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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. Educação patrimonial: potencialidades da leitura de imagens visuais de patrimônios culturais em livros didáticos de história João Batista Gonçalves Bueno* Maria de Fátima Guimarães** As imagens visuais impressas nos livros didáticos de história do ensino fundamental podem ser utilizadas para promover uma educação estética dos sentidos, ao possibilitar que o professor estimule a formação de memórias visuais em seus alunos, contribuindo, também, para a fruição e o entendimento e contextualização das informações que se relacionam aos bens culturais originais – suas características formais, dimensões, materiais utilizados, técnica, autoria, período, localização atual. A partir da visualização das imagens visuais impressas de determinados patrimônios culturais e da leitura dos textos dos livros didáticos de história, os alunos podem ser estimulados a compreenderem que estas imagens são representações de patrimônios que expressaram determinados gostos, valores e tradições da sociedade que os produziu. Além disso, eles podem ser estimulados a analisar que a escolha e a identificação de determinados objetos como patrimônios culturais i em detrimento de outros, relaciona-se com uma dada concepção de patrimônio cultural, vigente na época de produção deste material didático. Ainda, que tal escolha implicou em um processo de seleção que ao optar por alguns bens excluiu outros. Logo, é importante explicar-lhes que a escolha de tais imagens visuais é fruto de embates e conflitos, matizados por relações de poder, além do que tais imagens produzem uma dada memória iconográfica (LE GOFF, 1990; MENESES, 1992), é como se instaurassem um “lugar de memória” (NORA, 1993). Também é importante explicar-lhes que no processo de impressão nem sempre as imagens disponíveis para a publicação estão à disposição dos editores, quer por uma questão de direito autoral ou pelo alto custo cobrado para a liberação de sua circulação impressa. As imagens visuais nos permitem fruições estéticas e dialógicas. Os alunos podem trabalhar com estas questões desde que eles sejam estimulados nesta direção. Assim, entendemos também que tais imagens podem contribuir para ampliar as formas de recepção de informação relativas às experiências territoriais, além de possibilitar o reconhecimento das marcas deixadas pelos ambientes naturais, ou ainda, a partir delas é possível desenvolver atividades relacionadas ao entendimento de ações de diferentes comunidades no passado.

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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

Educação patrimonial: potencialidades da leitura de imagens visuais de

patrimônios culturais em livros didáticos de história

João Batista Gonçalves Bueno*

Maria de Fátima Guimarães**

As imagens visuais impressas nos livros didáticos de história do ensino

fundamental podem ser utilizadas para promover uma educação estética dos sentidos, ao

possibilitar que o professor estimule a formação de memórias visuais em seus alunos,

contribuindo, também, para a fruição e o entendimento e contextualização das

informações que se relacionam aos bens culturais originais – suas características

formais, dimensões, materiais utilizados, técnica, autoria, período, localização atual.

A partir da visualização das imagens visuais impressas de determinados

patrimônios culturais e da leitura dos textos dos livros didáticos de história, os alunos

podem ser estimulados a compreenderem que estas imagens são representações de

patrimônios que expressaram determinados gostos, valores e tradições da sociedade que

os produziu. Além disso, eles podem ser estimulados a analisar que a escolha e a

identificação de determinados objetos como patrimônios culturaisi em detrimento de

outros, relaciona-se com uma dada concepção de patrimônio cultural, vigente na época

de produção deste material didático. Ainda, que tal escolha implicou em um processo de

seleção que ao optar por alguns bens excluiu outros. Logo, é importante explicar-lhes

que a escolha de tais imagens visuais é fruto de embates e conflitos, matizados por

relações de poder, além do que tais imagens produzem uma dada memória iconográfica

(LE GOFF, 1990; MENESES, 1992), é como se instaurassem um “lugar de memória”

(NORA, 1993). Também é importante explicar-lhes que no processo de impressão nem

sempre as imagens disponíveis para a publicação estão à disposição dos editores, quer

por uma questão de direito autoral ou pelo alto custo cobrado para a liberação de sua

circulação impressa. As imagens visuais nos permitem fruições estéticas e dialógicas.

Os alunos podem trabalhar com estas questões desde que eles sejam estimulados nesta

direção. Assim, entendemos também que tais imagens podem contribuir para ampliar as

formas de recepção de informação relativas às experiências territoriais, além de

possibilitar o reconhecimento das marcas deixadas pelos ambientes naturais, ou ainda, a

partir delas é possível desenvolver atividades relacionadas ao entendimento de ações de

diferentes comunidades no passado.

