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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
Educação patrimonial: potencialidades da leitura de imagens visuais de
patrimônios culturais em livros didáticos de história
João Batista Gonçalves Bueno*
Maria de Fátima Guimarães**
As imagens visuais impressas nos livros didáticos de história do ensino
fundamental podem ser utilizadas para promover uma educação estética dos sentidos, ao
possibilitar que o professor estimule a formação de memórias visuais em seus alunos,
contribuindo, também, para a fruição e o entendimento e contextualização das
informações que se relacionam aos bens culturais originais – suas características
formais, dimensões, materiais utilizados, técnica, autoria, período, localização atual.
A partir da visualização das imagens visuais impressas de determinados
patrimônios culturais e da leitura dos textos dos livros didáticos de história, os alunos
podem ser estimulados a compreenderem que estas imagens são representações de
patrimônios que expressaram determinados gostos, valores e tradições da sociedade que
os produziu. Além disso, eles podem ser estimulados a analisar que a escolha e a
identificação de determinados objetos como patrimônios culturaisi em detrimento de
outros, relaciona-se com uma dada concepção de patrimônio cultural, vigente na época
de produção deste material didático. Ainda, que tal escolha implicou em um processo de
seleção que ao optar por alguns bens excluiu outros. Logo, é importante explicar-lhes
que a escolha de tais imagens visuais é fruto de embates e conflitos, matizados por
relações de poder, além do que tais imagens produzem uma dada memória iconográfica
(LE GOFF, 1990; MENESES, 1992), é como se instaurassem um “lugar de memória”
(NORA, 1993). Também é importante explicar-lhes que no processo de impressão nem
sempre as imagens disponíveis para a publicação estão à disposição dos editores, quer
por uma questão de direito autoral ou pelo alto custo cobrado para a liberação de sua
circulação impressa. As imagens visuais nos permitem fruições estéticas e dialógicas.
Os alunos podem trabalhar com estas questões desde que eles sejam estimulados nesta
direção. Assim, entendemos também que tais imagens podem contribuir para ampliar as
formas de recepção de informação relativas às experiências territoriais, além de
possibilitar o reconhecimento das marcas deixadas pelos ambientes naturais, ou ainda, a
partir delas é possível desenvolver atividades relacionadas ao entendimento de ações de
diferentes comunidades no passado.
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No Brasil, temos iniciativas relativas às ações educativas voltadas às políticas de
preservação de bens culturais desde a década de 60. De acordo com CUNHA, já “ [...]
em 1962, Rodrigo Melo Franco de Andrade, diretor do Serviço de Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (SPHAN), defendia a promoção de ações educativas que
garantissem a preservação do patrimônio cultural brasileiro.” (2011, p.9). Mas, foi
sobretudo a partir do final da década de 1980, que o poder público impulsionado pelas
discussões e expansão do conceito de cultura, ampliou sua concepção e percepção do
que é patrimônio cultural. Tal ampliação resultou no entendimento dado ao termo na
Constituição de 1988, em seu artigo 216, no qual definiu-se que os patrimônios culturais
são:
[...] os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I- as formas de expressão; II- os modos de criar, fazer e viver; III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V- os conjuntos urbanos de sítios e valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
A par de tais considerações, relativizamos a postura que defende que os
processos de aprendizagem destinadas aos patrimônios culturais ocorrem apenas nos
momentos que os indivíduos têm experiências “diretas” com os objetos patrimoniais,
minimizando as potencialidades educativas das imagens visuais impressas nos livros
didáticos de história. Para MATOZZI (2008), o contato visual de uma imagem impressa
limitaria a compreensão dos alunos em relação às experiências e aos usos dos bens
culturais. Ele defende que a educação patrimonial deve necessariamente obedecer as
seguintes condições:
A primeira condição é que as experiências de aprendizagem se desenvolvam com a utilização dos bens culturais originais: monumentos, arquiteturas, fontes de arquivo, peças de museus, sítios arqueológicos, quadros autênticos, etc. A segunda condição é que sejam objetos de observação e de uso para produzir informações. A terceira condição é que esses sejam colocados em relação com o contexto e com a instituição de tutela. A quarta condição que se promova a tomada de consciência de que são a minúscula parte de um conjunto muito mais amplo que permite o conhecimento do
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passado e do mundo, o prazer de conhecer, a fruição estética (MATOZZI, 2008, p.2).
