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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL DOUTORADO ROSA MARIA CASTILHOS FERNANDES EDUCAÇÃO PERMANENTE: UMA DIMENSÃO FORMATIVA NO SERVIÇO SOCIAL PORTO ALEGRE SETEMBRO DE 2008.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

DOUTORADO

ROSA MARIA CASTILHOS FERNANDES

EDUCAÇÃO PERMANENTE: UMA DIMENSÃO FORMATIVA NO

SERVIÇO SOCIAL

PORTO ALEGRE

SETEMBRO DE 2008.

ROSA MARIA CASTILHOS FERNANDES

EDUCAÇÃO PERMANENTE: UMA DIMENSÃO FORMATIVA NO

SERVIÇO SOCIAL

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, da Faculdade de Serviço Social da PUCRS, para obtenção do título de DOUTORA EM SERVIÇO SOCIAL.

Orientadora: Profª Drª Jussara Maria Rosa Mendes

PORTO ALEGRE

SETEMBRO DE 2008.

FICHA CATALOGRÁFICA

Bibliotecária responsável: Cinara Ferreira, CRB-10/1824.

F363e Fernandes, Rosa Maria Castilhos Educação permanente: uma dimensão formativa no serviço social /

Rosa Maria Castilhos Fernandes. - 2008. 199f.

Orientadora: Jussara Maria Rosa Mendes. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Serviço Social, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, 2008.

1. Serviço social. 2. Formação profissional. 3. Saúde pública. I - Rosa Maria Castilhos Fernandes. II - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Serviço Social. III – Título.

CDD 361.007

ROSA MARIA CASTILHOS FERNANDES

EDUCAÇÃO PERMANENTE:

UMA DIMENSÃO FORMATIVA NO SERVIÇO SOCIAL

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, da Faculdade de Serviço Social da PUCRS, como requisito parcial para a obtenção do título de DOUTORA EM SERVIÇO SOCIAL.

Aprovada em ___ de ________________ de 2008.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________ Profª Drª Jussara Maria Rosa Mendes

(Orientadora - PUCRS)

__________________________________________ Prof(a). Drª Beatriz Aguinski

__________________________________ Prof(a). Dr(a). Maria Lúcia Martinelli

___________________________________________ Prof(a). Drª Naira Franzói

Aos assistentes sociais, os ocultos e os descobertos, em especial: Fátima, Milene, Marla, Márcia B., Miriam, Liliane, Lúcia, Vera, Lourenço, Cleonice, Karen, Greice, Tatiane, Cristiane e Márcia que tornam possível esta história e que fazem a diferença na consolidação da humanização das relações e da justiça social.

AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS

Como medir palavras para agradecer, se nas trilhas percorridas durante a realização desta pesquisa cruzamos com pessoas tão especiais, umas que não faziam parte da minha vida, outras razão do meu viver. De qualquer maneira, eis os agradecimentos:

À minha mãe, Maria, pela fonte de luz que é, iluminando as trilhas que percorri e que compreendeu que só me tornei professora, porque sou assistente social.

Ao meu pai, Gentil (in memoriam) que mesmo sem saber, me ensinou o que é o amor, pois do seu jeito não se cansou de dizer aos filhos o quanto os amava.

Ao João que soube compreender meus sonhos e pelo que pude contar com seu apoio e carinho. A Marina, meu melhor feito. Pelo colo que soube me dar em horas difíceis e o amor que transmite.

Aos meus familiares que brindaram comigo momentos e conquistas desse processo. Meus irmãos Ricardo, Valter e Mauro e suas famílias; em especial à minha irmã Rosana, pela cumplicidade e afeto.

Aos amigos da Psicose Vermelha pelas horas de lazer, a parceria, pela injeção de ânimo e a certeza de tê-los por perto: Siruí e Joca, Zé Flávio e Esther.

Aos parceiros de reflexões e de construções de estratégias para o embate cotidiano, pela diferença que fazem na minha vida e, fundamentalmente, na condução do trabalho profissional a Ana Lúcia Maciel e a Mª Graça Türck. Aos colegas de encontros e desencontros da labuta profissional a Marla Kuhn, a Miriam Dias, a Regina Martins e ao Francisco Kern .

Aos colegas do Curso de Serviço Social da ULBRA espaço privilegiado da prática da docência, em especial, a Ivone Rheiheimer pela convicção da importância desse momento e o incentivo permanente. Aos tantos alunos, que já passaram por mim, por me colocarem em movimento na busca do amadurecimento intelectual, da oportunidade de me tornar professora, pelos debates e avaliações.

À orientadora dessa tese Drª Jussara Maria Rosa Mendes, que tive a honra de conhecer e conviver nessa trajetória, que enxergou potenciais e valorizou cada palavra, cada gesto, cada idéia, cada passo e com sua contribuição intelectual, sonhou comigo a realização desta pesquisa.

À Drª Naira Franzói, por ter me conduzido com sabedoria ao mundo literário da educação, me permitindo descobrir, ao me ter como aluna ouvinte, “muito falante”, nas disciplinas do Programa de Pós- Graduação da Faculdade de Educação da UFRGS.

Ao Professor Dr. José Alberto Correia, que aceitou o desafio de conduzir a minha orientação no estágio de doutorado na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação na Universidade do Porto, pois a cada pergunta feita, me alcançava várias obras para que, ao devorá-las, encontrasse as respostas para tantas indagações e me preparasse para os debates que tivemos.

À CAPES pela oportunidade ao conceder a bolsa de Doutorado para cursar o Programa de Pós Graduação em Serviço Social na PUCRS e pela bolsa de estágio sanduíche de doutorado no exterior, demonstrando que o direito e acesso a educação, pode ser uma realidade, possível, nesse país.

Ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUCRS, referência no campo da formação profissional, pela oportunidade de amadurecimento intelectual.

E como não poderia deixar de citar um agradecimento especial, aos protagonistas dessa investigação, os assistentes sociais, que ao narrarem suas experiências de educação permanente dão novos sentidos as suas vidas e a profissão, impregnando de sentido essa tese de doutorado.

A todos, meus agradecimentos.

“Para mim o utópico não é o irrealizável, a

utopia não é o idealismo é a dialetização dos

atos de denunciar e anunciar, o ato de

denunciar a estrutura desumanizante e de

anunciar a estrutura humanizante. Por essa

razão a utopia é também um compromisso

histórico.”

(Paulo Freire)

RESUMO

A pesquisa tem como referencial epistemológico o método dialético crítico

de investigação e caracteriza-se como uma pesquisa do tipo qualitativa. Destaca-se

entre as categorias do método, a totalidade, a particularidade, a contradição e a

historicidade. Como categorias explicativas da realidade privilegia-se: educação

permanente, educação e formação, construção de saberes e processo de trabalho,

destacando-se a questão social como uma categoria que emerge dessa última.

Propõe-se responder a seguinte questão: Como os Assistentes Sociais do município

de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que atuam no campo da saúde, vêm

vivenciando experiências de educação permanente nos seus processos de trabalho?

As trilhas metodológicas constituem-se: na aproximação do objeto de investigação,

na revisão bibliográfica sobre o tema, na aplicação de questionário e na realização

do grupo focal com os Assistentes Sociais sujeitos dessa investigação. Assim,

durante a investigação, a cada relato de uma situação vivenciada de educação

permanente, de reflexão critica sobre o processo de trabalho, os assistentes sociais

traziam suas percepções sobre as possibilidades e as dificuldades existentes, as

estratégias, as habilidades e as atitudes necessárias aos profissionais, bem como os

espaços compartilhados, o trabalho interdisciplinar, a relação com os usuários, as

necessidades em saúde, as demandas do serviço social e da saúde pública. Enfim,

pode-se apreender o como esses profissionais desenvolvem educação permanente

nos processos de trabalho na saúde. A tese defendida nesta pesquisa é de que a

educação permanente, sendo a reflexão crítica sobre o processo de trabalho, se

constitui em uma dimensão formativa vivenciada nas situações de trabalho dos

assistentes sociais, que se dá através da problematização coletiva das demandas

que se apresentam, do desejo político e ético-profissional, portanto, uma estratégia

de formação profissional e de possibilidade de mudança e superação das práticas

organizacionais, para consolidação de um projeto ético-político comprometido com a

defesa intransigente dos direitos humanos, da justiça, da democracia e da

emancipação da cidadania.

ABSTRACT

This survey has the dialectical critical method of investigation as

epistemological referential and is characterized as a qualitative research. Among

method's categories, it is highlighted aspects as totality, particularity, contradiction

and historicity. As explicative categories of reality, it is privileged the following ones:

permanent education, education and formation, construction of knowledge and work

process, which have the social question as a category. The intentions of this survey

are to give a response to the following question: How Social Workers from Porto

Alegre, Rio Grande do Sul, who work in health sector, have been experiencing

permanent education on their work process? Methodological trails are composed by

the approximation of the researched object, bibliography revision on the theme,

application of questionnaire and focus groups with Social Workers. Along the

research, from each permanent education experience reported, Social Workers have

brought to discussion their perceptions about existing possibilities and difficulties,

strategies, skills, and attitudes necessaries to these professionals, as well as shared

spaces, interdisciplinary work, relationship with users , needs in health, social service

and public health demands. This way, there was a possibility to discover how these

professionals develop permanent education in their work processes on health. The

defended idea here is that permanent education, as a critical reflection of work

process, is formed in a formative dimension experienced in social workers situations

faced at work, which comes from the collective problematization of the demands, the

ethical, professional and political desires. Therefore, a strategy of professional

formation, possibilities of changes and organizational practices overshoot to

consolidate an ethical and political project committed with the intransigent defense of

human rights, justice, democracy and emancipation of citizenship.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela 1: Concepção de Educação Permanente da Declaração da Conferência Geral de Nairobi, em 1976.....................................................................

047

Gráfico 1: Distribuição do número de profissionais ativos da 10ª Região ............. 109

Gráfico 2: Localização dos Assistentes Sociais na rede de Serviços de Saúde – Porto Alegre...........................................................................................

110

Quadro 1: Indicadores de Educação Permanente nos Processos de Trabalho dos Assistentes Sociais.........................................................................

112

Gráfico 3: Sobre o espaço sócio-ocupacional na área da saúde........................... 113

Gráfico 4: Graduação em Serviço Social - Instituição de Ensino........................... 114

Gráfico 5: Possibilidades de educação permanente.............................................. 118

Gráfico 6: Espaços compartilhados, pesquisas e socialização de conhecimentos 119

Gráfico 7: Investimento, indicadores e controle social........................................... 120

Gráfico 8: Supervisão, construção de conhecimentos, atendimento das necessidades.........................................................................................

121

Gráfico 9: Dificuldades, Aquisição de conhecimentos e habilidades, Problematização....................................................................................

122

Quadro 2: Roteiro para o Grupo Focal................................................................... 126

Quadro 3: Categorias Teóricas e Emergentes....................................................... 131

Quadro 4: Concepção de Educação Permanente no Serviço Social: uma construção coletiva ...............................................................................

172

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 011 2 TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS, EDUCAÇÃO E TRABALHO ............ 017 2.1 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E A FORMAÇÃO ................................... 022 2.2 A INTERLOCUÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO E O TRABALHO....................... 033 2.3 (RE) VALORIZAÇÃO DOS IDEAIS DA EDUCAÇÃO PERMANENTE............ 043 2.3.1 2.3.2

Aspectos Históricos e Conceituais.................................................................. A Educação Permanente na Agenda da Saúde no Brasil...............................

044 052

3 REFLEXÕES SOBRE AS DIMENSÕES DO PROCESSO DE TRABALHO.. 057 3.1 UMA CATEGORIA EM ANÁLISE: PROCESSO DE TRABALHO ................... 058 3.2 A QUESTÃO SOCIAL EM PAUTA ................................................................. 063 3.3 A DINÂMICA DO PROCESSO DE TRABALHO PROFISSIONAL .................. 076 3.4 ENTRE O TRABALHO PRESCRITO E O TRABALHO REAL: A

CONSTRUÇÂO DE SABERES ...........................................................................

087

4 AS TRILHAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA ........................................ 095 4.1 A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO ................................... 097 4.1.1 Objetivos e questões norteadoras .................................................................. 100 4.2 EM BUSCA DO ESTADO DA ARTE .............................................................. 101 4.3 APROXIMAÇÕES EMPÍRICAS ...................................................................... 108 4.4 A INTENÇÃO NA ESCOLHA DO INSTRUMENTO: o grupo focal.................. 123 5 NARRATIVAS DOS ASSISTENTES SOCIAIS: AS EXPERIÊNCIAS DE

EDUCAÇÃO PERMANENTE..........................................................................

130 5.1 DESEJO: UM PRINCÍPIO PARA MUDANÇA.................................................. 132 5.2 A ESCUTA DA DEMANDA: A GERAÇÃO DE NECESSIDADES

FORMADORAS...............................................................................................

134 5.3 OS DETERMINANTES DA DINÂMICA ORGANIZACIONAL......................... 141 5.4 A PARTILHA DOS SABERES: EM RELAÇÃO................................................ 151 5.5 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA: A PROBLEMATIZAÇÃO......................... 156 5.6 A PRESENÇA DA DIMENSÃO ÉTICO POLÍTICA DO SERVIÇO SOCIAL:

UMA REFERÊNCIA IDENTITÁRIA.................................................................

162 5.7 O DESENHO DE UMA CONCEPÇÃO: UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA..... 168 6 CONCLUSÃO.................................................................................................. 174 REFERÊNCIAS............................................................................................... 184 APÊNDICES..................................................................................................... 193

11

1 INTRODUÇÃO

O trem que chega é o mesmo trem da partida, a hora do encontro é também despedida, na plataforma desta estação é a vida deste meu lugar (Milton Nascimento).

Aprendemos com a própria vida, é o que nos ensinou Paulo Freire. Vida que

se manifesta por meio de quem somos, de uma identidade, de uma trajetória, de um

curriculum vitae do qual fazem parte família, religião, amor, comunidade, amigos,

partido político, sindicato, movimento, trabalho, convívio com a natureza, enfim, os

vínculos mais profundos que são pilares de uma história de vida (GADOTTII, 2004).

Chegamos, nesse momento, carregados de uma história impregnada de

sentidos, de interrogações, de uma trajetória profissional e de um conhecimento que

tem sido adquirido ao longo de uma formação. É nesse mesmo trem de chegada que

vamos partir, pois, como nos diz a música de Milton Nascimento, citada em epígrafe

para introduzir o presente trabalho, “a hora de chegada é também a hora da partida”.

Parte-se para a realização de uma pesquisa com desejo de refletir, lançando, assim,

um novo jeito de refletir sobre o mundo: um modo de pensar que estimule a

consciência critica, que seja indagador, cientifico e que possa, então, por meio de

um trabalho de descobertas, desvendar aquilo que está latente, e ao mesmo tempo

oculto, no objeto de investigação escolhido.

Se o sentido da educação está naquilo que aprendemos com a própria vida

(FREIRE, 2003) e dessa, faz parte o trabalho, então, nesse momento, tem-se como

desafio desvendar o processo educativo que existe na prática profissional da

profissão que um dia se escolheu: a de ser Assistente Social. As oportunidades

experimentadas de reflexões teórico-práticas no exercício da profissão de Assistente

Social, como as de aprendizagem significativa vivenciadas junto a diferentes

espaços sócio-ocupacionais, em especial, a área da saúde, incluindo-se, também, a

prática da docência na formação de Assistentes Sociais, têm permitido à

pesquisadora a imersão em processos de educação permanente. Tais experiências

fazem sentido na vida profissional ao indagarmos e problematizarmos a realidade

social que se manifesta no trabalho, o que permite construir um novo conhecimento

a partir de um diálogo com aquilo que já se sabia antes. Nessas situações de

aprendizagem no trabalho, por via experiencial, que se encontram muitas das

12

respostas para as perguntas feitas durante o desenvolvimento de uma prática

profissional.

O ato de investigar e de indagar as contradições da realidade social é

desafiador a cada dia. Não são poucas as situações que nos deixam perplexos e, ao

mesmo tempo, nos inserem em um permanente movimento de busca, em que não

apenas nos damos conta das situações dessa complexa realidade, como nos

mobilizamos para nela intervir.

As demarcações no Brasil, nas últimas décadas do século XX, sobretudo no

início dos anos 1970 (ANTUNES, 2003), caracterizadas pela combinação da

reestruturação produtiva (novo padrão de acumulação flexível, deflagrado pelo

capital, como um projeto de dominação societal), com as políticas neoliberais e com

a aceleração do processo de globalização e os impactos econômicos, políticos e

sociais daí decorrentes, acirraram o problema do desemprego e do emprego

precário. Todo esse ritmo de inovações no mundo contemporâneo altera as formas

de gestão da força de trabalho, requerendo um envolvimento dos trabalhadores na

busca de metas de qualidade e de produtividade em benefício do capital. Alteram-

se, também, a demanda da mão-de-obra, os padrões de qualificação, as exigências

para formação profissional e, fundamentalmente, as requisições para intervenções

na realidade.

A reprodução das diversidades e desigualdades sociais, econômicas, políticas

e culturais, formam “um vasto e complexo caleidoscópio de nações, nacionalidades,

etnias, minorias, grupos e classes sociais” (IANNI, 2005, p.127) que configuram o

cenário mundial na atualidade. Cenário este, marcado pelos processos de

concentração e centralização do capital que adquirem maior força e alcance,

impactando não somente as formas de trabalhar, mas o modo de pensar e ser da

humanidade (IANNI, 2005).

Dessa forma, as dinâmicas das mudanças que se sucederam, mesmo em

sociedades de desenvolvimento industrial avançado, podem ser visualizadas sob

diferentes prismas e com efeitos impactantes nas condições de vida de segmentos

expressivos da sociedade, tais como: ampliação do desemprego, redução dos

empregos estáveis nas empresas, terceirização, precarização das relações de

13

trabalho, a permanência do trabalho informal, elevados níveis de exigência de

qualificação técnica, acentuada redução nos níveis de sindicalização, violação dos

direitos humanos, desmonte dos sistemas de proteção social, naturalização da

desigualdade social, e, conseqüentemente, o surgimento de uma nova pobreza.

Nessas reflexões introdutórias é mister referir que, diante das seqüelas

provocadas pela questão social na sociedade contemporânea, não se pode negar a

urgência em repensar permanentemente os processos de trabalho em que os

assistentes sociais estão inseridos. Se as demarcações da atualidade vêm

imprimindo diferentes formas de manifestações e de expressões vivenciadas pela

população brasileira, em especial a classe trabalhadora, é exatamente esse cenário

marcado por mudanças de toda ordem social, econômica e política que nos convoca

para a construção de estratégias de enfrentamento da questão social.

Uma dessas estratégias está na possibilidade de considerar a Educação

Permanente, que é um processo de aprendizagem que se dá por meio da reflexão

crítica sobre o processo de trabalho, como uma dimensão formativa no âmbito do

Serviço Social, pois as situações de trabalho vivenciadas pelos assistentes sociais

podem se constituir em experiências de aprendizagem significativas que incidem na

qualidade dos serviços prestados, desde que possam atender às necessidades

sociais da população usuária. Cabe, assim, aos profissionais, o compromisso de

interrogar a lógica desse processo de exclusão e problematizar os seus

rebatimentos na vida cotidiana dos sujeitos, considerando-se cada história de vida e

a forma como esta se expressa como demanda nos espaços sócio-ocupacionais.

A partir desse quadro de transformações, desenhado em parte aqui, e as

demandas que dele advêm, que marcam o início deste século XXI, ganha-se fôlego

para repensar a articulação entre a educação e o trabalho. Ancorando-se nesse foco

temático, busca-se trilhar os caminhos dessa investigação, refletindo sobre os

saberes necessários aos assistentes sociais, sobre as experiências educativas

vivenciadas pelos mesmos e sobre o quanto os espaços sócio-ocupacionais podem

se constituir em um lócus de produção de conhecimentos, que deve ser objeto de

estudo no âmbito do Serviço Social.

14

Estudar e debruçar-se continuamente sobre os problemas de nossa época é

reconhecer a contraditória, complexa e dinâmica realidade com que o assistente

social interage em seu cotidiano profissional. Mesmo que se tenha clareza dos

objetivos profissionais e do lugar ocupado por uma prática profissional, produto e

protagonista das transformações necessárias para o enfrentamento da questão

social, propõe-se investir na educação permanente enquanto uma estratégia de

formação profissional e de possibilidade real de superação de velhas práticas para a

consolidação do projeto ético-político do Serviço Social.

Trazer a dimensão ético-política nessa investigação, significa tratá-la como

um “saber ontológico” em que se conserva a perspectiva totalizante e crítica tão

necessária na desmistificação das formas reificadas de ser e pensar (BARROCO,

2003, p.56) do agir profissional. Os princípios do código de ética profissional, além

de ser guia, são um instrumento crítico que contribui para a não-reprodução da

alienação no exercício da profissão de assistente social. Entre os princípios

destacam-se: o reconhecimento da liberdade como valor ético central, a defesa

intransigente dos direitos humanos, a consolidação da cidadania e da democracia, o

posicionamento em favor da eqüidade, da justiça social, a eliminação de todas as

formas de preconceito e o compromisso com a qualidade dos serviços prestados na

articulação com outros profissionais e trabalhadores.

Nessa caminhada investigativa, percorre-se trilhas nunca antes percorridas,

buscando a inserção nas brechas abertas pela ciência para o “diálogo do

conhecimento com a realidade social” (KHOURY, 1995, p.130). Entretanto, para que

isso acontecesse, constroem-se as trilhas da investigação, a partir do diálogo com

os sujeitos envolvidos: os Assistentes Sociais.

Por meio desse diálogo tem-se, como objetivo geral, analisar como os

assistentes sociais do município de Porto Alegre, que atuam no campo da saúde,

vêm vivenciando experiências de educação permanente nos processos de trabalho

em que estão inseridos. Para tanto, propõe-se desenvolver a pesquisa buscando

responder a questão central: como os assistentes sociais do campo da saúde vêm

vivenciando experiências de educação permanente nos seus processos de trabalho?

Ancorados nesse objeto de estudo, um conjunto de questões norteiam a

investigação, tais como: de que maneira os assistentes sociais vivenciam processos

15

de formação profissional para atender as exigências postas pela questão social; qual

o significado atribuído à necessidade da educação permanente e qual a concepção

existente sobre a mesma; que dificuldades, obstáculos e possibilidades existem para

desencadear processos de educação permanente; que tipo de capacitação

profissional possibilita a compreensão da realidade e a construção de uma ação

profissional comprometida com o projeto ético-político do Serviço Social.

Além dessa introdução, nesse trabalho de pesquisa constam quatro

capítulos. No Capítulo 2, tem-se como objetivo percorrer sobre as configurações

contemporâneas caracterizadas pelas transformações societárias de toda ordem –

econômica, social, política, cultural –, trazendo alguns elementos que ilustram a

forma como estas impactam, não somente a vida dos trabalhadores, mas, também,

os sistemas de educação e formação na sociedade. Tarefa nada simples, pois por

mais que se tenha a intenção de percorrer sobre as configurações atuais, algo fica

de fora e, portanto, não se teve a pretensão de dar conta dessa totalidade complexa.

Procura-se tratar de alguns dos aspectos de tais transformações, destacando os

processos de reestruturação produtiva e a interface com as concepções de formação

e de trabalho. Também se faz uma reflexão sobre a relação existente entre

educação, formação e trabalho, seguida de uma revisão da literatura nas ciências da

educação, que dá conta da discussão histórica e conceitual da educação

permanente. Com esses traçados, vai-se desenhando a compreensão e os

pressupostos teóricos que fundamentam a investigação.

O capítulo 3 inicia com a revisão bibliográfica sobre a categoria processo de

trabalho e a concepção da categoria questão social, em que se procura evidenciar a

articulação desses conteúdos e a profundidade que os mesmos denotam. Aborda-

se, também, a dinâmica dos elementos constitutivos do processo de trabalho dos

assistentes sociais: o objeto, os meios e o produto, trazendo nessa parte, o campo

da saúde como um dos espaços privilegiados de atuação. Seguindo a lógica

reflexiva sobre as principais categorias que subsidiam essa investigação, discorre-se

a respeito do trabalho prescrito e o do trabalho real, fazendo uma articulação com o

trabalho dos assistentes sociais e a construção de saberes nos seus contextos

laborais.

16

No capítulo 4 são demonstradas as trilhas metodológicas percorridas nessa

trajetória de investigação e dedica-se, também, à análise, ainda que sucintamente,

daquilo que pode ser captado a partir das informações do questionário aplicado por

meio de recursos tecnológicos, que fez parte da aproximação dos assistentes

sociais. Mais do que uma descrição formalizada do método, dos instrumentos e do

processo operacional em si, constam peculiaridades da investigação, sobretudo

quanto às escolhas feitas, das aproximações daquilo que é empírico, dos sujeitos

implicados na pesquisa, dos critérios utilizados, das subjetividades da pesquisadora,

dos achados iniciais. Enfim, constam as pegadas deixadas nas trilhas percorridas.

O capítulo 5 desvela a percepção dos assistentes sociais sobre o objeto

estudado: o como os profissionais vêm desenvolvendo processos de educação

permanente no trabalho. Essas experiências que traduzem o como, são apreendidas

a partir de suas narrativas desveladas durante a realização dos grupos focais. As

narrativas, as experiências profissionais vivenciadas nos processos de trabalho, as

concepções construídas coletivamente sobre educação permanente no Serviço

Social, o novo, as categorias que emergem, os desejos, o projeto ético-político, as

descobertas do pesquisador e também dos pesquisados, enriquecem esse momento

da pesquisa.

Por último, chega-se na estação da conclusão da tese e, nessa, procura-se

refletir sobre as trilhas percorridas e os achados da pesquisa, respondendo, a partir

dos saberes adquiridos nesse processo, as questões e objetivos explicitados nessa

caminhada investigativa. Contudo, consideramos que a pesquisa aqui apresentada é

o início de um novo percurso, não somente para a pesquisadora, como para

aqueles sujeitos que desejarem, a partir das contribuições explicitadas nesse

trabalho, percorrerem outras trilhas na busca da formação profissional através das

experiências de educação permanente.

17

2 TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS, EDUCAÇÃO E TRABALHO

O trabalho é a prova pela qual se torna mel o néctar ainda impuro do conhecimento; é o esforço de assimilação da experiência ao processo vital em toda a sua complexidade, e não só material, moral, social, mas também intelectual. É o segundo ato da peça cujo primeiro ato a escola montou; é como que o acabamento de uma construção sutil (FREINET, 1998, p.295).

Sabe-se que o mundo contemporâneo vem nos desafiando a cada

manifestação histórica e o quanto é preciso estar atento aos diferentes movimentos

da realidade social, captando de que maneira esses acontecimentos vêm

impactando a vida cotidiana dos sujeitos, o que pressupõe, tendo como princípio a

concepção dialética, a análise e a problematização da conjuntura atual. Vivemos,

nesse começo do século XXI, em um mundo repleto de situações preocupantes,

inundado de mudanças, marcado por grandes conflitos, por tensões, por

oportunidades desiguais, pelo desemprego estrutural, pelo empobrecimento da

população e, também, pelos desastres do ambiente natural provocados pela ação

humana no último século.

As mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho vêm alterando as

formas de produção, as relações de trabalho e as exigências para a formação dos

trabalhadores. Já não se pode mais conceber que a prática educativa fique alheia

aos processos educativos que passam pela produção material da existência

humana. “O trabalho moderno vem constituindo trabalhadores novos em

consciência, com novo saber, nova capacidade de entender-se e de entender a

realidade, as leis e a lógica que governa a natureza e a sociedade.” (ARROYO,

1991, p.163).

O foco atribuído, neste estudo, ao vínculo entre trabalho e educação, está na

perspectiva da formação humana ocorrer em situações de trabalho. Esse

entendimento supera a teoria tradicional da educação que excluía o trabalho como

educativo e “centrava a educação em processos e tempos de inculcação que refletia

a realidade social e o pensamento das elites sobre essa realidade polarizada”

(ARROYO, 1991, p.167). Compreende-se que estes vínculos entre trabalho-

educação deixaram de ser preocupação de industrialistas, de educadores de

escolas profissionalizantes ou somente de educadores de rua, e passaram a ser

incorporados na teoria da educação, enquanto teoria da formação humana

18

(ARROYO, 1991), a partir da qual se desenvolverá a reflexão neste estudo sobre a

interlocução entre educação e trabalho.

Entretanto, é neste cenário de transformações societárias que se evidencia a

existência de um paradoxo caracterizado pela existência, a um só tempo, de

situações de um crescimento contínuo do nível de formação, contrapondo-se a um

agravamento do desemprego estrutural, da falta de oportunidades para a população,

citando, como exemplo, os jovens, que experimentam oportunidades de formação

técnica e apresentam dificuldades de inserirem-se no mercado de trabalho.

Mesmo com todos esses avanços, desencadeados pela chamada era do

conhecimento, que demarca as novas exigências para o trabalhador na

contemporaneidade, cabe a indagação sobre a maneira como vem se dando esse

aprendizado, sobretudo quanto aos princípios educativos que sustentam a formação

humana, em especial a da classe que vive do trabalho. “As inovações sociais,

institucionais, tecnológicas, organizacionais, econômicas e políticas, a partir das

quais a informação e o conhecimento passaram a desempenhar um novo e

estratégico papel” (LASTRES & ALBAGLI, 1999,p.8) são pertinentes a essa era do

conhecimento1.

A questão da educação e a do trabalho, durante muito tempo, esteve

desligada do pensamento filosófico. “A questão da educação era central, enquanto a

do trabalho era marginal” (CHARLOT, 2004, p.9). Versam, na história da

1Encontra-se no livro Informação e Globalização na Era do Conhecimento, artigos que tratam dos desafios diante essas inovações reconhecidas como da era do conhecimento. “Destacam-se em especial as dimensões social, política, ambiental e ético-valorativa. O desafio maior está em resgatá-las . Até porque mostra-se crescentemente óbvio que ,caso não sejam adequadamente incorporadas, estas podem vir a constituir-se em elementos de forte instabilidade e de limitação à expansão e à continuidade do próprio padrão ou paradigma financeiro-técnico-produtivo atual.”( LASTRES & ALBAGLI,1999, p.24). Diante tais argumentos aponta-se como visão alternativa contemplar: “a percepção do trabalho, não somente como fator de produção (em que o trabalhador é visto como mero sinônimo de capital humano) mas como um atributo a ser valorizado e cultivado ao longo da vida; o incentivo ao aprendizado contínuo, não apenas como mero instrumento de competitividade, mas também enquanto aprendizado social, capacitando os indivíduos a se valerem das mudanças técnicas em prol do pleno exercício da cidadania e em favor de uma convivência solidária com os demais e com a natureza”( LASTRES & ALBAGLI,1999, p.25).

19

humanidade, diferentes formulações de filósofos2 e de cientistas sociais indagando a

relação entre a educação e o trabalho, tanto no campo das teorias da educação,

como das teorias sociais. A concepção mais antiga sobre a prática educativa associa

a atividade de um educador a uma arte, ou seja, a uma téchne, termo grego

atribuído e traduzido pelas palavras “técnica ou arte”. Platão, ao escrever a respeito

da educação3, refere que “a educação é a arte (téchne) que consiste em fazer a

alma voltar-se de modo mais expedito a si mesmo” (TARDIF, 2002, p.158).

Entretanto, é em Hegel que a questão da educação e do trabalho iniciam sua ligação

mais profunda, o que posteriormente retoma-se como reflexão neste estudo.

Rousseau e Kant inauguram as reflexões da modernidade sobre a educação, como

ato deliberado, com vontade específica. Não se trata de buscar em um ponto externo

as razões para se educar, pois, seguindo as reflexões de Rousseau, sendo a pessoa

o centro do processo, deve-se buscar nela mesma aquilo que a faz querer aprender

(KOWARZIK, 2003).

No inicio do Século XX, Freinet (1998), com seu trabalho de pedagogo e

militante político, contribui, na época, com a afirmação de que “o trabalho é

realmente formador”4 (1998, p.10-X). Para o autor, o trabalho propõe fortes

motivações para aprendizagem, sendo essas aquisições do trabalho úteis na vida

social e profissional. Mesmo citando apenas alguns dos tantos pensadores, que com

suas reflexões contribuíram para a teoria da educação moderna, é possível perceber

que a interlocução da educação e o trabalho na formação humana deixam marcas

2 “O ideal educativo, por exemplo, pode ser encontrado na filosofia de Sócrates, Platão e Aristóteles, preocupados com a unidade da Polis e com seu funcionamento racional. Ele apareceu associado às questões de liberdade, cidadania, direitos humanos e progresso social, na obra de Locke, Durkheim, Hanna Arendt e outros. De Condorcet a Francisco Ferrer, de Montessori a Paulo Freire, de Tolstoi a Illich, a educação foi objeto de experiências originais, de densas análises e de polêmicas proposições”, é o que refere Cattani (1996, p.137). 3 “O problema fundamental de toda a educação (Erziehung) e da formação (Bildung) foi trabalhado por Platão através da sistematização da práxis dialógica de Sócrates e, desde então, permanece como fundamento de toda pedagogia enquanto ciência da prática” (KOWARZIK, 2003, p.70). Ver IN: Dalbosco, Cláudio(org). Filosofia prática e pedagógica. UPF, 2003. 4 Sobre Freinet é importante lembrar que este viveu numa época de grande efervescência sociopolítica, centrada num período ainda marcadamente industrial, entre duas guerras e com revoluções organizadoras de novos padrões de sociedade. É neste contexto que Freinet lidera um movimento, mas não somente de protesto e renovação, mas um movimento que apresentou um conjunto de idéias consistentes que foram capazes de traçar um caminho que se contrapunha a educação tradicional. Freinet, “coabitou também com o irromper de um fluxo enorme de idéias que, embora de grande complexidade, conseguiram trazer ao panorama pedagógico mundial um maior prestígio e uma visão mais otimista da educação, lançando as bases de um movimento que se adjetivará de Educação Nova” (NUNES, 2002, p.58). Sobre Educação Nova sugiro ver em: FRENEIT, Para uma escola do Povo. Lisboa: Editorial presença, 1973. Também em NUNES, Antônio. Freinet: Actualidade pedagógica de uma obra. Porto: Asa Editores, 2002.

20

na história que leva-nos, ainda nos dias de hoje, a questionar a sua relação e

compreender a sua relevância.

A articulação dos conteúdos conceituais de educação e de formação é

essencial para a construção de um processo educativo, pois educação para vida e

formação para o trabalho, são propostas que remetem a densos conteúdos. Todo

sistema educativo pressupõe o desenvolvimento de um projeto de formação

profissional. Isso requer um conjunto de diferentes iniciativas educacionais

desenvolvidas, além ou independentemente da escola regular, que visam promover

a capacidade de trabalho dos indivíduos, no caso, referindo-se à educação de

adultos.

Se recorrermos à acepção corrente, “educação corresponde ao conjunto das

ações no âmbito das instituições escolares, que visam transmitir conhecimentos

gerais e específicos aos alunos” (CATTANI, 1996, p.150). Pode-se dizer que a

formação profissional está imbricada aos sistemas educativos das esferas da escola

e do trabalho, constituindo-se, assim, como “processo de aprendizagem susceptível

de permitir a aquisição de saberes e de saberes-fazer necessários para o exercício

de um ofício ou de uma atividade profissional” (ALALUF, 2005, p.2). Assim,

formação corresponde às diversas iniciativas educacionais, desenvolvidas além ou

independente da escolaridade regular ou formal, que vai distinguir a formação inicial

ou de base, e a formação profissional contínua, que visa promover a capacidade de

trabalho dos indivíduos. (CATTANI, 1996; ALALUF, 2005).

É importante sublinhar, nessas reflexões introdutórias, que a compreensão

das concepções de educação e a formação não são tratadas separadamente nesse

estudo. Inicialmente, contextualiza-se o cenário atual e os seus rebatimentos no

campo da formação profissional. Seguindo, então, para os aspectos que aproximam

a interlocução da educação e do trabalho, emergindo, daí, a valorização possível do

potencial formativo (CANÁRIO, 2003, CORREIA, 1999, 2003) das situações e das

experiências vivenciadas nos processos de trabalho.

A problemática das relações entre o denominado mundo do trabalho e o

mundo da formação nos fazem debruçar sobre os possíveis vínculos existentes,

tanto nos seus aspectos formadores, que é o que nos interessa desvendar nesta

21

pesquisa, quanto nas reconhecidas situações de alienação e de deformação que o

trabalho pode proporcionar ao trabalhador. Portanto, a análise das concepções de

formação e das práticas educativas sugerem uma aproximação com as

transformações no mundo do trabalho.

Para que se possa avançar na análise das relações entre educação,

formação e trabalho é imprescindível, parafraseando Correia (2003), se acrescer de

algumas precauções. A primeira delas diz respeito à abordagem dessa relação, que

não é axiologicamente neutra – embora possa ser instrumentada cientificamente –

não resulta de critérios apenas cognitivos, “mas é sempre ética, cívica e

politicamente estruturada” (CORREIA, 2003, p.16).

O outro fator refere-se à historicidade dos problemas, aos aspectos sócio-

históricos que determinam mudanças em tempos e espaços específicos. Sobre essa

dimensão, cabe salientar que é somente pensando historicamente o trabalho e a

educação que torna-se possível encontrar os vínculos existentes em cada momento

histórico (ARROYO, 1991).

Deve-se considerar, ainda, a dimensão prospectiva, quando se trata dessa

relação, ou seja, a idéia de reabilitarmos nossas análises sobre os fenômenos que

se modificam como “fatos portadores de provir” (CORREIA, 2003, p.16). Com isso,

evidencia-se a necessidade de termos uma certa cautela ao tratar sobre o futuro da

educação, pois, mesmo não sendo este o objetivo aqui, não se pode negar que

vivemos tempos de “expectativas, de perplexidade e da crise de concepções e

paradigmas. É um momento novo e rico de possibilidades” (GADOTTI, 1999, p.1).

A atenção com as precauções aqui explicitadas, embasa a discussão que se

pretende tecer a seguir. Assim, propõe-se, neste capítulo, um trajeto reflexivo em

torno das transformações societárias do final do século XX e do início deste corrente

século XXI, para que se possa discorrer teoricamente sobre as concepções de

educação, de formação e de trabalho, sendo, então, possível, posteriormente, fazer

referência à educação permanente.

22

2.1 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E A FORMAÇÃO

Parte-se da premissa, ao considerarmos o mundo do trabalho, que os

sistemas de formação não podem ser encarados somente como instâncias de

socialização profissional, pois se evidencia, a partir de uma leitura histórica dessa

relação, o papel dos sistemas de formação como instâncias de regulação social

(CORREIA, 2003). Tal argumento sugere que a interface do trabalho e da formação

na história da humanidade, adquiriram três tipos de configurações distintas, que

sustentam nossa discussão nesta parte do estudo.

O primeiro tipo tem como marco a institucionalização da escolaridade

obrigatória, que se desenvolveu entre os finais do século XIX e o início XX, sendo a

preocupação dominante a de assegurar um conformismo ideológico, “bem como o

acesso ao sufrágio universal e o reconhecimento social de novas qualificações

intimamente relacionadas com as novas modalidades de organização do trabalho”

(CORREIA, 2003, p.17). Entretanto, de acordo com algumas correntes do

pensamento educacional, tais modalidades de organização do trabalho da indústria

moderna, do sistema de fábrica da própria Revolução Industrial5, não foram

inicialmente muito entendidas. As dificuldades encontradas referiam-se em aceitar

os vínculos entre produção moderna e formação, não pelas relações sociais

capitalistas então reconhecidas, mas pelo caráter impessoal e massivo do sistema

fabril. O industrialismo exigia um tipo de homem com aptidões que nem a família e

nem a igreja poderiam por si só proporcionar, o que provocará uma revolução na

escala de valores, e, fundamentalmente, a disseminação da escola de massas

(NUNES, 2002).

Essa concepção privilegia os espaços onde são realmente possíveis as

relações primárias de formação, como a família, a comunidade, a igreja, o bairro e a

5 Pode-se dizer que o século XVIII foi portador da última geração de uma velha civilização e o primeiro de uma nova ordem, cuja enunciação será o termo industrialismo, a chamada Revolução Industrial iniciará. A humanidade, bem como, suas estruturas, vivenciavam a transição da vida agrícola para ascensão industrial - em diferentes territórios - com penetrações de acordo com as estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais que o acolheram em cada contexto. Com o chamado fim do Antigo Regime se constituía uma nova forma de viver que no campo educativo teve repercussões de grande significado. “A industrialização força uma outra estrutura educativa, baseada num tipo de organização e numa dimensão social mais alargada que corresponda ás situações que ela própria vai construindo. Assim, o não saber ler, mesmo para operários não especializados, começa a expressar uma estagnação significativa na vida individual e coletiva” (NUNES, 2002, p22).

23

escola, negando o vínculo entre trabalho e formação. “A fábrica moderna, não

organizada com base nessas relações primárias formadoras, é vista como espaço

deformador” (ARROYO, 1991, p.168). Entretanto, essa concepção nega o ser social

e histórico dotado de valores humanizadores que trabalham e transformam a

natureza.

Retomando os pensamentos de Rousseau,6 que revolucionou a pedagogia

numa linha inovadora, atribuindo ao trabalho um papel central na educação,

considerava a indústria uma “atividade estupidamente mecânica”. Para esse

pensador, o trabalho educativo baseava-se numa concepção atrasada de

desenvolvimento das forças produtivas muito aquém da revolução industrial da

época. “Não gosto destes ofícios estúpidos, cujos operários, sem nenhuma

criatividade e reduzidos a autômatos, exercitam suas mãos sempre nos mesmos

trabalhos[...] É uma máquina conduzindo a outra” (ARROYO, 1991, p.168). Voltar à

história do pensamento educacional, ainda que de forma breve, é reconhecer as

dificuldades que este teve de entender a revolução industrial, o sistema de fábricas e

a indústria baseada nas máquinas.

Já no século XX, uma outra configuração refere-se ao período que

compreende o fim da segunda guerra mundial, em 1945, e que se prolonga até o

início dos anos 70, que demarca a explosão das escolas no cenário mundial e a

estruturação da sociedade de consumo. A relação entre formação e trabalho

pautava-se na idéia de que os fluxos de saída das escolas fossem funcionalmente

adaptados aos fluxos de entrada no emprego.

Apesar desta preocupação explicita, a verdade é que o aumento da procura otimista de educação, acompanhado do correspondente aumento dos níveis globais de escolarização, teria sido responsável por um importante aumento do nível de escolarização dos trabalhadores que contrasta com a relativa estabilidade das estruturas do emprego e com as tendências para a desqualificação do trabalho em conseqüência da sua taylorização crescente (CORREIA, 2003, p.18).

É nesse contexto que os sistemas de formação desempenharam um

importante papel de regulação social, pois acabaram contribuindo para que 6 Mesmo já tendo sido citado na introdução deste capítulo, salienta-se que a pedagogia moderna tem como referência Rousseau, que protagoniza o princípio de que aprender e ensinar passam a ser fenômenos não mais explicáveis pela ou a partir da vontade e intervenção divina, por dogmas ou conceitos teológicos. “Essa compreensão da pessoa e da educação implica colocar a criança ou o educando como centro do processo de aprendizagem” (STRECK, 2004, p.27).

24

houvesse uma desarticulação entre os processos de qualificação socialmente

disponíveis e a estruturas dos empregos e exigências das organizações dos postos

de trabalho, desarticulação essa, diga-se, articulada (CORREIA, 2003).

Trazendo a particularidade do Estado Brasileiro nos anos 1960 e 1970, ao se

considerar o processo de industrialização da época, a política nacional de educação

priorizava a formação de especialistas no ensino médio que fossem capazes de

dominar a utilização de maquinarias ou dirigir processos de produção, o que

caracterizava a profissionalização compulsória7. Essa, então, era uma estratégia de

regulação que visava diminuir a pressão emergente da demanda sobre o ensino

brasileiro. A formação do jovem, nesse contexto, seria um instrumento de

conformação do futuro profissional ao mundo do trabalho, pois disciplina,

obediência, respeito às regras estabelecidas, são condições de inclusão social, via

profissionalização (Ministério da Educação e do Desporto-Lei de Diretrizes e Base,

2007).

No terceiro momento, marcado pelo período pós-fordismo, buscou-se uma

nova forma de regulação, tendo com base a flexibilização da produção, que causou

um impacto direto nos processos de trabalho e na vida dos trabalhadores. A partir da

década de 1980, já num contexto de globalização, de acirramento da

competitividade e de alterações do mercado, pode-se dizer que as transformações

que ocorreram despertaram uma série de preocupações nos cientistas sociais, no

sentido de desvelar as características desse processo.8 É, sobretudo, a respeito das

mudanças que se sucederam a partir dos anos 1980 até os dias de hoje, que nos

interessa aprofundar, considerando o processo em curso, de transformação

tecnológica e organizacional do trabalho, com suas implicações para a denominada

qualificação do trabalhador.

Para a compreensão do processo instaurado de reestruturação produtiva, é

importante citar que esse surge como resposta a uma crise estrutural do capital, que

7 Sugiro ver Lei de diretrizes e Bases de Educação Nacional e a Reforma do Ensino Médio - que trata dos fatores que orientaram a reformulação curricular do ensino médio e que são expressadas nesta nova Lei nº 9394/96. 8 Uma das características deste processo referiu-se à crise da sociedade do trabalho que foi tratada em diferentes estudos a partir da década de 1980, como em Adeus ao Proletariado, de André Gorz, em Trabalho: categoria sociológica-chave de Clauss Offe. Sugere-se ver em Antunes, Ricardo. O caracol e Sua Concha. Ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. SP: Boitempo. 2005.

25

na década de 70 começa a dar sinais de esgotamento de um modelo de produção

que se estendeu durante todo século XX, denominado de taylorismo e fordismo

(parcelamento, especialização, intensificação do trabalho, produção em série). O

binômio taylorismo-fordismo, tornou-se improdutivo ”tanto por sua excessiva rigidez,

que lhe impunha limitações, como pelo esgotamento de seu regime de acumulação.

As causas dessa crise são encontradas sob diferentes ordens: técnica, política,

social e econômica” (MENDES, 2003, p.26).

Emerge, assim, um novo modelo de acumulação flexível, fundamentado num

padrão de produção organizacional e tecnologicamente avançado, com técnicas de

gestão da força de trabalho, como o trabalho em equipes, em times, das células de

produção, entre outras denominações, todas, de alguma forma, relacionadas às

exigências da fase informacional, com a introdução dos computadores nos

processos produtivos e de serviços (ANTUNES, 2003). Dessa forma, as alterações

no processo produtivo caminhariam rumo à integração do trabalho e à

intelectualização da produção.

É, então, no âmbito das relações de trabalho que se inscreve no discurso

deste período, de cunho econômico e tecnicista, a necessidade de estimular os

processos participativos nos espaços ocupacionais, como forma de manipular e de

envolver o trabalhador naquilo que é essencial às estruturas capitalistas, a

manutenção e “a intensificação das condições de exploração da força de trabalho”

(ANTUNES, 2003, p.53). O eixo norteador é a busca de maior produtividade,

imposta pela concorrência internacional, associando-se aos novos métodos de

produção introduzidos pela tecnologia, a inteligência e conhecimento necessários ao

trabalhador.

Esse novo paradigma, caracterizado pela reestruturação produtiva, exigiria

um novo perfil do trabalhador, que superasse a qualificação unidimensional,

direcionada para as tarefas atomizadas, rotineiras e repetitivas. A intenção era

proporcionar ao trabalhador uma formação mais completa - um trabalhador

polivalente, multi-habilitado, qualificado, competente, portador de maiores

conhecimentos gerais, científicos, tecnológicos, enfim com maior escolaridade – a

fim de torná-lo apto ao domínio de processos cada vez mais sofisticados e

complexos. (ANTUNES, 2003; CATTANI, 1996; HARVEY, 1993). Essas formas de

26

gestão da força de trabalho requerem um envolvimento dos trabalhadores na busca

de metas de qualidade e de produtividade, para disputa no sistema global do capital

e, para isso, a adequação das qualificações dos trabalhadores ao emprego torna-se

uma condição para sua manutenção no mercado de trabalho e/ou inserção no

mesmo. “Trazem à cena, ainda, questionamentos acerca do acesso ao trabalho e do

direito de ter trabalho” (MENDES, 2003, p.44).

Referenciando Gorz, a “qualificação do trabalhador, sua capacidade

profissional, não é algo estático e objetivo” (1996, p. 199). Mesmo parecendo óbvio

tal argumento, há de se reconhecer sua complexidade e sua contradição. A

qualificação profissional é resultado instável e provisório, logo, possível de ser

transformado coletivamente, que vai exigir do trabalhador aquisição de uma nova

técnica em substituição a outra já descartada pelo capital. Entretanto, a qualificação

profissional não deve ser encarada como uma capacidade de adaptar-se à rápida

evolução tecnológica, mas, fundamentalmente, deve-se ter como estratégia “a

transformação da organização do trabalho que os trabalhadores devem impor e não

o reconhecimento formal e a retribuição de capacidades ’potenciais’ que nunca será

permitido desenvolver” (GORZ, 1996, p.199), sobretudo na ótica capitalista.

Para Gorz (1996), as iniciativas de valorização da personalidade do

trabalhador e das suas capacidades tornou-se um meio de atrair mão-de-obra,

envolvê-la, resolver o absenteísmo e prevenir conflitos. É, então, a partir da

implementação de novos modelos de gestão que se introduzem mudanças para

qualificação no trabalho num quadro de subordinação, tanto no aspecto cultural

quanto no aspecto político. A lógica que pressupõe essa mudança é uma mudança

técnica, e de que a formação vai intervir no restabelecimento do equilíbrio

organizacional, assegurando, assim, “uma adaptação técnica e psicológica dos

trabalhadores ao novo contexto, portanto a formação visa tão somente produzir

qualificações ou substituir aquelas que se mostrarem obsoletas” (CORREIA, 2003,

p.23).

Observa-se que as mudanças de ordem tecnológica e estrutural definem

novos perfis para as empresas que desejam se manter competitivas num mercado

infinitamente mais concorrencial, logicamente, decorrente da globalização

econômica e da busca de produtividade com qualidade. Presencia-se, nos dias de

27

hoje, um conjunto de iniciativas no campo da qualificação profissional, como

treinamentos, cursos de capacitação, criação de Universidades Corporativas, enfim,

modelos de desenvolvimento de pessoas que, necessariamente, não partem das

necessidades trazidas pelos trabalhadores, mas, ao contrário, dizem respeito às

necessidades do capital. Há de se reconhecer que muitas dessas iniciativas são

inovadoras, mas estar atento aos modelos de gestão de capacitação profissional é

poder perceber até que ponto os trabalhadores estão implicados como sujeitos

críticos de um processo produtivo que não seja alienante, mas, sim, um ato criativo,

de autonomia, de emancipação e, porque não dizer, de resistência.

Também nesse cenário, é relevante considerar as mudanças que se

sucederam no campo sindical, com relação às políticas de formação, que se

constituíam como um movimento de resistência dos trabalhadores. Mesmo diante a

ditadura militar brasileira na década de 70, os sindicatos foram protagonistas de

experiências de educação profissional, numa perspectiva de aprofundamento de

saber técnico, mas, fundamentalmente, da consciência política e da capacidade de

luta da classe trabalhadora (MANFREDI, 1997).