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

No Brasil, temos iniciativas relativas às ações educativas voltadas às políticas de

preservação de bens culturais desde a década de 60. De acordo com CUNHA, já “ [...]

em 1962, Rodrigo Melo Franco de Andrade, diretor do Serviço de Patrimônio Histórico

e Artístico Nacional (SPHAN), defendia a promoção de ações educativas que

garantissem a preservação do patrimônio cultural brasileiro.” (2011, p.9). Mas, foi

sobretudo a partir do final da década de 1980, que o poder público impulsionado pelas

discussões e expansão do conceito de cultura, ampliou sua concepção e percepção do

que é patrimônio cultural. Tal ampliação resultou no entendimento dado ao termo na

Constituição de 1988, em seu artigo 216, no qual definiu-se que os patrimônios culturais

são:

[...] os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I- as formas de expressão; II- os modos de criar, fazer e viver; III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V- os conjuntos urbanos de sítios e valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

A par de tais considerações, relativizamos a postura que defende que os

processos de aprendizagem destinadas aos patrimônios culturais ocorrem apenas nos

momentos que os indivíduos têm experiências “diretas” com os objetos patrimoniais,

minimizando as potencialidades educativas das imagens visuais impressas nos livros

didáticos de história. Para MATOZZI (2008), o contato visual de uma imagem impressa

limitaria a compreensão dos alunos em relação às experiências e aos usos dos bens

culturais. Ele defende que a educação patrimonial deve necessariamente obedecer as

seguintes condições:

A primeira condição é que as experiências de aprendizagem se desenvolvam com a utilização dos bens culturais originais: monumentos, arquiteturas, fontes de arquivo, peças de museus, sítios arqueológicos, quadros autênticos, etc. A segunda condição é que sejam objetos de observação e de uso para produzir informações. A terceira condição é que esses sejam colocados em relação com o contexto e com a instituição de tutela. A quarta condição que se promova a tomada de consciência de que são a minúscula parte de um conjunto muito mais amplo que permite o conhecimento do

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passado e do mundo, o prazer de conhecer, a fruição estética (MATOZZI, 2008, p.2).

Concordamos com MATOZZI quando afirma que: o contato com os bens

originais proporciona uma experiência ímpar, a qual possibilita ao indivíduo entender

as informações que recebe sobre tais bens, assim como compreender e contextualizar os

atributos culturais relativos à origem destes bens, ou ainda, que esta experiência ímpar

possibilita o entendimento de como o patrimônio é tutelado por uma determinada

instituição. No entanto, acreditamos que a tomada de consciência patrimonial não

ocorre somente neste contexto, ela pode ter início em atividades didáticas que

antecedem o contato do aluno com o objeto patrimonial. Através de imagens visuais os

alunos podem ser introduzidos aos conceitos que envolvem a produção de um bem

patrimonial, assim como, podem coletar e analisar outras informações em diferentes

fontes e suportes, e que necessariamente não são acessíveis no contato direto com tais

bens. Os textos didáticos (escritos e iconográficos) podem, dessa forma, ampliar o

entendimento dos alunos quando estes tiverem em contato direto com o objeto

patrimonial. Acreditamos que a educação patrimonial compreende todos estes

processos, e, ainda, que ela envolve diferentes saberes históricos que antecedem as

experiências de fruição estética de um bem cultural. Portanto, os professores podem

utilizar os livros didáticos de história no sentido de contribuir para que o alunos

adquiram esses conhecimentos prévios relativos ao território patrimonial, ou então,

sobre quais são os problemas relacionados à gestão dos bens culturais, visando ampliar-

lhes o repertório de experiências de fruição estética e de informações que podem

contribuir para elas.

