educaÇÃo, movimentos sociais e escola do campo...
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EDUCAÇÃO, MOVIMENTOS SOCIAIS E ESCOLA DO CAMPO – UMA
TRÍADE EXPERIMENTATIVA NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR
Autora: Alcione Nawroski1 - [email protected] Orientadora: Drª Maria Isabel Serrão – MEN/CED/UFSC – Florianópolis/SC
A ORGANIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS
O estudo sobre educação e movimentos sociais tem adquirido novas
configurações principalmente a partir de 1997 quando começam a se engendrar
organizações de educadores constituídos por vários movimentos para reinvindicar um
educação do/no campo. Até então, pouco se falava em educação do campo, mas em
educação rural para designar algumas práticas vitimizadas pela fragilidade de recursos,
como infra-estrutura, formação de educadores e outras políticas públicas em geral.
Para contextualizar um pouco sobre a constituição dos movimentos sociais,
recorremos a alguns fragmentos de autores e pesquisadores que se detêm nesta temática
para explicar a vida dos movimentos que movimentam a sociedade. Procuramos relatar
pequenas contribuições de grandes autores que no decorrer do seu curso trouxeram
reflexões importantes a cerca da sua constituição.
Lênin, pensador teórico e político-revolucionário registra que:
“O proletariado, na sua luta pelo poder, não tem outra arma senão a organização. Dividido pela concorrência anárquica que reina no mundo burguês, esmagado pelos trabalhos forçados ao serviço do capital, constantemente atirado ao abismo da miséria mais completa, do embrutecimento e da degenerescência, o proletário só pode tornar-se, e tornar-se-á inevitavelmente, uma força invencível quando a sua unidade ideológica (...) é cimentada pela unidade material de organização que reúne milhões de trabalhadores num exército de classe operária” (1977, pg. 233).
Podemos identificar que a questão-chave para a tomada de consciência da
população é pela expropriação da dominação do homem como mão-de-obra e da
1Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista do Projeto “Educação do campo: Políticas e Práticas em Santa Catarina”, formado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGE/UFSC), em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC).
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propriedade privada. O trabalho alienado também cria um modo alienado dos homens se
relacionarem. Porém é na organização de classe que o proletário pode viabilizar uma
luta capaz de se fortalecer na medida em que as pessoas tomem consciência enquanto
dominados e dominantes do modo de produção capitalista.
No entanto, antes de Lênin, Marx a partir de 1845, participa ativamente das
atividades político-revolucionárias defendendo a união entre a teoria e a prática,
combatendo a filosofia especulativa. E durante este período consta-se que esta
massificação da mão-de-obra, permite um contanto físico mais próximo e
consequentemente a identificação de interesses comuns capazes de mobilizarem a
organização de classes em prol da luta revolucionária. Então, o próprio autor passa a
ressaltar uma práxis revolucionária que requer a formação da consciência de classe e
uma ideologia autônoma. Porém esta teoria é mais aprofundada no decorrer da história
por Lênin na questão da vanguarda e do basismo ou popularismo, Lukács na questão da
consciência de classe e Gramsci na questão da direção cultural.
Para Lênin, a práxis se dá na inter-relação de teoria e prática. Preocupado
genuinamente com a revolução procurou analisar veemente o potencial político dos
movimentos que se constituíram em sua época. Para o político-revolucionário que foi
para sua época, o vanguardismo precisa estar atribuído de experiências do basismo para
poder criar uma teoria capaz de transformação, apesar de que a vanguarda às vezes pode
se sobrepor sobre o basismo. E referindo-se a organização de grupos, ainda acrescenta
que é preciso poder enxergar os pontos fortes e fracos, a fim de que uns não possam
estar encobrindo outros. Porém, isso requer a habilidade de manobrar, entrar em acordos
e compromissos na organização de grupos.
Para Lukács, o operário somente ira tomar consciência de si mesmo quando
tomar consciência de si próprio como mercadoria de troca. No entanto, essa tomada de
consciência só poderá ocorrer à medida que o proletariado passar pela auto-avaliação e
identificar a sua posição no jogo das forças políticas e na construção de uma concepção
de mundo. Desta forma, ao mesmo tempo em que o proletário lutar contra a burguesia
precisa lutar contra si próprio, a fim de rever os efeitos devastadores e degradantes do
capitalismo que penetram sobre sua consciência de classe. O proletariado também
precisa fazer sua consciência de classe enquanto organização proletariada para não
permanecer nos limites de uma falsa consciência, sendo prisioneiros eternos da estrutura
reificada do pensamento burguês.
