eduardo meditsch - profissao derrotada, ciencia nao legitimada

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97 BRAZILIANJOURNALISMRESEARCH-Volume6-Número1- 2010 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA Estudos recentes na área, como os de ZELIZER (2004) e SHOEMAKER & COHEN (2006), têm relembrado uma constatação incômoda, feita já há trinta anos, quando vários sociólogos norte-americanos decidiram passar um tempo observando internamente as redações de seu país para estudar a produção e a natureza da notícia: nas palavras de Phillips (1976, p. 88), “os jornalistas não conceitualizam suas próprias experiências, nem situam as situações concretas num contexto teórico mais amplo”. A dificuldade e/ou o desprezo constatado nessa situação, após tanto tempo e tantos estudos realizados, enfatiza um dos problemas crônicos do processo de profissionalização do ofício em nível internacional: a inexistência de um corpo de conhecimentos específicos, amadurecido filosófica e cientificamente, consensuado internamente e reconhecido PROFISSÃO DERROTADA, CIÊNCIA NÃO LEGITIMADA é preciso entender a institucionalização do campo jornalístico EDUARDO MEDITSCH Universidade Federal de Santa Catarina RESUMO As dificuldades de desenvolvimento teórico sobre o jornalismo na área acadêmica específica (quer do próprio Jornalismo, quer da Comunicação) e os problemas que isso acarreta, tanto para a legitimação da profissão quanto da disciplina científica, apontam a necessidade de uma investigação de suas causas a partir do estudo da institucionalização do campo jornalistico. Identificando insuficiências nas dicotomias que têm guiado o debate a este respeito, e nos próprios estudos anteriores do pesquisador sobre o tema, este artigo propõe a necessidade de aumentar o conhecimento sobre a história do Jornalismo no campo acadêmico, a partir do referencial teórico da Sociologia do Conhecimento, buscando dados sobre sua institucionalização social e cognitiva, contextualizando-os em relação às histórias do Jornalismo e da Universidade e interpretando-os com base nos estudos sobre a Sociedade e a Cultura. A hipótese com que trabalha é de que a identificação e a descrição dos frames construídos no processo de institucionalização da área podem ajudar a esclarecer as dificuldades epistemológicas constatadas no seu desenvolvimento. Palavras-chave: Jornalismo. Campo Acadêmico. Institucionalização. Frames. Epistemologia. Copyright © 2010 SBPJor / Sociedade Brasileira de Pesquisa em Jornalismo DOSSIÊ

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  • 97BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010

    Introduo e JustIfIcatIva

    Estudos recentes na rea, como os de ZELIZER (2004) e SHOEMAKER

    & COHEN (2006), tm relembrado uma constatao incmoda, feita j

    h trinta anos, quando vrios socilogos norte-americanos decidiram

    passar um tempo observando internamente as redaes de seu pas para

    estudar a produo e a natureza da notcia: nas palavras de Phillips (1976,

    p. 88), os jornalistas no conceitualizam suas prprias experincias,

    nem situam as situaes concretas num contexto terico mais amplo.

    A dificuldade e/ou o desprezo constatado nessa situao, aps tanto

    tempo e tantos estudos realizados, enfatiza um dos problemas crnicos

    do processo de profissionalizao do ofcio em nvel internacional: a

    inexistncia de um corpo de conhecimentos especficos, amadurecido

    filosfica e cientificamente, consensuado internamente e reconhecido

    Profisso derrotada, cincia no legitimada preciso entender a institucionalizao do campo jornalstico

    Eduardo MEditschUniversidade Federal de Santa Catarina

    resumo as dificuldades de desenvolvimento terico sobre o jornalismo na rea acadmica especfica (quer do prprio Jornalismo, quer da comunicao) e os problemas que isso acarreta, tanto para a legitimao da profisso quanto da disciplina cientfica, apontam a necessidade de uma investigao de suas causas a partir do estudo da institucionalizao do campo jornalistico. identificando insuficincias nas dicotomias que tm guiado o debate a este respeito, e nos prprios estudos anteriores do pesquisador sobre o tema, este artigo prope a necessidade de aumentar o conhecimento sobre a histria do Jornalismo no campo acadmico, a partir do referencial terico da sociologia do conhecimento, buscando dados sobre sua institucionalizao social e cognitiva, contextualizando-os em relao s histrias do Jornalismo e da universidade e interpretando-os com base nos estudos sobre a sociedade e a cultura. a hiptese com que trabalha de que a identificao e a descrio dos frames construdos no processo de institucionalizao da rea podem ajudar a esclarecer as dificuldades epistemolgicas constatadas no seu desenvolvimento.Palavras-chave: Jornalismo. campo acadmico. institucionalizao. Frames. Epistemologia.

    copyright 2010sBPJor / sociedade

    Brasileira de Pesquisa em Jornalismo

    dossi

  • BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 201098

    socialmente para justificar o fechamento do mercado de trabalho a

    seus possuidores, em nome da qualidade da prestao de um servio

    pblico: o pr-requisito para o reconhecimento de qualquer profisso

    (REESE, 1999; FIDALGO, 2008). No Brasil, este dficit terico concorreu

    para a deciso do Supremo Tribunal Federal que derrubou a exigncia do

    diploma especfico para o acesso profisso em 2009.

