra

questo levantada pela autora aponta a falta de acesso mais democrtico e igualitrio

escola e as possibilidades de ascenso. A igualdade de oportunidades e de condies

no estava garantida, considerando os nveis de desigualdades sociais no pas no

referido perodo histrico.

No Brasil, o atendimento educacional pequena infncia por muito tempo serviu

apenas como local de guarda onde as mes deixavam seus filhos para irem ao trabalho.

Tal contexto comea a mudar na dcada de 1980, com uma srie de aparatos legais que

passaram a propor mudanas na educao pr-escolar. Entre as legislaes, temos o

caso da Constituio Federal de 1988. Nesta, a educao passa a ser obrigatria cabendo

ao Estado a garantia de vagas para crianas em creche e pr-escola.

Em 1990 foi promulgado o Estatuto da Criana e do Adolescente Lei 8.069/90 que

garantiu diversos direitos, entre eles a educao s crianas pequenas. Tais dispositivos

legais contriburam para que a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional de n

9.394, promulgada em 1996, apresentasse avanos para a educao da criana pequena,

colocando a educao infantil como a primeira etapa da educao bsica.

32

1.2 A educao da criana pequena: aspectos legais (1980-1995)

Na dcada de1980 do sculo XX, os movimentos dos trabalhadores, das

mulheres, das lutas por creches e de redemocratizao do pas, entre outros,

desencadearam um processo de elaborao de aes legais em relao aos direitos de

mulheres e crianas, incidindo principalmente sobre a educao pr-escolar.

No entanto, na prtica a educao da pequena infncia no estava formalizada

nos moldes da nova Constituio a qual rea governamental assumiria essa educao.

Segundo Campos, Rosemberg e Ferreira (1995) at o ano de 1989, a educao dos

pequenos estava a cargo de cinco ministrios: Educao, Interior, Justia, Sade e

Trabalho, sendo que at 1980 os trs primeiros ministrios legislavam sobre o

atendimento s crianas pequenas.

No Ministrio do Interior as aes voltadas ao atendimento da criana ficaram a

cargo da Fundao Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), criada em 1964 e

atuante por 26 anos. A sua criao partiu de diversas lutas de setores do governo e

tambm da igreja, desde meados do sculo XX, que tinham em comum o interesse em

reformular o atendimento ao menor abandonado14

, pois acreditavam que o atendimento

s crianas era feito de forma inadequada. (CAMPOS, ROSEMBERG E FERREIRA,

1995).

No Ministrio da Educao (MEC), mesmo com pouca visibilidade, a educao

pr-escolar aparece muito timidamente na Lei 5.692/1971. O MEC desenvolveu

algumas aes contemplando a educao da criana menor de 7 anos. Por meio de um

grupo de estudos criado em 1974, o ministrio legislou criando e modificando vrios

rgos que faziam a gesto da educao pr-escolar. Entre eles estava a Coordenadoria

de Educao Pr-Escolar (COEPRE), criada em 1975, mas que antes de se efetivar

como tal, passou por algumas modificaes. Nesse mesmo ano, esse rgo passou a se

chamar Setor de Educao Pr-Escolar (SEPRE) e logo depois se transformou em

Coordenao de Educao Pr-Escolar (CODEPRE), at ser transformado em

coordenadoria.

O primeiro programa instalado pela iniciativa pblica para educao das

crianas em massa foi o Projeto Casulo, criado em 1977 (REAL, 2004). Esse projeto foi

14 O menor abandonado entendido como a criana em situao vulnervel, em situao de rua, rf, sem

responsvel ou sendo este julgado incapaz de sua guarda, mas que de alguma forma pode trazer

problemas a sociedade (S. 2007).

33

implantado pela Legio Brasileira de Assistncia (LBA) e visava atender, a baixo custo,

o maior nmero possvel de crianas, aproveitando recursos da comunidade e

diminuindo os nmeros alarmantes de desnutrio e mortalidade infantil.