Entretanto, na transição dos anos 1980 para os anos 1990, o movimento

sindical combativo no Brasil, vai gradativamente abandonando a referência “classista

de formação político-sindical, e a substitui pela qualificação profissional numa

perspectiva de formação dentro do horizonte menor do exercício da cidadania

burguesa” (ARAÚJO, 2006, p.141). Ao mesmo tempo em que se assiste a

fragilização combativa dos sindicatos, a própria luta sindical vai se distanciando da

ruptura com a ordem vigente e retira, aos poucos, de suas atividades formativas,

temáticas fundamentais, como a luta de classes e a crítica radical ao sistema

capitalista (ARAÚJO, 2006, p.142)9. Entretanto, os ideários neoliberais, ao

instituírem movimentos que se contrapõem aos coletivos, estimulando o

individualismo e a fragmentação dos interesses, contribuem com a desestabilização 9 O movimento sindical contribui para que os trabalhadores possam defender seus direitos mais elementares sem mediações externas e distantes e, nesse sentido ele é possibilidade prática e localizada de uma certa forma de liberdade. O sindicalismo está integrado de maneira complementar, à complexa rede de forças sociais. Sua vocação, ou potencialidade, não é a de ocupar na sociedade, um papel central ou exclusivo. Ele é uma instituição intermediária, agenciadora da resistência às varais formas de opressão, de exploração e de dependência (CATTANI, 1996, p.104). Esta concepção é em nota citada, para evidenciar a importância dos movimentos sindicais e suscitar a reflexão crítica das formas de organização dos trabalhadores, da reinvenção necessária, das novas formas de luta pela garantia de direitos nesse cenário atual.

28

dos coletivos institucionais. “A instituição tradicional representativa, burocrática e

hierarquizada, deve desaparecer” (CATTANI, 1996, p. 128) ou, ainda, poderão trocar

de nome, mas, mesmo assim, não há como negar o papel indispensável dos

sindicatos ou das organizações dos trabalhadores na luta contra-hegemônica nessa

sociedade capitalista.

Mesmo diante de um quadro de reestruturação produtiva que violou os

direitos dos trabalhadores, estão em pauta, no Brasil, as reformas trabalhistas e

sindicais que requerem o envolvimento da sociedade. Entretanto,

independentemente dos resultados a serem alcançados com a reforma, a ação

sindical contemporânea limita-se à representação dos trabalhadores do setor formal.

“Precarizados e desempregados não contam com formas institucionais de defesa e

de articulação da luta de seus interesses” (CATTANI, 2006, p.259).

Acirra-se, nesse contexto, o problema do desemprego mundial e do emprego

precário, que passa a não ser mais considerado somente como resultado da

ausência de crescimento econômico, mas como algo inerente a esse crescimento

econômico, como na situação do Brasil nos anos 1990. Essa é uma constatação

observada mundialmente, pois, segundo dados da Organização Internacional do

Trabalho (OIT), aproximadamente 180 milhões de pessoas no mundo encontram-se

numa situação de “desemprego ‘aberto’ (procurando, mas não achando), e cerca de

um terço da mão de obra, no mundo, está desempregada ou subempregada (OIT).

Sobre as produções estatísticas internacionais realizadas pela OIT quanto ao

desemprego estrutural, Antunes (2005) refere ser essa uma característica do mundo

contemporâneo que contribui para o debate atual.

Um terço da força humana mundial disponível para o ato laborativo está exercendo trabalhos parciais, precários, temporários ou já vivencia as agruras do não-trabalho, do desemprego estrutural. Perambulam pelo mundo, como prometeus modernos, à cata de algo para sobreviver. Mais de um bilhão de homens e mulheres padecem as vicissitudes da precarização do trabalho, dos quais centenas de milhões têm seu cotidiano moldado pelo desemprego estrutural (ANTUNES, 2005, p.13).

Podemos também citar como contradições deste cenário a concentração do

capital através das privatizações e incorporações, que ocorrem ao mesmo tempo,

que a intensificação da fragilização da força de trabalho em função da flexibilização

29

caracterizado pelos contratos temporários, subcontratos, terceirização, entre outras

modalidades.

O capitalismo contemporâneo busca, dessa forma, preservar-se, através da introdução de um regime de acumulação diferenciado [...]. O mercado de trabalho passa por radical transformação, emergindo um novo paradigma de produção industrial, a partir de um modelo de produção flexível. (MENDES, 2003, p.29).

É essa lógica vigente que tem como princípio a reestruturação produtiva,

comandada pelo ideário do capital, que acarreta a crescente redução do trabalho

vivo e a sua substituição pelo trabalho morto corporificado no maquinário

tecnocientífico, gerando, assim, a sociedade dos descartáveis (ANTUNES, 2005).

Um dos lados perversos desse ideário está na culpabilização do sujeito pela

sua exclusão do mundo do trabalho, pois atribui-se ao mesmo, a falta de

capacitação ou de condições técnicas, ou ainda de técnicas obsoletas, no caso

daqueles expulsos das situações de trabalho. A reflexão crítica sobre essa

conjuntura nos possibilita reconhecer que são das alterações do mundo do trabalho

que emergem a chamada nova pobreza e a violação dos direitos humanos,

vivenciada cotidianamente por uma parte significativa da população, vitimizadas por

processos sociais, políticos e econômicos excludentes.

Observa-se, contudo, que o campo da formação movimenta-se na esteira dos

processos de reestruturação produtiva de forma contraditória, pois não há dúvidas

sobre os avanços e as oportunidades de qualificação profissional, mesmo que

individuais. Essas oportunidades de formação, entretanto, tem um papel cada vez

mais relevante de regulação social, intervindo tanto na gestão organizacional,

quanto na manutenção da estrutura da sociedade global e, por isso, os

questionamentos são cada vez mais pertinentes. É nesse quadro de flexibilização da

força de trabalho que se redige o discurso por investimentos nos níveis de

escolaridade, para que os trabalhadores possam permanecer empregados ou,

ainda, possam assumir postos de trabalho almejados na carreira profissional.

Interessante de se trazer aqui são as análises realizadas por Correia (2003)

sobre a relação infeliz da formação com o trabalho, que se prolonga até os dias de

hoje, o que desconstrói o discurso da dicotomia que possa existir. Os apelos

freqüentes para que o campo da formação intervenha na resolutividade dos

30

problemas das organizações, contribuíram para o desenvolvimento de metodologias

de intervenção alternativas à formação, como os estágios profissionalizantes,

destacando-se a idéia de que a formação não se dirige aos indivíduos, mas às

organizações (CORREIA, 2003).

A formação tem centrado suas ações nas carências dos trabalhadores

tendencionalmente desadaptados ou defasados, deixando de focar suas ações

naqueles trabalhadores implicados nos processos de mudanças. Correia faz uma

reflexão a partir das experiências de formação contínua com professores de

Portugal, realidade local na qual está inserido, em que predominam concepções

“carencialistas” associadas à lógica do trabalho prescrito, conforme reforma

curricular daquele país, afirmando, então, que ”a formação deixou de ser um direito

para, na melhor das hipóteses, se transformar numa maldição, num suplício”

(CORREIA, 2003, p. 23).

A idéia da formação como suplício está associada à formação como um dever

de adaptação às transformações tecnológicas ou às atividades prescritas nos

contextos de trabalho. Modelos de formação que partem de níveis centrais, que

planejam e prescrevem aquilo que é necessário ao trabalhador, sem a participação

coletiva dos mesmos, desqualificam e desvalorizam as situações experienciais,

desconsiderando, muitas vezes, as reais demandas de capacitação do trabalhador.

Portanto, de “direito reivindicado”, a formação transforma-se num suplício “que

importa suportar para se assegurar as condições mínimas de sobrevivência sem se

cair na exclusão profissional e na exclusão social” (CORREIA, 1999, p.7).

Das novas formas de gestão do trabalho, incluindo aquelas pertinentes ao

campo da formação, emerge um conjunto de estratégias que atendem a diferentes

interesses. A formação no trabalho é mediada por interesses oriundos de

necessidades do capital, do trabalhador ou do Estado, ou ainda, pela população que

caracteriza o público alvo de determinado serviço, que vão definir as demandas por

formação.

Esses interesses devem ser reconhecidos e analisados de acordo com as

particularidades de cada situação, tais como: uma organização privada promove o

ajustamento da formação à mudança dos conteúdos do trabalho, com intuito de

31

melhorar sua “performance” no mercado; o Estado pode promover um conjunto de

atividades formativas para implantar um programa cuja relevância atenda a

interesses políticos da gestão de governo, sem haver uma preocupação com

processos participativos e com a implementação de uma política social que atenda

às necessidades sociais dos cidadãos usuários do seu serviço; com relação à

população usuária, essa pode avaliar a qualidade dos serviços prestados e indicar

necessidades de aprimoramento, ou seja, uma demanda não atendida deverá ser

questionada, pois poderá indicar quais saberes são necessários para que os

profissionais possam atendê-la. Portanto, conhecer e identificar a origem das

necessidades por formação nas organizações é um ponto de partida para a

problematização das relações existentes e do que está em jogo na elaboração das

políticas de formação no trabalho nos dias de hoje.

Considerando o exposto até aqui, pode-se afirmar que a educação e a

formação profissional são questões centrais na agenda contemporânea, pois a elas

são atribuídas funções essencialmente instrumentais e de regulação, uma vez que

são “capazes de possibilitar a competitividade e intensificar a concorrência, além de

adaptar trabalhadores às mudanças técnicas e minimizar os efeitos do desemprego”

(SEGNINI, 2000, p.73), sendo essa, a orientação de algumas organizações

internacionais reguladoras, como o Banco Mundial10. Para o Banco Mundial “se nada

mais mudar, quanto mais instruídos forem os trabalhadores de um país, maiores

serão suas possibilidades de absorver as tecnologias predominantes e assim chegar

a um crescimento rápido da produção” (Banco Mundial, 1996, p.26).

Essa argumentação nos parece um tanto contraditória, pois de acordo com

informações da Organização Internacional do Trabalho, entre os desempregados do

cenário mundial “mais de um terço são jovens de 15 a 24 anos” (OIT), dados esses

que não confirmam o argumento do Banco Mundial. Fazendo referência aos estudos

de Tanguy (1999) sobre a relação formação-emprego, a autora afirma que essa

relação se caracteriza por um paradoxo de uma “situação em que o aumento do

nível de formação convive com o agravamento não menos constante da taxa de

desemprego entre os jovens” (1999, p. 48).

10 Sugiro ver em Relatório sobre Desenvolvimento Mundial. O trabalhador e o processo de integração mundial. Banco Mundial, Washington, 1995.

32

Mesmo não tendo a pretensão de discorrer sobre as tendências no campo da

formação sustentada pelos avanços da tecnologia, a intensificação do ensino à

distância suscita, atualmente, diferentes opiniões nos bancos acadêmicos e entre as

áreas do saber científico. Falar em educação e trabalho, nos dias de hoje, é

observar essas tendências no campo da formação, que são contornadas pelos

artefatos da tecnologia informacional que crescem e se solidificam nos espaços

formadores, como nas Universidades, através da implementação dos Cursos à

Distância. Existem estudos11 que indicam que as oportunidades virtuais são

tecnologias no campo da educação que contribuem para a formação permanente do

cidadão, mesmo sendo à distância (DEMO, 2006).

Retomando a reflexão sobre a era do conhecimento citada anteriormente,

cabe citar a existência de um forte papel da informação e do conhecimento nas

economias que vem provocando mudanças substantivas nas relações, forma e

conteúdo do trabalho. A intensidade no uso da informação e conhecimento nesses

processos, apóiam-se, por sua vez, “em novos saberes e competências, em novos

aparatos e instrumentais tecnológicos, tanto como em novas formas de inovar e de

organizar o processo produtivo” (LASTRES & ALBAGLI,1999,p.8). Um aspecto

importante a ser destacado, diante o paradigma das tecnologias e da informação e

comunicação, é que o investimento no acesso a novas tecnologias e em sistema de

informação avançados são importantes, mas não bastam. Junto a esse processo é

fundamental contar com uma base de conhecimentos sustentada por um processo

de aprendizagem contínuo em que os agentes dessas inovações sejam os próprios

trabalhadores, por isso a “importância de focalizar o agente coletivo na análise e

promoção de tais processos” (LASTRES & ALBAGLI, 1999, p.18).

O cenário até aqui descrito, demonstra o quanto é fundamental não

abandonar a questão do trabalho, nem os questionamentos sobre os impactos que

vêm causando tanto para aqueles que vivenciam a sua falta, como para aqueles que

fazem parte desse mundo. Esse período de início do século XXI traz muitas

incógnitas sobre o futuro da cidadania dentro e fora dos espaços de trabalho e,

11 Sobre este assunto sugiro ver em DEMO, Pedro. Formação Permanente e Tecnologias Educacionais. Petrópolis, Vozes: 2006. O autor faz referência a diferentes estudos sobre a educação à distância. Mesmo não sendo intenção aprofundar neste estudo tal temática, não há com deixar de citá-la, devido a importância da dimensão que vêm sendo dada pelos ideários neoliberais a este tipo de processo de formação.

33

também, sobre a capacidade de reação e de resistência do conjunto dos

trabalhadores e da sociedade frente a esse cenário. (PAIXÃO, 1996). Salienta-se o

traço original da educação desenhada no século XX e que torna-se desafio neste

século XXI “o deslocamento de enfoque do individual para o social, para o político e

para o ideológico” sendo também possível dizer, que “não há idade para se educar,

de que a educação se estende pela vida e que ela não é neutra” (GADOTTI, 1999,

p.2).

A aproximação entre os contextos de formação e as mudanças pertinentes ao

mundo do trabalho não estão pensadas somente a partir do entendimento da

adaptabilidade, mas é uma aproximação crítica preocupada com o processo de

educação dos coletivos de trabalho capazes de movimentos instituintes que possam

incidir nas mudanças da organização e dos processos de trabalho. A partir desse

contexto de transformações e das demandas que dele advêm, ganha-se fôlego para

repensar a articulação entre educação e trabalho, que nos remete à temática do

saber do trabalhador, das experiências educativas vivenciadas pelos sujeitos e do

quanto os espaços sócio-ocupacionais se constituem num lócus de produção de

conhecimentos que devem ser objeto de estudo no âmbito do Serviço Social. “Ao

apreender os complexos teóricos e práticos que envolvem os processos de

produção e legitimação de saberes no trabalho, a temática do sujeito na sua

articulação com a do trabalho volta a se apresentar” (SANTOS, 2003, p.38). Será

abordada, a seguir, uma interlocução necessária: educação e trabalho.

2.2 A INTERLOCUÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO E O TRABALHO

Educar faz parte da própria vida. Quem não ouviu, em algum momento, essa

afirmação? Sua origem está nas palavras de Rousseau, que compreendia que todo

ser humano poderia ter “a possibilidade de ser um agente livre e a meta da

educação seria formar esse agente” (STRECK, 2004, p.26). A partir da crítica à

sociedade da época, Rousseau mostra ao mundo burguês de seu tempo, que todo

homem poderia ser educado para sua emancipação. Entretanto, ainda nos dias de

hoje, tem-se como desafio formar pessoas, visando a perspectiva emancipatória e

autônoma, para que, ao se inserir no trabalho, a pessoa possa, dele, fazer um

espaço de concretização de cidadania.

34

Inicialmente, para que se possa discorrer sobre a temática educação, é

preciso compreendê-la como uma prática necessariamente permanente. Algumas

reflexões de Paulo Freire em torno do ser humano, abrem caminho para o

entendimento da educação como prática permanente:

Ressaltamos, inicialmente a sua condição de ser histórico-social, experimentando a tensão de estar sendo para poder ser e de estar sendo não apenas o que herda, mas também o que adquire e não de forma mecânica. Isto significa ser o ser humano, enquanto histórico, um ser finito, limitado, inconcluso, mas consciente de sua inconclusão. Por isso, um ser ininterruptamente em busca, naturalmente em processo. Um ser que, tendo por vocação a humanização, se confronta, no entanto com o incessante desafio da desumanização, como distorção daquela vocação (FREIRE, 2003, p.18).

Nesse sentido, somos programados para aprender; inacabados, mas

conscientes de seu inacabamento e, por isso, em permanente busca; indagador,

curioso em torno de si e de si com o mundo e com os outros. Como sujeitos

históricos preocupados sempre com o amanhã, tem-se, como condição

necessária,estar inserido-se, ingênua ou criticamente num incessante processo de

formação (FREIRE, 2003).

A educação é permanente, não porque certa linha ideológica ou certa posição

política ou, ainda, algum interesse econômico o exijam. A formação e a educação

são permanentes na razão, de um lado, da finitude do ser humano, e, de outro, da

consciência que ele tem da sua finitude. Para Freire, o ser humano incorpora à sua

natureza “não apenas saber que vivia, mas saber que sabia e assim, saber que

podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam ai” (2003, p.20).

A educação, como formação, como processo de conhecimento, de ensino e

de aprendizagem, foi incorporada na vida dos seres humanos, à sua natureza. Para

Freire (2003, p.21) “não é possível ser gente sem desta ou daquela forma, sem se

achar entranhado numa certa prática educativa”. O ser humano jamais pára de

educar-se.

As prementes transformações sociais e tecnológicas criaram novos espaços

de conhecimento. Como nos diz Gadoti (1999), além da escola, também a empresa,

o espaço domiciliar e o espaço social tornaram-se educativos. A interdependência

entre os diferentes espaços sociais, tais como, o domiciliar, o escolar e o de

35

trabalho, nos remete a romper com a idéia de tempo próprio para aprendizagem.

Como ele está todo o tempo em todo lugar, o espaço de aprendizagem é aqui - em

qualquer lugar - e o tempo de aprender é sempre. Assim, o espaço-tempo, escolhido

nessas reflexões, é aquele de uma prática educativa que não ocorre somente na

escola formal, mas de uma prática educativa vivenciada pelos trabalhadores, a partir

da reflexão critica sobre o seu processo de trabalho, em espaços sócio-ocupacionais

em que se dá o exercício de uma profissão.

Busca-se, nesse estudo, fundamentos teóricos que possam sustentar a

reflexão sobre a relação entre educação e trabalho. Nas reflexões de Charlot (2004)

sobre a relação da educação e do trabalho, encontram-se argumentos

epistemológicos fundamentados em Hegel e em Marx, que ligam profundamente

essas questões12. Charlot (2004), ao considerar a filosofia de Hegel, ilustra a ligação

existente entre educação e trabalho, a partir da dialética do senhor e do escravo.

Hegel mostra que,

o escravo, por confrontar-se com a natureza no decorrer de seu trabalho para o senhor, forma-se, enquanto o senhor, ao contrário, cai numa total dependência em relação ao escravo, incluindo para sua sobrevivência material. Há aí uma idéia fundamental: o trabalho forma. Há até duas idéias fundamentais já que, à precedente, é preciso acrescentar esta: o trabalho é um processo de domínio: domínio da natureza, de si próprio e, pelo menos a prazo, dominação daquele que não trabalha por aquele que trabalha (CHARLOT, 2004, p.10-11).

É a partir desses enunciados de Hegel que Marx encontra pistas para que,

nos Manuscritos Filosóficos de 1844, pudesse sustentar a idéia do trabalho como

essência do homem. Para Charlot (2004), é porque o trabalho é a essência do

homem que o filósofo Marx escolhe o campo do proletário. Entretanto, Marx se

detém implicitamente na idéia do trabalho como essência do homem, pois irá focar-

se mais explicitamente nas relações de dominação entre o senhor e o escravo, a

burguesia e o proletariado, o capital e o trabalho. “O pensamento de Marx irá deter-

12 Ao referenciar as reflexões de Charlot (2004) sobre os enunciados de Hegel e Marx e as pistas deixadas por estes pensadores sobre a relação entre educação e trabalho, afirma-se a originalidade de Charlot ao retomar a história do pensamento filosófico sobre esses conceitos e enunciá-los como problemáticas contemporâneas emergentes.

36

se no trabalho como valor de troca, deixando pouco explorada a idéia do trabalho

como valor de uso” (CHARLOT, 2004, p.11).13

Há, então, de acordo com Charlot (2004), pistas deixadas por Hegel e Marx

de uma ligação entre educação e trabalho. Se o homem transforma o mundo e por

esse trabalho de transformação do mundo ele transforma a si mesmo, existem, aí,

fortes ligações entre educação e trabalho, pois ao admitirmos que “educar é fazer

advir um ser humano, é de fato essencial saber qual é o processo que pode assim

construir o humano. É o trabalho, podemos responder numa perspectiva marxista”

(CHARLOT, 2004, p.11).

As raízes dessa idéia de que o trabalho forma, encontram-se profundamente

arraigadas no mundo operário, em que os socialistas do século XIX negavam os

princípios da escola primária e gratuita da época.

Para eles tratava-se de uma armadilha da burguesia que queria impedir que os seus filhos continuassem a ser educados no atelier, lá onde eles aprenderiam a solidariedade de classe. Quanto a Marx, ele considerava que cabe ao povo educar o Estado, e não ao estado educar o povo” (CHARLOT, 2004,p.12).

Historicamente, porém, o modelo da educação somente no atelier, ou da

educação para o trabalho e pelo trabalho, é superado pelo modelo da escola

primária para todos – gratuita e obrigatória –, distinguindo-se dos lugares de

trabalho. O trabalho, no final do século XIX e início do século XX, era, ainda,

pensado como força criativa e propulsora de um novo mundo, aquele em que se

acreditava que a sociedade comunista tomaria o lugar do capitalismo. Entretanto,

13 Ao tratar sobre o valor de uso e valor de troca, no Capital, Marx refere que “é a utilidade de uma coisa que faz dela um valor de troca” (MARX, K. O Capital. Edição Popular/Lisboa: edições 70. 5ª Edição. S/ano.p.17) “Uma coisa pode ser útil e produto do trabalho humano sem ser uma mercadoria. O homem que, com sua produção, satisfaz as necessidades pessoais, produz efetivamente um valor de uso, mas não uma mercadoria. Para produzir mercadorias, é preciso que não produza apenas simples valores de uso, mas valores de uso para outrem, valores de uso sociais. Finalmente, nada pode ser valor sem ser objeto de uso. Se for inútil, não conta como trabalho e portanto, não cria valor.” (p.20). E sobre isto muito há o que adensar, por isto nesta nota chama-se atenção para a reflexão sobre o valor de uso enunciado na teoria de Marx, e da possibilidade de explorar esta categoria ( mesmo esta não sendo referencia reflexiva inicial desta pesquisa) trazendo-a para compreensão da relação entre educação e trabalho. Pois o trabalhador no seu processo de trabalho ao atribuir sentido ao mesmo, poderá produzir saberes como resultado de sua interação nas relações de trabalho e mais do que isto, ao usar estes saberes poderá atender necessidades sociais de outrem e estrategicamente vivenciar experiências sociais que possam resistir aos ditames neoliberais e traçar redesenhos coletivos que contribuam com a concretização de uma sociedade com justiça social.

37

após a primeira e a segunda guerras mundiais, o trabalho passa ser pensado como

força trocável e a educação como forma de acesso ao mercado de trabalho.

Percorrer essa trajetória histórica requer análises longas que não pretende-se

fazer aqui, mas não se pode deixar de citar tais fragmentos históricos, pois esses

contribuem para compreender o lugar que ocupam a educação e o trabalho nos dias

de hoje, e os interesses que sustentam essa ligação no cenário atual. Pois, como

refere Charlot (2004, p.14), paradoxalmente, “é em termos de acesso ao mundo do

trabalho que a educação é pensada hoje, e, cada vez mais, é este acesso que ela

está reduzida hoje.”

Seguindo o entendimento da existência de uma ligação da educação e do

trabalho, considera-se que assim “como a educação, o trabalho é uma experiência

social” (CATTANI, 1996, p.140), que se constitui em um fator essencial da

socialização e da dinâmica das relações sociais. Mesmo com suas características

contraditórias, trabalhar é fonte de prazer e de satisfação, pois através da execução

de tarefas úteis, o trabalhador pode, de alguma forma, contribuir com a sociedade

em geral. Trabalhar significa, também, ato de criação, de desvendamento de nossas

potencialidades, de desejos, de autonomia, de confrontação com a realidade e de

processo de aprendizagem.

Uma outra perspectiva importante para compreensão do trabalho na

contemporaneidade, diz respeito à dimensão da contradição e da dialética presente

nessa categoria, fundamentada no materialismo histórico de Marx (1980). Ao mesmo

tempo em que dignifica, possibilita a criação e tem sido vital para a humanidade, o

trabalho, esse ato laborativo, degrada, aliena, explora e desvaloriza o potencial

humano.

Quando a vida humana se resume exclusivamente ao trabalho, ela freqüentemente se converte num esforço penoso, alienante, aprisionando os indivíduos de modo unilateral. Se por um lado, necessitamos do trabalho humano e reconhecemos seu potencial emancipador devemos também recusar o trabalho que explora, aliena e infelicita o ser social (ANTUNES, 2005, p. 14).

Por outro lado, em determinadas situações de trabalho, há um processo de

realização que desencadeia uma transformação real no trabalhador. “O trabalho

como atividade proposital, orientado pela inteligência, é produto especial da espécie

humana” (BRAVERMAN, 1987, p.52). Portanto, trabalhar não é exclusivamente

38

transformar um objeto ou uma situação numa outra coisa; é, também, transformar a

si mesmo no e pelo trabalho, e, com o passar do tempo, o homem modifica também

o seu “saber trabalhar”. “Em termos sociológicos, pode-se dizer que o trabalho

modifica a identidade do trabalhador, pois trabalhar não é somente fazer alguma

coisa, mas fazer alguma coisa de si mesmo, consigo mesmo” (TARDIF, 2002, p.56).

É neste fazer alguma coisa consigo mesmo que encontramos as brechas para

a aprendizagem no trabalho, para a mudança no jeito de fazer, no jeito de pensar e,

por isso, a oportunidade de evoluir, de crescer, de adquirir conhecimento. É esse o

processo de formação que é defendido aqui. “Sendo formação processo, dura

porque não dura, ou dura porque se transforma” é o que nos diz Demo (2006, p.37).

Encontram-se ainda, na literatura sobre a temática, diferentes estudos que

abordam a importância da relação da formação com o mundo do trabalho, enfocada

como uma dimensão fundamental na perspectiva de uma educação para a cidadania

(CANÁRIO, 2003). Tal enfoque busca superar o histórico conflito existente em torno

do papel da própria escola, de formar para a cidadania ou para o trabalho produtivo

(RAMOS, 2005)14.

Pensar, então, a formação em articulação com as situações de trabalho,

constitui-se como um tema cuja atualidade, oportunidade e relevância, podem ser

justificados por três razões. De acordo com as pesquisas que vêm sendo realizadas

por Canário (2003), assiste-se nas últimas décadas a uma

expansão quantitativa e a uma difusão das práticas de formação que são largamente tributárias da crescente importância estratégica da formação profissional contínua que tem vindo a constituir-se como um domínio fundamental para a investigação, a reflexão teórica e a intervenção no campo educacional (CANÁRIO, 1997, p.7).

Essas expansões das práticas de formação representam uma extensão do

mundo profissional da população adulta, que vão além das modalidades

escolarizadas e que defendem a idéia de reciclagem, considerando as aquisições

feitas no processo de formação inicial. Entretanto, reconhece-se hoje a importância 14 Atualmente no Brasil existem estudos que apontam as possibilidades e desafios na elaboração de uma proposta curricular na perspectiva da formação integrada voltada para os jovens e adultos trabalhadores que garanta o direito a uma formação que lhe permita a leitura do mundo e para atuação neste e integrado de forma digna e com consciência crítica e política. Sobre este assunto sugiro ver em RAMOS, Marise. Possibilidades e desafios na organização do currículo integrado. SP, 2005.

39

de revalorizar o potencial formativo das situações de trabalho, pois ao propiciarem a

produção de estratégias, de dispositivos e de práticas de formação “valorizam

fortemente a aprendizagem por via experiencial e o papel central de cada sujeito

num processo de autoconstrução como pessoa e como profissional” (CANÁRIO,

2003, p.7).

A construção de novas maneiras de pensar e de agir no campo da formação

contínua é uma segunda razão, que aparece associada às formas de organizar os

processos de trabalho. Nessa lógica, tem-se a centralidade do sujeito que se forma,

que se dá através da maneira como utiliza um saber na própria experiência de

trabalho. O ponto de referência aqui é o próprio sujeito, capaz de dar continuidade

aos processos de formação através de sua prática profissional.

São os sujeitos (ao contrário do que acontece no quadro de processos de formação transmissivos e normativos) que estão em condições de mobilizar para as situações de formação os saberes adquiridos nas situações de trabalho e, por outro lado, reinvestir nas situações de trabalho o que anteriormente se formalizou. Cria-se, assim, condições para uma interação fecunda entre uma via simbólica e uma via experiencial de aprendizagem, e emergem de forma concomitante, os conceitos de trajetória profissional e de percurso de formação (CANÁRIO, 2003, p.8).

A terceira razão diz respeito ao papel determinante e decisivo que se atribui

ao fator humano na vida das organizações de trabalho, cujas capacidades

individuais associam-se às capacidades coletivas de mudanças organizacionais.

Essa razão enfatiza a tendência evolutiva de uma concepção (instrumental e

adaptativa) de formação para a mudança, para uma concepção de formação na

mudança, “devolve à ação interativa dos atores, em contexto, o principal

protagonismo” (CANÁRIO, 2003, p 8).

Sobre o protagonismo do trabalhador, muito ainda há que se refletir e tratar,

principalmente sobre as estratégias que os assistentes sociais constróem nos

processos de trabalho. Entretanto, para que esse protagonismo ocorra, será preciso

encarar as situações de formação como reconstruções das situações de trabalho,

sobretudo de socialização dessas práticas profissionais. Atualmente se reconhece

uma forte dimensão formativa das situações e contextos de trabalho como uma

possibilidade fecunda, “para orientar quer a produção de novas práticas formativas

40

quer a sua elucidação a partir da produção de novos conhecimentos” (CANÁRIO,

2003, p.8).

Ao trazer para esta pesquisa o entendimento de que o trabalho possui uma

dimensão formativa relevante, considera-se que “os sistemas de trabalho devem ser

também encarados como sistemas cognitivos” (CORREIA, 2003, 32) em que os

modos de pensar e os instrumentos estejam disponíveis à uma intervenção

potencialmente transformante. Entretanto, as aquisições das cognições transcendem

as individuais, pois essas emergem de uma rede de relações no espaço

organizacional.

Encarar as situações de formação dos assistentes sociais como

reconstruções das situações de trabalho e socialização destas práticas profissionais

é uma das maneiras de preencher o “fosso entre a academia e os profissionais de

ponta”, questão apontada por Netto (1996, p.110), que poderá contribuir com as

inovações tão necessárias para a construção de conhecimentos frente à realidade

social contemporânea. Compactua-se com o entendimento de Netto (1996) de que a

categoria profissional necessita problematizar sua formação profissional, incluindo

nesse debate todos os assistentes sociais, não apenas as novas gerações, mas,

fundamentalmente, aqueles oprimidos no mercado de trabalho diante das novas

exigências.

Canário (2003) salienta em suas reflexões sobre a temática em foco, a

importância do exercício profissional como pólo decisivo do processo de

profissionalidade. A escolha pela profissão de Assistente Social é uma procura por

uma formação e, até mesmo, uma procura identitária. Essa escolha profissional

direciona o sujeito para uma prática social comprometida com as mudanças

societárias e não para uma prática que reproduz valores desiguais e que se submete

aos ditames do mercado neoliberal, por isso a importância de problematizarmos a

formação profissional no âmbito do Serviço Social. Tal reflexão coloca em evidência

a necessidade, mesmo não sendo foco desse estudo, de abordar o significado

atribuído ao termo profissão. A princípio, tem-se que a profissão de um indivíduo “é o

reconhecimento social dos saberes que ele adquiriu na esfera da formação, bem

como dos serviços ou produtos que ele é capaz de oferecer, reconhecimento esse

conferido por meio de sua inserção no mercado de trabalho” (FRANZOI, 2006, p.50).

41

Entretanto, para além dessa concepção, Franzoi (2006, p. 51) entende que a

profissionalização de um indivíduo “não se realiza apenas na formação: só se

completa com a inserção no trabalho, por um lado, porque o conhecimento necessita

da prática para se efetivar; por outro, porque é com a inserção no trabalho que se

concretizam as relações de trabalho”. É no trabalho que a profissão se materializa. É

no trabalho cotidiano que os assistentes sociais experimentam as contradições da

realidade, acionam um conjunto de conhecimentos e de habilidades profissionais,

disputam espaços e projetos políticos, organizam-se coletivamente para as

mudanças e, principalmente, se deparam com as demandas sociais

contemporâneas.

É preciso repensar a formação profissional dos assistentes sociais levando

em conta seus saberes e as realidades específicas de seu trabalho cotidiano. Existe,

então, uma necessidade de associar a formação a uma ação que poderá promover a

requalificação dos coletivos de trabalho.

A desejável, aproximação entre os contextos de formação e os contextos de trabalhos pode, por isso, ser pensada segundo o registro da adaptabilidade. Ela é uma aproximação crítica, funcionalmente “desadaptada” às relações instituídas de trabalho preocupada com a requalificação dos colectivos de trabalho; a formação é em suma, um agente catalisador das trocas entre as diferentes “linguagens do trabalho” um catalisador das potencialidades formantes do exercício do trabalho, exercendo simultaneamente uma permanente vigilância crítica sobre a organização, sobre as tendências que tendem a desqualificá-la (CORREIA, 2003, 32).

É pertinente pensar que os resultados obtidos através de um processo de

formação não se configuram como resultados definitivos, pois estão sujeitos aos

questionamentos impostos pelas exigências do momento sócio-histórico no qual

está implicado o trabalhador. Sobre esse argumento, Demo (2006) refere o forte

questionamento sobre a pedagogia de resultados definitivos.

Primeiro, não nos formamos por completo, porque na natureza nada é completo, tudo evolui. Embora não possamos ser perfeitos, somos perfectíveis, podemos aprender sempre. Segundo nenhum diploma é stricto sensu ponto de chegada, porque nele nada se fecha propriamente, a não ser um reconhecimento formalizado (DEMO, 2006, p.37).

Dito de outro modo, não há uma formação definitiva, assim, a formatura de

um profissional deve ser compreendida como uma passagem para um novo desafio,

o de considerar que a formação é permanente. Entretanto, parece fundamental a

42

análise crítica e a compreensão dos fundamentos ideológicos que sustentam o

paradigma da aprendizagem ao longo da vida, principalmente a partir dos anos

1990, quando a discussão sobre a educação se desloca do “terreno político e

filosófico para o terreno da eficácia e da subordinação funcional da educação à

racionalidade econômica” (CANÁRIO, 2003, p. 198).

Nesse sentido, o debate sobre a formação e a educação nos remetem a uma

reflexão crítica sobre os significados atribuídos aos modos de aprendizagens, que

para responderem aos desafios da mundialização, priorizam o debate sobre os

meios que acabam sobrepondo-se ao debate sobre os fins (CANÁRIO, 2003). Em

que pese a importância dos meios e do modo como desencadeiam-se os processos

de aprendizagem, há de se ter a clareza do onde se quer chegar, a que princípios e

interesses se vai atender e sobretudo, compreender que os saberes que estão

sendo adquiridos estarão a serviço de diferentes interesses. Por isso o debate sobre

os fins torna-se fundamental e, neste estudo, o ambiente de trabalho é o espaço que

permite esta reflexão uma vez que o saber está sendo colocado em uso para

atender necessidades sociais postas como requisições para os trabalhadores.

Assim, compreende-se que o entranhamento em uma prática educativa não

ocorre somente na escola formal, e esta pesquisa refere-se à necessidade de uma

prática educativa dos Assistentes Sociais a partir da reflexão critica sobre o seu

processo de trabalho, para que se possa comprender que os meios não se

sobreponhem aos fins e vice-versa.

Percorrer por estas concepções teóricas que fundamentam as categorias

reflexivas desta investigação, marcadas pela tríade formação, educação e trabalho,

demarca a revisão bibliográfica sobre as mesmas e a escolha dos pressupostos que

sustentam a caminhada investigativa no campo do Serviço Social. Entretanto, a

educação permanente, como categoria central dessa investigação, será tratada sob

seus aspectos históricos e conceituais, devido a relevância de compreendê-la, para

que se possa comprometer-se com a efetivação da mesma, a partir da reflexão

crítica sobre os processos de trabalho dos assistentes sociais.

43

2.3 (RE)VALORIZAÇÃO DOS IDEAIS DA EDUCAÇÃO PERMANENTE

A educação, na verdade, necessita tanto de formações técnicas e científicas como de sonhos e utopias.

Paulo Freire.

O titulo aqui atribuído, (Re) Valorização dos Ideais da Educação Permanente,

é resultado de questionamentos sobre a real compreensão da concepção atribuída à

Educação Permanente nos dias de hoje, em tempos, ainda, de valorização de algo

que não foi suficientemente valorizado na história da educação e da formação da

humanidade, ou, quem sabe, de revalorização do movimento da Educação

Permanente dos anos 1970, com uma nova roupagem tecida pelos ideários

neoliberais.

Cabe sinalizar que o discurso da educação permanente é, em muitas

situações, reconhecido com o da aprendizagem ao longo da vida e, portanto, é

pertinente uma análise sobre o uso dessas terminologias, considerando o percurso

histórico de ambas concepções. A idéia de que a educação e a formação não

podem se restringir a uma determinada etapa da vida e de que se constitui um

processo contínuo ao longo da existência, parece ser consensual (Canário,1994) e,

por isso, requer uma compreensão e um conhecimento da origem e dos princípios

da educação permanente.

Observa-se, também, a existência da referência educação permanente com o

mesmo sentido atribuído à educação ou à formação continuada. A reflexão teórica,

aqui explicitada, pretende contribuir com a elucidação dessas concepções, através

de uma revisão crítica do conceito de Educação Permanente e do discurso

ideológico da aprendizagem ao longo da vida.

Além disso, na realidade brasileira, mais especificamente, a política de

capacitação dos profissionais que atuam no Sistema Único de Saúde –SUS –

considera a educação permanente como estratégia educacional e de

desenvolvimento dos trabalhadores da saúde e, conseqüentemente, do próprio

sistema. Assim, a concepção de educação permanente é instituída na gestão

pública da saúde brasileira. Essa aproximação com a política de saúde no Brasil dá-

se por ser esse o território empírico que vai determinar os espaços sócio-

44

ocupacionais dos sujeitos dessa investigação, pois acredita-se que as experiências

de educação permanente podem se dar em diferentes tempos, espaços e contextos,

incluindo os de trabalho.

2.3.1 Aspectos Históricos e Conceituais

Ao revisarmos a literatura nas ciências da educação, que dá conta da

discussão histórica da educação permanente, encontram-se relatos de experiências

de educação popular que estão relacionadas com a educação de adultos, de forma

minimamente estruturada e no exterior do sistema formal de ensino (MELO, 1986).

Durante a década de 1970, um grupo denominado Grupo Diretor sobre

Educação Permanente, com patrocínio do Conselho da Europa, visitou e observou

25 experiências piloto de educação popular, o que culminou em um relatório final

apresentado nos anos 1978. O Grupo classificou as experiências descritas em

função do posicionamento de maior ou menor intensidade em dois vetores: “a

participação dos adultos na sua própria formação e a intenção globalizante do

projeto” (MELO, 1986, p.50). O segundo vetor expressa o sentido atribuído ao

popular15 como um futuro desejado. É, então, esse futuro desejado que acabará por

criar meios de agir sobre o ambiente natural e social. “Para lá do

saber/conhecimento passa a desenvolver-se o saber/poderes para agir” (MELO,

1986, p.50).

Nesse entendimento, centra-se a crítica de que esse saber/poder para agir

não poderia ser objeto de receitas pré-estabelecidas que um professor passaria a

transmitir aos alunos e, sim, teria de ser produção do próprio grupo. “Neste caso o

processo central da educação popular deixa de ser um saber possuído por um - o

professor, para se tornar numa criação coletiva de cultura por um grupo de iguais”

(MELO, 1986, p.51). Essa perspectiva de educação popular apontada pelo relatório

em questão, revela uma tendência: a autogestão pedagógica. Tal tendência torna-se

irresistível e influencia aspectos essenciais do fenômeno da aprendizagem.

Em primeiro lugar, modifica a relação entre quem aprende e o saber existente (relação já de dominador-dominado ou, melhor, de criador-criado e

15 Para isto também, foi preciso demonstrar o entendimento vigente sobre a concepção do popular que é entendido como um presente vivido e popular como um futuro desejado.

45

não mais de reverência humilhante para com a “cultura objeto de culto,o saber idealizado); em segundo lugar, altera a maneira como se elabora e desenvolve o próprio saber, outorgando um papel cada vê mais ativo a quem aprende, que se torna genuinamente o sujeito da aprendizagem (MELO, 1986, p.51).

Esse entendimento classificaria, então, as experiências de educação popular

de acordo com o grau de participação dos adultos na sua própria formação, critério

esse apresentado pelo Relatório Final do Conselho da Europa. Outro aspecto refere-

se aos autores dessas experiências, grupos sociais pertencentes às classes

dominadas,

que se organizam para obter uma solução (ou fazer uma discussão) coletiva dos problemas provocados por um cotidiano que lhes é alheio e do qual pretendem apropriar-se( quanto mais não seja, pela conquista de uma melhor compreensão do porquê desse cotidianos) (MELO, 1986, p.50).

As reflexões introdutórias sobre educação popular nos levam às origens do

movimento da educação permanente, que emergiu nos anos 1970, num contexto de

ruptura e de crítica, de lutas operárias e estudantis em oposição ao modelo escolar,

que nos anos 50 e 60 expandiu-se de forma acelerada, culminando na crise mundial

da educação (CANÁRIO, 1994). As idéias e as práticas de educação e de formação

que se sucederam nos anos 1970, influenciadas pelas experiências de educação

popular, traduziram-se no movimento da educação permanente, movimento esse

que tinha como princípios a dimensão política e filosófica, indicado em publicação de

um relatório da UNESCO16, o aprender a ser, sendo essa concepção “um ponto de

viragem no modo de encarar e conceber os processos educativos” (CANÁRIO, 2003,

p.192).

Nesse contexto, a “perspectiva da educação permanente aparece como um

princípio reorganizador de todo o processo educativo” (CANÁRIO, 1994, p.2), cujas

orientações propõem-se a superar as concepções dominantes e as práticas

escolarizadas. Considerado como o manifesto da educação permanente, o relatório

da UNESCO enfatizava uma oposição à lógica cumulativa e escolar da

aprendizagem, e privilegiava um processo educativo coincidente com o ciclo vital e a

construção da pessoa. 16 No ano de 1976 o Instituto UNESCO da Educação publica um dos livros básicos para entender o processo da educação permanente: DAVE, R.H.(dir). Fundamentos de la educación permanente. Santillana: Instituto de la UNESCO.Madrid. 1979. Esta trajetória histórica também é tratada por Osório (2003). Sugiro ver em OSÓRIO, Agustín. Educación Permanente Y Educación de adultos. EdItora Ariel: Barcelona, 2003.

46

Esta emergência da pessoa como sujeito da formação aparece associada a três pressupostos sobre a educação: o da diversidade, o da sua continuidade e o da sua globalidade. Esta concepção de educação permanente aparecia na época, como uma possibilidade de pensar e reorganizar todo o processo educativo, subordinando-o à construção de uma cidade educativa (CANÁRIO, 2003, p.192).

A idéia da pessoa como sujeito da formação e os pressupostos da

continuidade, diversidade e globalidade, materializam-se em processos de

aprendizagem, que são resultados de uma combinação de diferentes situações e

modalidades de formação, que depende da relação que esse sujeito estabelece com

os outros e com o mundo (CANÁRIO, 1994). Essa concepção de educação

permanente também esteve fortemente ligada a correntes de pensamento crítico,

que se contrapõem ao sistema escolar.17

Entretanto, ainda nos anos 1968, o próprio diretor da UNESCO da época,

René Maheu, refere que a educação permanente não pretende criar um sistema

paralelo ao sistema escolar e universitário e sim “englobar todas as formas da

educação, a totalidade da população e as idades da vida” (OSÒRIO, 2003, p.17).

Não se trata, portanto, de uma atividade específica, como a educação de

adultos. É mais do que isso. Há uma ampla revisão literária, realizada por Osório

(2003) sobre as publicações que permitiram elucidar a concepção de educação

permanente, superando a sua relação direta com a educação de adultos. Um dos

textos chaves que elucidam essas concepções a partir de uma revisão sobre a

educação na época, refere-se à obra Aprender a Ser, de Edgar Faure, publicada em

1972. O autor procurou elaborar um conceito de educação permanente em que em

um só expressasse todos os momentos do ato educativo.

Atualmente a educação já não se define em relação a um conteúdo determinado, trata-se de entendê-la como um processo do ser humano que,

17 Entre os autores pode-se citar Ivan Ilich (1971) com uma idéia radical que se contrapõe ao sistema escolar e em um outro contexto, Paulo Freire que sistematizou uma crítica ao sistema de educação bancária defendendo a idéia de uma escola libertadora que seja capaz de ajudar a ler e transformar o mundo. Ver em Pedagogia do Oprimido.... Vejamos um comentário de Nóvoa (2002) sobre Ivan Illich: “publicou um livro simbólico, Deschooling society, que em português recebeu o título Sociedade sem escolas, inseria-se numa crítica ao “projeto escolar” que vinha sendo formulada a partir de sedes tão diferentes como as sociologias da reprodução, as pedagogias não diretivas, as trorias da libertação, as perspectivas institucionalistas ou os movimentos da educação permanente. A história correu ao contrário das expectativas de Illich. Nos últimos trinta anos assistiu-se a um crescimento dos sistemas escolares, que forma invadindo todos os espaços e tempos de vida. O apelo recente à educação e formação ao longo da vida é o episódio mais recente de um longo processo de escolarização da sociedade” (NÓVOA, 2002, p.13).

47

através da diversidade de suas experiências, aprende a expressar-se, a comunicar-se, a interrogar o mundo e cada vez mais a si mesmo (FAURE, 1972, p.220).

Essa idéia de processo, em todas as idades da vida e, também, o

entendimento que transcende os muros das instituições, dos programas e dos

métodos, confere a essa concepção um sentido mais amplo das discussões até

então, mantidas e relacionadas com a educação de adultos (OSÓRIO, 2003).

Partindo dessas reflexões e de uma síntese conclusiva sobre educação permanente,

citada por Osório (2003), não se trata de um sistema, tampouco de um setor

educativo, mas de um princípio no qual se funda a organização de um sistema

global, em diferentes momentos da vida, em tempos e espaços determinados.

Osório (2003), na tentativa de agrupar a discussão do próprio conceito de

Educação Permanente, reportou-se às considerações da Conferência Geral de

Nairobi, em 1976, o que se apresenta de forma sintetizada na tabela a seguir,

Tabela 1: Concepção de Educação Permanente da Declaração da Conferência Geral de

Nairobi, em 197618

Educação Permanente Algumas de suas conseqüências

1. Designa um projeto 1. Não é um sistema fechado.

2. Global 2. Não está setorizado.

3. Encaminhado a reestruturar o sistema

educativo como o desenvolvimento

todas as possibilidades de formação

fora do sistema educativo.

3. Vai mais além do sistema educativo e,

em conseqüência, mais além de um

Ministério de Educação.

4. Nesse projeto, o homem é o sujeito de

sua própria educação, por meio da

interação permanente com suas ações

e reflexões.

4. É participativo, descentralizado e

imbricado nas demandas sociais.

18 Mesmo não tendo sido possível revisar na fonte do documento original da Conferência de Nairobi (1976) faz-se referência da síntese enunciada por Osório (2003) sobre a concepção de Educação Permanente tratada em Nairobi em 1976.

48

5. A Educação Permanente deixa de

limitar-se ao período da escolaridade.

5. É transescolar.

6. Deve abarcar todas as dimensões das

vidas, todos os ramos do saber e todos

os conhecimentos práticos que possam

adquirir-se por todos os meios.

6. É integral. Abarca todos os campos de

formação, por lo que se

responsabilizará a todas as instituições

implicadas e grupos sociais.

7. E deve contribuir a todas as formas de

desenvolvimento da personalidade.

7. Vinculação dos projetos de formação

com os projetos de desenvolvimento

em todos os âmbitos.

8. Os processos educativos que seguem

ao largo da vida das crianças, dos

jovens e dos adultos, qualquer que seja

sua forma, devem ser considerados

como um todo.

8. Vinculação de todos os processos

educativos entre si.

Fonte: OSÓRIO (2003, p.25).

As pontuações referentes à concepção de educação permanente destacadas

na tabela, estabelecem pautas norteadoras para sua operacionalidade, tais como:

projeto global, formação fora da escola, que supera o período escolar, compreensão

da diferentes dimensões da vida humana e de desenvolvimento integral. Entende-se

que a compreensão do sentido atribuído ao significado da educação permanente

deverá se dar em diferentes contextos históricos, considerando as transformações

societárias e os interesses vigentes das classes sociais em relação. Portanto, na

educação permanente, não se trata somente de resolver problemas ou de uma

forma técnica que usa determinadas estratégias, e, tampouco, de um processo

educativo pontual, “e sim decifrar também o sentido de tais ações que não terminam

num ato isolado, mas que resultam um processo contínuo” (OSÓRIO, 2003, p.14).

Entretanto, são limitados os avanços e os registros do movimento da

educação permanente nas práticas educativas. Sucintamente, pode-se dizer que:

houve uma redução da concepção da educação permanente, relacionando-a com o

período pós-escolar voltado ao público adulto não-escolarizado, uma espécie de

reciclagem, de uma segunda oportunidade, ou, ainda, como sinônimo de educação

49

de adultos. Também as políticas de educação permanente passaram a assumir uma

tendência, a extensão da formação escolar, pois, em vez de educação permanente,

tem-se a permanência da educação e, no caso, a escolarizada. Canário (2003),

refere-se à crítica atribuída a essa importância escolar, pois “assistiu-se,

paradoxalmente, à transformação do planeta em uma gigantesca sala de aula”

(p.193). Tão importante quanto as limitações já citadas e contraditoriamente à

concepção de aprender a ser, está a desvalorização atribuída às aprendizagens

humanas não-escolarizadas, ou seja, a partir das vivências experienciais (CANÁRIO,

1994, 2003).

No último quartil do século XX, assistiu-se, em nome do desenvolvimento da

educação, “a uma erosão progressiva e continuada das referências da educação

permanente que conduziu a sua perversão” (CANÁRIO, 2003, p.193). Pode-se dizer

que em diferentes experiências educativas, mesmo embrionárias e em um contexto

de iniciativa popular, esse movimento se fez presente, e sua matriz era

essencialmente política e filosófica.

Hoje, pode-se dizer que o discurso oficial da aprendizagem ao longo da vida,

marcado a partir da década de 1990, que tem como pretensão a retomada da aposta

do movimento da educação permanente dos anos 70, é bem diferente. Se nos anos

70 havia uma controvérsia, hoje prevalece o consenso, ou seja, a ausência de

debate e a negação do pensamento crítico.