    Mas se, por um lado, tal dficit demonstra a fragilidade do processo

    de profissionalizao do Jornalismo (sua dificuldade de ultrapassar o nvel

    de quase profisso), por outro denota o estgio de desenvolvimento do

    campo acadmico em que est inserido, e que assume a responsabilidade

    por sua formao profissional no nvel universitrio. Ao no fornecer, ao

    meio profissional a que est vinculada, as teorias de que este necessita

    para afirmar a sua especificidade e relevncia, a rea acadmica do

    Jornalismo ou da Comunicao (qualquer que seja o ngulo com que

    seja observada neste sentido) tambm expe fragilidades no processo

    de sua prpria legitimao (sua dificuldade de ultrapassar o nvel de

    quase-disciplina). Os desafios da profissionalizao acadmica (REESE

    & COHEN, 2000) e do reconhecimento da rea no campo cientfico

    (BOURDIEU, 2005; SPROULE, 2008) passam igualmente, desta forma,

    pelo enfrentamento da questo.

    Os debates travados no meio acadmico brasileiro, em 2009, a respeito

    da desregulamentao da profisso de jornalista pelo Supremo Tribunal

    Federal, e do Projeto de Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os

    Cursos de Jornalismo, elaborado sob o impacto da mesma, trouxeram

    tona, mais uma vez, as fissuras na institucionalizao cognitiva do

    campo, que tensionam periodicamente a sua institucionalizao social

    (WHITLEY, 1974).

    Berger & Luckmann destacam o papel das instituies para orientar

    os atores sociais:

    As instituies foram criadas para aliviar o indivduo da necessidade de reinventar o mundo a cada dia e ter de se orientar dentro dele. As instituies criam programas para a execuo da interao social e para a realizao de currculos de vida. Elas fornecem padres comprovados segundo os quais a pessoa pode orientar seu comportamento [...]. Quando as instituies funcionam normalmente, o indivduo cumpre os papis a ele atribudos pela sociedade na forma de esquemas institucionalizados de ao e conduz sua vida no sentido de currculos de vida assegurados institucionalmente, pr-moldados socialmente e com alto grau de autoevidncia. Em seu resultado, as instituies substituem os instintos: possibilitam um agir para o qual nem sempre preciso pesar cuidadosamente as alternativas. Muitas interaes sociais importantes,

    Eduardo Meditsch

  • 99BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010

    do ponto de vista da sociedade, so realizadas de forma quase automtica (BERGER & LUCKMANN, 2004, pp. 55-56).

    No entanto, como observam os autores, na socializao das

    instituies ocorrem fissuras, quando no verdadeiras rupturas.

    A literatura internacional sobre o ensino e a pesquisa em Jornalismo

    tem demonstrado que as fissuras na rea so mais gerais do que suas

    manifestaes pontuais, discutidas nos variados contextos nacionais

    (MEDSGER, 1996; REESE, 1999; TURNER, 2000; ADAM, 2001; BROMLEY

    et al., 2001; SKINNER et al., 2001; SCHADE, 2006; PIETL, 2008). Inserido

    num processo de mundializao da cultura, em que a internacionalizao

    da cincia tem papel de vanguarda (ORTIZ, 1994), pouco provvel que

    o problema da construo do consenso necessrio ao amadurecimento

    epistemolgico do campo encontre solues localizadas, quaisquer

    que elas sejam, para a questo ainda no solucionada da unicidade e

    diversidade da rea da Comunicao.

    No era possvel vislumbrar esse panorama h um quarto de sculo,

    quando me debrucei pela primeira vez sobre a questo, em minha

    investigao de Mestrado, preocupado com o desencontro entre teoria

    e prtica no ensino da Comunicao. A partir de crticas feitas na poca

    aos descaminhos da universidade brasileira - vista como cerceada em

    sua misso crtica pela dependncia a matrizes culturais estrangeiras,

    cujo positivismo teria imunizado as Cincias Humanas - encontrei nas

    epistemologias crticas e em sua aplicao na pedagogia de Paulo Freire

    as pistas tericas que necessitava para solucionar a questo que me

    desafiava. A ponte para a verificao emprica de minhas hipteses foi

    dada pela historiografia do campo.