Concordamos com MATOZZI quando afirma que: o contato com os bens
originais proporciona uma experiência ímpar, a qual possibilita ao indivíduo entender
as informações que recebe sobre tais bens, assim como compreender e contextualizar os
atributos culturais relativos à origem destes bens, ou ainda, que esta experiência ímpar
possibilita o entendimento de como o patrimônio é tutelado por uma determinada
instituição. No entanto, acreditamos que a tomada de consciência patrimonial não
ocorre somente neste contexto, ela pode ter início em atividades didáticas que
antecedem o contato do aluno com o objeto patrimonial. Através de imagens visuais os
alunos podem ser introduzidos aos conceitos que envolvem a produção de um bem
patrimonial, assim como, podem coletar e analisar outras informações em diferentes
fontes e suportes, e que necessariamente não são acessíveis no contato direto com tais
bens. Os textos didáticos (escritos e iconográficos) podem, dessa forma, ampliar o
entendimento dos alunos quando estes tiverem em contato direto com o objeto
patrimonial. Acreditamos que a educação patrimonial compreende todos estes
processos, e, ainda, que ela envolve diferentes saberes históricos que antecedem as
experiências de fruição estética de um bem cultural. Portanto, os professores podem
utilizar os livros didáticos de história no sentido de contribuir para que o alunos
adquiram esses conhecimentos prévios relativos ao território patrimonial, ou então,
sobre quais são os problemas relacionados à gestão dos bens culturais, visando ampliar-
lhes o repertório de experiências de fruição estética e de informações que podem
contribuir para elas.
É consenso entre os historiadores que os livros também são bens culturais que
trazem marcas de sua produção, apresentam valor cognitivo e são instrumentos de
informação. As práticas de leitura de imagens visuais e de textos escritos nos livros
didáticos, assumiram na escola a partir do século XIX, formas que indicavam leituras
extensivas e leituras intensivas (CHARTIER, 1998). Tais leituras praticadas nas escolas
permitiram que os alunos pudessem ler os livros de acordo com o próprio ritmo e
interesse de cada um, repetir a leitura ou rever conceitos, conferir, ou então, relembrar
as matérias trabalhadas pelo professor. Ainda, observou-se que as iconografias dos
livros didáticos de história, na maioria das vezes, foram utilizadas de forma
comprobatória, isto é, para reafirmar as idéias defendidas pelo texto escrito, ou como
forma de atrair o olhar do aluno. No Brasil, a grande maioria dos livros didáticos de
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história, desde o século XIX até a década de 1980, trazia imagens visuais impressas de
bens culturais ou fizeram referência textual a estes. Neles foram privilegiados imagens
de bens arquitetônicos, de objetos de arte, de habitações, de paisagens, de atividades
produtivas, de atividades religiosas e de retratos de personagens que se destacaram na
política ou na religião etc.
Permanências e transformações no conceito de patrimônio cultural
Trazemos a seguir um breve levantamento das permanências e transformações
relativas ao conceito de patrimônio cultural presentes em alguns livros didáticos de
história, procurando entender como este conceito foi incorporado por eles, desde a
década de 1970, no Brasil. Posto que, temos por objetivo demonstrar que existem
diferentes alternativas de atividades didáticas destinadas à educação patrimonial que
podem nortear-se pela manipulação de materiais didáticos produzidos em épocas
distintas.
FIGURA 1 - Páginas 96 e 97 do livro da Coleção Sérgio Buarque de Holanda. História da Civilização. Curso Moderno. Vol.2. São Paulo: Companhia Editora Nacional - 1975. (dimensão de cada página: 19 X 26 cm, imagem reduzida).
