educação da formação humana à construção do sujeito ético

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EDUCAO: DA FORMAO HUMANA CONSTRUO DO SUJEITO TICON R*

EIDSON ODRIGUES

RESUMO : Este texto elabora uma crtica e uma proposio em torno da questo educacional. A crtica denuncia a consensual concepo que atribui aos processos escolares atuais os fins e meios de toda a Educao. Acentua que tal concepo articula a viso pragmtica e utilitria predominante na ordem poltica e social do mundo moderno ao papel atribudo educao escolar de preparar os educandos para o exerccio da cidadania. Examina ainda e recusa a estreita relao que destina o atributo de cidado aos indivduos que se apossam dos conhecimentos e habilidades considerados necessrios para que se integrem como fora eficiente nos setores produtivos. O texto reconhece que o acesso a conhecimentos e habilidades constitui parte do processo de formao humana, mas no deve ser confundido com a totalidade do processo. Em seu aspecto proposicional, o texto pe em evidncia a concepo de que a Educao o processo integral de formao humana, pois cada ser humano ao nascer, necessita receber uma nova condio para poder existir no mundo da cultura. Esse processo inclui a aquisio de produtos que fazem parte da herana civilizatria e que concorreram para que os limites da natureza sejam transpostos. Entre eles se colocam os conhecimentos racionais que promoveram o desenvolvimento cientfico e cultural da humanidade, e a conscincia de que o ser humano o prprio produtor das condies de reproduo de sua vida e das formas sociais de sua organizao e devem ser orientadas pelos princpios da solidariedade, do reconhecimento do valor das individualidades, respeito s diferenas, e pela disciplina das vontades. O Ser Humano, por no receber qualquer determinao por natureza, pode construir o seu modo de vida tendo por base a liberdade da vontade, a autonomia para organizar os modos de existncia e a responsabilidade pela direo de suas aes essa caracterstica do ser humano constitui o fundamento da formao do sujeito tico. Este deve ser o objetivo fundamental da Educao, ao qual devem ser submetidas toda e qualquer prtica* Prof. Dr. titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). [email protected] E-mail :

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educativa, a includas as escolares. Por ltimo o texto discorre sobre o que o autor acredita ser o futuro da Escola. Na medida em que a ela vai se tornando o mais legtimo espao na sociedade moderna para realizar a educao das crianas e dos adolescentes, ela ter de se transformar para recepcionar essa funo que lhe caber por injuno social: a de ser, no apenas, o lugar da escolarizao, mas, sobretudo o da formao humana e o da formao do sujeito etico. Palavras-chave : Educao e formao humana; Educao e sujeito tico; Autonomia e educao; Educao e liberdade; Educao versus escolarizao.

IntroduoQue horizonte pode ser demarcado para que o tema da Educao seja assediado na atualidade, sem que o texto se esvazie na repetio excessiva, ou em generalizaes j esgotadas por discursos que reafirmam convices para as quais no ocorrem imagens conceituais inovadoras? Eis uma das interrogaes que inquieta nosso esprito . Pode-se objetar que a questo educacional tem sido amplamente discutida e se tornado objeto de consideraes as mais diversas, tanto do ponto de vista terico, quanto das articulaes prticas que mantm com a vida social. O tema tem sido abordado tambm no plano dos relacionamentos que arquiteta com as diversas formas de conhecimento, os processos produtivos, as inovaes tecnolgicas e a vida cultural. Podese mesmo sugerir, face a essas consideraes, que no caberia outro esforo para escavar fundamentos velhos ou novos, pois ele no mais se apresenta virgem inocncia do entendimento. Para nosso conforto intelectual, podemos verificar que a questo educacional alarga continuamente seu ponto de inflexo e o coloca para alm dos anteriormente referidos e das interconexes que estabelecem entre si. Neste texto, queremos acentuar a vinculao entre Educao e a ao formadora do ser humano, bem como o modo como essa vinculao se concretiza em diversas situaes histricas. Esta perspectiva abre novas pistas que direcionam nosso esprito a um retorno original natureza fundante da ao pedaggica: precisamos ir ao seu encalo. Sabe-se que o contnuo movimento de recolher a mesma questo ou desconfiar do que foi, em algum momento, considerado conclusivo, permite ao investigador galgar um patamar mais elevado de resposta em relao ao momento anterior. O conhecimento s avana quando so colocadas, sob suspeita, concluses j assumidas como verdadeiras.

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Por seu lado, se se admite que as questes referentes Educao se acham suficientemente esclarecidas, por certo que agora s caberiam interrogaes de ordem prtica, tais como: encontrar e estabelecer alternativas metodolgicas e de polticas educacionais para uma dada sociedade, promover a adequao de contedos curriculares a uma concepo de realidade social e organizar formas de gesto para que os objetivos anunciados e aceitos sejam concretizados. No caso, a investigao poderia abandonar toda pretenso terica e se situar no campo do que se define como prtico e objetivo. A investigao se limitaria s consideraes de natureza pragmtica e utilitria. Entretanto, nossa abordagem do tema pretende denunciar e romper esses limites em que o projeto social e cultural da educao tem sido aprisionado. E sair desse cerceamento nos leva a uma nova interrogao em torno do conceito essencial da Educao. E o que ento propomos? De incio, inverter as concepes do senso-comum a respeito dos fins da educao, pois creio ser necessrio fazer um giro radical para trazer luz os fundamentos da razo educativa. Para isso, comearemos por examinar se aceitvel, como anunciado com freqncia, que a justificativa mais fundamental para a ao educativa a situa na tarefa prtica de preparar os indivduos para a vida social. E ainda necessrio afirmar que se essa justificativa recepcionada como premissa, pode-se ento concluir que tanto o conceito de educao quanto os fins da ao educativa j so suficientemente conhecidos. De algum modo, essa uma crena que tem sido assumida e reforada em diversos discursos sobre educao. Quase todos esses discursos pem em evidncia o fim proclamado para a ao educativa como acima enunciado: preparar os indivduos para a vida social. Ao definir os atributos do ato educativo como o de preparar os indivduos para a vida social, institui-se um parmetro universal sobre os fins da Educao. E esse parmetro pode ser expresso em um outro discurso paralelo e a ele correspondente: o de formar os indivduos para o exerccio da Cidadania. O que se coloca como fim ou finalidade da ao educativa constitui-se, ipso facto , em seu prprio conceito. Um exame mais acurado dessas proposies indicaria que, por esse caminho conceitual, o discurso educativo acaba se convertendo numa proposio tautolgica, e coopera para enfraquecer a construo de um bom entendimento a respeito do que seja a Educao. Se as observaes acima so pertinentes, podemos assegurar que o tema, recolocado como questo neste texto, circunscreve-se no esforo que234Educao & Sociedade, ano XXII, n 76, Outubro/2001o

cabe desempenhar para que seja construdo um significado mais radical e rigoroso para a Educao e para o que se deve entender por cidadania.