    O resultado do estudo para mim surpreendente por ningum ter

    apontado isto antes no Brasil - foi diagnosticar a dissociao entre teoria

    e prtica no ensino de Jornalismo como resultado da introduo no

    pas da Comunicao Social como parmetro para o currculo mnimo

    obrigatrio, a partir de 1969. A mudana no havia trazido apenas uma

    nova cincia, mas tambm a proposta de um novo profissional associado

    a ela, o comunicador polivalente, que deveria substituir os jornalistas

    (e os demais profissionais) anteriormente formados nas escolas. Desta

    forma, a Comunicao como rea acadmica j no entraria no nosso

    pas como havia sido pensada anteriormente por Pompeu de Souza, no

    projeto da UnB, a partir do modelo inspirado nos Estados Unidos: uma

    Escola de Comunicao de Massa com cursos profissionais diferenciados

    (SOUZA, 1965). Aqui, as profisses existentes deveriam ser extintas e

    Profisso derrotada, cincia no legitimada

  • BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010100

    substitudas (NIXON, 1981). Como seria previsvel, isso nunca aconteceu

    na realidade, pois o mercado de trabalho possua uma dinmica prpria.

    No mesmo ano de 1969, em que era decretado este currculo mnimo

    obrigatrio, o mesmo governo militar regulamentou a profisso de

    Jornalista, com a exigncia de diploma superior especfico.

    Esta contradio, somada inconformidade das prprias escolas

    com as novas orientaes pedaggicas impostas, manteve as profisses

    clssicas como habilitaes do novo Curso de Comunicao Social e

    tornou o comunicador polivalente uma habilitao entre as outras,

    que com o tempo seria abandonada (MELO 1974). No entanto, a teoria

    pensada para a formao deste profissional idealizado ocupou os

    currculos no chamado tronco comum, enquanto as partes especficas

    eram preenchidas com disciplinas tcnicas, voltadas s profisses

    existentes, sem maior contedo terico ou ligao com aquele tronco

    comum. A dicotomia entre teoria e prtica, se j existia antes nos antigos

    Cursos de Jornalismo, ficou mais difcil de reverter nos novos Cursos de

    Comunicao (MEDITSCH, 1990).

    Acompanhando interpretaes feitas na poca, que atribuam os

    problemas de nossa Universidade questo da dependncia cultural

    e ao intervencionismo na Amrica Latina por conta da Guerra Fria

    (IANNI, 1976; CUNHA, & GES, 1987), tambm atribu a introduo da

    Comunicao no pas s mesmas questes. A tese de uma interveno

    poltica como motivao para a remodelao da rea foi confirmada por

    estudos acadmicos mais recentes. Porm, minhas limitadas fontes de

    dados e meu quadro terico dualista no permitiram observar, naquela

    poca, que isso tambm havia ocorrido no interior de universidades do

    primeiro mundo, onde uma cincia concebida para o controle social

    disputava espao, a partir de ento, no interior das Escolas de Jornalismo,

    na nova rea de Mass Communication (POOLEY, 2008).

    No entanto, a descoberta da origem ilegtima e do desenvolvimento

    impuro da Comunicao como cincia, pela sua instrumentalizao

    poltica, j no nos permite, por si s, compreender no que o

    campo acadmico se tornou hoje. As dicotomias podem levar a uma

    simplificao excessiva da realidade, conduzindo a formas reducionistas

    de pensamento. Escapar de uma delas no nos impede de cair em outras.

    A classificao por oposio um movimento natural na construo das

    ideias, ainda mais quando essas pretendem cumprir uma finalidade

    didtica mais do que apreender a complexidade do mundo. Embates

    polticos, como os que periodicamente ocorrem no interior da rea

    acadmica, tendem a alinhar diferentes matizes, amalgamar perspectivas

    Eduardo Meditsch

  • 101BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010

    e minimizar suas diferenas, a partir de um posicionamento pragmtico

    em relao questo em disputa. Porm, a prudncia cientfica aconselha

    a observar, como prope Bakhtin (1986), que todos os enunciados, ao

    refletirem a realidade de uma certa maneira, a refratam em outras. Da

    a necessidade de evitar as armadilhas de novas dicotomias redutoras.

    A perspectiva Jornalismo x Comunicao pode ter se tornado uma

    delas, embora tenha tido um papel importante na recuperao do

    foco no objeto. H indcios de que muitos dos problemas constatados

    no desenvolvimento de uma Teoria do Jornalismo, no interior da

    Comunicao como disciplina, tambm no tenham sido solucionados de

    maneira mais adequada fora dela, onde o Jornalismo se institucionalizou

    de forma independente. Tanto no perodo em que teria vivido esta

    independncia inicialmente (na pr-histria da Comunicao), quanto

    nos locais onde a teria mantido depois e at hoje, os problemas de

    criao terico-conceitual especfica e de legitimao diante dos campos

    profissional e acadmico estiveram e esto presentes (REESE, 1999;

    REESE & COHEN, 2000; WEINBERG, 2008).

    A necessidade de uma Teoria do Jornalismo, e as deficincias no

    atendimento a esta necessidade pelas Teorias da Comunicao, foram

    apontadas com propriedade por Genro Filho (1987), entre outros autores,

    e seguem sendo uma questo ainda no resolvida at o presente, apesar

    de alguns progressos ocorridos neste sentido no ltimo quarto de sculo

    (BENETTI, 2005). Uma causa j identificada o deslocamento do foco

    de interesse da teoria produzida na rea, que se voltou dos produtos

    para os efeitos da mdia (REESE, 1999). Como os principais objetos de

    interesse da parte prtica dos cursos so a produo e os produtos, a

    falta de valorizao destes objetos, por muito tempo, por parte do lado

    terico dos mesmos cursos, criou um fosso difcil de suplantar.