Na Coleção Sérgio Buarque de Holanda, editada a partir do ano de 1971,
podemos visualizar e analisar como este autor apresentou os bens culturais. No livro
intitulado História do Brasil - Da independência aos nossos dias. Área de estudos
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sociais, publicado em São Paulo pela Companhia Editora Nacional em 1972, (FIGURA
1); percebemos que as imagens valorizam uma dada concepção e percepção de
patrimônio cultural, entendendo-o como objetos pertencentes à cultura erudita derivada
de raízes européias. Neste caso, os livros didáticos desta Coleção apresentavam as
reproduções de obras de arte consagradas, de fotografias e de bens arquitetônicos
considerados de valor histórico.
Já na Coleção de Gilberto Cotrim, editada em 1996, que apresenta o título:
História Consciência do Brasil 1 – Livro do Professor, publicada em São Paulo pela
Editora Saraiva, 1996 (Figura 2), percebemos que permanece a mesma concepção e
percepção do que seja patrimônio cultural.
FIGURA 2 - Imagem das páginas 19. Imagens de obras de arte do livro de Gilberto Cotrim, História Consciência do Brasil 1, publicado em São Paulo, pela Editora Saraiva, em 1996. (dimensão de cada página 21 X 28 cm, imagem reduzida).
O objetivo desses materiais didáticos era simples: apresentar uma narração,
permeada de textos escritos e imagens visuais, valorizando os fatos históricos ou os
movimentos artísticos a partir de uma sequência de acontecimentos simbólicos. Estas
imagens selecionadas eram impressas de forma que os alunos compreendessem que
existia uma evolução dos objetos culturais e artísticos, valorizando, como afirmamos
anteriormente, apenas os objetos que representavam a cultura erudita, sobretudo com
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raízes européias. Outra forma de utilização das imagens visuais pode ser percebida pela
criação de sequências narrativas, que são selecionadas de maneira a construir uma
história política e oficial da nação. Os textos didáticos, neste caso, são fundamentados
por um corpus de imagens de monumentos ou de retratos de indivíduos representando
personagens da elite ou do governo. Esperava-se com esse tipo de montagem
editorial/didática formar o cidadão pela instrução e pelo culto do Estado Nação
(POULOT, 2009), estimulando, assim a formação de uma determinada identidade
nacional e de uma educação cívica através de uma memória coletiva com forte apelo
nacionalista.
Em nosso estudo sobre as reproduções de imagens de patrimônios culturais
impressos nos livros didáticos de história, constatamos que a inserção de determinadas
imagens que aparecem constantemente nos manuais didáticos de história do Brasil,
sacralizaram deteminadas fontes iconográficas. Estas passaram a constituir o “acervo
patrimonial” que passou a ser privilegiadamente valorizado, até os dias de hoje, pela
sociedade brasileira. As imagens impressas nos livros didáticos de história que
sacralizam tal “acervo patrimonial” privilegia as representações de obras de arte
acadêmicas produzidas no final do século XIX e início do século XX, sobretudo as
pinturas ditas históricas, obras arquitetônicas de estilo barroco, eclético ou modernista, e
ainda, imagens representando as belezas naturais do Brasil. Apesar de todas as
mudanças nas formas de abordagens históricas e educacionais que ocorreram nos livros
didáticos, ao longo do século XX, as coleções de imagens iconográficas que têm sido
privilegiadas, sofreram poucas mudanças. Para SALIBA tais imagens são:
[...] canônicas [...] nos são impostas coercitivamente, daí também serem chamadas imagens coercivas. [...] Tais imagens constituem pontos de referência inconscientes, sendo, portanto, decisivas em seus efeitos subliminares de identificação coletiva. São imagens de tal forma incorporadas em nosso imaginário coletivo, que as identificamos rapidamente. (SALIBA, 1999, p.62).
O uso destas representações iconográficas nos livros didáticos pode ser
exemplificado pela constante associação das reproduções dos quadros A Primeira Missa
do Brasil (1860) de Vitor Meirelles, ou então, da Independência ou Morte (1888) de
Pedro Américo, relacionando-os aos capítulos que descrevem a chegada dos
portugueses no Brasil e a independência de Portugal. Observamos, também, os retratos
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dos Imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II, ou de personagens como Duque de
Caxias e Tiradentes, dentre outros. Além dessas imagens, destaca-se o quadro da
Proclamação da República (1893), de Benedito Calixto, marcando a passagem do
período imperial para o republicano. Em relação ao século XX, encontramos com
freqüência os retratos do Presidente Getulio Vargas e Juscelino Kubitschek, dentre
outros. Já as representações iconográficas dos diferentes estilos arquitetônicos que se
destacam são as das igrejas barrocas de Minas Gerais, da arquitetura neoclássica
Paulista ou do Rio de Janeiro, da cidade de Brasília e do Corcovado, no Rio de Janeiro.