Gramsci também traz contribuição como pensador e político revolucionário aos
movimentos sociais, principalmente quando avança para a questão política e cultural das
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sociedades ultrapassando as questões tão somente econômicas. Pois vê na revolução o
processo de construção de uma cultura nova, que envolve questões populares que vão
muito além das questões econômicas. O autor também traz a tona, a noção de sujeito
coletivo que pela consciência de direitos caminha para sua emancipação ao mesmo
tempo em que cria um intelectual coletivo dentro do próprio movimento.
A sociedade é cada vez mais dividida pelas desigualdades sociais, provocadas
pela satisfação de pouco e insatisfação de muitos. É deste descontentamento que surgem
muitas organizações na forma de movimentos a fim de lutar por uma vida mais digna,
mais humana, mais justa. Tourraine, outro expoente pesquisador contemporâneo dos
movimentos sociais, sintetiza que através de sua historicidade, os movimentos sociais
expressam em cada momento histórico, suas formas de opressão, miséria, injustiça,
desigualdade. Porém, além disso expressam o devir por meio das críticas, das suas
formas de contestação, das lutas pela busca de novas alternativas para a condução de
uma nova historicidade.
Para Tourrine, as lutas sociais expressam os conflitos que perpassam as relações
de produção dos mesmos: “...não há lutas sociais sem liberdade, não há liberdade sem
lutas...” (1988, pg16). Desta forma, os movimentos sociais buscam novas formas de
existir e cita alguns exemplos como os movimentos das mulheres, os movimentos
regionais e os movimentos antinucleares. São movimentos que por sua gênese
denunciam as relações de dominação. O autor refere-se a forma de organização dos
movimentos menos centralizados, invocando sempre a participação democrática e livre
dos participantes. Tourrine ao analisar os movimentos busca em Marx a luta pela
libertação das classes oprimidas.
Contudo Martins traz um olhar de fora dos movimentos, onde o mesmo retrata
que a propriedade privada e o mercado de trabalho são dois elementos que estão no
centro da crise brasileira refletindo na ideologia burguesa e na dualidade do camponês.
Para o autor, o camponês incorpora a ideologia burguesa, objetivando se tornar
proprietário de terra, mas essa condição é dificultada pela sua condição de explorado e
expropriado. Sendo assim, o camponês é propagador da ideologia burguesa, mas,
incapaz de se tornar proprietário, já que as condições estruturais não permitem que se
torne proprietário de terras. Esta seria uma condição para o camponês não desaparecer
já que ele se faz necessário para o desenvolvimento capitalista. Para Martins, o
camponês não é resíduo do feudalismo, mas resultado das características e das
necessidades de funcionamento de capital.
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No entanto, quando mencionamos a classe oprimida vale buscar em Paulo
Freire algumas respostas, onde o mesmo inicialmente faz uma reflexão sobre a
indignação em seu livro Pedagogia do Oprimido. O autor faz uma análise do quê move
a organização de grupo, citando que foram sujeitos unidos pela opressão, e
principalmente como trabalhar com eles, pois os mesmos refletem o momento e o
movimento que a sociedade vive. Freire trata mais especificamente das questões do
movimento num determinado grupo, apontando subsídios metodológicos para a ação
dos educadores. Parte inicialmente do quesito da indignação que vai de encontro à
dialogicidade e dentro dela destaca o diálogo como um aporte: o povo precisa
identificar qual seu papel perante a sociedade para poder agir. No entanto, todo agir
necessita da: ação - reflexão - ação. Um esquema que não pode se resumir a um círculo
vicioso, mas deve levantar pontos que dêem continuidade por meio da avaliação e auto-
avaliação a um agir continuo de caráter horizontal.