Na dcada de 1980, o MEC firmou parcerias com as secretarias de educao

estaduais a fim de expandir o atendimento pr-escolar no Brasil. A viso de expanso

dessa educao nesse momento estava vinculada ao baixo custo da educao, com

prestao de servios e ajuda voluntria da comunidade. Nesse contexto, no ano de

1981, o MEC lanou o Programa Nacional de Educao Pr-Escolar integrado ao

Movimento Brasileiro de Alfabetizao (MOBRAL), que foi responsvel por 50% do

atendimento pr-escolar no Brasil.

Em 1988 foi criada pelo MEC a Coordenadoria de Apoio Pedaggico a

Educao Pr-Escolar assumindo questes pedaggicas. Para Campos, Rosemberg e

Ferreira (1995) at 1989 no organograma do MEC, a pr-escola no passou de uma

coordenadoria.

Seja no plano jurdico, administrativo, oramentrio; seja na elaborao de metas e programas, ou, ainda, na produo e

sistematizao de estatsticas educacionais, o MEC parece no ter

incorporado a pr-escola como parte integrante e legtima do sistema educacional regular (CAMPOS, ROSEMBERG E FERREIRA, 1995,

p.54).

Foi em 1988, a partir da promulgao da Constituio Federal Brasileira que as

crianas de 0 a 6 anos passaram a integrar os sistemas de ensino e aterem visibilidade

legal. No texto constitucional, a educao dos pequenos menores de 6 anos teve avanos

no que se refere superao da viso assistencialista sobre a educao dos mesmos e

no caso especfico das creches, tradicionalmente vinculadas as reas de assistncia

social, essa mudana bastante significativa e supe uma integrao entre creches e

pr-escolas (CAMPOS, ROSEMBERG E FERREIRA, 1995, p. 18). Essa educao

passou a ser denominada educao infantil, evitando assim confuses em sensos

escolares devidas nomenclatura e passou a ser a primeira etapa da educao bsica

brasileira (CAMPOS, ROSEMBERG E FERREIRA, 1995). Sobre as creches includas

no Captulo da Educao, na CF 1988, Mathias e Paula (2009, p. 14) observam:

A Lei afirma, portanto, o dever do Estado com a educao das crianas de 0 a 6 anos de idade. A incluso da creche no captulo da

34

educao explicita a funo eminentemente educativa desta, da qual

parte intrnseca a funo do cuidar e educar. Essa incluso constitui um ganho, sem precedentes, na histria da Educao Infantil em nosso

pas.

Essas autoras ainda complementam que, embora a educao dos pequenos tenha

mais de um sculo de histria, somente nos anos 1990 essa educao foi firmada como

um direito de todas as crianas.

Pela primeira vez a Constituio Federal faz referncias claras a direitos

especficos das crianas, sendo a educao em creche e pr-escola para menores de 6

anos um direito das mesmas e no mais direito das mes trabalhadoras: Enquanto as

constituies anteriores limitavam-se a expresses como assistir ou amparar a

maternidade e a infncia, a nova Carta nomeia formas concretas de garantir, no s

esse amparo, mas, principalmente, a educao dessa criana (CAMPOS,

ROSEMBERG E FERREIRA, 1995, p. 18).

No dia 13 de julho de 1990, foi instituda no Brasil uma nova lei de amparo s

crianas e adolescentes, a Lei 8.069, intitulada Estatuto da Criana e do Adolescente

(ECA). Segundo Silva (2010), com a promulgao dessa lei as crianas e os

adolescentes passam a gozar dos direitos fundamentais dos seres humanos, sendo-lhes

garantida proteo integral, na qual a famlia, a sociedade e o poder pblico devem fazer

efetivar tal direito. Alm desse, os direitos referentes vida, sade, alimentao,

educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito,

liberdade e convivncia familiar e comunitria so garantidos (SILVA, 2010, p. 138).

Outra construo legal importante na educao e atendimento infncia foi o

ECA de 1990 sendo resultado de processos construdos ao longo da histria, acerca dos

direitos da criana e do adolescente, desdobrando-se desde a Declarao Universal dos

Direitos Humanos (1948), da Constituio Federal (1988), como tambm da Conveno

sobre os Direitos da Criana (1989). Esse documento se caracteriza como um

instrumento jurdico inovador tanto em seu contedo como tambm pelo tratamento

destinado criana e ao adolescente, ou seja, um novo olhar e lugar nos quais as

crianas e os adolescentes so considerados pessoas em condio especial de

desenvolvimento e sujeitos de direitos (SILVA, 2010).