Estas e outras representações iconográficas formam, portanto, um “acervo iconográfico
do patrimônio” que vem sendo construído desde o século XIX e que procura dar a idéia
de quais são os bens culturais que devem ser valorizados e constituir o imaginário da
nação brasileira.
Nos anos finais da década de 1980 tivemos a formulação das novas propostas
curriculares de história dos estados, sendo seguidas pelo lançamento dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs, 1998), no final da década de 1990. Tais propostas
apresentavam uma ampliação do conceito de cultura, vindas de diferentes áreas, em
particular da antropologia, sociologia e história. Esta ampliação foi ao encontro de uma
concepção de cultura que a abrange “[...] tudo aquilo produzido pela humanidade, seja
no plano concreto ou no plano imaterial [...] todo complexo de conhecimentos e toda
habilidade humana empregada socialmente [...] todo comportamento aprendido, de
modo independente da questão biológica”. (SILVA, 2010, 85). Portanto, nesta
perspectiva, toda cultura tem uma história singular e qualquer julgamento comparativo a
partir da história de outras culturas tende a ser equivocado, porque escamoteia e nega a
diversidade cultural e, muitas vezes, resvala para o determinismo geográfico ou “racial”,
legitimando preconceitos. Pontuamos, ainda que BOSI (1996 apud SILVA, 2010,
p.86), a partir da lingüística, afirma que “[...] cultura é o conjunto de práticas, de
técnicas, de símbolos e de valores que devem ser transmitidos às novas gerações para
garantir a convivência social [...] Tal definição dá à cultura um significado muito
próximo do ato de educar”. Sendo assim, estas novas propostas curriculares
possibilitaram que os livros didáticos, desde meados da década de 1990 no Brasil,
acolhessem novas abordagens referentes ao conceito de patrimônio cultural que foram
ao encontro de novas práticas educacionais. O ensino de história ganhou muito com
estas novas abordagens, pois foi a partir delas, que as instituições culturais começaram a
compreender que era necessário contemplar as diferentes culturas presentes na
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sociedade, as quais tinham sido na maior parte das vezes, excluídas até então de suas
iniciativas e políticas institucionais. Logo, entre os anos finais da década de 1980 e no
transcorrer da década de 1990, ganham maior vigor as reflexões e ações destinadas a
entender as produções culturais das minorias étnico-sociais e valorizar as contribuições
de suas manifestações para o cenário nacional.
A Coleção de livros das autoras Sílvia Panazzo e Maria Luísa Vaz, Navegando
pela História, editado em 2001 pelo Quinteto Editorial, com quatro volumes destinados
aos alunos das 5ª às 8ª séries ilustram tal ampliação da concepção de cultura no ensino
de história. Esta Coleção possibilita que o leitor utilize as imagens visuais como forma
de produção de novos conhecimentos, os quais podem se diferenciar das informações
trazidas pelos textos explicativos apresentados nos capítulos. Analisamos
privilegiadamente o capítulo 5 do livro, destinado às 5ª séries. Nele as autoras discutem
o conceito de diversidade cultural, apresentando um texto escrito na relação com várias
imagens visuais. Panazzo e Vaz trabalham este conceito no texto explicativo, definindo-
o como a forma que os seres humanos vivem e convivem entre si, a partir das suas
necessidades e dos recursos que as sociedades dispõem. O texto explicativo do livro
afirma que foi nesse processo que as pessoas foram desenvolvendo “[...] maneiras de
morar, formar famílias, de trabalhar, de se comunicar, de manifestar a religiosidade
etc.” (PANAZZO; VAZ, 2001, p. 48). A concepção de ensino de história apresentada
neste livro prioriza abordagens que se aproximam das temáticas trabalhadas pela
história social e pela história do cotidiano. As autoras problematizam as visões
tradicionais de ensino de história, que valorizavam a concepção de tempo linear e
cronológico. Apresentam atividades que procuram relacionar presente e passado e
trabalham com contextos sociais, políticos, culturais e econômicos mais amplos.