O livro Pedagogia do Oprimido, em especial nos dois últimos capítulos trata
da dialogicidade como um resultado do diálogo que legítima a luta por um mundo
melhor. A dialogicidade aqui discutida como uma forma de aproximação e apropriação
de conhecimentos, e que não se esgota na relação eu-tu, mas aponta para um diálogo
com o povo. Contudo, o diálogo exige alguns componentes, como o amor pelas pessoas,
pelo mundo, a humildade, a fé nos homens antes mesmo de conhecê-los, caso contrário
o diálogo vira uma farsa e, conforme Freire: “Transforma-se, na melhor das hipóteses,
em manipulação adocicadamente paternalista” (2004, p 81).
O livro Arquitetos de Sonhos de Ademar Bogo traz a seguinte passagem:
É importante o conhecimento. Dele depende a teoria da organização. Sem teoria não há luta e não se formam movimentos consistentes. A organização é sempre fruto de determinadas causas já existentes que dependem de conhecimentos para que os objetos se transformem em prática. Ou seja, é preciso interpretar e transformar a realidade em objetos imaginados, enquanto nos transformamos juntos. Sendo assim, o ser humano deixa de ser apático perante a realidade e se torna movimento, movimentando-se. (2003, pg.209)
O MST, desde 1979 mantém uma organização de luta pela reforma agrária no
Brasil, e é um forte representante das organizações sociais. Inicialmente após a
conquista da terra, o movimento passou a ver na escola uma das maiores possibilidades
de engajar a sua luta, pois segundo seus princípios, é pela escola que se pode começar a
pensar uma sociedade diferente. Dentro do seu programa de reforma agrária, o
movimento elaborou os principio da educação, sob duas perspectivas: filosóficas e
pedagógicas. Os princípios filosóficos dizem respeito à visão de mundo, as concepções
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mais gerais em relação à pessoa humana, a sociedade e ao que se entende por educação.
Os princípios pedagógicos se referem ao jeito de fazer e pensar a educação para que
seus princípios possam ser efetivados enquanto práticas de autonomia e emancipação do
sujeito do campo e benéfico da reforma agrária. (Caderno de Educação nº08. Princípios
da Educação no MST. 1999).
AÇÕES DESENVOLVIDAS
Este projeto de estágio-docência foi desenvolvido junto ao município de
Fraiburgo, região do planalto central de Santa Catarina. O Município conta com 32.948
habitantes, ocupando uma extensão territorial de 435 km². Em 2002, havia 12.837
estudantes matriculados no ensino fundamental em escolas públicas e 417 em escolas
particulares. O município conta com 286 docentes trabalhando em escolas públicas e 35
em escolas particulares (IBGE, 2000). A área da reforma agrária é formada pelos
assentamentos: União da Vitória, Vitória da Conquista, Chico Mendes, Contestado e
Rio Mansinho. É uma região rural, situada a aproximadamente 30Km da sede do
município, e onde praticamente todos os educandos são filhos de pequenos agricultores,
e na maioria deles assentados pelo MST. As escolas em que as práticas de ensino foram
realizadas, estão vinculadas diretamente ao movimento, localizadas nos próprios
assentamentos da reforma agrária.
O trabalho foi inicialmente elaborado pelas discussões em sala de aula com a
professora da disciplina - Prática de ensino da escola de ensino fundamental em séries
iniciais (MEN5325) - em que se trata da formação de professores para as séries iniciais
do ensino fundamental. Neste primeiro momento, ocorreram alguns seminários
procurando discutir alguns textos que procuravam debater a gênese a cerca da educação
do/no campo. Também foram realizadas leituras interpretativas sobre os princípios do
MST para pode melhor “estaquear” um trabalho consistente com a proposta do
movimento. Posteriormente, teve outros dois grandes momentos que se deram na
concretização desta prática de estágio: o primeiro foi o período de observação que
ocorreu durante uma semana e o segundo período foi a prática de ensino, realizadas
durante duas semanas junto as escolas dos assentamentos.
Para a primeira prática pedagógica um grupo de estudantes de graduação do
curso de pedagogia e educação física partiu para o campo onde permaneceu uma
semana em estágio de observção a fim de conhecer a história das escolas e
principalmente daquelas pessoas que estudam ou que nunca estudaram, daquelas
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pessoas que lutam, se divertem, trabalham e sonham em deixar uma “herança” aos seus
filhos.