A partir de agora só se admite a discussão sobre os meios, negando-se qualquer pertinência à discussão dos fins, ou seja, àquilo que está no cerne da política e da cidadania. A determinação pelos humanos do seu devir individual e coletivo. De facto, se a justificação da educação permanente era de ordem eminentemente política e filosófica, a argumentação que fundamenta a “aprendizagem ao longo da vida” é de natureza inteiramente diversa (CANÁRIO, 2003, p.193).

A natureza diversa que Canário (2003) refere, tem origem nas transformações

que se sucederam a partir das últimas décadas do século XX e rebatem na forma de

vida dos trabalhadores, determinando suas condições de vida, de resistências e de

acesso às políticas sociais vigentes. Anteriormente, foram destacadas nesse

capítulo, algumas dessas transformações de toda ordem, que vêm influenciando o

trabalho, a educação e a formação profissional no século XXI.

50

O memorando sobre Aprendizagem ao longo da Vida, elaborado pela

Comissão Européia em março de 2000, refere que a aprendizagem ao longo da vida

constitui-se em uma estratégia que tem o intuito fornecer as condições para a

adaptação às novas exigências dos empregadores e ou dos mercados laborais.

Supostamente, há uma preocupação com o desemprego ou com a empregabilidade,

com a mão-de-obra qualificada ou adaptada e com a aquisição de novas

competências. Essa preocupação afasta-se da raiz humanística e crítica,

fundamentos da educação permanente, tendendo a ser diluída nas dimensões

educativas para se afirmar como formação e aprendizagem a serviço dos ideários

neoliberais.

Assiste-se, então, a um chamamento da aprendizagem ao longo da vida, ou

ainda, da “educação ao longo de toda a vida” (DELORS, 2003,p.21), num contexto

de retração do Estado, ou melhor, de retração das políticas sociais, incluindo o

campo da educação, a assistência social e a saúde. Esse contexto reforça a idéia

das responsabilidades individuais pela aquisição de saberes e das chamadas

competências tão necessárias de quadro social competitivo de inserção no mercado

de trabalho.

Observa-se que no Relatório para a UNESCO, da Comissão Internacional

sobre Educação para o século XXI, Delors chama a atenção para a definição de que

“o conceito de educação ao longo de toda vida aparece, pois, como uma das chaves

de acesso ao século XXI” (2003, p.19). A conotação atribuída tem a pretensão de

dar resposta aos desafios postos, por um mundo em rápida transformação, através

de uma necessária compreensão melhor do outro e do mundo. Entretanto, para isso,

a Comissão desse relatório enfatiza a necessária reflexão sobre as diferentes

categorias de ensino (educação básica, ensino secundário e ensino superior) e não

se detém na discussão da educação permanente como um processo educativo fora

dos espaços escolares, dando evidência à aprendizagem ao longo da vida.

Contudo, o que vimos até aqui indica a subordinação existente das políticas

educativas e de formação aos ditames da racionalidade econômica dominante. A

lógica é de que a empregabilidade é resultado de uma aprendizagem bem sucedida

e do empenho individual dos sujeitos.

51

O que está em jogo nessa seara conceitual sobre educação permanente e até

mesmo sobre aprendizagem ao longo da vida, é uma forte concepção ideológica.

Assiste-se, hoje, a uma despolitização e uma desideologização da educação

permanente. Sobre isso, Paulo Freire (1974) faz uma crítica de que não há

necessidade do uso da terminologia permanente, pois as sociedades necessitam de

uma educação em permanência, colocando em evidência, então, a necessária

discussão sobre a educação como prática de domesticação e a educação como

prática de liberdade.

Toma-se como referência, para essa investigação, a educação permanente,

por compreender que sua origem está fincada em princípios éticos e políticos, o que

pode direcionar a construção de uma sociedade em que prevaleça a justiça social e

a emancipação humana, em que a razão técnica não predomine e não subestime a

consciência crítica de sujeitos dotados de desejo e de conhecimentos, capazes de

refletirem sobre seus atos.

Partindo desse entendimento, a educação permanente pressupõe a

combinação de uma diversidade de situações formativas, e, portanto, não se pode

desprezar as experiências vivenciadas de educação continuada que fazem parte da

continuidade da formação inicial da história de vida de um profissional. A educação

continuada poderá visar o aperfeiçoamento profissional no contexto de trabalho ou

em outros espaços que ocorrem fora da escola. Entretanto, a forma como é

organizada depende da relação que esse sujeito estabelece com os outros e com o

mundo diante das situações experienciadas.

É essa concepção que se está defendendo aqui. Sua concretização,

entretanto, está diretamente relacionada a um conjunto de fatores já citados. Entre

esses fatores, está a capacidade de problematização do próprio significado da

educação permanente. Em especial, nessa pesquisa, o espaço em que esta se

desenvolve é o do trabalho e, portanto, a aproximação com a política de saúde no

Brasil se faz necessária, não somente porque esta se orienta pelo princípio da

reflexão crítica do processo de trabalho nesta área, mas, também, porque contribui

com a elucidação de aspectos conceituais e históricos na particularidade do campo

da saúde.

52

2.3.2 A Educação Permanente na Agenda da Saúde no Brasil

Foi no âmbito da saúde, a partir de 1984, impulsionado e sob coordenação do

Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Organização Pan-

Americana da Saúde (OPAS), que ocorreu uma grande mobilização em diferentes

países das Américas, no sentido de reunir uma série de experiências educativas em

saúde.19 O objetivo, na ocasião, foi o de identificar experiências que pudessem

contribuir para o desenvolvimento de novas formas de abordar os problemas

levantados, com o intuito de capacitar as pessoas da área. Nessa direção foram se

somando esforços sob o estímulo criado por um interesse comum, o de modificar as

práticas educativas para transformar a prática de saúde nos serviços. Desse

processo de construção coletiva, surge uma proposta pedagógica baseada na noção

de que o trabalho é o eixo fundamental para a aprendizagem (HADDAD, 1990).

Destaca-se, como essência desta proposta, que o manejo de problemas

comuns do processo de trabalho é o insumo fundamental para organizar e

desenvolver experiências de aprendizagem. A OPAS, então, aponta, a partir dos

anos 1990, uma perspectiva teórica e metodológica para a constituição de

programas de educação permanente em saúde.

Dentre as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde no Brasil em

2003, destaca-se, como idéia central da Política de Gestão do Trabalho e da

Educação na Saúde, a educação permanente como estratégia educacional e de

desenvolvimento para o SUS (MINISTÉRIO DA SAÙDE, 18 de setembro de 2003)20.

Um conjunto de ações foram, então, desenvolvidas pelo Ministério da Saúde junto

aos gestores municipais e estaduais, envolvendo os trabalhadores da saúde nesse

debate, como forma de implantar no Brasil essa proposta, culminando na publicação

da Portaria 198, de 13 de fevereiro de 2004, que institui a Política Nacional de

Educação Permanente em Saúde para adequação às diretrizes operacionais e

19 As primeiras experiências identificadas foram as do Ministério da saúde, no Brasil, do departamento do Valle Del Cauca, na Colômbia e em países da América Central. A partir do exame destas experiências iniciou-se um processo de fundamentação conceitual e desenvolvimento metodológico que facilitou a elaboração coletiva de uma proposta pedagógica (HADDAD, 1990). 20 Ver em pactuação da proposta do Ministério da Saúde “Política de Educação e Desenvolvimento para o SUS: Caminhos para a Educação Permanente em Saúde - Pólos de Educação Permanente em Saúde” pela Comissão Intergestores Tripartite, em 18 de setembro de 2003.

53

regulamento do Pacto pela Saúde. Atualmente, a portaria 198 está sob revisão, de

acordo com “Minuta” do Ministério da Saúde.21

A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, que vêm sendo

discutida, explicita a relação da proposta com os princípios e diretrizes do SUS, da

Atenção Integral à Saúde e a construção da Cadeia do Cuidado Progressivo à

Saúde. Uma cadeia de cuidados progressivos à saúde supõe a ruptura com o

conceito de sistema verticalizado, para trabalhar com a idéia de rede, de um

conjunto articulado de serviços básicos, ambulatórios de especialidades e hospitais

gerais e especializados, em que todas as ações e serviços de saúde sejam

prestados, reconhecendo-se contextos e histórias de vida, e assegurando adequado

acolhimento e responsabilização pelos problemas de saúde das pessoas e das

populações (MINUTA PORTARIA DE REVISÃO 198).

É importante destacar que a relevância dada à discussão da educação

permanente não se sobrepõe e nem inviabiliza a educação continuada, mas tem-se,

como desafio, a primeira, pois permite considerar os problemas da organização do

trabalho, a especificidade de cada realidade local e as características do processo

de trabalho concreto do espaço sócio-ocupacional ou do serviço em questão.

Mesmo reconhecendo que ambas conferem uma dimensão temporal de

continuidade da aprendizagem por toda a vida, fincam-se em princípios

metodológicos diferentes. A educação continuada diz respeito à continuidade da

formação inicial visando o aperfeiçoamento profissional, mas nem sempre esse

aperfeiçoamento atende às necessidades oriundas da organização do trabalho, e,

tampouco, modifica as estruturas e os processos no sentido de qualificá-los no que

diz respeito ao atendimento das demandas.

21 Conforme art.1- Definir estratégias para implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, reafirmando as atribuições das três esferas de governo, para adequação à normatização vigente e às deliberações do Conselho Nacional de Saúde. Parágrafo Único: A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde deve considerar as especificidades regionais, a superação das desigualdades regionais, as necessidades de formação e desenvolvimento para o trabalho em saúde e a capacidade já instalada de oferta institucional de ações formais de educação na saúde (p.2). Sugiro ver em Minuta Portaria Revisão 198, Ministério da Saúde.

54

Os estudos no âmbito da saúde sobre a temática,22 referem que a educação

continuada, geralmente, aponta para um caminho planejado centralmente e apoiado

em processos racionais. “Neste caso, espera-se que a educação atualize, melhore a

competência técnica e articule-se com a carreira individual dos sujeitos”

(ROSCHKEL, 1993, p, 6) e, dessa forma, acaba-se não se questionando o próprio

processo de trabalho e, tampouco, esse se constitui em uma categoria de análise

central capaz de orientar propostas educativas e de mudanças. As experiências que

seguem a formação inicial são compreendidas como aquelas que permitem ao

trabalhador atualizar, manter ou melhorar sua competência, para que desenvolva

suas responsabilidades no trabalho (DAVINI, 1994).

Entretanto, essa compreensão sobre educação continuada suscita um

conjunto de questionamentos, pois o que garante que a aquisição de conhecimentos

pode contribuir com a efetivação de mudanças nas práticas organizacionais? O fato

de um profissional manter o seu conhecimento atualizado lhe dá condições de

contribuir com a melhoria do seu processo de trabalho e com as relações de trabalho

que estabelece entre os profissionais da equipe da qual faz parte? Até que ponto as

capacitações são desenvolvidas a partir de conteúdos oriundos de uma situação de

trabalho ou de uma demanda materializada a partir da necessidade de um usuário

do serviço em questão? Para que se possa responder a essas questões, deve-se

levar em conta a necessidade de uma “revisão das concepções pedagógicas

predominantes que, ao entenderem a prática como mera aplicação do

conhecimento, esvaziam-se de sentido e estabelecem uma relação linear e simplista

entre o fazer e o saber” (RIBEIRO, 2007, p. 4).

O enfoque da educação permanente, ao contrário, tem como desafio detectar

necessidades no próprio processo de trabalho, à luz de contextos específicos. A

educação permanente é aprendizagem no trabalho, em que o aprender e o ensinar

se incorporam ao cotidiano das organizações e ao trabalho. A educação permanente

se baseia na aprendizagem significativa e na possibilidade de transformar as

práticas profissionais.

22 A área da saúde (promovida pela Organização Pan-Americana da Saúde - OPAS) no final dos anos 1980 designa a Educação Permanente como vertente pedagógica para o desenvolvimento de pessoas e de mudanças no cotidiano do sistema. Sobre este assunto sugere-se ver em Mª Alice Roschke, Mª Cristina Davini e Jorge Haddad (HADDAD et al. 1993).

55

Portanto, a educação permanente pode ser entendida como aprendizagem-

trabalho, ou seja, a que acontece no cotidiano das pessoas e das organizações.

Desenvolve-se a partir dos problemas enfrentados na realidade e leva em

consideração os conhecimentos e as experiências que os profissionais já têm.

Propõe que os processos de educação dos trabalhadores da saúde se façam a partir

da problematização do processo de trabalho, e considera que as necessidades de

formação e de desenvolvimento dos trabalhadores sejam pautadas pelas

necessidades de saúde das pessoas e das populações. Os processos de educação

permanente em saúde têm como objetivos a transformação das práticas

profissionais e da própria organização do trabalho (MINISTÉRIO DA SAÙDE,

Portaria 198).

Partindo-se dessa orientação, alcançar a mudança pressupõe partir de um

processo crítico do próprio trabalho, integrando as demandas objetivas com as

experiências da prática profissional. Seguindo essa linha de pensamento, o

processo de aprendizagem pode caracterizar-se como reconstrutivo, pois vai além

da simples atualização e, em essência, apela para um profundo enfrentamento entre

velhos padrões e o desenvolvimento de outros radicalmente distintos. “Conduz-se

mais para a construção de novas metas, políticas, normas e formas de organização

e comunicação no trabalho, do que para a simples modificação do velho”

(ROSCHKEL, 1993, p.6).

Ainda que o gestor federal seja proponente da educação permanente em

saúde no Brasil como um processo de gestão colegiada e verticalizada, que propõe

a superação das formas tradicionais de capacitação e de qualificação dos

profissionais, de democratização institucional, de aprendizagem significativa a partir

da problematização das situações de trabalho (CECCIM e FEURWERKER, 2004),

há que se reconhecer a necessária compreensão dessa concepção nos diferentes

níveis hierárquicos, pois sendo a gestão do SUS municipalizada, essa política fica

vulnerável a interesses e a critérios políticos locais. Por isso, a importância da

problematização da concepção da educação permanente torna-se fundamental, em

particular quando é tomada como referência de uma política de formação de

trabalhadores, pois há uma tendência em atribuir significado à mesma que não

aqueles calcados nas dimensões éticas e políticas, nas necessidades dos

56

trabalhadores e nas necessidades dos usuários, entre outros aspectos que devem

ser considerados.

Portanto, sabe-se que a formação dos profissionais que atuam na saúde é

fundamental, e é exatamente no espaço-tempo da universidade que se tem como

desafio formar profissionais comprometidos ética e politicamente com uma

sociedade justa e humanitária. Tal direção social pressupõe a universalização dos

direitos, e, por isso, na busca intransigente da consolidação do SUS através da

atuação responsável e com capacidade de reflexão crítica sobre o seu modo de

fazer saúde. Assim, a concepção de educação permanente referida na política de

saúde brasileira, ao evidenciar a importância da reflexão crítica do processo de

trabalho, valoriza as experiências dos trabalhadores vivenciadas no campo da

saúde.

Finalmente, os pressupostos teóricos tratados até aqui são explorados nos

seus aspectos conceituais e históricos, mas para que se possa refletir sobre sua

experiência profissional, o trabalhador deve possuir um conhecimento das

dimensões do seu processo de trabalho, o que será tratado no capítulo a seguir.

57

3 REFLEXÕES SOBRE AS DIMENSÕES DO PROCESSO DE TRABALHO

O trabalho não é algo que se explique e se compreenda, mas uma realidade que se insere na vida dos homens. Devemos inseri-lo nela com a ação eficiente de nossa educação; é trabalhando que se estimula a função do trabalho até adquirir todo o seu sentido e todo o seu valor humano (FREINET, 1998, p.310).

Em que pese os avanços das discussões e das análises teóricas produzidas

no âmbito do Serviço Social sobre a categoria processo de trabalho, não há como

deixar de tratá-la nesse estudo e, tampouco, se teve essa intenção. Nessa

investigação sobre a educação permanente dos assistentes sociais, que pressupõe

uma reflexão crítica sobre o processo de trabalho, o trato sobre a categoria tornou-

se condição sine qua non.

Ao completarmos mais de uma década de consolidação da proposta nacional

das diretrizes curriculares para os Cursos em Serviço Social, é pertinente refletir

acerca das categorias que orientam o atual projeto de formação profissional,

sobretudo a Questão Social e o Processo de Trabalho. Reconhecer o Serviço Social

como uma profissão eminentemente interventiva no âmbito da questão social, é

motivo suficiente para reflexão permanente sobre o seu processo de trabalho. No

capítulo anterior discorremos sobre alguns fragmentos desta realidade que

demarcam a forma como vive a população brasileira.

Entretanto, a leitura dessa realidade deve ser feita coletivamente pelos

assistentes sociais para que estes possam construir estratégias no âmbito do

trabalho, a partir das peculiaridades e das especificidades locais, para romper com o

ciclos de exclusão, de pobreza, de desigualdade, de violência, de discriminação, de

injustiça e de exploração, entre outros, além da violação dos direitos humanos,

principalmente, quando se trata de um segmento da sociedade brasileira que ainda

padece de um sistema de proteção social justo e que considere o cidadão como um

sujeito de direito e, por conseqüência, digno de acesso aos serviços que possam

atender suas necessidades sociais. É esse cenário, marcado por mudanças de toda

ordem social, econômica e política, que nos convoca para a construção de

estratégias de enfrentamento da questão social. Uma dessas estratégias está na

possibilidade de considerarmos a educação permanente, que é a reflexão crítica

sobre o processo de trabalho, como uma dimensão formativa no âmbito do Serviço

58

Social, pois as situações de trabalho vivenciadas pelos assistentes sociais podem se

constituir em experiências de aprendizagens significativas que incidem na qualidade

dos serviços prestados, uma vez que atendam as necessidades sociais da

população usuária.

Com base no que foi exposto, procura-se desenvolver as reflexões desse

capítulo, focando três aspectos que se articulam simultaneamente. Inicialmente, faz-

se uma breve análise sobre Processo de Trabalho, categoria fundamentada pela

Teoria Social Crítica de Marx, que, nos anos 1980, tornou-se a base teórica de

reorientação da profissão dos Assistentes Sociais. Num segundo momento,

privilegia-se a reflexão sobre a Questão Social, “base de fundação sócio-histórica do

Serviço Social” que, de acordo com os estudos de Iamamoto (2000), é considerada

objeto de trabalho dos profissionais, pois “é ela em suas múltiplas expressões que

provoca a necessidade da ação profissional” (2000, p. 57). Para tanto, realiza-se

uma revisão bibliográfica que percorre a leitura sociológica sobre a questão social,

bem como as discussões mais recentes no âmbito do Serviço Social.

O último aspecto volta-se para a dinâmica concernente aos elementos que

constituem o processo de trabalho, pois entende-se que a reflexão não é somente

da prática, mas de todo um contexto sócio-histórico que determina não somente o

objeto de intervenção, mas também as escolhas dos meios e dos instrumentos de

trabalho, propulsores de resultados e de resolutividades no atendimento às

necessidades sociais postas e de consolidação de um projeto ético político

profissional.

3.1 UMA CATEGORIA EM ANÁLISE: PROCESSO DE TRABALHO

Inicialmente, é pertinente lembrar que as diferentes escolas clássicas da

teoria social compartilham do ponto de vista de que a categoria trabalho é o

elemento central para a compreensão do sentido social e econômico das

transformações que ocorrem nas sociedades modernas e contemporâneas.

Podemos citar, entre alguns clássicos da teoria social, Marx, Durkheim e Weber, que

“concebem a sociedade moderna e sua dinâmica central como uma sociedade do

trabalho” (OFFE, 1985, p. 166). O modelo de uma sociedade burguesa consumista,

59

preocupada com o trabalho, movida por sua racionalidade e abalada pelos conflitos

trabalhistas, apesar de suas abordagens metodológicas e de construções teóricas

diferentes, é o foco da produção teórica, assumida por essas distintas correntes

teóricas (OFFE, 1995).

Trazer a categoria trabalho para o centro da explicação das regularidades

sociais não significa aderir a uma única perspectiva de análise. Enquanto, por

exemplo, “para Marx, o trabalho gera conflito, para Durkheim, ele é fonte de

solidariedade e de coesão sociais” (COHN, 1993, p. 56). Entretanto, neste estudo,

destaca-se o caso especifico de Marx, pois mais do que qualquer outro autor, esse

analisa detalhadamente a evolução das condições e dos princípios organizativos e

técnicos que viabilizam o capitalismo e evidenciam que a lógica de valorização do

capital passa, obrigatoriamente, pelo controle capitalista do processo de trabalho.23

É Marx (1988) quem afirma em O Capital, que é especifico do trabalho

humano a sua característica de ser pensado, e, portanto, consciente e proposital.

Para Marx, o processo de trabalho aparece como resultado daquilo que já estava

projetado na mente do homem, idealizado na imaginação do trabalhador. Assim, o

homem não transforma somente o material sobre o qual incide sua ação, mas

imprime a esse o projeto que tinha conscientemente em foco, determinando,

portanto, o modo de operacionalizar o seu processo de trabalho,

e ao qual tem de subordinar sua vontade. E esta subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho (MARX, 1988, p.202).

Tratar a concepção de processo de trabalho associando-a ao sistema

capitalista vigente remete-nos “à unidade dialética entre o processo de trabalho,

(entendido como trabalho humano genérico executado para a criação de valores de

uso) e o processo de criação de valor (entendido como a forma capitalista de

organização da produção da execução da mais-valia)” (CATTANI, 2006, p.207),

conceito esse que, para ser compreendido, implica em um sistema articulado de

23 Nas seções III e IV do Livro I de O Capital, encontramos um dos mais completos estudos teóricos de Marx sobre a estrutura do Processo de Trabalho (os capítulos “Divisão do Trabalho e Manufatura” e “ Maquinismo e Grande Indústria’) o que torna-se leitura fundamental para entender o capitalismo como forma social e como organização técnica. Sugiro ver em Marx- O Capital (1988).

60

noções e de pressupostos que questionam, definem e qualificam os fenômenos

observados (CATTANI, 2006).

De acordo com os estudos de Marx(1988), considera-se processo de trabalho

a todo processo de transformação de um determinado objeto em um determinado

produto, a partir de uma atividade humana que utiliza-se de meios e de instrumentos

de trabalho para sua execução. Essa atividade humana é o próprio trabalho, tal

como referido por Marx (1988, p.25) “a utilização da força de trabalho é o trabalho”.

Portanto, é durante o processo de consumo desta força de trabalho pelo capitalista

que o trabalhador mobiliza capacidades e competências físicas e intelectuais

humanas, considerando-se objetivos preestabelecidos. Dessa forma, todo processo

de trabalho deverá ser analisado a partir de um contexto sócio-histórico, pois

o processo de trabalho é expressão de processos sociais e políticos, articulados a um padrão tecnológico, cuja modelagem é variável e vincula-se às transformações que ocorrem nos componentes do próprio processo. Isso quer dizer que mudanças introduzidas em cada um desses componentes influenciam-se mutuamente e incidem na formatação do todo (HOLZMANN, 2006, p.209-210).

Braverman (1987), um dos pioneiros nas investigações e nas reflexões

analíticas sobre processo de trabalho a partir do desenvolvimento da tecnologia e da

maquinaria e de seu emprego na sociedade capitalista, enfatiza a degradação do

trabalho no século XX, situação essa cada vez mais constatada pelos estudos

contemporâneos. De acordo com essa perspectiva, se o processo histórico

determina as formas concretas que assumem a sociedade, a determinação histórica

não tem o caráter de uma imposição, nem a rigidez de uma reação química. O modo

de produção, a maneira pela qual os processos de trabalho são organizados e

exercitados, não depende apenas da tecnologia empregada, mas é basicamente o

produto histórico das relações sociais dominantes na sociedade (BRAVERMAN,

1987).

A partir do inicio dos anos 1970 os estudos sobre o processo de trabalho

começaram a se multiplicar quando, então, a “sociologia passou a redirecionar suas

atenções para o modo como o capital organiza o consumo produtivo de sua força de

trabalho” (LEITE, 1994, p. 48). Tais estudos realizados, com ênfases variadas,

buscavam elucidar as formas concretas que assumiu, historicamente, a organização

61

do processo produtivo, bem como a evolução das condições de trabalho e o impacto

das novas tecnologias, entre outras situações.

Braverman (1987), através de seu minucioso estudo da organização do

trabalho na fase do capital monopolista, faz um levantamento sobre os diversos tipos

de processos de trabalho e concluiu que, em todos esses processos, a acumulação

de capital implica na permanente degradação da força de trabalho.

A partir daí, sucederam-se inúmeras pesquisas e análises que tinham, como

objetivo, recuperar as formas de dominação que o capital desenvolvia nas

empresas, a partir da organização do processo de trabalho. Começa a ser escrita

uma nova história da classe operária, “na qual a ação dos trabalhadores passou a

ser analisada em função do seu significado para as relações de poder, cristalizadas

na relação entre capital e trabalho e expressas na disputa pelo controle de

produção.” (LEITE, 1994, p 49). Surge uma nova postura teórica que prioriza a

questão das classes enquanto atores sociais no centro da discussão.

Os estudos referentes às décadas de 1980 e 1990 apresentaram aspectos

importantes sobre as transformações no mundo do trabalho, demonstrando as

inquietações que envolvem, principalmente, a introdução de novas tecnologias e as

novas formas de organização do trabalho. As modificações foram tão intensas na

década de 1980 que a classe trabalhadora sofreu “a mais aguda crise deste século,

que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua

subjetividade e, no inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser”

(ANTUNES, 1995, p.15).

Considerando as mudanças na produção, Harvey (1993, p.140) as qualificou

de:

acumulação flexível, apoiada na flexibilidade dos processos de trabalho, do mercado de trabalho dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.

Evidencia-se, assim, que as alterações nas formas de gestão do trabalho,

iniciadas nas últimas décadas do milênio passado, têm em vista atender aos

62

padrões de qualidade, produtividade e lucratividade, estabelecidos pela

competitividade internacional, nos marcos da globalização, da produção e dos

mercados. Pode-se dizer que as mudanças na demanda de mão-de-obra e em seus

padrões de qualificação têm implicado numa racionalidade de emprego, dentre

outras questões. Os novos processos de trabalho e a implantação crescente de

novas tecnologias implicam em cortes, cada vez maiores, de postos de trabalho, e

na violação dos direitos sociais dos trabalhadores. Também, é nessa época que se

verificam os efeitos brutais das transformações econômicas e sociais sobre o destino

de inumeráveis assalariados “que vêem seu emprego ameaçado e com freqüência

suprimido, que vêem a sua qualificação tornar-se obsoleta e inadequada para fazer

face às evoluções das profissões” (MALGLAIVE, 1996, p.34).

Sendo assim, toda uma nova maneira de produzir e, portanto, de trabalhar,

vem marcar esse cenário contemporâneo, assinalado pela precarização do trabalho

e o desemprego estrutural (ANTUNES, 2005 ; MENDES, 2003, TUNGUY, 1999). O

desemprego não é mais um fenômeno temporário, é algo que veio para ficar, é o

que caracteriza uma nova categoria social, a categoria dos “desempregados de

longa duração24” (GUIMARÃES, 2002, p.107).

Além disso, a violação dos direitos sociais, a falta de regulação e de proteção

ao trabalho é experienciada pela maioria da população que vive do trabalho

precário. Considerando-se esse cenário, legitima-se a idéia de que o trabalho

permanece como referência central na sociedade atual, não só em sua dimensão

econômica, mas também quando se concebe o trabalho em seu universo

psicológico, cultural e simbólico, fato perceptível quando se analisam as reações

daqueles que vivenciam cotidianamente o flagelo do desemprego, do não - trabalho,

do não-labor (CASTEL, 2004).

Outro aspecto importante e determinante na reflexão sobre processo de

trabalho diz respeito à forma como se dão as relações de trabalho que emergem do

conflito de interesses entre o capital e o trabalho. O modo como está organizado um

sistema produtivo específico vai definir os padrões das relações de trabalho entre os

24 No artigo “Por uma nova sociologia do desemprego”, a autora rastreia o movimento de re-significação que se opera em torno da noção da constituição da nova figura do “desempregado de longa duração”. Sugiro ver em Guimarães (2002).

63

agentes sociais que ocupam diferentes papéis em um processo de produção.

Portanto, as relações de trabalho, independentemente da complexidade de cada

situação ou da peculiaridade assumida, “ são determinadas pelas características das

relações sociais, econômicas e políticas da sociedade abrangente” (FISCHER, 1987,

p.19). Assim sendo, a discussão das relações de trabalho devem ser compreendidas

e apreendidas, como formas de relacionamento social (FISCHER, 1987) e, portanto,

expressam características de um cenário histórico, conjuntural e setorial num

espaço-tempo social e político determinado. A análise das relações de trabalho e as

diferentes formas de impactar a vida dos trabalhadores pressupõem considerar o

espaço social e político em que se realizam: “a organização do processo de trabalho,

a elaboração das políticas administrativo-organizacionais e a prática cotidiana dos

agentes sociais em relação” (FISCHER, 1987, p.20).

Esse conjunto de observações pertinentes à análise da categoria processo de

trabalho leva ao segundo ponto deste texto em que se procura aprofundar a

compreensão da questão social, uma vez que esta e suas múltiplas expressões,

constituem-se no objeto de trabalho dos assistentes sociais. Assim, a questão social

é tratada, aqui, como uma subcategoria intrínseca à discussão do processo de

trabalho dos Assistentes Sociais.

3.2 A QUESTÃO SOCIAL EM PAUTA

Seria um equívoco referir que há somente uma compreensão e um sentido

atribuído à expressão questão social, pois, mesmo no âmbito do Serviço Social,

essa é uma discussão presente. Tal fato nos instiga a retomar essa reflexão e trazer

aqui pressupostos teóricos que permitam apreender o sentido da questão social,

principalmente como objeto de trabalho do Serviço Social, uma vez que esse

constitui-se “ponto saliente, incontornável e praticamente consensual” na agenda

contemporânea do Serviço Social brasileiro (NETTO, 2001, p.41).

Tratar a questão social como um tema em pauta é considerá-la não como

algo estático, isolado ou como um problema natural de uma determinada sociedade,

mas, sim, como resultado de um processo histórico de conflito na relação capital e

trabalho, que vem adquirindo novas modalidades nos últimos tempos, por força de

64

mudanças profundas na reestruturação produtiva, na forma de gestão do Estado,

nas políticas sociais, e pelo “chamado ‘princípio de exclusão’, que se concretiza

tanto da parte dos excluídos do processo produtivo do trabalho salariado, quanto da

parte dos excluídos pela origem étnica, pela identidade cultural e pelas relações de

gênero” (WANDERLEY, 2004, p.59). Entretanto, mais do que trazer um conceito de

questão social, é preciso compreender os fundamentos da conceituação que está

sendo atribuída, através de uma releitura histórica, principalmente, ao se considerar

essa reflexão no âmbito do Serviço Social.

Nos estudos do sociólogo Robert Castel, encontram-se reflexões instigantes e

fundamentos para a discussão da questão social, referenciados na obra As

Metamorfoses da Questão Social, lançado em 1995, na França. Mesmo sendo uma

obra que encontra sua referência central na realidade histórica da sociedade

européia, em particular na França, o que, certamente, se diferencia do contexto

brasileiro, principalmente em função de falta de um Estado Social provedor de

políticas de proteção e que tem como marca a desigualdade social,25 entre outras

situações, o texto é um dispositivo para a reflexão daquilo que é similar ou diferente

no que se refere à trajetória da questão social no Brasil.

Para início dos argumentos aqui abordados, é pertinente citar a forma como

Castel (2005) refere-se ao termo utilizado – metamorfoses –, pois este não se

constitui numa metáfora que sugere que “a perenidade da substância permanece

sob a mudança de seus atributos”, pois, ao contrário, diz que “uma metamorfose faz

as certezas tremerem e recompõe toda paisagem social” (2005, p. 28).

Entretanto, ainda que fundamentais, as grandes mudanças não representam inovações absolutas quando se inscrevem no quadro de uma mesma problematização. Entendo por problematização a existência de um feixe unificado de questões (cujas características comuns devem ser definidas) que emergiram num dado momento (que é preciso datar), que se reformularam várias vezes através das crises, integrando dados novos (é necessário periodizar essas transformações) e que hoje ainda estão vivas (CASTEL, 2005, p.28-29).

25 A sociedade brasileira tem como marca a desigualdade social, pois há três décadas encontra-se no podium do índice de Gini, que mede a desigualdade social de todos os países. O índice GINI é o parâmetro internacionalmente usado para medir a concentração de renda. O coeficiente GINI varia de zero a 1,00. Zero significa, que todos os indivíduos teriam a mesma renda e 1,00 mostraria que apenas um indivíduo teria toda a renda de uma sociedade (www.folha.uol.com.br. Acessado em 10/6/2006). Sobre este assunto sugiro ver: POCHMANN, Marcio. Nova Política de inclusão socioeconômica. UNESCO, 2005.

65

É sob esse argumento de releitura da história, tendo como referência o já

relatado pelos historiadores, que Castel faz uma leitura sociológica, situando-se

sobre os registros epistemológicos existentes, introduzindo, assim, sua análise sobre

a categoria questão social.26

O amplo percurso histórico traçado por Castel (2005) sobre a constituição da

sociedade salarial moderna - tipo de seguridade ligada ao trabalho e não somente à

propriedade, ao patrimônio - até a centrar-se na discussão da questão social em

tempos de ideários neoliberais que desnudam as precarizações das relações de

trabalho e o desmonte de políticas sociais públicas, são, sem dúvida, temas

ambiciosos que fogem, em profundidade, daquilo que se propõe tratar aqui.

Entretanto, busca-se, nessa referência, o sentido atribuído à questão social,

que é caracterizada como uma aporia fundamental, uma dificuldade central, “sobre a

qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de

sua fratura” (CASTEL, 2005, p.30). É um desafio que questiona a capacidade de

uma sociedade existir como um todo, como um conjunto ligado por relações de

interdependência. Tal definição, apesar de parecer um pouco abstrata, ilustra a

situação do início do século XIX, nos primórdios da industrialização, quando, então,

a questão social foi explicitamente nomeada pela primeira vez através da ameaça de

fratura representada pelos proletários da época, mais especificamente na Europa,

nos anos 1830, quando se tomou consciência da existência de populações que

foram, “ao mesmo tempo, agentes e vítimas da Revolução Industrial” (CASTEL,

2005, p.30).

Foi ao longo do século XIX, com o amadurecimento da organização do

movimento operário, que os trabalhadores europeus muniram-se de estratégias de

lutas, colocando o Estado burguês numa posição mais vigilante às reivindicações

dos trabalhadores, e em “estado de permanente ansiedade” (MARTINELLI, 2007,

p.93). Esta tomada de consciência operária não se refere somente ao

reconhecimento das condições desumanas de vida e de trabalho da população da 26 Este entendimento é fundamental para que se compreenda o ponto de partida de Castel (2005) quando apresenta seus argumentos sobre as metamorfoses da questão social, o que o diferencia de outros autores (ainda a serem tratados aqui neste artigo) que discutem a temática, uma vez que, mesmo sendo a questão social nomeada pela primeira vez em 1830, suas análises apontam e questionam a existência de uma “questão social” nas sociedades pré-industriais da Europa ocidental. Sugiro ver em Castel (2005).

66

época, nem ao pauperismo que ameaçava a ordem social e política, que emerge

desse processo de industrialização, ”mas, também, pela tomada de consciência e

reação dessa classe contra essas condições” (PEREIRA, 2003, p.112). Esse,

portanto, foi um momento em que difundiu-se a convicção da existência de um hiato,

pois há, de fato, “uma ameaça à ordem política e moral” (CASTEL, 2005, p.30), e,

para a burguesia, era preciso encontrar um remédio que fosse eficaz para combater

o pauperismo e prevenir-se para a desordem do mundo. A industrialização

selvagem, oriunda de uma ordem econômica, acarretava uma miséria e uma

desmoralização de massa, e as tensões sociais vigentes colocavam em risco a

sociedade liberal (CASTEL, 2005).

Sob esse aspecto, comportam aqui as reflexões da Pereira (2003) quanto às

perspectivas teóricas sobre a questão social, ao salientar a articulação, ao mesmo

tempo, entre estrutura e sujeitos históricos pois,

de um lado a questão social é constituída de fatores estruturais, que independem da ação política de sujeitos em dadas circunstâncias; e, de outro, contém ações deliberadas e conscientes de sujeitos que querem mudar a sua história. Donde se concluí que, isoladamente, nenhum desses dois elementos é capaz de suscitar a questão social. A questão social é produto e expressão da relação contraditória entre esses dois elementos, ou sucintamente, é produto e expressão da contradição fundamental entre capital e trabalho historicamente problematizada (PEREIRA, 2003, p.112).

Para Castel (2005), a questão social, na primeira metade do século XIX,

descrita pela maior parte dos observadores sociais da época sob a forma de

pauperismo, não é mais a questão de hoje. Esse proletariado miserável e subversivo

que marcava a condição operária no início da industrialização, foi se transformando

em uma classe operária relativamente integrada, em função da tomada de

consciência coletiva de classe27, processo esse que se afirma, sobretudo, a partir da

segunda metade do século XIX e se prolonga até o início do século XX.

Com o desenvolvimento da industrialização e da urbanização, o salariado se

instala, passa a ser um estado permanente e para a burguesia “é preferível aceitar

27 Castel discorre sobre a condição operária na França e a nova relação salarial que deixa de ser a retribuição pontual de uma tarefa e assegura direitos, dá acesso a subvenções extra trabalho (doenças, acidentes, aposentadoria) permitindo nos anos 1930 uma participação ampliada do operário na vida social. Porém esboça-se uma estratificação mais complexa entre os dominantes- dominados, pois ao mesmo tempo a classe operária vive a participação na subordinação. Sugiro ver em Metamorfoses da questão social, no capítulo VII, sobre a Sociedade Salarial (2005).

67

sua consolidação do que ver se desenvolver no coração da sociedade industrial

massas atingidas pelo pauperismo generalizado” (CASTEL, 2004, p. 242).

É, então, nesse palco histórico em que está posta a questão social

determinada pelo conflito entre o capital e o trabalho, que emerge uma necessidade

burguesa de controlar a ordem social (MARTINELLI, 2007) e o próprio espírito de

luta dos trabalhadores da época. Antes mesmo de finalizar a primeira metade do

século XIX, a classe trabalhadora deixa evidente a “sua força política e a sua

presença de classe” (MARTINELLI, 2007, p.99). Desse modo, com a intenção de

controlar a ordem social é que surge uma

aliança da alta burguesia inglesa com a Igreja e com o Estado nascera, sob a iniciativa da primeira, a Sociedade de Organização da Caridade. Em seus esforços de racionalizar a assistência, ela criara a primeira proposta prática para o Serviço Social no terço final do século XIX (MARTINELLI, 2007, p.99).

Tal sociedade tinha o entendimento claro de que somente coibindo as

práticas de classe dos trabalhadores, como forma de impedir suas manifestações

coletivas, poderia se manter um controle sobre a questão social, assegurando,

assim, o “funcionamento social adequado” (MARTINELLI, 2007, p.99). As alianças

que se sucederam nas primeiras décadas do século XX, entre a própria classe

dominante, como mecanismo de manutenção e de fortalecimento do monopólio do

capital, e com o Estado, “resultou numa grande pressão sobre os trabalhadores para

impedir sua marcha organizativa” (MARTINELLI, 2007, p.95).

Diante de tais circunstâncias, a classe dominante recorre aos agentes que

criará para cuidar do enfrentamento da questão social, e, na entrada da quarta

década do século XX, o número de assistentes sociais crescerá “e sua prática já

ganhara foro profissional propriamente dito” (MARTINELLI, 2007, p.95). Assim, os

assistentes sociais tinham como demanda atuar no contexto da estrutura e das

relações sociais que peculiarizavam a sociedade do pós-guerra, sendo, então, essa

a tarefa que a classe dominante reservava para os assistentes sociais naquele

momento. “Não se tratava de empreendimento de fácil execução, pois

historicamente a realização da prática assistencial esteve bastante distanciada das

relações sociais, associando-se mais a caridade” (MARTINELLI, 2007, p.96).

68

Nessa sucinta transcrição histórica, de um recorte que relaciona o surgimento

do Serviço Social com a reflexão sobre a compreensão da concepção da questão

social, não se pode deixar de citar a marcante identidade atribuída à profissão pela

classe dominante, diante do contexto sócio-histórico.

Tal identidade era, portanto, especialmente útil para a burguesia, pois além de lhe atribuir os canais necessários para a realização de sua ação de controle sobre a classe trabalhadora, fornecia-lhe o indispensável suporte para que se criasse a ilusão necessária de que a hegemonia do capital era um ideal a ser buscado por toda a sociedade (MARTINELLI, 1991, p.124).

No Brasil, numa aliança entre a burguesia e setores da igreja católica, havia

sido criado o Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo - CEAS, nos anos de

1932, que desempenhou um importante papel para qualificar as chamadas agentes

para realização da prática social, através de um Curso Intensivo de Formação Social

para Moças, marcando, assim, a caminhada do Serviço Social brasileiro, que iniciará

“sobre o signo da aliança com a burguesia” (MARTINELLI, 2007, p.123).

Contudo, na época, a ausência de um projeto profissional específico, de uma

identidade profissional, produzia uma grande fragilidade em termos de consciência

política e social. A insustentabilidade de uma prática esvaziada de realidade política

e social, distante das demandas da classe trabalhadora, atendendo mecanicamente

e “inquestionadamente aos interesses de seus contratantes, compradores de sua

força de trabalho”, (MARTINELLI, 2007, p.143), gerava, no âmbito da própria

categoria, alienação e crítica, “não como dois blocos monolíticos, mas como termos

opostos pela indeterminação da identidade atribuída e abafada pelo pensamento

conservador” (2007, p.145).

Os tópicos sobre as raízes do Serviço Social, aqui em parte citados, mas

amplamente tratados na bibliografia específica do Serviço Social28, tratam dos

aspectos históricos de uma profissão que institui-se a partir do pensamento

conservador e dominante. Entretanto, destaca-se a importância dessa releitura para

compreender os movimentos da profissão e as rupturas que se sucederam, de

superação da alienação e das próprias origens burguesas, assumidas coletivamente

28 Encontra-se na produção de conhecimento no âmbito do serviço social estudos pioneiros sobre os aspectos e fundamentos históricos da gênese da profissão de Assistente Social. Sugiro ver em Iamamoto e Carvalho (1982), Martinelli (2007).

69

ao longo do século XX, de onde emerge o reconhecimento e a construção de um

processo de trabalho fincado em princípios críticos, desde as últimas décadas do

século XX, o Serviço Social brasileiro

redimensionou-se e renovou-se no âmbito da sua interpretação teórico-metodológica e política, num forte embate como o tradicionalismo profissional e seu lastro conservador, adequando criticamente a profissão às exigências do seu tempo, qualificando-a academicamente (IAMAMOTO, 2002, p.20).

É então, iluminados por uma perspectiva teórico-crítica, que os Assistentes

Sociais têm como desafio no seu desempenho profissional cotidiano, “apreender e

revelar os novos meandros da questão social” (IAMAMOTO, 2002, p.31). Tal

necessidade posta ao profissional, de atender as exigências das múltiplas

expressões da questão social, evidenciam o quanto a problematização e a

compreensão das configurações atuais fazem parte dos objetivos do processo de

trabalho profissional.

Dessas configurações emerge a discussão sobre a sociedade salarial,

apontada não somente como uma sociedade na qual a maioria da população é

assalariada, mesmo sendo essa uma afirmativa a ser considerada. Trata-se

também, de compreendê-la, sobretudo como uma sociedade na qual “a maioria dos

sujeitos sociais têm sua inserção social relacionada ao lugar que ocupam no

salariado, ou seja, não somente sua renda, mas, também, seu status, sua proteção,

sua identidade” (CASTEL, 2004, p.243).

Para exemplificar esse entendimento, Castel (2004), cita, então, a situação da

França, onde, nos anos 1970, havia 82% da população ativa assalariada, o que

caracteriza a trajetória na Europa, que, nessa época, então, vivencia o declínio

desse processo. Se essa sociedade salarial inventou um novo tipo de seguridade

ligada ao trabalho, e não somente ligada à propriedade e ao patrimônio, é

justamente das mudanças que ocorreram no mundo do trabalho que emergem

novas situações de trabalho, caracterizadas pela falta dessa proteção social.

Ao analisar essas configurações, deve-se levar em conta a particularidade

sociohistórica de cada conjuntura, pois o cenário, na França, diferencia-se do

processo vivenciado no Brasil. A proteção social, em países como o nosso, sempre

70

esteve relacionada aos mínimos sociais29 e com os ideários neoliberais se

instalando no cenário brasileiro, a situação da precarização das relações de trabalho

teve um efeito bombástico afetando a classe que vive do trabalho (ANTUNES,

1995).

É partindo dessa nova configuração da sociedade salarial que Castel refere-

se a uma nova questão social nos dias de hoje e questiona a função integradora do

trabalho na sociedade. A desmontagem do sistema de proteções e garantias que

são vinculadas ao emprego, e uma desestabilização, ou seja, a falta do trabalho,

repercute como uma espécie de choque para diferentes setores da vida social, que

extrapolam o mundo do trabalho, colocando os indivíduos em situação de risco,

podendo oscilar da condição de vulneráveis socialmente, para a desfiliação social

(CASTEL, 2004).

Essa oscilação dos sujeitos em diferentes “zonas” da vida social se dá na

medida em que a relação do trabalho for mais ou menos assegurada e a inscrição

em redes de sociabilidade mais ou menos sólida. Observam-se sujeitos que vivem

do trabalho precário, por isso encontram-se em uma situação vulnerável, e aqueles

que perderam o trabalho, ou, ainda, encontram-se isolados socialmente,

denominados “os excluídos.” Entretanto, essa condição imposta pela conjuntura

social é mutante, ou seja, a questão social se transforma ao longo dos anos e, por

isso, deve ser analisada a partir de contextos sociohistóricos específicos.

Mesmo tendo sido citados em parte alguns pontos tratados por Castel

(2004;2005), pode-se dizer que é bastante polêmica a discussão e reflexão que o

autor provoca com seus argumentos fundamentados numa história vivida pela

humanidade. Entretanto, ao afirmar que “o trabalho permanece como referência

dominante não somente economicamente como também psicologicamente,

29 Sobre a problematização acerca do entendimento dos mínimos sociais e necessidades humanas, sugiro ver em: PEREIRA, Potyara. Necessidades Humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais.São Paulo: Cortez, 2002. “Esse compromisso social mínimo do Estado afigura-se muito mais como um dever moral do que cívico, pois Hayek é veemente na sua rejeição às políticas sociais como instrumento de concretização de direitos de cidadania sob a responsabilidade do Welfare State. Para ele, o Estado deve prover um mínimo de safety net( rede de segurança) para prevenir ou enfrentar a pobreza extrema (nunca a relativa), mas sem elevar os destinatários deste mínimo de provisão à condição de titulares de direitos, que implicam deveres dos poderes públicos, para não contrariar espontânea e justa do mercado. È esta a concepção de provisão de mínimos sociais que está atualmente em alta no mundo e no Brasil, sob influenciada ideologia neoliberal da qual Hayek é considerado o mentor intelectual” ( PEREIRA, 2002, p.53).

71

culturalmente e simbolicamente, fato que se comprova pelas reações daqueles que

não o tem” (2005, p.19), não descarta a função social do trabalho, como formação

social e de natureza histórica, mas a questiona, interroga e põe no centro a reflexão

sobre a centralidade do mesmo. Essa centralidade não pode ser apenas objeto de

constatação, mas deve, sim, ser problematizada, pois se assiste a uma precarização

das relações de trabalho através do desmonte das garantias e dos direitos dos

trabalhadores.

Ao revisar-se algumas das reflexões existentes sobre a questão social nas

produções do Serviço Social, busca-se, ainda que de forma sintetizada, traçar as

concepções discutidas e referenciadas por Iamamoto (2001), Pereira (2003) e Netto

(2001). O processo de renovação profissional do Serviço Social exigiu uma

atualização na formação acadêmica, que vêm ancorando o projeto formativo que

preconiza a intervenção sobre a questão social (NETTO, 2001). Afinal, o cenário que

se impõe nos anos 1970 e 1980, já descritos nesse texto, requisitam um repensar

coletivo do exercício e da formação profissional, como forma de construir respostas

acadêmicas, técnicas e ético-políticas, baseadas nos processos sociais em curso

(IAMAMOTO, 2001).

A vertente temática sobre o trabalho, ao ser incorporada como um veio

analítico da profissão, no início da década de 1980, a partir dos estudos de

Iamamoto e Carvalho30 sobre as relações sociais e serviço social, indica a inscrição

do Serviço Social como uma especialização do trabalho, inserida, portanto, na

divisão sociotécnica do trabalho. Tal entendimento revela o “caráter contraditório do

exercício profissional, porquanto realizado no âmbito de interesses e de

necessidades de classes sociais distintas e antagônicas” (IAMAMOTO, 2001, p. 10).

A contribuição fundamentada pela teoria social crítica, na época, possibilitou a

transição para outro foco na interpretação da prática profissional do Serviço Social.

Essa passa a ser considerada como um dos elementos que constituem o processo

de trabalho profissional, assim como o objeto, os meios de trabalho, o produto e a

própria atividade do sujeito, que é o trabalho, ou, ainda, a prática profissional.

30 Como referência sugere-se ver em IAMAMOTO, Marilda V. Renovação e conservadorismo no Serviço Social. Ensaios críticos. São Paulo: Cortez, 1992.

72

Cabe salientar o pioneirismo nas contribuições teóricas de Iamamoto sobre a

discussão do processo de trabalho profissional e a questão social que, sendo

desigualdade, “é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as

desigualdades e a ela resistem e se opõem” (IAMAMOTO, 2001, p.28). Ou, ainda, a

concepção comumente tratada na formação profissional refere-se à questão social,

sendo apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum; A produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade ( IAMAMOTO, 2001, p. 27).

Posteriormente, no processo de implantação das diretrizes curriculares nos

anos de 1996, pesquisadores da área são convocados a subsidiar, através de suas

produções intelectuais, estudos aprofundados sobre a questão social, contribuindo,

assim, para o debate e o rigor no trato da categoria em análise. A articulação do

Serviço Social e a questão social se dá em função dessa última ser considerada o

eixo que articula “a gênese das seqüelas inerentes ao modo de

produção/reprodução do capitalismo, das mudanças no mundo do trabalho, das

suas manifestações e expressões concretas na realidade social, as estratégias de

seu enfrentamento articuladas pelas classes sociais e o Estado” (MACIEL, 2006,

p.13).

Iamamoto considera que, nesse momento histórico de profundas

transformações societárias, que “o método legado por Marx é um recurso analítico

fecundo para análise das inéditas realidades do presente” (2001, p.30). Ao fazer

essa referência verifica-se que a gênese da questão social está no processo de

acumulação ou da reprodução do capital, que produz, ao mesmo tempo, uma

acumulação de miséria, de disparidades econômicas, políticas e culturais das

classes sociais.