1. Uma hiptese e alguns corolriosNa esteira do que foi reafirmado sobre os fins da educao, podemos reconhecer que a ao educativa um processo regular desenvolvido em todas as sociedades humanas, que tem por objetivos preparar os indivduos em crescimento (crianas e adolescentes) para assumirem papis sociais relacionados vida coletiva, reproduo das condies de existncia (trabalho), ao comportamento justo na vida pblica e ao uso adequado e responsvel de conhecimentos e habilidades disponveis no tempo e nos espaos onde a vida dos indivduos se realiza. Ao redor desses aspectos se desdobra o conjunto das aes educativas a serem desempenhadas pelos sujeitos educadores, entre eles a escola. Essa concepo permite construir uma hiptese que se constituir em objeto de anlise a seguir. Essa hiptese se apresenta sob dupla face: uma positiva, por permitir compreender um processo histrico desde um tempo passado at os dias de hoje; e uma negativa, pois se sustentada do modo como se encontra formulada e ela tem sido inviabiliza ou pelo menos dificulta a construo de uma proposio mais radical sobre os contedos educacionais que devem ser pensados para o futuro. Essa hiptese pode ser anunciada da seguinte forma :A aquisio de conhecimentos e a sua utilizao prtica na forma de habilidades tornaram-se, ao longo dos ltimos dois sculos, nos fins e meios para todas as atividades educacionais nas sociedades modernas e constituem em instrumentos fundamentais a serem possudos por cada indivduo na sociedade. O modo de aquisio e de distribuio desses conhecimentos e habilidades se constituiu em paradigma que organiza todos os processos educativos, e estabelece o grau de responsabilidade para sua implementao por parte do poder pblico ou da iniciativa privada, nos planos individuais e coletivos, particulares e universais. No interior desse paradigma, as idias de Educao e de Educao Escolar se fundem e estabelecem limites conceituais sobre os quais se constrem os discursos reflexivos sobre os contedos da Educao, bem como sobre os objetivos e os meios das polticas educacionais.

Ora, esta hiptese explicita o sentido que se atribui Educao em geral e especialmente s prticas educativas desenvolvidas pela educao escolar. Aqui se articulam as relaes prticas da educao e a sua necessidade vida poltica e social, individual e coletiva. Ao redor dessas

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relaes acredita-se que a Educao o caminho necessrio para a formao do sujeito-cidado. Por decorrncia, a questo da cidadania se torna uma questo a ser considerada com primazia.

2. O que isto, a cidadania?No conjunto destas idias, encontramos uma das proposies que oferece suporte para os grandes discursos a respeito do que se considera fim supremo da Educao escolar no mundo moderno: a preparao dos indivduos para o exerccio da cidadania. Este fim, proclamado nas entrelinhas no denominado Relatrio Condorcet, aprovado na Assemblia Francesa em 1792, se encontra reafirmado como princpio da Educao brasileira nos termos do artigo 205 da atual Constituio, no artigo 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, e de modo semelhante ou aproximado em outros textos legais e normativos da Educao brasileira. O vocbulo cidadania, no caso, recebe sua definio do conjunto semntico que a expresso exerccio da cidadania carrega. O texto constitucional sugere que o conceito de cidadania resulta de uma funo social a prtica da cidadania onde o seu significado emerge. Similar a todo contedo semntico, ele s plenamente compreendido na relao com a vida social. Por seu lado, o ato concreto do exerccio da cidadania que d sentido ao termo cidado. Portanto, cidadania um atributo aplicado ao cidado e, mais importante ainda: recebe sua legitimidade na ao educativa. A educao cumpre esse papel ao dotar os educandos dos instrumentos que lhes so necessrios e pertinentes. Esses instrumentos so colocados em evidncia ao serem descritos os meios educacionais que possibilitaro que todos os indivduos cidados deles se apossem: organizao e distribuio de conhecimentos e habilidades disponveis num certo momento histrico, preparao para o trabalho, acesso ao desenvolvimento tecnolgico, participao crtica na vida poltica. Tais consideraes, ainda hipotticas no interior deste texto, levam-nos necessidade de examinar, mais detidamente, o que se deve entender por cidadania, j que, para discutir o que se compreende por Educao, nosso raciocnio conduzido para o labirinto conceitual que se ergue quando estabelecemos a relao entre esses dois termos: educao e cidadania. No ser demais repetir que, em relao aos conceitos de cidado e de cidadania, ainda estamos longe de um acordo consensual a respeito do seu contedo semntico.236Educao & Sociedade, ano XXII, n 76, Outubro/2001o

Um dos recursos metodolgicos de que lanamos mo, com freqncia, ao procurar discernir os sentidos de um conceito, procurar identific-los em seu movimento histrico. No estou certo de que esse procedimento nos auxiliaria neste caso, pois esse caminho apenas ajudaria a conferir o modo como os conceitos de cidado e de cidadania se movem no terreno das prticas relacionadas vida poltica em qualquer organizao social. Ser cidado e exercer sua cidadania no mundo grego e romano era diferente de ser cidado e exercer sua cidadania no Egito ou entre os hebreus. Ser cidado no imprio czarista jamais foi o mesmo que ser cidado nos estados americanos, a partir de sua independncia, ou na Europa ps-revoluo francesa. O mesmo ocorre nos tempos contemporneos: o comportamento esperado do cidado na antiga sociedade sovitica no era o mesmo do outro lado da cortina de ferro, ou da Alemanha antes e aps a queda do muro de Berlin. E o que no dizer ainda dos sentidos diversos de cidadania nas sociedades liberais e neoliberais, e desafio crescente hoje no modo como se expressa ou se expressar a cidadania num mundo globalizado. Desse modo, explicitar esse conceito torna necessrio demonstrar a opo do modelo de sociedade, de organizao social, de identidades histricas e de projetos de futuro em que ele considerado. E ainda assumir que este conjunto de opes, racionais, fundadas em vontades e princpios, vai formatar o conceito de cidado assumido e, por decorrncia, explicitar o sentido dos termos exerccio de cidadania. Para no estender por demasiado essa discusso, alguns dos contornos tericos e prticos em torno dos quais so construdas as idias de cidado e de cidadania devem ser indicados. Do ponto de enraizamento histrico, remetemo-nos ao mundo clssico construdo pelos gregos e que nos liga idia de plis como comunidade constituda por indivduos livres, autnomos, habitantes de um determinado espao geogrfico e social. Interessa-nos, sobretudo para este trabalho, considerar que para ser cidado na Grcia clssica algumas condies deveriam ser preenchidas. S poderia ser cidado o indivduo livre para expressar e exercer a sua vontade no espao pblico e assumir as responsabilidades decorrentes dessa vontade. O cidado tinha de admitir ter duas vidas: uma, a vida privada, e outra a Bos Polytiks (a vida poltica) e nesta que se faz a plena distino entre o que prprio de cada um e do que prprio da vida coletiva. 1 Tais caractersticas, exigidas para que a cidadania fosse reconhecida, erguiam enormes entraves para diversos indivduos e grupos sociais serem reconhecidos como cidados, tais como as mulheres, as crianas,76, Outubro/2001o

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os escravos, os estrangeiros e os habitantes pobres da plis . No entanto, o essencial do ponto de vista conceitual estava posto, tem valor permanente e universal, e constitui contedos vlidos e universais: a cidadania se constri nos fundamentos da liberdade, da autonomia e da responsabilidade. Estes contedos so condies para a cidadania, e fundamentos para a tica. Eles constituem, por seu lado, a base sobre a qual sero erguidos os pilares da moderna sociedade de direitos no mundo ocidental. Ser em torno de tais contedos que as idias de democracia, de responsabilidade civil, de direitos individuais, de dever do poder pblico etc., sero construdas ao longo da histria da civilizao ocidental.2