Contudo, antes de partir para as atividades a campo era preciso recuperar a
percepção e a sensibilidade, para observar o que se passava ao redor. Este período se
constituiu como um momento de aprender a ver, aprender a direcionar a atenção, a
educar os sentidos, também exercitar o estranhamento da realidade observada. Neste
sentido foi preciso identificar os olhares de estudantes e professores universitários, bem
como de todos os sujeitos que estavam envolvidos neste processo.
Os professores e estudantes universitários ficavam alojados em barracas no
pátio de uma das escolas. Esta escola esta localizada na área central e ficava a uma
distância de 2 km das outras duas escolas que também faziam parte das práticas
pedagógicas. O acampamento em barracas exigia de estudantes e professores ações
compartilhadas e cooperativas, como a compra de alimentos, preparo das refeições,
higiene dos espaços e organização dos momentos e espaços pedagógicos. Ações que
também se constituem como atividades integrantes da formação de educadores.
O convívio intenso entre estudantes universitários, professores, crianças, jovens
e agricultores possibilitou a maior proximidade e criação de vínculos afetivos. Isto
ocorria não somente nos espaços formais de educação, mas também nos intervalos entre
uma preparação de refeição e uma situação de ensino, ou entre o deslocamento do
acampamento até as escolas visitadas.
Esta prática pode ser explicitada na analogia sobre o fazer educação pelo
diálogo, quando Freire menciona que o amor, a humildade e a fé representam a essência
que permite um diálogo na sua horizontalidade, desfigurando a opressão da formalidade
com que até então o povo se acostumou. A esperança também faz parte deste elo,
quando ainda aparece na essência da imperfeição dos homens, e que os move a uma
eterna busca e permanecia neste espaço. Porém, o verdadeiro diálogo exige um pensar
verdadeiro e crítico, capaz de pela comunicação produzir educação.
E, ainda falando da atuação do educador no campo da educação, o autor cita
que o autêntico educador não oferece seu próprio programa de ensino, mas juntamente
com seus educandos propõem a mediação acrescentada, organizada e sistematizada:
Simplesmente, não podemos chegar aos operários, urbanos ou camponeses, estes, de modo geral, imersos num contexto colonial, quase umbilicamente ligados ao mundo da natureza de que se sentem mais partes que transformadores, para, à maneira da concepção “bancária”, entregar-lhes “conhecimento” ou impor-lhe um modelo de bom homem, contido no programa cujo conteúdo nós mesmos organizamos (FREIRE, 2004, p 84).
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Para o autor, o diálogo aparece como um dos elementos principais de seu livro,
onde se refere ao mesmo não como um produto histórico, mas como produto da própria
historicização, que quando se abre para a infinitude vence a finitude. Sujeitos isolados
não se conscientizam porque o isolamento não os permite - é no transcender das idéias
que se pode acender o movimento de grupo capaz de elaborar o mundo a partir de suas
construções.
Planejar não requer unicamente a ação do educador, precisa ter a participação
de outras pessoas, para evitar que o educador pense sozinho, apenas por si próprio, mas
possa estar enriquecendo seu trabalho com outras idéias. A construção coletiva
possibilita a aprendizagem de trabalhar em grupo, saber reconhecer e valorizar o outro
como um componente contribuinte de idéias é fundamental para o bom desempenho do
trabalho.
Tentamos desenvolver esta prática também na sala de aula com as crianças,
intercalando diversos momentos e espaços de trabalho individuais e coletivos, a fim de
que as crianças pudessem se expressar como agentes ativos de participação nas práticas
de fazer educação. Após a observação que ocorreu durante a primeira semana,
concluímos que a saúde dos dentes poderia ser um tema de “aprender a fazer educação”.
Sendo assim esta foi a temática principal do estágio, onde a partir de então passamos a
traçar ações de como desenvolver este projeto envolvendo toda a comunidade escolar.
Durante os dias de observação em sala de aula, foi possível perceber vários fatores que
vieram a contribuir para o planejamento das atividades. Pois constatamos que a falta de
informação e orientação sobre o tema, trazia conseqüências para as crianças como a
formação de cáries, e conseqüentemente a dor de dente.
O projeto foi elaborado e desenvolvido com uma turma de alfabetização da 1ª
série do ensino fundamental. Primeiramente, procurou instruir as crianças, sobre os
cuidados que precisam ter com a saúde, e como manter os dentes saudáveis. Também
abordou algumas orientações sobre a higiene bucal, como uma forma de evitar o
adoecimento dos mesmos, uma vez que dentes permanentes deteriorados não serão
reconstituídos pela natureza humana.