Netto (2001) traz uma contribuição também sustentada na análise marxiana,

fundamentada no caráter explorador do regime do capital, o que permite situar a

radicalidade histórica da questão social. Distingue a questão social das expressões

sociais derivadas da escassez nas sociedades que precederam a ordem burguesa

no período pré-industrial. A escassez, hoje manifestada, decorre de uma situação

73

produzida socialmente, resultado da contradição das forças produtivas e das

relações de produção.

Seguindo a linha argumentativa de Netto (2001), a tese sustentada pelo autor

é de que inexiste qualquer nova questão social. Considera que, sem a supressão da

própria ordem do capital, é inevitável a emergência de novas expressões da questão

social. As transformações societárias, que emergem dessa ordem de forma dinâmica

“põe e repõe os corolários da exploração, como a cada estágio de seu

desenvolvimento ela instaura expressões sócio-humanas diferenciadas e mais

complexas, correspondentes a exploração que é a sua razão de ser” (NETTO, 2001,

p.48).

Como se pode observar, a discussão de uma nova questão social ou novas

expressões da questão social está presente no âmbito do Serviço Social, bem como

a necessidade de enfrentá-la no marco das transformações econômicas e políticas

contemporâneas. Além da discussão de ser a questão social nova ou não, Pereira

(2001) contribui, trazendo para sua reflexão, questionamento do próprio termo

questão para

designar problemas e necessidades atuais, que apesar de dramáticos e globais, e de produzirem efeitos nefastos sobre a humanidade, se impõem sem problematização de peso e, portanto, sem enfrentamentos à altura por parte de forças sociais estratégicas ( PEREIRA, 2001, p.51).

O pressuposto para compreensão do conceito de questão social, que embasa

a reflexão de Pereira (2001), parte do princípio de que esta sempre expressou a

relação dialética entre a estrutura e a ação, na qual os sujeitos estrategicamente

situados, assumiram papéis políticos fundamentais na transformação das

necessidades sociais. Sob esse argumento, a autora afirma que, mesmo diante da

existência de problemas que vêm impactando negativamente a humanidade e que

são evidentes, “eles ainda não foram decisivamente problematizados e

transformados em questões explícitas; isto é, ainda não foram alvo de correlações

estratégicas, a ponto de abalarem a hegemonia da ordem dominante e permitirem a

imposição de um projeto contra-hegemônico” (PEREIRA, 2001, p. 53).

A contribuição da autora se dá ao introduzir-se na discussão sobre a

concepção da questão social, o aspecto político, referente ao embate travado pelos

74

sujeitos sociais diante das opressões do sistema capitalista no marco da revolução

industrial, como na Europa no século XIX. As situações atuais, os problemas

provocados pelos ideários neoliberais, são produtos de uma mesma contradição que

gerou essa questão, mas, para Pereira, esses não foram suficientemente politizados,

pois a questão social assim entendida, é, também, embate político determinado

pelas contradições da sociedade capitalista (PEREIRA, 2001).

A dimensão política, enquanto estratégia de ação, é, então, tratada na sua

relação com a questão social. Sem uma opção política, fica difícil resolver ou dar

resolução a uma expressão da questão social desvendada no exercício da profissão.

A condição prévia para o aparecimento de uma questão é um problema que pode

ser identificado ou não como uma demanda que requer uma intervenção

profissional. Entretanto, é fundamental a problematização das necessidades e das

demandas identificadas, para que se possa efetivar sua resolução, através da

“mobilização de forças políticas para o seu enfrentamento” (PEREIRA, 2001, p.120).

Portanto, essa análise contribui para compreensão de que a dimensão política

imprimida na efetivação das políticas sociais públicas é um dispositivo que interfere

na resolução das expressões da questão social. Dimensão dotada de intenções, de

mobilização ou não, mas que denota a tomada de posição de um profissional frente

às necessidades postas no seu cotidiano profissional.

As concepções traçadas até aqui subsidiam a reflexão em torno da questão

social e, conseqüentemente, contribuem com os aportes teórico metodológicos

necessários para formação profissional. Não se propões decidir sobre uma nova ou

velha questão social, até porque, em algumas situações, identificou-se o uso do

adjetivo nova como indicativo de uma metamorfose, pois, como bem refere Castel

(2005), trata-se da dialética do mesmo e do diferente.

Contudo, deve-se considerar a maneira como se problematizam as

transformações societárias que impactam a vida dos trabalhadores em cada

realidade sócio-histórica. Diante das revisões expostas sobre a temática, constata-se

a existência de uma dimensão dilemática no trato da questão social, principalmente

no âmbito do serviço social, uma vez que essa e suas múltiplas expressões

75

vivenciadas pelos sujeitos, se constituem no objeto sobre qual incide a ação

profissional.

Com a reestruturação produtiva advinda das mudanças na gestão e na

regulação do trabalho, pode-se dizer que vive-se, na atualidade, uma reativação dos

sentidos, das inquietações, das contradições, das tensões e dos conflitos que

estiveram nas origens da história, desafiando, principalmente, a universalização dos

direitos sociais. Longe vão as manifestações de resistências do movimento operário

do final do século XIX e inicio do XX no período industrial, ou as mobilizações dos

movimentos sociais, estudantis e a mobilização dos sindicatos nas décadas da

ditadura militar em solo brasileiro, ou ainda, as marchas pela democracia, pelas

diretas já, pelas conquistas instituídas na Carta Magna, no final dos anos 1980,

ainda que sejam políticas de regulação social tardia (SPOSATI, 2002), cujo

reconhecimento legal não significa que estejam sendo efetivadas, foram tempos

históricos que deixaram marcas e que culminaram em transformações sociais no

seio de uma sociedade capitalista. Em uma versão histórica diferente, assiste-se,

hoje, o desmonte dos ideais dos sindicatos, a fragmentação dos movimentos sociais,

o espraiamento dos estilhaços da violência, a falta de oportunidades, de garantia de

direitos e, ainda, o adormecimento da dimensão política e ética entre os cidadãos e

os trabalhadores brasileiros.

Resta-nos cada vez mais, apreender a forma como a questão social se

manifesta através de suas diversas expressões, para que se possa problematizá-la

e, nesse cenário, construir coletivamente estratégias de defesa intransigente de

justiça social e dos princípios éticos e humanitários. Assim, pode-se na história

vivida no presente, desocultar os movimentos de resistências existentes, planejar o

novo, superar conflitos, questionar idéias e ideais e, como dizia Paulo Freire,

reinventar o poder.

Difícil torna-se aqui, propor alguma conclusão a respeito da questão social

que não sejam inquietações. Como se pode observar, a partir dos pressupostos que

nortearam a reflexão sobre a questão social, mesmo não sendo reconhecida no

âmbito do Serviço Social, a leitura sociológica pré-industrial realizada por Castel

(2005, 2004) e sua relação com a questão social, trata-se de considerá-la como

subsídio compreensivo e reflexivo sobre a problemática que se instaura nos dias de

76

hoje. Fica a compreensão de que a questão social, atualmente, se expressa,

basicamente, a partir da produção e da distribuição de riquezas conjugadas pela

erosão dos sistemas de proteção social, pela vulnerabilidade das relações sociais e

pelo questionamento da intervenção estatal.

Assim sendo, é nesse espaço de tensionamento, entre o capital e o trabalho

na realidade atual, que o Assistente Social vai desenvolver seu processo de trabalho

e, por isso, a importância de verificar como os profissionais vêm investindo na sua

formação profissional no sentido de superar os obstáculos para consolidar seu

projeto ético-político. Se entendemos, então, que a Questão Social se expressa de

diferentes formas e se metamorfoseia de acordo com os processos sócio-históricos

determinados pela sociedade capitalista, é fundamental considerarmos a dinâmica, o

movimento e a interlocução das dimensões que constituem o processo de trabalho

profissional.

3.3 A DINÂMICA DO PROCESSO DE TRABALHO PROFISSIONAL

Nesta parte do texto, a intenção é chamar atenção para o quanto o processo

de trabalho do Serviço Social e os elementos que o constituem - o objeto, os meios,

o produto e o próprio trabalho, que é a atividade do sujeito –, tornam-se dispositivos

para reflexão permanente dos profissionais. Elementos esses que devem ser

interrogados, assim como é a questão social um desafio que interroga (CASTEL,

2004), a instrumentalidade adotada e o resultado de nosso processo de trabalho

respaldado por um projeto profissional, devem ser questionados a partir do

movimento sócio-histórico da realidade contemporânea. A normatização impressa no

código de ética de 1993, ao estabelecer direitos e deveres do assistente social31,

deixa registrada a relevância da dimensão política no exercício da profissão.

31 Em que pese a importância do conhecimento e publicização destes direitos e deveres, no decorrer deste estudo os mesmos serão evidenciados articulados com a análise empírica em questão, portanto destacam-se em nota: o reconhecimento da liberdade como valor ético central, que requer o reconhecimento da autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais e de seus direitos; a defesa intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de arbítrio e autoritarismo; a defesa, aprofundamento e consolidação da cidadania e da democracia da socialização da participação política e da riqueza produzida; o posicionamento a favor da equidade e da justiça social, que implica a universalidade no acesso a bens e serviços e a gestão democrática; o empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, e a garantia do pluralismo; o compromisso com a qualidade dos serviços prestados na articulação com outros profissionais e trabalhadores (CFESS nº 273/93 de 13 de março de 1993). Sugiro ver em: CRESS/Coletânea de Leis, 2000.

77

Respaldado em princípios e valores humanistas, o código é mais do que um guia

norteador da profissão; é um dispositivo de luta por uma sociedade mais justa, o que

pressupõe uma reflexão crítica permanente sobre a maneira como se desenvolve o

processo de trabalho do assistente social.

O projeto profissional, aqui citado, expressa a perspectiva hegemônica

impressa ao Serviço Social brasileiro e, conseqüentemente, sua operacionalização

supõe “o reconhecimento das condições sócio-históricas que circunscrevem o

trabalho do assistente social na atualidade, estabelecendo limites e possibilidades à

plena realização daquele projeto” (Iamamoto, 2002, p.23). Partindo-se desse

entendimento, é possível evidenciar as mediações que incidem nas funções,

competências e atribuições do assistente social, pois o profissional, ao inserir-se em

um espaço organizacional determinado, torna-se “parte de uma organização coletiva

do trabalho, empreendida pelos empregadores, o que interfere no conteúdo, nas

formas assumidas pelo seu trabalho e nos seus resultados” (IAMAMOTO, 2002,

p.24).

Nesse contexto estão, também, as necessidades dos usuários que vivenciam

as múltiplas expressões da questão social e que se constituem em demandas

“reelaboradas na ótica dos empregadores, no embate com os interesses dos

usuários dos serviços profissionais. É nesse terreno denso de tensões e

contradições sociais, que se situa o protagonismo profissional” (IAMAMOTO, 2002,

p.25).

Portanto, no âmbito do Serviço Social, tratar sobre o projeto profissional

significa referir-se àquele construído coletivamente pela categoria dos assistentes

sociais, incluindo-se aí, o conjunto dos membros que dão efetividade à profissão,

envolvendo, assim, profissionais que atuam em diferentes espaços sócio-

ocupacionais, bem como as instituições formadoras, os pesquisadores, os docentes

e os estudantes de Serviço Social, os organismos corporativos, acadêmicos e

sindicais, entre outros (NETTO, 2006). Ressalta-se, ainda, que a forma como os

trabalhadores se organizam para efetivação e legitimação de um projeto profissional

é fundamental.

Por outra parte, a experiência socioprofissional comprovou que, para que um projeto profissional se afirme na sociedade, ganhe solidez e

78

respeito frente às outras profissões, às instituições privadas e públicas e frente aos usuários dos serviços oferecidos pela profissão, é necessário que ele tenha em sua base um corpo profissional fortemente organizado (NETTO, 2006, p.144).

Os projetos profissionais são compreendidos como estruturas dinâmicas que

procuram responder as alterações das necessidades sociais, das novas requisições

técnico-operativas, as transformações societárias de toda ordem – econômicas,

históricas e culturais –, “ao desenvolvimento teórico e prático da própria profissão e,

ademais, às mudanças na composição do corpo profissional” (NETTO, 2006, p.144).

Assim, os projetos profissionais não podem ser considerados algo estático, pois, ao

contrário, se renovam, se reinventam na forma de sua consolidação, diante à

dinâmica e às contradições da realidade social.

A afirmação de um projeto profissional hegemônico se dá a partir de tensões

e de lutas, de confrontos de idéias, de discussões, de divergências e de

contradições no âmbito da própria categoria, ou, ainda, no espaço sócio-ocupacional

em que se desenvolve a prática profissional. A construção do projeto, aqui

considerado hegemônico, é inseparável das relações sociais que se dão neste

processo, assim como é a construção da identidade profissional (DUBAR, 2006).

Ao partir do entendimento de que existem formas de identidade como modos

de identificação dos indivíduos na sociedade, há um forte componente relacional na

formação das identidades (DUBAR, 2006).32 A forma “relacional para outrem” define-

se pelas interações de um sistema instituído e hierarquizado. “Ela constrói-se sob

pressões de integração às instituições: a família, a escola, os grupos profissionais, o

Estado”. Essa identifica os indivíduos a partir de seus papéis, implica um “Eu

socializado” (DUBAR, 2006, p.51). Há, também, a forma que provém de uma

consciência reflexiva denominada por Dubar (2006, p.51)) como a forma “relacional

para si”. “Põe em marcha de forma ativa o compromisso num projeto que tem um

significado subjetivo e que implica a identificação a uma associação de pares,

partilhando o mesmo projeto” (2006, p.51).

32 Dubar apresenta um resumo das formas de identidade como modos de identificação dos indivíduos: a forma de identidade biográfica, a forma relacionada para outrem, a forma relacional para si, a forma biográfica para si. Sugiro ver em DUBAR (2006).

79

Portanto, o resultado de um trabalho realizado deverá estar em sintonia com

um projeto profissional e, fundamentalmente, com a sua consolidação como um

dever ser e não como uma proposta ideal (IAMAMOTO, 2002). É nesse sentido que

a educação permanente pode tornar-se um dispositivo, uma possibilidade de

contribuir não só com a formação profissional, como, também, para a consolidação

do projeto ético-político do Serviço Social. Na formação dos profissionais, o

momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática (FREIRE, 1997), sobre

a atividade dos sujeitos.

Entretanto, para um profissional refletir sobre a prática significa encontrar os

erros, os acertos, os medos, a subjetividade, as verdadeiras intenções, os valores,

enfim, sobre o sentido que atribui ao trabalho e à experiência que vivencia. Mas,

então, como fazer esta reflexão? Será que o projeto de formação profissional dos

assistentes sociais prepara-os para esse desafio ou são as situações de trabalho

que possibilitam a experiência reflexiva? Essas questões remetem à concepção de

prática, ou, ainda, do trabalho,categorias que norteiam essa discussão.

Para Iamamoto (2000), pensar o Serviço Social como trabalho tornou-se uma

provocação para análise da prática profissional, pois essa “prática” é um dos

elementos que constituem o processo de trabalho do assistente social. É a atividade

do profissional, é o trabalho em si.

Esse ato de acionar consciente, que é o trabalho, é uma atividade que tem uma necessária dimensão ética, como atividade direcionada a fins, que tem a ver com valores, com o dever ser, envolvendo uma dimensão de conhecimento e ético-moral (IAMAMOTO, 2001, p.61).

O trabalho do Assistente Social acontece a partir de uma demanda que

manifesta diferentes expressões da Questão Social, conforme tratada anteriormente,

e requer uma intervenção profissional dotada de intenções e de valores que

direcionam para um determinado fim. A prática diz, então, respeito à ação humana,

isto é, “a transformação intencional da realidade pelos homens. Implica, portanto, um

desígnio, um fim: o estado que assume a realidade em resultado da transformação.

Implica igualmente uma origem: o estado do real, ao qual se aplica a ação”

(MALGLAVIE, 1995, p.40). Observa-se que o estado inicial e final da ação

profissional constituem elementos da prática. É esse estado final do trabalho que dá

visibilidade à concretização ou não de um projeto profissional e, como tal, está

80

investido de desejos, de necessidades e de valores que constituem os motores

dessa prática (MALGLAVIE, 1995).

Partindo desse entendimento, a prática, aqui, deixa de ser compreendida

somente como um fenômeno que modifica algo ou a ordem das coisas e entra na

esfera da moral ou da ideologia, em suma, da ordem social, pois o objeto

transformado, assim como os meios da sua transformação, não dependem

claramente de resultados materiais (MALGLAVIE, 1995). No âmbito do Serviço

Social, têm-se como finalidades a defesa intransigente dos direitos sociais, a

ampliação da cidadania emancipatória e a consolidação da democracia, princípios

citados anteriormente e que constam no Código de Ética. Sendo assim, a

concretização desses objetivos, o resultado do trabalho do assistente social, se dá

no campo objetivo e subjetivo, sendo essa última através da esfera ideológico -

política. “O assistente social lida com demandas diversificadas que abrangem desde

questões materiais ligadas à própria sobrevivência, quanto a questões ligadas à

esfera dos valores e comportamentos” (SIMIONATO, 1998, p.14).

Associa-se, também, a essa compreensão, a discussão realizada nos anos

1980 sobre a idéia de que a prática profissional do Serviço Social, o fazer dessa

profissão, não está desvinculado dos processos históricos em contínua construção

de uma realidade dinâmica, contraditória e conflituosa. Portanto, a prática

profissional,

não é algo que se coloca à parte dos processos macroscópicos que atravessam a sociedade contemporânea, seja em relação ao mundo do trabalho, à alteração nas relações Estado/sociedade/mercado, às novas expressões no campo da cultura e nas relações de poder. Essas mediações permitem compreender a prática profissional inserida num processo de trabalho, bem como sua interconexão com a prática da sociedade (SIMIONATO, 1998, p.10).

Mesmo sendo essa uma discussão iniciada nos anos 1980, faz-se necessário,

ainda nessa primeira década do século XXI, destacar a relevância do entendimento

da prática dos assistentes sociais estar inserida em processos de trabalho, que são

determinados pelo jogo das forças sociais presentes em uma realidade social

concreta. Assim, em cada situação peculiar, as condições e relações de trabalho são

determinadas pelas características das relações sociais, econômicas, políticas e

culturais de uma sociedade.

81

Sem a clareza da interlocução desses elementos, dessas condições de

trabalho, da sinergia entre os mesmos, que vão se definindo em tempo e espaço

específico, e que são determinantes de nossa ação profissional, corre-se o risco de

desenvolver um trabalho cujo resultado não contribui com aquilo que se prega como

projeto profissional hegemônico.

No campo da saúde, referência para reflexão nesse estudo, pode-se dizer

que o processo de trabalho dos assistentes sociais está articulado com as diretrizes

do Sistema Único de Saúde - SUS33. Esse novo ordenamento ao setor saúde,

promulgado a partir da constituição de 1988, como resultado da mobilização e da

participação popular e de trabalhadores que lutaram em defesa dos direitos sociais,

no caso o direito à saúde, através de acesso universal, está fincado em aspectos

éticos-políticos que possuem uma estreita relação com o projeto profissional da

profissão de assistentes sociais. Essa compreensão é fundamental para que se

possa desenvolver um processo de trabalho que tenha como intenção contribuir,

através de uma ação profissional comprometida, com a consolidação desta política.

Esse sistema de saúde se institui no cenário brasileiro sob fortes resistências

dos ideários neoliberais, e a sua regulamentação “foi permeada por confrontos e

negociações intensas, refletindo a posição antagônica dos grupos de interesses

ligados ao setor” (MIOTTO, 2006, p.221). Apesar dos grandes avanços do sistema,

como a adoção de práticas efetivas de controle social como a criação de conselhos

locais de saúde com poder deliberativo e fiscalizatório, estar atento a todas as

formas de desmonte dessa política pública e resistir, é tarefa dos profissionais que

atuam nesse setor. Para reflexão crítica sobre o SUS, deve-se considerar a sua

amplitude, a sua complexidade e os diferentes resultados obtidos, que dependem do

modo de gestão e dos interesses em sua efetivação.

O processo de conhecimento dos fatores que determinam a forma como

estão organizados os diferentes espaços sócio-ocupacionais no âmbito da saúde, é

fundamental para definição das estratégias de intervenção. Da mesma forma,

também, está a compreensão dos significados das demandas que requerem nossa

33 Lei 8080 de 19 de setembro de 1990. dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviço correspondentes e dá outras providências. Ver em coletânea de Leis - CRESS, 2000.

82

intervenção profissional, pois essas sofrem alterações assim com a realidade social

e se manifestam através das diferentes expressões da questão social, que são

vivenciadas pelos usuários da área da saúde.

Outro aspecto a ser considerado é que, entre os usuários dos serviços de

saúde e o profissional assistente social, “há uma disjunção, uma separação entre

quem demanda e quem recebe diretamente os serviços; isto é, são as instituições

estatais e privadas que contratam os profissionais” (SERRA, 2000, p. 161). Essa

“figura do atravessador” entre o profissional e o público-alvo, que no caso são os

serviços de saúde, estatais ou privados, que se constituem em espaços sócio-

ocupacionais, denotam uma demanda específica ao profissional. Esse entendimento

atribui ao assistente social o desafio de desvendar e de identificar as necessidades

dos gestores do sistema de saúde ou das instituições que os contratam e dos

usuários de seus serviços, através da problematização dos interesses que estão por

trás dessas demandas.

Tal característica confere ao Serviço Social uma condição peculiar, o que implica uma análise particular da questão das demandas. Significa afirmar, em decorrência deste fato, que há que se ter um duplo movimento de análise em relação ao conhecimento das demandas.Primeiramente, é imprescindível identificar as necessidades do capital e do Estado, em especial, em fase das alterações estruturais de hoje, para que se possa, em decorrência, identificar as imposições e demandas que um e outro estão colocando à profissão, em particular (SERRA, 2000, p.162).

Nesse sentido, o processo de trabalho do assistente social pressupõe esse

momento de desvendamento do real, das necessidades e da identificação das

demandas. Para compreender as necessidades de saúde, deve-se levar em conta

que “elas são produto das relações sociais e destas com o meio físico, social e

cultural” (MIOTTO, 2006, p. 229).

As transformações societárias impactam a vida da população, condicionando

e determinando a sua condição de saúde, o que faz com que o atendimento aos

usuários não se limite muitas vezes ao setor saúde, sendo necessário uma

articulação da rede de proteção social que possa atender as necessidades postas

pelos usuários do SUS.

Como se vê, a definição de necessidades de saúde ultrapassa o nível de acesso a serviços e tratamentos médicos, levando em conta as transformações societárias vividas ao longo do século XX e já no século

83

XXI, com a emergência do consumismo exacerbado, a ampliação da miséria e da degradação social e das perversas formas de inserção de parcelas da população no mundo do trabalho. Mais que isso, envolve aspectos éticos relacionados ao direito à vida e á saúde, direitos e deveres ( MIOTTO, 2006,p.229).

Esta apreensão sobre saúde como um processo, como produto e parte de

uma condição de vida, nos remetem a conteúdos densos principalmente ao

relacionarmos com a ação profissional dos assistentes sociais, mas, sobretudo o que

se quer aqui, é destacar a importância das dimensões política, teórico -

metodológica e técnico-operativa nos processos de trabalho dos assistentes sociais

da saúde. A intencionalidade das ações e os pressupostos ideopolíticos nos

conduzem a diferentes resultados, pois dependendo da leitura que se faça da

realidade social e do SUS, podemos estar consolidando tanto o sistema como o

projeto ético-politico, ou ao contrário, reproduziremos processos de trabalho

alienantes e conservadores.

A apropriação de uma perspectiva teórico-metodológica defendida aqui

pressupõe referências que possibilitem a reconstrução permanente do movimento da

realidade social, objeto da ação profissional “enquanto expressão da totalidade

social, gerando condições para um exercício profissional consciente, critico e

politizante, que só pode ser empreendido na relação de unidade entre teoria e

prática” (VASCONCELOS, 2006, p.253).

Da mesma forma está a importância da dimensão técnico-operativa, pois

essa não se constitui somente na escolha dos instrumentos que deverão ser

acionados para a intervenção, mas dependem de uma análise crítica e estratégica

que se faça da realidade já referida anteriormente, e das oportunidades e brechas

que podemos ocupar nos espaços sócio-ocupacionais, que não devem ser

desperdiçadas, a fim de encaminharmos nossas ações na direção dos interesses

dos usuários. Portanto, um conjunto de conhecimentos e de habilidades que são

acionados, fazem parte da instrumentalidade dos assistentes sociais e não somente

de um arsenal de técnicas utilizadas no exercício da profissão (IAMAMOTO, 2001).

O desenvolvimento de projetos e de programas sociais, as visitas

domiciliares, as entrevistas, os atendimentos individuais e coletivos, os plantões, o

planejamento de ações, a participação nos espaços de controle social, as

84

assessorias e consultorias, o acolhimento, as orientações e encaminhamentos, a

articulação da rede de serviços no âmbito local, a participação em equipes

interdisciplinares, entre outros, fazem parte dos meios de trabalho dos assistentes

sociais na saúde. Entretanto, muito mais do que listar essas possibilidades de

instrumentos e de meios de trabalhar, está a forma como os utilizamos, a intenção,

os propósitos, a viabilização dos direitos, do acesso, a informação, a participação,

que correspondem ao resultado da ação profissional, conforme citado anteriormente.

Existem situações observadas por Vasconcelos (2006) no campo da saúde,

de que a realização do plantão, como exemplo, é uma atividade comum entre os

assistentes sociais; entretanto, é preciso estar atento para que isso não se reduza a

uma prática burocrática.

Uma prática profissional burocrática que segue mecanicamente normas impostas pelo regulamento da administração, autoridade ou seu representante, e que ao priorizar um atendimento de escuta, acolhimento, encaminhamento e ou preenchimento moroso e mecânico de formulários, questionários, cadastros que viabilizam acesso a benefícios ou inscrição em programas da instituição ( VASCONCELOS, 2006, p.251).

Esses procedimentos comprometem a objetivação do projeto profissional,

uma vez que pode-se inviabilizar o acesso dos usuários a serviços e recursos

enquanto um direito social. De maneira alguma, o acolhimento, o encaminhamento e

o apoio, devem ser deixados de lado; ao contrário, devem contribuir para o início de

um processo reflexivo entre o usuário e o assistente social. A dimensão técnico-

operativa deverá priorizar a busca de uma participação consciente e efetiva dos

usuários nos espaços instituídos ou a serem construídos como forma de

mobilização, organização e acesso a informações necessárias, para preservar,

ampliar e realizar seus direitos (VASCONCELOS, 2006).

Em estudo realizado junto a assistentes sociais da saúde,34 foi constatado

que a “prática da maioria dos assistentes sociais, não se remete ao projeto

hegemônico, mas está hipotecada aos condicionantes político-institucionais que

limitam suas escolhas” (VASCONCELOS, 2006, p. 253). Pois então, ao tomarmos

34 A partir de um estudo realizado sobre a realidade do Serviço Social nos serviços de saúde do município do Rio de Janeiro, Vasconcelos faz referência sobre a prática profissional dos assistentes sociais e aponta estratégias e ações que possam fomentar uma prática na saúde que implicando assistentes sociais e demais trabalhadores da saúde no sentido de contribuir, facilitar e realizar o acesso aos direitos, sugiro ver em Vasconcelos (2006, 2003).

85

como referência o projeto ético-político para o desenvolvimento da prática

profissional, tal constatação deve ser um dispositivo de mudanças, a partir da

reflexão crítica sobre o processo de trabalho profissional, e não motivo para nos

rendermos as exigências institucionais limitadoras.

Como se vê “as condições e relações de trabalho em que se inscreve o

assistente social articulam um conjunto de mediações que interferem no

processamento da ação e nos resultados individual e coletivamente projetados”

(IAMAMOTO, 2002, p.25).

Nesse sentido, retoma-se a reflexão sobre valor de troca e valor de uso para

evidenciar, aqui, a idéia de que o trabalho, como experiência social, não é somente

valor de troca mas é também valor de uso, que ele não é somente momento de

exploração e de dominação, mas é também momento de formação e de partilha de

uma atividade. Ao fazer esta referência não se pretende substituir uma abordagem

por outra, mas, como refere Charlot (2004), pensá-las juntas. E como pensar o

produto do processo de trabalho do assistente social da saúde, por exemplo, sem

pensar no valor de uso que dele advém e não tratar-se somente de uma mercadoria

de algum proprietário, mas de direitos de acesso, de equidade da saúde coletiva?

Então o trabalho no SUS produz um valor de uso social numa dinâmica de um

processo de trabalho que é operacionalizada por micro criações, ”onde se constroem

saberes específicos, ligações coletivas, onde se colocam à prova valores sociais e

políticos na confrontação da atividade de trabalho com as normas antecedentes”

(CHARLOT, 200, p.18).

É nesse contexto sócio-histórico, em que a hegemonia neoliberal marca sua

presença, que se desvela a dinâmica do processo de trabalho dos assistentes

sociais. Para o desenvolvimento de uma prática mediada pelo SUS e pelo projeto

ético-político-profissional, é fundamental pensar em estratégias que possibilitem a

formação profissional no próprio espaço de trabalho, à luz de contextos específicos,

considerando as particularidades e as necessidades postas pelos usuários e pelos

próprios trabalhadores da saúde.

É no planejamento e na execução de determinadas estratégias e ações que o assistente social vai se formando e se transformando em um recurso vivo, cada vez mais qualificado. Vai formando e consolidando a

86

sistematização a análise, a crítica, e a avaliação das ações; vai fortalecendo suas referências, seus valores, seus compromissos, seus objetivos... Ao mesmo tempo, vai assegurando o acesso e a ampliação dos direitos e do controle social (VASCONCELOS, 2006, p.257).

Diante o exposto até aqui, há de se considerar que a própria compreensão

crítica do movimento da realidade social, que é peculiar ao processo de trabalho do

assistente social, impõe a esses profissionais a necessidade de desencadear um

processo de formação que possa garantir a capacitação dos profissionais que se

encontram em atuação profissional. Para que isso aconteça, os assistentes sociais

necessitam reconhecer o movimento e a dinâmica dos elementos do seu processo

de trabalho e compreender que a reflexão crítica sobre o mesmo é condição

determinante da qualidade do trabalho profissional e, conseqüentemente, uma

estratégia para a formação profissional permanente. Formação essa que se inicia no

âmbito acadêmico, na medida em que forma o sujeito para o exercício da profissão,

mas que também se dá no exercício profissional, no desenvolvimento do seu

processo de trabalho, em contextos específicos, enfim, no próprio trabalho.

Apreender o sentido dos conteúdos que fundamentam a formação dos

assistentes sociais implica em reconhecê-los como conhecimentos construídos

historicamente e que se constituem, para o profissional, em pressupostos, a partir

dos quais se podem construir novos conhecimentos, num processo de investigação

e de compreensão da realidade em que se está inserido.

Assim, compreendendo o trabalho como um princípio educativo, acredita-se

que o mesmo permite concretamente a compreensão do significado das múltiplas

expressões da questão social, da dinâmica do processo de trabalho e da

consolidação do projeto ético político. Portanto, a forma de organização de um corpo

profissional, como os dos assistentes sociais, pressupõe estratégias para superação

das dificuldades de afirmação de um projeto profissional, comprometido não

somente com a viabilização de políticas públicas, mas, fundamentalmente, com a

viabilização de direitos e de emancipação de uma cidadania política.

É importante destacar, também, que a produção de saberes emerge, aqui,

como uma categoria reflexiva dessa investigação. Portanto, a possibilidade da

educação permanente dos assistentes sociais se constituir numa dimensão

formativa, pressupõe privilegiar uma reflexão constante do trabalho real realizado,

87

ultrapassando os limites do que é prescrito para o profissional. Na tentativa de

articular as concepções de trabalho prescrito com o trabalho real e a possibilidade

de produção de saberes nos espaços sócio-ocupacionais, é que se acrescenta o

item a seguir.

3.4 ENTRE O TRABALHO PRESCRITO E O TRABALHO REAL: A CONSTRUÇÃO

DE SABERES

Parece que o conceito de conhecimentos não é suficiente para posicionar um indivíduo: há o que ele sabe, há também (e sobretudo) o modo como o sabe e como se pode apoiar no que sabe para evoluir (SOREL, 1987, p.11).

Os fundamentos teóricos, que respaldam as reflexões sobre a interlocução

entre a educação e o trabalho e as possíveis trajetórias formativas que emergem da

via experiencial, pressupõem a produção de saberes nos processos de trabalho em

que os assistentes sociais se inserem. Para tratar sobre a categoria produção de

saberes, parte-se do entendimento de que existe uma diferença entre aquilo que

está prescrito, como um plano a ser desenvolvido pelo sujeito através de sua

atividade, e a realização dessa prescrição. Isto quer dizer que “há sempre um

espaço entre aquilo que é da ordem da prescrição - um plano que é elaborado pelo

próprio sujeito ou por outrem - e a realização deste plano” (SANTOS, 2000, p.66).

Diante de tal compreensão, pode-se crer que nenhuma realidade é idêntica

à prescrição, pois trata-se da execução de tarefas realizadas por pessoas, o que

revela a existência de um espaço que pode ser preenchido por algo que não estava

previsto, que pode, então, agregar aquela prescrição apontando novas realizações,

o novo, o criativo. “Entre o prescrito e o real, existe um espaço de criação”

(SANTOS, 2000, p.66).

Dar evidência a esse “espaço” é fundamental, pois é dele que se origina o

saber; é nessa brecha que podem emergir as estratégias metodológicas para que

uma intervenção profissional seja crítica e propositiva. Esse é, também, um espaço

coletivo, de interdisciplinaridade, de mobilização em prol da mudança para tecer a

rede de relações experienciadas no trabalho. É, ainda, o espaço de aplicação de um

saber científico adquirido e que passa a ter um sentido para o sujeito a partir do

momento em que este lhe permite enfrentar situações postas na prática profissional.

88

Torna-se relevante destacar aqui que as condições de trabalho são também

determinantes daquilo que se tem para fazer, como algo prescrito ao profissional,

isto quer dizer que as condições necessárias para o desenvolvimento de uma tarefa

influenciam diretamente no processo de trabalho. Tais condições são definidas, na

maioria das vezes pelo próprio capital, construídas pelas empresas, a partir de

critérios que não onerem a lógica de acumulação, de interesses em jogo, de

comprometimento ou não, com a gestão do trabalho marcada por princípios

participativos e democráticos. Contudo, as condições necessárias não estão todas

presentes num mesmo espaço e tempo, sendo tarefa do trabalhador com seu

próprio corpo e com sua mente, com seu modo de pensar e de agir, preencher estes

vazios, construindo estratégias para que o trabalho possa ser realizado. Assim

sendo, pode-se também dizer que quanto maior a diferença daquilo que está

prescrito do que aquilo que é real, maior o desgaste do trabalhador.

Em que pese a importância dessa reflexão sobre as condições de trabalho a

tônica, aqui, é dessa possibilidade de criação que se associa a possibilidade de

aquisição de um novo saber. Esse saber, que é construído no mundo do trabalho,

em espaço-tempo específico, no exercício de uma ocupação profissional, com o

passar do tempo vai se revelando como um novo saber, podendo modificar,

inclusive, o “saber trabalhar”.

De fato, em toda a ocupação, o tempo surge como um fator importante para compreender os saberes dos trabalhadores, uma vez que trabalhar remete a aprender a trabalhar, ou seja, a dominar progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho (TARDIF, 2002, p.57).

Cabe esclarecer do quanto se está ciente da condição de que em várias

ocupações é necessário a passagem por um processo de formação profissional

inicial - como é o caso dos assistentes sociais -, cuja função é fornecer

conhecimentos teóricos, técnicos e políticos que preparam para o trabalho

profissional. Contudo, essa preparação deve estar articulada com a formação prática

e, ainda assim, a experiência direta do trabalho é que vai proporcionar ao

trabalhador a assimilação progressiva de saberes necessários a serem postos em

uso no exercício profissional. Para Tardif (2000, p.58)

os saberes ligados ao trabalho são temporais, pois são construídos e dominados progressivamente durante um período de aprendizagem

89

variável, de acordo com cada ocupação. Essa dimensão temporal decorre do fato de que as situações de trabalho exigem dos trabalhadores conhecimentos, competências, aptidões, e atitudes específicas que só podem ser adquiridas e dominadas em contato com essas mesmas situações.

Pode-se concluir que as situações de trabalho possibilitam aos trabalhadores

desenvolverem, progressivamente, saberes gerados e baseados no próprio

processo de trabalho, compreendendo-se, então, que são esses os saberes que

exigem tempo, prática, experiência e hábito. O que mobiliza justamente aqui é refletir

sobre as possibilidades de construção de saberes dos assistentes sociais no

desenvolvimento dos processos de trabalho.

Para isto, inicialmente, é preciso admitir que o saber dos assistentes sociais

não provém de uma fonte única, mas de várias fontes e de diferentes momentos da

história de vida e da carreira profissional ”essa própria diversidade levanta o

problema da unificação e da recomposição dos saberes no e pelo trabalho”

(TARDIF, 2002, p.21). Também a forma como os profissionais acionam ou produzem

saberes é diferenciada, uma vez que não colocam todos os seus saberes em pé de

igualdade em uma situação de trabalho. Pode-se dizer que quanto menos utilizável

no trabalho é um saber, menos valor profissional parece ter. Nessa ótica, “os

saberes oriundos da experiência de trabalho cotidiana parecem constituir o alicerce

da prática e da competência profissionais” (TARDIF, 2002, p. 21).

Então, o que é um saber? A concepção de saber que orienta este estudo está

embasada em uma perspectiva mais ampla, que convoca a palavra “saber” no lugar

do “conhecimento”. Sobre isso, Santos (2003, p.143) refere que “a forma substantiva

‘saber’ é mais ampla do que a forma substantiva ‘conhecimento’, entendido como já

formalizado e legitimado, saber objetivante que circula no nível da consciência”.

Encontra-se na literatura, uma distinção tridimensional com relação ao termo saber:

entendido como conhecimento formalizado, construído social e historicamente,

portanto científico; em outra perspectiva, é compreendido como saber tácito,

resultante de experiências individuais ou coletivas; e, por último, a dimensão

inconsciente do saber, a do desejo de saber (SANTOS, 2003). Contudo “saber

supõe a forma verbal que implica tomá-lo não só como produto, e não só como

produto social e historicamente formalizado segundo cânones instituídos, mas

também e ao mesmo tempo, saber como ato, processo. (SANTOS, 2003, p7).

90

A atividade de trabalho é atravessado de história, de processos, de

experiências, que re-questionam e re-combinam os saberes (SCHWARTZ, 2003).

Para o autor, toda vida humana, porque ela é em parte uma experiência, é

atravessada de história e, fundamentalmente, quando se trata do trabalho, pois toda

atividade de trabalho encontra saberes acumulados nos instrumentos, nas técnicas,

nos dispositivos coletivos, nas condições de trabalho.

Quando se trata de trabalho, não se trata de uma pequena história: (...) nenhuma situação humana concentra, “carrega”, com ela tantos sedimentos, condensações, marcas de debates da história das sociedades humanas com elas mesmas quanto às situações de trabalho: os sistemas acionados, os sistemas produtivos, as tecnologias utilizadas, as formas de organização, os procedimentos escolhidos, os valores de uso selecionados e, por detrás, as relações sociais que se entrelaçam e opõem os homens entre si, tudo isso cristaliza produtos da história anterior da humanidade e dos povos. (SCHWARTZ, 2003, p. 23).

Assim, muito mais do que tratar de uma definição do saber em sua acepção

geral, interessa-nos evidenciar a idéia de que “não há saber senão para um sujeito

‘engajado’ em uma certa relação com o saber” (CHARLOT, 2000, p.61). É na relação

histórica que os sujeitos estabelecem que está a possibilidade da produção dos

saberes. “O saber é uma relação, um produto e um resultado, relação do sujeito que

conhece, com seu mundo, resultado dessa interação” (CHARLOT, 2000, p.61-62).

Para Charlot, não se trata de encerrar o saber nos livros, pois é “atividade e

relação” (2000, p.62). Essa idéia de saber como relação defendida pelo autor,

diferencia-se daqueles que a tratam como tipos de saber ou a classificam em

variedades. Pois, na verdade, são “formas específicas de relação com o mundo”.

Somente nessa relação é que se pode considerar o saber como prático, “não é o

próprio saber que é prático, mas sim, o uso que é feito dele, em uma relação prática

com o mundo” (2000, p.62) e, portanto, o mundo do trabalho. O saber aqui

compreendido é produzido pelo sujeito confrontado a outros sujeitos e construído em

“quadros metodológicos” (CHARLOT, 2000, p.61) que contornam o como, o modo de

produzir os saberes necessários no exercício de uma profissão, por exemplo, o de

assistente social.

Não há saber senão para um sujeito, não há saber senão organizado de acordo com relações internas, não há saber senão produzido em uma confrontação interpessoal. Em outras palavras, a idéia de saber implica a de sujeito, de atividade do sujeito, de relação do sujeito com ele mesmo (deve desfazer-se do dogmatismo subjetivo), de relação desse

91

sujeito com os outros (que co-constroem, controlam, validam, partilham esse saber) (CHARLOT, 2000, p.61).

Na história do mundo do trabalho, o trabalho prescrito e o real35 tomam uma

proporção significativa. Há uma diferença entre aquilo que está prescrito para o

trabalho profissional, enquanto um plano a ser desenvolvido pelo sujeito através de

uma determinada atividade, e a real efetivação dessa prescrição (SANTOS, 2000).

Tal compreensão remete aos saberes produzidos na vida cotidiana dos

trabalhadores, no caso a dos assistentes sociais, há muito que ser estudado pela

categoria profissional, principalmente sobre as condições de trabalho e a relação

com a efetivação daquilo que está prescrito no código de ética profissional, como

princípios, que devem guiar a intervenção desses profissionais.

A profissão de Assistente Social por ser eminentemente interventiva, requer

uma reflexão sobre à relação entre teoria e prática. Essa é uma relação dialética que

trata da unidade de contrários, “na qual teoria é feita para desconstruir e reconstruir

a prática, e prática para desconstruir e reconstruir a teoria” (DEMO, 2006, p. 39). É

preciso ter a compreensão da inexistência da dicotomia teórica e prática no trabalho

dos assistentes sociais, para não se correr o risco de desenvolver a ação

profissional sem um embasamento teórico que ilumine sua intervenção. Entretanto, é

necessário compreender, também, que se tratam de conceitos diferentes em sua

lógica e em sua dinâmica, pois é certo que um não vive sem o outro.

Podemos aprender da teoria, à medida que formos capazes de sistematizar idéias, definir conceitos e categorias, ordenar o pensamento, exercitar método. Podemos aprender da prática, à medida que formos capazes de nos confrontar com desafios concretos e procurar soluções. Mesmo que sempre parciais (DEMO, 2006, p.41-42).

35 Sobre a origem da teorização das diferenças entre o trabalho prescrito e o trabalho real, sabe-se que vêm de um inquérito de 1969-1972 numa fábrica de montagem de televisões na França, onde a análise ergonômica do trabalho permitiu pôr em evidência as formas inéditas de atividade, resolução de problemas, de inventividade por parte dos trabalhadores considerados como” não qualificados” mas somente “executantes” “Aliás, é preciso homenagear os ergónomos franceses que foram sem dúvida dos primeiros a distinguir, nos operários especializados em cadeia, o ‘ trabalho teórico’(as tarefas a cumprir a ‘gabinete dos métodos’) do ‘trabalho real’ (a actividade do trabalho, o que faz aquela ou aquele que executa a sua tarefa). O operador não é passivo, totalmente subjugado, ele ‘elabora modos operatórios que mobilizam os seus próprios recursos‘ ele gera constantemente um conjunto de acontecimentos que lhe permitem decidir acções a conduzir’, ele ‘readapta os objectivos prescritos e desenrasca-se com os meios que se propõe’. Sugiro ver em Claude Dubar, (2006, p.95-96).

92

A teoria e a prática são movimentos interligados e provisórios. Não se pode

ficar só na teoria, porque nada acontece, e nem, ao contrário, ficar só na prática,

pois só aconteceria a rotina, a mesmice, e nada mudaria (DEMO, 2006).

Pode-se constatar que um saber enunciado adquire pertinência quando na

sua adequação a uma relação com o real e/ou na sua coerência interna, tornam-se

valiosos servindo como instrumento para atingir um fim perseguido. (MALGLAIVE,

1995). Assim, percebe-se o quanto o saber teórico é fundamento indispensável na

eficácia dos saberes que vão regular a ação, sugerindo, inclusive, os possíveis

procedimentos para a realização dos seus fins. A relação que o saber teórico

estabelece com a prática é muito mais do que uma relação de aplicação, como se

costuma comumente dizer, é, sobretudo, uma relação de intervenção. Portanto, uma

teoria não se aplica:

ela investe-se aí, tornando o objecto (de conhecimento) que permite agir mais eficazmente sobre o real, actuando sobre a representação pensada. Esta operação de intervenção confere ao saber teórico um estatuto contraditório em relação à prática. Por um lado, é-lhe exterior e existe independentemente dela; dando a conhecer o real, obedece às suas leis próprias que são as do conhecimento. Mas, por outro lado, o saber teórico tem de intervir, de se empenhar na prática, sob pena de se ver condenado ao raciocínio escolástico, ao formalismo do pensamento acadêmico, caminhando para a esterilidade. (MALGLAIVE, 1995, p.71-72).

É sob esses argumentos que se justifica a necessidade de

permanentemente questionar o saber teórico, as suas insuficiências, permitindo que

seus limites sejam revelados e interpelados. Essa teoria, quando posta em

movimento na prática, por si só se retira de um isolamento, sendo consumida pela

prática, que é, ao mesmo tempo, consumidora da teoria. “É na sua relação com a

prática que o conhecimento teórico é um movimento permanente para o

conhecimento científico do real” (MALGLAIVE, 1995, p.72).

Essa é uma compreensão fundamental para que os assistentes sociais

possam estar comprometidos com a inovação, a reinvenção, com a resolutividade,

enfim, com a consolidação de um projeto profissional. “Quem sabe desconstruir e

reconstruir teorias e práticas, mantém-se atualizado em duplo sentido: acompanha o

que se faz na teoria e realimenta-se com as mudanças que a prática impõe” (DEMO,

2006, p.40).

93

É importante observar que de nada adianta somente a denúncia de que o

trabalho real é mais complexo do que o trabalho prescrito, o que, por vezes,

costuma-se ouvir de diferentes profissionais. É preciso que se problematizem as

situações de trabalho para que dele surjam alternativas para “uma transformação de

estruturas de modalidades de pensar o trabalho e a sua organização” (CORREIA,

2003, p.30). A denúncia, por si só, não responde à questão central de saber se o

sentido social a atribuir ao trabalho se deve construir em torno do que é visível, ou,

ao contrário, se o trabalho oculto é que irá estruturar o sentido do trabalho visível

(CORREIA, 2003). Esse entendimento do autor parece bastante pertinente, pois

verifica-se que, em muitas situações, os profissionais ficam amarrados nas queixas e

nas dificuldades, nos entraves políticos da gestão, o que os impede de se

organizarem coletivamente, para que a partir de uma reflexão crítica do seu

processo de trabalho, busquem alternativas de solução e o alcance de resultados

através do enfrentamento das situações postas.

O exercício profissional dos assistentes sociais se dá junto às diferentes

expressões da questão social que emergem da contradição e do conflito entre o

capital e o trabalho. Nesse mesmo movimento dialético, o capital pode apropriar-se

de um saber produzido no trabalho, mas, por outro lado, também o trabalhador pode

se apropriar dele. A criação do profissional está relacionada com o novo, com algo

diferente que esse produz e que vai além da prescrição. Para que se possa fazer jus

ao compromisso firmado no código de ética profissional, com a qualidade dos

serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual na perspectiva

da competência profissional, tem-se como estratégia para tal o desenvolvimento da

educação permanente.

A discussão de educação permanente pressupõe a transformação dos

espaços sócio-ocupacionais em locais de desenvolvimento, através da interlocução

de saberes, em que o processo de trabalho possa ser objeto de análise e de

problematização. Deve-se considerar, ainda, que é o processo de trabalho que pode

indicar quais saberes são necessários para qualificação dos atendimentos e dos

serviços prestados aos usuários (FERNANDES, 2007).

O trabalhador social que produz um saber manifesta uma determinada

relação com o saber e com o trabalho que tem a ver com a sua própria história, seus

94

interesses, seus projetos (SANTOS, 2000). A história do trabalho dos assistentes

sociais, conforme visto anteriormente, tem sido sustentada pelo projeto ético-político

da profissão. Entretanto, a construção e a desconstrução de saberes profissionais

são condição para o enfrentamento da questão social, para o atendimento das

necessidades sociais postas e para a valorização daquilo que é produzido no mundo

do trabalho e que não pode deixar de ser reconhecido pela comunidade científica da

área.

Contudo, a aprendizagem no trabalho é um processo de ação reflexão ação

que, ao ser vivenciado pelos assistentes sociais, pode privilegiar a aquisição de

conhecimento, a produção de saberes, a realização profissional, o questionamento e

a descoberta de novas formas de trabalho, o que instrumentaliza os profissionais

para a qualificação de sua atuação. Ademais, é pertinente esclarecer que a intenção

do estudo empírico que se propõe, não é a de superestimar a prática profissional

dos Assistentes Sociais, mas, sim, evidenciar as possibilidades de produção de

saberes durante o exercício profissional, através da reflexão crítica do seu processo

de trabalho, o que torna-se ponto de partida da educação permanente.

95

4 AS TRILHAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA

Tendo em vista a necessidade de explicitar a direção metodológica adotada

na pesquisa, este capítulo propõe-se a sistematizar as trilhas metodológicas

percorridas pela pesquisadora, bem como o pressuposto epistemológico norteador

da investigação. A pesquisa tem como referencial epistemológico o método dialético

de investigação e caracteriza-se como uma pesquisa do tipo qualitativa. Trata-se de

um método que permite buscar “a ligação, a unidade e o movimento que engendra

os contraditórios, que os opõe, que faz com que se choquem, que os quebra ou que

os supera” (LEFEBVRE, 1991, p.238).

Destaca-se, entre as categorias do método, a totalidade, a particularidade, a

contradição e a historicidade que enrijecem o fio condutor dessa investigação,

contribuindo para apreensão da interlocução entre a educação e o trabalho. Tais

categorias são dotadas de significados, pois são construções históricas em

movimento que atravessam o desenvolvimento do conhecimento e, portanto,

permitem penetrar no objeto de pesquisa e na realidade social. Então, se o real está

em movimento, “que nosso pensamento também se ponha em movimento e seja

pensamento desse movimento. Se o real é contraditório, então que o pensamento

seja pensamento consciente da contradição” (LEFEBVRE, 1991, p.174).

É nessa realidade em movimento que se busca construir e conhecer o objeto

dessa pesquisa, não o investigando como algo isolado, mas tomado na totalidade

das interações complexas que ligam-se através das relações reais. (LEFEBVRE,

1991). O recorte realizado na investigação aqui proposta, constitui-se em uma

particularidade de determinada totalidade, que é apreendida no conjunto de suas

relações, expressando, portanto, suas especificidades, através das manifestações

sócio-históricas da realidade da qual faz parte. Assim, o método dialético valoriza a

contradição dinâmica dos fatos e das ações dos sujeitos, o que permite ao

pesquisador observar as relações entre o todo e a parte, para explicar a vida social e

humana (LEFEBVRE, 1991).