O documento foi lanado com o intuito de discutir e mudar alguns paradigmas

relacionados s crianas e aos adolescentes. Ele substituiu o Cdigo de Menores

institudo pelo Decreto 6.697/1979que entendia a infncia, principalmente das crianas

35

pobres, como perigosa ou em perigo, passando a ser reconhecidas como sujeitos de

direitos (EDUARDO e EGRY, 2009).

Com influncias vindas dessas duas ltimas leis de suma importncia para a

educao da criana e das discusses que levaram a elas, em dezembro de 1996 foi

promulgada a nossa atual Lei de Diretrizes e Bases (LDB) n 9.394. Quando pensamos

em avanos na educao das crianas pequenas nos remetemos tambm a este aporte

legislativo. Atravs dele, foi possvel organizar o atendimento educacional para as

crianas menores de 6anos. Na LDB a educao infantil tem como finalidade o

desenvolvimento integral da criana at 6anos de idade, em seus aspectos fsico,

psicolgico, intelectual e social, complementando a ao da famlia e da sociedade

(ANDRADE, 2010. p. 146).

Um dos pontos centrais da LDB coloca a educao infantil como a primeira

etapa da educao bsica. No entanto, no os aprofundaremos nessa legislao e seus

desdobramentos, pois nosso recorte temporal at 1995, ano anterior mesma.

1.3 Dados brasileiros da educao pr-escolar (1980-1995)

Na dcada de 1980 o estado brasileiro passa por uma srie de mudanas

principalmente no que diz respeito participao popular acerca dos direitos civis, em

especial aos das crianas, pois como afirma Silva (1999, p. 41):

[...] o pas passa por uma srie de modificaes no sentido de reconstruo das identidades de representao da sociedade civil, de

ampliao dos espaos de participao dos setores populares, de

reorientao no plano poltico-administrativo; enfim, o momento de ampliao do espao democrtico. Por outro lado, o perodo em que

h, nacionalmente, a expanso da rede de atendimento s crianas de 0

a 6 anos de idade.

Essas diversas mobilizaes da sociedade civil estavam em consonncia com os

anseios de grupos que discutiam o contexto do pas. Tais movimentos, como movimentos de

bairro e sindicatos nas grandes cidades, lutavam por acesso a creches e pr-escolas.

Profissionais e especialistas da educao mobilizavam-se no sentido de propor novas

diretrizes legais, e prefeituras procuravam corresponder demanda crescente por creches e

pr-escolas, criando e/ou ampliando o atendimento em todo pas (CAMPO, FLLGRAF E

WIGGERS, 2006).

36

Essas aes desencadearam importantes resultados para a educao pr-escolar

brasileira, de modo que o MEC implanta em 1981 uma nova proposta para o

atendimento, conhecida como Programa Nacional de Educao Pr-Escolar. Ele era

destinado criana com idades entre 4 e 6 anos e tinha o compromisso de oferecer

educao oficial e formal para as mesmas, estabelecendo metas de atendimento,

destinao de recursos financeiros do oramento do ministrio, propondo e elaborando

programas estaduais e municipais para a educao pr-escolar.

Nesse documento, o MEC interpreta a educao pr-escolar como parte do sistema

de ensino. Segundo ele: A educao pr-escolar agora considerada como a primeira fase

da educao, pois estabelece a base de todo processo educativo (BRASIL, 1981, p. 5). O

motivo entendido pelo MEC, para essa necessidade educacional, o fato primordial dos

primeiros anos de vida para o desenvolvimento humano e tambm pelas precrias

condies de vida a que a maioria da populao estavam sujeitas, nesse sentido a educao

pr-escolar supriria essas necessidades: A educao pr-escolar relevante, tanto pelo seu

impacto pedaggico quanto pela possibilidade de influenciar as condies de nutrio, de

sade e de higiene das crianas e das famlias (BRASIL, 1981, p. 12). A partir da, o Brasil

expande o atendimento nos estados como mostra a tabela abaixo:

Tabela 1 Expanso pr-escolar: Brasil (1980-1993)

Ano Estimativa

populacional

(0-6)

Total de

matrculas

(A partir de 0)

0 a 3 anos 4 a 6 anos

1980 22.536.396 1.335.317 151.285 441.225

1981 21.994.879 1.543.822 176.158 512.017

1982 22.830.755 1.866.868 189.203 637.867

1983 23.266.679 2.084.109 227.708 684.506

1984 23.334.177 2.481.848 201.769 900.538

1985 23.618.510 2.524.000 272.398 804.477

1986 23.759.776 3.083.997 297.303 1.016.508

1987 23.805.397 3.296.010 322.143 1.098.425

1988 23.407.707 3.375.834 305.450 1.035.690

1989 23.133.083 3.396.074 331.599 1.148.304

1990 - 3.740.512 254.255 981.798

1991 23.391.541 3.628.285 340.326 1.185.456

1992 - 3.058.486 240.081 1.101.109

1993 - 4.086.112 355.784 1.284.813

Fontes: IBGE. Censo Demogrfico 1980 e 1991e MEC/SEEC. Censo Escolar. Real (2004). Elaborao

prpria / Dados no encontrados.

37

Na tabela anterior, podemos perceber a demanda para a pr-escola existente no

perodo delimitado. Alm das matrculas de crianas de 4 a 6 anos de idade nas redes

municipais, estaduais e federais de ensino, ainda contm dados de crianas com mais de

6 anos de idade at 7. Observamos que nos anos 1980, o nmero de matrcula oscila

entre mais e menos, mas o quantitativo pouco muda. J nos anos 1990 esse nmero se

torna expressivo, dando diferena de quase um milho de inscritos na educao pr-

escolar brasileira, em especial nos anos 1992 e 1993. Isso se deve ao fato do

atendimento ter se tornado um direito aps a Constituio Federal. Com isso, recursos

foram destinados s redes de ensino em todo pas, permitindo a expanso e a oferta de

mais vagas.

As matrculas destinadas s crianas de 0 a 3 anos, no foram to priorizadas

quanto a das crianas de 4 a 6. Ao compararmos os dados das duas colunas, percebemos

uma grande diferena entre uma e outra no quantitativo de inscries. Em nenhum

momento elas se aproximam ou se igualam. Isso mostra a prioridade em atender,

primeiramente, crianas em idade prxima da insero na escola regular, no sentido de

preparao para essa etapa. Esses dados no variaram na relao regional de matrculas

para o atendimento. Havia grande demanda e pouca oferta.

Tabela 2 Populao e matrcula no pr-escolar por regies Brasil (1991)

Regio Populao de 0 a 6 Taxa de Atendimento

(%)

Total

Na pr-escola

Norte 2.068.475 194.195 9,39

Nordeste 7.723.331 1.104.339 14,23

Sul 3.251.640 433.095 13,32

Sudeste 8.826.368 1.434.157 16,25

Centro-Oeste 1.521.727 163.746 10,76

Fonte: MEC, 1994.

Nas matriculas por regio, o Sudeste se destaca com o maior nmero e

porcentagem, no s pelo fato de ser a regio mais populosa de todas, mas

historicamente, sabemos que esse local sempre foi sinnimo de progresso e

desenvolvimento, onde se localizam as duas maiores cidades brasileiras, So Paulo e

Rio de Janeiro, sendo esta ltima capital do Brasil durante o perodo imperial e na

Repblica at a mudana para Braslia. Desse modo, a destinao de recursos para a

educao era viabilizada devido a seu histrico em infraestrutura e economia.

38

Em contrapartida, a regio Norte se encontra com o menor nmero de matrculas

e percentual, mesmo tendo uma populao de 0 a 6 de idade superior dos estados do

Centro-Oeste. O fato de grande parte dessas crianas serem ribeirinhas e de origem

indgena, geralmente distante dos centros urbanos, torna o acesso a esse atendimento

dificultado. Porm, ao contrrio da regio Sudeste, no foram destinados recursos para o

desenvolvimento dessa regio como nas demais.