Após a primeira semana de observação, as ações em sala de aula foram
realizadas após 3 semanas de planejamento. O período de estágio ou “fazer educação”
como preferíamos chamar ocorreu durante duas semanas. As atividades foram
realizadas em parceria com mais uma colega na Escola Nossa Senhora Aparecida,
localizada no Assentamento Vitória da Conquista. A turma era composta por 18
crianças, sendo 13 meninas e 5 meninos, na faixa etária de 7 a 9 anos.
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Diante das situações inicialmente observadas, procuramos construir situações
de ensino capazes de desenvolver as expressões orais, escritas, corporais e artísticas.
Foram elencados alguns sub-temas diante da temática principal, envolvendo: a produção
textual, a leitura, a criatividade, a imaginação e as brincadeiras, também como uma
proposta de estar propiciando a continuidade desta práxis educativa. A proposta do
trabalho foi conduzida por meio de uma temática maior que envolveu todo o trabalho de
prática de estágio: a higiene dos dentes. Foi um tema que aos olhos das crianças pareceu
interessante, despertando muitas intervenções durante as aulas e interesse em participar
nas atividades que apresentávamos a cada dia durante o estágio-docencia.
As crianças pareciam sentir se bastante estimuladas pelo novo, ou seja, no
momento que passávamos a atuar em sala de aula, éramos vistos como pessoas
diferentes, não conhecidas ainda. Pois nos conheceram a poucas semanas durante o
período de uma só semana. Isto se reforçava quando mostramos uma nova temática com
outras formas de trabalhar. Cada uma das crianças demonstrava uma reação diferente
resultando em diferentes maneiras de assimilar um mesmo conteúdo. O foco principal
foi higiene dos dentes, mas a partir deste tema procuramos dar plena ênfase a
apropriação da escrita e da leitura criando situações que propiciassem momentos de
imaginação e criação. Como recursos didático-pedagógicos, trabalhamos com teatro de
fantoches, músicas, materiais concretos de representação sobre a higiene dos dentes e o
Boi-de-Mamão (um folguedo típico da cidade de Florianópolis), que por meio de seus
personagens trataram da dentição. As abordagens se deram de forma lúdica, procurando
abordar a influência dos hábitos alimentares, a escovação e o uso do fio dental na
prevenção das doenças dentárias.
Como atividade final do projeto de estágio e as crianças já estarem bastante
familiarizadas com as brincadeiras de Boi-de-Mamão, realizamos juntamente com as
crianças da 1ª série uma apresentação deste folguedo para todas as turmas desta e das
outras duas escolas. Foi um momento de estar oportunizando a todas as crianças que
assistiam a apresentação a também entrarem na brincadeira que culminou na finalização
da nossa prática pedagógica de estágio. Esta apresentação fez parte de uma
confraternização maior onde toda a comunidade escolar participou e que, juntamente
conosco comemoraram mais esta etapa de um processo de formação que envolveu
vários campos de saberes.
ALGUMAS CONCLUSÕES
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A linguagem escrita surgiu bem mais tarde que a linguagem oral, pois foi a
linguagem oral que deu origem a escrita. Normalmente sentimos vontade e desejo de
escrever sobre o que pensamos e falamos; o grafismo (escrita e desenho) nada mais é do
que a manifestação destes gestos humanos. A criança ao entrar na escola já possui uma
vasta experiência com a escrita, ela está familiarizada com rótulos, etiquetas, livros,
anúncios publicitários e outros. A escrita não é somente a obtenção de conhecimento
dos signos gráficos e das regras técnicas, mas é muito mais do que isso, é a apropriação
de uma forma de comunicação, que tem a vantagem de não ficar despercebida, já que o
registro gráfico não permite que isso aconteça.
Durante as reflexões após a primeira observação, foi constatado que a
alfabetização ocupa o lugar central nas discussões da educação escolar nas séries
iniciais, seja pelo nível de letramento não satisfatório que a população em geral
apresenta, ou pela grande parte da população ainda ser considerada analfabeta. São
hipóteses que merecem um desdobramento maior para serem analisadas pelos
especialistas em educação. A alfabetização aparentemente é um tema que se apresenta
como polêmico às pessoas envolvidas com as funções sociais da linguagem,
comprometidas com a educação, pois ela pode ser analisada sob as mais diversas áreas:
sociais, psicológicos, culturais, históricos.