As trilhas metodológicas percorridas nessa investigação não são trilhadas por

um pesquisador sozinho e, sim, pelos sujeitos pesquisados que vão se envolvendo e

contribuindo com a sua percepção sobre o problema pesquisado. O pesquisador, no

96

processo investigativo, ao fazer a apreensão do real, vai definindo estratégias e

percorrendo novas trilhas, que vão lhe permitir materializar o processo empírico.

Parte-se de um entendimento epistemológico de que o trabalho científico é

um trabalho desenvolvido por um investigador com o objetivo de desvendar uma

verdade oculta, que pré-existe, isto é, que está latente no objeto. Assim, o diálogo

experimental será, nessa perspectiva, encarado como uma interrogação que o

sujeito dirige ao objeto de forma a que este desvende a verdade oculta. O trabalho

científico é, portanto, um trabalho persistente, em que a invenção está ausente

(CORREIA, 2007).

É necessário ressaltar que mesmo sendo essa uma pesquisa do tipo

qualitativa, faz-se o uso de instrumentos que acessam dados quantitativos, que

trazem um acréscimo compreensivo à investigação. Referenciando Minayo, o uso

das abordagens qualitativas e quantitativas revela que as mesmas “não são

incompatíveis e podem ser integradas, num mesmo projeto de pesquisa” (2006,

p.76). Entretanto, tem-se o entendimento de “que o arcabouço qualitativo é o que

melhor se coaduna a estudos e situações particulares, grupos específicos e

universos simbólicos” (MINAYO, 2006, p.76).

Entre os pressupostos que fundamentam a escolha da metodologia qualitativa

para essa pesquisa, considera-se aqueles tratados por Martinelli (1994), quais

sejam: o reconhecimento da singularidade do sujeito, o que significa conhecê-lo,

escutá-lo e permitir a ele que se revele; o reconhecimento da importância em se

conhecer a experiência social do sujeito, o que significa compreender a sua trajetória

histórica no contexto social e ainda, por último, que o conhecimento do modo de vida

do sujeito pressupõe o conhecimento de sua experiência social (MARTINELLI,

1994).

O trabalho de campo que embasa a pesquisa, inicia-se com a aproximação

do objeto de investigação, a revisão bibliográfica existente sobre o tema, mais

especificamente sobre a discussão da educação e a sua relação com o trabalho no

contexto sócio-histórico. Partimos do entendimento que “o trabalho de campo é

realizado a partir de referenciais teóricos e também de aspectos operacionais”

(MINAYO, 2006, p.203). Como categorias explicativas da realidade, privilegia-se:

97

formação, educação permanente e processo de trabalho, trazidos nos primeiros

capítulos desse estudo, como pressupostos teóricos que fundamentam a caminhada

metodológica desse processo investigativo.

Para tanto, foi necessário aprofundar a revisão bibliográfica no que se refere

aos estudos existentes sobre educação permanente no âmbito do Serviço Social e,

mais precisamente, no campo da saúde, referência dessa investigação. Este

capítulo trata das trilhas percorridas até aqui, revelando, em parte, aquilo que foi

vivenciado e apreendido empiricamente pelo pesquisador.

4.1 A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO

Já faz algum tempo que a questão da educação e do trabalho é uma temática

que nos desperta uma necessidade de aprofundamento teórico e, além disto,

provoca uma curiosidade científica que leva à construção do objeto para essa

pesquisa. Portanto, a delimitação da temática como um dos elementos constitutivos

da realização de uma pesquisa é o que direciona para a definição do objeto a ser

investigado. Iniciar a aproximação, o namoro com a questão a ser investigada,

requer um olhar, uma escuta, sobre e da realidade na qual se está inserido, pois não

há dúvida de que a escolha do tema aqui proposto emergiu de uma trajetória

histórica, o que permitiu, aos poucos, definir o que exatamente se pretende tratar

sobre a educação e o trabalho no âmbito do Serviço Social. Foi nessa aproximação

com a temática que teve início a construção e a problematização do objeto.

Tratar sobre a temática deste estudo pressupõe a necessidade da reflexão

critica acerca do processo de trabalho dos assistentes sociais, que requer um

processo de educação permanente no seu cotidiano profissional. Diante do cenário

societário contemporâneo, entende-se ser essa uma estratégia para a intervenção

mais comprometida com resultados que possam inverter essa lógica política e

econômica excludente, reconhecida como neoliberal, imposta pela questão social na

realidade atual.

Para o encaminhamento dessa reflexão, é importante perceber que o espaço

privilegiado da intervenção profissional é o cotidiano, o dia-a-dia do trabalho, a lida,

como costuma-se referir, que se revela como um ambiente propício para apreensão

98

de conhecimentos e aquisição de habilidades que, segundo Iamamoto (2000), fazem

parte da instrumentalidade do Serviço Social. A superação de velhas práticas requer,

dos profissionais, um debate sobre o significado de suas intervenções e os

resultados alcançados, diante das mutações da questão social, já que essa e suas

diferentes expressões se constituem no objeto de intervenção do profissional.

Citando Iamamoto (2000), ao colocar-se como objeto de sua própria

pesquisa, o Serviço Social volta-se sobre si mesmo e descortina ângulos inusitados

para o desdobramento de diferentes estudos sobre a profissão. Além disso,

pesquisar no e o Serviço Social é conhecer as respostas que a profissão vem

formulando para enfrentamento e superação das diferentes expressões da Questão

Social, sobretudo a contribuição dos mesmos para a efetividade e a consolidação

dos princípios do projeto ético-político profissional. É então, pelo ângulo da

educação permanente, que se pretende descortinar as possibilidades da reflexão

crítica sobre o processo de trabalho desses profissionais. A educação permanente

pressupõe a aprendizagem, a troca de saberes, o trabalho coletivo, o respeito pelas

diferenças, no próprio local de trabalho, nas situações de trabalho.

Neste estudo, privilegia-se o trabalho dos assistentes sociais na área da

saúde, pois se observa quanto, nesse campo, são muitos os desafios postos para a

profissão, sobretudo o da promoção e da proteção da saúde da população brasileira,

um direito conquistado pela sociedade no final dos anos 1980 e que vem sendo

consolidado com a implementação de uma política pública instituída como o Sistema

Único de Saúde - SUS.36

Sendo o assistente social reconhecido como trabalhador da saúde, e, por ser

um profissional que se caracteriza como “um dos principais articuladores de equipes

multiprofissionais” (VASCONCELOS, 2003, p.26), é que torna-se necessário

investigar, junto a essa categoria, as experiências de educação permanente

vivenciadas a partir do trabalho vivenciado nas equipes de saúde, portanto, de

construção coletiva. Tornou-se profícuo eleger para este estudo o campo da saúde,

uma vez que a educação permanente é instituída como vertente pedagógica no

36 Lei 8080 de 19 de setembro de 1990. Dispõem sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Ver Coletânea de Leis - CRESS, 2000.

99

estatuto de política pública na área da saúde. O reconhecimento e a identificação da

educação permanente em saúde está atrelado a um processo educativo que coloca

o cotidiano do trabalho - ou da formação -, na saúde, em análise (CECCIM, 2005).

Em que pese a relevância da pesquisa junto aos assistentes sociais da

saúde, sabe-se que diferentes profissões necessitam construir estratégias para a

compreensão e o comprometimento com esses novos tempos de profundas

mudanças de toda ordem societária. A idéia de que compreensão e

comprometimento associam–se através do sentido atribuído ao prefixo comum com,

rompe com a idéia do pensamento burguês, que é o do individualismo, e considera

“à idéia de associação, de coletividade” (RIOS, 2003, p.63). Para estar

comprometido com a construção de uma sociedade com justiça social, democrática

e com a garantia de direitos, é fundamental a compreensão no sentido ético de

envolvimento com aquilo que se tem por objetivos profissionais. “Compreensão é,

portanto, saber aprofundado, e envolvimento ético-político do saber” (RIOS, 2003,

p.64). Abordam-se as reflexões de Rios (2003) pelo entendimento que não é de hoje

que tais exigências fazem parte da agenda dos assistentes sociais. Entretanto, a

inovação e a reorientação no processo de trabalho desses profissionais, sinalizam a

compreensão do e o compromisso com o projeto ético-político diante das mudanças

da realidade social.

Não se pode negar que vivenciamos um processo de construção de novas

práticas e temos clareza de que essas devem vir acompanhadas por um conjunto de

ações estratégicas e articuladas, incluindo os sujeitos que demandam a intervenção

técnico-operativa. Dentre as estratégias, escolheu-se, nesta investigação, a

educação permanente, pois, a partir do processo de trabalho, pode-se identificar

quais exigências e saberes são necessários ao assistente social para a qualificação

e provisão das necessidades sociais demandadas pelos usuários dos serviços, em

especial os da saúde, por se tratar do recorte empírico desta investigação.

Quando o profissional se permite refletir criticamente sobre o processo de

trabalho em que está inserido, identificando a natureza dos fenômenos existentes e

as suas conseqüências, cria-se um mecanismo para identificar com mais clareza as

situações a serem superadas mediante uma ação educativa sistemática. É aí que a

100

educação está presente. Ela está inserida no espaço de trabalho e deve ser

considerada como parte dele: formar e formar-se é trabalhar.

Portanto, nesta investigação tem-se a intenção de anunciar as experiências

formativas de educação permanente vivenciadas pelos Assistentes Sociais e,

sobretudo, dar visibilidade ao como vivenciam essas experiências. Experiências que

só podem ser apreendidas na sua singularidade, nos elementos particulares que o

constituem, enfim, “na experiência desenvolvida pelos sujeitos” (VENDRAMINI,

2006, p.128), sem perder de vista o contexto histórico e ampliado em que “as

experiências são desenvolvidas, para podermos compreender suas potencialidades

e seus limites que são históricos” (2006, p.128) ao tomar-se a acepção de que

“experiência é o vivido, são acontecimentos, as ações e ao mesmo tempo, o sentido

a ela atribuído” (VENDRAMINI, 2006, p.126), interessa, nesta investigação, não

somente conhecer, mas, também, apreender o como vivenciam, ou melhor, de que

modo se desenvolvem as experiências de educação permanente vivenciadas pelos

assistentes sociais, compondo assim a questão central desta investigação.

Partindo das considerações colocadas, propõe-se desenvolver uma pesquisa

que responda a seguinte questão: Como os Assistentes Sociais do município de

Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que atuam no campo da saúde, vêm

vivenciando experiências de educação permanente nos seus processos de trabalho?

4.1.1 Objetivos e Questões Norteadoras

Diante da formulação do problema de pesquisa, foram estabelecidos os

objetivos deste estudo.

� Objetivo geral: Analisar como os Assistentes Sociais que atuam no campo

da saúde no município de Porto Alegre/ RS vêm vivenciando experiências

de educação permanente nos seus processos de trabalho.

� Objetivos específicos:

1. analisar as experiências de educação permanente vivenciada pelos

assistentes sociais, a fim de contribuir com o processo de formação da

101

categoria, para que a educação permanente possa ser considerada uma

dimensão formativa dos Assistentes Sociais;

2. conhecer o significado atribuído pelos Assistentes Sociais à necessidade

de formação profissional, através da educação permanente, para

desvendar e analisar as possibilidades, os obstáculos e as resistências

existentes;

3. instaurar processos de reflexão crítica acerca do processo de trabalho dos

Assistentes Sociais, a fim de desencadear processos de aprendizagem

significativa nas situações de trabalho.

Os objetivos traçados e a serem alcançados ao término dessa investigação

suscitam um conjunto de questões norteadoras a serem verificadas durante a

investigação, que são as seguintes:

1. De que maneira os assistentes sociais vivenciam processos de formação

profissional para atender as exigências postas pela questão social?

2. Que dificuldades, obstáculos e possibilidades existem para desencadear

processos de educação permanente e que se constituem em

experiências de aprendizagem significativa?

3. Qual o significado atribuído pelos Assistentes Sociais à necessidade da

educação permanente e qual a concepção existente sobre a mesma?

4.2 EM BUSCA DO ESTADO DA ARTE

A definição do objeto de pesquisa direciona-se para uma revisão bibliográfica

aprofundada sobre o tema, procedimento fundamental na etapa inicial da

investigação, pois “uma vez definido o objeto, é proceder a uma ampla pesquisa

bibliográfica, capaz de projetar luz e permitir melhor ordenação e compreensão da

realidade empírica” (MINAYO, 2006, p.183).

Inicialmente, foi preciso recorrer a diferentes referenciais no campo da

educação que pudessem inserir a pesquisadora num contexto da discussão da

educação permanente, da interlocução da educação e do trabalho, de uma forma

ampla e que possibilitasse a reflexão tanto dos estudos clássicos sobre o objeto em

102

questão, bem como dos estudos mais contemporâneos. Foi nesse processo que se

deu o fichamento das obras lidas. Destacou-se, em cada uma, aquilo que tinha

relação com o objeto de estudo em questão, traçando-se, então, o contorno teórico

das categorias explicitadas anteriormente, na primeira parte desta sistematização,

quanto aos conceitos e às concepções atribuídos pelos autores. Entre as revisões

realizadas e autores estudados no âmbito da educação, destacamos Freire (2003),

Gadotti (1999), Arroyo (2003), Canário (2003; 1994), Correia (2003; 1996), Charlot

(2000; 2004) Cattani (2006), Santos (2003), Schwartz (2003), Dubar (2006), entre

outros.

Entretanto, para além da explicitação dos pressupostos teóricos das

categorias reflexivas desta pesquisa, foi preciso uma imersão em diferentes leituras

sobre a temática educação permanente no campo da saúde, sobretudo no âmbito do

Serviço Social. Ao iniciar-se a revisão bibliográfica junto às produções do Serviço

Social, foi inevitável percorrer sobre a temática formação, até pela proximidade e

compreensão das categorias educação e formação.

Assim, pode-se constatar que a análise da formação profissional do

Assistente Social adquire relevância na década de 80, fundamentalmente, em

função da implementação do novo currículo para os Cursos de Serviço Social

(KAMEYAMA, 1998). Ao traçar a trajetória da produção de conhecimentos no

Serviço Social, Kameyama (1998) destaca que, no período de 1980 a 1995,

ampliam-se as investigações sobre a formação profissional, principalmente nos

cursos de Pós-Graduação da PUC/RJ, PUC/SP e PUC/RS. Entre as investigações,

há uma preocupação com relação à dicotomia teoria e prática, com as técnicas de

ensino e aprendizagem, com o estágio supervisionado, com as disciplinas de

Trabalho de Conclusão de Curso (TCCs) e planejamento, entre outros. Já no final

dos anos 1990, há uma preocupação dos pesquisadores em analisar o papel do

Serviço Social nas equipes multidisciplinares, pois, diante das novas requisições,

competências e condições de trabalho profissional, o assistente social tende a

inserir-se, e, ao mesmo tempo, dissolver-se em diversas áreas (KAMEYAMA, 1998,

p. 49).

103

A capacitação37 dos profissionais Assistentes Sociais vem sendo discutida

nas entidades organizativas da categoria, como o Conselho Federal de Serviço

Social e a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

(ABPESS)38. Entretanto, nos últimos tempos, conforme se evidenciou no XI

Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), essa é uma requisição que tem

merecido atenção especial, fundamentalmente ao considerar-se a conjuntura atual.

Dentre as indicações destacam-se:

ressaltar a dimensão técnico-operativa da profissão na formação e na capacitação continuada, em conexão com a dimensão ético-política e teórica-metodológica; aprofundar e atualizar a discussão sobre as atribuições e competências profissionais, tanto na dimensão da formação quanto na do exercício profissional, através de pesquisas e reflexões; investir na qualificação permanente dos assistentes sociais, através de cursos de especialização, aperfeiçoamento, extensão, atualização, presenciais e a distância, tal como o curso à distância ABEPSS/CFESS (NOGUEIRA, 2005, p.190).

Em que pese a importância da formação profissional e a vigilância contínua e

crítica junto à mesma, é necessário ter o cuidado de não crer que a legitimação da

profissão está somente no equacionamento de políticas de educação continuada.

Mais do que isso, suscita-se a necessidade de repensar as condições de trabalho

dos Assistentes Sociais, pois políticas de formação de trabalhadores adquirem

sentido quando acompanhadas de políticas de qualificação dos espaços sócio-

ocupacionais e suas condições. “É o trabalho que forma ou deforma, qualifica ou

desqualifica o trabalhador”, portanto reconhece-se aqui “o trabalho como uma matriz

fundante e formadora dos seres humanos” (ARROYO, 2003, p.72).

A escolha pela temática educação permanente neste momento sócio-histórico

da profissão, como uma estratégia de consolidação do projeto ético-político do

Serviço Social, parece ser pertinente, pois indaga a forma como os profissionais vêm

captando a realidade social a partir do desenvolvimento do seu processo de

trabalho. Pretende, ainda, colocar em discussão a real preocupação dos

profissionais com o movimento permanente de aquisição de habilidades e de

conhecimentos para que, através da sua intervenção técnico-operativa, possam 37 Capacitação termo este utilizado nas produções existentes no âmbito do serviço social para tratar da formação continuada destes profissionais. 38 A ABEPSS vem assumindo historicamente, desde a década de 70, “um papel de vanguarda na tarefa de pensar a formação profissional, no que diz respeito à elaboração/ reformulação de currículo dos Cursos de Serviço Social, à capacitação docente, á implementação da pós-graduação e á produção científica” (KAMEYAMA, 1998, p.47).

104

defender os direitos humanos, a justiça, a eqüidade, além de viabilizar a

emancipação da cidadania dos sujeitos e contribuir com a consolidação do Sistema

Único de Saúde – SUS, já que o campo empírico, aqui considerado, é o da saúde.

Outra questão importante refere-se à mobilização dos trabalhadores que

participam de experiências, tais como, congressos, cursos, oficinas, eventos, entre

outros, pois ainda que essas ocorram na lógica de educação continuada, é

fundamental que os profissionais possam socializar o conhecimento adquirido junto

à sua equipe de trabalho e aplicá-lo à sua prática, desde que exista uma correlação

do conteúdo com a necessidade vigente. Cabe, assim, aos assistentes sociais,

garantir e estimular que esses espaços coletivos de troca e de aprendizagem no

trabalho se constituam em situações reais de aprendizagem.

Dada a relevância da revisão bibliográfica, parte-se para a área do Serviço

Social com o intuito de reconhecer a produção de conhecimento sobre o objeto em

questão, mais precisamente sobre os estudos da educação permanente junto aos

Assistentes Sociais. Como esta é uma discussão que vêm ocorrendo na área da

saúde, foram feitas leituras de diferentes textos que pudessem dispor sobre essa

discussão no Serviço Social na Saúde. A discussão sobre a implementação do

Sistema Único de Saúde – SUS é discussão presente no âmbito do Serviço Social,

dada a importância dessa política pública, que tem como princípios a universalidade,

a eqüidade, a integralidade e a participação popular. Esses princípios articulam-se

com o projeto ético-político da profissão, com a garantia de direitos, sendo, então,

um tema presente nas produções bibliográficas no Serviço Social, tanto no que se

refere à discussão da garantia de direitos, quanto às produções que discutem as

ações profissionais, dentre os quais destacam-se Bravo (2006), Nogueira (2002 e

2006), Vasconcelos (2003), Matos (2003), Mioto (2006) e Mota (2006), entre outros

estudos empíricos não tratados aqui.

No estudo de Matos (2003), intitulado de “O debate do Serviço Social na

saúde nos anos 90”, produto de sua dissertação de mestrado apresentada em 2000

na UFRJ, verifica-se o quanto a reforma sanitária e o projeto ético-político do Serviço

Social influenciam no trabalho dos Assistentes Sociais na saúde. O autor discorre

sobre a evolução do debate do serviço social na saúde, fundamentalmente na

década de 90, a partir da análise das produções de comunicações e de artigos

105

publicados nos Congressos Brasileiros de Serviço Social - CBAS de 1992, 1995 e

1998. Também refere estudos realizados por Silva39 sobre as contribuições da

revista Serviço Social e Sociedade para o Serviço Social, e que a temática saúde foi

destaque entre as publicações das décadas de 80 e 90 (MATOS, 2003). Observa-se

que entre os trabalhos citados por Matos (2003), nenhum trata sobre a educação no

trabalho da saúde ou, ainda, sobre a educação permanente e, tampouco, sobre a

formação profissional na saúde.

Dentre os estudos referidos anteriormente, na pesquisa realizada por

Vasconcelos (2003) intitulada “A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e

alternativas na área da saúde”, encontra-se uma brecha que conduz à reflexão

sobre a capacitação profissional dos Assistentes Sociais. A formação de graduação

e a capacitação continuada não foram foco de investigação da pesquisadora, mas é

sabido que elas determinam a qualidade do trabalho profissional. Desse modo,

Vasconcelos aponta que

ou o Serviço Social atravessa todo o período da formação graduada e capacitação continuada, numa constante relação com a realidade, superando os espaços no currículo destinados ao ensino da prática(...) ou estaremos fadados a cristalizar a separação entre teoria e prática no Serviço Social(..) Formar um assistente social capacitado para um trabalho profissional mediado pela teoria requer o exercício da relação teoria-prática pelos docentes na formação profissional e a capacitação continuada, o que só se pode resultar de um trabalho coletivo articulado ( 2003, p. 28).

É na esteira da discussão da formação dos Assistentes Sociais que traz-se a

educação permanente como foco da investigação que ora é apresentada. Essa

categoria carrega concepções que se diferenciam da proposta da educação

continuada, que nem sempre são estruturadas a partir da problematização de uma

situação concreta de trabalho. Nesse sentido, a educação permanente, que requer a

reflexão crítica sobre o processo de trabalho, pode ser considerada uma estratégia

para qualificação dos profissionais Assistentes Sociais e dos serviços prestados por

esse trabalhador.

Esse indicativo não elimina ou, tampouco, se sobrepõe às ações construídas

no âmbito da profissão, de superação das fragilidades da relação teórico–prática,

através de capacitações e de processos de educação continuada desenvolvidos por

39 Sobre a pesquisa realizada por Silva sugiro ver em: SILVA, M. S. Contribuições da revista para a construção do Serviço Social brasileiro. In: Serviço Social Sociedade. Nº61. São Paulo: Cortez, 1991.

106

diferentes segmentos que se voltam para a formação profissional.40 O exercício da

relação teórico-prática, oportunizado na formação inicial, é parte desse processo de

aprendizagem, pois a experiência, o vivido no mundo do trabalho, ou, ainda, na

intervenção profissional, se constituí em um exercício profissional.

Outra obra que merece destaque pela sua importância e pela sua contribuição

nesse momento sócio-histórico, refere-se à iniciativa pioneira da gestão da

Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS

2003/2004, materializada na gestão 2005/2006, a partir da publicação Serviço Social

e Saúde: Formação e Trabalho Profissional. A obra reúne textos de profissionais

com “uma sólida trajetória acadêmica, intelectual e profissional na área de Serviço

Social” (MOTA, 2006, p.9). Além disso, a coletânea de textos organizados nessa

obra oferece não apenas aos Assistentes Sociais, mas a todos que trabalham na

área da saúde, um texto didático e competente, que coloca a saúde como parte da

totalidade historicamente construída, negando as abordagens instrumentais que

defendem o mero conhecimento técnico aplicado. “Há a certeza de se estar

contribuindo com a produção do conhecimento crítico e com proposições que

reiteram uma política de saúde pública universal e integral” (MOTA, 2006, p.9).

Foi nesta coletânea que nos aproximamos das reflexões recentes de Mioto e

Nogueira (2006) sobre os desafios do SUS e as exigências para os Assistentes

Sociais. Dos textos revisados, até o presente momento, encontrou-se nesse uma

discussão que se aproxima da educação permanente, ou pelo menos, tal temática é

reconhecida como discussão no campo da saúde. As autoras referem-se ao

movimento de reorganização e de atualização das práticas em saúde, conforme já

citado anteriormente, através dos Pólos de Capacitação Permanente e dos

Programas de Capacitação e Atualização Profissional em vários níveis,

preconizados pelo Ministério da Saúde.

Tal movimento, vinculado à Política Nacional de Educação Permanente do MS tem buscado qualificar recursos humanos para atuação nos moldes preconizados pelos princípios e diretrizes do SUS. Por essa razoa amplia-se a preocupação com a especificidade do Serviço Social à

40 Embora saibamos que a categoria profissional vem se debruçando sobre a temática formação em diferentes estudos empíricos e em debates nas entidades organizativas, como o Conselho Federal de Serviço Social e a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABPESS)40 esta é uma requisição que tem merecido atenção especial, fundamentalmente ao considerar-se a conjuntura sócio-histórica na atualidade Sugiro ver em : NOGUEIRA, 2005.

107

medida que se observam outras profissões a largando suas ações em direção ao social (MIOTO & NOGUEIRA, 2006, p. 219).

Como se pode observar, a existência da preocupação com a formação dos

trabalhadores da saúde é, de fato, algo em evidência e, portanto, merece ser foco de

estudo entre os assistentes sociais, que tem o campo da saúde como um dos

espaços-ocupacionais.

Outra contribuição relevante no âmbito do Serviço Social refere-se à produção

de Nicolau (2004), sobre a formação e o fazer profissional do assistente social. A

discussão da autora em torno da temática considera os aspectos históricos que

permeiam a dicotomia entre o saber e o fazer. Ao apontar as conexões e as

possibilidades de dicotomias e de conflitos entre a formação e o fazer profissional,

contribui com as reflexões que se vem fazendo sobre a temática desta pesquisa, que

tem como foco a discussão da educação permanente, aquela que acontece na

experiência concreta do trabalho. “A experiência concreta do trabalho é, portanto,

complexa, pois mobiliza a totalidade do indivíduo com sua história, experiências e o

que foi apropriado na formação, bem como a dinâmica do espaço no qual a

experiência se efetiva e o movimento da totalidade social lhes dá concretude”

(NICOLAU, 2004, p.85).

Seguindo essa mesma linha de reflexão sobre saberes, cotidiano do trabalho

profissional, relações, teoria e prática, identifica-se a contribuição de Batista (1995),

no texto A ação profissional no cotidiano. “O profissional se faz fazendo” (1995,

p.113), assim refere-se a autora, entre tantas reflexões que expõe no texto. O

espaço de trabalho é referência nas argumentações de Batista (1995), da mesma

forma que o consideramos nesta pesquisa, espaço privilegiado, que se revela como

o “ambiente no qual emergem exigências imediatas e são desenvolvidos esforços

para satisfazê-las, lançando mão de diferentes meios e instrumentos” (1995, p.111).

É nesse quadro de revisão bibliográfica que buscam-se fundamentos que

contribuam com as reflexões da investigação.

Outra revisão fundamental, já sistematizada na primeira parte deste estudo,

refere-se à concepção de educação permanente tratada no campo da saúde, em

particular no SUS, no Brasil. Como se pode observar, encontram-se, na área da

saúde, diferentes estudos sobre esse objeto, entre eles, Haddad (1990), Davini

108

(1990), Roschke (1994), Ceccim (2005), Feuerwerker (2003) e Motta (2005), entre

outros. Há uma produção textual brasileira, oriunda das discussões preconizadas

pelo Ministério da Saúde, a partir de 2003, quando toma a educação permanente

como idéia central da política de gestão da educação no trabalho em saúde e passa

a desenvolver ações indutoras significativas no interior do Sistema Único de Saúde

(MOTTA, 2005).

Para que a bibliografia fosse suficientemente ampla e para que se pudesse

traçar a moldura dentro da qual o objeto dessa investigação se situa “se faz

necessário a busca de diferentes pontos de vista, dos diferentes ângulos do

problema que permitam estabelecer definições, conexões e mediações,

demonstrando o estado da arte” (MINAYO, 2006, p.184). Assim, entende-se que a

revisão bibliográfica é um processo fundamental que pode ser caracterizado por

“vários níveis de aprofundamento” (MINAYO, 2006, p. 183), que, gradativamente, vai

sendo desenhado pelo pesquisador.

Ao percorrermos essas trilhas que permitiram fazer referências às idéias

centrais sobre o objeto de pesquisa em questão, parte-se para explicitação da

caminhada empírica deste processo.

4.3 APROXIMAÇÕES EMPÍRICAS

Chegado o momento de percorrer outras trilhas do trabalho de campo partiu-

se para a escolha do universo a ser pesquisado. Para isso, faz-se um “recorte

espacial que diz respeito à abrangência, em termos empíricos, do recorte teórico

correspondente ao objeto de investigação” (MINAYO, 2006, p.201). Nesse recorte

inserem-se os sujeitos com os quais se interagiu, que são os Assistentes Sociais

que atuam no campo da saúde do município de Porto Alegre.

Para definir que profissionais seriam escolhidos para vivenciar esse processo

de investigação e para que se pudesse praticar a diversificação do universo dos

sujeitos, colhemos informações junto ao Conselho Regional de Serviço Social

/CRESS – 10ª região. A intenção foi identificar o número de profissionais ativos no

município e verificar a possibilidade de contatar com os Assistentes Sociais da área

da saúde vinculados à Delegacia Seccional de Porto Alegre. Através de encontro

109

realizado41 com representante da comissão de formação do CRESS, obteve-se a

informação que de um universo de 3.601 profissionais, 1.405 atuam em Porto

Alegre, perfazendo um percentual de 39% dos Assistentes Sociais.

1.405

416336

1.444

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

número de profissionais

Porto Alegre Pelotas Caxias do Sul Outros

Gráfico 1: Distribuição do número de profissionais ativos da 10ª Região

Fonte: CRESS, em outubro de 2006.

Com base nessa informação deu-se continuidade ao processo investigatório,

que compreendeu uma identificação e uma delimitação dos diferentes serviços da

saúde que são conveniados com o SUS e que se constituem como campos de

atuação profissional. Entretanto, das organizações identificadas, elegeram-se

aquelas em que foi possível definir o número de assistentes sociais que atuavam

nestes espaços, quais sejam: Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre,

Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Grupo Hospitalar Conceição e Complexo

Hospitalar Santa Casa.

Por meio de contatos com os próprios Assistentes Sociais das organizações

referidas ou com profissionais da área de recursos humanos, durante os meses de

março a maio de 2007, foram listados os endereços eletrônicos dos sujeitos que

fariam parte do estudo exploratório.

41 Esta informação foi obtida no mês de outubro de 2006, de acordo com dados contabilizados pelo CRESS 10ª Região.

110

72

53

11 15

0

10

20

30

40

50

60

70

80

número de profissionais

SMS/PMPA GHC HCPA SCCH

Instituições

Gráfico 2: Localização dos Assistentes Sociais na rede de Serviços de saúde - Porto Alegre

De posse dessas informações, partiu-se para elaboração de um questionário

com perguntas abertas e fechadas, (apêndice A) com o intuito de identificar, através

das questões formuladas, se o profissional estaria ou não desenvolvendo processos

de educação permanente. Assim o questionário foi encaminhado aos assistentes

sociais (conforme universo definido a partir do quadro de localização) por endereço

eletrônico disponibilizado na ocasião em um site na Internet

(www.quetionariodepesquisa.rg3.net) atendendo aos critérios de regulamento para

realização de pesquisa, conforme o explicitado através do termo de compromisso

que constou na introdução do questionário.

É importante ressaltar que, quando o meio eletrônico foi o escolhido para o

encaminhamento do questionário, tinha-se uma expectativa de 50% de retorno, o

que não ocorreu. Isso não pode ser ocultado pela pesquisadora, principalmente

porque a escolha do instrumento foi feita pela facilidade e pela rapidez da

comunicação, afinal a tecnologia está em evidência no cenário da formação,

incluindo o da pesquisa científica. Na tentativa de compreender esse processo,

alguns motivos foram identificados e outros não. Por exemplo: alguns endereços

eletrônicos que foram repassados por colegas e pelas áreas de Recursos Humanos,

não estavam corretos ou os profissionais não costumam acessá-los; em outros

casos, o provedor escolhido não tinha compatibilidade com o provedor do

111

profissional, como no caso do GHC; outros não teriam se manifestado por motivos

empiricamente desconhecidos pela investigadora.

A página na internet com o questionário de pesquisa, ficou disponível durante

todo o mês de julho de 2007. Como alguns e-mails não retornavam, foram feitos

contatos telefônicos para averiguação e aquisição de novos endereços. No caso do

GHC, optou-se por mandar novamente os e-mail somente para 15 profissionais que

haviam sido contatados e confirmaram seus endereços e disponibilidade em

responder ao questionário. Assim, totalizando, foram encaminhados 113

questionários, sendo que 29 foram respondidos (25,66%).

Durante o processo, pode-se compreender que nessas trilhas percorridas o

pesquisador iniciava sua aproximação com os sujeitos e os sujeitos pesquisados

aproximavam-se do pesquisador. Revelavam-se aí, indícios para a escolha daqueles

que seriam protagonistas da próxima trilha empírica a ser percorrida, até porque

esses sujeitos também se escolhiam.

Ao receberem os questionários e respondê-los, alguns assistentes sociais

enviavam mensagens que encorajavam a pesquisadora a proceder, indicando a

importância desta para a categoria profissional e, mais do que isto, se revelavam

como sujeitos pertencentes ao processo de investigação deflagrado. As mensagens

referiam : ”Rosa, fiquei feliz de receber tua mensagem e saber que estás

pesquisando sobre a nossa profissão, espero contribuir”(Jane); Parabéns pela

pesquisa, acho que estamos precisando mostrar o que existe de bom por aí! Conte

comigo!” (E.).

Por tudo, este foi um processo de aproximação junto aos Assistentes Sociais

e que também permitiu obter respostas para questões norteadoras, como por

exemplo, a referente à maneira como os profissionais vivenciam processos de

formação profissional, que a princípio não foi delimitada, como somente as ocorridas

a partir da educação permanente e que, de alguma forma, enunciaram as

experiências de educação continuada dos profissionais.

Cabe esclarecer que este instrumento também possibilitou identificar os

assistentes sociais que foram convidados para o grupo focal, principalmente em

112

função das respostas advindas da parte do questionário que tratou do processo de

trabalho desse profissional. Para isto, foram elaboradas algumas questões que se

traduziram em indicadores de desenvolvimento de educação permanente.

Elabora planos, programas e projetos.

Viabiliza a participação dos usuários na instituição.

Participa de reuniões interdisciplinares (de equipe técnica) sistematicamente.

Oportuniza a criação de espaços compartilhados de discussão sobre situações de trabalho entre profissionais de diferentes áreas.

Realiza pesquisas que subsidiem as ações profissionais

Socializa conhecimentos adquiridos junto aos seus colegas.

Investe no aprimoramento profissional no espaço de trabalho, a partir dos problemas referentes à qualidade e à eqüidade dos serviços.

Elabora indicadores de avaliação de seu trabalho.

Participa de reuniões de conselhos e ou atividades.

Realiza supervisão de estágio profissional em Serviço Social.

Encontra dificuldades para criação de espaços para a discussão da organização e do processo de trabalho.

Considera que durante a prática profissional ocorre aquisição de conhecimentos e habilidades para além daquelas apreendidas na formação acadêmica.

Os cursos e/ou capacitações promovidas pela instituição (local de trabalho) atendem as necessidades demandadas pelo serviço.

Considera que no seu cotidiano profissional existe a oportunidade de fortalecer seus conhecimentos e construir novos.

Quadro 1: Indicadores de Educação Permanente nos Processos de Trabalho dos Assistentes Sociais

Considera-se relevante expor nessa parte do estudo as informações obtidas

junto aos 29 assistentes sociais, por meio dos questionários respondidos. Como

forma de reconhecer os diferentes espaços ou serviços de atuação dos assistentes

sociais na saúde, verifica-se, no gráfico 3, que sobre o espaço sócio-ocupacional a

predominância se dá na área hospitalar, incluindo os serviços de saúde comunitária

desenvolvido pelo GHC. Percebe-se a inserção dos profissionais junto à atenção

primária em saúde nas Unidades Básicas na rede pública municipal. A área da

saúde do trabalhador, a Gestão e a Vigilância se constituem como espaços

113

potencializadores da prática profissional que se destacam nesse universo de

pesquisados.

29%

45%

11%

4% 4%7%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

Unidade Básicade Saúde

Hospital Saúde doTrabalhador

Vigilância Gestão Outro

Gráfico 3: Sobre o espaço sócio-ocupacional na área da saúde

Sobre a trajetória de Formação Profissional e a Educação Continuada os

dados sobre a instituição de Ensino de formação estão condicionados à realidade

dos Cursos de Serviço Social existentes na seccional da 10ª região do CRESS, pois

a maioria das escolas formadoras são particulares. Como a pesquisa direcionou-se

para os profissionais que atuam na cidade de Porto Alegre, destacam-se aqueles

formados na Região Metropolitana do Rio Grande do Sul (PUCRS, ULBRA e

UNISINOS). Entre as Universidades do Estado foi citada a UCPEL.

114

53%

11%

4%

32%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

PUCRS UNISINOS UCPEL ULBRA

Gráfico 4: Graduação em Serviço Social - Instituição de Ensino

Sobre o ano de formatura dos assistentes sociais foi possível observar a

existência de profissionais formados há mais de três décadas e outros formados

recentemente, há alguns anos, como no caso dos formados em 2004 e que já estão

atuando profissionalmente no campo da saúde pública. Ao considerar um tempo de

trabalho em torno de 30 anos (tempo de serviço), observa-se que mais de 50% dos

assistentes sociais ainda irão trabalhar em média de 15 a 30 anos, indicando o

desafio que tem pela frente na trajetória profissional.

Também pode-se verificar que a educação continuada tem sido objetivo dos

assistentes sociais. Nessa parte do questionário houve a intenção de conhecer os

investimentos e as iniciativas de educação continuada que se constituem no

conjunto de experiências que seguem a formação inicial e que permitem ao

trabalhador manter ou aumentar suas competências para o desenvolvimento de

suas responsabilidades no trabalho (DAVINI, 1994).

Mesmo não sendo foco empírico central desta pesquisa, não se pode negar

que a educação continuada faz parte do percurso formativo dos assistentes sociais.

Em muitas situações, os profissionais procuram se inserir em uma capacitação em

função de uma necessidade não individual, mas coletiva, ou seja, oriunda das

necessidades identificadas em seu processo de trabalho. Sendo assim, no

115

compromisso de atender a essas necessidades, investem de diferentes formas no

seu aprimoramento profissional.

Entre os cursos de Pós-graduação, pode-se destacar, do universo de 29

assistentes sociais, que 5 realizaram mestrado em Serviço Social na PUCRS e uma

encontra-se realizando-o em outra área na Universidade Federal do Rio Grande do

Sul (UFRGS). Entre os cursos de especialização citados, destacam-se aqueles que

os profissionais relacionaram com a sua área de trabalho, quais sejam: Direitos da

Criança pela Escola Superior do Ministério Público; MBA em Gestão Empresarial

(Pelo IBEGEN); Coordenadores de Dinâmica de grupos; Prevenção a Violência

Doméstica PUCRS; Saúde do Trabalhador /UFRGS; Arte Terapia no Contexto

organizacional; Curso de Terapia de Família; Especialização em Planejamento e

Gestão de Sistemas de Saúde – UFRGS; Informação Científica e Tecnológica em

Saúde;; Pós Graduação em Intervenção Sócio-Familiar pela ULBRA/ Canoas-RS;

Especialização em Serviço Social pela PUCRS e participação como aluna PEC no

Pós Graduação da Educação/ UFRGS.

Foi assinalado que, do período referente ao ano 2000 até a data do

preenchimento do questionário, os assistentes sociais estiveram participando em

diferentes atividades, tais como cursos, palestras, seminários, oficinas, conferências

de saúde; fóruns estaduais, simpósios, grupos de estudos de saúde mental, entre

outros. Nessa parte do questionário foi possível captar a opinião e o significado que

os Assistentes Sociais atribuem à participação nessas atividades, pois é possível

perceber o quanto essas contribuem para o aprimoramento profissional e para o

atendimento das exigências postas pelo trabalho. Os comentários a seguir, referidos

como exemplo, ilustram a opinião de parte do grupo:

- Sim. Entendo como necessário a constante busca de conhecimento para possibilitar uma prática reflexiva que responda as demandas da atualidade. (Secretaria Municipal de Saúde/ Gestão.42)

- Com certeza. Principalmente porque o SS é uma profissão em constante movimento. Acredito que as atividades que desenvolvemos é de suma importância para aprimoramento, conhecimento, e trocas de experiências profissionais. Participo sempre dos eventos proporcionados dentro e fora da instituição; (Hospital.).

42 Para cada resposta indica-se o serviço de saúde a qual está vinculado o Assistente Social, não sendo aqui evidenciado a autoria do comentário e sim o espaço sócio-ocupacional.

116

- A busca por estas novas atividades teve o objetivo principal de adquirir novos conhecimentos e troca de experiência com diferentes profissionais. De uma forma geral posso afirmar que os eventos científicos serviram para o meu aprimoramento profissional, entretanto nem todos atenderam por completo as exigências postas pelo meu cotidiano profissional.( Unidade Básica de Saúde- SMS).

- Sim. O investimento permanente na busca da informação, de novos aportes, nos permite vislumbrar novos horizontes, fortalecer determinadas ações e ser propositivos para outras. Contribui, sobretudo, para a práxis, ao realizar-se uma reflexão permanente e científica sobre a realidade tanto intelectual (conhecimento produzido, quanto à realidade social que nos desafia a cada dia com suas múltiplas expressões interferindo na vida dos usuários dos serviços públicos e a síntese, que somos capazes de realizar e elaborar novas alternativas de ação (produção do conhecimento). Exemplo: Participei do Simpósio Internacional sobre O futuro da autonomia. Uma sociedade de indivíduos? Ocorrido na UNISINOS em maio /2007. Onde, entre vários estudos (área da filosofia, psicanálise, sociologia, artes, comunicação da França, Itália e Brasil - explanaram sobre o tema central). Destaco os aportes do sociólogo Robert Castel, os quais contribuem e muito para uma leitura sobre a autonomia. Autonomia esta que faz parte do ideário do Projeto Ético-Político da Profissão de Assistente Social e de que tanto, cada vez mais a população esta impossibilitada de exercer em face da política neoliberal implantada em nosso país e a ausência gritante e acelerada de suporte social, decorrente entre outros aspectos da cerceação de direitos e de políticas públicas ineficazes, (Saúde do Trabalhador/ SMS)

- Sim. Consistiram numa estratégia de atualização profissional. Aprimoramento de técnicas e qualificação acerca de Programa e Projetos Institucionais. ( Unidade Básica de Saúde/ SMS).

- Certamente! As possibilidades de capacitação no dia-a-dia do trabalho me permitiram reflexões importantes para redirecionamento e na maioria das vezes alteração dos métodos de trabalho. As atividades de intercâmbio teórico prático acrescentam novos olhares possibilitando atividades interdisciplinares. (Vigilância/ SMS)

- Sim. Participei de atividades dando visibilidade à ação profissional do assistente social na área de transplantes de órgãos, área onde atuo no Hospital. O curso que me acrescentou profissionalmente, o qual me refiro, é o de pós-graduação realizado em 2003 e 2004. Esse, com certeza, contribuiu com minha prática profissional, pois adquiri mais conhecimento a respeito do tema família. (Hospital.).

- Sim, novos aportes teóricos do Curso de Terapia de Família e Casal, o que nos ajuda a entender, principalmente a dinâmica das famílias, em diversas situações de vida, doença, luto, já que trabalho na emergência. (Hospital Pronto Socorro).

- Sim, uma vez que as questões abordadas referem-se ao cotidiano de trabalho. Ligadas diretamente a prática profissional. Um espaço importante de troca, construção de conhecimento é o Núcleo de Serviço Social de Saúde Comunitária. Sobre as Capacitações: cursos sobre violência, planejamento familiar. (Saúde Comunitária/ GHC)

Observa-se nas respostas formuladas a importância atribuída aos processos

formativos por meio da educação continuada, sendo a grande maioria destas

experiências assinaladas como contributos para o exercício profissional. Mesmo

117

havendo limites, no que diz respeito ao atendimento “por completo” das exigências

postas às atividades formativas, conforme o que discorreu uma profissional que atua

numa unidade de saúde, de uma maneira geral, as expectativas de aprendizagem

desses profissionais são atendidas.

Também observa-se que os assistentes sociais não ignoram a relação

existente desses eventos educativos com as situações concretas de trabalho.

Portanto, há uma coerência da capacitação profissional que o assistente social

procura, com uma visão estratégica para atender melhor as demandas da saúde.

Verifica-se, ainda, que as atividades ocorrem dentro ou fora das instituições, sendo

assinalado que a todo investimento é válido buscar, desde que possibilite a prática

reflexiva, o redirecionamento e as alterações dos métodos de trabalho e a

possibilidade da interdisciplinaridade.

As últimas questões do questionário referem-se aos indicadores de

desenvolvimento de educação permanente nos processos de trabalho dos

assistentes sociais. Parte-se do entendimento de que os profissionais que vivenciam

experiências de educação permanente fazem do seu espaço de trabalho um lócus

de aprendizagem, questionando não somente sua maneira de agir, mas também

contribuindo com as mudanças na organização do seu trabalho, refletindo sobre

determinadas situações, problematizando situações de trabalho, articulando-se nas

equipes de trabalho, trocando experiências e saberes, investindo no aprimoramento

profissional a partir de problemas referentes à qualidade e à eqüidade dos serviços,

entre outros indicadores.

As respostas afirmativas do gráfico 5 até o gráfico 9, ilustradas a seguir,

possibilitaram reconhecer aqueles profissionais que poderiam contribuir

desvendando suas experiências de educação permanente, justificando, assim, a

escolha desse instrumento – o questionário – como forma de aproximação dos

assistentes sociais e de definição do universo da pesquisa.

118

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Viabiliza a participação dosusuários na instituição

Elabora planos, programas eprojetos

Participa de reuniõesinterdisciplinares

Sim Não Às vezes

Gráfico 5: Possibilidades de educação permanente

No gráfico 5, importantes afirmativas indicam as possibilidades que os

assistentes sociais possuem de, nos seus espaços de trabalho, acionarem um

conjunto de conhecimentos e habilidades que fazem parte da instrumentalidade do

trabalho profissional, como a elaboração do planejamento das ações através de

projetos e programas; também um importante indicador refere-se a participação em

reuniões interdisciplinares e a viabilização da participação dos usuários na

instituição. Assim, como há um significativo percentual de assistentes sociais que

viabilizam e fomentam os espaços de participação dos usuários, observa-se, como o

destacado no gráfico 6, que os profissionais que responderam ao questionário

oportunizam a criação de espaços compartilhados de discussão sobre as situações

e demandas da saúde com diferentes áreas do saber. Também a socialização de

conhecimentos faz parte do cotidiano desses profissionais.

119

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Oportuniza a criação deespaços compartilhados dediscussão sobre situações detrabalho entre profissionais de

diferentes áreas

Realiza pesquisas quesubsidiem as ações

profissionais

Socializa conhecimentosadquiridos junto aos seus

colegas

Sim Não Às vezes

Gráfico 6: Espaços compartilhados, pesquisas e socialização de conhecimentos

Ainda, no gráfico 6, observa-se que a pesquisa enquanto um instrumento dos

processos de trabalho dos assistentes sociais que subsidia as ações no campo da

saúde é algo acionado eventualmente, ou melhor, às vezes por 50% dos

participantes. De qualquer forma não foi possível desvendar aqui a dimensão deste

às vezes, até porque uma pesquisa pode dar conta de apreender uma determinada

realidade e a partir de então, desencadeiam-se diferentes proposições e

intervenções por um período a médio e longo prazo. Contudo, verifica-se que este

instrumento tem sido utilizado por 32% dos assistentes sociais denotando o seu uso

para atendimento da resolutividade dos serviços na saúde

120

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Investe no aprimoramento profissional noespaço de trabalho

Elabora indicadores de avaliação de seutrabalho

Participa de reuniões de conselho e/oude controle social

Sim Não Às vezes

Gráfico 7: Investimento, indicadores e controle social

O gráfico 7, aponta o investimento quanto ao aprimoramento profissional no

próprio espaço de trabalho, o que demonstra ser uma prática do cotidiano de 82%

desses assistentes sociais, preocupados com a qualidade dos serviços prestados.

Com relação aos indicadores de avaliação do trabalho desenvolvido 40% dos

assistentes sociais desencadeiam um método de abordagem que contempla um

ordenamento teórico, técnico e científico por meio da elaboração de indicadores que

subsidiam a intervenção profissional e avaliam o resultado dos procedimentos. A

participação em espaços de controle social tem se constituído para 40% dos

assistentes sociais como um meio de trabalhar na saúde, o que se evidencia que

esses espaços de participação da sociedade civil também são espaços de

participação dos assistentes sociais fortalecendo o controle público sobre os

serviços de saúde. Entretanto a maior parte dos assistentes sociais ou não

participam ou participam às vezes não sendo identificado em que circunstância isso

ocorre.

121

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Realiza supervisão de estágioprofissional em Serviço Social

Considera que no seu cotidianoprofissional tem a oportunidade defortalecer seus conhecimentos e

construir novos

Os cursos e/ou capacitaçãopromovidas pela instituição atendemas necessidades demandadas pelo

serviço

Sim Não Às vezes

Gráficos 8: Supervisão, construção de conhecimentos, atendimento das necessidades

O gráfico 8 demonstra a especificidade da supervisão de campo aos

estagiários de Serviço Social, experiência profissional que pressupõe o

desenvolvimento de uma relação pedagógica relevante e profícua nos processos de

trabalho, que se dá entre o assistente social e o aluno em formação acadêmica.

Entretanto, observa-se que é maior o percentual de assistentes sociais que não

praticam a supervisão de campo no universo desta pesquisa.

Referente às capacitações e/ou aos cursos promovidos pela instituição,

espaço onde se dá o exercício profissional, o gráfico demonstra o quanto os

processos formativos, que envolvem os assistentes sociais, nem sempre atendem as

necessidades demandadas pelo serviço. Essa constatação, possível de ser feita por

meio da aplicação desse instrumento, que aproximou e inseriu a pesquisadora do e

no seu campo de investigação, é, de fato, um indicador da importância da reflexão

crítica sobre o processo de trabalho profissional, para que se possa pensar

estratégias de formação que permitam a aquisição de um saber que, ao ser posto

em uso, esteja a serviço das demandas postas e, principalmente, dos usuários do

serviço.

122

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Encontra dificuldades para criação deespaços para a discussão da organização e

processo de trabalho

Durante a prática profissional ocorreaquisição de conhecimento e habilidades

Problematiza situações de trabalhoprocurando responder questionamentos,adquirindo conhecimentos e renovando

experiências

Sim Não Às vezes

Gráfico 9: Dificuldades, Aquisição de conhecimentos e habilidades, Problematização

O gráfico 9 demonstra que existe dificuldade de criação de espaços

compartilhados para a discussão da organização e do processo de trabalho.