Podemos dizer que a partir dos tempos clssicos, o conceito de cidado se consolidou e incorporou outros grupos e indivduos. Aps a Revoluo Francesa, estende-se progressivamente o reconhecimento de cidadania a um universo cada vez mais amplo da populao, desde que preenchesse a condio constitutiva: a da liberdade e da autonomia. Por isso, devem ser indicadas em que condies a liberdade e a autonomia princpios constitutivos se manifestam na cidadania. O cidado livre porque est certo de que sua vontade no ser impedida de ser proclamada por injunes que lhes so externas. Ele sabe que essa vontade implica responsabilidade e se articula s vontades de todos os outros cidados reunidos no mesmo espao e tempo social. Seguindo esse rastro, a idia de formao para a cidadania comea a ser dimensionada. Tendo em vista que as condies da cidadania so construdas, a Educao ganha papel central nesse processo. O exerccio de cidadania compreende duas aes interdependentes: a primeira refere-se participao lcida dos indivduos em todos os aspectos da organizao e da conduo da vida privada e coletiva; e a segunda, capacidade que estes indivduos adquirem para operar escolhas. Ambos os aspectos caracterizam o sujeito identificvel como cidado. Como j apontamos que o exerccio da cidadania pressupe a liberdade, a autonomia e a responsabilidade, fica evidente que se constitui um dever dos cidados participar na organizao da vida social. Essa organizao deve assegurar a todos o exerccio da liberdade e da responsabilidade. Isso significa que a prtica da cidadania deve demolir todas as interdies construo de espaos de liberdade ao dos cidados. Tais espaos so o locus onde o cidado erige o seu modo de ser e de se expressar. Os cidados, munidos dos instrumentos da cidadania, tornam-se construtores de formas organizativas e de ao na vida pblica. Essa forma de organizao social e de ao poltica denomina-se Democracia.238Educao & Sociedade, ano XXII, n 76, Outubro/2001o

Logo, a Democracia o modo como seres humanos autnomos, livres e responsveis articulam as diversas vontades e capacidades individuais e coletivas para construir um modo de viver que lhes permita o mais alto grau possvel de exerccio de sua liberdade, em um espao pblico. Este espao pblico, na sua forma moderna de organizao, pode se identificar com o Estado. A Democracia o projeto poltico mais completo e ambicioso dos tempos modernos. Se a prtica da democracia no alcanou ainda uma relao perfeita de equilbrio entre as vontades e as possibilidades dos indivduos e dos grupos, ela a nica forma de organizao poltica que encaminha os conflitos de vontades para processos de superao e de negociao independentes do recurso violncia. Mas, por ser projeto humano, est sempre aberto a novas possibilidades. A Democracia no pode ser entendida como simples reestruturao de um regime poltico, nem ainda como organizao mnima3

do poder constitutivo da organizao social. Ela tem a ver como todo um conjunto de princpios ao redor dos quais se articula a totalidade da vida privada e pblica dos cidados. A Democracia um projeto pleno de possibilidades. E quando se diz que um projeto, vem-nos mente a condio concreta da democracia. Lanando mo de uma metfora, podemos dizer que a democracia semelhante a uma estrada que nos leva a um ponto que sempre se afasta quando dele nos aproximamos, e se o atingimos, ele no apresenta a aparncia que ns lhe atribuamos. De certo modo, frustra-nos sempre. No entanto, um projeto civilizatrio que vem sendo construdo, pedra sobre pedra, h mais de dois mil anos. Voltemos nossa hiptese. Ao retornar hiptese enunciada, gostaria de extrair dela pelo menos trs corolrios a serem colocados em evidncia. So os seguintes: l) devem ser tomados por cidados, ou esto aptos a exercerem a cidadania, todos aqueles que se encontram integrados vida social; 2) para que essa integrao ocorra, os indivduos precisam ser portadores de habilidades para o exerccio de uma funo til e reconhecida como legtima para si prprio, para sua famlia e para a comunidade. Por oposio chegamos a um terceiro corolrio: 3) devem ser considerados no-cidados todos aqueles que se encontram afastados ou desalojados dessas condies bsicas do exerccio da cidadania. A esses so atribudos os conceitos de marginais ou no integrados. Assim sendo, uma primeira concluso pode ser deduzida da hiptese e de seus corolrios: a Educao o meio atravs do qual ocorre a preparao e a integrao plena dos indivduos para serem sujeitos na vida pblica. Observe o76, Outubro/2001o

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leitor que com tal concluso retornamos aos objetivos, meios e fins da educao, tais quais anunciados nos discursos sobre os quais fizemos referncia na abertura deste trabalho. So, portanto, estes os aspectos os mais consensuais e que, por serem consensuais, no apresentariam dvidas ao nosso esprito. No entanto, gostaria de examinar esses consensos e questionar essa concluso, tendo em vista o dever intelectual de denunciar a dissonncia de muitas idias que se encontram to arraigadas em nosso esprito que se convertem em um discurso ideolgico. De incio, vamos questionar o prprio conceito de Educao contido da hiptese e reforado pelo senso comum e a relao orgnica do mesmo com a cidadania, tal qual anunciada de modo consensual. Pretendemos para esse questionamento erguer outras bases de argumentao a partir das quais esse conceito ganhar outros contornos tericos e prticos.

3. O que deve ser isto, a EducaoKant nos fornece uma primeira aproximao conceitual para que sejam elaborados novos nveis de argumentos. Diz ele, em certo momento, que o homem a nica criatura que precisa ser educada. 4 Pois bem, esse enunciado nos convida a um dilogo com seu autor: por qu o homem a nica criatura que precisa ser educada? A proposio uma assertiva sobre a educao e a sua relao com o ser humano assumida como princpio fundante. Isto : a Educao necessria para que o Ser Homem seja constitudo. O Homem no se define como tal no prprio ato de seu nascimento, pois nasce apenas como criatura biolgica que carece se transformar, se re-criar como Ser Humano. Esse ser dever incorporar uma natureza em tudo distinta das outras criaturas. Ao nascer no se encontra equipado nem preparado para orientar-se no processo de sua prpria existncia. O ato de formar o ser humano se d em dois planos distintos e complementares: um de fora para dentro e outro, de dentro para fora. Pelo primeiro, ele precisa ser educado por uma ao que lhe externa, de modo similar ao dos escultores que tomam uma matria informe qualquer, uma madeira, uma pedra, ou um pedao de mrmore, e criam a partir dela um outro ser. Assim como no se deve esperar que um objeto escultural aparea de modo espontneo, tambm no se deve esperar que o ser humano seja fruto de um processo de auto-criao. ainda Kant quem reafirma que o homem no pode se tornar homem seno pela educao. A formao humana resulta de um ato intencio5