É consenso entre os historiadores que os livros também são bens culturais que

trazem marcas de sua produção, apresentam valor cognitivo e são instrumentos de

informação. As práticas de leitura de imagens visuais e de textos escritos nos livros

didáticos, assumiram na escola a partir do século XIX, formas que indicavam leituras

extensivas e leituras intensivas (CHARTIER, 1998). Tais leituras praticadas nas escolas

permitiram que os alunos pudessem ler os livros de acordo com o próprio ritmo e

interesse de cada um, repetir a leitura ou rever conceitos, conferir, ou então, relembrar

as matérias trabalhadas pelo professor. Ainda, observou-se que as iconografias dos

livros didáticos de história, na maioria das vezes, foram utilizadas de forma

comprobatória, isto é, para reafirmar as idéias defendidas pelo texto escrito, ou como

forma de atrair o olhar do aluno. No Brasil, a grande maioria dos livros didáticos de

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história, desde o século XIX até a década de 1980, trazia imagens visuais impressas de

bens culturais ou fizeram referência textual a estes. Neles foram privilegiados imagens

de bens arquitetônicos, de objetos de arte, de habitações, de paisagens, de atividades

produtivas, de atividades religiosas e de retratos de personagens que se destacaram na

política ou na religião etc.

Permanências e transformações no conceito de patrimônio cultural

Trazemos a seguir um breve levantamento das permanências e transformações

relativas ao conceito de patrimônio cultural presentes em alguns livros didáticos de

história, procurando entender como este conceito foi incorporado por eles, desde a

década de 1970, no Brasil. Posto que, temos por objetivo demonstrar que existem

diferentes alternativas de atividades didáticas destinadas à educação patrimonial que

podem nortear-se pela manipulação de materiais didáticos produzidos em épocas

distintas.

FIGURA 1 - Páginas 96 e 97 do livro da Coleção Sérgio Buarque de Holanda. História da Civilização. Curso Moderno. Vol.2. São Paulo: Companhia Editora Nacional - 1975. (dimensão de cada página: 19 X 26 cm, imagem reduzida).

Na Coleção Sérgio Buarque de Holanda, editada a partir do ano de 1971,

podemos visualizar e analisar como este autor apresentou os bens culturais. No livro

intitulado História do Brasil - Da independência aos nossos dias. Área de estudos

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sociais, publicado em São Paulo pela Companhia Editora Nacional em 1972, (FIGURA

1); percebemos que as imagens valorizam uma dada concepção e percepção de

patrimônio cultural, entendendo-o como objetos pertencentes à cultura erudita derivada

de raízes européias. Neste caso, os livros didáticos desta Coleção apresentavam as

reproduções de obras de arte consagradas, de fotografias e de bens arquitetônicos

considerados de valor histórico.

Já na Coleção de Gilberto Cotrim, editada em 1996, que apresenta o título:

História Consciência do Brasil 1 – Livro do Professor, publicada em São Paulo pela

Editora Saraiva, 1996 (Figura 2), percebemos que permanece a mesma concepção e

percepção do que seja patrimônio cultural.

FIGURA 2 - Imagem das páginas 19. Imagens de obras de arte do livro de Gilberto Cotrim, História Consciência do Brasil 1, publicado em São Paulo, pela Editora Saraiva, em 1996. (dimensão de cada página 21 X 28 cm, imagem reduzida).

O objetivo desses materiais didáticos era simples: apresentar uma narração,

permeada de textos escritos e imagens visuais, valorizando os fatos históricos ou os

movimentos artísticos a partir de uma sequência de acontecimentos simbólicos. Estas

imagens selecionadas eram impressas de forma que os alunos compreendessem que

existia uma evolução dos objetos culturais e artísticos, valorizando, como afirmamos

anteriormente, apenas os objetos que representavam a cultura erudita, sobretudo com

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raízes européias. Outra forma de utilização das imagens visuais pode ser percebida pela

criação de sequências narrativas, que são selecionadas de maneira a construir uma

história política e oficial da nação. Os textos didáticos, neste caso, são fundamentados

por um corpus de imagens de monumentos ou de retratos de indivíduos representando

personagens da elite ou do governo. Esperava-se com esse tipo de montagem

editorial/didática formar o cidadão pela instrução e pelo culto do Estado Nação

(POULOT, 2009), estimulando, assim a formação de uma determinada identidade

nacional e de uma educação cívica através de uma memória coletiva com forte apelo

nacionalista.