    No campo da produo cientfica, essa situao criou tambm

    uma terra de ningum, que viria a ser ocupada por pesquisadores de

    outras disciplinas que no a Comunicao, atrados pela relevncia do

    Jornalismo e pela brecha a ser preenchida. Como observou John Hartley,

    o Jornalismo a terra nullius da epistemologia, vista por qualquer um

    que vagueie por ela como um territrio inabitado do conhecimento,

    prprio para ser colonizado por qualquer interessado (HARTLEY, 1996,

    p. 39). Em consequncia, o impulso interdisciplinar recente faz com que

    o Jornalismo comece a ser levado mais a srio, mas at a como objeto

    de estudo de outras reas que no necessariamente a Comunicao

    (ZELIZER, 2004). Como campo especfico, sua legitimao acadmica

    requer ainda a produo de uma teoria prpria, que incorpore a produo

    Profisso derrotada, cincia no legitimada

  • BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010102

    interdisciplinar dos Journalism Studies para construir conceitos e

    metodologias prprias, a partir de uma perspectiva necessariamente

    original (GROTH, 2006).

    Um foco mais fechado no objeto especfico pode facilitar esta tarefa,

    mas no a garante por si s. Sem a abertura interdisciplinar e os hbitos

    cientficos com que os estudiosos de Jornalismo aprenderam a conviver

    no mbito da Comunicao, pode ser mais difcil de realiz-la (REESE &

    COHEN, 2000). Por isso mesmo, o Jornalismo tende a se desenvolver

    de maneira produtiva como um subcampo acadmico da Comunicao,

    nos locais onde a unicidade e a diversidade deste campo maior sejam

    adequadamente equacionadas, para dar conta da pluralidade de objetos

    e de objetivos que comporta.

    O desafio de uma institucionalizao harmnica e consensual no

    campo parece, no entanto, difcil de transpor, e no apenas no Brasil.

    Um exemplo disso o Currculo Modelo proposto no novo Sculo

    pela UNESCO, e que representa uma guinada de 180 graus na posio

    da entidade que, em dcadas anteriores, introduziu o Ensino da

    Comunicao na maior parte do mundo. Chama a ateno no documento

    o apagamento deste passado, a ausncia de qualquer justificativa para

    uma mudana to radical de posio e a desconsiderao ao fato do

    Ensino de Jornalismo estar ocorrendo em quase todos os pases dentro

    de Escolas de Comunicao. A existncia de um campo acadmico

    chamado Comunicao ignorada, e a Teoria da Comunicao sequer

    faz parte do currculo proposto (UNESCO, 2007).

    O novo currculo da Unesco traz progressos em muitos pontos,

    como restabelecer o foco na especificidade do Jornalismo e reconhecer

    o direito dos pases em desenvolvimento de possurem democracias

    segundo o clssico modelo ocidental. A proposta tambm se preocupa

    com os desafios enfrentados pela profisso a partir das questes

    da globalizao, da diversidade cultural e da mutao tecnolgica e

    reafirma a necessidade de formao ampla dos futuros jornalistas

    no campo das Cincias Humanas para capacit-los como produtores

    intelectuais (UNESCO, 2007). Atualiza, assim, um modelo pedaggico

    j proposto pelos founding fathers do Ensino de Jornalismo h

    um sculo. No entanto, avana pouco, em relao queles, no que

    compete teorizao especfica, desprezando inclusive a contribuio

    interdisciplinar da florescente rea dos Journalism Studies, que pouco

    ou nada incorporada.

    Os Journalism Studies so um dos novos recortes que, como os

    Cinema Studies, Media Studies, Cultural Studies etc., tem diversificado

    Eduardo Meditsch

  • 103BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010

    a rea. No incio deste novo Sculo, esses territrios acadmicos vm

    ganhando identidades prprias. Na medida em que avana, cada uma

    destas novas identidades tensiona a institucionalizao do Campo da

    Comunicao enquanto disciplina unitria, tanto do ponto de vista

    cognitivo, dificultando a construo do consenso necessrio a sua

    solidificao epistemolgica, quanto do ponto de vista social, com a

    proliferao de redes e entidades diferenciadas em seu interior.

    A sobrevivncia da identidade do Jornalismo no interior da disciplina

    da Comunicao vem tona na Amrica Latina na virada do Sculo, na

    esteira da afirmao internacional dos Journalism Studies (MEDITSCH

    et al., 2008). So indicativos desta afirmao, a criao de grupos de

    interesse nas entidades internacionais da rea (ICA e IAMCR), a articulao

    de redes transnacionais, a fundao de entidades, programas, grupos

    e linhas de pesquisa, o surgimento de peridicos especializados e a

    profuso de bibliografia neste subcampo.