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nal, que transforma a criatura biolgica em um novo ser, um ser de cultura. Esse ato denomina-se Educao. Em resumo: a Educao um ato intencional imposto de fora sobre uma criatura que deve ser formada como ser humano. Sendo um ato intencional e externo, ele desempenhado primeiramente pelos que antecedem na vida social os que esto sendo formados. Nesse sentido, Kant igualmente assegura que a gerao mais velha deveria educar a gerao mais nova. No entanto, o processo educativo no se reduz a essa formao externa. Ela necessria, mas no suficiente. Se o fosse, o ato de educar seria um simples exerccio de reproduzir o ser humano segundo um modelo externo, o que transformaria o ser humano num objeto a ser trabalhado por um sujeito formador. Dever-se-ia acreditar que h um modelo ideal ao qual devemos conformar os educandos. Creio ser esse o sentido atribudo afirmao, muito difundida, de que educar promover o ajustamento do educando a uma determinada realidade. Ora, educar no somente isso. No segundo plano, educar compreende acionar os meios intelectuais de cada educando para que ele seja capaz de assumir o pleno uso de suas potencialidades fsicas, intelectuais e morais para conduzir a continuidade de sua prpria formao. Esta uma das condies para que ele se construa como sujeito livre e independente daqueles que o esto gerando como ser humano. A Educao possibilita a cada indivduo que adquira a capacidade de auto-conduzir o seu prprio processo formativo. Esse roteiro coloca a questo educacional radicalmente distante da viso pragmtica e utilitria a que foi direcionada nos tempos modernos. No h dvidas de que, desde a poca em que Kant elaborou essa afirmao, novas demandas sociais e novos desafios polticos emergiram no tecido social. Estamos certos de que no se pode olvidar os contedos da declarao dos direitos do homem e do cidado, as transformaes na vida cotidiana, nas relaes de poder e nas formas de trabalho introduzidas a partir da revoluo industrial, o desenvolvimento das cincias e das tcnicas e sua aplicao nos processos produtivos, a ameaa ao meioambiente, a organizao dos Estados modernos, o advento da democracia burguesa, os movimentos ideolgicos, as revolues socialistas, a revoluo dos meios de comunicao e de informao, o progresso da medicina, o advento da sociedade em rede, a globalizao. No entanto, em que pese todo esse rebulio na vida social, constata-se que h um aspecto permanente e fundante: tudo o que ocorre na vida social decorre da interveno dos seres humanos. E este ser no emerge na vida semelhana de Ado, pelas mos e sopro divino, ou de76, Outubro/2001o

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Athena, de uma exploso da cabea de Zeus. Pelo contrrio. Ele emerge vagarosamente, pela ao formadora desenvolvida pelos adultos que vo re-formando essa criatura biolgica at ela se tornar um ser humano. Por analogia, podemos comparar esse processo ao crescimento das plantas. Aps escolher o que se quer plantar, preparar o terreno e semear, deve-se cuidar de modo adequado para que a semente germine e se desenvolva na forma da planta. Se no houver aes externas semente, como adub-las e reg-las, elas tendem a no germinar. O esforo e a interveno externa no garantem o nascimento e sua transformao em rvore. Isso s ocorre se a semente, devidamente adubada e regada, acionar mecanismos internos e prprios que fazem desabrochar os mecanismos que a levam a absorver a gua da terra e o alimento que lhe so fornecidos para que cresa em fora e vigor. No fazemos a planta crescer, apenas fornecemos-lhe os meios para que cresa. H de se cuidar dela a partir do nascimento, para que seja moldada s finalidades que lhe atribumos. De modo semelhante ocorre na formao das crianas. Sabe-se que mais fcil seme-las do que form-las. Aps o seu nascimento e at a sua adolescncia devemos lhes fornecer os meios que so externos para que desenvolvam sua capacidade intelectual, afetiva, psquica, moral. Estes meios vo colaborar para seu crescimento e amadurecimento at o ponto em que a dependncia em relao ao exterior seja eliminada ou reduzida ao mnimo possvel. Nesse momento, se poder dizer que a criana percorreu os estgios da formao como ser social e alcanou sua maturidade e autonomia. Ou dito de outro modo, chegou sua maioridade. O ser nascente, no homem, necessita, pois, receber uma forma6

o completa para poder existir junto aos outros homens como um ser igual e completo. Nesse sentido, se diz da Educao que ela uma totalidade, pois sua ao formativa abarca tanto a dimenso fsica quanto a intelectual, tanto o crescimento da competncia de cada educando para se auto-governar quanto a formao moral que o leve a um adequado relacionamento com os outros homens. Vamos inverter os termos e elaborar um outro tipo de questo para avanar em nosso dilogo com Kant . Por qu os animais no necessitam ser educados? E a resposta mais justa seria porque eles no necessitam acolher, de fora, nenhuma nova caracterstica ou competncia que j no lhe dada no prprio ato de nascimento, e adequada sua espcie. Os animais nascentes no tm projeto de futuro, no se transformaro em algo que j no so quando nascem. Qualquer animal, no ato de seu nascimento, j est completamente formado e ser idntico sua pr242Educao & Sociedade, ano XXII, n 76, Outubro/2001o

pria espcie. Uma cobra, ainda na sua infncia o que ser quando adulta. No ir adquirir habilidades, conhecimentos ou percepes diferentes do que a ela esto previamente destinados. Com o ser humano isso totalmente diferente. O ser que ele , no ato de seu nascimento, ser transformado para algo absolutamente diverso. Logo, o que ao nascer, no-, pois apenas uma possibilidade, um projeto, uma inteno de futuro. A esse ser, que apenas um devir, ser oferecida uma possibilidade de vida, tanto do ponto de vista da sobrevivncia quanto da realizao de outras condies e possibilidades. Isso aponta para o fato de que o ser humano recebe uma educao que tem por fim produzir nele uma rejeio ao que lhe dado no nascimento, como natureza, para se tornar algo novo num mundo igualmente novo: uma vida inserida no mundo da cultura. E essa cultura nada apresenta de fixo e imutvel, pelo contrrio, um eterno movimento em direo a algo que no se sabe o que pode ser. Por isso, educar implica retirar do indivduo tudo que o confina nos limites da Natureza e dar a ele uma outra conformao, s possvel na vida social. Nesse sentido, a Educao, entendida como o processo de formao humana, atua sobre os meios para a reproduo da vida e essa sua dimenso mais visvel e prtica , bem como coopera para estender a aptido do homem para olhar, perceber e compreender as coisas, para se reconhecer na percepo do outro, constituir sua prpria identidade, distinguir as semelhanas e diferenas entre si e o mundo das coisas, entre si e outros sujeitos. A Educao envolve todo esse instrumental de formas de percepo do mundo, de comunicao e de intercomunicao, de auto conhecimento, e de conhecimento das necessidades humanas. E prope-se a prover as formas de superao dessas necessidades, sejam elas materiais ou psquicas, de superao ou de reconhecimento de limites, de expanso do prazer e outras. Educar requer o preparo eficiente dos educandos para que se capacitem, intelectual e materialmente, para acionar, julgar e usufruir esse complexo de experincias com o mundo da vida. Esta uma responsabilidade a ser atribuda ao Educador.