Em nosso estudo sobre as reproduções de imagens de patrimônios culturais

impressos nos livros didáticos de história, constatamos que a inserção de determinadas

imagens que aparecem constantemente nos manuais didáticos de história do Brasil,

sacralizaram deteminadas fontes iconográficas. Estas passaram a constituir o “acervo

patrimonial” que passou a ser privilegiadamente valorizado, até os dias de hoje, pela

sociedade brasileira. As imagens impressas nos livros didáticos de história que

sacralizam tal “acervo patrimonial” privilegia as representações de obras de arte

acadêmicas produzidas no final do século XIX e início do século XX, sobretudo as

pinturas ditas históricas, obras arquitetônicas de estilo barroco, eclético ou modernista, e

ainda, imagens representando as belezas naturais do Brasil. Apesar de todas as

mudanças nas formas de abordagens históricas e educacionais que ocorreram nos livros

didáticos, ao longo do século XX, as coleções de imagens iconográficas que têm sido

privilegiadas, sofreram poucas mudanças. Para SALIBA tais imagens são:

[...] canônicas [...] nos são impostas coercitivamente, daí também serem chamadas imagens coercivas. [...] Tais imagens constituem pontos de referência inconscientes, sendo, portanto, decisivas em seus efeitos subliminares de identificação coletiva. São imagens de tal forma incorporadas em nosso imaginário coletivo, que as identificamos rapidamente. (SALIBA, 1999, p.62).

O uso destas representações iconográficas nos livros didáticos pode ser

exemplificado pela constante associação das reproduções dos quadros A Primeira Missa

do Brasil (1860) de Vitor Meirelles, ou então, da Independência ou Morte (1888) de

Pedro Américo, relacionando-os aos capítulos que descrevem a chegada dos

portugueses no Brasil e a independência de Portugal. Observamos, também, os retratos

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

dos Imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II, ou de personagens como Duque de

Caxias e Tiradentes, dentre outros. Além dessas imagens, destaca-se o quadro da

Proclamação da República (1893), de Benedito Calixto, marcando a passagem do

período imperial para o republicano. Em relação ao século XX, encontramos com

freqüência os retratos do Presidente Getulio Vargas e Juscelino Kubitschek, dentre

outros. Já as representações iconográficas dos diferentes estilos arquitetônicos que se

destacam são as das igrejas barrocas de Minas Gerais, da arquitetura neoclássica

Paulista ou do Rio de Janeiro, da cidade de Brasília e do Corcovado, no Rio de Janeiro.

Estas e outras representações iconográficas formam, portanto, um “acervo iconográfico

do patrimônio” que vem sendo construído desde o século XIX e que procura dar a idéia

de quais são os bens culturais que devem ser valorizados e constituir o imaginário da

nação brasileira.

Nos anos finais da década de 1980 tivemos a formulação das novas propostas

curriculares de história dos estados, sendo seguidas pelo lançamento dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs, 1998), no final da década de 1990. Tais propostas

apresentavam uma ampliação do conceito de cultura, vindas de diferentes áreas, em

particular da antropologia, sociologia e história. Esta ampliação foi ao encontro de uma

concepção de cultura que a abrange “[...] tudo aquilo produzido pela humanidade, seja

no plano concreto ou no plano imaterial [...] todo complexo de conhecimentos e toda

habilidade humana empregada socialmente [...] todo comportamento aprendido, de

modo independente da questão biológica”. (SILVA, 2010, 85). Portanto, nesta

perspectiva, toda cultura tem uma história singular e qualquer julgamento comparativo a

partir da história de outras culturas tende a ser equivocado, porque escamoteia e nega a

diversidade cultural e, muitas vezes, resvala para o determinismo geográfico ou “racial”,

legitimando preconceitos. Pontuamos, ainda que BOSI (1996 apud SILVA, 2010,

p.86), a partir da lingüística, afirma que “[...] cultura é o conjunto de práticas, de

técnicas, de símbolos e de valores que devem ser transmitidos às novas gerações para

garantir a convivência social [...] Tal definição dá à cultura um significado muito

próximo do ato de educar”. Sendo assim, estas novas propostas curriculares

possibilitaram que os livros didáticos, desde meados da década de 1990 no Brasil,

acolhessem novas abordagens referentes ao conceito de patrimônio cultural que foram

ao encontro de novas práticas educacionais. O ensino de história ganhou muito com

estas novas abordagens, pois foi a partir delas, que as instituições culturais começaram a

compreender que era necessário contemplar as diferentes culturas presentes na

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sociedade, as quais tinham sido na maior parte das vezes, excluídas até então de suas

iniciativas e políticas institucionais. Logo, entre os anos finais da década de 1980 e no

transcorrer da década de 1990, ganham maior vigor as reflexões e ações destinadas a

entender as produções culturais das minorias étnico-sociais e valorizar as contribuições

de suas manifestações para o cenário nacional.