Por ter sido desbravada tardiamente, o histrico de explorao da regio com

produtos originrios da floresta e de sua fauna levou ao atraso nas polticas de

povoamento e desenvolvimento urbano local. Conforme Pereira (2008) esse processo s

foi acontecer de maneira efetiva no decorrer do sculo XX, quando foram implantadas

medidas econmicas e de infraestrutura (estradas, pontes, portos, educao, etc.).

Na regio Centro-Oeste, objeto de interesse aqui, o quantitativo de matrculas e

seu respectivo percentual, fica em penltimo lugar no nosso ranking. Por motivos

parecidos com os descritos anteriormente, os investimentos em povoao foram

tardiamente sendo implantados. A explorao, como o ouro e a erva-mate, fomentou o

desenvolvimento da regio, porm no por muito tempo, tendo em vista o declnio

dessas atividades.

A partir do Programa Marcha para o Oeste15

e da construo de Braslia, os

olhares se voltam novamente para essa regio com a finalidade povoar e desenvolver

economicamente o local. Consequentemente, investimentos foram sendo implantados

em programas de educao e sade (TEIXEIRA E HESPANHOL, 2006). Tais fatos

justificam alguns dados do atendimento educacional para a criana pequena no Brasil.

Cada estado e seus respectivos municpios foram se adequando a fim de

atenderem a demanda por creches e pr-escolas em suas localidades, sendo bem

difundidas nas regies centrais e nas capitais do pas. No entanto, no interior tal

atendimento foi implantado de forma gradual, nem sempre atendendo a todos os

aspectos pedaggicos preconizados pela documentao do MEC, como foi dito

anteriormente. E assim foi sendo construda a histria do atendimento e da educao das

crianas pequenas no pas.

15 Marcha para Oeste foi um programa desenvolvido no Brasil pelo presidente Getlio Vargas no final

da dcada de 1930, com o objetivo de ocupar e desenvolver o interior do pas. Dentro desse programa, foi

criada a Colnia Agrcola Nacional de Dourados em 1943.

39

2 EDUCAO DA INFNCIA EM MATO GROSSO DO SUL E DOURADOS

Nesta seo, apresentaremos brevemente o cenrio de como se desenvolveu a

educao pr-escolar no estado de Mato Grosso do Sul, apontando as principais

instituies que ofereciam esse atendimento, os programas implantados pelo governo do

estado a partir do ano de 1980 e de que modo essas formas de atendimento estiveram

presentes no municpio de Dourados (MS), a partir de uma documentao pesquisada e

produzida nos programas de ps-graduao do Estado.

2.1 Educao infantil no Mato Grosso do Sul: um levantamento da produo

Com o objetivo de conhecer a produo acadmica do estado de Mato Grosso do

Sul (MS) acerca das pesquisas realizadas em instituies de Educao Infantil,

elaboramos um levantamento dessa produo nos Programas de Ps-Graduao em

Educao (PPGEd) do estado. O termo utilizado nesse tpico para designar o

atendimento educacional criana pequena vai de encontro queles termos utilizados

pelas autoras e autores em suas pesquisas, isso tambm garante uma uniformidade na

escrita.

Nesse contexto, percebemos que as pesquisas acadmicas desenvolvidas nos

PPGEd das universidades do estado de Mato Grosso do Sul, no mbito das instituies

de Educao Infantil, apontam para temticas como as prticas pedaggicas, os direitos

das crianas, as polticas pblicas e a profisso docente.

No quadro, a seguir, situamos as pesquisas desenvolvidas nos PPGEd do estado

de Mato Grosso do Sul no perodo de 2006 a 2014.Gostaramos de esclarecer que

optamos por pesquisar apenas nos programas de ps-graduao em educao de Mato

Grosso do Sul. Acreditamos que existem diversas e importantes pesquisas nos demais

programas brasileiros, mas como recorte metodolgico optamos enfocar somente os do

estado.

As dissertaes foram localizadas por meio dos ttulos nos sites das instituies.