    Recuperar o foco no Jornalismo como objeto pode, desta forma, ter

    trazido algumas vantagens para a rea acadmica da Comunicao como

    um todo. No entanto, para ser plenamente efetivada, esta recuperao

    do objeto requer ainda uma superao de paradigmas (KUHN, 1970).

    Mudanas de paradigmas afetam no s o funcionamento do campo,

    mas tambm a percepo sobre o presente e o passado da disciplina

    (SPROULE, 2008). A perspectiva dos paradigmas permite repensar a

    dicotomia Jornalismo x Comunicao, recolocando a questo, agora

    como Comunicao x Comunicao. Teramos ento novos pontos de

    vista, no mais baseados nos recortes do objeto, mas sim na natureza e

    finalidade da disciplina.

    A questo da finalidade estabelece modos diversos de ver a histria

    da Comunicao: de um lado, a institucionalizao social do campo,

    respondendo a demandas de formao profissional, a partir do incio

    do Sculo passado, ser valorizada como a sua verdadeira origem. Esta

    finalidade social, ainda que extracientfica, vai ser assim reconhecida

    como legtima para guiar a institucionalizao cognitiva, tal qual ocorreu

    em outras disciplinas aplicadas, como a Educao (MELO, 2008). De outro

    lado, este perodo anterior fuso interdisciplinar que ganhou o nome

    de Cincia da Comunicao ser considerado pr-acadmico: uma

    nova institucionalizao cognitiva, com finalidades mais estritamente

    cientficas (a construo da disciplina de direito prprio) ser o

    fundamento teleolgico visto como o nico legtimo para sua posterior

    institucionalizao social, como ocorreu em outras Cincias Sociais,

    como a Sociologia ou a Antropologia (MARTINO, 2007). O divisor de

    Profisso derrotada, cincia no legitimada

  • BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010104

    guas passa a ser a questo da hierarquia de interesses e finalidades

    entre a academia e a profisso: num extremo, a viso de que a ps-

    graduao deve servir s necessidades no atendidas da graduao;

    num outro, a de que a graduao que deve seguir o caminho da ps,

    e se afastar de demandas extracientficas (como as profissionais) para

    constituir uma cincia.

    A dicotomia profissional x acadmico, tanto quanto a existente

    entre Jornalismo x Comunicao, atravessa tambm a histria do campo

    (REESE, 1999). Esta afeta a todos os subcampos da Comunicao - os

    que tm vnculos histricos com as prticas, assim como o Jornalismo

    (Publicidade, RP, Radialismo, Audiovisual, etc.), e os que se originaram

    de disciplinas sem este vnculo (Sociologia, Semitica, Psicologia etc.)

    - e tensiona as relaes entre os dois grandes grupos. A tenso e a

    acomodao entre esses polos um interessado por aspectos mais

    concretos, outro por mais abstratos tambm marca a histria das

    entidades internacionais da rea (NORDENSTRENG, 2008).

    A dicotomia profissional x acadmico recoloca os problemas

    enfatizados na anterior dicotomia prtica x teoria, em que se cristaliza

    uma diviso do trabalho entre especialistas de uma e outra atividade. J

    no debate realizado no interior do campo sobre a reviso desta Tabela

    das reas de Conhecimento, em 2005, a principal polarizao ocorreu

    entre: os que defendiam a valorizao de um saber comunicacional

    geral, capaz de constituir a identidade de um campo prprio e de faz-

    lo superar o estgio de local de aplicao de outros campos (posio

    defendida pelos acadmicos que identificam sua rea de estudos com

    a teoria da comunicao); e os que, ao contrrio, viam no acmulo

    de conhecimentos especficos o que deveria ser valorizado para a

    constituio da Comunicao como uma grande rea de estudos (posio

    defendida na reunio pelas entidades do Jornalismo e do Cinema, e

    ainda pela rea de Relaes Pblicas). Aqui, a dicotomia aparece como

    saber geral x saberes especficos na justificao do campo. No mesmo

    debate, foi proposta uma reclassificao da Comunicao, com seu

    reconhecimento como integrante do campo das Cincias Humanas, e

    no mais das Cincias Aplicadas. A dicotomia aparece ento como

    cincia legtima x cincia aplicada.