A Coleção de livros das autoras Sílvia Panazzo e Maria Luísa Vaz, Navegando

pela História, editado em 2001 pelo Quinteto Editorial, com quatro volumes destinados

aos alunos das 5ª às 8ª séries ilustram tal ampliação da concepção de cultura no ensino

de história. Esta Coleção possibilita que o leitor utilize as imagens visuais como forma

de produção de novos conhecimentos, os quais podem se diferenciar das informações

trazidas pelos textos explicativos apresentados nos capítulos. Analisamos

privilegiadamente o capítulo 5 do livro, destinado às 5ª séries. Nele as autoras discutem

o conceito de diversidade cultural, apresentando um texto escrito na relação com várias

imagens visuais. Panazzo e Vaz trabalham este conceito no texto explicativo, definindo-

o como a forma que os seres humanos vivem e convivem entre si, a partir das suas

necessidades e dos recursos que as sociedades dispõem. O texto explicativo do livro

afirma que foi nesse processo que as pessoas foram desenvolvendo “[...] maneiras de

morar, formar famílias, de trabalhar, de se comunicar, de manifestar a religiosidade

etc.” (PANAZZO; VAZ, 2001, p. 48). A concepção de ensino de história apresentada

neste livro prioriza abordagens que se aproximam das temáticas trabalhadas pela

história social e pela história do cotidiano. As autoras problematizam as visões

tradicionais de ensino de história, que valorizavam a concepção de tempo linear e

cronológico. Apresentam atividades que procuram relacionar presente e passado e

trabalham com contextos sociais, políticos, culturais e econômicos mais amplos.

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

FIGURA 3 - Imagem da página 48 do livro de Silvia Panazzo e Maria Luísa Vaz, Navegando pela História editado em 2001 pelo Quinteto Editorial, São Paulo: Quinteto editorial , 2001, (dimensão de cada página: 21 X 28 cm, imagem reduzida).

É interessante percebermos como as autoras apresentam diferentes objetos que

representam atividades culturais produzidas em tempos distintos e pertencentes à

diferentes sociedades (FIGURA 3). Observamos impressos numa mesma página a

imagem de uma cerâmica Marajoara, a imagem de um sambaqui, ambas do Brasil, a

imagem de uma mulher africana da tribo Samburu no Kênia e de um jornal russo dos

tempos da Guerra Fria, no ano de 1961. Ao identificar esses tipos de bens culturais o

professor pode trabalhar o conceito de que todas as marcas deixadas pelo homem na

natureza são documentos históricos e que, portanto, podem ser tomados como suportes

de informação do o passado. Esses objetos podem também ser entendidos como

patrimônios culturais materiais.

Já no livro de Dora Schmidt, Historiar - Fazendo, contando e narrando a

História – Livro do Professor, publicado em São Paulo, pela Editora Scipione, em 2002;

encontramos mais uma proposta de trabalho com fontes iconográficas que revelam

tendências de trabalho didático relacionados ao conceito de cultura e de bens culturais.

Schimidt utiliza modelos de instrução e roteiros de atividades para orientar o trabalho

com imagens visuais. Ela estrutura seu livro priorizando uma abordagem que valoriza a

história temática, procurando estudar as permanências e mudanças da história a partir de

grandes eixos temáticos. A autora parte da apresentação de conceitos que têm caráter

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universal e que podem apresentar diferentes interpretações no tempo e no espaço,

propondo que o professor faça as ligações temporais e conceituais através de diferentes

temas geradores. Os temas selecionados por Schimidt possibilitam, desta forma, que os

professores questionem a visão tradicional da história, propondo reflexões pelas quais

os fatos históricos não podem ser tomados como eventos “prontos e acabados”.