Encontramos um total de dez trabalhos de mestrado e nenhum de doutorado, o que j

nos diz muito sobre a pesquisa da rea e a necessidade de continuar nessa temtica. As

Instituies pesquisadas foram as seguintes: PPGEd Universidade Catlica Dom Bosco

40

(UCDB)16

,Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)17

unidade Paranaba

(MS), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)18

e Universidade Federal do

Mato Grosso do Sul (UFMS)19

. Com base nos captulos de anlises, metodologias e

consideraes elaboramos um quadro sobre o mapeamento dos trabalhos encontrados.

Quadro 2 Pesquisas em instituies de atendimento educacional criana pequena dos

PPGEd do MS (2006-2014)

Autor Ttulo Nvel Ano de

defesa

Orientador Instituio

Carla

Graciete

Lima dos

Santos

As relaes

pedaggicas e

sociais no contexto da educao

infantil: o

papel/lugar da

criana na

perspectiva do

professor

Mestrado 2014 Professora Dr

Marta Regina

Brostolin

UCDB

Ana Cristina

Cantero

Dorsa Lima

A atuao do

coordenador

pedaggico no Centro de Educao

Infantil

Mestrado 2014 Professora Dr

Marta Regina

Brostolin

UCDB

Denise

Tomiko

Arakaki

Takemoto

Educao Infantil e Tecnologia: um

olhar para as

concepes e

prticas

pedaggicas dos

professores

Mestrado 2014 Professora Dr Marta Regina

Brostolin

UCDB

Alessandra

Muzzi de

Queiroz

Chaves

Professores Iniciantes da

Educao Infantil:

percursos e

aprendizagens da

docncia

Mestrado 2013 Professora Dr Maria Aparecida

de Souza

Perrelli

UCDB

Rosngela

Sueli Bruno

Ensino da Leitura e

da escrita na

Educao Infantil

em Paranaba/MS

(1989-2006):

prtica de

alfabetizao ou de

Mestrado 2013 Professora Dr

Estela Natalina

Montovani

Bertoletti

UEMS

16 Mestrado em Educao da UCDB criado em 1994, doutorado em 2010, suas dissertaes esto

disponveis online desde 1996. 17 Mestrado em Educao da UEMS, unidade de Paranaba (MS), teve sua primeira turma formada em

2011 e desde ento suas dissertaes esto disponveis online. 18 Mestrado em Educao da UFGD, comeou suas atividades no ano de 2008, fez o doutorado no ano de

2014. Suas dissertaes esto disponveis online desde 2010, turma 2008. 19 Mestrado em Educao da UFMS em Campo Grande (MS) e um plo no campus de Corumb (MS). O

primeiro teve suas dissertaes disponveis online desde 1999, mas foi implantado em 1988. O segundo

teve suas dissertaes disponveis online desde o ano de 2011 e sua implantao em 2009.

41

letramento?

Eliana Maria

Ferreira

Voc parece

criana! Os

espaos de

participao das

crianas nas

prticas educativas

Mestrado 2012 Professora Dr

Magda Sarat

UFGD

Arlei Guedes

de Souza

Arruda

Educao Infantil:

dos direitos legais

prtica cotidiana em

um CEI da rede

pblica municipal de Corumb-MS

Mestrado 2011 Professora Dr

Anamaria

Santana da Silva

UFMS

Michelle

Alves Mller

Proena

Ludicidade na educao Infantil:

relaes da prtica

docente no processo

de aprendizagem da

criana no

municpio de

Coxim-MS

Mestrado 2011 Professora Dr Rosana Carla

Gonalves

Gomes Cintra

UFMS

Georgea

Suppo Prado

Veiga

Formao em

Servio: a

construo de

profissionalidade de

agentes

educacionais de um centro de educao

infantil do

municpio de

Paranaba-MS

Mestrado 2008

Professora Dr

Leny R. M.

Teixeira

UCDB

Leusa Melo

Secchi

Um tempo vivido,

uma prtica

exercida, uma

histria construda:

o sentido do cuidar

e do educar.

Mestrado 2006 Professora Dr

Ordlia

Alves de

Almeida

UFMS

Fonte: Elaborao prpria.