Para Brandão, não existe educação rural: existem fragmentos da educação
escolar urbana introduzidos no meio rural. Em relação às famílias camponesas sintetiza
que as famílias não esperam da educação na escola rural uma educação rural, mas
esperam que a escola desconstrua a identidade de roceiros que os filhos carregam, e que
através da leitura, da escrita e do cálculo a escola amplie o horizonte da cidade. E para
finalizar traz uma reflexão bastante valiosa aos educadores e pesquisadores em
educação do campo:
“a escola é um lugar triste. (...) Pouca coisa há nela que torne humano o tempo de estudo de uma criança camponesa durante o período “de 1ª à 4ª”. Um menino da roça, por pobre que seja, que tenha da escola as melhores lembranças da infância, deve ter tido, por ter sido pobre e por algo mais, uma infância muito triste. A visão pragmática e apressadamente instrumental do ensino da educação rural e compactuada por pais e professores e, assim, passam à criança. (...) A criança vive na escola o árido trabalho de reproduzir saber, fora de qualquer situação em que isto venha a ser uma tarefa coletiva desejada e agradável”(1984, pg 246).
Tanto educação rural como educação do campo são temas de pesquisa ainda
frágeis no ambiente acadêmico. Pois ao verificar os trabalhos na área da educação e
movimentos sociais existe um número expressivo de trabalhos voltados para os problemas
urbanos mais emergentes advindos das questões do êxodo rural. Porém, pouco se previu
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estudar as causas a que levam esta migração de rural para urbano. No entanto, estes estudos
começam a se intensificar a partir do final da década de 90 quando se amplia a discussão em
torno da educação do campo.
Qual o real significado do fracasso escolar? Uma grande parte dos educandos
ainda acredita que precisa ir à escola para adquirir os saberes necessários e tornar-se
dona do saber e da verdade, ou então, pelos simples fato dos pais os obrigarem. Passam
anos nesta instituição e mesmo assim não adquirem a prática hábil da
formação/informação, da importância da pesquisa nas mais diversas áreas do
conhecimento humano. Diante destas situações, parece que o professor prefere ignorar
ou desconsiderar sobre quem são seus educandos, e procura tão somente desempenhar o
seu papel do mestre do saber.
Porém vale salientar um olhar crítico para a educação realizadas pelas/nas
escolas. O aparelho escolar continua representando a reprodução das relações sociais de
produção, a escola prepara suas crianças para dar continuidade a reprodução social. “As
práticas escolares servem apenas para inculcar a ideologia hegemônica e manter as
relações de dominação” (Tragtenberg, 1982). Segundo os cadernos de educação do
MST, os mesmos demonstram que durante as conquistas de terras, algumas práticas
mostraram que isto pode ser mudado. O Movimento vê a escola como a principal aliada
para dar continuidade às suas lutas pela conquista da dignidade humana, ainda que a
reforma agrária garantida pelas políticas públicas parece estar bastante distante de ser
um ato de efetivação na sua totalidade. Mas diante do viés educativo da escola,
procuramos por meio da prática de alfabetização, estar contribuindo para a emancipação
dos educandos para a luta por uma sociedade mais humana.
De acordo com alguns movimentos sociais, a escola pode ser um instrumento
de transformação social na medida em que cria seus próprios princípios para uma
formação de valorização cooperacional e de criticidade. Antes de começar a elaborar o
projeto, procurou-se conhecer os princípios filosóficos e pedagógicos que norteiam as
práticas do MST, e que contribuíram para o desenho do projeto, pois cada atividade de
ensino foi pensada a partir deles. Os princípios abriram a possibilidade de transgredir e
ir além, já que é esta a prática de ensino que defendemos nas escolas: construir
conhecimentos a partir dos pressupostas já existentes.
Vemos que nos mais diversos espaços a cultura urbana sempre foi valorizada e
divulgada como uma alternativa a cultura do campesionato. Esta ostentação divulgada
faz com que as pessoas no meio rural valorizem o trabalho e a vida urbana em oposição
ao trabalho árduo da roça. As sementes trangênicas e os pacotes mercadológicos de
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sementes são valores da cidade que aparecem como proposta de mais praticidade,
conforto e consumo ao agricultor familiar.