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FIGURA 3 - Imagem da página 48 do livro de Silvia Panazzo e Maria Luísa Vaz, Navegando pela História editado em 2001 pelo Quinteto Editorial, São Paulo: Quinteto editorial , 2001, (dimensão de cada página: 21 X 28 cm, imagem reduzida).
É interessante percebermos como as autoras apresentam diferentes objetos que
representam atividades culturais produzidas em tempos distintos e pertencentes à
diferentes sociedades (FIGURA 3). Observamos impressos numa mesma página a
imagem de uma cerâmica Marajoara, a imagem de um sambaqui, ambas do Brasil, a
imagem de uma mulher africana da tribo Samburu no Kênia e de um jornal russo dos
tempos da Guerra Fria, no ano de 1961. Ao identificar esses tipos de bens culturais o
professor pode trabalhar o conceito de que todas as marcas deixadas pelo homem na
natureza são documentos históricos e que, portanto, podem ser tomados como suportes
de informação do o passado. Esses objetos podem também ser entendidos como
patrimônios culturais materiais.
Já no livro de Dora Schmidt, Historiar - Fazendo, contando e narrando a
História – Livro do Professor, publicado em São Paulo, pela Editora Scipione, em 2002;
encontramos mais uma proposta de trabalho com fontes iconográficas que revelam
tendências de trabalho didático relacionados ao conceito de cultura e de bens culturais.
Schimidt utiliza modelos de instrução e roteiros de atividades para orientar o trabalho
com imagens visuais. Ela estrutura seu livro priorizando uma abordagem que valoriza a
história temática, procurando estudar as permanências e mudanças da história a partir de
grandes eixos temáticos. A autora parte da apresentação de conceitos que têm caráter
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universal e que podem apresentar diferentes interpretações no tempo e no espaço,
propondo que o professor faça as ligações temporais e conceituais através de diferentes
temas geradores. Os temas selecionados por Schimidt possibilitam, desta forma, que os
professores questionem a visão tradicional da história, propondo reflexões pelas quais
os fatos históricos não podem ser tomados como eventos “prontos e acabados”.
Esta autora sugere que o aluno responda algumas questões sobre uma série de
reproduções fotográficas. Na atividade representada nas paginas 186 e 187 (FIGURAS
4 e 5), destacam-se alguns desenhos de história em quadrinhos ou cartoon. Estes são
apresentados como documentos históricos. Este exercício insere-se dentro de um
capítulo que desenvolve reflexões sobre as seguintes temáticas “Jovens, consumo,
cotidiano e cidadania”. Neste capítulo a autora expõe uma série de textos didáticos
associados a trechos de documentos escritos e imagens visuais. Para iniciar o capítulo
Schimidt apresenta as transformações que ocorreram na indústria cultural, no século
XX, na sociedade ocidental, e em seguida, algumas características da sociedade de
consumo e da “cultura jovem”. Nas páginas que antecedem esse exercício, a autora
sugere que os alunos realizem a análise de dois textos escritos. O primeiro é um
fragmento extraído pela autora do texto de Berson Moura, Tio San chega ao Brasil: a
penetração da cultura americana (1991, p. 7-9). Neste texto Moura assevera que,
[...] a chegada visível do Tio San ao Brasil aconteceu mesmo no início dos anos 40, marcando mudanças nas formas de comportamento dos brasileiros. [...] o traço comum às mudanças que então ocorria no Brasil na maneira de ver, sentir, explicar e expressar o mundo era a marcante influência que aquelas mudanças receberam do “american way of life”.[...] Foi neste contexto que os brasileiros aprenderam a substituir as suas frutas tropicais onipresentes à mesa por uma bebida de gosto estranho e artificial chamada coca-cola. Começaram também a trocar sorvetes feitos em pequenas sorveterias por um sucedâneo industrial chamado Kibon.[...] (p.183)
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FIGURAS 4 E 5 - Imagem das páginas 186-187 do livro de Dora Schmidt, Historiar - Fazendo, contando e narrando a História – Livro do Professor, publicado em São Paulo, no ano de 2002. (21 X 28 cm, imagem reduzida).