Entretanto, não se desvendam aí quais seriam essas dificuldades, o que esse

instrumento não nos permitiu conhecer, o que foi, posteriormente, desvendado no

grupo focal. É importante ressaltar que esse indicador não foi determinante na

escolha dos assistentes sociais, pelo menos daqueles que assinalaram não ou às

vezes como alternativa, pois o fato de encontrar dificuldades não o impede de

desencadear ou de experienciar situações de aprendizagem no trabalho.

Ao examinar, o gráfico 9 pode-se perceber o quanto é possível adquirir

conhecimentos e habilidades durante os processos de trabalho. Por isso,

compactua-se do entendimento de que da instrumentalidade do Serviço Social faz

parte um conjunto de conhecimentos e de habilidades adquiridos ao longo da

formação profissional, corroborando, mais uma vez, o referido por Iamamoto (2001).

Por último, o ato de problematizar as situações de trabalho faz parte do processo de

trabalho profissional, já que os assistentes sociais, em sua grande maioria (86%),

assinalaram afirmativamente esse indicador.

123

A partir da análise das informações acima pode-se, então, partir para outra

trilha da pesquisa. No próximo item discorre-se sobre a escolha do grupo focal como

um instrumento de investigação privilegiado e do procedimento de análise adotado

nessa pesquisa a partir das narrativas dos Assistentes Sociais.

4.4 A INTENÇÃO NA ESCOLHA DO INSTRUMENTO

Com a intenção de obter informações de caráter qualitativo em profundidade,

parte-se para um espaço mais delimitado, realizando grupo focal sobre educação

permanente com os assistentes sociais que foram selecionados intencionalmente e

que já participaram do estudo inicial, caracterizado pela aplicação do questionário. A

escolha desses sujeitos baseou-se no critério de diversificação da amostra que se

refere “à identificação de pessoas que são capazes de analisar, de um modo

suficientemente amplo, a totalidade ou quase totalidade dos temas, fatos,

estratégias, juízos e itinerário do grupo social investigado” (MARRE, 1991, p.112).

Os profissionais foram contatados pelo pesquisador e convidados, com

antecedência, a fazerem parte dessa fase da pesquisa. Uma vez contatados os AS,

procurou-se esclarecer junto aos mesmos, os objetivos da entrevista, bem como a

confidencialidade das informações, para proceder na investigação. Em

concordância, foi encaminhado, aos profissionais, um convite por escrito, com data,

hora e local de realização do grupo, conforme apêndice B.

A escolha do grupo focal como instrumento de pesquisa, dá-se pelo fato de o

mesmo proporcionar a publicização, a troca de experiências e a interação entre os

sujeitos da pesquisa – os Assistentes Sociais. O grupo focal proporciona um debate

aberto em que todos os participantes têm acesso à discussão sobre o assunto em

foco, já que o mesmo deve ser de interesse comum. É uma troca de pontos de vista,

de idéias e de experiências (BAUER e GASKELL, 2002).

Privilegiar essa metodologia é uma forma de viabilizar um espaço de reflexão

crítica aos profissionais participantes sobre a educação permanente no Serviço

Social, a geração de conceitos, as impressões e as concepções sobre a temática.

Além disso, o grupo focal pode possibilitar o conhecimento das diferentes

124

experiências (ou não-vivenciadas) de educação permanente e as perspectivas dos

participantes com relação a esse processo de aprendizagem no trabalho.

O grupo focal é uma técnica qualitativa que foi inspirada nas entrevistas não-

direcionadas e grupais usadas na psiquiatria. Os participantes, em princípio, não se

conhecem; isso não é uma regra, mas devem possuir características comuns

(TANAKA & MELO, 2001). Nesta pesquisa, pode-se evidenciar algumas

características comuns, pois todos os participantes fazem parte de uma mesma

categoria profissional, pertencem ao campo da saúde, mas estão inseridos em

serviços diferentes (emergência, Hospital, de saúde comunitária, de saúde do

trabalhador, vigilância da saúde, gestão de desenvolvimento dos trabalhadores da

saúde). Ocorreram situações em que os profissionais haviam sido colegas durante a

formação acadêmica e há muito tempo não se viam, o que tornou o ambiente

acolhedor, deixando os participantes numa situação confortável, propícia à reflexão

proposta e à interação empírica.

Fizeram parte da equipe que realizou os grupos focais: o moderador, sendo

esse o pesquisador, e um relator, que foi escolhido com antecedência pelo

pesquisador. O pesquisador e o relator reuniram-se previamente com o objetivo de

discutir sobre a temática do estudo, bem como para realização de combinações.

Como forma de registro principal, optou-se pela gravação das narrativas dos

participantes que, posteriormente, foram transcritas na sua totalidade.

Na literatura que trata sobre o grupo focal encontra-se diferentes abordagens

com relação ao número de participantes que deve ter um grupo focal; entretanto, o

mínimo fica em cinco sujeitos. O número de participantes convidados para cada

grupo focal foi de oito Assistentes Sociais. A duração prevista em cada grupo foi de

até duas horas. O limite do número de grupos a serem realizados se deu pela

saturação obtida através das informações que foram sendo analisadas a cada grupo

realizado. O critério de saturação caracteriza-se “pelo momento em que

conseguimos identificar que chegamos ao conjunto das informações que podíamos

obter em relação ao tema” (MARTINELLI, 1994, p.15).

Foram realizados dois grupos focais, e ao iniciar os mesmos, foram feitas as

combinações referentes ao sigilo apresentando aos participantes, o termo de

125

compromisso (apêndice C). O primeiro grupo focal contou com a participação de

cinco assistentes sociais. Faltaram dois que justificaram a ausência posteriormente à

realização do mesmo. Com uma assistente social ausente na ocasião do grupo

focal, foi possível realizar uma entrevista (seguindo em parte o roteiro do grupo

focal), pois a mesma manifestou o desejo de participar da pesquisa e socializar a

sua experiência em educação permanente. Já no segundo, participaram oito

assistentes sociais de uma organização hospitalar, mas que desenvolvem ações em

diferentes espaços e territórios na área de saúde comunitária. Percebeu-se, então,

após esse grupo, que não era preciso continuar a coleta, pois ao atingir-se um certo

nível de saturação, “o campo investigado está coberto” (MARRE, 1991, p.113).

É necessário referir que antes da realização desse segundo grupo houve a

marcação de um outro e que somente uma assistente social compareceu. As outras

cinco que haviam confirmado presença, não justificaram a ausência. Tal fato

demonstra a dificuldade no uso dessa técnica, pois conciliar horários, espaços e

interesses depende, também, de um movimento que os próprios entrevistados

devem fazer, deslocando-se ao local combinado para realização do grupo.

Entretanto, na ocasião, a assistente social que havia comparecido

demonstrou seu descontentamento por não estarem presentes as demais,

manifestando também o interesse pelo objeto de investigação. Foi então que se

decidiu realizar uma entrevista com a mesma, seguindo também em parte o roteiro

do grupo focal, pois entende-se que um processo de pesquisa qualitativa não pode

ser engessado e deve-se valorizar todos os momentos e expressões que são

manifestadas pelos sujeitos envolvidos. A entrevista com a assistente social

possibilitou essa descoberta de que o significado e a importância do objeto

investigado, também são atribuídos pelos sujeitos que se inserem por escolha

nesses processos investigatórios.

Assim, fizeram parte do grupo focal 13 assistentes sociais, aos quais optou-se

por atribuir um nome (embora fictício, de modo a assegurar o sigilo e o anonimato na

investigação desenvolvida). Conforme pode-se observar nas narrativas

sistematizadas no próximo capítulo, os nomes são: Helena, Jane, Beatriz, Flávia,

Júlia, Carla, Rossana, Sofia, Marlene, Leandro, Verônica, Camila e Carina. Também

são inseridas nesse processo as duas entrevistas realizadas com as Assistentes

126

Sociais Adriana e Silvia, com as quais seguiu-se o mesmo roteiro que guiou o grupo

focal, e apesar da diferença da técnica e da falta de oportunidade de reflexão

coletiva e de interação grupal, os achados destas entrevistas puderam ser

incorporados nas análises junto às advindas do grupo focal.

Para a realização dos grupos formulou-se um roteiro prévio que serviu como

um guia da reflexão proposta no grupo

� Apresentação de um tópico guia sobre a temática Educação Permanente, que sintetizará

as questões e assuntos da discussão, visando sensibilizar e provocar a discussão das

idéias e reflexões.

� Cada participante deverá relatar uma experiência de educação permanente vivenciado no

processo de trabalho na saúde.

� Quais obstáculos e/ ou dificuldades existem para desencadearem processos de educação

permanente. Que possibilidades. E o projeto ético-político.

� Quais conhecimentos e habilidades são necessárias para o desenvolvimento do trabalho.

Qual conceito que o grupo constrói sobre educação permanente no Serviço Social.

Quadro 2: Roteiro para o Grupo Focal

A cada grupo focal realizado reuniram-se as anotações do trabalho,

desencadeando as primeiras aproximações das análises por meio de uma escuta

das gravações das narrativas e, posteriormente, realizou-se a transcrição das

mesmas. A partir de então iniciaram-se as leituras preliminares das narrativas. Não

foram uma nem duas as oportunidades de leitura que iam, aos poucos, levando a

pesquisadora à formulação de interrogações diante da riqueza das narrativas dos

Assistentes Sociais.

Aos poucos foram sendo identificadas as categorias que emergiam dessas

narrativas, pois para realização da análise das falas dos assistentes sociais teve-se,

como premissa, observar as tendências e os padrões potenciais, opiniões sólidas e

freqüentemente expressas. O texto não é partido em palavras e em frases, mas em

partes que têm em si um sentido global unitário (BARDIN, 1994). É, então, nesse

processo de análise que se reconhece as categorias emergentes das narrativas dos

127

Assistentes Sociais como enunciados que dão uma unidade de sentido às palavras

e aos significados atribuídos pelos próprios sujeitos da pesquisa.

Assim, procurou-se destacar as partes das narrativas que correspondiam às

perguntas do roteiro do grupo focal, elaboradas de acordo com os objetivos e

questões norteadoras da pesquisa. Foram feitas marcações e comentários a

respeito dos enunciados no próprio texto das transcrições das falas, como forma de

sistematizar a descrição das análises daquilo que emergiu destes grupos focais. A

análise do conteúdo surge nesse contexto como um conjunto de técnicas de análise

das comunicações, que são possíveis de serem feitas, através de procedimentos

sistemáticos e de objetivos de descrição do conteúdo das mensagens (BARDIN,

1994) que emergiram nessa investigação dos grupos focais realizados com as

assistentes sociais.

Para dar conta da singularidade que constitui a construção identitária dos

sujeitos dessa pesquisa, a narrativa permite obter informação sobre os processos de

socialização, ainda que reinterpretados pelo sujeito que narra. (BOLÍVAR, 2001).

Portanto, não se trata de reconstituir acontecimentos e experiências, mas de

compreender o significado que, na ocasião dos grupos focais, os entrevistados

atribuíram ao percurso formativo vivenciado nos seus processos de trabalho na

saúde. Assim como o grupo focal, as narrativas também têm um caráter dialógico e

interativo, que entrelaçam-se num espaço coletivo construído intencionalmente, num

tempo preciso, em que é possível fazer história, revelar experiência, sentimentos,

significados e saberes.

Contudo, tem-se clareza dos desafios que uma investigação instaura, mas é

exatamente nos limites do objeto da investigação que se encontram as

possibilidades de, através das narrativas dos assistentes sociais, desvelar como vêm

se desenvolvendo as experiências de educação permanente vivenciadas, bem como

os significados atribuídos aos espaços de trabalho, como sendo, também,

formadores.

Observou-se que os assistentes sociais que participaram dos grupos focais

estavam ali porque têm como principio a busca da formação permanente. Partem da

premissa de que a problematização das situações de trabalho devem fazer parte do

128

modo de trabalhar, do jeito de fazer, e que tem uma relação com a postura ética do

profissional. Esses profissionais aspiram o aprimoramento profissional para dar

conta das necessidades postas no trabalho, principalmente aquelas trazidas pelos

usuários. Fazem parte como sujeitos da pesquisa porque se escolheram. Vieram

para a reflexão carregados de uma trajetória, assim como a pesquisadora. Tinham o

desejo de refletir sobre esse objeto, que foi publicizado no momento que ocorreu a

aproximação da pesquisadora com o universo da investigação. Como forma de

elucidar o que vêm-se destacando nessa parte do estudo, escolheu-se uma

mensagem original:

Rosa

Tudo bem? Gostei muito de participado do Grupo. Quando sai fiquei pensando muito, várias idéias. Vou tentar escrever agora, pois já passou algum tempo e se perde um pouco do conteúdo.

A educação permanente além de ser um processo, também é uma das estratégias que o SS utiliza para a produção da cidadania. No sentido de que o usuário dos nossos serviços, isto é, no desenvolvimento do nosso processo de trabalho, ao usarmos como falamos a atenção (como categoria) (ater-se a algo, a uma realidade e extrair dela aprendizado, desafios, necessidade de superação) lançamos mão de diferentes instrumentais, técnicas e estratégias que conduzem a uma capacitação de enfrentamento, de empoderamento, de fortalecimento, que agregam valor e sentido a uma dada situação da realidade (sempre expressão da questão social - nosso objeto de trabalho), através desta significação e estranhamento, se mobiliza tanto a subjetividade quanto os dados objetivos( condição, a realidade mesma), mediante a utilização de diferentes instrumentais que levam a uma aprendizagem (do profissional e do usuário). Neste percurso as categorias do método materialista dialético (historicidade, contradição...) são imprescindíveis, pois não podemos deixar de examiná-las e verificar com se desenvolvem na situação em estudo, para um exercício competente do nosso saber fazer profissional.

Por outro lado, a educação permanente do assistente social "para si" é condição de um exercício profissional que se quer competente, contemporâneo e que busca novas estratégias, mediações de enfrentamento das expressões da questão social que historicamente se forjam na sociedade num mundo globalizado.(aquilo falo do que é genérico, pois o particular, só vamos encontrar no momento do processo de trabalho com um sujeito, ou com um coletivo de trabalho, de qualquer forma nunca se dá isolado este processo de conhecimento-apropriação-tomada de decisão-ação-avaliação). Como dizem os teóricos de Planejamento, temos que saber onde queremos chegar, saber a que distância estamos o que necessitamos (outra categoria fundamental) como e quando faremos a intervenção na realidade...Lembrando que o SS é uma disciplina que ser articula com as demais disciplinas e ciências de acordo com o seu campo de ação para ter uma visão de totalidade. Está aí o viés da formação, isto é, não só a acadêmica, mas toda aquela que agrega conhecimento ao nosso núcleo de competência, pois estamos falando de trabalho vivo, neste sentido a educação tem que ser permanente.

O campo da saúde é um dos mais amplos, assim como o é o da justiça, requer do profissional de Serviço Social um conhecimento permanente, transformado em informação e em processo de articulação de participação

129

para a garantia de direitos, tão desrespeitados seja por organizações privadas, seja por organização públicas. O SUS tanto em seus princípios filosóficos, quanto nos princípios de organização do sistema, contribui com elementos que favorecem um processo de trabalho na garantia de direitos, o que já não acontece com a previdência social

Rosa, não costumo fazer rascunho, então escrevi direto, sem preocupar-me muito com a língua mãe. Nem sei se a tua metodologia permite este tipo de informação, de qualquer forma é uma reflexão breve que adorei fazer.

Um forte abraço e sucesso. (Beatriz).

Diante do aprofundamento da reflexão acima, percebe-se o quanto a escolha

do grupo focal foi um importante instrumento de captação do real, de apreensão das

experiências dos assistentes sociais, mas também há de se reconhecer que

constituiu-se num espaço compartilhado do conhecimento dos sujeitos pesquisados

e de reflexão crítica sobre os processos de trabalho em que os assistentes sociais

estão inseridos. A pesquisadora, ao responder o e-mail para a assistente social

expressou sua satisfação em contemplar entre os achados da pesquisa, a reflexão

transmitida virtualmente.: A minha metodologia é aquela que permite ser construída

com os pesquisados, portanto é nossa...tuas reflexões são meus achados.. e teus...

vamos socializar. (Pesquisadora, em 7/8/2007).

A intenção da escolha do grupo focal foi a de instigar os profissionais para

que possam ser propositivos nos seus espaços de trabalho, multiplicando a

importância da educação permanente como uma dimensão formativa nos processos

de trabalho dos assistentes sociais. Ainda sobre a escolha desse instrumento e a

oportunidade proporcionada, o depoimento de Camila, quando na realização do

grupo focal, exemplifica a importância do mesmo: “a gente não tem como saber

tudo! Tem que estar sempre em busca de... e isso que vai agregar, com essa própria

prática de está sempre trazendo questões novas, a gente estar sempre buscando e

trocando. Aqui, por exemplo, este grupo focal, é um espaço de educação

permanente, é uma troca de saberes riquíssima”.

Com essas palavras de Camila anunciamos o próximo capítulo dessa tese,

que mergulha na análise das narrativas dos Assistentes Sociais que evidenciam

como se dão as suas experiências de Educação Permanente.

130

5 NARRATIVAS DOS ASSISTENTES SOCIAIS: AS EXPERIÊNCIAS DE

EDUCAÇÃO PERMANENTE

Parte-se do entendimento que este momento da investigação tem uma

relevância que não se sobrepõe às outras, mas sua diferença está, sobretudo, na

sistematização do significado atribuído pelos assistentes sociais às suas

experiências de educação permanente, desvendadas através da reflexão coletiva e

das narrativas expressadas durante a realização dos grupos focais. Os assistentes

sociais que participaram desse processo investigativo puderam relatar uma

experiência de educação permanente, cujas narrativas são em relação, ou seja, de

acordo com cada percurso profissional, pois a identidade pessoal só se torna

narrativa ao ser relatada. “É no e através do ‘relato de si próprio’ que o seu íntimo

reflexivo se torna uma história” (DUBAR, 2006, p.175). A memória ativa produtora de

sentido, e ao mesmo tempo de uma direção (linha de vida) e de um significado

(compreensão dialógica) (DUBAR, 2006) é evidenciada pelos assistentes sociais,

sujeitos dessa investigação a partir das relações sociais vivenciadas nos espaços

sócio ocupacionais do campo da saúde.

Assim, a cada relato de uma situação vivenciada de educação permanente,

de reflexão critica sobre o processo de trabalho, os assistentes sociais traziam suas

percepções sobre as possibilidades e as dificuldades existentes, as estratégias, as

habilidades e as atitudes necessárias aos profissionais, bem como os espaços

compartilhados, o trabalho interdisciplinar, a relação com os usuários, as

necessidades em saúde, as demandas do serviço social e da saúde pública. Enfim,

pode-se apreender o como esses profissionais desenvolvem educação permanente

nos processos de trabalho na saúde.

O processo de análise das informações coletadas exigiu da pesquisadora

uma imersão nos significados que os assistentes sociais compartilham sobre suas

vivências de educação no trabalho no campo da saúde. Parafraseando Minayo,

(2007) um aspecto a ser considerado durante a análise dos resultados de uma

pesquisa diz respeito à necessidade de “administração das provas”, o que foi

possível de ser realizado, através do balizamento entre os achados, os objetivos, as

questões norteadoras e os pressupostos teóricos, pressupostos demarcados na

revisão bibliográfica dessa investigação, que iluminam a leitura compreensiva e

131

interpretativa das narrativas dos assistentes sociais, quais sejam, educação

permanente, educação e formação, produção de saberes e processo de trabalho,

destacando-se a questão social como uma subcategoria dessa última. Constata-se

que durante a investigação, mais precisamente no processo de análise, algumas

categorias pertinentes das experiências dos assistentes sociais emergiam como

“palavras identitárias” (DUBAR, p.175). Entre os achados, tais como, desejo, escuta

das demandas, partilha de saberes, dinâmica organizacional, aprendizagem

significativa e reflexões peculiares a respeito do projeto ético político como

referência identitária no Serviço Social. Foi possível, também, captar algumas

nuances dessas categorias emergentes, como compromisso profissional, empatia,

questionamentos sobre os meios e os resultados do trabalho, habilidades e atitudes,

pesquisa, registros e relatórios, interdisciplinaridade, teoria e prática,articulação nas

equipes de trabalho, entre outras. A sistematização seguinte ilustra a maneira como

se organizou a análise a partir das categorias que subsidiaram a pesquisa e as que

emergiram desse processo.

Categorias Reflexivas/ Teóricas

Educação Permanente

- Educação e Formação - Processo de Trabalho

- Construção de Saberes - Questão Social

Categorias Emergentes

- Desejo - Dinâmica Organizacional - Escuta da Demanda

- Partilha dos Saberes - Dimensão ético-política

- Aprendizagem Significativa - Formas Identitárias

Nuances das Narrativas

- Compromisso - Reflexão - Problematização - Estratégia

- Empatia - Interdisciplinaridade - Articulação

- Pesquisa - Ruptura de Preconceitos - Registros - Concepção de educação permanente

Quadro 3 – Categorias Teóricas e Emergentes

O presente capítulo está organizado de acordo com as categorias que

emergem das narrativas e que respondem à questão central dessa investigação.

Sabe-se que o ato de analisar requer, também, uma escuta e uma interpretação do

que está sendo dito, o que não é uma tarefa fácil, e nem o pesquisador o faz sem o

envolvimento necessário e sem a presença de sua dimensão ética e política. Ciente

desse entendimento, não é preocupação aqui salientar a importância de uma

categoria sobre outra, mas de trazê-las articuladas, respeitando a dinâmica que foi a

132

interlocução e a reflexão coletiva sobre as vivências de educação permanente

narradas pelos assistentes sociais, quando da ocasião dos grupos focais.

5.1 DESEJO: UM PRINCÍPIO PARA MUDANÇA

Nas narrativas dos assistentes sociais, antes mesmo de iniciarem e durante o

relato da vivência de educação permanente, observou-se a importância que os

mesmos atribuíam ao desejo e o compromisso que os profissionais assumem no

trabalho, como uma escolha não somente subjetiva, individual, mas, principalmente,

coletiva, no sentido de responsabilização com os resultados das ações e com o

processo formativo que dele advém.

O desejo do profissional assume, para esses profissionais, um dispositivo

fundamental para que haja uma desacomodação que poderá implicar os sujeitos na

efetivação de mudanças necessárias que podem se dar através da problematização

de uma situação posta no trabalho, de um envolvimento com um projeto, como bem

observado por uma assistente social a partir de seu relato.

No próprio exemplo que tu deste tinham vários profissionais que estavam envolvidos no projeto, então eu acho que é perfeito isso. Isso é da pessoa que se implica, que se sente afetada, que se desacomoda com essas situações e vai atrás e problematiza, enfim. (Julia)

O que se evidencia é que os assistentes sociais deveriam ter esse desejo de

mudança, de problematizar situações, pois é algo dado na formação inicial em

função do próprio projeto profissional que mobiliza para sua concretização; é um

desejo coletivo e, portanto, com uma forte dimensão política que, ao ser “engajado

em uma dinâmica do desejo” (CHARLOT, 2000, p.82), pressupõe-se que haja

subsídios formativos delegados, quando na formação profissional inicial.

Mas ao assistente social isso está delegado por conta de um projeto ético político, então o assistente social já na sua formação acadêmica ele deveria estar mais habilitado e desejar que isto aconteça.( Beatriz).

A busca pelo aprimoramento profissional parte de questionamentos que

surgem no cotidiano do trabalho, na relação com o próprio usuário e com o desejo

de saber. Como nos diz Charlot “não há relação com o saber senão a de um sujeito

desejante, e só há sujeito desejante” (2000, p.81). Uma determinada situação ou

lugar pode provocar um desejo, pôr em movimento um sujeito, um assistente social

133

que confere valor àquilo que está vivendo e desejando. “É porque o sujeito é desejo

que sua relação com o saber coloca em jogo a questão do valor do que ele aprende”

(CHARLOT, 2000, p.82). Essa relação do desejo como o saber e da valorização do

que se aprende na experiência vivenciada no campo da saúde, está também

relacionada com um momento real em que emergem questionamentos que são

dispositivos para aquisição de um saber, tal como revela a narrativa de Julia:

(...) eu estou bem nesse momento agora de descobrir que é possível criar algumas coisas, e estou me permitindo questionar algumas coisas, no espaço mesmo do atendimento ao usuário, tanto que daí eu fui, eu senti que precisava me capacitar, fazer uma pós-graduação no GHC em formação científica e tecnológica em saúde, justamente pra poder me subsidiar mais, porque algumas coisas me causam inquietudes.(Julia).

Pode-se apreender dessa reflexão de Julia que o desejo do usuário também

põe em movimento o profissional. Na intenção de satisfazer esse desejo, que na

verdade se materializa através da demanda oriunda de uma necessidade desse

usuário, o profissional aciona um conjunto de conhecimentos e de habilidades para

intervir nessa situação. Considera-se aqui o usuário como um sujeito desejante,

capaz de provocar inquietações no profissional. As inquietações, as interrogações

provocadas pelas incertezas do cotidiano são pertinentes àqueles profissionais que

possuem o desejo de compreender o que acontece na realidade em que estão

inseridos, para enfrentar os obstáculos e/ou as situações postas.

O desejo “é a mola da mobilização” (CHARLOT, 2000) de um assistente

social engajado no mundo, em relação com os outros e com ele mesmo, e que

atribui um valor ao saber. Há, então, uma disposição interna, algo incorporado pelo

profissional, o que se percebe na narrativa:

Então tu tem que buscar, tem que ler, tem que buscar dentro da formação acadêmica, mas, também, tem que ter essa disposição interna, que é uma vontade política. Eu lembro que eu e mais algumas colegas começamos a estudar, começamos a montar grupos, mesmo sem saber ao certo o que a gente queria, como era a metodologia que a gente ia montar, e a gente foi montando foi escrevendo(...) bem interessante que a gente viu o que as outras pessoas faziam em outros lugares, e a gente ia fazendo umas trocas, mesmo que informais, e hoje a metodologia dos grupos de reflexão sobre trabalho é uma metodologia que é adotada pelo Ministério da Saúde, então isso é muito legal de tu participar, de tu conseguir vencer a tua ansiedade, o teu medo de errar, e a gente sabe que errou, mas, enfim, tu não parar, tu continuar buscando, tu te despojar, tu buscar parceria, tu desejar. Poder ver que as coisas crescem, que as coisas andam, e que conseguem um espaço público até. Eu acho que isso é muito importante e, principalmente, tu ter o reconhecimento das pessoas que tu atende, tu ver

134

que algo se transformou na vida de alguns usuários e que algumas coisas tu pode participar junto, ver que tu te transformou também. Márcia

O desejo, portanto, não é um desejo em uma perspectiva individualizada, mas

o desejo do outro (provocado na relação com os colegas de trabalho, com os

usuários), desejo de si próprio (vontade política individual, de autoconhecimento) e

desejo do mundo, que tem a ver com uma dimensão política e com uma disposição

interna, uma vontade política de não somente transformar o mundo, mas ver que se

transformou a si mesmo. Observa-se a existência de uma dinâmica do desejo, de

um engajamento coletivo e que essas são situações estudadas como um conjunto

de processos articulados (CHARLOT, 2000).

O desejo de saber e de aprender nas situações de trabalho é um desejo em

relação, em equipe, com o usuário. Uma relação em movimento que permite a

reflexão crítica, o que pressupõe romper com os medos, reconhecer os erros e,

mesmo assim, continuar a busca por um novo saber, um saber que transformou e,

por isso, a serviço de uma mudança na realidade em que os sujeitos desejantes em

relação buscam o novo.

A compreensão por parte de um profissional que “errou” tem um significado

importante, pois pode-se fazer uma relação com o autoconhecimento que o

profissional deve ter, não só sobre os seus aspectos emocionais, mas, sobretudo,

aqueles limites e lacunas que possam existir quanto aos aspectos teórico-

metodológicos, técnico-operativo e também ético-político. Desejar a mudança, o

novo, a resolutividade, pressupõe a compreensão do que se deseja e do desejo de

outrem, para que, então, haja o comprometimento na busca de algo. Embora em

algumas circunstâncias não se consiga concretizar o que é desejado, é fundamental

que a intenção desse seja enraizada por princípios éticos e políticos. Para que

ocorra uma mudança, conforme o explicitado pelos assistentes sociais é preciso

desejar.

5.2 A ESCUTA DA DEMANDA: A GERAÇÃO DE NECESSIDADES FORMADORAS

Mais do que escutar, é preciso interpretar o que está sendo dito. Esta foi a

idéia central defendida pelos assistentes sociais quando evidenciaram a importância

da escuta da demanda no âmbito da saúde. Esse aspecto foi reiterado por todos os

135

assistentes sociais e, em especial, em algumas narrativas essa escuta significa uma

habilidade necessária para que se possa construir estratégias de ação.

(...) quando eu escrevi o projeto, muitas coisas foram se agregando a partir de uma escuta da demanda (...) que tu olha pra demanda, tu reflete e tu vê o que é mais necessário. Então, é uma coisa que não vem escrita; na verdade, ela vem vindo, e tu tem que ter esse olhar atento que tu mesma coloca ali, tem que ter essa ação, essa reflexão, de querer fazer cada vez melhor, e vê que essa necessidade, essa realidade, está te demandando, então a gente tinha que ter estratégias de ação (Beatriz).

Emerge desse entendimento a importância da empatia que o profissional

deve ter para escutar o que está sendo dito pelo usuário. A empatia pressupõe

despir-se de preconceitos. É uma habilidade meio invisível, mas fundamental para a

escuta profunda das necessidades dos usuários, que se materializam em forma de

demanda. No campo da saúde do trabalhador, o saber escutar permite ao assistente

social uma leitura não só do que diz respeito à subjetividade do usuário, mas,

fundamentalmente, dos processos sociais que estão em jogo nas situações

vivenciadas pelos trabalhadores afastados do trabalho. A compreensão exige

empatia por parte do profissional, e essa empatia, articulada com a dimensão

teórica, permite ao mesmo apreender o que está sendo dito e o que está

acontecendo, de acordo com cada história de vida, como na experiência de Jane:

Algumas situações que a gente recebia, por estar afastado por uma doença do trabalho, muito limitante, muito frágil, de casos de pessoas até com depressão, além da questão de estar afastado do trabalho, de todo o rolo que vem com a previdência e de poder ver as pessoas que estão identificadas com a morte, sem ânimo pra viver, e poder no processo do trabalho tu poder ver as pessoas se transformando de novo em um sujeito, deixando aquela depressão que não dá nem vontade de levantar, de não conseguir nem sair da cama o dia inteiro. Tu poder ver essas pessoas reconstruírem suas vidas, além disso, de eles estarem indo muito mais longe que tu propôs, então não sei se isso exemplifica, eu me preparei nesse processo.Eu acho que tem uma parte de empatia que é importante tu ter. Poder entender realmente o que aconteceu, tu não ter preconceito, tu tentar escutar profundamente as pessoas, eu acho que tem um conhecimento teórico que ajuda bastante, mas e acho que tem essa parte, meio invisível, que é como uma empatia..Jane

A reflexão sobre as demandas postas aos assistentes sociais que atuam no

âmbito da saúde, se dá de forma contextualizada, ou seja, salientam a importância

de compreender o contexto em que se inserem os usuários dos serviços e os

determinantes que irão definir as configurações dessas demandas, que advêm das

múltiplas expressões da questão social vivenciadas pelos usuários. Observou-se

que a escuta da demanda requer por parte dos assistentes sociais o conhecimento

136

do perfil da comunidade, um reconhecimento das determinações históricas, sociais,

econômicas, políticas e culturais da população do território da qual faz parte o

serviço, o usuário e os profissionais da saúde. Essa aproximação crítica e

investigativa da realidade, como uma especificidade do Assistente Social, constitui-

se como objetivo da profissão “que na área da saúde passa pela compreensão dos

aspectos sociais, econômicos, culturais que interferem no processo saúde-doença”

(BRAVO, 2006, p.212). O que é claramente evidenciado por Verônica, ao dizer que,

(...) a gente trabalha na perspectiva de conhecer o perfil de cada comunidade, e a demanda ela vem muito desse perfil, por exemplo, o local que eu trabalho é uma comunidade que tem muitos idosos, então vão vir demandas muito do envelhecimento, de saúde mental, então eu tenho que buscar o suporte pra isso. E ai o suporte que não ta só na equipe, vai pra rede, para os conselhos (...) (Verônica).

A narrativa acima descrita nos remete à necessidade geradora de formação

que se dá de forma coletiva, pois o suporte para atender a demanda passa por

processos coletivos de formação. Como pode-se analisar, Verônica faz referência à

rede, aqui entendida como aquela formada pelos recursos e/ou demais serviços

disponibilizados para atender as necessidades dos usuários, incluindo os conselhos

de saúde, que também se constituem em espaços onde se pode “buscar suporte”, o

que pressupõe ir além dos recursos existentes na própria equipe de trabalho.

Observa-se uma apropriação por parte de Verônica, e também do grupo, com

relação à importância dos conselhos de saúde, como espaços “incorporados como

atividade integrante de seu trabalho” (BRAVO, 2006, p.209).

Outro aspecto observado refere-se à diferença existente de uma demanda

que chega em um hospital e a demanda que chega em um serviço de saúde

comunitária. Isso demonstra que a forma de analisar e de intervir junto à demanda é

diferente, pois essa é mediatizada pelo tipo de organização do trabalho e pela

própria estrutura institucional, que também demanda um determinado modo de

intervenção profissional.

Mas eu acho que no hospital a demanda chega muito focal. O fato da gente estar numa comunidade, conhecer a história daquela família, conhecer a trajetória toda daquela pessoa que tu esta atendendo, isso tem a diferença, porque não vem a demanda imediata, ela vem uma demanda contextualizada e ai tu vai trabalhar de uma outra forma. Tem a ver com questão de como é organizado a forma de trabalho de cada local. Essa questão da demanda, a gente já discute há muito tempo. É o olhar que cada um tem, porque identificar a demanda é uma coisa, é pensar

137

nela, é como tu vai intervir, como tu vai trabalhar no dia-a-dia, como que tu pode qualificar isso? (Verônica).

A discussão da demanda aparece relacionada com a forma de organização

do trabalho e vai além de sua identificação. Uma coisa é reconhecer a demanda,

outra é intervir, pois a demanda requer uma intervenção técnico-operativa. Há,

ainda, aquilo que é da equipe e aquilo que é especificidade de cada profissão,

evidenciando o que é responsabilidade individual e coletiva. Entretanto, mesmo

havendo um destaque da diferença, pois ambas estão imbricadas, o que é

especifico e o que é geral, há uma totalidade, baseada em um projeto de promoção

de saúde coletiva, enfim, de atenção integral à saúde, que só ocorrerá a partir do

entendimento daquilo que é específico de cada área.

A gente discutir a demanda do serviço social é diferente de discutir a demanda do teu local trabalho, é diferente, entende. (Verônica).

Resguardando a especificidade de cada profissão que atua na saúde, é

imprescindível que o trabalho do Assistente Social articule os princípios do projeto

ético-político do Serviço Social e os princípios da reforma sanitária, pois “é sempre

na referência a estes dois projetos que se poderá ter a compreensão se o

profissional está de fato dando respostas qualificadas às necessidades

apresentadas pelos usuários” (BRAVO, 2006, p.213). Outro aspecto destacado no

grupo refere-se à importância do registro das demandas que chegam ao serviço. Na

narrativa da Camila, observou-se que, mesmo com pouco tempo de exercício

profissional no âmbito da saúde, a assistente social provocou no grupo uma reflexão

sobre a importância dos registros dos assistentes sociais.

Logo que eu cheguei no posto, eu fiquei me perguntando assim, quais são as demandas pro serviço social? E isso eu senti falta, eu não sei se vocês fazem, mas eu estou fazendo isso, e todos os dias que eu atendo eu vou fazendo uma tabela de demandas, até pra saber o que eu tenho, que estão procurando. E eu acho importante também que a gente tenha esses encontros, por exemplo, uma vez por mês, pra que a gente traga essas demandas, questões previdenciárias, violência domestica.. e que nem sei como encaminhar e eu tava conversando com outra residente aqui, porque chegou ontem uma usuária e perguntou eu quero saber informações sobre esse programa tal aqui.. e disse: “ai vocês devem saber, né?” E nós nos olhamos, a gente não sabia, e realmente eu pensei, a gente deveria saber, e eu achei interessante a gente começar apresentar as demandas, a gente também ter um espaço pra noticias, porque nem todo mundo sabe, como a gente não sabia. Então eu acho importante assim, a gente ter uma apresentação de demandas, procurar, pesquisar. (Camila)

138

Os aspectos dos registros para que outro profissional possa tomar

conhecimento das principais demandas foi ponto polêmico no grupo. A prática de

registros sobre as demandas dos assistentes sociais nos serviços, mesmo sendo

reconhecidos como importante, constitui-se num nó crítico, pois não se evidencia o

habitual uso desse recurso no processo de trabalho do assistente social,

constituindo-se, assim, em um obstáculo a ser superado, ou melhor, uma prática a

ser desenvolvida. Por outro lado, foi citado que as demandas nos serviços de saúde

comunitária são percebidas como demandas da equipe e a própria equipe deve dar

o suporte para o profissional que está ingressando no espaço, de acordo com a fala

de Carla:

Mas as nossas demandas são as demandas da equipe. A equipe toda trabalha com esta demanda, então não é o Serviço Social que vai se capacitar pra aquilo, é a equipe que tem que se capacitar pra aquilo, então mesmo que saia essa assistente social a outra que chegar, a equipe vai dar o suporte. (Carla)

No aprofundamento da reflexão foi possível observar que o registro torna-se

relevante, mas não para que outro profissional conheça por escrito a demanda

existente, até porque não há como realizar análise das demandas se não for em

uma dinâmica que acompanhe as mudanças sócio-históricas vivenciadas pela

população de uma determinada comunidade. Muito mais do que isso, está a

importância dos registros se constituírem em um instrumento do processo de

trabalho do assistente social, que pode ser um dispositivo sócio-histórico, que

subsidiará a reflexão da contextualização sobre as demandas dos espaços sócio-

ocupacionais.

Eu acho que é uma técnica para tu conhecer as pessoas que tu atende, eu sei Verônica que a equipe vai trazer a demanda, mas eu acho que o que ela trouxe ali é importante, de se fazer uma tabela, por exemplo, eu preciso visualizar ali, qual foi a produtividade do meu trabalho, quais foram os encaminhamentos, não tanto pra eu saber, mas pra ter os registros, eu acho que eles servem pra tu repensar também a forma como tu está trabalhando, porque daqui a pouco... as demandas vão mudando aos poucos, mas ai tu vai se dar conta depois que já teve a mudança. (Camila)

De uma forma geral, constata-se que o registro das demandas se constitui

num instrumento do processo de trabalho do assistente social, apesar da

complexidade existente em fazê-lo, em função das múltiplas expressões que se

constituem no objeto de trabalho profissional. Entretanto, há uma discussão sobre a

sua importância, ou melhor, sobre a efetivação possível desses registros, o que tem

139

sido motivo de reflexão crítica para esses assistentes sociais. Observa-se no grupo

uma predisposição de estudar a forma de documentar e/ou registrar as informações

decorrentes da análise da conjuntura e da demanda do Serviço Social nos serviços

de saúde, de acordo com o que expressam os entrevistados:

(...) eu acho importante os registros, porque hoje tu está lá no teu posto, amanhã tu sai, mas a comunidade permanece... (Camila) (...) eu achei interessante que a Tati trouxe essa questão de registrar as demandas, porque a gente tava justamente há meses falando, quem sabe a gente usa um Código de Identificação de Demandas- CID, outro instrumento, para gente identificar qual é a demanda que o Serviço Social vem atendendo. Eu achei interessante tu trazer isso, tu que entrou agora, mas a gente está há um tempão pensando isso. (Sofia) (...) é, mas ao mesmo tempo - a gente voltou ontem da reunião da equipe- dessa questão do CID, acho que tem uma tendência do modelo de sempre empurrar o Serviço Social pra isso, vamos colocar um Código de Identificação de Demandas. A gente está sempre nessa interrogação , qual é a demanda? (Rossana). (...) isso que é legal, quando tu recém inicia o trabalho, se dar conta disso (...), porque também o espaço de formação é quando tu entra no local de trabalho e inicia a análise da organização (Leandro).

O hábito ou a habilidade de registrar instiga e subsidia o estudo do que é

cotidianamente vivido para além das percepções inéditas, desafiando o pensar

sobre a realidade em que o profissional está inserido. Freire (1974) já referia que a

prática de registrar nos leva a observar, a comparar, a selecionar e a estabelecer

relações entre fatos e coisas. O ato do registro exerce uma função formativa ao

mobilizar a capacidade de observar, desafiando as certezas sobre a própria

observação. Escrever, então é como refazer o que está sendo pensado em

diferentes momentos de nossa prática (FREIRE, 1974).

Outro aspecto evidenciado que se originou da reflexão sobre as demandas

diz respeito à pesquisa, que é reconhecida como um instrumento importante a ser

utilizado nos processos de trabalho dos assistentes sociais, como forma de

aproximação dos mesmos “ao movimento da realidade social concreta, às várias

expressões da questão social, captadas em sua gênese e manifestações”

(IAMAMOTO, 2001, p.52). A possibilidade de identificar e de conhecer as demandas

postas nos serviços de saúde é condição para prestação de um serviço de qualidade

e com a resolutividade prevista no SUS.

140

De acordo com o grupo, apesar de haver o reconhecimento das produções de

conhecimento no âmbito do Serviço Social, que se dão através de investigações

cientificas, a pesquisa como instrumento para atribuir um novo estatuto à dimensão

interventiva (IAMAMOTO, 2001) ainda é uma habilidade que tem que ser mais posta

em prática nos espaços em que se desenvolve o processo de trabalho. A pesquisa é

reafirmada como instrumento de trabalho:

A Tati falou em demanda, demanda a gente sabe a forma que chega, a gente talvez tenha que buscar a forma de se qualificar pra essa demanda, que ai bom (...) a pesquisa ela te ajuda a enxergar mais a fundo, então acho que esse é o diferencial, a equipe te traz a demanda, tu tem várias formas de atender a demanda, mas antes é preciso pesquisar.. (Verônica). (...) mas como instrumento de trabalho, mas não como algo fora, que ai tu vai pesquisar pra depois trazer o instrumento. (Leandro) (...) mas o primeiro passo para tu pensar em como dar conta da demanda, é identificar qual é a dimensão e a pesquisa permite isso! (Camila).

Mesmo não sendo possível apreender exemplos de pesquisas que foram ou

estão sendo realizadas pelos Assistentes Sociais para compreender e/ou conhecer a

demanda dos serviços da saúde, evidencia-se a sua importância como instrumento

de trabalho e a necessidade de seu uso.

Cabe desvelar que as narrativas expressam a preocupação de como a

demanda dos serviços é atendida naquilo que é essencial na saúde, que diz respeito

à dimensão da integralidade do sujeito usuário do sistema. Atender a demanda

significa “a aproximação crítica, interpelante, funcionalmente desadaptada as

relações instituídas no trabalho e preocupada com a requalifcação dos coletivos de

trabalho”. (CORREIA, 1996, p.14)

Mesmo sendo preconizada a integralidade da atenção ao usuário no SUS,

grande parte dos profissionais que atuam no sistema ainda não contemplam a

integralidade do olhar e da escuta ampliada ao que está sendo demandado pelo

usuário. A aproximação crítica sobre a forma como o usuário é atendido, apesar de

ser uma inquietação de uma determinada identidade profissional, no caso o

assistente social, está no domínio das situações profissionais, pois ainda é vigente a

disputa “do projeto da reforma sanitária e a reforma privatista” (BRAVO, 2006,p.

211). Há um entendimento, por parte das assistentes sociais, de que o atendimento

141

ou a resolutividade de um serviço se dá, sobretudo, na capacidade de atuação

coletiva dos profissionais da saúde,

(...) o que mais tem me preocupado é a questão da forma como o usuário é atendido no serviço, porque a Unidade de saúde tem uma característica bem específica, ela é um serviço complexo, tem alguns reconhecimentos (...), reconhecido por serviços de excelência e de formação, mas apesar disso ele não consegue dar uma dimensão da questão da integralidade do paciente, então esse trabalho em equipe, o trabalho interdisciplinar é muito difícil de operacionalizar.(Julia)

Pode-se constatar a existência de uma preocupação e de uma necessidade

dos assistentes sociais de analisarem as configurações das demandas dos serviços

de saúde. Entretanto, não é somente a demanda que gera a necessidade de

formação profissional, mas a escuta que o profissional faz ao contextualizar,

problematizar e apreender as múltiplas expressões da questão social que se

manifestam nos serviços de saúde e, portanto, são requisições técnico-operativas

(SERRA, 2000). Há, nas experiências vivenciadas pelos assistentes sociais, um

compromisso com o resultado do trabalho, com a intervenção como forma de

garantir o atendimento das necessidades dos usuários, principalmente no que diz

respeito aos seus direitos e a sua integralidade.

Um conjunto de dispositivos que são pertinentes, da tríade conhecimento,

habilidade e atitudes que caracterizam a competência desses profissionais, tais

como as nuances – o desejo, a empatia sem preconceitos, os registros, a pesquisa,

a interdisciplinaridade, a integralidade na atenção ao usuário do SUS – estão

presentes nas narrativas dos Assistentes Sociais dessa investigação. Isso nos faz

crer que é no exercício profissional que os Assistentes Sociais vêm rompendo com o

trabalho fragmentado, predominando a visão generalista, tão necessária para a

atuação no campo da saúde.

5.3 OS DETERMINANTES DA DINÂMICA ORGANIZACIONAL

As condições e as relações de trabalho em que se inserem os assistentes

sociais articulam um conjunto de mediações que atravessam e interferem na

operacionalização da ação e, conseqüentemente, nos resultados individuais e

naqueles coletivamente projetados (IAMAMOTO, 2002). Percebe-se nessa

investigação, que há, entre os assistentes sociais, uma consciência crítica com

142

relação à influência da dinâmica organizacional, caracterizada por diferentes

padrões de relações de trabalho, que podem favorecer ou não a criação de espaços

compartilhados para a aprendizagem e a formação profissional no âmbito dos

serviços de saúde. “O contexto de trabalho é reconhecidamente um espaço-tempo

de produção de identidades” (SOUZA, 2007, p.93), pois nas discussões do grupo

focal, os assistentes sociais reconhecem que são nesses contextos que se

desenvolvem dinâmicas e interações que potencializam ou limitam as possibilidades

de estruturação de desejos e do projeto profissional.

Por outro lado, as diferenças existentes entre os saberes, as especificidades

e as identidades, entre outros aspectos, de acordo com cada situação e com os

sujeitos envolvidos, são reconhecidas por esse grupo como dispositivos para

mudança, ou melhor, dispositivos reconstrutivos, o que demonstra uma ruptura dos

processos cognitivos, ou seja, nos modos de pensar a organização do trabalho

(Correia,1996). Isso quer dizer, conforme ilustra o depoimento de Beatriz, que existe

um modo de pensar que contribui para a superação de obstáculos comumente

identificados, como, por exemplo, as diferenças existentes entre os profissionais.

(...) tem a ver com o processo de trabalho, a forma como estão organizados os serviços, a dinâmica (...) Na dinâmica organizacional as relações de trabalho , a forma, os padrões favorecem ou não a aprendizagem, a partilha, e, dessa forma, as diferenças são dispositivos reconstrutivos.

A abordagem sobre a dinâmica de uma organização contempla, nessa

pesquisa, os espaços social e político, ou seja, considera, em suas análises, a

organização do processo de trabalho, a elaboração das políticas administrativo-

organizacionais e a prática cotidiana em relação (FISCHER, 1987). As instâncias de

análise aqui discutidas, foram agregadas a esses três aspectos com a intenção de

desvelar a complexidade que os mesmos, empiricamente observados, são tratados

entre os assistentes sociais inseridos com e na dinâmica organizacional dos serviços

de saúde.

O primeiro aspecto refere-se à prática cotidiana em relação e à forma como

um profissional é valorizado ou respeitado na equipe, tanto no momento de ingresso

na atividade quanto no processamento da ação cotidiana. Isso é evidenciado a partir

da relevância do acolhimento entre os pares, da maturidade profissional e do

143

respeito às diferenças, que tornam-se dispositivos relacionais para que se

desencadeiem processos formativos no âmbito do trabalho.

Logo que entrei na secretaria de saúde, eu tive que realmente aprender muita coisa em pouco tempo. Eu tive a felicidade de ter uma assistente social que trabalhava no serviço, que entendeu bem, me acolheu, não pensou que eu estava li ocupando o espaço dela. Eu acho que poderia ter sido complicado, vai muito do perfil, no caso dessa colega ela é uma pessoa extremamente generosa, por perfil pessoal, e a gente acabou tendo uma relação afetiva bem legal. Mas no espaço do trabalho ela conseguia, eu e ela na nossa relação de trabalho, conseguimos estabelecer exatamente os nossos pontos de convergência e de divergência, e trabalhar isso de uma forma natural, do próprio trabalho e de crescimento profissional também. (Júlia).

O segundo aspecto trata das diferenças da organização dos processos de

trabalho dos serviços de saúde, entre elas a área hospitalar e a saúde comunitária,

como, por exemplo, a Residência Integrada em Saúde- RIS43, programa em que

assistentes sociais e outros profissionais são orientadores e tem como desafio

ampliar as possibilidades educativo-participativas do trabalho em saúde. É notória a

compreensão que os assistentes sociais possuem sobre o modo como se verificam

as relações de trabalho na realidade concreta e as origens das características e das

tendências de padrões e das formas utilizadas para organizar os serviços no SUS.

O processo de trabalho das unidades vinculadas à Residência Integrada em

saúde está organizada para dar conta da formação em serviço, desenvolvida sob a

ótica da interdisciplinariedade e da humanização da atenção, propiciando melhor

atenção à saúde dos usuários que procuram atendimento desses profissionais, pois

assim serão vistos em sua integralidade. Nessas experiências observa-se, também,

a produção inovadora de ensino em serviço entre profissionais de diversas

formações, o que contribui com a superação de saberes identitários rígidos,

fechados, na medida em que possibilita abertura aos diversos campos de

conhecimento. Quando da narrativa sobre uma experiência de educação

permanente vivenciada no processo de trabalho, logo emergem as vivências na RIS.

A primeira coisa que me vem na cabeça é o início da residência integrada em saúde no serviço, isso para mim foi o que marcou a minha história

43 A RIS tem como objetivo especializar profissionais de diversas profissões da saúde, através da formação em serviço, parar atuar em equipe de forma interdisciplinar e resolutiva, além de fornecer subsídios para a realização de pesquisas no âmbito do SUS, desenvolvendo capacidades de analisar e propor ações visando alcançar a integralidade, a universalidade e a equidade na atenção à saúde com participação social. (RIS-GHC, 2003, p.4).

144

profissional nos últimos anos. Ela começou há quatro anos e que eu refleti profundamente sobre a minha inserção profissional no serviço e me fez voltar a olhar o serviço assim criticamente, para estudar, para refletir, para tudo. (Carla).

O grupo, a partir da fala de Carla, instaurou um processo de reflexão crítica

acerca da organização dos processos de trabalho, e foi possível identificar as

dificuldades existentes nos espaços sócio-ocupacionais mas, sobretudo, quanto

àquilo que é atribuição ou competência do Assistente Social. Essa última expressa

“a capacidade para apreciar ou para dar resolutividade a determinado assunto, não

sendo exclusivas de uma única especialidade profissional, mas a ela concernentes,

em função da capacitação dos sujeitos profissionais” (IAMAMOTO, 2002, p.16).