    Poderamos continuar, talvez indefinidamente, apontando outras

    dicotomias recorrentes, que vem tona nos momentos de embate

    poltico no interior do campo, mas esse no nosso objetivo. Por agora,

    o importante era demonstrar que as questes epistemolgicas a serem

    enfrentadas pela rea so muito mais complexas do que aquilo que tem

    Eduardo Meditsch

  • 105BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010

    sido destacado em cada um desses aspectos, se tomado isoladamente, e

    que no se resolvem atravs de escolhas binrias como as propostas por

    cada uma das dicotomias. Inmeras outras questes subjacentes vo

    reaparecer sempre, enquanto no forem enfrentadas, seja em contextos

    de Jornalismo x Jornalismo ou de Comunicao x Comunicao, como

    constata Gislene Silva (2009). O enfrentamento racional destas questes,

    no entanto, passa por uma compreenso mais acurada da construo

    social e cognitiva do campo. A histria de outras disciplinas, que

    sobreviveram a suas crises de paradigma, demonstra que a frustrao

    do impulso primrio de aniquilao mtua das perspectivas contrrias

    requereu uma elaborao posterior, em um nvel mais alto de integrao

    terica, das legitimaes das vrias instituies (BERGER & LUCKMANN,

    1985, pp. 148-9). Entretanto, para que tal passo se torne possvel,

    necessrio antes compreender como ocorre a cristalizao dos universos

    simblicos em disputa:

    A cristalizao dos universos simblicos segue os processos [...] de objetivao, sedimentao e acumulao do conhecimento. Isto , os universos simblicos so produtos sociais que tm uma histria. Se quisermos entender seu significado, temos de entender a histria de sua produo. Isto tanto mais importante quanto esses produtos da conscincia humana, por sua prpria natureza, apresentam-se como plenamente desenvolvidos e inevitveis (BERGER & LUCKMANN, 1985, p. 133).

    O conceito de frame, tal como utilizado por Stephen Reese no

    estudo da mdia, pode ser til para situar essas explicaes e as

    maneiras como foram construdas no processo de institucionalizao

    do campo: Frames so princpios organizativos que so compartilhados

    socialmente e persistentes no tempo, que atuam simbolicamente para

    estruturar significativamente o mundo social (grifos do autor) (REESE,

    2001, p. 5). Para o linguista e cientista cognitivo George Lakoff, frames

    so as estruturas mentais que permitem aos seres humanos entender a

    realidade e algumas vezes a criar o que tomamos por realidade:

    [...] Frames facilitam nossas mais bsicas interaes com o mundo eles estruturam nossas ideias e conceitos, eles do forma nossa racionalizao, e eles influenciam ainda como percebemos e como atuamos. A maior parte do tempo, o nosso uso dos frames inconsciente e automtico os utlizamos sem nos darmos conta disto. Erving Goffman, o famoso socilogo, foi um dos primeiros a observar os frames e a forma como eles estruturam nossas interaes com o mundo. [...] Ele descobriu algo muito importante: instituies sociais

    Profisso derrotada, cincia no legitimada

  • BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010106

    e situaes so formatadas por estruturas mentais (frames), os quais ento determinam como nos comportamos em tais instituies e situaes (LAKOFF, 2006, p. 25).

    O conceito de frame pode ajudar assim a explicar os programas

    e prescries institucionalizados (BERGER & LUCKMANN, 2004, p.

    56), e os habitus construdos neste processo de institucionalizao

    em nosso campo (BOURDIEU, 2005). Decorre da a necessidade de

    aumentar o conhecimento sobre a histria intelectual do Jornalismo no

    campo acadmico, a comear pelo percurso transcorrido nos ltimos

    cem anos na universidade norte-americana e tambm em outros pases.

    O incio da pesquisa pelos Estados Unidos se deve ao fato daquele pas

    ter ocupado um papel de inegvel centralidade nos acontecimentos que

    moldaram o objeto de estudo no perodo em anlise, apesar da histria

    da rea acadmica do Jornalismo ser mais antiga em outros pases

    europeus (SOUSA, 2004).

    Ao longo do Sculo XX, os Estados Unidos se tornaram a principal

    potncia econmica e militar do planeta, ampliando tal hegemonia

    tambm para os campos da cultura de massa e da produo cientfica.

    Este protagonismo influenciou de maneira decisiva os modelos atravs

    dos quais o Jornalismo praticado atualmente na maior parte dos pases

    (CHALABY, 1998), como tambm os paradigmas com que estudado e

    as maneiras como reproduzido atravs da formao profissional nas

    universidades (MELO, 2008b; WEINBERG, 2008).

    Os estudos crticos, fundados numa forte reao influncia norte-

    americana com base em matrizes europeias (NORDENSTRENG, 2008:234),

    e desenvolvidos com grande criatividade na Amrica Latina, rejeitaram

    por algum tempo a maior parte da contribuio cientfica norte-americana

    para a rea. Porm, esse quase total fechamento da rea acadmica

    latino-americana aos estudos de Jornalismo que se desenvolviam nos

    Estados Unidos, que vigorou por mais de uma dcada, dificultou o

    desenvolvimento terico no estudo da notcia. A produo internacional

    que vai recolocar os processos de produo e a anlise dos produtos

    jornalsticos no centro do foco cientfico da rea de Comunicao demora

    a aparecer nas Teorias de Jornalismo discutidas no pas.