O segundo texto selecionado por Schimidt é de autoria de Hiron Cardoso
Goidanich, ele foi extraído da “Enciclopédia dos quadrinhos” (1990), de suas páginas
9,13 e 15. Nele aparecem informações resumidas sobre a origem das revistas de história
em quadrinhos nos Estados Unidos e no Brasil, além disso, apresenta algumas
publicações do início do século XX, chegando até a citar as publicações brasileiras
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realizadas pelas novas gerações, na década de 1980. Como atividade resultante da
leitura dos dois textos, a autora propõe a análise de uma série de quadrinhos produzidos
pelo cartunista Henfil, na década de 1960. A frase abaixo é colocada estrategicamente
acima da sequência de quadros para contextualizar historicamente esta produção. “A
divulgação, no Brasil, do american way of life, nas décadas de 1950 e 1960, foi
colocada em discussão por Henfil por meio do personagem Fradim” (p.186). Abaixo dos
desenhos são sugeridas as seguintes atividades:
1- Registre seu comentário sobre a opinião que o autor expressa com relação à influência norte-americana no Brasil. 2- Procure localizar quadrinhos, charges ou caricaturas atuais que tratem do mesmo tema, para fazer uma análise comparativa. (SCHIMIDT, 2002, p. 187)
Neste exercício nota-se que Schmidt faz a identificação do tipo de documento,
situando-o no tempo e no espaço. Para compreender o significado do cartoon o aluno
necessariamente deve ler os dois textos anteriores, pois só assim, ele poderá identificar
qual era a opinião do autor dos quadrinhos sobre o american way of life. Neste caso, as
imagens serviriam como confirmação da idéia apresentada pelos textos e pelas falas dos
personagens. Na próxima questão desse exercício a autora propõe que o aluno encontre
documentos iconográficos relacionados ao mesmo tema, para compará-los com o
documento apresentado, esperando, portanto, que a partir desta atividade o aluno
estabeleça alguma relação com outros documentos. O professor, neste caso, poderia
trabalhar a idéia de acervos documentais como patrimônio cultural, expandindo o
entendimento sobre o desenvolvimento da guarda destes documentos, ou então,
trabalhando com o aluno a idéia de que estes registros têm relação com os contextos
mais amplos.
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FIGURAS 6 E 7 - Imagens das página 78 e 79 do livro de Nelson Piletti e Claudino Piletti, História &Vida Integrada. 6ª série, publicado em São Paulo, pela Editora Ática, no ano de 2002 (21 X 28 cm, imagem reduzida).
Na edição História e Vida Integrada, publicado em São Paulo, pela Editora
Ática, no ano de 2002, de autoria de Nelson Piletti e Claudino Piletti, encontramos uma
proposta de leitura de imagens visuais que trabalha explicitamente o conceito de
patrimônio cultural e sua preservação. Esta propõe que o aluno desenvolva uma
discussão através das imagens visuais. A concepção de ensino dos livros dessa coleção
prioriza uma visão de história que apresenta o tempo cronológico de forma linear,
inserindo-se numa perspectiva que parte das visões da história européia, e que procura
apresentar de forma parcial alguns aspectos das existências de outras civilizações no
mundo. Destaca-se nesta coleção o conjunto de documentos escritos e iconográficos que
são apresentados na segunda parte dos capítulos. Estes documentos possibilitam que o
professor desenvolva trabalhos em sala de aula, questionando as concepções que
valorizam a existência de uma verdade histórica. A concepção de história destes livros
privilegia temas que trabalham problemas sociais e cotidianos atuais, relacionado-os
com os fatos passados da história do Brasil e do mundo.