Esta autora sugere que o aluno responda algumas questões sobre uma série de

reproduções fotográficas. Na atividade representada nas paginas 186 e 187 (FIGURAS

4 e 5), destacam-se alguns desenhos de história em quadrinhos ou cartoon. Estes são

apresentados como documentos históricos. Este exercício insere-se dentro de um

capítulo que desenvolve reflexões sobre as seguintes temáticas “Jovens, consumo,

cotidiano e cidadania”. Neste capítulo a autora expõe uma série de textos didáticos

associados a trechos de documentos escritos e imagens visuais. Para iniciar o capítulo

Schimidt apresenta as transformações que ocorreram na indústria cultural, no século

XX, na sociedade ocidental, e em seguida, algumas características da sociedade de

consumo e da “cultura jovem”. Nas páginas que antecedem esse exercício, a autora

sugere que os alunos realizem a análise de dois textos escritos. O primeiro é um

fragmento extraído pela autora do texto de Berson Moura, Tio San chega ao Brasil: a

penetração da cultura americana (1991, p. 7-9). Neste texto Moura assevera que,

[...] a chegada visível do Tio San ao Brasil aconteceu mesmo no início dos anos 40, marcando mudanças nas formas de comportamento dos brasileiros. [...] o traço comum às mudanças que então ocorria no Brasil na maneira de ver, sentir, explicar e expressar o mundo era a marcante influência que aquelas mudanças receberam do “american way of life”.[...] Foi neste contexto que os brasileiros aprenderam a substituir as suas frutas tropicais onipresentes à mesa por uma bebida de gosto estranho e artificial chamada coca-cola. Começaram também a trocar sorvetes feitos em pequenas sorveterias por um sucedâneo industrial chamado Kibon.[...] (p.183)

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FIGURAS 4 E 5 - Imagem das páginas 186-187 do livro de Dora Schmidt, Historiar - Fazendo, contando e narrando a História – Livro do Professor, publicado em São Paulo, no ano de 2002. (21 X 28 cm, imagem reduzida).

O segundo texto selecionado por Schimidt é de autoria de Hiron Cardoso

Goidanich, ele foi extraído da “Enciclopédia dos quadrinhos” (1990), de suas páginas

9,13 e 15. Nele aparecem informações resumidas sobre a origem das revistas de história

em quadrinhos nos Estados Unidos e no Brasil, além disso, apresenta algumas

publicações do início do século XX, chegando até a citar as publicações brasileiras

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realizadas pelas novas gerações, na década de 1980. Como atividade resultante da

leitura dos dois textos, a autora propõe a análise de uma série de quadrinhos produzidos

pelo cartunista Henfil, na década de 1960. A frase abaixo é colocada estrategicamente

acima da sequência de quadros para contextualizar historicamente esta produção. “A

divulgação, no Brasil, do american way of life, nas décadas de 1950 e 1960, foi

colocada em discussão por Henfil por meio do personagem Fradim” (p.186). Abaixo dos

desenhos são sugeridas as seguintes atividades:

1- Registre seu comentário sobre a opinião que o autor expressa com relação à influência norte-americana no Brasil. 2- Procure localizar quadrinhos, charges ou caricaturas atuais que tratem do mesmo tema, para fazer uma análise comparativa. (SCHIMIDT, 2002, p. 187)

Neste exercício nota-se que Schmidt faz a identificação do tipo de documento,

situando-o no tempo e no espaço. Para compreender o significado do cartoon o aluno

necessariamente deve ler os dois textos anteriores, pois só assim, ele poderá identificar

qual era a opinião do autor dos quadrinhos sobre o american way of life. Neste caso, as

imagens serviriam como confirmação da idéia apresentada pelos textos e pelas falas dos

personagens. Na próxima questão desse exercício a autora propõe que o aluno encontre

documentos iconográficos relacionados ao mesmo tema, para compará-los com o

documento apresentado, esperando, portanto, que a partir desta atividade o aluno

estabeleça alguma relação com outros documentos. O professor, neste caso, poderia

trabalhar a idéia de acervos documentais como patrimônio cultural, expandindo o

entendimento sobre o desenvolvimento da guarda destes documentos, ou então,

trabalhando com o aluno a idéia de que estes registros têm relação com os contextos

mais amplos.

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FIGURAS 6 E 7 - Imagens das página 78 e 79 do livro de Nelson Piletti e Claudino Piletti, História &Vida Integrada. 6ª série, publicado em São Paulo, pela Editora Ática, no ano de 2002 (21 X 28 cm, imagem reduzida).

