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ESPIRAL | 079 A representação do tempo tem sido essencialmente circular ao longo dos séculos e os relógios redondos continuam a ser a primeira escolha para a maioria. Mas os relógios de forma são cada vez mais populares entre aqueles que gostam de ser diferentes: os formatos quadrado, rectangular e tonneau são anti-con- vencionais e merecem integrar qualquer colecção pessoal. Caixas de forma. Para lá do círculo 078 | ESPIRAL sabido que o tempo tem uma concepção cir- cular – o sol alterna com a lua, os dias suce- dem--se às noites, as estações revezam-se continuamente. Daí o mito do eterno retorno, a serpente que engole a própria cauda: cedo se percebeu que a melhor maneira de contar o tempo era utilizando ponteiros em movimento cíclico a partir de um eixo num mostrador redondo... O ritmo circular dos ponteiros torna lógico o recurso aos mostradores redondos com algarismos indicadores; a melhor maneira de albergar um mostrador em forma de disco é precisa- mente utilizar a geometria circular para a concepção da caixa e, a partir de certa altura, as exigências da estanquicidade fizeram com que o formato redondo fosse até o preferido por razões técnicas. A dilatação dos materiais, que se efectua do centro para a periferia, é mais fácil de gerir utilizando peças trabalhadas sobre uma base cir- cular; as juntas em anel também são mais fáceis de produzir e os vidros redondos mais fáceis de ajustar à caixa. Por motivos simbóli- cos e técnicos, as caixas anelares tornaram-se a escolha mais evi- dente – não só por razões de legibilidade, mas também devido à se- gurança: os relógios redondos eram obviamente mais resistentes e estanques. Mas o desenvolvimento da indústria do sector também permitiu avanços significativos na produção de carrosserias e mecanismos ‘de forma’ (ou seja, não circulares). Aqueles que procuravam algo de diferente em alternativa à estética mais comum passaram a ter o prazer de poder encontrar modelos de forma cada vez mais robus- tos e fiáveis... como o Monaco, que em 1969 provocou uma espécie de corte epistemológico no mundo da relojoaria com a sua resposta estética para a quadratura do círculo. CAIXAS QUADRADAS O Monaco teve o condão de desmistificar a ideia de que os relógios desportivos eram exclusivamente redondos e tornou-se num mode- lo de culto transportado para a lenda com a ajuda de Steve Mc- Queen, sendo actualmente reeditado com melhorias estéticas signi- ficativas na linha Classics da TAG Heuer. Não há dúvida de que estabeleceu um marco histórico: exibia então um dos dois primeiros mecanismos cronográficos automáticos (o ‘Chronoma- tic’) naquela que era considerada a primeira caixa quadrada à prova de água. Para além disso, o seu inconfundível perfil ficou imorta- lizado no filme ‘Le Mans’ (1971) através do mítico Steve McQueen. É um relógio vincadamente masculino pela pujança das suas for- mas e dimensões, mas tornou-se cada vez mais comum ver-se o Monaco no pulso de mulheres que querem marcar a diferença! O sucesso da reedição limitada de 1998 foi de tal grandeza que ‘obrigou’ a TAG Heuer a uma actualização com novo lançamento em 1999, num mostrador estilizado com três contadores que tem mantido o modelo nos píncaros da popularidade. No entanto, ape- sar desse êxito do carismático Monaco ou das atractivas formas do Character da Versace, o formato quadrilátero até acaba por ser o menos utilizado em relógios de forma – atrás dos modelos rectan- gulares e tonneau (em forma de barril), que haviam surgido em força a partir da segunda década do século XX. EDITORIAL SUMÁRIO PERFÍL CORREIO LEITOR CALEIDOSCÓPIO EM FOCO REPORTAGEM OPINIÃO ENSAIO CRÓNICA ENTREVISTA TÉCNICA É TAG Heuer Monaco, da linha Classics: um dos mais famosos relógios de forma da história da relojoaria S P

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Page 1: EDITORIAL SUMÁRIO PERFÍL CORREIO LEITOR …€¦ · A representação do tempo tem sido essencialmente circular ao longo dos séculos e os ... de corte epistemológico no mundo

ESPIRAL | 079

A representação do tempo tem sido essencialmente circular ao longo dos séculos e os relógios redondoscontinuam a ser a primeira escolha para a maioria. Mas os relógios de forma são cada vez mais popularesentre aqueles que gostam de ser diferentes: os formatos quadrado, rectangular e tonneau são anti-con-vencionais e merecem integrar qualquer colecção pessoal.