    O fim deste isolamento s vai se verificar a partir de meados da

    dcada de 1990, com a introduo das coletneas e compndios didticos

    sobre os journalism studies trazidos principalmente de Portugal ou

    traduzidos l (WOLF, 1987; TRAQUINA, 1993, 2001, 2004; SOUSA, 2002)

    que logo se tornariam as obras mais citadas na produo cientfica sobre

    Eduardo Meditsch

  • 107BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010

    Jornalismo no Brasil (MEDITSCH & SEGALA, 2005; RUBLESCKI, 2010). Para

    Marques de Melo, passamos a adotar os excelentes manuais produzidos

    em Portugal pelo professor Nelson Traquina. Contudo, eles enfeixam

    ideias fora do lugar. Seus marcos tericos reproduzem criticamente os

    postulados em que foram construdos [...]. Por isso mesmo, denotam

    ausncia natural de empatia com os fenmenos peculiares do Jornalismo

    brasileiro (MELO, 2006, p. 35).

    A questo da utilizao das ideias fora do lugar tem sido central

    no debate intelectual e acadmico brasileiro desde que o crtico literrio

    Roberto Schwartz criou a expresso, ao analisar a assimilao das

    ideias burguesas no contexto escravocrata do Sculo XIX (SCHWARTZ,

    1988). Mas, se as ideias fora do lugar serviram de insumo para a

    criatividade artstica e literria brasileira, como demonstrou Schwartz em

    relao obra do escritor Machado de Assis, no contexto das Cincias

    Humanas elas trouxeram tambm problemas epistemolgicos de difcil

    enfrentamento. A aplicao de conceitos fora do contexto terico que

    lhes deu origem, principalmente num campo interdisciplinar como o

    da Comunicao, em que esses conceitos so importados no somente

    de outros pases, como tambm de outros campos de conhecimento,

    cria dificuldades ainda maiores. A citao continuada e em cascata de

    conceitos de sucesso nos estudos de jornalismo, como os de gatekeeping,

    agenda-setting, newsmaking, framing, social construction of reality

    etc., com o desconhecimento das pesquisas e dos contextos que lhes

    deram origem, provoca muitas vezes a sua reificao e banalizao, e

    usualmente uma generalizao ou deslocamento de sua utilizao, de

    maneiras no autorizadas pelas metodologias que lhes deram origem

    (MEDITSCH, 1997; 2001).

    Embora a teoria da dependncia cultural tenha contribudo para uma

    maior conscincia neste sentido, conduziu muitas vezes tambm para

    uma nova dicotomia, em torno da questo nacional, que pretendia explicar

    todos os problemas por este vis e no permitia vislumbrar o fenmeno

    emergente da mundializao da cultura (ORTIZ, 1994). Este outro

    reducionismo terico obscureceu o fato de que muitas das experincias

    vivenciadas aqui eram semelhantes s vividas em pases centrais, apesar

    das diferenas pontuais. Em consequncia, a experincia de mais de

    um sculo do campo nos Estados Unidos, e os debates e embates a seu

    respeito, em parte refletidos aqui, no tem sido aproveitados de maneira

    mais produtiva por falta de um esforo sistemtico para a sua recuperao

    a partir de uma perspectiva que coloque as ideias em seu lugares, para

    posteriormente contrap-las realidade brasileira.

    Profisso derrotada, cincia no legitimada

  • BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010108

    Num momento em que se coloca a necessidade de reinveno

    do jornalismo, aumenta a responsabilidade e a cobrana sobre a rea

    acadmica para que participe deste processo (DOWNIE & SCHUDSON,

    2009; FAUSTO NETO, 2009). Dando-se no contexto da mundializao da

    cultura, porm, em que os Estados Unidos exercem ainda uma inegvel

    liderana internacional, expressa j em nossa rea em diversos projetos

    de globalizao dos estudos e do ensino de jornalismo (SHOEMAKER

    & COHEN, 2006; REESE, 2007; LFFELHOLZ & WEAVER, 2008; WAHL-

    JORGENSEN & HANITZSCH, 2009), uma compreenso mais acurada das

    matrizes norte-americanas se torna imprescindvel para subsidiar a

    participao brasileira neste processo.

    O norte-americano James Carey foi um dos que perguntou e

    procurou responder onde o ensino de jornalismo deu errado? Nossa

    preocupao tem motivao semelhante, mas foca numa perspectiva

    um pouco diversa: o que obstaculariza o desenvolvimento terico sobre

    Jornalismo dentro da rea especfica (quer seja vista como Comunicao

    ou s como Jornalismo)?

    Carey tambm observou, h pouco mais de uma dcada, no existir

    ainda uma histria da pesquisa em comunicao em sentido estrito (CAREY,

    1997, pp. 14-5). Em resposta a esta demanda, apareceram estudos mais

    crticos da histria do campo, como os reunidos por David Park e Jefferson

    Pooley (2008). Os autores observam que a histria das disciplinas cientficas

    um subcampo marginal, mas necessrio constituio do campo. No caso

    do Jornalismo e da Comunicao, a maior parte das narrativas histricas

    norte-americanas seria feita de dentro, sem o necessrio distanciamento

    que propiciasse uma contextualizao consistente dos eventos. Em

    contraposio a isso, o que propem um historicismo qualificado, para

    reconstituir as ideias, figuras, batalhas por recursos, e qualquer outro

    objeto de estudo, dentro do contexto todo de sua localizao original no

    espao e no tempo (PARK & POOLEY, 2008, pp. 5-6).