Na edição História e Vida Integrada, publicado em São Paulo, pela Editora

Ática, no ano de 2002, de autoria de Nelson Piletti e Claudino Piletti, encontramos uma

proposta de leitura de imagens visuais que trabalha explicitamente o conceito de

patrimônio cultural e sua preservação. Esta propõe que o aluno desenvolva uma

discussão através das imagens visuais. A concepção de ensino dos livros dessa coleção

prioriza uma visão de história que apresenta o tempo cronológico de forma linear,

inserindo-se numa perspectiva que parte das visões da história européia, e que procura

apresentar de forma parcial alguns aspectos das existências de outras civilizações no

mundo. Destaca-se nesta coleção o conjunto de documentos escritos e iconográficos que

são apresentados na segunda parte dos capítulos. Estes documentos possibilitam que o

professor desenvolva trabalhos em sala de aula, questionando as concepções que

valorizam a existência de uma verdade histórica. A concepção de história destes livros

privilegia temas que trabalham problemas sociais e cotidianos atuais, relacionado-os

com os fatos passados da história do Brasil e do mundo.

No exercício das páginas 78 e 79 (FIGURAS 6 e 7) são apresentadas três

imagens . A primeira faz referência às ruínas da cidade de Hirochima, destacando-se as

ruínas do edifício do Museu de Ciências e Tecnologia após a explosão da bomba

atômica em 1945. A segunda e terceira imagens representam a cidade de Hirochima

restaurada e os restos do edifício do museu que aparece na primeira foto, agora no ano

de 1998. Os autores propõem que o aluno analise “[...] as fotos e os acontecimentos aos

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quais elas se referem, discuta porque os japoneses preservam até hoje as ruínas do

antigo prédio.” (PILLETTI; PILLETTI, 2002, p.78). A partir desse tipo de atividade, os

autores propõem que os leitores do livro didático compreendam o que pode ser

considerado um bem patrimonial. Neste caso, os professores podem fomentar

discussões sobre o que é necessário preservar do passado, porque e como isso pode ser

realizado. Este tipo de exercício possibilita que os alunos aproximem-se das práticas

atuais que historiadores, antropólogos e sociólogos, abrindo a possibilidade dos

estudantes produzirem saberes que podem ser utilizados quando eles estiverem em

contato direto com outros patrimônios culturais. Além disso, o desenvolvimento de

atividades introdutórias que se relacionam à educação patrimonial podem desenvolver

comportamentos nos estudantes que favoreçam diferentes atitudes patrimoniaisii.

Algumas considerações como provocação

Esperamos com estas breves considerações ter provocado no leitor o interesse

por refletir e pesquisar sobre as potencialidades da leitura de imagens visuais de

patrimônios culturais em livros didáticos de história, compreendendo que tais imagens

ao serem privilegiadas em detrimento de outras, instauram um “recorte” do que se

estuda e valoriza como patrimônio cultural no cotidiano escolar. Nesse sentido ao

abordá-las, mesmo que sucintamente, esperamos ter contribuído para o entendimento de

que elas podem contribuir também para definição de metodologias de estudo relativas à

educação patrimonial.

___________________________

1. De acordo com IPHAN “Toda vez que as pessoas se reúnem para construir e dividir novos conhecimentos, investigam para conhecer melhor, entender e transformar a realidade que nos cerca, estamos falando de uma ação educativa. Quando fazemos tudo isso levando em conta alguma coisa que tenha relação ao com nosso patrimônio cultural, então estamos falando de Educação Patrimonial.

2. O conceito de patrimônio histórico e artístico utilizado até o início da década de 1990 restringia-se apenas a o estudo e preservação dos bens de natureza material que na maioria dos casos era apresentado de forma dissociada do ambiente original. Este obedecia a determinados critérios de seleção do que deveria ser preservado e que valorizavam determinadas “autoridades de tutela” excluindo outras culturas que faziam parte da formação da Nação (GODOY, 1985, p.75; ORIÁ, 1997, p.129; CUNHA, 2011, p. 9).

3. De acordo com Poulot: A atitude patrimonial compreende dois aspectos essenciais do passado, que é sempre transformação, metamorfose dos vestígios e dos restos, recreação anacrônica; e a relação de fundamental estranheza estabelecida, simultaneamente, por qualquer presença de testemunhas do tempo remoto na atualidade.

Referências BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

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sempre transformação, metamorfose dos vestígios e dos restos, recreação anacrônica; e a relação de fundamental estranheza estabelecida, simultaneamente, por qualquer presença de testemunhas do tempo remoto na atualidade.