Caixas de forma. Para lá do círculo

078 | ESPIRAL

sabido que o tempo tem uma concepção cir-

cular – o sol alterna com a lua, os dias suce-

dem--se às noites, as estações revezam-se

continuamente. Daí o mito do eterno retorno,

a serpente que engole a própria cauda: cedo se

percebeu que a melhor maneira de contar o tempo era utilizando

ponteiros em movimento cíclico a partir de um eixo num mostrador

redondo...

O ritmo circular dos ponteiros torna lógico o recurso aos

mostradores redondos com algarismos indicadores; a melhor

maneira de albergar um mostrador em forma de disco é precisa-

mente utilizar a geometria circular para a concepção da caixa e, a

partir de certa altura, as exigências da estanquicidade fizeram com

que o formato redondo fosse até o preferido por razões técnicas. A

dilatação dos materiais, que se efectua do centro para a periferia, é

mais fácil de gerir utilizando peças trabalhadas sobre uma base cir-

cular; as juntas em anel também são mais fáceis de produzir e os

vidros redondos mais fáceis de ajustar à caixa. Por motivos simbóli-

cos e técnicos, as caixas anelares tornaram-se a escolha mais evi-

dente – não só por razões de legibilidade, mas também devido à se-

gurança: os relógios redondos eram obviamente mais resistentes e

estanques.

Mas o desenvolvimento da indústria do sector também permitiu

avanços significativos na produção de carrosserias e mecanismos

‘de forma’ (ou seja, não circulares). Aqueles que procuravam algo de

diferente em alternativa à estética mais comum passaram a ter o

prazer de poder encontrar modelos de forma cada vez mais robus-

tos e fiáveis... como o Monaco, que em 1969 provocou uma espécie

de corte epistemológico no mundo da relojoaria com a sua resposta

estética para a quadratura do círculo.

CAIXAS QUADRADAS

O Monaco teve o condão de desmistificar a ideia de que os relógios

desportivos eram exclusivamente redondos e tornou-se num mode-

lo de culto transportado para a lenda com a ajuda de Steve Mc-

Queen, sendo actualmente reeditado com melhorias estéticas signi-

ficativas na linha Classics da TAG Heuer. Não há dúvida de que

estabeleceu um marco histórico: exibia então um dos dois

primeiros mecanismos cronográficos automáticos (o ‘Chronoma-

tic’) naquela que era considerada a primeira caixa quadrada à prova

de água. Para além disso, o seu inconfundível perfil ficou imorta-

lizado no filme ‘Le Mans’ (1971) através do mítico Steve McQueen.

É um relógio vincadamente masculino pela pujança das suas for-

mas e dimensões, mas tornou-se cada vez mais comum ver-se o

Monaco no pulso de mulheres que querem marcar a diferença!

O sucesso da reedição limitada de 1998 foi de tal grandeza que

‘obrigou’ a TAG Heuer a uma actualização com novo lançamento

em 1999, num mostrador estilizado com três contadores que tem

mantido o modelo nos píncaros da popularidade. No entanto, ape-

sar desse êxito do carismático Monaco ou das atractivas formas do

Character da Versace, o formato quadrilátero até acaba por ser o

menos utilizado em relógios de forma – atrás dos modelos rectan-

gulares e tonneau (em forma de barril), que haviam surgido em

força a partir da segunda década do século XX.