    Norma Crtes busca na

    situao hermenutica, proposta por Gadamer, o fundamento da conscincia histrica: O objeto do conhecimento histrico , tal como o seu observador, um sujeito dotado de alguma forma de racionalidade adequada relativamente ao seu prprio tempo e modo de vida, e ambos so igualmente aptos a formular hipteses de futuro, explicaes sobre o passado e conhecimento a respeito de seus respectivos mundos. Dessa forma, alm de indicar a polifonia de significados da palavra histria ela objeto do interesse cognitivo e, simultaneamente, morada daquele que a investiga -, a conscincia histrica instala-se como reconhecimento da variedade da condio

    Eduardo Meditsch

  • 109BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010

    humana e da relatividade dos seus respectivos modos de cognio [...]. Em resumo, o reconhecimento da historicidade da conscincia compreensiva [...] reclama pela elaborao de uma histria social do conhecimento ou, caso se prefira, uma sociologia do conhecimento [...] que a um s tempo oferea estrutura conceitual e lastro histrico quele que conhece (CRTES, 2003, pp. 49-57).

    a partir da perspectiva da sociologia do conhecimento que deveria

    se realizar este estudo, observando a histria do campo acadmico

    do jornalismo como realidade objetiva e, ao mesmo tempo, como

    realidade subjetiva (BERGER & LUCKMANN, 1985).

    Ao discutir a Histria e sua relao com o Jornalismo como campo de

    pesquisa, Romancini (2007) destaca o papel da Nova Histria Cultural:

    uma espcie de centralidade dada categoria cultura faz com que ela seja estudada numa grande variedade de enfoques [...]. H, pois, conforme certas reas, uma ntida aproximao com o contemporneo, ou pelo menos com um tempo histrico mais prximo do historiador. E da a utilizao de tcnicas de investigao mais tradicionais das cincias sociais [...] e mesmo de outras tcnicas que hoje j adquirem estatuto metodolgico propriamente histrico, devido reflexo realizada a respeito, como a histria oral, em suas vrias dimenses [...] (ROMANCINI, 2007, pp. 28-9).

    Ao revisar o debate sobre a situao hermenutica, Minayo

    prope que somente na medida em que descobre as razes que fazem

    aparecer, tal como , um depoimento de determinado locutor, o analista

    pode apreender o que o sujeito quis dizer, isto , a significao da fala

    (MINAYO, 2004, p. 222). Na perspectiva do estudo do discurso, trata-

    se de captar a compreenso responsiva postulada pelo locutor no

    dilogo social, pois cada enunciado um elo da cadeia muito complexa

    de outros enunciados (BAKHTIN, 1992, p. 291). Romancini aponta

    vantagens na possibilidade de combinao das perspectivas moderna

    e ps-moderna num estudo histrico:

    dificilmente pode-se negar que, de um lado, a historiografia ps-moderna traz propostas e questes relevantes para a epistemologia histrica, de maneira geral, como o reconhecimento do carter narrativo e discursivo que mesmo uma histria estrutural assume, obrigando a maior reflexividade dos pesquisadores sobre esse ponto [...]; o recorte micro tambm foi capaz de dinamizar a Histria criticando (ou mostrando os limites) de modelos idealistas de anlise, e colocando o prprio presente e as motivaes do pesquisador em causa. Por outro lado, observam-se possibilidades de combinao entre

    abordagens macro e micro (ROMANCINI, 2007, p. 29).

    Profisso derrotada, cincia no legitimada

  • BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 6 - Nmero 1 - 2010110

    Como o autor observa, essa perspectiva ecltica s vezes pouco

    compreendida por pares mais confortavelmente instalados em pontos de

    vista estabelecidos. Apesar dos riscos de incompreenso que significa,

    o ecletismo terico precisa ser mantido na interpretao dos dados de

    qualquer pesquisa em que a transposio de paradigmas pressuposta

    pelo escopo que subjaz o projeto, para que possa de fato colaborar para

    uma elaborao posterior, em um nvel mais alto de integrao terica,

    das legitimaes das vrias instituies (BERGER & LUCKMANN, 1985,

    pp. 148-9).

    A hiptese de trabalho de que partimos de que a identificao

    e descrio dos frames construdos no processo de institucionalizao

    social e cognitiva da rea, em nvel internacional, podem ajudar a explicar

    suas dificuldades epistemolgicas constatadas aqui. Para tanto, tal

    anlise precisa ainda ser confrontada com a histria do campo no Brasil

    e com referncias da histria de outras disciplinas. um programa de

    trabalho to amplo quanto inescapvel para responder s perguntas que

    nos inquietam neste momento quanto ao futuro da profisso e tambm

    ao futuro da disciplina.

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