A estrutura rígida que caracteriza a organização de alguns hospitais, assim

reconhecida pelos participantes dessa investigação, contribui para que cheguem ao

Serviço Social demandas que, necessariamente, não requerem a intervenção

técnico-operativa de um assistente social, podendo ser atendida por outro

profissional ou funcionário do quadro. Há aí um indício de um obstáculo a ser

superado, não somente quanto à objetividade, no que diz respeito à especificação

das atribuições do assistente social na área hospitalar, mas, fundamentalmente,

quanto à forma como está organizado o serviço de uma equipe hospitalar, como por

exemplo:

Eu senti o contrário, acho que dentro do hospital a gente faz muito mais coisas não específicas do serviço social do eu que especificas é uma estrutura muito rígida, que tem coisas que alguém precisa fazer, e acaba recaindo pro serviço social, mas que não necessariamente precisaria de um assistente social pra fazer aquilo, então ai me chamou a atenção quando tu falou isso, e realmente eu concordo a minha vinda a saúde comunitária, eu pedi a transferência pra cá, também marca isso para mim de realmente me sentir mais trabalhando como assistente social, apesar de lá ter o setor do serviço social, tudo muito mais especifico eu sinto que o trabalho na comunitária, aqui sim eu estou fazendo o serviço social, lá as vezes eu fazia, as vezes não. (Sofia)

Dentro da dinâmica da organização do trabalho na área hospitalar há um

entendimento das fragmentações existentes, das profissões atuando isoladamente,

contrapondo-se à prática interdisciplinar. Na ausência do Assistente Social, por

exemplo, observa-se que, em algumas situações, o atendimento da necessidade do

usuário fica comprometido, pois ele só pode ocorrer na presença desse profissional.

Na narrativa de Sofia é explicitado o quanto o Assistente Social é reconhecido

institucionalmente em sua forma identitária, por ser o profissional que faz a

145

interlocução com a família. Sofia faz uma reflexão comparativa da dinâmica do

trabalho na saúde comunitária e hospitalar.

(...) tiveram situações que tinham pessoas na emergência esperando desde a noite passada para alguém tentar localizar o familiar, tentava achar pelo nome, pelo 102, perguntava aonde a pessoa morava, se não tinha telefone, tentava ligar para o vizinho, então eu não acho que precisaria de um assistente social pra fazer isso! O usuário espera às vezes o fim de semana inteiro para alguém fazer isso e, muitas vezes, eram coisas assim. Mas não só isso! Claro, em função de ser um hospital, acho que tinham trabalhos que era do serviço social, mas muito eram essas coisas, que qualquer outra pessoa podia fazer, bastava ter vontade. E ai como o hospital tem essa coisa mais fragmentada, quem faz o quê? Alguém tinha que fazer aquilo, e acabava caindo para o serviço social e acho que isso também diferencia muito na saúde comunitária, que já não é tão fragmentado, é uma equipe que trabalha mais próxima, é interdisciplinar, então essas coisas mais não administrativas, mais de informação, isso fica mais socializado. (Sofia).

Seguindo esse modo de pensar e de agir ilustrado na fala de Sofia, pode-se

dizer que a organização do processo de trabalho nos serviços, em que se

desenvolve a RIS, permite e facilita o atendimento das necessidades em saúde, pois

há uma superação de saberes identitários e o reconhecimento da formação em

serviço. Além disso, é instituída a importância de uma escuta ampliada quanto ao

“processo saúde-doença-cuidado-qualidade de vida”. Ao que tudo indica, até aqui,

há uma preocupação e um compromisso comum entre os trabalhadores que atuam

no âmbito da saúde comunitária, que é a articulação com o projeto da reforma

sanitária, segundo a percepção que Sofia e Carla trazem em suas narrativas para

reflexão no grupo focal:

(...) na comunitária, tem coisas que não é de ninguém, mas que é de todo mundo, sempre digo isso, tem atribuições aqui dentro que não é de ninguém, não é especifico do médico, mas que é da equipe, e a gente como faz parte da equipe, pensa: bom também é nosso! Então, é mais ou menos isso, as coisas se diluem mais, mais aqui também na comunitária que também. (Carla). Eu acho interessante vocês colocarem que trabalharam no hospital, eu achei bem nítido assim, quando a Sofia fala que quando está no hospital é mais específico, eu entendi ela. Ela quis dizer que é mais fechado. Porque bom, eu chego lá e eu faço isso e aquilo, ponto. E na comunitária, como tem aquela coisa de ter que trabalhar muito mais na promoção a saúde, eu acho mais complicado, porque ai sim eu acho que desencadeia isso de estar refletindo no próprio processo de trabalho, está criando propostas, pra estar atendendo a necessidade. É mais desafiador é mais complicado. Aqui eu acho mais difícil, necessariamente tu não tem como ter uma prática automática, tu tem que sempre estar refletindo, vendo propostas novas, a partir de uma dificuldade, tem que pesquisar. (Marlene).

146

Há, contudo, uma compreensão no grupo de que os níveis de atenção na

área hospitalar e na saúde comunitária são diferentes, como refere Karen: “a

dinâmica é diferente”. Os serviços nas unidades de saúde se dão num espaço

propositivo, que facilita a aproximação e a abertura entre os diversos campos do

saber.

Mas acho que tem a ver com os níveis de atenção, o hospital está num papel de dar uma resposta, e na questão primária a gente ta em um espaço propositívo, não de dar respostas, mas de propor alguma coisa, e acho que isso talvez faça a gente se aproximar mais, de outros saberes, de outros conteúdos, enfim. O objetivo do trabalho é diferente, e isso gera uma demanda diferente, apesar de ter os mesmos princípios (...) e a mesma questão social apresentada. (Leandro).

Observa-se que as “situações vividas pelos profissionais de saúde ocorrem

no quadro de organizações sociais, pelo que a dimensão organizacional atravessa

necessariamente as práticas profissionais, bem como o seu processo formativo”

(CANÁRIO, 2003, p.132), que se dá através da interação entre os profissionais. É

nessa perspectiva que salienta-se, no grupo, que o hospital também possibilita a

aproximação com outros saberes e, portanto, pode constituir-se em um lugar de

formação. É também identificada uma forte ligação com a compreensão atribuída à

concepção de saúde que os profissionais possuem.

(...) eu acho que o hospital também propicia que a gente faça isso, não e só na comunitária, trabalhar na saúde em qualquer lugar é muito dinâmico, e tu podes experienciar isso em outros espaços da saúde, eu acho que isso tem a vê com a formação da gente, com o entendimento que a gente tem de saúde, o conhecimento, e tu vai trabalhar em qualquer lugar. Acho que tem espaços na hospitalar e na comunitária para fazer isso. Eu acho que na comunitária a gente fica mais exposto. (Carla).

A narrativa de Carla traz à tona uma reflexão pertinente, quando se trata das

contradições existentes na dinâmica de uma organização e das possibilidades de

formação, desde que se tenha clareza das concepções de saúde fincadas em

preceitos democráticos, universais e de direito do cidadão.

Talvez uma questão de limite no hospital, seja a estrutura de poder, mais rígida que no posto, isso traz uma conseqüência negativa pro trabalho, mas também é um espaço de intervenção e de formação. Nossa se a gente puder mexer nas estruturas e a gente se ausenta disso e assume aquele papel que é atribuído, então essa caixinha aqui que é do serviço social. E como a Unidade de saúde tem até uma dinâmica mais democrática de se assumir as ações em conjunto, que por um lado pulveriza a ação do assistente social, mas por outro facilita na compreensão de tu querer implementar uma coisa diferente que no hospital não tem. (Leandro).

147

Assim, há uma compreensão de que a estrutura de poder organizacional pode

trazer conseqüências negativas para o desenvolvimento do trabalho. Há, entretanto,

um espaço de interlocução e, portanto, de formação, inclusive na área hospitalar.

O hospital tem um diferencial, uma demanda muito grande, frente ao numero de profissionais que a gente tem, então realmente não é o local, eu fico babando aqui quando vocês falam,porque quando eu entrei na instituição hospital de clínicas, a minha visão era de um hospital aonde a gente pudesse fazer prevenção, que hoje a gente encontra muito mais o curativo. Então não se tem muito tempo pra fazer investimento nessa área, tanto de trabalho, de trocas, ou de obter informação, é difícil sair pra uma reunião, porque dificilmente a gente tem horários, é extremamente rígido nesse sentido, principalmente no que eu faço que é atendimento no plantão. (Helena).

Reconhecer a presença de uma dimensão formativa nos hospitais, mesmo

na ausência de uma estratégia unificadora e da estrutura de poder mais rígida, não

significa prever, no seu interior, um conjunto de ações pontuais de formação, mas,

sim, otimizar as potencialidades existentes em uma organização hospitalar

(CANÁRIO, 2003), criando oportunidades educativas por meio da interação entre os

profissionais em atuação e com os próprios usuários. É nessa interação que pode se

dar a formação e a mudança na estrutura organizacional, pois são justaposições

fundamentais para a construção de um hospital formador. Como exemplo,

evidenciamos a narrativa de Helena, em um Hospital também reconhecido por sua

política educativa.

Uma das grandes dificuldades que a gente encontra no hospital é justamente com aquele paciente em fase terminal que a família não aceita e o hospital está muito preocupado com esta situação e está montando uma enfermaria, ou uma unidade para pacientes terminais. Então é uma preparação para o paciente e para a família, pra aceitação da morte. Para isso então se reuniu o Serviço Social, a Psicologia, e a enfermagem e a gente ta fazendo todo esse processo de obter informações e de montagem dessa unidade. Então isso é uma vivência bem atual, claro que a gente tem dificuldades enormes, pois temos que buscar informações da área médica, da enfermagem, de cuidados. Então é uma troca que está existindo, essa unidade ainda está em formação, a gente ta buscando então não só na área do serviço Social de que forma esse processo pode ser desenvolvido dentro desse aspecto do serviço social, de apoio, de garantia de direitos, mas junto com outras áreas. (Helena).

Outro aspecto relevante sobre a intervenção dos assistentes sociais refere-se

ao espaço-tempo da estrutura hospitalar. Tem-se um tempo para localizar uma

família de um paciente, aproximá-los, repensar vínculos e tem-se o tempo da

internação, que é um determinante na dinâmica do processo de trabalho

profissional, e esses são fatores que irão influenciar no resultado do trabalho. É

148

diante dessas situações postas que surge a necessidade de reflexão sobre o

processo de trabalho e suas dimensões: Qual é o objeto? Quais são os objetivos?

Que estratégias acionar para incidir na situação? Que tempo tenho? Quais são os

limites e como superá-los? Enfim, são reflexões cotidianas presente na prática

profissional.

(...) às vezes a gente tem um paciente que é morador de rua, até tu achar a família dele, o cara vai morrer. Ai tu tem um tempo para achar a família, ai tu acha, ai em 10 dias tu tem que trazer a família para ver o familiar, repensar o seu vinculo, é um trabalho super importante e a gente acaba aprendendo com isso. (Sofia). (...) acho que tem a ver com o grau de complexidade do lugar que tu está trabalhando, e do limite disso, e não significa que quem trabalha em hospital faça menos do que um assistente social da comunitária, mas se faz num limite diferente, a partir daqui eu vou trabalhar em rede, eu não preciso resolver aqui, tu faz o que permite o tempo da internação. (Carla).

O terceiro aspecto relaciona-se com a importância atribuída à administração-

organizacional e ao modo de gestão na saúde, que pode proporcionar uma reflexão

sobre os processos de trabalho para que se possa instituir programas e projetos que

atendam aos princípios do SUS. No âmbito político, deveria haver um compromisso

de todo o gestor de uma política social com a população, ou seja, o exercício da

gestão do SUS deveria estar voltado para o interesse público. Para exemplificar o

comprometimento com a população usuária, Beatriz narra a sua vivência junto à

implementação do Projeto Acolhimento na saúde pública e afirma o apoio político da

gestão municipal em um determinado momento de sua trajetória, o que foi

fundamental.

(...) dificuldades políticas, muitas(...) teve um momento nesse projeto, antes dessa gestão, que ele ia muito devagar, ai quando entrou outra secretária e achou que era um projeto de governo, ele andou que era uma beleza, e a gente nem tinha verba... E eu achei um super ganho naquele momento, porque se transformou em uma outra relação de trabalho, e assim as equipes passaram a envolverem-se nesse processo, que é um processo de gestão.

Observa-se na narrativa de Beatriz, que vivenciou sua experiência junto a

uma política de desenvolvimento dos trabalhadores da saúde, que o

desenvolvimento do seu processo de trabalho tinha como intenção a articulação das

equipes de saúde, mobilizando-as, criando espaços compartilhados de discussão e

de reflexão sobre os processos de trabalho nas equipes. Para que o Programa de

Acolhimento fosse instituído, era necessário desencadear um conjunto de ações que

149

pudessem rever a forma como o trabalho estava organizado, a partir da reflexão

sobre o processo de trabalho.

Também, mas era muito também de organização de trabalho. Era processo de trabalho mesmo, a gente fez um livro depois, o que a gente colocou na realidade era um processo de gestão, um processo de trabalho, a categoria central, era o processo de trabalho mesmo. E a gente quis trazer essas categorias para o serviço social, a realidade social. Das coisas positivas ao fazer o mapa falante, uma médica se deu conta das realidades em que estava inserida, que tinham pacientes da vila de classe média e a outra era miserável, e ai ela não entendia porque que ela não conseguia dar aquela medicação para aquela criança, porque ela não entendia aquela linguagem. Ela não tinha olhado para realidade, o que estava atrás das 4 paredes, e a gente dizia que acolhimento não se dá só através de 4 paredes, e era esse nosso discurso mesmo. E a questão de como se formava vínculo, se ele dava dependência se dava autonomia, isso tudo se dava através das oficinas, de construção a partir da realidade das pessoas. (Beatriz).

Aqui fica explicitada a importância da mediação do assistente social entre as

demandas que resultam das condições de vulnerabilidade social a que está

submetida a população usuária, e as demandas postas pela própria organização,

responsável pela implementação das políticas sociais, no caso, o SUS. Pois, se trata

de um Programa que diz respeito à forma como o usuário é atendido no sistema, e

de um profissional cujo exercício está permeado pelas tentativas de equacionar os

direitos dos usuários à saúde e de buscar a promoção da resolutividade dos serviços

prestados e que, portanto, depende da articulação dos diferentes saberes e fazeres.

Por outro lado, o modo de gestão pode se tornar um obstáculo para que se

instaure espaços educativos a partir da reflexão critica do próprio processo de

trabalho. No campo da saúde pública a mudança de gestores tem sido um obstáculo

para que os programas de formação profissional ou da política de educação no

trabalho, protagonizada pelo Ministério da Saúde, em particular a Secretaria de

Gestão e trabalho, seja posta em prática. Não se pode negar a importância da área

da gestão do trabalho, das pessoas, ou ainda, a comumente conhecida área de

Recursos Humanos. Entretanto, nem sempre os espaços públicos promovem ações

que viabilizam a formação dos trabalhadores na saúde, como o vivido por Adriana.

(...) o obstáculo que eu vejo, é que a secretaria da saúde hoje tem passado por um processo de muitas mudanças de gestores o que inviabiliza a continuidade desses projetos, muitas mudanças num curto período de tempo ai tu tem que parar, explicar, voltar de novo. Eu diria que atualmente a gente não tem projeto político nenhum na secretaria da saúde e nos temos dois anos e meio dessa gestão, nos já tivemos, estamos no quarto coordenador, nos estamos já algum meses sem definição de coordenação,

150

é uma área que é pouco valorizada, a área de Recursos Humanos. (Adriana).

Entretanto, a falta desse reconhecimento por parte de gestores não pode

amarrar a vontade e o compromisso dos profissionais com a política de saúde,

tampouco com a necessidade de buscar novos saberes para colocá-los em uso a

serviço da população usuária da saúde. Essa possibilidade de buscar as brechas e

nelas se inserir, para na lida do dia-a-dia poder reinventar formas de superar

obstáculos que são pertinentes desse contexto sócio-histórico das estruturas

organizacionais, constitui-se numa competência aos Assistentes Sociais, nos dias de

hoje. É nos espaços institucionais minados de disputas de saber e poder que deve-

se acionar as estratégias de resistência e garantir a participação coletiva, que é uma

forma de fortalecer a identidade profissional de consolidação de um projeto político

comprometido com a garantia dos direitos.

(...) eu penso que nós assistentes sociais temos que buscar as brechas que se tem com alguns projetos que se consegue fazer. Eu não acredito numa coisa muito a nível grande, eu acho que são em espaços pequenos alguns trabalhos que tu faz. Eu acredito que tenham espaços que a gente tem que reinventar. Eu acho que nós temos um espaço no qual eu faço parte, que é um espaço de resistência da atual gestão que seria o comitê de humanização, onde eu represento a equipe de desenvolvimento. Avalio que é um espaço que tem sobrevivido, é um grupo aonde tem pessoas comprometidas, ele não tem uma autonomia. Acho que ele é um espaço que foi instituído e nós estamos aproveitando este espaço para dar um corpo nesse grupo No momento que ele criar um corpo não tem mais como a gestão desmontar e esse grupo têm três assistentes sociais que fazem parte, que são bastante comprometidas e inseridas na saúde publica. Então eu acho que é isso que nos temos que fazer, encontrar esses espaços como esse grupo que eu faço parte, que ele vai pelas bordas se constituindo e criando como um corpo, que está tomando forma, que não possa ser destituído. Nós tínhamos um núcleo de educação permanente onde tinha uma representante de direito de cada serviço, era um núcleo que agilizava e discutia as capacitações de toda secretaria e que com essa nova gestão, tentou se manter, mas por determinação da secretaria ele foi terminado, suspenso. (Adriana).

É interessante observar o quanto a narrativa de Adriana expressa um espaço

de criação ocupado pela profissional, pois é dessa brecha que emergem as

estratégias metodológicas adotadas pela mesma, para uma intervenção crítica e

propositiva. Esse é o jeito, o como a Adriana faz educação permanente. O processo

de trabalho dessa assistente social é atravessado de histórias, de experiências, de

questionamentos, de resistências e de dispositivos coletivos. Nesse sentido,

evidencia-se a defesa, o aprofundamento e a consolidação da cidadania e da

151

democracia, da socialização e da participação, conforme princípio do código de ética

profissional em sintonia com a efetivação do SUS.

5.4 A PARTILHA DOS SABERES: EM RELAÇÃO

A educação, nesse estudo empírico, é pensada como experiência vivida por

sujeitos envolvidos em processos formativos, cujo sentido, atribuído aos mesmos,

possibilita a construção de si e do mundo, por isso “empenhado numa experiência

que ele partilha com outros seres humanos” (CHARLOT, 2004, p.19). A partilha dos

saberes no trabalho surge nas narrativas dos assistentes sociais como algo

imbricado nas experiências vividas de educação permanente na saúde, pois a

“relação destes profissionais com o saber implica uma atividade do sujeito”

(CHARLOT, 2000, p.78), que é exercida junto a uma política pública de saúde.

Sabe-se que não é fácil a tarefa de criar um clima propício à partilha dos

saberes e de reflexão sobre situações complexas e contraditórias do trabalho e,

fundamentalmente, admitir que se necessita de ajuda. O que dá sentido à educação

permanente é o diálogo entre os profissionais de uma equipe, a análise rigorosa do

processo de trabalho, das intervenções e a procura coletiva de melhores formas de

agir através da interlocução dos saberes.

Nesse contexto, as fronteiras dos saberes, ao serem rompidas, possibilitam

uma compreensão do que é especifico de cada profissão, reconhecendo-se suas

atribuições e particularidades técnico-operativas. É na articulação dos diferentes

saberes que se pode buscar atender as necessidades dos usuários. A relevância

atribuída às fronteiras dos saberes e o impacto no atendimento aos usuários é

enfatizada na fala de Sofia:

Na prática acho que aparece o quanto essas fronteiras entre os saberes são complexas. Para mim o que marcou antes de entrar na saúde comunitária foi a residência em saúde mental que foi uma residência multiprofissional. Eram nove mulheres na residência e cada uma com uma profissão diferente, e todas passaram por uma crise profissional, porque era assim a assistente social, com a enfermeira, com a professora de educação física, fazendo uma oficina de dança, então o que é de quem, e trabalhar com a questão de direitos não era só coisa minha também. Acho que a crise profissional segue, mas que a gente começou a se dar conta de o que nos diferenciava era muito mais uma questão do olhar, do que um dispositivo de oficina de grupo... Essa coisa de está realmente articulando com outros saberes, quanto mais próximos de outros saberes, mais os usuários se

152

beneficiam, porque tu consegue também identificar, tu conhece o trabalho do outro, tu consegue identificar que atendimento seria importante para aquele usuário (...) Eu trabalhei 6 meses no hospital psiquiátrico, foi minha primeira experiência profissional, e a demanda institucional era uma coisa louca. (Sofia) (Todos riem!)

Observa-se que são as “diferenças de especializações que permitem atribuir

unidade à equipe, enriquecendo-a e ao mesmo tempo preservando aquelas

diferenças“ (IAMAMOTO, 2002, p.41). A equipe, nesse exemplo, condensa uma

unidade de diversidade que vai determinar a qualidade e/ou a resolutividade dos

serviços prestados. Na narrativa de Sofia fica claro que, mesmo o Assistente Social

partilhando com outros profissionais uma “oficina de grupo”, ele dispõe de um ângulo

de observação, pois trata-se de uma “questão do olhar”, que se diferencia dos

demais. Esse “olhar” tem a ver com a capacidade que o assistente social tem de

compreender o quanto os aspectos econômicos, sociais e culturais interferem no

processo saúde-doença, e, ao enunciar esses aspectos junto à equipe, disponibiliza

saberes e os direciona, para que o enfrentamento dessas questões ocorra por meio

de um trabalho coletivo.

O trabalho em equipes interdisciplinares é destacado pelos Assistentes

Sociais ao narrarem experiências de partilhas de saberes e de processos formativos

a partir dessas vivências. Assim, o trabalho coletivo não impõe a diluição de

competências e de atribuições profissionais, mas, ao contrário, “exige maior clareza

no trato das mesmas e o cultivo da identidade profissional como condição de

potencializar o trabalho conjunto” (IAMAMOTO, 2002, p.41). Na narrativa que segue

é notória a diferença existente no trabalho interdisciplinar na formação de um

profissional.

E ai eu estava pensando assim, o que me chama atenção, o que mudou estar aqui hoje, e quais são as questões que fazem a diferença na minha formação. Eu tive uma experiência em trabalhar com assistentes sociais na saúde pública, depois a experiência no Hospital, e o que mudou pra mim, que é marco, o primeiro marco histórico na minha mudança, foi a minha inserção em uma equipe interdisciplinar. Isso fez uma diferença impressionante, tanto comigo mesma, quanto do local de trabalho, então todas as questões, as demandas que vão chegando de uma forma mais ampliada, fez com que eu repensasse o meu trabalho, a partir da demanda e a partir do processo de trabalho daquela equipe. Então antes da chegada a residência, bem importantes, teve situações de conflito na comunidade. Lá na floresta aonde eu trabalho, uma situação muito complicada, e a gente teve que sentar, discutir, planejar, pensar, ter uma estratégia de trabalho, pra poder conseguir manter uma relação legal com a comunidade. E a gente teve que repensar o trabalho a partir de uma situação vivida, isso foi bem interessante. É um exemplo de situações, que a gente teve que repensar a

153

prática. Eu acho que o marco para mim é a troca na equipe interdisciplinar. Ela te exige de uma outra forma de trabalhar, tu tem que te colocar, tu tem que buscar, tu está ali com o papel de assistente social. A gente trabalha muito com discussões de caso, em algumas situações, às vezes, as situações mais extremas, no caso de saúde mental, uma situação mais complexa, a equipe senta e discute, tu tem que estudar aquela situação. Por exemplo: uma paciente extremamente agressiva e a gente teve que tentar entender o contexto que estava vivendo aquela paciente, a situação de saúde mental dela, pegar e estudar, como que é a situação dessa paciente, que situação ela está, que estratégia que nos podemos ter pra conseguir trabalhar com ela. E hoje ainda é difícil. São situações do dia-a-dia, de uma complexidade muito grande, então tu tem que buscar esses elementos, na equipe, nos teus conhecimentos, e no conhecimento das outras áreas, é uma dinâmica diferente a saúde comunitária, ela te exige isso. (Verônica).

Como se pode verificar, os exemplos narrados por Verônica são reconhecidos

pela mesma como experiências de Educação Permanente em situações de trabalho

partilhadas por diferentes profissões, que parte de uma ação conjunta, que mobiliza

conhecimentos, vontades e competências. Há um envolvimento real que busca a

melhoria e a mudança da organização do trabalho, e que demonstra o quanto se

fazem necessários o compromisso e a responsabilidade dos profissionais.

Contudo, dificuldades existem na partilha dos saberes, pois a

interdisciplinaridade exige iniciativa por parte dos profissionais, em uma lógica que

procura romper com a fragmentação e a disputa de saberes pertencentes às

estruturas organizacionais. Constata-se a importância atribuída à iniciativa de cada

profissional no sentido de procurar a “partilha dos saberes”, de socializar

conhecimentos, pois, ao contrário, a privatização dos saberes, a lógica individualista

preconizada pelos ideários neoliberais, não favorece os processos educativos e, sim,

constituem-se em obstáculos, já superados pelos sujeitos dessa pesquisa. Um

movimento de procura e de abertura se faz necessário. Eis o que declara Jane:

(...) é procurar as pessoas, as pessoas abrirem o seu conhecimento sem ser privatizado, porque é isso, eu acho que quando a gente fala em privatização não é só de vender os serviços em si, mas a gente às vezes trabalha na lógica da privatização, como se a gente fosse dono do paciente, do conhecimento,e a gente não partilha. (Jane).

A interdisciplinaridade aparece nas narrativas dos Assistentes Sociais como

algo que acontece a partir da cooperação de várias disciplinas para reflexão e

análise de uma situação de trabalho, da interação e do intercâmbio entre os

diferentes profissionais, o que resulta não só no enriquecimento formativo dos

mesmos, como no atendimento das necessidades de saúde e do usuário. Como

154

pode-se perceber, as experiências reveladas caracterizam “uma aprendizagem

experiencial que considera as situações de trabalho e dos problemas reais

encontrados no trabalho” (CORREIA, 1999, p.10), que pressupõe situações

formativas interdisciplinares.

Percebe-se também o quanto a identidade profissional, entendida como “as

maneiras socialmente reconhecidas para os indivíduos se identificarem uns com os

outros, no campo de trabalho e do emprego” (DUBAR, 2006, p. 85), é salientada

diante da competência teórico-metodológica atribuída ao Assistente Social, no que

concerne à compreensão e à análise da realidade social. É partindo dessa

compreensão que se dá o comprometimento do Assistente Social em articular uma

rede de saberes, de construir parcerias e de mobilizar equipes.

Realmente o conhecimento não se faz sozinho, que ele é interdisciplinar sim, mas que o serviço social, é muito importante, por ser uma profissão que também é interdisciplinar, ela nos da condição de olhar o social, mas de olhar o psicológico, o geográfico, o sociológico também. Enfim todos né, acho que é uma profissão muito rica, acho que nós temos um suporte, mesmo que tu não saibas, tu sabes aonde buscar, e tu constrói parcerias, tu vai atrás, constrói alianças, que vão engrandecer o trabalho, e vão dando impacto, porque a gente vai querer impacto na verdade, (Beatriz).

Os espaços compartilhados de reflexão crítica sobre o processo de trabalho

na saúde se dão junto às equipes entre diferentes profissões, entre os conselhos de

saúde, com a participação dos usuários, mas, também, há aqueles espaços de

encontro dos próprios assistentes sociais.

(...) acho que nesse sentido de partilhar, a gente fez uma coisa bem legal, a gente promoveu um encontro de assistentes sociais da secretaria de saúde, a gente fez o 1º encontro, é um espaço que teve várias tentativas, mas que a gente resolveu tentar de novo, só assistentes sociais. (Beatriz).

A partilha de saberes se dá também nas oportunidades de socialização das

práticas das equipes que atuam na saúde. A produção em saúde não advém de uma

única disciplina, mas da mobilização de um conjunto de saberes que produzem e

promovem a saúde coletiva. O relato de Adriana é memória viva de uma experiência

em que pode-se promover a socialização das práticas em saúde, mas que, ao

mesmo tempo, é identificada como uma experiência de Educação Permanente, por

ter permitido a reflexão crítica sobre o seu processo de trabalho, o seu fazer e aos

demais trabalhadores de saúde, que participaram desta ação, permitindo a

publicização e a socialização daquilo que é possível de se realizar no campo da

155

saúde pública. Há, aqui, uma dimensão que trata das possibilidades, de resultados

com qualidade e do produto final de um processo de trabalho.

Pode-se perceber o quanto a reflexão sobre o processo de trabalho não se dá

somente para apontar erros, mas para evidenciar projetos e trajetórias bem

sucedidas que estão dando certo, entendidas aqui como aquelas que contribuem

com a formação profissional dos trabalhadores da saúde e para a consolidação do

SUS.

Para mim um momento rico na secretaria de saúde, que dá para pensar num processo de Educação Permanente, foi o processo da mostra de produção em saúde aonde eu aprendi e foi um momento que deu pra politizar todas as práticas que estavam sendo realizadas na secretaria, aonde o trabalhador pode visualizar a mostra de produção em saúde, ela era uma mostra pra ser no primeiro momento pra população, que foi no mercado publico, mas acabou sendo uma mostra interna pros trabalhadores, dava pra sentir na expressão dos trabalhadores, eles se verem, e verem o que eles estavam produzindo, acho que foi possível visualizar a educação permanente que estava acontecendo nas unidades de saúde. Foi um momento de troca, aonde teve um momento também de produção de textos, que a partir da mostra os trabalhadores se reuniram pra escrever, pra fazer sua reflexão da prática e poder estar registrando isso no papel, poder estar registrando uma prática que nos não temos o hábito de realizar, então ela possibilitou isso, um momento de para refletir, escrever, se olhar(...) Para mim teve um significado no sentido de visualizar, de tornar visível claro, que é possível ser feito, as experiências ricas que temos na secretaria da saúde, que eu não tinha noção de muitos trabalhos que estavam sendo desenvolvidos(...) o que eu aprendi foi isso,foi ver o potencial que temos na secretaria e o que é possível ser feito, quando se tem espaço(...) e a importância de criar estes espaços de visualização, discussão e visualização do que esta sendo feito, no sentido de estar motivando as pessoas viabilizando este espaço. A equipe de desenvolvimento tem como um dos instrumentos e/ou meio de trabalho, proporcionar estes espaços de dar visibilidade de produção da escrita, das experiências, das trocas. Os trabalhadores na mostra, eles saíram super motivadas(,,.) (Adriana).

No campo da saúde do trabalhador, o relato de Jane trata da mobilização que

foi necessária na estruturação do serviço, de como a dinâmica de organização do

trabalho exigiu uma construção coletiva de acordo com as escutas das demandas

características deste serviço. A interdisciplinaridade pressupõe a articulação com

disciplinas que atuam em outros serviços. A base de um programa de formação vem

da partilha de conhecimentos, no estudo de situações de práticas e da maneira

como esses assistentes sociais, que vivenciam experiências de educação

permanente, sinalizam que a reflexão sobre as situações postas no trabalho se dão

de forma coletiva e a partir de aspectos intersetoriais.

156

(...) quando eu fui trabalhar na saúde do trabalhador, era um momento em que estavam querendo remontar a saúde do trabalhador, que tinha só três ou quatro funcionários, ai começou o serviço social, terapia ocupacional, aos poucos começaram a chamar outras disciplinas, e a gente daí começou também a construir. Nós ouvíamos as escutas muito individualmente, de um sofrimento que era muito coletivo nessa área, e também a gente buscava referencial, buscava experiências, não tinha muito, é uma área que infelizmente briga muito, tem um viés com muitas outras áreas, desde a previdência, enfim, a parte ambiental, muitas outras áreas que precisam trabalhar junto pra existir a saúde do trabalhador. Jane (...)teve um símbolo de uma pessoa que tinha vários lutos não elaborados, e que a gente trabalhou junto até naquele momento no grupo, a gente se coloca no lugar do outro, mas ao mesmo tempo fortalece o instrumental do serviço social, fortalecimento do grupo. A partir da hora que ela foi conseguindo se fortalecer, e nós também como um grupo, como uma intervenção multidisciplinar, ela acaba dando um pouco a volta por cima. A gente via a pessoa se transformando, tendo vontade de mudar o visual, querendo que o natal chegasse. Foi um exemplo muito marcante. Beatriz

Enfim, é através da aprendizagem nas relações com os outros, incluindo os

usuários, que os Assistentes Sociais contróem os conhecimentos que permitem o

desenvolvimento intelectual e mental. No momento em que escutam a idéia do outro

e refletem sobre o que foi dito, eles tem a oportunidade de ratificar os saberes e o

modo de agir, bem como a maneira de colocá-los em prática, a serviço da população

usuária.

5.5 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA: A PROBLEMATIZAÇÃO

Ao analisarmos as narrativas, percebe-se o quanto os Assistentes Sociais

estão inseridos em situações de aprendizagem no trabalho. Entretanto, a intenção

aqui não é descrever aquilo que os assistentes sociais aprendem nesses contextos,

mas, sim, interessa revelar a capacidade que os profissionais possuem de utilizar o

que aprendem. “Podemos conhecer, ter consciência, sem reutilizar forçosamente o

saber. Uma coisa é dominar o conteúdo, outra coisa é servir-se dele” (GIORDAN,

2007, p.15). Para que haja a aprendizagem significativa, é indispensável que os

profissionais se predisponham a aprender significativamente, aspecto esse

observado nas narrativas.

Os assistentes sociais não se limitam a preencher os requisitos da tarefa - há

uma reflexão sobre os propósitos, e as estratégias e o foco da ação são

direcionados e, preferencialmente, integrados, confrontando-se crítica e

criativamente com as situações de trabalho, com as problemáticas do cotidiano, com

157

as expressões da questão social que se manifestam. Procuram, com isso, contribuir,

ainda que de forma modesta, com a criação de condições de transformação da

organização do trabalho, potencializando as intervenções profissionais para o

aprofundamento da democracia e do direito à saúde, como o destacado na

experiência de Júlia.

É esse trabalho que a gente está montando, que é o trabalho de atenção aos pacientes acamados Essa demanda bate no serviço. A gente primeiro, não tinha como atender e nós fomos construindo algumas formas de atender, e agora estamos em um momento de avaliação, pois a forma como nós estamos atendendo não estão respondendo com a potencialidade que poderia dar pra esse usuário. E ai a gente teve que reunir pessoas de formação diferentes, assistentes sociais, enfermeiros, médicos, e problematizar esse atendimento, no seguinte sentindo, porque é uma coisa bastante modesta o que a gente está tentando. Mas se a gente não tiver capacidade de compreender e de dar uma atenção de qualidade pra esse usuário, não teria sentido a gente levar adiante o serviço. Ele tem que ser uma combinação com aquilo que foi demandado por ele, e aquilo que é possível de estender o serviço, não só naquilo que ele ta projetado pra fornecer, mas para além daquilo que está se propondo, buscando ampliar, porque ele tem potencial pra isso, mas é um potencial que parece que tá adormecido, porque ai tu começa a fazer o ralo, o feijão com arroz e ta tudo bem, ninguém da essa contra partida, tem gente muito capaz que está ai assinando ponto, sabe? É uma coisa bem descomprometida, sem ser chamado, sem ser estimulado para fazer isso. (Julia).

A aprendizagem é significativa porque atribui um sentido ao trabalho, a um

serviço prestado, que ao ser problematizado questiona e avalia o processo, caso

contrário, qual o sentido, o significado, a intenção do serviço? Esse questionamento

é um ponto de partida para a reflexão crítica dos processos de trabalho, e,

fundamentalmente, base para a instauração de sistemas formativos a partir das

experiências vivenciadas no trabalho.

É presente nas narrativas das experiências de educação permanente a

função crítica do questionamento pertinente ao modo de fazer. É a reflexão na ação

que proporciona ao profissional questionar a estrutura assumida e repensar o modo

de intervir. É como revisitar o pensamento que o levou a agir de determinada forma,

e, nesse processo, poder pensar em novas estratégias de ação. Pensar de forma

coletiva, construindo junto àqueles que são beneficiados com o serviço prestado,

razão do fazer profissional: os usuários.

Agora tu falou e me caiu isso assim, a gente está fazendo um processo de acolhimento e tem uma equipe de escuta, então são duas pessoas de categorias diferentes que acolhem todos os que chegam no posto individualmente. E a idéia que a gente tem, isso não começou agora

158

começou ano passado, a gente lá ta em processo constante de construção, de formação. O espaço continua, mas como a gente ta fazendo? E para que serve esse espaço? São discussões constantes na equipe. E agora me clareou quando tu falaste nisso, que aquele espaço é de educação permanente, porque a gente constrói com o usuário o que ele quer pra saúde dele. Ele vai marcar uma consulta com o médico, mas a gente estaá aqui pode conversar com ele, pode ver outras alternativas, e a gente na escuta constrói com ele, e eu tenho feito isso. E agora a gente fez uma discussão na equipe, que a gente tem que construir com o usuário. Então eu acho que isso da EP eu não tenho duvida, que a gente ta sempre refletindo com o usuário. (Carla).

Outro aspecto observado é de que a problematização ocorre através da inter-

setorialidade. O trabalho na saúde pressupõe a articulação da rede de serviços que

atendem a uma determinada família, por exemplo, e a resolutividade desse

atendimento está relacionada à capacidade dos diferentes profissionais e/ou

instituições buscarem coletivamente a melhor maneira de atender a demanda. Há

um compromisso e uma preocupação com os resultados, e não somente com os

meios de trabalho. A riqueza da experiência e o desafio materializam o significado

dessa aprendizagem relatada por Verônica.

Tem uma coisa dentro da organização do trabalho, que é a intervenção intersetorial. A semana passada a gente viveu uma situação muito interessante lá na floresta que foi a discussão de um caso que era atendido por vários locais, serviços diferentes, e ai cada um fazendo sua prática, e chegou um momento em que a gente teve que pensar e reorganizar com as pessoas, e foi o que a gente fez. a gente reuniu os serviços discutiu profundamente os casos, e foi riquíssimo assim,a construção de discussão, porque tem o olhar de cada profissional, a forma como cada um estava entendendo as questões que envolviam aquela família. É muito significativo, desafiador. A gente vê as limitações! (Verônica).

É no processo de problematização da organização do trabalho que é possível

dar-se conta do quanto é dinâmico o trabalho coletivo, do quanto é preciso estar

atento aos movimentos da realidade institucional. Captar o movimento dos grupos de

trabalho instituídos nos espaços organizacionais é permitir mudanças no processo

de trabalho, é adquirir novas aprendizagens que contribuirão para o

aperfeiçoamento do fazer profissional, no exemplo de Flávia, na prática da

coordenação de equipes, da gestão da saúde.

A gente criou um grupo de trabalho, composto por chefes de equipes e todos aqueles que tem função gartificada e que não formalmente são chefes, mas que representam uma liderança dentro da equipe. Então hoje nós temos um grupo de 44 pessoas que se reúnem, já ta fechando um ano, se reúne uma vez por mês. E esse grupo ele discute temas, no 1º momento a coordenação elegeu-nos 1os encontros quais os temas, porque eram temas que o grupo de coordenação identificava como problemáticos no seu

159

dia-a-dia de trabalho, então a reunião de chefia semanal tratava muito mais questões administrativas, e pelo tempo tu não conseguia discutir os temas. Então foi muito interessante, a gente montou um desenho, ele tinha um cenário que a gente imaginou quanto coordenação, construir, mas no meio do caminho ele foi se modificando. E ai tem um caráter importante para mim do processo permanente da formação e da educação, que é tu poder captar isso que vai modificando, e o quanto isso é iluminador pra que a mudança também no processo de trabalho ocorra desde que esteja atento a isso que está acontecendo. Então esse grupo de educação permanente, eu poderia chamar assim, ele sempre tem servido para gente ter uma aprendizagem, conhecer melhor algumas técnicas. (Flávia).

A aprendizagem tem profundidade quando existe a intenção de entender o

significado daquilo que está sendo estudado ou da demanda analisada, o que leva a

relacionar o conteúdo com aprendizagens anteriores, pessoais, o que, por sua vez,

leva a avaliar o que vai sendo realizado e a perseverar até conseguir um grau

aceitável de compreensão sobre o assunto. Em outras, palavras a teoria e a prática

são confrontadas no cotidiano profissional, assim como são questionados os

saberes adquiridos durante o processo de formação inicial.

Eu estava pensando em uma experiência que pudesse confrontar a educação formal que a gente tem, com o dia-a-dia no posto, porque assim que eu fiz a faculdade em seguida fiz o mestrado e subestimei a academia, e em um determinado momento pensei: puxa não é isso, isso não é o suficiente. E eu percebi em um caso que eu atendi que estava relacionado coma política previdenciária, e eu não sabia. Ai peguei o telefone, liguei para C.(uma colega), expliquei a situação. A C. falou com o residente que fez o estágio dentro do INSS, em um outro espaço de formação, que tinha uma informação concreta, uma orientação nova. E eu pensei, a gente tem uma capacitação formal aqui, e eu aprendi foi lá com o atendimento ao usuário, com outra pessoa que fez o estágio na prática no INSS. Então eu fiquei pensando assim, até que ponto as nossas educações continuadas formais, não nos levam a discussões, que não refletem necessariamente no que o trabalho exige, é poder ver a teoria viva, né? (Leandro).

Mesmo não sendo fácil definir o conhecimento profissional, há de se ter

clareza de que “tem uma dimensão teórica, mas não é só teórico; tem uma

dimensão prática, mas que não é apenas prático; tem uma dimensão experiencial,

mas que não é unicamente produto da experiência” (NÓVOA, 2002, p.27). É nesse

sentido que os assistentes sociais desta pesquisa encontram-se perante um

conjunto de saberes, de habilidades e de atitudes que mobilizam em uma

determinada ação educativa e de intervenção nos seus processos de trabalho.

Quando se trata da relação teoria e prática, há uma compreensão, no grupo, de que

são movimentos interligados, questionáveis e, sobretudo, de intervenção,

principalmente em se tratando de uma profissão eminentemente interventiva, como a

160

de Assistentes Sociais, não se fazendo presente a percepção da dicotomia entre a

teoria e a prática.

(...) se tu pegar qualquer situação, de violência sexual, por exemplo, tu vai lá faz uma capacitação, como que tu aborda, enfim, mas na hora da prática, aquilo vai te ajudar, vai por em prática. (Verônica). Eu acho que trazer a realidade do dia-a-dia, aquela coisa da prática com a teoria. Os trabalhadores do próprio serviço que trazem sua própria experiência e se subsidiam de suas teorias. (Rossana). Eu acho isso muito legal, tu ver que na prática, também aparece aquilo que tu viu antes, bom aquilo que é o saber formal, mas aquilo está ali em uma forma bem diferente. (Leandro).

Constata-se que a produção de saberes, que advém de uma experiência no

trabalho, se dá, também, a partir da pertinência de um saber enunciado, que ao ser

utilizado pelo profissional como instrumento de trabalho atinge um propósito, uma

intenção - é a materialização da teoria e a prática - em prol da resolutividade de um

serviço. No relato de uma assistente social, pode-se observar que desatar os nós do

processo de trabalho em que se esta inserido é um ato de coragem por parte do

profissional e da equipe. Ao vivenciar essas situações, há um retorno não somente

em termos de aprendizagem para o profissional, como a alteração da organização

do trabalho, mas, também, para os usuários demandantes do serviço. Os usuários

na oportunidade de participarem da reflexão sobre a própria demanda ou situação

que precisa ser solucionada, também vivenciam um processo educativo,

evidenciando-se assim a dimensão sócio-educativa, pois a resposta para a

superação da demanda requer o envolvimento da equipe de saúde e a mobilização

e a mudança de hábitos da própria comunidade.

Quando a gente tem coragem de poder na vivência que tem, trazer aquilo que é o nó do processo de trabalho, eu penso que volta em termos de aprendizagem. Eu lembro aqui de uma Cooperativa,.. a gente tem o programa da dengue aonde tem alguns agentes, que são da Cooperativa que trabalham com os moradores. A população quer que “desratize” porque tem muito rato na vila... a gente tecnicamente sabe que isso não funciona, tu não vai desratizar botando veneno pra rato, né? Tu vai desratizar se tu trabalha num processo de educação sócio ambiental, aonde há outra mudança. Bom, primeiro processo de reflexão que a equipe vivenciou e que foi de educação permanente, serviu para que nós nos convencêssemos disso, o grupo que operacionaliza, depois que nós fomos convencidos nós fomos a campo pra convencer os outros, ou seja, refletir com a comunidade, e ai a gente conseguiu convencer. Então acho que é como tu diz, se tu consegue aproveitar e mudar, tu vai chegar lá diferente, e vai acabar respondendo a demanda de uma maneira mais qualificada, mesmo que ela venha desqualificada. No nosso grupo a gente sempre se pergunta qual é a real necessidade de? (Flávia) -

161

Existe nessa fala a presença da dimensão sócio-educativa explorada pelo

assistente social no trabalho comunitário, mais precisamente junto à população que

demandou a “desratização”. Para além da aplicação do veneno, há o trabalho sócio-

educativo, que pressupõe o acesso às informações, a problematização da demanda,

a compreensão da origem da situação posta, da reflexão sobre os hábitos e os

valores existentes na relação da comunidade em que vivem. Também há de se

reconhecer que é preciso rever o modo como o trabalho está organizado e como os

trabalhadores estão implicados na busca de um resultado mais eficaz, superando a

preocupação com o meio e instrumentalizando a população, contribuindo com a

emancipação da cidadania desses sujeitos.

(...) eu acho que assim se tu pensar no processo todo vem essa questão da própria equipe, que ela é marco importantíssimo na vida de vários núcleos de serviço social, porque não interferiu diretamente só no serviço social, mas nas equipes, é uma residência multiprofissional, mas isso movimenta a equipe, a forma como trabalha, a realização de espaços pra educação continuada dentro da equipe, pra dar conta de uma demanda da própria equipe. Enfim, tu está formando profissionais, a equipe que forma, então isso é muito interessante, acho que isso é um marco que muda a forma de trabalho, muda a lógica. (Verônica).

Há por parte dos Assistentes Sociais um reconhecimento de que a

aprendizagem significativa ocorre em diferentes espaços formativos, mas nos

exemplos aqui desvelados, os espaços sócio-ocupacionais se constituem em

espaços formadores, a partir das oportunidades que têm de questionarem e

problematizarem as situações do cotidiano profissional, e as contradições existentes

na dinâmica do campo da saúde. Esses mecanismos de problematização de uma

situação de trabalho nunca são imediatos, pois passam por fases de conflito ou de

interferências. Trata- se, então, de uma questão de aproximação, de interconexão,

de ruptura, de alternância, de recuo, de mobilização, e, sobretudo, de pré-disposição

política e ética, para que ocorra uma aprendizagem significativa.

A aprendizagem, ante as experiências dos assistentes sociais, ocorre porque

a intenção desses profissionais é entender o significado da demanda, das

necessidades dos usuários e da equipe. Observa-se uma pré-disposição para

aprender significativamente, não se limitando a atender os requisitos de uma tarefa,

mas colocando em uso saberes, relacionando com aprendizagens anteriores, o que

leva-os a uma avaliação do que vai sendo realizado no processo interventivo, e a

perseverarem até conseguirem um grau aceitável de compreensão do significado da

162

demanda e de seu fazer profissional. Enfim, é através da aprendizagem nas

relações com os sujeitos que interagem no campo da atuação profissional que

construímos conhecimentos que permitem o desenvolvimento intelectual e mental.

5.6 A PRESENÇA DA DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA DO SERVIÇO SOCIAL: UMA

REFERÊNCIA IDENTITÁRIA

Pode-se observar que as experiências de Educação Permanente estão

organizadas em torno de assistentes sociais fortemente comprometidos com a

profissão. São profissionais com predisposição ética e política para aprendizagem, e

que se juntam com outros trabalhadores, com o objetivo de refletir sobre o seu

processo de trabalho, na busca de melhores resultados dos serviços na saúde. As

narrativas explicitam o quanto a presença da dimensão ético-política é pertinente à

experiência de educação permanente no campo da saúde. As argumentações

trazidas pelos sujeitos dessa pesquisa revelam um “universo de crenças, de formas

lingüísticas” que são agrupadas nesse processo de análise e interpretadas como

formas identitárias (DUBAR, 2006, p.176), uma vez que os enunciados são

respaldados pelos princípios do Projeto Ético Político do Serviço Social.

Ao refletirem sobre o projeto ético-político, os Assistentes Sociais fazem

referência a um conjunto de fatores que são levados em conta ao questionarem a

efetividade dos seus princípios. Um dos fatores diz respeito ao compromisso e à

interação com os sujeitos que demandam a intervenção do Assistente Social, se há

por parte desses profissionais uma preocupação e se esta é posta em movimento

que incide nessas relações. Há, aí, uma evidência com os resultados do processo de

trabalho e com o enraizamento do projeto ético-político nas ações cotidianas. Como

exemplo, destaca-se o relato de Júlia, que demonstra o compromisso com a

qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual na

perspectiva da competência profissional, na articulação com os outros profissionais e

trabalhadores, de acordo o código de ética profissional.

Eu penso que não tem melhor que o usuário para realmente a gente saber se o projeto é alcançado, a demanda que é trazida pelo usuário, seja ele o colega, seja ele como gestor, se a gente entende que é importante estar em constante processo de educação permanente, ou seja, a gente está encontrando os caminhos na verdade pra estar interagindo de forma mais qualificada com esse sujeito, não é possível que ele não vá se beneficiar , e

163

necessariamente ele vai ter o benefício. Então até assim na minha experiência, que eu trouxe que essa questão da integralidade ela tem a ver justamente com o nosso projeto ético-político, porque eu entendo que tem potencialidade pra que isso aconteça, acho que existem os meios pra isso e há necessidade de uma certa desacomodação por parte dos profissionais. (Júlia).

Essa reflexão de Júlia nos reporta ao entendimento de que uma identidade

profissional relativa a um grupo social que partilha um ofício comum não se esgota

numa estratégia única para todos os sujeitos (SILVA, 2003), como é o caso da

atuação dos profissionais da saúde, incluindo os assistentes sociais, sujeitos desse

estudo empírico. As estratégias dos profissionais são diferentes, pois dependem do

modo como estes se relacionam com a instituição, com os usuários, com os colegas

de equipe, com suas experiências. São articulações em ato. ”Com isso reconhece-se

aqui a identidade profissional relativa a um grupo e local singularmente reelaborada

adquirindo formas específicas, que podem ser comuns a vários sujeitos do mesmo

grupo” (SILVA, 2003, p.97). Se partirmos do entendimento que é comum entre os

trabalhadores da saúde defender o direito a saúde, o acesso, a prevenção, a

promoção, o cuidado e a integralidade, não se pode afirmar que a forma de fazer

essa defesa seja a mesma, pois há uma diferença no modo de fazer, o que pode ser

evidenciado nas falas.