EDITORIAL SUMÁRIO PERFÍL CORREIO LEITOR CALEIDOSCÓPIO EM FOCO REPORTAGEM OPINIÃO ENSAIO CRÓNICA ENTREVISTA TÉCNICA

É

TAG Heuer Monaco, da linha

Classics: um dos mais famosos

relógios de forma da história da

relojoaria

SP

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ESPIRAL | 081080 | ESPIRAL

CAIXAS RECTANGULARES

O período Art Déco foi decisivo na insistência em diferentes

soluções estéticas para as caixas dos relógios de pulso, que já se as-

sumiam como alternativa relativamente aos fiáveis relógios de bol-

so; a moda passou a influir decisivamente nos hábitos do público

consumidor e começou a dar-se o aparecimento de tendências que

cortavam radicalmente com as tendências precedentes. Como o

mais habitual eram as caixas redondas, passou-se à radicalidade

dos ângulos rectos – especialmente os rectângulos...

E foi em 1931 que nasceu o mais famoso de todos os modelos rec-

tangulares: o Reverso da Jaeger-LeCoultre, actualmente com a

provecta idade de sete décadas mas mais desejado do que nunca e

com uma linhagem composta por inúmeras versões dotadas de to-

do o tipo de complicações. A caixa reversível do Reverso é um pe-

queno prodígio de arquitectura e já existe em quatro tamanhos

diferentes. Bebeu muito da inspiração Art Déco, um movimento

artístico extremamente rico que começou a despontar em 1925 (na

Exposição Internacional das Artes Decorativas e Industriais Mo-

dernas, em Paris) e que tinha por princípio a criação de uma

elegância anti-tradicional que simbolizasse sofisticação e arrojo

avant-garde.

Geralmente, as caixas rectangulares exalam uma imagem de classe

e são as preferidas pelas marcas para modelos destinados a

ocasiões mais especiais ou mesmo solenes. Como acontece com a

Glashütte Original, que desenvolveu um interessante formato

híbrido entre o quadrado e o rectangular denominado Karee...

CAIXAS TONNEAU

O formato tonneau também está actualmente cada vez mais popu-

larizado e muito contribuíu para apagar o anterior carácter mar-

ginal atribuído aos relógios que não eram redondos. Começou por

ser usado na transição dos Loucos Anos 20 para a década seguinte,

também como insolente forma de reagir face à tirania circular dos

relógios de bolso e ainda porque a lógica do consumo sempre im-

plicou que o desgaste de uma determinada tendência cria apetite

por novas interpretações.

Tal como noutras áreas de desenho industrial, as linhas curvas e

côncavas que começaram a surgir nas caixas tonneau dos relógios

ultrapassavam os meros aspectos da moda e buscavam a perfeição

técnica. O desenvolvimento tecnológico permitiu avanços em todas

as áreas – como o da ergonomia. Surgiu então uma reacção ao

movimento Art Déco: a corrente Bauhaus, assente numa harmonia

entre forma e função marcada pela ausência de ornamentação e os-

tentação.

O movimento Bauhaus insistiu no regresso aos relógios redondos

e o formato tonneau ficou algo adormecido até ser reinterpretado

de modo a tornar-se no ex-libris do emergente Franck Muller no

O período Art Déco foi decisivo na insistência em diferentessoluções estéticas para os relógios de pulso, que já se assumi-am como alternativa aos de bolso; como o habitual eram ascaixas redondas, passou-se à radicalidade dos ângulos rectos

05.01. A caixa reversível rectangular do

Reverso da Jaeger-LeCoultre 02.

Caixa rectangular Long Island de

Franck Muller; 03. A geometria híbri-

da do Royal Oak da Audemars Piguet

04. O estilo oval horizontal do Mil-

lenary da Audemars Piguet 05. O

sumptuoso cabaret rectangular da

Lange & Söhne; 06. Formas mistas

na caixa emblemática de Daniel Roth

07. O formato de écrã da linha TV

Screen da Daniel Jean-Richard 08.

O carismático Karree da Glashutte

Original 09. Caixa rectangular do

Graham Oxford 10. Formato carré

cambré do TAG Heuer Monza

Caixas

05. 06.

02.01. 03.

04.

07.

08. 09. 10.

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