4. Quem o Educador e como ele atuaMontaigne nos lembra que para exercitar a inteligncia, tudo o que se oferece aos nossos olhos serve suficientemente de livro: a malcia de um pajem, a estupidez de algum, uma conversa mesa.... Curiosa 776, Outubro/2001o

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observao, pois nos revela que o que se requer do educador que promova nos educandos a sua capacidade de observao, de anlise, de julgamento e de adeso. E para isso so igualmente teis os preceitos e as teorias, a observao e a experincia cotidiana. Deve-se educar o esprito, mas tambm os olhos, isto , os sentidos, pois o entendimento no cres- 8 ce apenas com o alimento provido pelos conceitos, mas tambm com o que absorve ao interiorizar e processar intelectualmente o mundo observado e vivido. A educao deve, pois, formar o corpo e o esprito. Continua Montaigne, agora se dirigindo de modo especial ao educador: quero que a delicadeza, a civilidade e as boas maneiras se modelem ao mesmo tempo que o esprito, pois no uma alma somente que se educa, nem um corpo, um homem: cabe no separar as duas parcelas do todo.9

Esse ser humano no herda as competncias necessrias para vivenciar a diversidade das experincias nas quais estar inserido ao longo de sua vida. E como a sua vida no est delimitada pelo mundo natural, mas pela variedade do mundo cultural, carece de conhecer e dominar as formas do mundo cultural, admirvel e complexo. Por isso que h uma dependncia estrutural da gerao mais velha, aquela que recebeu anteriormente uma formao e que j viveu, antes da gerao atual, um nvel de experincia da vida social e que, por essa razo, deve se sentir melhor preparada para repassar saberes teis a cada um que ainda vai iniciar sua jornada. Essa jornada no precisa comear do nada, mas do ponto em que todos se encontram aqui e agora. Pode-se, desse modo, compreender que a Ao Educativa, enquanto Ao Formativa, uma atividade extremamente complexa e de alta responsabilidade. Segue um percurso no espontneo e casual e, em suas formas mais complexas e elevadas, deve ser conduzido por pessoas qualificadas para exercer a funo de Educar. Mas bom que se atente para a considerao de que ela no pode ser de responsabilidade de nenhum indivduo isoladamente, nem mesmo de qualquer instituio especializada. Nenhum indivduo isoladamente, por melhor preparo que tenha, ser capaz de oferecer a outro a plenitude da formao de que ele necessita, bem como nenhuma instituio, ainda que seja definida como educativa, poder dar conta desse papel. Essa tarefa de responsabilidade social. Pode ser que a sociedade no realize a melhor educao que se deseja, mas ela realizar a melhor educao possvel. Ao dizer que os mais velhos devem educar os mais jovens, indicamos um pressuposto como parte do enunciado. Qual esse pressupos244Educao & Sociedade, ano XXII, n 76, Outubro/2001o

to? Podemos destac-lo da seguinte forma: no processo educativo h uma experincia a ser transmitida aos mais jovens e ela s pode ser bem conduzida por parte de quantos a tenham vivido e que a compreendam como necessria na construo do mundo humano. Podemos questionar: como se d esse processo de troca de experincias, quando, em que circunstncia ele tem incio e quais so seus contedos fundamentais?

5. Primeiro contedo do processo formativo: a construo da linguagem ou do mundo simblicoVamos tratar, em primeiro lugar, do mais original dos meios de produo do mundo humano: a linguagem. Talvez seja este o nico produto humano que pode ser considerado fim e meio sob a mesma relao. Sem a linguagem no h o mundo cultural e por ela esse mundo construdo. So diversas as referncias que poderiam reforar o grau de conscincia da importncia fundamental da linguagem na histria da cultura. Entretanto, vamos utilizar a ponderao a seguir a respeito da linguagem, que creio ser suficientemente representativa para a discusso pretendida.10

Gadamer afirma que a linguagem no somente um dos dotes,11

de que se encontra apetrechado o homem, tal como est no mundo, mas que ela representa o fato de que o homem simplesmente tem mundo. O mundo est a para os homens de uma forma absolutamente diferente do modo como est para qualquer outro ser vivo. Ela estabelece no apenas o modo de apreender e dominar o mundo, mas o modo humano de ser no mundo, pois por ela que o homem se coloca como ser autnomo frente ao mundo. Pela linguagem lhe assegurada a plena posse da liberdade. Continua Gadamer: Ter mundo quer dizer comportar-se para com o mundo. Mas comportar-se para com o mundo exige, por sua vez, que nos mantenhamos to livres, face ao que nos vem ao encontro a partir do mundo, que consigamos p-lo ante ns tal como . Ter mundo ser capaz de construi-lo e de possui-lo pela linguagem. Ora, isso muda o prprio conceito de mundo circundante, pois o conceito de mundo para o homem se apresenta em oposio ao conceito de mundo circundante para qualquer outro ser vivo que est no mundo. Por mundo circundante no se deve entender apenas o meio fsico em que o homem vive. Claro que o homem no independente desse meio. Esse meio o toca e o influencia. Mas h um detalhe s possvel ao

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homem: enquanto os animais vivem no mundo, ou esto a ele confiados, o homem tem mundo, isto , o mundo lhe pertence como fruto de sua produo. Esse mundo, por ser produzido pelo homem, feito sua imagem e semelhana. Corresponde tanto ao modo como o homem se relaciona com o mundo fsico, com o meio-ambiente, quanto com o modo como se relaciona consigo mesmo, com os outros homens e com o produto civilizatrio por ele institudo. Aqui se entrelaam temas relativos vida cultural, social, poltica, e de responsabilidade tica, individual e coletiva desse ser humano. O ser humano um ser livre em relao ao mundo circundante, na medida em que o mundo produto de sua linguagem. Homem e mundo so partes de uma mesma relao. A multiplicidade de linguagens no advm, como quer o mito da Torre de Babel, de uma confuso de lnguas a partir de uma lngua originria. Na realidade o contrrio, pois as coisas se explicam de outro modo: porque o homem est capacitado a elevar-se sempre acima de seu mundo circundante casual, e porque seu falar traz o mundo fala, est dada, desde o princpio, sua liberdade para um exerccio variado de sua capacidade lingstica. E poderamos acrescentar: sua liberdade para reproduzir o12

mundo da cultura. A que as consideraes acima nos remetem? Em que se relacionam com o processo de formao humana, do qual estamos tratando? Bem, elas tocam em pelo menos trs aspectos que cobrem o processo formativo da ao educacional. Vamos consider-los em seguida. O primeiro refere-se construo simblica da realidade, isto , a aquisio da linguagem, sem a qual no h mundo humano. O segundo refere-se disciplinao da vontade e aquisio de conhecimentos e habilidades de que cada um ir se servir para atuar na reproduo das condies prprias de existncia e de participao enquanto membro da sociedade. No se pode ignorar que esse processo s se torna possvel porque o indivduo j se encontra inserido no mundo humano que o mundo simblico. O terceiro aspecto coroa todo o processo educativo e sua durao se estende por toda a vida dos sujeitos: trata-se da formao do sujeito tico. Este s pode ocorrer pela aquisio do mais alto grau de conscincia de responsabilidade social de cada ser humano, e se expressa na participao, na cooperao, na solidariedade e no respeito s individualidades e diversidade. Em que pese o fato de no podermos tratar de todos estes aspectos exaustivamente, vamos considerar alguns dos que evidenciam as razes pelas quais eles no podem ser ignorados.246Educao & Sociedade, ano XXII, n 76, Outubro/2001o