No quadro anterior podemos observar que a produo acadmica que envolve

instituies de educao infantil foi desenvolvida em perodo inferior a dez anos, com

intervalos de 2 a 3 anos a partir da primeira pesquisa (SECCHI, 2006; VEIGA, 2008

respectivamente). Aps 2011 as pesquisas sobre o tema se tornaram mais regulares

(PROENA, 2011; ARRUDA, 2011; FERREIRA, 2012; CHAVES, 2013; BRUNO,

2013; TAKEMOTO, 2014; LIMA, 2014; SANTOS, 2014). Destacamos ainda que o ano

de 2014 apresenta maior incidncia de produes, ou seja, as pesquisas acadmicas

desenvolvidas em instituies de educao infantil tornam-se mais recorrentes.

Entre as temticas mais presentes cito, com maior nmero de pesquisas: Prtica

Pedaggica (LIMA, 2014; TAKEMOTO, 2014; BRUNO, 2013; FERREIRA, 2012;

42

PROENA, 2011; SECCHI, 2006), Direito das Crianas (SANTOS, 2014; ARRUDA,

2011); Polticas Pblicas (VEIGA, 2008) e Profisso Docente (CHAVES, 2013).

Dentre as pesquisas do levantamento apresentado, gostaramos de destacar um

trabalho produzido no programa da UFGD, em Dourados-MS, que juntamente com esta

dissertao pretende compor o quadro da investigao na regio e contribuir com a

histria das instituies da Educao Infantil locais.

Destacaremos este trabalho, pois pretendeu ouvir as crianas e denunciar a

invisibilidade das mesmas no s na sua prpria educao como nas pesquisas da

regio, embora tenhamos trabalhos sobre a infncia e a educao bsica que tambm

pesquisam sujeitos infantis, mas a especificidade da educao infantil do 0 a 6 ainda

restrita.

Portanto, enfatizamos a investigao de Ferreira (2012) que pretendeu dar

visibilidade s crianas pequenas e sua educao a partir do conhecimento dos espaos

de participao das crianas no contexto das prticas educativas em um centro de

educao infantil local, a partir da voz das crianas. A pesquisa mostrou que as crianas

utilizam diversas estratgias que vo desde a construo de espaos em que elas tentam

driblar as situaes que limitam seus modos de ser e fazer, criando espaos de

participao de forma autnoma em aes de resistncia ao tomar parte nas decises.

A pesquisa foi realizada em um centro municipal de educao infantil, na cidade

de Dourados, que atendia 115 crianas distribudas em sala de berrio, maternal I e II,

jardim e pr-escola. Os sujeitos da pesquisa eram crianas, com idades de 3 a 4 anos,

juntamente com a professora e as assistentes pedaggicas. A observao foi realizada

por seis meses, com frequncia semanal de 3 a 4 dias numa vertente de pesquisa com

inspirao etnogrfica. A coleta de dados foi feita atravs de filmagens, fotografias e

dirio de campo, alm de documentos legais, atas de fundao, resolues entre outros.

Ferreira (2012) constatou que as crianas no contexto das prticas educativas

no so participantes e nem coadjuvantes, mas sim meros figurantes sob a autoridade da

professora e das assistentes. No entanto, afirma que as crianas criavam estratgias de

participao. Sobre tais prticas, Ferreira (2012, p. 110) diz:

[...] as crianas so alvos de prticas educativas descomprometidas por no perceberem que elas esto num processo de transformaes. Atos,

falas e atitudes so prescritivas de muitas significaes, pois esto

carregados de valores e refletem nas formas de agir e de pensar das

crianas.

43

Assim, a pergunta inicial da pesquisa, sobre como a participao das crianas

nas prticas educativas no Centro de Educao Infantil Municipal (CEIM), foi

observada e respondida com as seguintes consideraes: a criana ao manusear e

explorar os materiais de diversas formas e possibilidades coloca em prtica sua

imaginao, criatividade e autonomia o que permite a criao de novos brinquedos pelas

suas mos permitindo que estas tomem a parte de seu processo educativo, caso seja

permitido pela comunidade e os adultos que a atendem.

Este breve levantamento aponta que