No Brasil, alguns autores entre eles Brandão que por meio de foliões,
etnógrafos e historiadores traz a tona a cultura expressa nos meios populares do
campesionato, até então bastante abafada. Brandão (1981) enobrece o termo cultura
quando destaca o mesmo como, “resíduos que o trabalho humano deixou sobre o
mundo”. Outros autores que elucidaram o campesionato na literatura como Euclides da
Cunha em (Os Sertões Veredas, 1902) Graciliano Ramos em (Vidas Secas, 1938) e
Guimarães Rosa em (Grande Sertões Veredas, 1956), também atentam para a vida no
campo como um espaço diferente da modernidade e que possui suas especificidades.
Porém após a percepção desta especificidade é que se começa a pensar uma educação
voltada para o camponês ou agricultor familiar.
Apesar de eminentes diferenças entre os termos camponês e agricultor familiar,
salientamos que o texto mencionou os dois se referindo ao mesmo público, já que não
procurou contornar as especificidades de cada termo. Contudo, o trabalho procurou se
atentar apenas às contribuições de ambos os termos para o enriquecimento deste texto
em relação ao que se propõem como titulo deste trabalho2.
A produção de saberes escolares envolve o educando, o educador e o saber que
já está se construindo formalmente, organizado e inserido num contexto sociocultural.
Mesmo que a escola apresente características próprias, ela não é uma instituição
independente, pois está inserida num tecido social comprometido com um caráter
político que se reflete na sala de aula e no sujeito que nela está presente. Porém, é
preciso reconhecer que o conhecimento formal não esta dado como pronto para apenas
ser consumido. Portanto, torna-se necessário voltar o olhar sobre o sujeito que está
dentro da sala de aula, constituído pelas experiências sócio-históricas de seu grupo.
Também não se deve ficar limitado às ações cotidianas, mas aproveitá-las no contexto
de aprendizagem, pois elas são necessárias à construção do conhecimento formal que a
escola propõe. São propostas que vem a contribuir para a emancipação dos sujeitos na
sala de aula, capaz de desenvolver a sua autonomia e poder utilizar as fontes do
conhecimento formal e informal para fazer a leitura da sociedade em que estão
inseridos.
A alfabetização no meio rural não é um trabalho que visa dissipar-se da
alfabetização do meio urbano, pelo contrário, as suas concepções de ensino podem ser
2 Educação, Movimentos Sociais e Educação do campo – uma tríade experimentativa na formação do educador
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semelhantes, porém abordadas de acordo com seus contextos. São diferenciações que
precisam ser levadas em conta para construir a alfabetização dos mais diversos povos.
Conhecer o MST não se torna necessariamente ser uma pessoa acampada ou assentada,
ou ainda, ser aquela pessoa que já passou alguma fase de sua vida nesta situação. Mas
estar ligado por vínculos diretos com esta entidade, que permite ver a realidade ainda
que do lado de fora, para conhecer e refletir sobre as várias concepções deste
movimento social. Conclui-se que este trabalho serviu de móbil3 para muitos
educadores em formação que participaram desta prática, destacando a importância da
função do professor, como agente capaz de transformação social.
Segundo as lideranças dos assentamentos, e que estiveram à frente nas lutas
enquanto ainda estavam acampados e que hoje continuam se engajando para o
funcionamento da comunidade, priorizam a educação como um meio, não de ascensão
social, mas de articulação e construção de conhecimentos no meio coletivo. Durante as
conversas com os mesmos pôde-se perceber que o saber construído na escola continua
sendo um privilégio de poucos, e em decorrência disto procuram priorizar o sistema
educacional dentro do próprio assentamento. O MST busca por meio da educação
valorizar a dignidade humana das pessoas, pois tem a clareza de que só a conquista da
terra não resolve os seus problemas. Faz-se necessário dentro da reforma agrária um
vínculo maior com as políticas públicas para uma melhor articulação no funcionamento
dos assentamentos, como: planejamento habitacional, saúde, educação, cultura,
saneamento básico e outros elementos fundamentais para a vida destas pessoas.
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