Por outro lado, observou-se que a reflexão sobre o projeto ético-político do

Serviço Social é polêmico, pois suscitou um aprofundamento sobre a questão do

projeto profissional. Essas reflexões nos fazem reportar aos enunciados de Netto

(1999) sobre os projetos profissionais que são construídos por um sujeito coletivo.

Nessa construção são eleitos valores que vão legitimar socialmente a profissão,

atribuindo e delimitando objetivos e funções para o exercício profissional. Assim, um

projeto profissional prescreve “normas para o comportamento dos profissionais e

estabelecem balizas de sua relação com os usuários dos seus serviços, com outras

profissões e com as organizações e instituições, públicas e privadas” (NETTO, 1999,

p.95).

Ao analisar-se a situação discutida entre os participantes do grupo focal se

percebe o quanto é considerada importante a reflexão crítica do próprio projeto

ético-político no âmbito do trabalho, e, fundamentalmente, no processo de formação

inicial, o que é condição sine qua non ao exercício profissional. Entretanto, para

164

ratificar empiricamente esse entendimento, mesmo já tendo sido defendido pelos

órgãos da categoria (CFESS, ABPESS, entre outros) e de formação profissional,

urge apreender a percepção que os profissionais possuem sobre a consolidação do

projeto profissional. Flávia expõe seus argumentos no grupo:

(...) eu pessoalmente acho que esse não é um projeto só do serviço social. É de sociedade, se o serviço social entende como seu, que bom né? E se a gente parte desse principio então como sendo algo do serviço social, eu acho que as vivências que a gente relatou aqui, eu acho que elas se configuram sim como experiências que levaram a cada uma aqui, por meio da experiência.. eu acho que a Júlia de repente ela vem de uma área entendendo com sendo outra, daqui a pouco nessa que seria a outra, tu enxerga nem tão “outra” assim. Porque ai sim tem um projeto então, a qualidade de vida é só um projeto de quem trabalha com direitos humanos? Não! A qualidade de vida é um projeto pra quem trabalha com a sociedade. (Flávia).

O desafio desses Assistentes Sociais tem sido tornar o projeto ético-político

“um guia efetivo para o exercício profissional”, para consolidá-lo por meio de sua

implementação efetiva (IAMAMOTO, 2002, p.21). Entre as estratégias acionadas

está a Educação Permanente, que, ao permitir a formação profissional, repercute

nos resultados do processo de trabalho e, portanto, na relação com o próprio usuário

do serviço e na efetivação do projeto profissional.

Não é um projeto somente do serviço social, isso a gente tem que ter clareza, a gente está dentro de uma sociedade que a gente contribui pra ela, e acho que o nosso projeto ético político dá esse “norte” na direção da garantia de direitos, e também assim que não é isolado, a gente faz essa educação permanente crescer, mas não crescemos sozinhas! Na verdade, ele se amplia, ele se repercute em relação aos usuários. (Beatriz). Então eu pessoalmente penso, o que a gente ouviu aqui se configuram com vivências que possibilitaram processos de Educação Permanente, mas fundamentalmente processos de auto-revisão e re-direcionamento de rumo e de jeito de trabalhar, seja com a própria equipe, né? Então já é uma retro alimentação. Há o processo de trabalho de aprendizagem, mas há também o atendimento dessa demanda de uma forma mais qualificada a partir do momento que eu aprendo. (Flávia).

Essas percepções sobre a relação existente entre o projeto ético político e a

educação permanente são trazidas pelos Assistentes sociais associadas a um

projeto societário. Assim o projeto profissional é indissociável dos projetos sociais,

não é isolado, pois expressa um processo de luta contra-hegemônico, de luta contra

a violação dos direitos humanos. Fica clara a compreensão e o comprometimento

com a presença no cotidiano profissional da defesa intransigente dos direitos

165

humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo, que se materializa através do

atendimento às necessidades em saúde.

Ainda sobre a formação inicial ou acadêmica, como referido pelos assistentes

sociais, há um diferencial que está na especificidade, naquilo que se constituem

atribuições privativas dos assistentes sociais, conforme o artigo 5º da Lei nº 8.66244

(CRESS, 2000), que diz respeito à habilidade técnico-operativa que deve ser posta

em prática para incidir naquilo que é objeto de trabalho do Assistente Social, por isso

está delegado e reafirmado em estatuto a defesa intransigente dos direitos.

No próprio exemplo que tu deste tinham vários profissionais que estavam envolvidos no projeto, né? Então eu acho que é perfeito isso. Isso é dá pessoa que se implica, que se sente afetada, que se desacomoda com essas situações e vai atrás e problematiza, enfim. Mas ao assistente social isso está delegado por conta de um projeto ético político, então o assistente social já na sua formação acadêmica ele deveria estar mais habilitado. (Júlia)

De uma equipe de saúde, entretanto, fazem parte diferentes profissionais, e

muitos não contemplam em seus currículos formativos, conteúdos que os preparem

para o reconhecimento da integralidade enquanto estratégia para compreensão do

processo saúde-doença-cuidado-qualidade de vida, numa lógica que se contraponha

aos modelos privativistas na saúde, como forma de garantir o direito à saúde de todo

cidadão. Se entre os princípios que guiam o exercício profissional está o

reconhecimento da liberdade como valor ético central, que requer o reconhecimento

da autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais e de seus

direitos, mobilizar esforços para efetivação destes não é tarefa fácil.

Contudo, é defendido, de uma forma geral, que compete aos Assistentes

Sociais provocar e mobilizar diferentes saberes e profissões, pois sabe-se que o

resultado de sua ação profissional está relacionado com o trabalho coletivo. A

inserção do assistente social na esfera do trabalho “é parte de um conjunto de

especialidades que são acionadas conjuntamente para a realização dos fins das

instituições empregadoras, sejam empresas ou instituições governamentais”

(IAMAMOTO, 2001, p.64), como o que ocorre na saúde pública, espaço de atuação

dos sujeitos desta pesquisa.

44 Lei da Regulamentação da Profissão, de 7 de junho de 1993 que dispõe sobre a profissão de Assistente Social e da outras providências . Sugiro ver em Coletânea de Leis, CRESS, 2000.

166

A articulação, enquanto estratégia de intervenção para estes Assistentes

Sociais, tornou-se uma necessidade ligada mais à evolução do ofício do que uma

escolha pessoal. O trabalho em equipe é, portanto, para esses profissionais, uma

questão de competência, e pressupõe, igualmente, a convicção de que deflagrar a

interlocução entre as diferentes áreas é um valor profissional. Portanto, identifica-se

que o trabalho coletivo emerge de um saber fazê-lo consciente, estar aberto para tal,

perceber e combater resistências, paradoxos, obstáculos e impasses ligados à

interdisciplinaridade e, fundamentalmente, saber se auto-avaliar.

Eu penso assim, que o serviço social tem por excelência isso, porque como na verdade ele vai mobilizando as diferentes áreas pra poder prestar esse serviço de melhor qualidade, ele acaba sendo um provocador, ele precisa que o médico vá e não pode ser um atendimento de qualquer forma, tem que ter um diferencial, e ai ele vai problematizando, ele vai somando a partir da sua capacidade mesmo de fazer essa interlocução, porque poderia ser outro, por exemplo, gestor poderia cumprir esse papel, mas talvez o serviço social com uma área de especialidade seja a mais indicada pra fazer isso. Como profissional da saúde, o assistente social, ele tem esse potencial de fazer isso, porque ele trabalha justamente com a articulação tanto da equipe quanto dos usuários. (Júlia).

A atuação diferenciada do assistente social, abordada por Julia, ilustra uma

intervenção competente e crítica no campo da saúde, que é “tentar construir e /ou

efetivar, conjuntamente com outros trabalhadores da saúde, espaços nas unidades

que garantam a participação popular e dos funcionários” (BRAVO, 2006, p.214) na

busca pelos melhores resultados e na tomada de decisões. Assim, o código de ética

profissional contém ferramentas fundantes para o trabalho dos assistentes sociais na

saúde (BRAVO, 2006), o que proporciona a articulação e a sintonia com a rede de

serviços, das quais fazem parte aqueles que lutam pela efetivação do SUS.

(...) a gente tem esse papel que poucos outros têm ou não tem isso na sua formação, ou não tem competência mesmo. Eu acho que essa articulação quando é isso, tem um determinado caso, ou situação, qualquer problema que surgiu, que uma determinada área já não consegue responder sozinha, em geral é chamado alguém do serviço social, e ele vai não só dar uma resposta imediata que termine ali, mas eu acho que a gente consegue começar a construir, e isso vai fazendo uma redezinha ali, um redezinha aqui, quando a gente vê..(Jane).

A interlocução sobre ensino e gestão da saúde entre os mundos vividos – o

acadêmico e o profissional – é desafio posto aos profissionais da saúde. Os novos

modos de pensar e de organizar o trabalho exige novos tipos de saberes, como:

trabalho coletivo, pensar a organização como um todo e agir estrategicamente

167

(CANÁRIO, 2003). Ao considerarem as situações de trabalho e os problemas reais

com que se defrontam, os assistentes sociais que participaram desse processo

investigativo procuram, através da articulação, um modo de agir coletivo e, então,

vivenciam situações formativas interdisciplinares.

A efetivação do projeto ético-político é uma interrogação que provoca uma

inquietação, o que é necessário para instaurar processos formativos que partam das

reflexões críticas do processo de trabalho profissional. É dessa maneira que ocorre o

posicionamento a favor da eqüidade e da justiça social, que implica a universalidade

no acesso a bens e serviços. Entretanto, esse posicionamento pressupõe uma

confrontação cotidiana com a realidade, para que se possa discernir aquilo que

deveria ser daquilo que foi possível de ser realizado. Pode-se perceber que a

reflexão sobre a dimensão ético-política permite aos Assistentes sociais reconhecer

obstáculos e possibilidades de sua real efetivação, num exercício de questionar

aquilo que está prescrito no seu estatuto profissional e, mais do que isso, pensar

estratégias para o enfrentamento das múltiplas expressões da questão social que

chegam aos serviços da saúde. Como exemplo, a situação de violência doméstica

citada por Silvia:

no dia a dia, entra a questão dos obstáculos que a gente encontra, eu acho que acaba ficando mais difícil da gente chegar lá, no discurso acho que é muito legal, mas no dia a dia se tu for ver, será que a gente está vendo aquele usuário como um cidadão? Será que eu estou conseguindo trabalhar pelos direitos dessa criança? Enfim as pessoas que trabalham nessa linha, acho que a gente faz um trabalho muito pequeno diante da complexidade que é essa situação. Então quando tu pergunta será que com a educação permanente a gente faz chegar (...) eu acho que tem tudo pra isso quando tu busca fazer o trabalho ciente dos princípios, é com esse intuito, daquilo que tu acredita, mas as vezes eu fico meio em duvida se no cotidiano mesmo tu consegue estabelecer isso, eu tenho dúvida(...) Nas experiências das oficinas no hospital, penso que com algumas famílias a gente conseguiu sim,(...) a gente sempre tem algum retorno deles, com certeza a intervenção, o objetivo principal de cessar o ciclo de violência sim, conseguimos, com outras não, é um processo. (Silvia).

As inquietações pertinentes, tanto no registro da identidade profissional

marcada pelo projeto ético-político, quanto no domínio das situações profissionais,

mobilizam o pensamento em torno daquilo que pode ou deve ser feito no

desenvolvimento do processo do trabalho. Colocam em questionamento os meios de

trabalho e, mais do que isso, o próprio resultado do processo desencadeado. A

dúvida é intrínseca ao espírito crítico investigativo desses profissionais. Portanto,

168

pode-se dizer que a presença da dimensão ético-política é referência identitária no

Serviço social, e que se constitui num diferencial na formação desses profissionais.

A reflexão ética é crítica porque está comprometida com princípios e valores

preconizados por um projeto profissional e, por isso, faz sentido para esses

assistentes sociais a própria dúvida, os questionamentos sobre seu modo de pensar

e agir. A reflexão ética não pode perder seu compromisso com valores, caso

contrário ela deixa de ter sentido, ”se não apreender a fundação desses valores na

realidade, não cumpre seu papel teórico; se abrir mão da crítica, deixa de se

constituir numa reflexão ética para se tornar uma doutrina” (BARROCO, 2003, p.56-

57).

Entretanto, para a consolidação de um código de ética não há uma “fórmula

pronta” (BRAVO, 2006), pois a construção de projetos democráticos exige esforços e

mobilizações coletivas, e os enunciados dos sujeitos dessa pesquisa apontam que

cabe aos assistentes sociais a tarefa de articular os diferentes saberes que

compartilham do fazer “frente ao projeto neoliberal” (BRAVO, 2006, p.214).

5.7 O DESENHO DE UMA CONCEPÇÃO: UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA

Eis uma construção coletiva, o desenho da concepção de Educação

Permanente no Serviço Social. Isso foi possível a partir das reflexões realizadas

pelos Assistentes Sociais que, ao narrarem suas experiências vivenciadas nos seus

processos de trabalho na saúde, revelaram-se como apreendentes que assumem

um papel ativo na sua formação, da qual resultam aprendizagens estruturantes e

significativas na vida desses profissionais. Assim, a concepção existente entre os

sujeitos dessa investigação sobre Educação Permanente não foi construída no final

do processo grupal de investigação, mas foi ponto de partida desse processo

reflexivo e, porque não dizer, educativo.

A concepção aqui desenhada tem sua origem na vivência, na prática

profissional, no dia-a-dia, no confronto com a realidade sócio-histórica em que os

sujeitos dessa pesquisa estão inseridos. Portanto, são esses Assistentes Sociais

que aprendem é que podem enunciar o significado daquilo que vivenciam em seus

processos de trabalho, ou seja, as experiências de Educação Permanente e a

169

concepção que possuem sobre a mesma. Pode-se dizer que o aprender, para esses

profissionais, é uma metamorfose, pois os modos de pensar habituais tornam-se

outros quando aprendem com as situações vivenciadas coletivamente no campo da

saúde. A compreensão de um novo saber é resultado de uma transformação,

inclusive do modo de produzir sentido e significado ao próprio trabalho.

A concepção que acompanha as experiências de Educação Permanente

desses Assistentes Sociais estão fincadas em princípios éticos-políticos, que

direcionam a construção de uma sociedade com justiça social e cidadania

emancipatória. Entretanto, há uma predisposição para tal construção. Para ocorrer a

educação permanente, o sujeito deve estar impregnado por valores éticos e estar

consciente da dimensão política que a sua função exerce sobre as mudanças na

sociedade e de uma consciência crítica de sujeitos dotados de desejo, de

conhecimentos e de criatividade, além de serem capazes de uma reflexão sobre

seus atos. Na seqüência, destacam-se alguns dos fragmentos das narrativas dos

assistentes sociais que compõem a compreensão da concepção que os mesmos

possuem sobre Educação Permanente.

O que eu acho interessante, que eu não sei se eu vou saber dizer, mas assim: a educação quando eu penso naquele sentido assim do Paulo Freire, ninguém educa mesmo ninguém, tem algum processo de aprendizagem que a gente mesmo que vai se abrindo pra ela, e é nesse sentido que eu estava querendo construir esse conceito. No sentido dessa disposição para aprendizagem, para troca, para transformação, e para questão também, quando a gente pensa no usuário, na relação de trabalho da gente, que tem a ver com a emancipação, o que tu está buscando. É isso, cada pessoa, seja o grupo social, comunidade inteira, enfim, no que for possível e naquilo ela conquiste a sua emancipação, que não tem uma relação de poder, que principalmente nós na saúde, eu acho que no teu caso mais ainda, a gente ainda na saúde sabe principalmente que algumas categorias profissionais têm ainda alguma relação de poder, parece que aquela criatura lá chega super desprovida de qualquer capacidade. Eu penso que é isso. (Jane). Eu tava pensando antes (...)que é exatamente uma autoconstrução, e isso sim é um pouco a educação permanente, a gente está se construindo o tempo todo, que está construindo alguma coisa lá com o nosso usuário, com o nosso colega. Quando tu falou (refere-se a Flávia.) isso, a gente esta vendo lá no posto. Está chegando uma demanda e a gente não consegue responder. Existe aí a necessidade de uma sensibilidade e isso, algumas pessoas tem outras não. Essa sensibilidade da gente se deixar tocar, na hora que eu vejo, na pessoa que eu estou atendendo, um pouco de mim, não tem como a gente não se modificar junto, e não buscar construir junto, a nossa ação é muito mais micro política do que na macro, eu acho que muitas vezes a gente consegue dar um impacto maior, eu acho que isso está crescendo, mas a gente desde a micro ação, a gente tem um retorno, tem um crescimento, tem algo que a gente contribui como também em situações maiores, como no exemplo que a Flávia deu, eu acho que é isso

170

assim, um trabalho que começou pequeno e daqui a pouco virou modelo para todo Brasil. Essa construção (Beatriz) (todos falam). Eu lembrei de uma figura agora que dá pra fazer uma comparação, então a natação, ela é uma modalidade esportiva que conforme o nado, se a gente pensar no crow, faz parte da técnica do crow a puxada de ar, então quanto mais tu aprimora tua técnica o ar, mais longe tu vai e com mais estilo, com mais habilidade tu vai desenvolvendo. A educação permanente pra mim é uma técnica de puxada de ar, que tu sabe o caminho que tu quer chegar, é uma técnica, não só um método, de busca de conhecimento. (Flávia). Eu tava pensando assim, criar um conceito, eu acho que educação permanente é um processo realmente contínuo, ele é diário, minuto a minuto, é naquela relação da tua subjetividade com a subjetividade do sujeito o qual tu está interagindo, e com toda subjetividade em que tu está inserida. Porque eu acho que é isso que faz a diferença, que vai te impulsionando a buscar, a te reciclar, a te rever, eu acho que até essa forma são esses movimentos que faz tu te tornar um profissional melhor, é o que está dentro e o que ta fora. (Verônica.). (...) para mim educação permanente está no dia-a-dia, aquela que tu faz no dia a dia tu nem percebe que está fazendo às vezes, que não vem da palestra, não vem da aula, vem do trabalho mesmo. (Leandro). (...) mas para mim não é individual, é em grupo, no dia a dia é uma coisa mais organizada, tem o núcleo, tem a instância. (Rossana). (...) estou no campo de trabalho, me deparo com uma situação, me deparo com uma limitação minha e vou buscar aprender sobre aquilo ali. Eu não vou esperar, eu vou discutir com o colega, buscar no livro. (Jane). (...) nem é só de buscar o colega, eu acho que eu na hora do atendimento, tu pensa em tentar pra tal caminho e ai tu vê que aquilo funcionou, é ali na hora. (Sofia). (...) quando tu estás lá atendendo uma pessoa e a partir disso tu realiza o atendimento, tu repensou o atendimento, tu já está fazendo esse processo, tu escutou e olhou pra ele profundamente e mudou, isso é educação permanente. (Verônica).

É um desafio! (Referiu-se Leandro ao encerrarmos o Grupo Focal).

As narrativas dos assistentes sociais explicitam o quanto o dia a dia, aqui

compreendido como aquele vivenciado no espaço de trabalho (Rossana, Leandro,

Verônica) é transformado em experiências coletivas (Jane, Sofia, Beatriz) e essas

em saberes, que reestruturam suas aprendizagens. Há também um reconhecimento

da sensibilidade e disposição que o profissional deverá possuir para que possa

existir a troca, a aprendizagem, a transformação, principalmente ao considerarmos

as necessidades dos usuários no que diz respeito à emancipação da cidadania dos

mesmos, entre outras conquistas.

171

Assim, a compreensão de educação permanente que possuem esses

assistentes sociais, além de expressar a dinâmica pertinente ao processo, trás o

reconhecimento que os contextos de atuação profissional são espaços de

aprendizagens significativas, pois produzem impactos no desenvolvimento

profissional não somente no nível instrumental como, também, nos domínios

cognitivos e emocionais. Percebe-se o componente da responsabilidade com a

própria formação, como algo de valor, de ética, de iniciativa que o profissional deve

possuir ao se deparar com seus próprios limites, no que diz respeito a intervenção

profissional.

A concepção, construída pelos assistentes sociais, assim como a

concretização do processo de trabalho, em que esses profissionais estão inseridos ,

possuem um caráter eminentemente dinâmico e histórico, permitindo-nos pensar o

Serviço Social como uma profissão que se transforma ao transformar as condições

em que se dá o seu engendramento (MARTINELLI, 2004). Existe um sentido e uma

direcionalidade da ação profissional (MARTINELLI, 2004), assim como, existe o

mesmo com relação a educação permanente uma vez que o desenho aqui proposto

tem como pressuposto um projeto ético-político e uma prática profissional que

“devem pulsar com o tempo e com o movimento” (MARTINELLI, 2004, p.2).

Na tentativa de associarmos a concepção de educação permanente

(OSÒRIO, 2003) referida na primeira parte desta tese, em que se discorre sobre os

aspectos históricos e conceituais, procura-se, aqui, sistematizar as principais

nuances conceituais tratadas pelos Assistentes Sociais ao manifestarem o

significado e/ou a concepção que possuem de educação permanente.

172

Educação Permanente Algumas de suas conseqüências no Serviço Social

1. Designa um projeto 1. Consolidação do Projeto Ético Político do Serviço Social

2. Coletivo/ em relação/um processo 2. Promove a interdisciplinaridade; a interlocução com os usuários; a intersetorialidade; a integralidade

3. Ponto de partida: o processo de trabalho 3. Presença da dimensão formativa nos processos de trabalho/ transescolar

4. Pressupõe um sujeito desejante. 4. Postura crítica sobre seus atos dispositivo para aprendizagem. Presença da dimensão ético-política.

5. Reflexão 5. Criação de novos sistemas cognitivos, Pensar em e sob a ação.

6. Problematização da demanda 6. Leitura crítica permanente do significado da demanda; possibilita compreensão e o comprometimento com o serviço prestado junto ao usuário; ênfase no resultado como valor de uso social.

7. Auto-construção e auto-conhecimento. 7. Instaura iniciativas profissionais; se dar conta dos limites e das possibilidades de superação nas dimensões técnico-operativas e teórico-metodológicas.

8. Os processos educativos que seguem ao largo da vida do Assistente Social, qualquer que seja sua forma, devem ser considerados como um todo.

8. Vinculação de todos os processos educativos entre si. Processo educativo inicia-se na formação

Quadro 4: Concepção de Educação Permanente no Serviço Social: uma construção coletiva.

A educação permanente, para esses profissionais, se constitui numa

estratégia de formação profissional, a partir da possibilidade de se construir e de se

transformar no e o mundo do trabalho em um movimento dinâmico, mediado por

valores éticos e políticos. Foi a partir dessa dinâmica que os enunciados aqui

destacados permitiram dar visibilidade à concepção que os Assistentes sociais

atribuem à Educação Permanente.

Entretanto, o significado que essas experiências de educação permanente

proporcionam, são desvendados nas narrativas que se sucederam durante a

realização do grupo focal e para além de um conceito, pode-se analisar o como

173

vivenciam experiências de Educação Permanente em seus processos de trabalho. A

sitematização dessas experiências, com uma forte presença de uma dimensão

formativa no Serviço Social, remetem à publicização de um jeito, de um modo, de

processos de trabalho que tem permitido aos assistentes sociais que atuam na

saúde, anunciar que é possível superar e enfrentar as contradições pertinentes ao

mundo do trabalho e materializar o Projeto Ético Político do Serviço Social.

174

6 CONCLUSÃO

Educação Permanente: uma dimensão formativa no Serviço Social. Assim

inicia-se o percurso investigativo e intitula-se a tese que ora se conclui. Não há como

negar a existência de uma convicção por parte da pesquisadora de que a reflexão

crítica sobre os processos de trabalho dos assistentes sociais permite a aquisição de

saberes, sendo o trabalho considerado um lócus privilegiado de formação. Ao longo

dessa tese, evidencia-se uma forte ligação entre a educação e o trabalho, a partir

dos fundamentos do materialismo histórico de Marx e pela dimensão da contradição

e da dialética presente nessa categoria.

No atual quadro político-econômico brasileiro, não se pode negar a ênfase

atribuída à importância da educação e da formação, no entanto não se pode negar,

também, que esta se inscreve numa lógica de caráter econômico marcada pelos

ideários neoliberais. O discurso mundial de aprendizagem, ao longo da vida, tem

como eixo estruturante a idéia de que a formação profissional é fundamental para

inserção no mercado de trabalho, o que deixa explícito a visão redutora e

funcionalista da educação. Assim, a educação tem sido tratada como um mero

instrumento à serviço de interesses econômicos vigentes, como uma vantagem

competitiva individual na aquisição de emprego, ou, ainda, parafraseando Charlot

(2004), é em termos de acesso ao mundo do trabalho que a educação é pensada

hoje.

Esta concepção reducionista de educação trata a formação como um

dispositivo que possibilita o conhecimento para uma posição social que assegure o

acesso ao mercado de trabalho e, conseqüentemente o valor de troca, não garante

o sucesso neste mercado, do mesmo modo que se encontra desprovida do valor de

uso (SILVA, 2007). Também, pensando em termos de valor de troca - a formação e

toda certificação por um emprego e uma posição, um trabalho por um salário –

formação e trabalho caracterizam-se como objetos que circulam no mercado de

consumo silenciando e ocultando a criatividade e a autoria dos trabalhadores,

sujeitos implicados na produção de sentidos e significados que atribuem ao seu

trabalho profissional.

175

No entanto, a educação, nessa tese, é entendida como um processo

permanente e difuso em toda a vida social e, portanto, possui um papel central a

desempenhar, como por exemplo, no âmbito da pesquisa para construção de “uma

saída” coletiva, no desenvolvimento de valores que se contraponham as conhecidas

formas de competição e de lucro, na reinvenção de “novas formas de articular o

aprender, o viver e o trabalhar” (CANÁRIO, 2003, p.4).

A preocupação, nessa trajetória investigativa, de aproximar os contextos de

formação ao mundo do trabalho não foi pensada a partir do entendimento da

adaptabilidade, mas tratou-se de uma aproximação crítica preocupada com os

processos de educação nos coletivos de trabalho. Processos estes, que são

capazes de movimentos instituintes que incidem na organização e nos processos de

trabalho, mas que, fundamentalmente, consolidem projetos societários que

vislumbrem uma sociedade democrática e com justiça social.

As experiências vivenciadas ao se percorrer as trilhas da pesquisa, foram

oportunidades de descobertas daquilo que estava oculto e que somente nesse

diálogo experimental, construído através da interação dos sujeitos e do objeto de

investigação, foi possível dar visibilidade as experiências de educação permanente

vivenciadas pelos assistentes sociais que atuam no campo da saúde. O trabalho

científico realizado foi um trabalho persistente, que exigiu dedicação, compreensão e

aquisição de diferentes saberes que subsidiaram as reflexões teóricas do processo

investigativo.

Quando na oportunidade de estágio de Doutorado no Instituto de Psicologia e

Ciências da Educação na Universidade do Porto, mais especificamente, no

Programa Doutoral das Ciências da Educação, viveu-se aquilo que se chama de

imersão. Pôde-se apreender daquela experiência formativa, que o marco histórico na

vida de um profissional é desenhado por questionamentos objetivos e subjetivos, por

problematizações da realidade, por leituras, por construção e desconstrução de

saberes, por parcerias, por saudades, por perdas e ganhos, por paixão pelo ofício

escolhido, e por tudo isso o momento vivido, tornou-se um divisor de águas na

trajetória dessa pesquisadora.

176

Dito isto, faz-se necessário referir que ao proceder à revisão bibliográfica

sobre as concepções de formação, processo de trabalho e educação permanente,

teve-se acesso a diferentes produções teóricas, incluindo a de alguns autores até

então desconhecidos pela pesquisadora, como, por exemplo, Canário (2003),

Correia (2003), Santos (2003), Schwartz (2003), Malglavie (1995), Tardif (2002)

entre outros, que tratam da interlocução da temática educação e trabalho, da

produção dos saberes, da prática profissional e das experiências de aprendizagem

no trabalho. Buscou-se, nesses autores, fundamentos tanto da teoria da sociologia

quanto da educação, que permitiram fazer a articulação com o Serviço Social e com

a temática trazida sobre a educação permanente dos assistentes sociais, em

especial os que atuam no campo da saúde, por ser este o recorte empírico nessa

investigação. Nesta revisão literária pode-se apreender que a educação como uma

área específica do conhecimento, possui grande abrangência e relevância de temas,

concepções e valores que acabam representando uma referência contemporânea,

quase obrigatória, para muitos campos do saber, principalmente quando tratamos

dos processos formativos, no caso o dos Assistentes Sociais.

Durante a construção dos pressupostos teóricos, encontrou-se a consistência

científica que veio subsidiar as reflexões deste estudo. Ao discorrer sobre a dinâmica

dos processos de trabalho dos assistentes sociais da saúde, foi possível perceber o

quanto é profícuo tratar sobre a educação permanente como uma dimensão

formativa. As situações de trabalho podem contribuir com o aprimoramento

profissional, que vai sendo construído a partir das respostas encontradas para o

atendimento das demandas que emergem nos espaços de trabalho.

Assim sendo, a educação permanente não é algo sui generis do campo da

saúde, por se tratar de processos de aprendizagem, que resultam da combinação de

diferentes situações e modalidades de formação. Entretanto, cabe salientar que a

questão central dessa investigação, que procura desvendar como os assistentes

sociais vêm vivenciando experiências de educação permanente nos seus processos

de trabalho, foi uma descoberta apreendida através das narrativas desses

profissionais que atuam no campo da saúde, e que essas conclusões dão conta da

elaboração de uma síntese daquilo que consideramos mais pertinente entre os

achados da pesquisa.

177

A primeira questão que essa investigação se propunha a responder era sobre

a maneira como os assistentes sociais vivenciam processos de formação

profissional para atender as exigências postas pela questão social. A questão social

e suas múltiplas expressões provocam inúmeras indagações, tornando-se

necessário o preparo intelectual, instruindo-nos para saber pensar as contradições

da sociedade, para tratar de pensar não somente os problemas da humanidade,

mas de pensar novas maneiras de enfrentar os desafios postos no cotidiano dos

trabalhadores sociais. Faz-se necessário repensar a organização dos processos de

trabalho na saúde para que se possa responder às necessidades sociais trazidas

pelos usuários. Os serviços de saúde, recorte empírico desta pesquisa, e os

profissionais em atuação, recebem uma demanda caracterizada por uma população,

que vivencia diversas expressões da questão social que se manifestam através das

situações e necessidades de saúde das crianças, dos adolescentes, da juventude,

das mulheres, dos idosos, dos moradores em situação de rua, das pessoas com

deficiências, com doenças do trabalho, com dependência química, com transtornos

mentais, enfim, cidadãos com sede, com fome, com falta de afeto e todos aqueles

não citados aqui, com direitos a serem garantidos.

Reconhecendo a complexidade e as contradições inerentes a este cenário, é

que se pôde perceber a partir das experiências narradas pelos assistentes sociais,

que para a apreensão das diferentes expressões da questão social e o atendimento

das necessidades sociais, ocorre a problematização sobre a situação posta, se

escuta e se olha para a realidade sócio-histórica, propõe-se a discussão sobre as

demandas que requerem a intervenção técnico-operativa, a troca de saberes por

meio do diálogo com a interdisciplinaridade, com a intersetorialidade e se tem a

presença de uma dimensão política no fazer profissional.

Há o entendimento, entre os assistentes sociais, de que o aprimoramento

profissional se dá através da aprendizagem significativa, que possibilita a mudança

no seu modo de atuação profissional e na própria organização do trabalho em que

estão inseridos. Como exemplo, destaca-se o reconhecimento do grupo quanto ao

hábito e/ou à habilidade existente, ou, em algumas situações, a ser desenvolvida, de

registrar o perfil da demanda dos serviços, o que instiga e subsidia o estudo do que

178

é cotidianamente vivido para além das percepções inéditas, desafiando o pensar

sobre a realidade em que o profissional está inserido.

Não se nega e nem se exclui da compreensão dos processos formativos,

aqueles nos espaços escolares, que se dão na formação inicial ou continuada,

através de cursos e ou atividades de aprimoramento profissional. Entretanto, é

destacado pelos assistentes sociais, a importância dessas atividades formativas

estarem atendendo as demandas trazidas à profissão, sobretudo aquelas

expressões da questão social vivenciadas e experimentadas pelos usuários dos

serviços de saúde em que atuam. Assim, o conhecimento atualizado através de

cursos de pós-graduação, de palestras e de seminários em que participaram os

sujeitos dessa pesquisa, constituem-se em dispositivos para a modificação dos

processos de trabalho, das condições e das relações de trabalho entre os

profissionais.

A materialização da educação permanente parte de questionamentos que

surgem no cotidiano do trabalho, na relação com o próprio usuário e com o desejo

de saber. Desejo esse que tem a ver com as mudanças, com o novo, com a

resolutividade e com o comprometimento para consolidação do SUS. Um projeto de

formação não é constituído por uma coleção de cursos e de palestras (NÓVOA,

2007), tampouco pelo acúmulo de técnicas apreendidas. A bagagem essencial

desses assistentes sociais é resultado das experiências e da reflexividade crítica

sobre estas e, fundamentalmente, de (re) construção de uma identidade pessoal e

profissional.

Quanto à segunda questão proposta, que refere-se aos obstáculos,

dificuldades e, fundamentalmente, às possibilidades de vivenciarem experiências de

educação permanente, foi possível apreender um conjunto de situações vividas

pelos assistentes sociais que expressam uma forma peculiar de superação e de

enfrentamento das dificuldades, tornando aquilo que é impossível em possível.

Sem dúvida, as condições e as relações de trabalho em que se inserem os

assistentes sociais articulam um conjunto de mediações que atravessam e

interferem na operacionalização da ação e, conseqüentemente, nos resultados

projetados. No entanto, há um reconhecimento do contexto em que estão inseridos,

179

suas contradições, seus impactos e suas possibilidades. É essa compreensão que

torna-se um dispositivo para identificar o que é possível produzir em termos de

respostas, de saberes e de conhecimentos no trabalho.

Nas narrativas, os assistentes sociais apontam dificuldades, tais como: as

estruturas organizacionais rígidas, as disputas e a fragmentação de saberes, os

limites da formação profissional, a acomodação e a falta de compromisso por parte

de alguns trabalhadores da saúde com a causa pública, a desarticulação das

equipes e os interesses políticos da gestão, entre outros. Entretanto, a consciência

crítica reflexiva, pertinente a esses assistentes sociais, tem permitido a construção

de estratégias para superação de obstáculos. Reconhece-se que tais dificuldades

fazem parte de uma realidade sócio-histórica, das relações de poder e saber das

dinâmicas organizacionais, das contradições, mas tal reconhecimento, por si só, não

se torna uma justificativa e um impedimento para deflagarem mudanças, ainda que

sejam tímidas e na micro-atuação,

Assim, a dimensão ético-política é referência para o vir-a-ser, pois além da

função critica e vigilante que impede a reprodução de componentes alienantes na

prática profissional desses assistentes sociais, põe em movimento a socialização, os

coletivos de trabalho, a consciência crítica e a liberdade para projetar as mudanças

nos espaços sócio-ocupacionais. Desta forma, é preciso visualizar as brechas

pertinentes as dinâmicas organizacionais e, então, estrategicamente cruzar as

mesmas, na busca da efetivação de melhores resultados.

Outra possibilidade analisada refere-se à tarefa assumida por esses

assistentes sociais de criarem um clima propício à partilha dos saberes e de reflexão

sobre situações complexas e contraditórias do trabalho, pois reconhecem ter as

competências necessárias para a articulação. Observa-se a importância da

utilização dos saberes teórico-metológicos do Serviço Social e a sua aplicablidade,

pois a dimensão técnico-operativa não é algo somente de domínio desses

assistentes sociais, mas é posta em uso, demonstrando a capacidade de utilizarem

o que aprendem nos processos de formação inicial e nos próprios contextos de

trabalho.

180

O que dá sentido à educação permanente vivenciada por esses assistentes

sociais é o diálogo provocado entre os profissionais de uma equipe, a análise

rigorosa dos seus processos de trabalho, das intervenções e a procura coletiva de

melhores formas de agir através da interlocução dos saberes. Isso faz crer que é no

exercício profissional que os Assistentes Sociais vêm rompendo com o trabalho

fragmentado, predominando a visão generalista, que valoriza a especifidade da

profissão, tão necessária para atuação no campo da saúde.

A interdisciplinaridade é algo que acontece a partir da cooperação de várias

disciplinas para reflexão e análise de uma situação de trabalho, da interação e do

intercâmbio entre os diferentes profissionais, que resulta não só no enriquecimento

formativo dos trabalhadores da saúde, como no atendimento das necessidades de

saúde e do usuário, por isso valorizada e praticada por esses assistentes sociais.

Outra questão diz respeito ao significado atribuído pelos assistentes sociais à

necessidade de educação permanente e à concepção da mesma. As experiências

de educação permanente, vivenciadas no campo da saúde, estão fincadas em

princípios éticos-políticos que consolidam um projeto profissional, mas, também,

uma política social de caráter universal, como o SUS brasileiro. Nas narrativas dos

assistentes sociais, os significados atribuídos aos processos de educação

permanente não são discursivos, mas são atos, são vividos, são situações de

experimentação. Pode-se concluir que há uma predisposição política e ética entre os

assistentes sociais, que permite aos mesmos vivenciarem experiências coletivas,

sendo capazes de apreenderem o sentido dos “saberes produzidos do e no trabalho”

(VENDRAMINI, 2006, p.123) e pô-los em uso a serviço das demandas postas na

saúde.

Contudo, a concepção desenhada coletivamente sobre educação permanente

só foi possível porque as experiências relatadas haviam sido vivenciadas pelos

profissionais e, portanto, não apenas constituíram em materiais para o investigador,

como, também, foram “produções de sujeitos que se constroem falando de si”

(DUBAR, 2006, p.192). Nesse sentido, das narrativas dos assistentes socais nos

grupos focais, pôde-se apreender algumas pautas normativas para sua

operacionalização e que merecem destaque, tais como: designar um projeto

societário, é uma formação que ocorre fora do sistema educativo superando o

181

período de escolaridade, pressupõe a compreensão das diferentes dimensões da

vida humana e do desenvolvimento integral da pessoa, incluindo as dimensões

teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas pertinentes ao exercício

da profissão de assistente social.

O fato de reconhecermos nesse estudo a interlocução da educação e do

trabalho, bem como a relação que os sujeitos estabelecem com seus saberes, nos

permite repensar que a legitimação profissional se dá, também, a partir dos saberes

construidos pelos assistentes sociais nos seus processos de trabalho. Pode-se dizer

que a relação que o assistente social estabelece com o saber passa pela sua

trajetória de vida, pela forma como o utiliza e a que interesses está atendendo.

Como trabalhadores, os assistentes sociais, inscritos na divisão sócio-técnica

do trabalho, precisam repensar a formação profissional, considerando a

possibilidade de traçar dois caminhos: de um lado está a legitimação social do saber

do trabalhador, considerando-se que está em jogo uma disputa política e

epistemológica, um embate cotidiano e de divergências. Nesse espaço de disputa o

trabalhador precisa buscar vias de legitimação do seu conhecimento e colocá-los em

uso, desencadeando processos coletivos de reflexão e intervenção. O outro caminho

diz respeito às subjetividades, à singularidade, aos desejos do profissional, para que

os assistentes sociais saiam da posição de delegar a verdade sempre àqueles que

detém o conhecimento científico ou a tecnologia, como se não fossem capazes de

produzirem conhecimentos; ou ainda, para que consigam superar obstáculos

pertencentes às contradições de uma sociedade capitalista, saindo da esfera da

queixa e da imobilização. É preciso optar pela reflexão crítica sobre os seus

processos de trabalho, deflagrar processos de educação permanente, construir

alternativas e descobrir brechas, comprometendo-se de forma autônoma e

responsável com a consolidação do projeto ético-político.

Ademais, é fundamental supor que para ocorrer a educação permanente há

que se ter coragem de tempos em tempos, “fazer uma faxina na cabeça”, revisar

conteúdos, crenças, idéias, procedimentos, metodologias, resultados, enfim,

reconstruir saberes. Acredita-se que para repensar a formação profissional, deve-se

levar em conta os saberes dos assistentes sociais e as realidades específicas, bem

como as particularidades de seu trabalho cotidiano, o que poderá permitir uma nova

182

articulação e equilíbrio entre os conhecimentos produzidos pelas universidades e os

saberes desenvolvidos pelos trabalhadores em suas práticas cotidianas.

Outra questão conclusiva, refere-se à importância de revisitar as diretrizes

curriculares do Serviço Social e, da mesma forma, refletir sobre os conteúdos

trabalhados nos espaços acadêmicos, pois os ideários da educação permanente

devem ser postos em debate nos diversos espaços formativos dos assistentes

sociais permitindo a interlocução do ensino, da gestão e do controle social, sendo

esse último representado pelos usuários do sistema de saúde. Também, é

importante deixar registrado que a educação permanente ao ser assumida como

uma dimensão formativa no Serviço Social, poderá incidir na qualidade da formação

e do exercício profissional, uma vez que surgem em diferentes regiões do território

nacional, novos cursos formadores de Assistentes Sociais, incluindo os de ensino à

distância, porém muitos deles puramente mercantis, sem qualquer mecanismo de

controle dos governos e/ou órgãos fiscalizadores da categoria. Há então uma

emergente necessidade de priorizar conteúdos que contribuam na construção do

conhecimento, de saberes críticos, enfim de investigação da realidade, para que a

formação dos trabalhadores sociais não seja uma mera preparação para atender as

exigências do mercado de trabalho, mas que possa refletir criticamente sobre as

possibilidades e limites de consolidação do projeto ético-político profissional.

A tese defendida nesta pesquisa é de que a educação permanente, sendo a

reflexão crítica sobre o processo de trabalho, se constitui em uma dimensão

formativa vivenciada nas situações de trabalho dos assistentes sociais, que se dá

através da problematização coletiva das demandas que se apresentam, do desejo

político e ético-profissional, portanto, uma estratégia de formação profissional e de

possibilidade de mudança e superação das práticas organizacionais, para

consolidação de um projeto ético-político comprometido com a defesa intransigente

dos direitos humanos, da justiça, da democracia e da emancipação da cidadania.

Para terminar, por tudo que foi possível analisar, conhecer, crescer,

amadurecer nas trilhas percorridas, tem-se a convicção de que o grande desafio dos

assistentes sociais está na possibilidade de construção de uma sociedade em que a

dimensão ético-política seja o pilar que nos permita, permanentemente,

“aprendermos a ser”. Este “aprender a ser” pressupõe consciência crítica, reflexão

183

sobre os nossos atos, clareza da escolha e importância da profissão de assistente

social, principalmente na conjuntura econômica, social e política da atualidade.

Assim sendo, sustentados por essa compreensão que os assistentes sociais, que

fizeram parte desta investigação, nos presenteiam com suas experiências, com suas

utopias, com suas persistências, suas coragens, suas histórias, com seus

comprometimentos, com narrativas que nos mostram o como é possível e quem

sabe, por meio de processos de educação permanente possa-se cada vez mais

aprender a ser ASSISTENTE SOCIAL.!

REFERÊNCIAS

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APÊNDICES

194

APÊNDICE A

Estudo Exploratório

Proposta de Questionário de Entrevista com Assistente Social

Caro (a) Colega Assistente Social

Este questionário é parte integrante da Pesquisa de Doutorado da

Assistente Social Rosa Maria Castilhos Fernandes vinculada ao Pós-Graduação

em Serviço Social da PUCRS tendo como orientadora a Profª Drª Jussara Mª Rosa

Mendes, e tem como objetivo analisar como os Assistentes Sociais da área da

saúde vêm desenvolvendo processos de educação permanente no seu processo

de trabalho.

Nossa intenção é convidá-lo a fazer parte deste estudo exploratório, pois

as informações que forneceres servirão como subsídios para o conhecimento deste

processo de aprendizagem no trabalho dos assistentes sociais (e para a formação

posterior de um grupo focal) Para isto será fundamental o preenchimento das

questões deste questionário e o encaminhamento do mesmo até final de ( a definir)

de 2007.Porém antes de dar início à suas elaborações considere por favor o Termo

de consentimento.

Termo de Consentimento

A pesquisadora considerará que as respostas a esta estratégia de pesquisa

indicarão que os pesquisadores estarão consentindo na utilização dos dados aqui

obtidos, incluindo a divulgação dos mesmos e a preservação da identidade

individual. Ao dar prosseguimento a esta navegação estou autorizando a

pesquisadora Rosa Maria Castilhos Fernandes sob orientação da Drª Jussara Mª

Rosa Mendes a dar continuidade a sua pesquisa que tem como objetivo analisar

como os Assistentes Sociais da área da saúde vêm desenvolvendo processos de

educação permanente no seu processo de trabalho.

195

Questionário de Entrevista com Assistente Social

1) Identifique-se:

Nome:

E-mail:

1.1) Sobre o espaço sócio-ocupacional na área da saúde:

Hospital

Unidade Básica de Saúde

Hospital em Saúde Comunitária

Pronto Atendimento

Vigilância

Gestão

Saúde do Trabalhador

Outros Especifique:

2) Sobre a trajetória de Formação Profissional e Educação Continuada :

2.1) Graduação em Serviço Social:

Instituição de Ensino:

Ano de formatura:

196

2.2) Curso de Pós-Graduação Especialização (se mais de uma considere apenas aquela com relação a sua atuação atual):

Mestrado Local: Ano de Conclusão:

Doutorado Local: Ano de Conclusão:

Outros Especificar: 2.3) Assinale as atividades que participastes no período referente a 2000 até a data do preenchimento deste questionário

Cursos Palestras

Seminários Oficinas

Congressos Outros Especifique:

Na sua opinião você considera que as atividades que participaste contribuíram para o seu aprimoramento profissional e para atender as exigências postas pelo trabalho? Comente a respeito. Se desejar cite um exemplo.

197

3) Sobre o processo de trabalho indique as atividades realizadas conforme a prescrição abaixo. Marque a alternativa.

Atividades Sim Não Às

Vezes

Elabora planos, programas e projetos. Viabiliza a participação dos usuários na instituição.

Participa de reuniões interdisciplinares( de equipe técnica) sistematicamente.

Oportuniza a criação de espaços compartilhados de discussão sobre situações de trabalho entre profissionais de diferentes áreas.

Realiza pesquisas que subsidiem as ações profissionais Socializa conhecimentos adquiridos junto aos seus colegas.

Investe no aprimoramento profissional no espaço de trabalho, a partir dos problemas referentes à qualidade e eqüidade dos serviços.

Elabora indicadores de avaliação de seu trabalho.

Participa de reuniões de conselhos e ou atividades. Realiza supervisão de estágio profissional em Serviço Social. Encontra dificuldades para criação de espaços para a discussão da organização e processo de trabalho.

Considera que durante a prática profissional ocorre aquisição de conhecimentos e habilidades para além daquelas apreendidas na formação acadêmica.

Os Cursos e/ou capacitações promovidas pela instituição (local de trabalho) atendem as necessidades demandadas pelo serviço. Considera que no seu cotidiano profissional tens a oportunidade de fortalecer seus conhecimentos e construir novos.

O compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional é um dos princípios do nosso Código de Ética e a pesquisa se constituí em um importante instrumento do cumprimento deste, portanto obrigada por ter dedicado seu tempo a esta produção de conhecimento! Rosa.

198

APÊNDICE B

CONVITE

Novos modos de conceber e praticar a formação, revelam o potencial formativo das situações de trabalho. Destacam a pluralidade de situações educativas que o ambiente de trabalho proporciona sugerindo uma unidade de tempo e de lugar entre a formação e o exercício do trabalho (Malglavie, 1995).

È com base neste argumento teórico que estou desenvolvendo minha pesquisa de Doutorado para analisar como os Assistentes Sociais que atuam na área da saúde do município de POA vêm desenvolvendo processos de educação permanente nos seus processos de trabalho? Observo que alguns profissionais vêm vivenciando aprendizagens significativas no exercício da profissão. Por isso, gostaria muito de contar com sua participação na realização de um Grupo Focal sobre Educação Permanente. Onde: Rua Jacinto Gomes 480, apto.32. Bairro Santana (ônibus São Manoel com parada na Ramiro Barcelos em frente à faculdade de Psicologia da UFRGS, rua paralela à Jacinto). Quando: dia 3 de agosto de 2007(6ª feira). Horário: das 14:30 às 16:30 (pode chegar antes, pois o grupo inicia as 14:30). Caso você necessite de comprovante para apresentar no trabalho estará a sua disposição no local, assim como o termo de consentimento da pesquisa. Conto com a sua participação e obrigada mais uma vez !

Até,

Rosa Maria Castilhos Fernandes. Assistente Social pesquisadora.

Obs.: Por favor confirme sua presença, caso não possa comparecer é só contatar por este e-mail [email protected] ou fone 84449781.

199

APÊNDICE C

Termo de Consentimento:

Grupo Focal

Eu, ____________________________ , RG nº _________________, abaixo assinado, declaro que, de livre e espontânea vontade e de forma gratuita, aceito participar da pesquisa, realizada por Rosa Maria Castilhos Fernandes, orientada pela Profa. Dra.Jussara Maria Rosa Mendes, autorizando o uso do conteúdo das informações dadas para que seja utilizado parcial ou integralmente, sem restrições de prazos e citações, a partir da presente data, bem como das fotografias tiradas, filmagem e gravação da entrevista, que têm como objetivo a documentação, análise e avaliação da pesquisa. Fui informado(a) dos objetivos da pesquisa que consiste em analisar como os assistentes Sociais da área da saúde vêm desenvolvendo processos de Educação Permanente, tendo como benefícios, dentre outros, contribuir com a inserção da educação permanente na dimensão formativa da profissão, incidindo assim na qualificação dos profissionais. Os grupos focais serão gravados e transcritos pela pesquisadora retirando quaisquer informações identificatórias. O grupo focal terá a duração aproximada de 2 horas e eu poderei interromper a qualquer momento, não sendo obrigado a responder qualquer pergunta que julgar inconveniente. Estou plenamente ciente de minha participação nesse estudo e sobre a preservação do meu anonimato. Fico ciente, ainda, sobre a minha responsabilidade em comunicar a pesquisadora qualquer alteração pertinente a esse estudo, podendo dele sair a qualquer momento, sem acarretar prejuízos no meu atendimento na instituição da qual participo. Os dados coletados poderão ser utilizados para publicação de artigos, apresentação em seminários e similares. Declaro, outrossim, que este Termo foi lido e recebi uma cópia. Abdicando direitos autorais meus e de meus descendentes, firmo o presente documento. Quaisquer dúvidas em relação à pesquisa, podem ser esclarecidas pelas pesquisadoras pelo fone 33.20.35.39 (Pós Graduação em Serviço Social PUCRS) ou pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS pelo fone 33.20.33.45. Porto Alegre, __ de ___________ de 2007. Entrevistado(a): Pesquisador (a) Doutoranda: Rosa Maria Castilhos Fernandes /51-84449781. Orientadora: Profª Drª Jussara Maria Rosa Mendes.