Comecemos pela construo simblica da realidade. Desde o incio, os adultos tendem a fazer com que as crianas modifiquem as formas de expresso de suas vivncias naturais, como aquelas que expressam fome, sede, insegurana, necessidades fisiolgicas e as diversas afeces produzidas pela experincia sensitiva com as coisas que as cercam, como a luz, o calor, o frio, a dor. Originalmente, a expresso dessas experincias de natureza reativa e se manifesta materialmente na forma de choro, riso, gritos, paralisia. O que desejam os adultos? Que as crianas transformem esses gestos reativos em um gesto simblico inteligvel ao adulto. Somente essa inteligibilidade construir uma ponte para que ambos, crianas e os que as cercam, organizem uma relao comum da experincia que est sendo vivenciada. Atendida essa condio, poder haver uma troca de experincias e os adultos podero estimular as que produzem satisfao e evitar ou minorar as que difundem desconforto ou aborrecimento. Antes mesmo de serem capazes de expressar sua experincia de modo simblico, as crianas so levadas a perceber que os seres humanos adultos so incapazes de entender a expresso de suas reaes naturais com as coisas, pois ao longo da vida social foi sendo gestada uma ruptura radical entre os adultos e a natureza. Por isso, todos se empenham para que nelas aflore a expresso simblica do mundo, pela qual devem exprimir as suas experincias elementares e naturais. Desde cedo, requer-se que as crianas sejam capazes de falar, pois a fala organiza as condies para uma intercomunicao com os adultos. O mundo, traduzido simbolicamente, emerge no plano da conscincia dos indivduos em tudo diferente da natureza, pois o prprio mundo cultural. Mas poder traduzir simbolicamente o mundo no suficiente. A partir desse momento, comeam a germinar formas novas de expresso da sensibilidade e de produo de sensibilidades. O ser humano deve no apenas sentir o mundo, mas estabelecer correlaes, valores, antever experincias, avaliar, fixar, repetir ou evitar o que se considera positivo ou negativo (bom e mau, bonito, feio, agradvel, desagradvel), enfim, desenvolver as potencialidades da sensibilidade e da memria. Espera-se que o ser humano seja capaz de conhecer o mundo que lhe antecipa na ordem da existncia e reconhecer que o existente composto de um conjunto de coisas que no depende dele para existir. H tambm um conjunto de coisas que poderiam no existir, que poderiam ser diferentes do que so, que podem ser incorporadas minha existncia ou no, e de outras que guardam interesses diversos para pessoas diferenciadas. O mundo humano esse mundo diferenciado, construdo76, Outubro/2001o

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simbolicamente e que, quanto mais complexo, mais denuncia a distncia entre o mundo humano e toda a chamada realidade primeira. Para viver esse mundo cada um deve ser preparado para se relacionar com o existente, adaptar-se ou a ele se adequar na qualidade de herdeiro dos produtos das geraes que o precederam. Como esse ser dotado de vontade infinita, mas de possibilidade finita, h de disciplinar essa vontade para que ela possa ser ajustada realidade em que se est colocado. De algum modo, o mundo j existia antes dele, recepcionao e o convida a ser participante de sua reconstruo. Alm de herdeiros, os novos sujeitos humanos precisam desenvolver meios prprios para participarem na conservao e na transformao do mundo humano. Estas observaes nos indicam que j estamos a tangenciar o plano dos conhecimentos e das habilidades indispensveis a todos, e que so desenvolvidos de modo diferenciado por e em cada um. Ningum necessita, nem ter competncia para conhecer tudo o que o ser humano produz e como o produz, nem possuir todas as habilidades disponveis no mundo humano. Demarcar esse grau de conscincia permite que os seres humanos adquiram capacidade seletiva e noo de limites que s podem ser estendidas nos meandros da intercomunicao cooperativa com outros homens. Os seres humanos descobrem que no esto ss no mundo, nem realizam a sua existncia de modo solitrio e isolado. Ele necessita construir inter-relaes com outros seres humanos e com a natureza. Isso nos leva a um terceiro plano. Relembremos: o primeiro o do reconhecimento do mundo e de sua transformao em mundo simblico. O segundo inclui a disciplinao da vontade e a aquisio dos conhecimentos e das habilidades que constituem a herana social que cada um recebe ao ser transformado em sujeito cultural. E o terceiro deve levar cada um ao reconhecimento de que no capaz de traar seu prprio destino sem o concurso das relaes institudas no mundo humano. O ser humano dever ser formado para a ao cooperativa, para a solidariedade, para a aceitao do outro, para a noo de limites e para construir a noo de dever. Neste plano, estamos ingressando no que se deve entender como o da formao e desenvolvimento dos princpios da tica e da Moral, necessrios a todos os homens. Somente neste plano pode-se considerar completa a tarefa do que se diz por Educao. Educar integralmente quer dizer, pois, formar o ser humano nos trs planos assinalados. A se colocam os patamares de toda educao necessria e completa. H de se inserir o homem no mundo social e248Educao & Sociedade, ano XXII, n 76, Outubro/2001o

disciplinar os seus impulsos naturais; desenvolver nele a capacidade do entendimento e do conhecimento; organizar e promover habilidades necessrias produo e re-produo das condies prprias de existncia; prepar-lo para compreender-se como partcipe de um processo civilizatrio, no qual se torna responsvel com o bem estar pessoal e dos outros, e com a incessante busca da felicidade. Enfim, podemos agora perguntar: em que momento se pode dizer que a Educao cumpriu integralmente sua tarefa? Como identificar o homem formado como sujeito tico?

6. O segundo contedo do processo formativo: a formao do sujeito de autonomia e de liberdadeO Homem educado aquele que atingiu a sua maioridade, que se emancipou de todos os que foram os condutores dos seus primeiros passos. Ao se emancipar, torna-se o condutor do prprio processo de re- 13 formao, de auto-desenvolvimento. Consideremos, a ttulo de exemplo, o ato de ensinar algum a ler e escrever. Essa ao se desdobra a partir de procedimentos considerados impositivos e externos ao aprendiz. Quem ensina determina os passos a serem seguidos por quem aprende, desde o reconhecimento de smbolos grficos at a identificao de palavras, frases e de sua significao. Do mesmo modo lhe so determinados os movimentos mecnicos, tais como o modo de segurar o lpis ou a caneta, o ritmo e a direo a ser seguida no ato da escrita. O que, no entanto, se coloca como alvo para o aprendiz? Por certo que ele adquira independncia em relao ao seu pedagogo. Espera-se que, aps um certo nvel de aprendizado, ele escreva o que deseja escrever e leia o texto de sua escolha. Ao se tornar competente para operar tais escolhas, ele adquiriu autonomia, libertou-se de quem lhe orientou os primeiros passos. Essa a diretriz bsica da educao: educa-se para a emancipao, para a autonomia. E que aspectos podem ser destacados para que seja reconhecida a situao de autonomia nos sujeitos? Podemos indicar que, pelo menos trs: o da autonomia da vontade, o da autonomia fsica e o da autonomia intelectual. O sujeito se torna autnomo, no primeiro plano, quando capaz de estabelecer relaes de equilbrio racional entre suas emoes e paixes. Igualmente, ao se tornar capaz para assumir a responsabilidade pelo prprio corpo e as relaes equilibradas com o mundo natural. E, acima de tudo, quando determinar e escolher livremente os meios e os