No exercício das páginas 78 e 79 (FIGURAS 6 e 7) são apresentadas três
imagens . A primeira faz referência às ruínas da cidade de Hirochima, destacando-se as
ruínas do edifício do Museu de Ciências e Tecnologia após a explosão da bomba
atômica em 1945. A segunda e terceira imagens representam a cidade de Hirochima
restaurada e os restos do edifício do museu que aparece na primeira foto, agora no ano
de 1998. Os autores propõem que o aluno analise “[...] as fotos e os acontecimentos aos
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quais elas se referem, discuta porque os japoneses preservam até hoje as ruínas do
antigo prédio.” (PILLETTI; PILLETTI, 2002, p.78). A partir desse tipo de atividade, os
autores propõem que os leitores do livro didático compreendam o que pode ser
considerado um bem patrimonial. Neste caso, os professores podem fomentar
discussões sobre o que é necessário preservar do passado, porque e como isso pode ser
realizado. Este tipo de exercício possibilita que os alunos aproximem-se das práticas
atuais que historiadores, antropólogos e sociólogos, abrindo a possibilidade dos
estudantes produzirem saberes que podem ser utilizados quando eles estiverem em
contato direto com outros patrimônios culturais. Além disso, o desenvolvimento de
atividades introdutórias que se relacionam à educação patrimonial podem desenvolver
comportamentos nos estudantes que favoreçam diferentes atitudes patrimoniaisii.
Algumas considerações como provocação
Esperamos com estas breves considerações ter provocado no leitor o interesse
por refletir e pesquisar sobre as potencialidades da leitura de imagens visuais de
patrimônios culturais em livros didáticos de história, compreendendo que tais imagens
ao serem privilegiadas em detrimento de outras, instauram um “recorte” do que se
estuda e valoriza como patrimônio cultural no cotidiano escolar. Nesse sentido ao
abordá-las, mesmo que sucintamente, esperamos ter contribuído para o entendimento de
que elas podem contribuir também para definição de metodologias de estudo relativas à
educação patrimonial.
___________________________
1. De acordo com IPHAN “Toda vez que as pessoas se reúnem para construir e dividir novos conhecimentos, investigam para conhecer melhor, entender e transformar a realidade que nos cerca, estamos falando de uma ação educativa. Quando fazemos tudo isso levando em conta alguma coisa que tenha relação ao com nosso patrimônio cultural, então estamos falando de Educação Patrimonial.
2. O conceito de patrimônio histórico e artístico utilizado até o início da década de 1990 restringia-se apenas a o estudo e preservação dos bens de natureza material que na maioria dos casos era apresentado de forma dissociada do ambiente original. Este obedecia a determinados critérios de seleção do que deveria ser preservado e que valorizavam determinadas “autoridades de tutela” excluindo outras culturas que faziam parte da formação da Nação (GODOY, 1985, p.75; ORIÁ, 1997, p.129; CUNHA, 2011, p. 9).
3. De acordo com Poulot: A atitude patrimonial compreende dois aspectos essenciais do passado, que é sempre transformação, metamorfose dos vestígios e dos restos, recreação anacrônica; e a relação de fundamental estranheza estabelecida, simultaneamente, por qualquer presença de testemunhas do tempo remoto na atualidade.
Referências BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
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POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no Ocidente. São Paulo: Estação Liberdade, 2009. SALIBA, Elias Thomé. As imagens canônicas e o ensino de história. In. SCHIMIDT, Maria Auxiliadora e CAINELLI, Marlene R, (orgs.). III Encontro Perspectivas do Ensino de História. Curitiba: UFPR/Aos Quatro ventos, 1999. SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2010. i O conceito de patrimônio histórico e artístico utilizado até o início da década de 1990 restringia-se apenas a o estudo e preservação dos bens de natureza material que na maioria dos casos era apresentado de forma dissociada do ambiente original. Este obedecia a determinados critérios de seleção do que deveria ser preservado e que valorizavam determinadas “autoridades de tutela” excluindo outras culturas que faziam parte da formação da Nação (GODOY, 1985, p.75; ORIÁ, 1997, p.129; CUNHA, 2011, p. 9). iiDe acordo com Poulot: A atitude patrimonial compreende dois aspectos essenciais do passado, que é
sempre transformação, metamorfose dos vestígios e dos restos, recreação anacrônica; e a relação de fundamental estranheza estabelecida, simultaneamente, por qualquer presença de testemunhas do tempo remoto na atualidade.