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objetivos de seu crescimento intelectual e as formas de insero no mundo social. Preenchidas essas condies, ele pode ser reconhecido como sujeito social. Poderamos demonstrar, por exemplo, algumas situaes que auxiliam a compreenso dos aspectos acima colocados. No caso do equilbrio entre emoes, paixes e disciplina da vontade, bastante inteligvel o comportamento infantil e como ele se diferencia do adulto. As crianas, geralmente, no tm pacincia para esperar que sua vontade seja atendida nas mnimas coisas, e na adolescncia ocorre a tendncia para se imaginar que toda e qualquer vontade poder ser realizada. Isto torna o comportamento dos adolescentes incmodo aos adultos. Quase sempre eles expressam de modo irritado a sua insatisfao diante de qualquer interdio a seus desejos e querem alcanar seus objetivos ainda que com o uso da fora. Tm dificuldade para negociar, adiar ou alterar a sua inclinao inicial. Ora, tais comportamentos, quando permanecem na fase adulta dos indivduos, denunciam que estes indivduos no ultrapassaram a sua fase infantil ou adolescente, isto , no atingiram sua maioridade. Comportam-se como crianas ou adolescentes porque no desenvolveram uma das condies da autonomia: disciplinar a vontade e articular paixes, necessidades e racionalidade. No outro plano, o da autonomia fsica, ocorrem situaes semelhantes. Ao nascer, todos desconhecemos o funcionamento prprio do corpo e, por isso, agimos por reao e segundo os limites e movimentos naturais. assim que qualquer criana capaz de se alimentar, ingerir lquidos, expelir excrementos e manifestar desconforto como dor, frio, medo. No sabe, de incio, cuidar do corpo fsico e desconhece as necessidades ligadas higiene, ao descanso, ao manuseio das mos, e mesmo das potencialidades escondidas na mente e nos sentidos. Ora, a educao deve abrir tais possibilidades aos indivduos. Inicialmente, orientamos as crianas a evitar o perigo, a executar atos de higiene, a se alimentar adequadamente, enfim, insistimos no desenvolvimento de hbitos considerados sadios e moderados. O que esperamos? Certamente que as crianas, na medida em que vo se tornando adultas, adquiram autonomia. E quando a tero adquirido? A partir do momento em que puderem dirigir o seu prprio corpo para uma relao saudvel consigo mesmo e com o mundo natural. Isto vai lev-la a tomar decises sobre a prpria higiene, alimentao, descanso, preservao da natureza e de relaes sociais, operar escolhas em relao ao uso do corpo etc.250Educao & Sociedade, ano XXII, n 76, Outubro/2001o

E, por ltimo, a autonomia intelectual. Esta a mais fundamental e complexa, porque ponto de partida e ponto de retorno de todo o processo de desenvolvimento dos fundamentos da autonomia, a includos os da autonomia fsica e da vontade. O modo como o ser humano se relaciona com o mundo, j o dissemos, tem um ponto de inflexo sobre o qual tudo o mais construdo: a transformao da experincia sensvel em experincia simblica. Por certo tiveram os gregos sobejas justificativas para usarem um mesmo vocbulo Lgos para expressar duas idias distintas, mas profundamente articuladas: a racionalidade e a expresso discursiva do mundo, enfim, Razo e Linguagem. O ser humano, produto da racionalidade, desenvolve as diversas formas de linguagens com o que incorpora e produz o mundo natural e cultural, bem como cria meios e fins para disciplinar e para organizar seu modo de existir. Esses meios e fins so identificados nas regras da vida social, nas formas institucionais criadas para agregar e promover a vida social nos projetos de futuro que desenha para si e para a humanidade. Encontramos estes produtos nas instituies religiosas, na famlia, no Estado, nas leis, nas regras morais, nas instituies punitivas, nas empresas, nas instituies cientficas e tecnolgicas, nas organizaes internacionais e corporativas. O sujeito social autnomo aquele que circula e atua no conjunto da vida social de forma independente e participativa. Para isso, requer-se que ele tambm seja capaz de estabelecer juzos de valor e assumir responsabilidades pelas escolhas. O fundamento tico da humanidade se assenta no trip constitudo pelo reconhecimento de si mesmo como sujeito (individualidade), na liberdade e na autonomia. A conscincia deste trip se frutifica pela ao educativa, que constri no ser humano a capacidade para incorporar estes valores. No se pode desconhecer, no entanto, as enormes dificuldades para que o ser humano atue na vida social norteado por essa regulao. O mundo humano no um mundo pr-determinado. No sendo prdeterminado, ele um produto que resulta da confluncia de fatores diversos como os da vontade, da autonomia dos sujeitos, e de como se articulam os projetos que ultrapassam os limites individuais. Tudo isso ainda precisa ser combinado com um quadro de valores que orienta as escolhas de cada um e que pode se alterar em funo dos mais diversos fatores, como os conjunturais, os dos espaos sociais em que os indivduos vivem, as relaes de gnero, as expectativas sociais dos indivduos ou de grupos com os quais os indivduos se relacionam, os crculos de amizade e at mesmo os estados emocionais.76, Outubro/2001o

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Isto significa que nem mesmo os valores, como os da justia, da eqidade e da liberdade, as crenas e os projetos, as concepes de Estado e de organizao poltica, so passveis de entendimento e de adeso uniformes por parte de todos os cidados. A conscincia de liberdade, de igualdade, de participao e de disciplina da vontade, ao atingir o patamar da maturidade nos indivduos, deve orientar os seres humanoscidados a compreenderem a importncia de outros princpios e valores, sem os quais a vida social se destruir, entre eles: a tolerncia, a cooperao, a solidariedade, a humildade, o respeito, a justia. Eis alguns dos grandes desafios para a ao educativa como ao formadora do ser humano. Podemos observar como se torna insuficiente a formulao mais tradicional da Educao que se confina na viso de escolarizao, e esta na aquisio de conhecimentos e habilidades. Ora, gostaria de utilizar uma sugestiva afirmao de Isaiah Berlin, em Limites da utopia . Diz ele que no h nenhuma grande tragdia na histria da humanidade que no tenha sido implementada em nome de um princpio considerado verdadeiro. E gostaria de continuar dizendo que todas as grandes tragdias que a humanidade conheceu resultou de aes implementadas por indivduos ou grupos humanos dotados dos conhecimentos e dos recursos tecnolgicos mais avanados poca dessas tragdias. Desse modo, podemos desconfiar de que o domnio de conhecimentos e de habilidades no garante o desenvolvimento humanitrio nos educandos, porque no promove, por si mesmo, a formao tica do ser humano. Essa formao tica uma necessidade do processo formativo humano, que no pode ser reduzida a uma simples tarefa de produo, organizao e distribuio de conhecimentos e de habilidades. A formao humana s estar completa se acompanhada do desenvolvimento de princpios de conduta que possam ser reconhecidos como de validade universal. Para concluir, gostaria de traar algumas consideraes em torno do Educador, necessrio para construir esse futuro, tendo por fundamento o presente.

Concluso: algum olhar para o futuro desde o presenteQuem o educador-formador desse sujeito humano? Tradicionalmente, essa tarefa inicial da famlia, a comear dos pais, passando a outros membros e a todos os adultos que convivem, desde o incio, com as crianas. Em segundo lugar, j foi um papel desempenhado pelas comunidades, pois constituam um corpo educativo formado, princi252Educao & Sociedade, ano XXII, n 76, Outubro/2001o

palmente, pelos mais idosos, que preservavam os princpios a serem seguidos por todos os membros da vida comunitria. A religio tambm j desempenhou um poder educativo em relao a uma srie de valores invocados pelas comunidades. E, por ltimo, as instituies sociais, como o Estado e seus aparelhos, a justia, os partidos polticos, as organizaes da sociedade civil e, do ponto de vista dos conhecimentos e habilidades, as instituies educacionais. Ora, o que ocorre nos ltimos tempos? Assiste-se a uma desintegrao dessas unidades educativas. As famlias tm perdido sua hegemonia educativa, na medida em que desestruturam as relaes tradicionais entre seus membros. E no estamos a nos referir apenas s famlias das classes pobres, mas de todas as chamadas unidades familiares. Os pais esto cada vez mais ausentes da vida dos filhos, desde os primeiros dias de suas vidas. Igualmente, a Igreja deixou de representar uma instituio unitria e hegemnica, capaz de dar direo moral s novas geraes. E as comunidades desapareceram nas formas novas de organizao da vida coletiva nos tempos modernos. Cada vez mais as pessoas apenas vivem fisicamente prximas, sem qualquer unidade de projetos sociais, de princpios ticos, de trabalho, de dever, de relaes. As cidades, por sua vez, se transformaram em simples aglomeraes populacionais e no so formas de organizao humanitria da vida coletiva. Como conseqncia, h enormes perdas de meios educativos na vida contempornea. A nica instituio que ainda mantm uma presena universal a instituio escolar. Curiosamente, ainda a nica instituio para a qual se dirigem e so dirigidas todas as novas geraes, desde seu nascimento. Assim, gostaria de proclamar a seguinte perspectiva, que pode ser considerada como crena ou aposta de futuro: cada vez mais a Escola exercer ou poder exercer um papel que a ela jamais foi atribudo em tempos passados: o de ser a instituio formadora dos seres humanos. O processo educativo que ela dever desenvolver no poder ser fragmentado e hierarquizado, nem qualquer de suas partes ser eleita como mais importante do que outra. Esse procedimento tenderia a uma espcie de ideologizao da Educao. Mas isso tem acontecido. Em que sentido? Desde os primrdios dos tempos modernos que alguns dos procedimentos prprios da ao escolar, isto , a transmisso, a aquisio e o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades tm sido destacados e constitudos em ncleo central da Educao. Os processos de escolarizao tm colonizado a Educao.76, Outubro/2001o

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Pode-se identificar a lgica desse fenmeno. A partir dos tempos modernos ocorreram diversos movimentos para universalizar a Educao Escolar e essa universalizao tem sido cada vez mais entendida como universalizao da Educao. Como a Educao Escolar sempre teve por caracterstica central lidar com questes do conhecimento e da formao de habilidades, ambas as concepes de Educao Escolar e Educao foram se identificando at dissolver absolutamente o sentido de formao humana. A concepo de formao foi reduzida ao plano dos domnios dos conhecimentos. No entanto, pode-se perceber, na atualidade, um movimento crescente em sentido contrrio. Na medida em que os meios e as formas tradicionais de Educao acham-se de tal modo corrodos, comeam a ser direcionados para a Escola os olhares dos povos, na esperana de que esta exera uma funo Educativa e no apenas a da Escolarizao. Somente que ser necessria uma outra viso da Escola, dos contedos escolares, do papel dos educadores e da relao da Escola com a sociedade. As crianas sero enviadas para a Escola cada vez mais cedo e nela permanecero por um tempo mais extenso. E isso no ser porque h um mundo novo de informaes a ser processado e, sim, porque a Escola dever exercer o tradicional papel das famlias, das comunidades, da Igreja, e ainda, o que lhe era prprio: desenvolver conhecimentos e habilidades. Ela dever se ocupar com a formao integral do ser humano e ter como misso suprema a formao do sujeito tico. Recebido para publicao em julho de 2001.

Notas:1. Ver, por exemplo, a notvel discusso que sobre estes termos podemos encontrar em Jaeger (1995), especialmente no livro primeiro, p. 130-147. 2. Faltaria tempo e espao, nos limites deste texto, para um exame mais detalhado do movimento deste conceito nos autores mais representativos do pensamento moderno e contemporneo. Mas poderamos indicar, preliminarmente, algumas pistas que podem ser encontradas, apenas nos tempos modernos, em pensadores como Spinoza, Montaigne, Rousseau, Hegel e especialmente, Kant, a quem retornaremos adiante. 3. Cf. A. Born, 1966, p. 63. 4. Kant, 1993, p. 69. 5. Idem, Ibid., p. 73. 6. Creio ser importante justificar, nesse ponto, o uso que fao do termo homem, ao longo deste texto. O leitor poder notar que, ao falar de homem, enquanto o sujeito da formao educa-

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cional, estou tomando esse termo no sentido de ser humanoe no tratando do gnero masculino, cujo oposto seria a mulher. 7. Montaigne, 1987, Livro 1, p. 219. 8. Esse tema eu desenvolvi no livro Elogio educao , especialmente na segunda parte, intitulada A educao do olhar. 9. Montaigne, op. cit., p. 229. Essa concepo pode ser encontrada igualmente no projeto educativo desenvolvido por Rousseau no Emlio . 10. A inspirao para esta parte do texto veio da leitura de Verdade e mtodo , de Gadamer, conforme indicado nas referncias bibliogrficas. Em algumas partes do meu texto, utilizo idias do autor referido de forma livre. 11. Gadamer, 1998, p. 643-645. 12. Idem, ibid., p. 645. 13. Ver especialmente Kant, Rflexions sur lducation , e o texto Resposta pergunta: Que o esclarecimento?. Para Kant, o sujeito chega ao comportamento tico quando capaz de agir orientado por princpios universais. Isso s possvel, pois, no estgio em que se chegou maioridade, autonomia. Logo, etapa final do processo de sua formao. Na mesma direo, podemos igualmente examinar Adorno, em Educao e emancipao , especialmente a partir da p. 139, Educao para qu?.

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DU C AT ION RO M HU MAN T RAI NIN G T O T HE CO NST RU C TIO N O F E TH ICA L SU BJ EC T S

ABSTRACT: This text elaborates both a criticism and a proposal with regard to the educational issue. The critic denounces the consensual conception that ascribes the means and ends of Education, as a whole, to the current educational processes. It highlights that such a conception hangs together the pragmatic, utilitarian vision prevailing in both the political and social order of the world, and the role assigned to school education: preparing learners to exercise their citizenship. It also explores and denies the close relationship between the attribute of citizen and individuals who take hold of knowledge and skills considered necessary to their integration as an efficient force within the productive sectors. This paper does not recognize access to knowledge and skills but as part of the human training process. As for its propositional aspect, it stresses the concept of Education as the integral process of human training, since every newborn human being needs to receive a new condition in order to exist in the world of culture. This process includes the acquisition of products that are part of the civilizing heritage and have contributed to exceeding the limits of nature. Among them are rational knowledge, which promoted the scientific and cultural development of manhood, and the conscience that each human being is the very producer of the reproduction conditions of his own life and of the social forms of its organization. The latter must be oriented by the principles of solidarity, recognition of the value of individualities, respect to differences, and by the discipline of wills. The Human Being, once he does not receive any determination by nature, may construct his own way of life on the bases of Free will, autonomy to

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organize his manners of living and responsibility for the direction of his actions. This human feature constitutes the foundation of the ethical subject training, which has to be the essential objective of Education, and to which whatever educational practice, including those concerned with school, must be subjected. Finally, the text addresses what the author believes to be the future of School. Insofar as, in modern society, it is becoming the most legitimate space to carry out the education of children and teenagers, it will have to change in order to embrace this function that will fall on it as a social injunction: being not only a place for schooling, but also, and above all, one of human and ethical subject training. Key words : Education and human training; Education and ethical subjects; Autonomy and education; Education and liberty; Education versus schooling.

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